Intervenção Percutânea em Enxertos de Veia Safena
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Intervenção Percutânea em Enxertos de Veia Safena
Rev Bras Cardiol Invas 2003; 11(4): 52-63. Pimentel Filho WA, Correia MB, Bocchi EA, Abdalla Filho R, Di Nucci T, Soares Neto MM, Kohn L, Büchler JR, Armelin E. Intervenção Percutânea em Enxertos de Veia Safena. Rev Bras Cardiol Invas 2003; 11(4): 52-63. Artigo de Revisão Intervenção Percutânea em Enxertos de Veia Safena Wilson Albino Pimentel Filho1,2,3, Maéve de Barros Correia1, Edson Alcides Bocchi1, Roberto Abdalla Filho1, Tiago Di Nucci1, Milton Macedo Soares Neto2, Luiz Kohn3, Jorge Roberto Büchler3, Egas Armelin3 RESUMO SUMMARY O enxerto de veia safena (EVS) ainda é uma opção nas cirurgias de revascularização miocárdica, embora 15% deles estejam ocluídos em um ano e 50% em dez anos devido à aterosclerose progressiva. A doença do EVS apresenta uma seqüência de três fases, temporalmente, distintas: trombose, hiperplasia da íntima e aterosclerose. A reoperação é associada a maior morbidade e mortalidade. A intervenção percutânea (IP) também apresenta complicações imediatas graves e resultados tardios insatisfatórios pela inter-relação dos fenômenos: embolização, não reaparecimento do fluxo (no reflow), infarto do miocárdio transprocedimento e reestenose subseqüente. Diversas terapêuticas, farmacológicas e dispositivos especiais, foram introduzidas na IP para evitar essas complicações, no entanto, apenas o stent e a proteção distal mostraram benefícios. Os novos stents recobertos com fármacos antiproliferativos são promissores na redução da ocorrência de reestenose do enxerto venoso. Neste artigo revisamos a patogênese, as opções terapêuticas e as perspectivas futuras para o tratamento da doença no EVS. Percutaneous Intervention in Saphenous Vein Graft Saphenous vein graft (SVG) still is an option in the coronary artery bypass graft operations, although 15% will be occluded within one year’s time and 50% will be occluded in 10 years due to progressive graft atherosclerosis. SVG disease follows temporally distinct phases of thrombosis, intimal hyperplasia and progressive atherosclerosis leading to recurrent ischemia. Repeated operation is associated to higher mortality and morbidity rates. Percutaneous treatment is also complicated by a high rate of procedural and long term complications due to the interrelated phenomenal of distal embolization, no reflow, periprocedure myocardial infarction, and subsequent restenosis. Many pharmaceutical and device based approaches have been tested to avert these complications, but few, such as the use of stent and distal protection device, have shown benefit. The novel drug-eluting stents show promise in reducing the occurrence of restenosis. The pathogenesis of the SVG disease, the actual therapeutics options and its future perspectives are reviewed in this article. DESCRITORES: Veia safena, transplante. Coronariopatia. Arteriosclerose. Angioplastia transluminal percutânea coronária. Hiperplasia. Trombose. DESCRIPTORS: Saphenous vein, transplantation. Coronary disease. Arteriosclerosis. Angioplasty, transluminal, percutaneous coronary. Hyperplasia. Thrombosis. A a reoperação é associada a maior morbidade e mortalidade, acompanhada de evolução clínica tardia insatisfatória3. Quanto à intervenção percutânea (IP), a despeito dos alentados avanços tecnológicos, ainda apresenta complicações imediatas graves e resultados tardios insatisfatórios pela inter-relação dos fenômenos: embolização, não reaparecimento do fluxo (no reflow), infarto do miocárdio transprocedimento e reestenose subseqüente 4. utilização de segmentos de veia safena (EVS) para desviar o sangue da aorta, a fim de auxiliar a irrigação da artéria coronária comprometida por doença aterosclerótica, foi pioneiramente realizada por Favaloro et al.1, dando início à era da revascularização cirúrgica “direta” do miocárdio. No entanto, ironicamente, ao lado dos excelentes benefícios observados em alguns subgrupos de pacientes, constatou-se, também, o caráter paliativo desse procedimento devido à falência dos enxertos ao longo da evolução clínica2. Por outro lado, Portanto, o tratamento da doença no EVS é, se 1 Instituto do Coração de Campinas. Instituto de Cardiologia de São Paulo. 3 Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. Correspondência: Wilson Albino Pimentel Filho. Rua Inhambu, 917 - Apto 91 - Moema - São Paulo - SP - CEP 04520-013 • e-mail: [email protected] Recebido em: 17/01/2005 • Aceito em: 08/02/2005 2 52 WilsonPimentel.p65 52 17/6/2005, 09:39 Pimentel Filho WA, Correia MB, Bocchi EA, Abdalla Filho R, Di Nucci T, Soares Neto MM, Kohn L, Büchler JR, Armelin E. Intervenção Percutânea em Enxertos de Veia Safena. Rev Bras Cardiol Invas 2003; 11(4): 52-63. não o maior, um dos maiores desafios para a cardiologia contemporânea. Neste manuscrito revisaremos a patogênese, as estratégias atuais da IP e as perspectivas futuras para o tratamento da doença no enxerto de veia safena. ser amplificada por fatores técnico-cirúrgicos que, eventualmente, reduzam o fluxo sangüíneo através desse conduto, tais como valvas venosas intactas, anastomose imperfeita ou implante da ponte próximo a um segmento ateromatoso. Hiperplasia da Íntima PATOGÊNESE DA DOENÇA NO EVS É composta de três fases: trombose, hiperplasia da íntima e aterosclerose. Apesar dessas fases serem temporalmente distintas, estão interligadas fisiopatologicamente no processo evolutivo5. Trombose A oclusão do EVS, no primeiro mês após a cirurgia de revascularização miocárdica, ocorre