Guerra de Cenepa

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Guerra de Cenepa
GUERRA DE CENEPA: CONFLITO PERU X EQUADOR (1995)
Danilo Fernando, Lucas Ribeiro de Belmont Fonseca e Yan Santos.
RESUMO: O continente sul-americano atrai as atenções dos estudiosos internacionais por suas
características peculiares que podem mostrar ao mundo como, em meio a tantas circunstâncias
adversas em que a pobreza e a violência interna imperam, a paz pode ser mantida por um longo
período. Deve-se ressaltar, contudo, que a ausência de guerras na região não significa que não
tenha havido disputas, controvérsias e divergências. Analisar a evolução das barganhas
militarizadas ao longo do século XX, tomando como princípio a Guerra do Chaco de 1935, é de
essencial relevância para a compreensão da conjuntura pacífica em que se insere a América do
Sul, e, por isso, esclarecer como ocorreu e como foi resolvida a Guerra de Cenepa, o mais
sangrento e custoso confronto neste subcontinente, desde 1935, demonstra a melhor maneira de
entender tão pitoresco continente e as relações sul-americanas.
Palavras-chave: Equador, Peru, Cenepa, América do Sul.
ABSTRACT: The South American continent attracts the attention of the international scholars
due to its unique characteristics which may teach the world how, among so many adverse
circumstances ruled by poverty and internal violence, peace can be achieved for a long period.
We must point out, however, that the absence of wars in the region does not mean that there was
not disputes, controversies nor divergences. Analyzing the evolution of militarized bargains
during the 20th century, taking the 1935 Chaco War as our start point, is of essential relevance to
the comprehension of the pacific conjuncture where South America is inserted. For this reason,
clarifying how the Cenepa War, the bloodiest and most expensive conflict in this subcontinent,
since 1935, occurred and was solved shows the best way to understand such a picturesque
continent and the South American relations.
Key words: Equator, Peru, Cenepa, South America.
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1. INTRODUÇÃO
O cenário da política sul-americana atrai as atenções dos estudiosos internacionais, já que
os Estados que configuram este subcontinente não apresentam, entre as suas relações
interestatais, traços de conflito constante marcados pelo cenário frequente da guerra, isto é,
convivem em uma região de relativa paz, que, nos últimos anos, tem se fortalecido cada vez
mais, devido aos efeitos do processo de integração regional e às tentativas em estabelecer
medidas para construção de confiança mútua. Entretanto, apesar da existência de uma paz
relativa, percebe-se que um aspecto de caráter moderno na eclosão de divergências entre os
Estados é a contestação de porções territoriais fronteiriças, caso de díades de conflito presentes
no escopo da América do Sul, tal como a relação entre o Equador e o Peru. Mesmo sendo duas
democracias, ambos possuem um passado marcado por quadros de tensão e situações em que a
escalada para o conflito acabou por eclodir em guerras durante os séculos XIX e XX.
Em relação ao conflito de Cenepa, serão analisados os agentes políticos, zonas de
conflito, postos de combate, verificação dos armamentos utilizados, tudo isso para produzir
avaliações e conjecturas sobre a geopolítica do conflito e os resultados obtidos por instrumentos
que visassem à produção de medidas que priorizem a legalidade e consolidação do diálogo
diplomático sem ser oriundo de fóruns multilaterais do quadro ONU ou interamericano, como a
OEA. Além disso, observaremos o cenário da relação entre Peru e Equador antes e depois da
assinatura do Protocolo do Rio, veremos pontos positivos na medida, como a MOMEP, e
indicaremos alguns equívocos no mesmo.
2. AMÉRICA DO SUL
É sabido que, no continente sul-americano, os Estados configuram-se a partir do
republicanismo e são estatuídos pelo regime democrático, isto é, a população possui capacidade
para mobilizar-se e questionar os direcionamentos da política no determinado território ao qual
pertencem, por exemplo. Daí seu papel indispensável para levar ao poder um governante que
será responsável por executar as ações políticas que atendam aos interesses do Estado e da
população. É válido ressaltar que, no caso específico das Repúblicas do Equador e do Peru, não
é diferente, mas, apesar de serem democracias e embasadas pela figura de um Presidente,
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ocorre um fenômeno na região: divergências acerca de porções territoriais em suas fronteiras
“já que Equador e Peru possuem interesses convergentes e conflituosos ao longo de sua relação
histórica” (MARES, p. 50, 2012), o que acabou por levá-los a deflagrações belicosas inúmeras
vezes, sendo a última no ano de 1995 no vale do rio Cenepa.
