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ARTIGO
DIFERENÇAS DE PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO DE
CLUBES DE FUTEBOL DA EUROPA E DO BRASIL
Leandro Cleverson Freitas de Campos1
Everton Paulo Roman2
RESUMO
Se dentro de campo o futebol brasileiro é reverenciado, fora dele,
tem muito a aprender com os europeus, que reconhecidamente são
perfeitos quando se fala em gerenciamento no futebol. Na Europa, existe
uma filosofia empresarial, em que ferramentas administrativas como
planejamento, organização e marketing são muito bem utilizadas,
traduzindo-se em milhões de euros a cada temporada. O objetivo deste
trabalho foi realizar uma análise em relação às diferenças de
planejamento e administração de clubes de futebol da Europa e do
Brasil por meio de uma pesquisa bibliográfica baseada em livros,
revistas e sites especializados. Considera-se que existe uma
desigualdade enorme entre o planejamento e a administração dos
clubes europeus e brasileiros, sintetizando-se em pouco
profissionalismo, salvo raras exceções. Sem esse profissionalismo,
não existe preocupação com os serviços prestados; os poucos produtos
dos clubes brasileiros não têm preços condizentes com a realidade
econômica, deixando o caminho totalmente aberto à pirataria. A maioria
dos estádios brasileiros está abandonada, em péssimas condições de
uso e são antigos, totalmente fora dos padrões atuais. Falta segurança,
limpeza e conforto, o que afasta os torcedores exigentes e preocupados
com essas questões. Na Europa, esse tipo de perda não acontece:
todos os clubes de futebol seguem um padrão de administração, como
uma empresa, que deve obter lucro, totalmente profissional, com
especialistas em todos os setores administrativos. As decisões são
discutidas e analisadas cuidadosamente, desde a contratação de
funcionários e jogadores até a modernização anual de sua estrutura
Recebido para publicação em 03/2007 e aprovado em 05/2007.
1
Professor de Educação Fisica.
2
Docente do curso de Educação Física da Faculdade Assis Gurgacs (FAG) Cascavel- Paraná e Doutorando em Saúde da Criança e do Adolescente na UNICAMP.
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física e seus setores. Restam agora bons exemplos a serem seguidos
para que o futebol brasileiro possa se transformar fora de campo naquilo
que ele já é dentro das quatro linhas: o melhor do mundo.
Palavras-chave: gerenciamento, futebol, administração, planejamento.
INTRODUÇÃO
Os administradores do esporte de maneira geral, mais
especificamente no futebol, conheceram um gerenciamento mais
próximo do profissionalismo, à medida que houve aproximação de
empresas de outros setores industriais.
O futebol, na década de 1950, já era o esporte mais popular do
mundo e conseguia levar milhares de pessoas aos estádios. Segundo
Sílvio Lancelloti, em 1952, a famosa produtora de conhaques Stock
colocou anúncios em todos os estádios da Itália e garantiu uma cota
de US$ 30 mil, quantia enorme naquela época, a cada clube da série A
(POZZI, 1998).
Essa foi a primeira aproximação de uma empresa de outro
segmento junto ao esporte. Tanto as empresas quanto as modalidades
esportivas perceberam que era possível ganhar dinheiro com o esporteprincipalmente o futebol, que contava com muitos adeptos. No entanto,
o conservadorismo da Federation International Football Association
(FIFA) permitiu somente no final dos anos 70 e início dos anos 80 que
aparecessem, bem pequenas, as logomarcas dos fabricantes dos
uniformes e a possibilidade de os clubes venderem espaços
publicitários em seus uniformes.
Com o começo das transmissões esportivas no início dos anos
60, o processo de profissionalização do esporte era cada vez mais
inevitável, e empresas consagradas se misturavam com agremiações
esportivas. Na década de 1980 tivemos exemplos claros desse
fenômeno. Na Alemanha, o Laboratório Bayer comprou duas
agremiações, o Leverkusen e o Uerdigen, e, para driblar a proibição da
FIFA, transformou seu distintivo em logomarcas. Na Holanda, a Philips
adquiriu o controle acionário do Eindhoven, que criou o PSV, isto é,
União Esportiva Philips (POZZI, 1998).