entre 3 e 12% e tem sido atribuída à trombose6. Os motivos desse acontecimento são decorrentes das modificações na “reologia” sangüínea, do distúrbio na dinâmica do fluxo e das alterações na parede do vaso: classicamente denominados de tríade de Virchow6. Mesmo quando a retirada e o preparo da veia safena são realizados em ótimas condições, podem ocorrer microrrupturas focais em seu endotélio. Em particular, a alta pressão utilizada para minimizar o espasmo venoso durante a retirada do enxerto contribui para a perda de células endoteliais e trauma da camada média7. A avaria dessas células endoteliais promove o acúmulo de fibrina na superfície do lúmen e a aderência de plaquetas e neutrófilos, com redução do ativador do plasminogênio tecidual8. Ao mesmo tempo, ocorre a ativação da cascata da coagulação extrínseca pelo fator tecidual proveniente da exposição do subendotélio 9. O fator tecidual também se manifesta dentro das duas horas do início da circulação extracorpórea, localizando-se na superfície das células endoteliais, e é ativado pelas citoquinas inflamatórias 10. Adicionalmente, quando comparado ao sistema arterial, o venoso apresenta propriedade antitrombótica inferior, além de menor produção de óxido nítrico e prostaciclina, ambos potentes inibidores da ativação plaquetária5. Quando a veia safena é implantada no sistema arterial, o baixo estresse de cisalhamento (shear-stress) fator dependente da velocidade do fluxo, sensivelmente inferior no conduto venoso, reduz a liberação do ativador do plasminogênio tecidual, do óxido nítrico e da prostaciclina11. A circulação extracorpórea não apenas interfere na produção desses fatores que influenciam a hemostase, como também eleva os níveis de fibrinogênio do plasma, favorecendo a resposta protrombótica12. Por outro lado, na veia safena implantada, principalmente nas desnudadas, esse conduto torna-se altamente sensível aos vasoconstritores endógenos circulantes, incluindo o mais potente deles, a endotelina-113. Acreditamos que a possibilidade de oclusão precoce de um EVS por mecanismos protrombóticos possa A hiperplasia da íntima é definida como o acúmulo de células musculares lisas e matrizes extracelulares situadas no compartimento da íntima e, em geral, tem seu início no primeiro mês, estendendo-se até um ano após o procedimento cirúrgico5. Esse processo, per si, raramente produz estenoses significativas, no entanto, representa a base para o desenvolvimento da placa aterosclerótica, como foi descrito pelo conselho de aterosclerose da American Heart Association14. Estudos utilizando ultra-som intravascular demonstraram que poucas semanas após o implante do EVS há espessamento e remodelação de suas paredes15. Ambos os remodelamentos, tanto o expansivo como o constritivo, estão presentes e contribuem, tardiamente, para a doença aterosclerótica oclusiva16. O período transcorrido entre a retirada e o implante da veia safena no sistema arterial coronário é suficiente para provocar algum grau de isquemia nesse enxerto17. Ao mesmo tempo, a exposição abrupta desse conduto venoso no sistema arterial, com regime pressórico maior, aumenta subitamente o estresse da parede venosa com subseqüente distensão e dilatação, incrementando ainda mais o efeito deletério dessa isquemia transitória6. Após sua relativa adaptação ao novo sistema, ocorre o ciclo de isquemia/reperfusão que reduz a produção de mediadores antiproliferativos tais como as prostaciclinas, o óxido nítrico e a adenosina, induzindo a formação do radical superóxido que promove diretamente a proliferação de células musculares lisas5,17. Inicialmente, as células musculares lisas da camada média proliferamse em resposta aos fatores de crescimento, às citoquinas liberadas pelas plaquetas, às células endoteliais ativadas e à presença de macrófagos5. Em seqüência, acontece a migração dessas células musculares lisas da camada média para a íntima, com subseqüente proliferação. Há, ainda, a síntese e deposição de matrizes extracelulares provenientes da ativação das células musculares lisas, com elevação progressiva de fibrose da íntima e redução do número de células18. Adicionalmente, há distensão de sua parede com aumento do diâmetro, em conseqüência da hiperpressão arterial, ocorrendo diminuição da velocidade do fluxo e do estresse de cisalhamento, o qual regula a produção de potentes mitogênicos, incluindo o fator de crescimento plaquetário e a endotelina-1. Verifica-se, também, a atenuação da produção de inibidores de fatores de crescimento, elevando ainda mais a possibilidade do deslocamento das células musculares lisas e incrementando a hiperplasia intimal5,17. Também a perda do suprimento sangüíneo proveniente 53 WilsonPimentel.p65 53 17/6/2005, 09:39 Pimentel Filho WA, Correia MB, Bocchi EA, Abdalla Filho R, Di Nucci T, Soares Neto MM, Kohn L, Büchler JR, Armelin E. Intervenção Percutânea em Enxertos de Veia Safena. Rev Bras Cardiol Invas 2003; 11(4): 52-63. dos vasa vasorum quando da retirada da veia safena, do qual o sistema venoso é mais dependente que o arterial, contribui para a isquemia contínua e, posteriormente, para a fibrose da parede desse enxerto venoso18. Aterosclerose Se, um ano após a cirurgia, eventualmente, ocorrer retorno da isquemia e cujo “responsável” seja o EVS, é grande a possibilidade da aterosclerose ser o processo dominante5. Assim, alguns anos após a revascularização cirúrgica, os estudos angiográficos evidenciaram que 70 a 85% dos casos de pacientes com recorrência de isquemia miocárdica em que o vaso culpado é o EVS, este se encontra comprometido pela aterosclerose, a