Portanto, antes de analisar este último embate entre os dois Estados e suas
consequências, faz-se necessário observar a relação histórica entre as duas nações.
2.1 BREVE HISTÓRICO - PERU X EQUADOR
O processo de tensão protagonizado pelo Peru e o Equador acerca da delimitação de
fronteiras remonta à época da independência das colônias espanholas em meados do século
XIX, aproximadamente entre os anos de 1822 e 1830, fruto da reivindicação por parte do Peru
da porção sul da região denominada Audiência de Quito - que posteriormente viria a formar o
território equatoriano - anexada pela Grã-Colômbia. Em decorrência desse fato, o ano de 1830
constitui-se como um marco, já que, após um ano de guerra entre a Grã-Colômbia e o Peru, este
sai derrotado, e o Equador emerge como Estado independente em conjunto com o surgimento
da Venezuela e da Colômbia, formando assim “uma indefinição fronteiriça na região amazônica
dos territórios de Equador e Peru” (GALASTRI, p. 12, 2005). Contudo, apesar dos esforços dos
países do Cone Sul e dos EUA em buscar soluções para mediar o conflito e impedir a eclosão
de uma guerra entre as duas nações descontentes, a iminência de um conflito armado entre
Equador e Peru parecia cada vez mais próxima.
A eclosão do conflito armado entre os dois Estados veio no ano de 1941, quando, após
vários enfrentamentos na fronteira, os soldados equatorianos foram vencidos, e as tropas
peruanas invadiram o Equador. A porção conquistada pelo Peru “já ocupava toda parte do
território equatoriano que se estendia pela margem do rio Marañon até o rio Amazonas”
(GALASTRI, 2005). Com isso, houve a necessidade da formação de uma coalizão de países
para intervir na disputa, de modo a buscar uma resolução que fugisse da opção do uso das
armas. Os países garantes foram os EUA, a Argentina, o Chile e o Brasil, os quais auspiciaram
a assinatura de um acordo de paz por parte do Equador e do Peru denominado “Protocolo do
Rio” já no ano de 1942, o qual estabelecia o cessar-fogo do conflito e a divisão do limite de
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fronteiras entre as duas Repúblicas andinas.
Contudo, no início dos anos 1960, o Governo do Equador declarou o Protocolo do Rio
de 1942 nulo devido à “descoberta pela cartografia da Força Aérea dos Estados Unidos,
atuando na região entre 1943 e 1946, de que o Rio Cenepa era muito maior do que o conhecido
originalmente e que corria entre os Rios Zamora e Santiago” (GALASTRI, 2005),
ressuscitando, dessa forma, um atrito entre os dois países e sendo solicitada novamente a
atuação dos países garantes para redefinir os limites das fronteiras.
Antes do ano de 1995, caracterizado pela última grande tensão interestatal na região sulamericana, vale assinalar os fatos ocorridos em 1981 conhecidos como o “Incidente de
Paquicha” que durou cerca de três semanas e foi descrito pelas tomadas de postos militares
entre os exércitos do Peru e do Equador, sendo aquele tido como vencedor dada a sua
superioridade aérea, que determinou que mantivesse a iniciativa no conflito. Em 1992, um
encontro na cidade de Quito entre os presidentes Durán Ballén do Equador e Fujimori pelo lado
peruano teve o objetivo de estabelecer uma alternativa que amenizasse as dificuldades que
impediam uma solução diplomática ao problema fronteiriço, firmando, dessa maneira, o
chamado pacto de cavaleiros.
Enfim, o último conflito de caráter interestatal que eclode em resposta ao
descontentamento da porção limite da fronteira entre as nações do Peru e Equador situa-se em
Cenepa, o qual será aprofundado mais adiante, além de observar-se o papel de relevância da
política brasileira na resolução do conflito.