A visão empresarial, trazida para o esporte por essas indústrias,
fez com que essas agremiações esportivas mudassem sua maneira
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de pensar, até porque muitas dessas indústrias assumiram o controle
acionário dos clubes.
Com os fatos expostos, o objetivo deste estudo foi realizar uma
contextualização teórica em relação às diferenças na administração e
no planejamento de clubes de futebol da Europa e do Brasil.
O método de estudo baseou-se em uma pesquisa bibliográfica
em livros, revistas e sites especializados em administração esportiva,
esportes, gestão e marketing de clubes de futebol.
DIFERENÇAS ENTRE CLUBES DE FUTEBOL DA EUROPA E DO
BRASIL
Empresas trabalham para atrair e agradar clientes, procurando
fornecer sempre a melhor qualidade possível em seus produtos e
serviços. Traduzindo especificamente para o futebol, para as
agremiações esportivas, os clientes são os torcedores. A partir desse
princípio, os clubes europeus mudaram sua filosofia de trabalho e
começaram a profissionalizar sua gestão, o que até hoje não aconteceu
no Brasil.
A administração esportiva utiliza princípios básicos de
gerenciamento; suas ferramentas, como organização e planejamento,
são essenciais e fundamentais para qualquer negócio nos diferentes
ramos de atividade, pois ser profissional em uma atividade que envolve
gestão de recursos, e que tem valor, passa necessariamente pela
gestão eficaz desses mesmos recursos; a associação desse
fenômeno com a troca de comando nos clubes faz sentido, embora
não seja condição única (TAYLOR, 1998).
Gestão eficaz de recursos no negócio futebol só acontece se,
no fim da temporada, o resultado final for boa performance técnica e
caixa equilibrado. Algumas pessoas acreditam que o futebol não tem
nada a ver com a satisfação do produto e que é apenas uma relação
emocional. Ela é muito mais do que isso: essa paixão pode ser
convertida e explorada de forma comercial, pois um torcedor pode
trocar de esposa, de cidade, mas nunca de time (TAYLOR, 1998).
Todos esses cuidados são tomados na Europa, mas aqui no
Brasil não. Alguns pontos demonstram claramente a diferenciação fora
de campo entre o futebol europeu e o brasileiro, pois a realidade aqui é
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completamente diferente: os princípios empresariais vão contra o
interesse dos dirigentes, que dificultam a implantação desse sistema,
e não há profissionais qualificados para ocupar cargos administrativos,
o que compromete seriamente o clube. Além disso, todas as iniciativas
acontecem por impulso e paixão, algo não muito racional no futebol,
que é um mundo de negócios.
Se dentro do capitalismo não cabe mais a discussão sobre o
objetivo de uma empresa, que é mesmo maximizar seus lucros, no caso
da profissionalização da gestão dos esportes, o objetivo de um clube
que venha a fazer a opção pelo caminho da transformação de seu
departamento de futebol passa pela compatibilização dessas duas metas:
performance técnica e caixa equilibrado (AIDAR; LEONCINI, 2002).
No Brasil, país do futebol, contamos com menos de uma dezena
clubes com departamentos de futebol profissionalizados, onde é visível
a falta de uma base histórica que permita construir teses sobre lucro e
conquistas no campo do esporte negócio (PRADO, 2002).
Não é nenhuma novidade que a grande maioria dos nossos clubes
está em situação de pré-falência. O que impressiona são as inúmeras
possibilidades de ganhos que os clubes têm, mas que poucos (raros)
aproveitam (PEROM, 2005). Sem esse profissionalismo na
administração, não há preocupação com os serviços prestados; os
poucos produtos dos clubes não têm preços condizentes com a
realidade econômica de nosso país, deixando o caminho totalmente
livre para a pirataria.
Nossos estádios estão abandonados, em péssimas condições
de uso e a maioria antigos, totalmente fora dos padrões atuais. Falta
segurança, limpeza e conforto, o que afasta os torcedores mais
preocupados com essas questões. Esse torcedor é o que possui maior
potencial de fidelidade ao clube, e assim se perde um comprador de
ingressos em potencial (SOMOGGI, 2004).
O sucesso do futebol brasileiro passa, necessariamente, pela
recuperação e remodelação dos seus estádios, pois o estádio é um
instrumento de relacionamento clube-torcedor, ou seja, cliente-empresa
(FERREIRA, 2002).