despeito da progressão da doença aterosclerótica nas artérias coronárias nativas2,3. ria coronária nativa: o processo aterosclerótico desses enxertos é rápido e altamente progressivo; histologicamente, seu ateroma apresenta maior número de células esponjosas e inflamatórias, incluindo as células gigantes multinucleares, ou seja, com aparência similar ao modelo experimental da aterosclerose mediada pelo estímulo imunológico; morfologicamente, essa aterosclerose do EVS tende a ser mais difusa, concêntrica e friável; sua capa fibrosa é pouco desenvolvida, ou mesmo ausente, com pouca ou nenhuma calcificação; é freqüente, em seu ateroma, a presença de tecido de necrose, cristais de colesterol e elementos sangüíneos e, nos enxertos mais antigos, particularmente naqueles com grande degeneração, é quase sempre visualizada uma capa de material trombótico14,18,19. Em estudos biológicos, com material obtido de necropsias, os lipídios da parede do EVS são mais proaterogênicos, sendo mais ativos em sua síntese, com maior poder de dispersão, e mais lentos em sua lipólise18,19. Curiosamente, apesar de estudos necroscópicos dos EVS demonstrarem placas de aterosclerose formadas em períodos mais precoces, em alguns casos menores que um ano, as estenoses que resultam em recorrência dos sintomas, raramente, acontecem antes dos três anos após a cirurgia, de modo que o impacto clínico maior aumenta marcadamente após o quinto ano de evolução pós-operatória2,3,5. Na oclusão crônica do EVS, diferente da oclusão precoce (predominantemente constituída pelo trombo fresco), é comum encontrar a associação de um trombo organizado sobreposto a uma grande degeneração aterosclerótica18,19. Existem diferenças estruturais e no desenvolvimento da doença dos EVS quando comparados aos da arté- Na Figura 1, podemos ver três exemplos das fases da doença nos EVS. Figura 1 - Pode-se ver exemplos das três fases da doença do EVS. A: a trombose na fase inicial; B: a hiperplasia da íntima, já obstrutiva, na fase intermediária e C: a presença de aterosclerose grave e com aspecto degenerativo no período evolutivo tardio. As setas indicam o local do problema. Pós-op.= pós operatório. 54 WilsonPimentel.p65 54 17/6/2005, 09:39 Pimentel Filho WA, Correia MB, Bocchi EA, Abdalla Filho R, Di Nucci T, Soares Neto MM, Kohn L, Büchler JR, Armelin E. Intervenção Percutânea em Enxertos de Veia Safena. Rev Bras Cardiol Invas 2003; 11(4): 52-63. PREVENÇÃO Para a prevenção da doença do EVS deve-se ter em mente o amplo espectro do problema, sendo necessário, portanto, um capítulo à parte dada sua importância clínica. Resumidamente, poderíamos dizer que: para evitar a trombose precoce desses enxertos é fundamental aperfeiçoar a técnica cirúrgica associada à utilização de potentes agentes antiplaquetários e antitrombóticos. Para tentar impedir que a aterosclerose se instale nesse conduto venoso são importantes as modificações dos hábitos de vida, assim como as correções dos fatores de risco, incluindo o controle rigoroso da diabete; e, particularmente, em todas as fases após a cirurgia devemos considerar o uso precoce, agressivo e prolongado da aspirina, da estatina e do clopidogrel. TRATAMENTO INTERVENCIONISTA PERCUTÂNEO A angioplastia com balão foi inicialmente proposta para tratar as estenoses nos EVS, entretanto, os resultados tanto hospitalares como tardios foram insatisfatórios associados a índices de reestenose inaceitáveis4. Assim, diversos dispositivos foram empregados com a finalidade de ampliar as indicações, minimizar as complicações e reduzir a reestenose. A aterectomia direcional foi inicialmente a grande esperança no tratamento da doença do EVS, por extrair a placa de forma direcionada (debulking), mas não logrou o impacto desejado. O estudo CAVEAT – II20 randomizou um grupo de pacientes tratados apenas com o balão (156 enxertos) versus aqueles tratados com a aterectomia (149 enxertos). O grupo da aterectomia apresentou maior índice de sucesso e mais expressivo diâmetro do lúmen após o procedimento, no entanto, houve maior taxa de complicação, principalmente de infarto (enzimático) do miocárdio. Aos seis meses de evolução, a aterectomia não foi capaz de reduzir a incidência da reestenose quando comparada à angioplastia com balão (46 vs 51%, NS). O rotablator, que provoca a ablação de placas por possuir em sua extremidade distal uma oliva com micropartículas de diamante girando em alta rotação (180.000 rpm), foi contra-indicado em EVS degenerados, contendo ateromas friáveis e trombos, pelo alto risco de embolia distal, no reflow e infarto do miocárdio21. Assim, esse dispositivo ficou restrito às lesões rígidas e calcificadas, principalmente as aorto-ostiais. O rotablator não foi capaz, também, de reduzir a reincidência da reestenose intra-stent do EVS, limitando ainda mais sua indicação21. O TEC (transluminal extraction catheter), que simultaneamente promove a aspiração do trombo (sistema de vácuo) e a remoção da placa (duas lâminas girando em baixa rotação - 750 rpm), foi aprovado pela Federal Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos da América, em 1993, para tratar os EVS com degeneração e trombo. O TOPIT trial22 avaliou o emprego da angioplastia com balão (134) versus o TEC (131), todos os vasos contendo trombo, e demonstrou, no grupo do TEC, redução maior que 70% dos eventos combinados: complicações isquêmicas, elevação do CKMB e indução de dissecção. Entretanto, outro estudo não confirmou esses benefícios e, ao contrário, constatou maior incidência de infarto transprocedimento, modesta extração de material embólico e