3. O CONFLITO E SEU DESENVOLVIMENTO
A Guerra de Cenepa – ou Conflito do Alto Cenepa ou ainda Guerra de Twinza – foi um
confronto armado que ocorreu no lado oriental da cordilheira do Cóndor, mais especificamente
sobre o leito do rio Cenepa, em território peruano. O embate colocou, frente a frente, as forças
armadas peruanas e equatorianas em vistas da disputa do território de fronteira ao redor do rio
Cenepa.
Em verdade, nunca houve uma declaração formal de guerra entre os países, no entanto
ocorreu, de fato, o confronto armado nos meses de janeiro e fevereiro de 1995; o conflito
aconteceu em áreas fronteiriças delimitadas, porém sem demarcação oficial comum, em uma
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zona caracteristicamente de selva densa e de difícil acesso, cujos fatores climáticos e de logística
dificultavam bastante as operações militares.
A área de fronteira próxima ao rio Cenepa, muito em consequência do histórico de
animosidade e rivalidade entre Equador e Peru sobre aquela região, hospedou um grande
contingente armado de ambos os países, sendo vistas brigadas e formações militares ao longo da
fronteira. Como resultado desse alto nível de militarização na região, ocorreram alguns encontros
de formações de patrulha dos dois exércitos, que serviram como estopim para o desenvolvimento
do conflito. O primeiro desses ocorreu em 9 de janeiro de 1995, na zona de Cenepa, quando uma
patrulha de quatro soldados peruanos do Batalhão de Infantaria de Selva “Callao” teve um
encontro com uma patrulha equatoriana do batalhão de “Gualaquiza”; em 11 de janeiro, houve
outro incidente, novamente na zona de Cenepa, quando uma patrulha peruana de dez soldados
trocou disparos com forças equatorianas; no mesmo mês, nos dias 19 e 22, foram registrados
novas escaramuças entre as patrulhas militares dos países.
Os primeiros movimentos reais de guerra aconteceram a partir de 24 de janeiro, com uma
mobilização de tropas peruanas, enquanto as forças aéreas equatorianas realizavam os
preparativos de alistamento para o potencial combate; em 25 de janeiro, o Equador militariza a
zona da Cordilheira do Cóndor, a qual ainda estava em litígio; em 26 de janeiro, uma patrulha do
Batalhão de Infantaria de Selva do Exército peruano foi atacado pelo Grupo de Forças Especiais
do Exército equatoriano. No dia 28 de janeiro, às 7h45, as forças peruanas lançam seu primeiro
ataque por terra contra as tropas equatorianas na nascente do rio Cenepa; nesse mesmo dia, por
volta de 11h05, observa-se mais uma ofensiva, porém agora com o apoio e cobertura de
helicópteros de artilharia; posteriormente, os caças-bombardeiros das forças aéreas peruanas
fazem sua primeira aparição.
Nos próximos dias, o confronto continua se desenvolvendo pelos ataques peruanos,
acontecendo a tomada de, pelo menos, três bases equatorianas por parte do contingente peruano;
por volta de 9 de fevereiro, o confronto já estava em plena realização, com a presença efetiva das
respectivas forças aéreas; em 13 de fevereiro, o Presidente peruano Alberto Fujimori declara a
tomada de Tiwinza, no entanto, nos dias seguintes, ele é logo desmentido pelo governo
equatoriano.
Em 17 de fevereiro, na presença de quatro países garantes do Protocolo do Rio, fica
estabelecido o grupo de paz MOMEP (Military Observer Mission, Equador Peru), que tomaria
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para si o controle das bases de Tiwinza e Base Sur, assim como estabeleceria os limites de uma
zona desmilitarizada. O acordo instituído não impediu, contudo, a continuação dos conflitos; em
22 de fevereiro, aconteceu o que ficou conhecido como “Miércoles Negro”, pois o Exército
equatoriano teve uma quantidade de baixas maior do que todas as baixas acumuladas na guerra
toda em um só dia.
Os embates continuavam, quando, em 28 de fevereiro, firmou-se, em Montevidéu, o
acordo de “Reiteración del compromiso a proceder a un inmediato y efectivo cese el fuego”,
encerrando oficialmente a Guerra de Cenepa.
É importante também ressaltar alguns aspectos sobre o desenvolvimento do confronto
que não os aspectos de combate propriamente ditos. Nesse sentido, muito se diz sobre o contexto
político em que ocorreu a Guerra de Cenepa; algumas percepções analíticas consideram que a
intensificação do conflito se deu muito em virtude do cenário específico da política de cada país.