Os dirigentes esquecem que, com mais pessoas freqüentando
os estádios, poderiam ganhar mais dinheiro, explorando, por exemplo,
lanchonetes. É difícil entender como os dirigentes podem aceitar que
empresas, ditas de alimentação, prestem um serviço tão ruim e ao
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mesmo tempo com preço exorbitante dentro de seus estádios
(KUSSAREC, 2005).
Segundo o mesmo autor citado anteriormente, os clubes acabam
perdendo dinheiro para as barraquinhas de ambulantes. A mesma coisa
acontece com o estacionamento: os clubes são incapazes de criar
áreas ou parcerias com estacionamentos perto de seus estádios e
perdem renda para os famosos “flanelinhas”.
Os clubes não perdem somente essa fonte de receita; poucos
torcedores em suas arquibancadas é significado de pouco poder de
barganha no momento em que se negocia o valor pago pelas
transmissões de TV. Fecha-se um círculo vicioso, formado por clubes
em má condição financeira, alto custo de manutenção, estádios vazios
e valores pagos pela TV abaixo do necessário à sobrevivência do clube
(SZPERLING, 2002).
Os clubes levam prejuízo em situações que poderiam ser
extremamente positivas e lucrativas. Nosso futebol, que é praticamente
exportador, perde dinheiro até em nosso maior produto e fonte de renda,
que é a venda de jogadores, pois são vendidos abaixo do seu valor real
para subsidiar os custos pela falta de planejamento.
Em relação aos patrocínios estampados nas camisas dos clubes,
o iraniano Kia Joorabchian (manager da MSI/Corínthians) relatou que o
patrocínio de um clube não se encerra exatamente no final do contrato:
a marca fica exposta para sempre nos uniformes comprados pelos
torcedores – sejam eles originais ou falsificados (PAPALA, 2005).
A propósito, quando se fala em vendas de camisas, as perdas
dos clubes continuam, e um dos motivos da dificuldade de combater a
pirataria nos uniformes é claro e evidente: os clubes não se preocupam
em confeccionar camisas mais baratas, perdendo espaço para a
pirataria (KUSSAREC, 2005).
O que mais assusta é que os próprios dirigentes do futebol
brasileiro não apresentam uma proposta concreta para a solução da
crise em que eles se encontram. Pouquíssimos clubes têm a
preocupação em se modernizar, não dando boas condições para seus
profissionais trabalharem. Grandes clubes de nosso país não têm um
centro de treinamento próprio, o que os leva a gastar altos valores com
aluguel desses espaços.
Agora, surge uma nova oportunidade para que se dê início a um
processo de profissionalização do futebol brasileiro: a Medida Provisória
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de Moralização do Futebol e o Código de Defesa do Torcedor. Este
projeto tem como objetivo propor ações para a reformulação do futebol
brasileiro em diversos sentidos. Foi dado o pontapé inicial para que o
futebol brasileiro se transforme em um negócio atrativo e rentável
(PORCARI, 2005).
Uma das primeiras mudanças foi o campeonato brasileiro, que
tinha um sistema próprio na forma de disputa quando comparado com
outros campeonatos de futebol no mundo. Em 32 edições da
competição, de 1971 a 2002, as formas de disputa eram sempre
alteradas, ou seja, a cada ano o torcedor não sabia como seria o
campeonato mais importante do País no ano seguinte; além disso, o
regulamento não era respeitado – como exemplo, clubes que eram
rebaixados para a segunda divisão, no ano seguinte, continuavam na
primeira divisão.
Em 2003 as coisas começaram a mudar: o “Brasileirão” passou a
ser disputado por pontos corridos, como acontece nos campeonatos
mais importantes do mundo, e, também como lá, equipes,
independentemente de sua tradição, permanecem em divisões
inferiores até que conquistem dentro de campo o direito de retornar à
divisão principal.
Essas atitudes proporcionam credibilidade junto ao público e aos
patrocinadores, todo mundo sai ganhando e o campeonato fica cada
vez mais rentável; ademais, em novembro de 2006 o Brasil oficializou
sua candidatura na FIFA para ser a sede da Copa do Mundo de 2014.