pouco efeito sobre o fenômeno de no reflow23. Nesse trabalho, a evolução angiográfica tardia mostrou índices de reestenose de 60-70% e oclusão total do vaso em 30%, daí porque o TEC encontra-se em franco desuso23. O Excimer LASER, por sua vez, não representou a solução para o problema. Um registro de 545 lesões exclusivas dos EVS e todas tratadas com este dispositivo mostrou alto índice de sucesso (94%), no entanto, em 91% dos casos foi necessária a complementação com insuflação do balão para se obter um resultado angiográfico satisfatório. Quanto às complicações (óbito, infarto agudo do miocárdio, dissecção coronária e cirurgia de emergência), pelo menos uma ocorreu em 6,1% dos pacientes. Em 6 meses, a reestenose angiográfica foi de 52% com oclusão total do enxerto em 24%, e, em um ano de evolução, a sobrevivência livre de eventos cardíacos maiores foi de apenas 48%, inviabilizando esse método para o tratamento dos EVS24. Impacto dos Stents O registro do Washington Hospital Center25, constituído de 1986 casos de doença aterosclerótica comprometendo EVS, comparou os resultados da IP em dois períodos: de 1990 a 1994, em que os enxertos foram tratados por angioplastia com balão e/ou aterectomia ou Excimer LASER, e de 1995 a 1998, em que esses enxertos foram tratados com stent. Este estudo evidenciou o impacto positivo nos pacientes que utilizaram a prótese (Tabela 1). O registro multicêntrico do stent Palmaz-Schatz26 analisou uma população de 589 pacientes com 624 lesões focais em EVS, em que a maioria (82%) recebeu apenas um stent. Na fase hospitalar, os eventos cardíacos maiores (óbito, infarto do miocárdio e cirurgia de emergência) ocorreram em apenas 2,9%. No primeiro estudo prospectivo randomizado SAVED trial27 comparou-se balão versus stent de PalmazSchatz na intervenção percutânea do EVS, quando foram randomizados 220 pacientes sintomáticos, com evidência de isquemia e estenose significativa em apenas um enxerto, para: implante do stent ou angioplastia com balão (110 pacientes em cada grupo). No grupo do stent houve maior índice de sucesso (97 vs 86% p< 0,01), redução das complicações hospitalares (6 vs 11% p< 0,163) e taxas inferiores de eventos cardíacos maiores na evolução tardia. No entanto, verificou-se modesta redução da reestenose (36 vs 47%, NS). 55 WilsonPimentel.p65 55 17/6/2005, 09:39 Pimentel Filho WA, Correia MB, Bocchi EA, Abdalla Filho R, Di Nucci T, Soares Neto MM, Kohn L, Büchler JR, Armelin E. Intervenção Percutânea em Enxertos de Veia Safena. Rev Bras Cardiol Invas 2003; 11(4): 52-63. TABELA 1 Impacto no uso do stent na evolução clínica de um ano - Washington Hospital Center25 Objetivos principais NRVA Óbito SLECM 1990-1994 (n=1044) 1995-1998 (n=942) valor de p 23,6% 11,3% 59,1% 16,4% 6,1% 70,7% < 0,0001 < 0,0001 < 0,0001 NRVA = nova revascularização do vaso alvo; SLECM = sobrevivência livre dos eventos cardiovasculares maiores. No Reflow O fenômeno de no reflow que ocorre durante a IP é, na ausência de obstrução significativa, o impedimento do fluxo sangüíneo anterógrado através da microcirculação4. Por sua alta incidência durante a intervenção percutânea do EVS degenerado é provável que ocorra uma macroemblização, comprometendo essa microcirculação17. O no reflow incide em mais de 15% das IP nos EVS, provocando complicações graves como infarto do miocárdio e óbito4,17. EVS antigos com degenerações extensas e, principalmente, com imagem radiológica sugestiva de trombo são fortes candidatos a desencadear o fenômeno de no reflow17. Ao contrário, pacientes submetidos a EVS há menos de três anos (pela menor degeneração), intervenções na reestenose intra-stent (pela presença de material de hiperplasia neointimal) ou em lesões ostiais (pelo predomínio de fibrose), apresentam menores riscos do aparecimento desse fenômeno4,17. A introdução dos inibidores das glicoproteínas IIb/IIIa na prática intervencionista coronária foi, com certeza, a terapêutica medicamentosa de destaque no tratamento das síndromes coronárias agudas. Esperava-se, pois, importante interferência positiva na IP nos EVS, dada a alta incidência de complicações, com particular referência ao no reflow. Todavia, a análise conjunta (pooled) de cinco trabalhos randomizados utilizando abciximab ou eptifibatide versus placebo não mostrou o resultado esperado28. Nesta avaliação, não ocorreu redução dos eventos cardíacos maiores, tanto aos 30 dias como aos seis meses do procedimento percutâneo, incluindo a reestenose, e houve maior incidência de sangramento no grupo dos inibidores das glicoproteínas. O emprego de stent recoberto com politetrafluoroetileno (PTFE) foi idealizado para cobrir segmentos de EVS com degeneração, na tentativa de minimizar as embolias distais, o no reflow, o infarto do miocárdio e a reestenose. Recentemente, os estudos STING-investigators29 e o RECOVERS30, ambos randomizando stent recoberto com o PTFE versus stent convencional para o tratamento de EVS, não mostraram diferenças significativas, com índices similares de complicações imediatas e de rees- tenose binária aos seis meses. Observou-se, entretanto, no RECOVERS, maior incidência de infarto não-fatal no grupo do stent recoberto com o PTFE30. O estudo SYMBIOT III Randomized SVG Trial (ainda não publicado até final de 2004, disponível no site: http://www.tctmd.com) randomizou stents recobertos com o PTFE e stents convencionais na IP dos EVS e, semelhante aos anteriores, não apresentou diferenças significativas entre os dois grupos, tanto nos resultados iniciais, como aos oito meses de evolução clínica e avaliação angiográfica. Com número