Vemos, então, que o Presidente equatoriano Sixto Durán Ballén possuía baixos níveis de
popularidade, enquanto o Presidente peruano, Alberto Fujimori, tinha elevada aprovação popular
e se encaminhava para sua reeleição. Em ambos os casos, a guerra foi utilizada como meio de
incremento da aprovação nacional.
Outro aspecto importante a se destacar é a venda direta de armamentos dos Estados
garantes para o Equador em plena guerra; nesse cenário, o que se viu foi uma negociação de
armamentos envolvendo a Argentina e o Chile. A Argentina enviou um total de 33 milhões de
dólares em armamentos para o Equador, incluindo oito mil fuzis FAL, 36 canhões de 105 e 155
mm, dez mil pistolas de 9 mm, 50 metralhadoras pesadas, entre outros tipos de equipamentos; o
Chile, por sua vez, fez o envio dos armamentos da forma mais discreta possível, tendo sido
inclusive suspenso temporariamente o funcionamento comercial do aeroporto de Santiago, a fim
de fazer o embarque do material bélico para o Equador.
Ademais, outra perspectiva que é de suma importância para um melhor entendimento
sobre o desenvolvimento do confronto entre Equador e Peru em 1995 é a contextualização das
capacidades militares de cada país. Por essa visão, o que nos é perceptível é que, em meados dos
anos 90, havia grande disparidade no desenvolvimento tecnológico das forças armadas de cada
país. O Equador mostrava-se muito mais preparado tecnicamente, com grupos de operações
especiais e bom desenvolvimento de sua frota de combate; pode-se dizer que o Equador possuía
uma das melhores forças aéreas da região. Em contradição a isso, era possível ver um exército
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peruano enfraquecido e, mesmo com seu maior contingente, em desvantagem em relação ao
Equador; esse enfraquecimento era devido, principalmente, aos conflitos e desgastes internos de
suas forças, essencialmente no que diz respeito ao combate contra o Sendero Luminoso.
4. RESOLUÇÃO DO CONFLITO
A longevidade que caracterizou as divergências territoriais entre o Peru e o Equador, que
remontam a épocas de séculos anteriores, contribuiu para que o sentimento nacionalista
permeasse, a princípio, as posições tomadas por ambos os países. O Equador, por exemplo, tinha
pretensões revisionistas e, portanto, tratava a questão do acesso à Bacia Amazônica como uma
matéria de identidade nacional, uma vez que era do seu interesse ser visto como um país
amazônico. O caso peruano é ainda mais latente, ao observarmos as reações drásticas das
populações das províncias limítrofes ao progresso das negociações, cujos cidadãos compunham
majoritariamente as tropas deslocadas para a fronteira.
O espírito nacionalista e a longa permanência das reivindicações fronteiriças entre os dois
países permitiu que os ressentimentos se acumulassem, mas estes foram concomitantes a um
amadurecimento da resolução do conflito. Dessa maneira, os riscos de misperception eram
diminuídos, na medida em que as demandas e as relutâncias de cada um dos contenciosos se
tornavam mais claras sincronicamente para o Equador, para o Peru e para os países garantes do
Protocolo do Rio de Janeiro de 1942.
Retomando os princípios desse Protocolo, a falha dos países garantes em manter a paz
durante a segunda metade do século XX é evidente, visto que eram recorrentes as rusgas entre as
autoridades peruanas e equatorianas. Segundo Paula Lekanda Laban, “uma mediação é falha
quando esta não tem impacto discernível na disputa ou no comportamento dos países” (LABAN,
p. 191, 2009), e esse é o caso do Protocolo do Rio de 42. Analisando de que maneira o Protocolo
não cumpriu com a sua meta de manutenção da paz regional, podem-se notar duas falhas
principais: a ausência de um mecanismo de resolução de controvérsias para a descoberta de
novos acidentes geográficos ao longo da fronteira disputada e a disparidade de poder entre o
Peru e o Equador no momento em que o Protocolo foi assinado, motivo pelo qual as lideranças
equatorianas sempre rechaçaram a legitimidade do documento, até fins do século XX. Havia,
contudo, motivos que dificultavam o entendimento mútuo os quais fugiam à alçada do Protocolo
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do Rio, a exemplo da lacuna oriunda dos débeis laços de interdependência socioeconômica entre
os dois Estados e do interesse nacional equatoriano de ser uma nação amazônica.