O Brasil, pela sua tradição no futebol, é o grande favorito na disputa
com a Colômbia para sediar o mundial. Após a escolha, a FIFA exige
uma série de encargos para a realização de um dos maiores eventos
esportivos do mundo. Uma das exigências da entidade máxima do
futebol são os estádios, que precisam estar em altíssimo nível, como
na Europa. Para tudo dar certo, será necessário que a iniciativa privada
e o poder público trabalhem juntos: o governo, proporcionando
mecanismos para melhorar setores de infra-estrutura, como segurança
e transportes (aeroportos, linhas de metrô, rodovias, etc.), e as
empresas, construindo os estádios para a realização dos jogos –
segundo especulações, serão pelo menos dez. Tudo isso só virá a
fortalecer o futebol brasileiro, que começa uma longa caminhada.
Outra medida importante foi a aprovação do projeto que cria a
Timemania – uma nova loteria que acaba de ser oficializada. Os clubes
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de futebol recebem 22% do que é arrecadado com as apostas; no
entanto, no início não vão ver a cor do dinheiro. Os recursos arrecadados
pela Caixa Econômica Federal serão transferidos diretamente para seus
credores. A loteria foi criada com o objetivo de ajudar os clubes a
pagarem suas dívidas.
O coordenador do Grupo de Trabalho da Timemania, Paulo
Prisco Paraíso, afirma que não há perigo de o dinheiro ser usado para
outro fim. “É um produto engenhoso que amarra (a transação financeira).
O governo recebe o que tem para receber, o clube consegue gerar
receita”. Os clubes devem atualmente cerca de R$ 900 milhões para a
União (AQUINO, 2006).
A Timemania tem ainda regras para adesão e permanência. Os
clubes não podem contrair novas dívidas fiscais e devem manter o
pagamento das parcelas do refinanciamento em dia e apresentarem
balanço financeiro das atividades; caso contrário, são excluídos da
loteria.
Uma vez que as dívidas estiverem quitadas, a verba da
Timemania pode ser usada para investimento no esporte, como
construção de estrutura de treinamento, contratação e manutenção de
jogadores nos clubes.
Essa talvez seja a última chance para que o futebol brasileiro
se torne fora de campo o que vem demonstrando há muito tempo nos
gramados: o melhor futebol do mundo. Isso se deve, e muito, à ousadia
e coragem do governo brasileiro, criando políticas públicas para dar o
suporte necessário para que o futebol brasileiro cresça e se desenvolva
de maneira sustentável.
Para que essa iniciativa louvável obtenha êxito é necessário
que tanto clubes quanto os órgãos fiscalizadores do governo tenham
muita seriedade, pois, com uma nova regulamentação esportiva, os
clubes passam a ser fiscalizados e a exigência de transparência na
gestão gera novas oportunidades de negócios. Cabe ressaltar que,
para as empresas patrocinadoras e os canais de televisão investirem
milhões de dólares nas marcas dos clubes brasileiros, estes devem
estar mais próximos de seus torcedores (SOMOGGI, 2004).
Outras iniciativas já começam a nos dar esperanças, apesar da
declaração de alguns presidentes de clubes do futebol brasileiro, dando
conta de que os torcedores brasileiros não têm tradição na compra de
produtos licenciados. Se as empresas fornecedoras de materiais
esportivos começarem a trabalhar com produtos dos clubes e com
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preços mais acessíveis, isso poderia ser uma fonte geradora de renda
e, em contrapartida, uma forma de combater a pirataria, aproximando
assim clube e produto.
Estudos da Fundação Getúlio Vargas apontam que clubes como
Flamengo e Corinthians (clubes de maior torcida no Brasil) perdem
verdadeiras fortunas por falta de planejamento e estratégias junto a
seus torcedores.
De acordo com o jornal Gazeta Mercantil de 14 de outubro de
1999, o valor potencial dos clubes de futebol no Brasil poderia ser
estimado em uma média ajustada proporcionalmente aos valores do
Produto Interno Bruto (PIB) da Inglaterra e do Brasil. Depois dos cálculos
feitos, chegou-se a um gasto de R$ 57,00 por torcedor em cada ano,
ou aproximadamente 20 dólares (1 dólar = 3,00), o que significa que
um clube como o Corinthians, com cerca de 17 milhões de torcedores,
teria um potencial de geração de renda de aproximadamente US$ 340
milhões por ano. Assim, o Flamengo, com cerca de 25 milhões de
torcedores, arrecadaria aproximadamente US$ 500 milhões, admitindose sempre uma exploração comercial do futebol nos moldes ingleses.