limitado de pacientes, diversos autores têm demonstrado os benefícios da administração do verapamil, bloqueador dos canais de cálcio, tanto na prevenção como no tratamento do fenômeno do no reflow quando do tratamento percutâneo do EVS17. Utilizando doses intravasculares de 100-500µg, esses autores verificaram a superioridade desse fármaco quando comparado ao placebo ou à nitroglicerina17. Numa pequena série, a adenosina, que é um vasodilatador natural, foi utilizada em múltiplas doses intravasculares de 24µg, obtendo-se sucesso em 91% dos casos de no reflow em IP de EVS, sem apresentar complicações maiores31. O nitroprussiato de sódio, doador direto de óxido nítrico e potente vasodilatador, tem sido largamente utilizado pelos cardiologistas intervencionistas em todo o mundo, com resultados satisfatórios no tratamento do fenômeno de no reflow, a despeito da escassez de fundamentos científicos32. Em nosso meio, é freqüente o uso intravascular do mononitrato de isosorbitol para tratar o no reflow, quando esse fenômeno se manifesta durante o tratamento percutâneo, tanto das artérias coronárias como dos enxertos de veia safena. Em geral, injeta-se no vaso, em forma de bolus, 5mg diluído em soro fisiológico, várias vezes, até a obtenção de fluxo coronário anterógrado satisfatório. Portanto, como primeira linha no tratamento do fenômeno de no reflow, e ainda sem evidências científicas que o corroborem, está a administração intravascular, em bolus, de: mononitrato de isosorbitol (5mg), 56 WilsonPimentel.p65 56 17/6/2005, 09:39 Pimentel Filho WA, Correia MB, Bocchi EA, Abdalla Filho R, Di Nucci T, Soares Neto MM, Kohn L, Büchler JR, Armelin E. Intervenção Percutânea em Enxertos de Veia Safena. Rev Bras Cardiol Invas 2003; 11(4): 52-63. verapamil (100-200µg), adenosina ( 20µg) e nitroprussiato de sódio (50-200µg até o limite de 1.000µg da dose total). Naturalmente, todos esses fármacos podem ser utilizados isoladamente ou em associação, respeitando-se a experiência individual. A proteção distal merece atenção especial para a prevenção desse fenômeno no tratamento do EVS, como veremos seguir. Dispositivos de Proteção Distal Existem dois tipos de protetores distais aprovados pelo FDA: o sistema de oclusão distal com balão denominado de PercuSurge GuardWire balloon e o de filtro denominado de FilterWire17. O PercuSurge GuardWire balloon é constituído por uma corda-guia de 190mm de extensão e 0,014" de diâmetro, com um balão em sua extremidade distal o qual, quando insuflado com 2atm, atinge diâmetro de 3 a 6mm. Com esse balão insuflado, realiza-se o implante do stent através do próprio PercuSurge. Retira-se, então, o balão liberador do stent e, mantendose o balão distal insuflado, introduz-se o cateter aspirador de 1,7mm de diâmetro até o nível do balão, o qual, ligado a uma seringa de 20cc com vácuo, permite aspirar 20 a 40ml de sangue contendo material embólico. Na seqüência, o balão distal é desinsuflado, obtendose a restauração do fluxo33. O PercuSurge foi descrito inicialmente por Webb et al.33, como um sistema para evitar deslocamento de partículas ateroembólicas durante a IP dos EVS, reduzindo-se a incidência de eventos cardíacos maiores (4 versus 17 a 20%, de controles históricos). O primeiro estudo prospectivo, multicêntrico e randomizado, o SAFER trial investigation34, veio confirmar os resultados obtidos por Webb et al.33. Foi estruturado para comparar a evolução clínica (óbito, infarto do miocárdio, cirurgia de emergência e nova revascularização da lesão do vaso alvo), 30 dias após o implante do stent no EVS. Os pacientes foram randomizados em dois grupos: os que utilizaram o PercuSurge (406) versus aqueles que usaram apenas a corda-guia convencional (395). O fluxo sangüíneo imediatamente ao final do procedimento apresentava-se com a velocidade normal (TIMI-3) em 98% dos casos que utilizaram o PercuSurge versus 95% do grupo controle (p=0,04) e o fenômeno de no reflow também foi reduzido (3,2 vs 8,3% p=0,001). Em 30 dias houve, no grupo do PercuSurge, diminuição significativa dos eventos clínicos maiores (9,6 vs 16,5% p=0,004), sendo essa redução relativa de 42%, reflexo da menor incidência do no reflow e do infarto do miocárdio. Na Tabela 2 podemos ver o impacto desse dispositivo na prevenção do fenômeno do no reflow. Curiosamente, os pacientes pré-selecionados para os inibidores das glicoproteínas IIb/IIIa (57% no braço do PercuSurge e 58% no braço controle) tiveram maiores taxas de eventos cardíacos do que aqueles que não receberam esses fármacos, sugerindo que os operadores escolheram casos mais graves para utilizá-los. No entanto, naqueles tratados com os inibidores das glicoproteínas IIb/IIIa houve maior redução desses eventos no grupo do PercuSurge (10,7 vs 19,4% p=0,008). Outro protetor, o filtro de proteção distal ou FilterWire, é um dispositivo constituído por uma cordaguia com 0,014" de diâmetro, com um filtro de poliuretano montado em um anel de nitinol na sua extremidade distal, de forma oval, e com poros de 100µm. Esse filtro é protegido por uma bainha que é retirada logo depois de ultrapassar a lesão. Ao final do procedimento, recaptura-se esse filtro com a reintrodução da bainha e realiza-se o controle angiográfico35. Com a finalidade de comparar os dois sistemas de proteção distal realizou-se o estudo FIRE Investigators35. Foram prospectivamente incluídos 651 pacientes para a IP (682 EVS) e randomizados em dois grupos: os que utilizaram o sistema FilterWire versus o PercuSurge GuardeWire balloon. Entre os grupos não houve diferenças significativas quanto aos aspectos