A situação em 1995, quando reacenderam os embates entre os países, era, todavia,
diferente daquela em que foi assinado o Protocolo do Rio, já que a balança de poder entre os dois
se aproximava do equilíbrio, ainda que não tenha havido, de fato, um vencedor da Guerra de
Cenepa. Além disso, a prontidão com que agiram os Presidentes dos países garantes do Protocolo
de 1942 era distinta da atitude insuficiente de outrora. Com a convocação dos líderes dos
garantes, é crível dizer que o Equador, implícita e parcialmente, reconhecia a legitimidade do
Protocolo, posição sempre defendida pelo Peru.
Ademais, existia uma mutualidade de interesses, conforme indica Laban (LABAN,
2009), a qual permitia que o diálogo fosse frutífero, a saber: o término do custoso conflito; o
desejo de não o escalar; o receio de que pudesse ser acesa uma corrida armamentista regional e
de que a segurança da região estivesse comprometida; e a vontade de criar elos econômicos entre
os dois rivais. Esses interesses coincidiam predominantemente com o que era postulado pelos
quatro países garantes, como o aumento da segurança, da estabilidade e da integração sulamericanas e o estabelecimento de formas institucionalizadas de resolver disputas no continente.
As políticas externas particulares não estiveram ausentes do processo de mediação por
parte dos garantes, afinal, o Brasil desejava ser visto como uma liderança regional, o Chile
almejava demonstrar sua vontade de aproximação ao Peru e de construção da confiança mútua, e
os Estados Unidos tinham interesse em participar do processo de resolução, mas sem aparentar
dominá-lo.
As divergências entre alguns dos garantes, ainda que parcas, somadas à venda de armas
por parte de argentinos ao Equador e ao questionamento da imparcialidade chilena por parte do
Peru, foram obstáculos à evolução da resolução, mas não foram suficientes para travá-la. Por
isso, a Declaração de Paz do Itamaraty foi o primeiro aceno de que os países garantes e os
conflitantes estavam comprometidos com o alcance da paz por vias diplomáticas. A negociação
direta e a mediação sob responsabilidade de terceiros permitiu que canais de comunicação
fossem criados entre os Governos do Equador e do Peru, facilitando, pois, que as questões
fluviais e territoriais fossem tratadas razoavelmente, e que o cessar-fogo fosse estabelecido sob a
observância da Missão de Observadores Militares Equador-Peru (MOMEP), uma força-tarefa
composta por militares dos países mediadores a qual tinha o objetivo de monitorar o cessar-fogo,
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definir zonas desmilitarizadas e posteriormente retirar as minas dispostas na fronteira em
combate.
Essa nova abordagem diplomática, em conjunto com a aproximação militar entre o Peru e
o Equador no campo disputado, permitiu que as soluções propostas fossem amplamente
negociadas, discutidas e acordadas, a exemplo do estabelecimento de zonas desmilitarizadas na
fronteira, da redação de listas nacionais de impasses a serem levadas à mesa de negociações e da
criação de grupos de trabalho conjuntos, inclusive no âmbito militar da MOMEP. Essas medidas
foram essenciais, para que os riscos de misperception fossem mitigados, e a construção de
confiança, incentivada.
Com a apresentação dos impasses percebidos por cada uma das partes do confronto,
tornou-se mais fácil, para os rivais, reconhecer as demandas alheias e realizar concessões em prol
da pacífica resolução da disputa. Nesse sentido, o Equador aceitou que as negociações fossem
realizadas nos moldes do Protocolo do Rio de 1942, e o Peru reconheceu que havia deveras uma
contestação territorial, fato que relutava em admitir, já que era o defensor da manutenção do
status quo.
Por isso, em 1996, o Equador e o Peru assinaram o Acordo de Santiago, em que se
comprometeram a analisar e resolver os impasses identificados, em uma metodologia de
negociação baseada em propostas por uma parte, contrapropostas por outra, e soluções
conciliatórias trazidas à tona pelos países garantes. As temáticas debatidas foram divididas em
quatro comissões conjuntas gerais responsáveis por tratar de: navegação fluvial e comércio;
integração fronteiriça; medidas de construção de confiança; e demarcação de limites territoriais.