clínicos, anatômicos ou as dificuldades técnicas de manipulação de ambos os sistemas. O sucesso do procedimento, a TABELA 2 Resultados da fase hospitalar onde pode-se ver o impacto do uso do protetor distal (PercuSurge GuardWire balloon) no fenômeno de no reflow (em destaque), durante o implante do stent nos EVS. Dados do estudo SAFER trial investigation34 Objetivos principais PercuSurge (406 pacientes) Controle (395 pacientes) valor-p TIMI-3 (final) No reflow Embolia distal Perfuração Oclusão subaguda Dissecção 97,8% 3,2% 2,2% 0,2% 1,7% 4% 95,1% 8,3% 3,2% 1,5% 0,5% 1% 0,04 0,001 0,40 0,05 0,18 0,12 57 WilsonPimentel.p65 57 17/6/2005, 09:39 Pimentel Filho WA, Correia MB, Bocchi EA, Abdalla Filho R, Di Nucci T, Soares Neto MM, Kohn L, Büchler JR, Armelin E. Intervenção Percutânea em Enxertos de Veia Safena. Rev Bras Cardiol Invas 2003; 11(4): 52-63. obtenção de fluxo TIMI-3 e a incidência de complicações também não diferiram entre os dois grupos, apesar de ter havido menor necessidade do uso dos inibidores das glicoproteínas IIb/IIIa para tratamento do no reflow no braço do FilterWire (0 vs 1,5% p=0,03). Não se observou diferença significativa entre os grupos quanto aos eventos cardíacos maiores (óbito, infarto do miocárdio e necessidade de cirurgia de revascularização) aos 30 dias (9,9% nos pacientes que utilizaram o FilterWire e 11,6% nos que usaram o PercuSurge). O principal evento em ambos os grupos foi a presença de infarto (enzimático) do miocárdio. Na Tabela 3 podemos ver as similaridades desses dispositivos e, na Figura 2, as características técnicas de ambos. Rogers et al.36, utilizando um novo método de avaliação laboratorial das micropartículas capturadas por ambos os sistemas (de filtro e de oclusão distal com balão), durante a IP em EVS, observaram que a média do tamanho das partículas capturadas foi igual em ambos os sistemas, tanto em seus maiores como em seus menores eixos e, inesperadamente, predominavam as partículas com tamanhos inferiores a 100µm, assim como a quantidade de material embólico por lesão: 16mm³ para ambos. Ao nosso ver, o FilterWire apresenta algumas vantagens sobre o PercuSurge por ser de mais fácil manuseio e por manter a perfusão anterógrada durante todo o procedimento. Existem outros dispositivos de proteção distal aguardando a aprovação pelo FDA e, como são usados com menor freqüência, não os descreveremos. TABELA 3 Resultados aos 30 dias do estudo comparativo FIRE investigators35. Não houve diferenças entre esses dois métodos de proteção distal durante a IP dos EVS, nesse período de avaliação Objetivos principais Morte Infarto Infarto Q Infarto não Q Nova revascularização Eventos cardíacos maiores FilterWire (332 pacientes) PercuSurge (319 pacientes) valor- p 0,9% 9,0% 0,9% 8,1% 1,2% 9,9% 0,9% 10% 0,6% 9,7% 1,9% 11,6% NS NS NS NS NS NS Figura 2 - Podemos ver ambos os sistemas de proteção distal. A: o de oclusão distal com o balão e aspiração do material embolizado imediatamente após o implante do stent; B: o de filtro composto do anel de nitinol que fornece a estrutura para manter a “boca” do filtro aberta (1), o filtro (2) que contém poros de 100µm prevenindo a passagem da maioria da ateroembolia, contudo, permite uma adequada perfusão distal e o “cone nasal” (3) que não permite a ultrapassagem da bainha de proteção além da extremidade distal da corda-guia. 58 WilsonPimentel.p65 58 17/6/2005, 09:39 Pimentel Filho WA, Correia MB, Bocchi EA, Abdalla Filho R, Di Nucci T, Soares Neto MM, Kohn L, Büchler JR, Armelin E. Intervenção Percutânea em Enxertos de Veia Safena. Rev Bras Cardiol Invas 2003; 11(4): 52-63. DOENÇA DO EVS E SÍNDROMES CORONÁRIAS AGUDAS Há a possibilidade do EVS ser o vaso culpado pelo infarto agudo do miocárdio em aproximadamente 50% dos pacientes com cirurgia de revascularização prévia4. Os resultados do tratamento com trombolítico nesse subgrupo de pacientes são extremamente insatisfatórios. O estudo GUSTO I37 mostrou apenas 37% de fluxo TIMI-3 após a trombólise quando o vaso responsável pelo infarto era um EVS. Os resultados da angioplastia primária no infarto agudo do miocárdio conseqüente à oclusão de EVS são inconsistentes pelo número limitado de dados. No estudo PAMI-238 foram incluídos 58 pacientes com cirurgia de revascularização prévia e em 32 deles o vaso culpado pelo infarto era o EVS. A angioplastia primária foi realizada em 24 pacientes e apenas 70% obtiveram fluxo TIMI-3. A mortalidade foi maior nos doentes em que o vaso culpado era o EVS quando se comparou àqueles em que o evento era na artéria coronária (9,4% vs 2,6% p=0,02). Aos seis meses, a mortalidade dos pacientes com oclusão do EVS foi extremamente alta (22,6%). Com a finalidade de melhorar esses resultados neste subgrupo de pacientes, foram desenvolvidos dispositivos que aspiram diretamente os trombos ou os desintegram pelo efeito do ultrasom39. O Angiojet RT system39 remove o trombo por meio da fragmentação reolítica e sucção hidrostática. O dispositivo é ligado a uma unidade motora com uma bomba propulsora que gera pulsos de alta pressão, com razão de fluxo de 10.000 psi (60cc/min), através de uma tubulação de baixo perfil. Em sua extremidade distal há um sistema que ejeta solução salina em sentido rotatório, em alta velocidade, e esse líquido retorna rápida e diretamente para o lúmen de exaustão. Este movimento de ejeção e exaustão cria um efeito Venturi que fragmenta e aspira o trombo. O modelo XVG é específico para uso em EVS de grande calibre39. O estudo VEGAS 240 randomizou 350 pacientes (com trombos intravasculares) para o Angiojet versus infusão de 250.000U de urokinase durante 15 a 30min e, adicionalmente, 20.000U por mais 6 a 30h. No grupo do Angiojet ocorreu menor incidência dos eventos cardíacos maiores (16 vs 33% p< 0,05), incluindo o infarto enzimático (12 vs 25% p< 0,05). O X-SIZER dual lumen catheter39 é um novo sistema constituído de um cortador helicoidal e de um cateter de duplo lúmen conectado a uma fonte de vácuo, permitindo a fragmentação e remoção do material trombótico intravascular. Quando posicionado no trombo, o cortador é acionado por um motor externo que gira com 2.100rpm. Avançando-se lentamente esse dispositivo, o trombo é fragmentado e aspirado pelos orifícios localizados no segmento distal do cateter. O XTRACT randomized trial41 estudou 797 pacientes para implante de stent em vasos com trombos, randomizando esses pacientes para o uso prévio ou não do X-SIZER. Este dispositivo reduziu nitidamente a quantidade de trombo, no entanto, não houve diminuição significativa da incidência do infarto após o procedimento (15,8 vs 16,6% p=NS) e dos eventos cardíacos maiores na evolução clínica aos 30 dias (16,8 vs 17,1% p=NS). Após um ano, essa diferença entre os grupos foi mantida. O ultra-som Acolysis tem a capacidade de romper a estrutura do trombo utilizando baixa energia acústica de alta freqüência (41,9 kHz), que vibra um metal na extremidade distal do cateter39. Esta energia cria uma força de cavitação, seguindo-se do efeito Venturi que puxa o trombo em direção à ponta do cateter, o liquefaz e o transforma em minúsculos fragmentos de magnitude subcapilar, conseqüentemente, restabelecendo o fluxo sanguíneo através da microcirculação. O estudo multicêntrico ATLAS42 analisou esse dispositivo em 180 pacientes portadores de EVS com síndrome isquêmica aguda e/ou evidência de trombo, randomizando-os para durante a IP tratar esse trombo com o Acolysis ou com o abciximab - ReoPro(r). O estudo foi interrompido prematuramente pelo conselho de segurança da pesquisa que detectou elevação significativa dos eventos cardíacos maiores no grupo do Acolysis (25% versus 12%, p< 0,05), principalmente pela ocorrência de alterações enzimática (19,5% versus 7,9%, p< 0,05). O DESAFIO DA REESTENOSE Nos pacientes com doença no EVS, o stent convencional falhou quando comparado ao balão devido à modesta redução do índice de reestenose, a despeito do impacto nos eventos cardíacos maiores. Por outro lado, devido ao caráter extremamente proliferativo da reestenose intra-stent no EVS, essa doença pode ser um modelo ideal para o uso dos stents recobertos com fármacos. O stent recoberto com sirolimus (SRS), macrolídeo que, além da atividade antibiótica e antifúngica, também possui potente propriedade antiproliferativa, imunossupressora e comprovadamente inibidora do ciclo de reprodução celular, assim como o recoberto com taxane-paclitaxel, quimioterápico que, em dose citostática, exibe potente poder antiproliferativo celular, têm se mostrado com grande capacidade de reduzir a reestenose quando implantados nas artérias coronárias nativas43. Recentemente, o emprego do SRS vem mostrando impacto positivo no tratamento de doentes com EVS. Numa série de 19 pacientes com doença no EVS submetidos ao implante do SRS, dos quais 68% encontravam-se com quadro isquêmico agudo, 22 lesões foram tratadas com 35 SRS44. A idade média desses enxertos foi de 10 anos e as complicações imediatas foram 11%, correspondentes a dois pacientes com 59 WilsonPimentel.p65 59 17/6/2005, 09:39 Pimentel Filho WA, Correia MB, Bocchi EA, Abdalla Filho R, Di Nucci T, Soares Neto MM, Kohn L, Büchler JR, Armelin E. Intervenção Percutânea em Enxertos de Veia Safena. Rev Bras Cardiol Invas 2003; 11(4): 52-63. infarto (enzimático) do miocárdio transprocedimento, sendo que em ambos não se utilizou protetor distal. No período evolutivo médio de 12 meses, apenas um paciente necessitou de nova revascularização e a sobrevivência livre de eventos cardíacos maiores foi de 87%. No estudo SECURE45, um subgrupo de 66 pacientes era portador de doença nos enxertos cirúrgicos. Oitenta e oito lesões foram tratadas com SRS (EVS = 60 e enxertos arteriais = 21), sendo que 90,1% foram abordadas por reestenose intra-stent e 65,4% já tinham sido submetidas a braquiterapia. Quando comparados os dois grupos de pacientes, em que foram tratados os enxertos (venosos ou arteriais) versus os que foram tratadas as artérias coronárias nativas, não houve diferença significativa seis meses depois no que diz respeito aos eventos cardíacos maiores (20 vs 18,8% NS), incluindo a necessidade de nova revascularização (16,7 vs 17,3% NS). O ultra-som intravascular, realizado em 14 EVS, mostrou ausência da hiperplasia intimal (<1%) em 50% dos pacientes. A evolução clínica foi similar para aqueles com enxertos venosos e arteriais. qual está anastomosado, submetendo à sua total responsabilidade a perfusão miocárdica regional4. É pertinente referir que a literatura mostra oclusão total de 15% dos EVS no primeiro ano de evolução pós-operatória e que, dez anos depois, somente 60% encontram-se permeáveis, sendo apenas 50% deles livres de estenoses significativas2,3. Por outro lado, uma nova cirurgia de revascularização para corrigir o problema implica em risco duas Aguardamos os estudos exclusivamente direcionados aos EVS utilizando os stents recobertos com o paclitaxel ou outros fármacos. Nas Figuras 3, 4 e 5, apresentamos um caso tratado com a terapêutica e todos os dispositivos disponíveis em nosso meio. DISCUSSÃO Apesar do conhecimento dos aspectos negativos, o EVS ainda é uma opção nas cirurgias de revascularização miocárdica, embora se observe preferência crescente pelos enxertos arteriais. Habitualmente, esse enxerto interfere na dinâmica da artéria coronária à Figura 3 - Paciente de 78 anos, com angina instável. Operado há 12 anos com implante de artéria mamária esquerda para a CDA e EVS para a CX. As setas (1 e 2) indicam duas lesões no EVS, respectivamente em seu 1/3 proximal (focal) e no seu 1/3 médio (degenerada com trombo). CDA: artéria coronária descendente anterior; CX: artéria coronária circunflexa. Figura 4 - IP utilizando dois stents recobertos com paclitaxel, ambos 3,5 x 20mm, respectivamente em seu 1/3 médio (seta 1) e 1/3 proximal (seta 3). Durante o procedimento, foi realizada a proteção distal com o filtro (seta 2) e infundido inibidor de glicoproteína IIb/IIIa (tirofiban). O paciente foi pré-medicado com ácido acetilsalicílico e clopidogrel. 