Paulatinamente as comissões de análise sobre integração fronteiriça e construção de
confiança conseguiram chegar a acordos razoáveis para ambos os países, mas a nova escalada do
conflito colocou em risco o processo de resolução da contenda, e o prazo para que o acordo fosse
alcançado em 30 de maio de 1998 foi postergado. A mobilização de tropas, a compra de
armamentos e a violação das zonas desmilitarizadas somaram-se aos impasses não resolvidos
pelas comissões referentes à navegação fluvial e aos limites territoriais e fizeram com que os
Presidentes Fujimori, do Peru, e Mahuad, do Equador, de comum acordo, convocassem os países
garantes a servirem como árbitros, cuja decisão seria vinculante aos dois Estados.
Brevemente o Presidente Fernando Henrique Cardoso, do Brasil, como Presidente do
grupo de países garantes, respondeu à solicitação dos seus homólogos peruano e equatoriano e
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apresentou a solução encontrada pelos árbitros:
· O local disputado seria demarcado de acordo com a linha de divisão estabelecida no
Protocolo do Rio de 1942;
· O Equador teria acesso, embora não detivesse a sua soberania, a um quilômetro
quadrado dentro do território do Peru, na região de Tiwintza, onde seria construído um
marco em memória aos mortos no confronto;
· Parques ecológicos desmilitarizados seriam criados dos dois lados da fronteira;
· O Equador teria acesso livre ao Rio Amazonas, ainda que não fosse soberano;
·Centros comerciais equatorianos seriam estabelecidos ao longo do Rio Amazonas;
· Um fundo seria criado para o financiamento do desenvolvimento regional.
Dessa forma, o processo de resolução pacífica e negociada da Guerra de Cenepa teve fim,
com a assinatura de vários acordos nas mais diversas áreas, mas com o intuito comum de
assegurar que a ruptura da paz entre os dois países não seja sequer vislumbrada, e a integração e
o desenvolvimento sejam sempre o objetivo final das relações entre os dois países e seus
vizinhos sul-americanos.
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5. CONCLUSÃO
Finalmente, podemos concluir que, pelo contexto histórico apresentado sobre o
desenvolvimento do conflito Equador x Peru, tendo essa rivalidade como resultante mais grave a
Guerra de Cenepa, viu-se aquela que é uma das maiores rivalidades intracontinentais do contexto
sul-americano. Essa rivalidade se desenvolveu ao longo de várias décadas, o que acabou por
intensificar o desenvolvimento tecnológico bélico e tático de tais países.
Nesse mais recente confronto bélico direto entre Equador e Peru, observou-se o maior
conflito dentro da América do Sul desde a Guerra do Chaco. É importante citar o cunho político
desse conflito, que possuía, como área de disputa, uma região de menos de 96 quilômetros
quadrados, o que nos leva a questionar a utilidade de tal conflito como forma de incremento na
aprovação popular dos governantes estabelecidos na época.
A Guerra de Cenepa mobilizou um total de 5000 homens ao campo de batalha em ambos
os lados, apresenta estimativas bem distintas em relação à quantidade de vítimas fatais, número
que varia de 100 até 1000; ela é também conhecida como o conflito continental mais custoso da
História, chegando à casa de um bilhão de dólares de custo total para os países.
A Guerra de Cenepa, ou Guerra do Alto Cenepa ou ainda Guerra de Twinza, teve como
método de resolução a participação de outros atores interessados na questão e acabou com uma
resolução definitiva pouco mais de um mês depois de iniciada, um grande avanço no tratamento
independente das problemáticas sul-americanas.
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.Referências
- GALASTRI, Leandro de Oliveira; A Missão de Observadores Militares Equador-PeruMOMEP (1995-1999) e a Participação do Exército Brasileiro; IFCH-UNICAMP, Campinas,
SP: 2005.
- MARES, David; Palmer; Poder, instituciones
liderazgo en la paz y la guerra -
Aprendizajes de Perú y Ecuador (1995 - 1998); FLACSO, Quito, 2012.
- LABAN, Paula Lekanda; El conflicto territorial entre Ecuador y Perú por el Río del
Cenepa (1995): entre una mediación fallida y otra exitosa; Revista Pléyade nº 4, 2009.
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