60 WilsonPimentel.p65 60 17/6/2005, 09:39 Pimentel Filho WA, Correia MB, Bocchi EA, Abdalla Filho R, Di Nucci T, Soares Neto MM, Kohn L, Büchler JR, Armelin E. Intervenção Percutânea em Enxertos de Veia Safena. Rev Bras Cardiol Invas 2003; 11(4): 52-63. Figura 5 - Resultado imediato evidenciando aspecto angiográfico satisfatório com eliminação da estenose (seta 1) e da degeneração (seta 2). O paciente teve alta hospitalar no segundo dia após a intervenção, assintomático e sem alteração enzimática. Na evolução clínica de 10 meses, o paciente encontrava-se clinicamente bem e com teste de esforço e cintilografia normais. a quatro vezes maior que a inicial, com mortalidade cirúrgica em torno de 5% e infarto transoperatório de 8%. Há que se considerar, também, mesmo levandose em conta centros com grande experiência cirúrgica, a possibilidade de comprometer a artéria torácica interna esquerda (mamária esquerda) previamente anastomosada à artéria coronária descendente anterior em 5-38%2,4,5. Adicionalmente, a possibilidade desses pacientes reoperados estarem livres de eventos cardíacos maiores é de apenas 50% no período evolutivo de cinco anos2,5. A propósito, é evidente a evolução dos conhecimentos e da tecnologia para a aplicação da IP na doença dos EVS. No tocante aos dispositivos da IP com efeitos clínicos mais relevantes, em relação aos demais, podemos citar, inicialmente, o stent convencional, posteriormente, a proteção distal e, mais recentemente, o stent recoberto com o sirolimus (aguardamos os resultados com o paclitaxel nos EVS). Na vigência de situações agudas, quando há grande quantidade de trombo no interior do EVS, alguns desses dispositivos de trombectomia mostraram resultados satisfatórios. Contudo, a despeito dos benefícios referidos, ainda não podemos considerar a IP como solução definitiva para o tratamento desse grave problema. Acreditamos que os aspectos negativos ainda vigentes na intervenção percutânea, nos moldes em que é atualmente realizada, possam decorrer de diversos fatores, como: a maioria dos estudos foi realizada em lesões focais excluindo os enxertos com degeneração mais acentuada; a inoperância dos inibidores da glicoproteínas IIb/IIIa é, provavelmente, decorrente da macro- embolização constituída de material predominantemente insensível a esses fármacos requerendo, conseqüentemente, o desenvolvimento de outra medicação mais específica; os resultados clínicos dos estudos com protetores distais foram avaliados em apenas 30 dias e ainda não foram reproduzidos satisfatoriamente em centros com controle independente dos resultados; a avaliação dos stents recobertos com fármacos antiproliferativos no tratamento da estenose do EVS provém de poucos estudos, contemplando uma população pequena de indivíduos. Adicionalmente, a aterosclerose do EVS caracteriza-se por seu caráter altamente progressivo, com aparecimento de novas lesões em locais independentes daqueles que receberam os stents. Portanto, são de fundamental importância para os pacientes portadores de doença aterosclerótica nos EVS, tratados com protetores distais e stents farmacológicos, tanto a análise de maior contingente de casos como a avaliação clínica (e angiográfica) por períodos mais prolongados. CONCLUSÕES É provável que num futuro próximo, com o entendimento mais profundo da patogênese da doença do EVS e com o desenvolvimento das terapias emergentes como a transferência gênica e a administração de doadores de óxido nítrico, obtenha-se uma evolução mais satisfatória desses enxertos venosos. Por outro lado, a IP na doença do EVS progressivamente crescerá e sua evolução estará diretamente relacionada ao potencial tecnológico e científico que está por vir. Assim, brevemente estaremos frente a novos e sofisticados dispositivos que, associados ou não aos já existentes, melhorarão os resultados clínicos atuais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Favaloro RG. Saphenous vein graft in the surgical treatment of coronary artery disease: operative technique. J Thorac Cardiovasc Surg 1969;58:178-85. 2. Goldman S, Zadina K, Moritz T, Ovitt T, Sethi G, Copeland JG et al. Long-term patency of saphenous vein and left internal mammary artery grafts after coronary artery bypass surgery: results from a Department of Veterans Affairs Cooperative Study. J Am Coll Cardiol 2004;44:2149-56. 3. Loop FD, Lytle BW, Cosgrove DM, Woods EL, Stewart RW, Golding LA et al. Reoperation for coronary atherosclerosis: changing practice in 2509 consecutive patients. Ann Surg 1990;212:378-86. 4. Feyter PJ. Percutaneous treatment of saphenous vein bypass graft obstructions: a continuing obstinate problem. Circulation 2003;107:2284-6. 5. Motwani JG, Topol EJ. 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