No Brasil essas perdas são evidentes, porém na Europa isso
não acontece: todos os clubes seguem um padrão de administração
no futebol, como uma empresa, que deve obter lucro, com especialistas
em todos os setores administrativos do clube. As decisões são
discutidas e analisadas cuidadosamente, desde a contratação de
funcionários e jogadores até a compra de materiais de limpeza.
O planejamento do calendário feito pelas ligas européias é
excelente e realizado com vários anos de antecedência, com número
de jogos limitados para não comprometer a integridade física dos atletas.
Além disso, todos os anos os clubes europeus modernizam sua
estrutura física e seus setores; prova disso são os estádios de futebol
chamados agora de arenas multiuso, com todo o conforto possível, uma
grande fonte de renda, onde se encontra qualidade em serviços e
produtos dos clubes e os torcedores são tratados como clientes.
No entanto, esse processo não foi tão simples e vitorioso assim,
pois vários países europeus viveram o caos com o endividamento de
seus clubes e a violência nos estádios nos anos 70 e 80; os governos
tiveram que criar leis de punição e incentivo para salvar seus clubes
(SOMOGGI, 2004).
Depois que pessoas morreram em estádios e o país foi banido
das competições européias, a Inglaterra promoveu – com base nos
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investimentos privados e públicos suportados por uma rigorosa
legislação – a transformação do futebol. Em menos de uma década,
dezenas de estádios foram reformados, clubes-empresa saneados e
eventos recuperados. De lá vem uma avaliação otimista quanto à
transformação do esporte em negócio (FYNN; GUEST, 1998).
A Inglaterra serve como uma aula de introdução para quem quer
entender como funciona a contabilidade de um clube-empresa. Desde
a última década do século XIX, quando surgiu o primeiro clube-empresa
do país, todos os clubes de futebol têm balanços publicados.
Atualmente, as 92 equipes integrantes das quatro divisões do
esporte no país têm seus números aditados e publicados, o que permite
uma sólida base de informações para se construir ou derrubar qualquer
tese sobre o futebol. Fica fácil, lendo os números da Inglaterra, entender
como cada clube-empresa trabalha fluxos de caixa, receitas, despesas
e resultados finais (AIDAR; LEONCINI, 2002).
Outro belo exemplo é a Espanha. Segundo uma nova lei, após
a intervenção do governo, apenas os clubes que obtivessem desde o
exercício financeiro de 1985/86 um saldo patrimonial líquido positivo
poderiam manter sua estrutura jurídica sem a necessidade de a partir
de 1990 transformar-se em Sociedades Anônimas Desportivas
(SOMOGGI, 2004).
Assim, apenas FC Barcelona, Real Madrid, Athletic de Bilbao e
Osasuña conseguiram cumprir esse requisito, podendo assim
permanecer como clubes; todos os demais tiveram que fazer a
mudança, transformando-se em Sociedades Anônimas Desportivas
(SOMOGGI, 2004).
Além do cumprimento das novas normas, os clubes que não
atingiram o estipulado, salvo os quatro clubes citados anteriormente,
deveriam depositar para a Liga de Futebol 15% de seu orçamento de
despesas no início da temporada, como aval para poderem participar
dos jogos da Liga Espanhola.
Com essas iniciativas, o governo espanhol obrigou os clubes
de futebol do país a profissionalizarem suas gestões, pois eram
monitorados, e a Liga se desenvolveu: em 10 anos, a Liga Espanhola
de Futebol tornou-se uma das melhores e mais ricas de toda a Europa.
A realidade do futebol na Espanha acaba demonstrando que
uma nova Legislação Esportiva com regras claras é a solução mais
benéfica para o esporte em um país (SOMOGGI, 2004). Após a nova
legislação, os clubes passaram a ter uma mentalidade empresarial,
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ampliaram o faturamento com receitas provenientes dos carnês
antecipados (ingressos para toda a temporada), lojas e museus,
fundação vinculada ao clube, produtos licenciados, pacotes de viagem
para assistir aos jogos do clube em diferentes partes da Espanha e
Europa e canais próprios de TV por assinatura com 12 horas diárias
de programação sobre o time.
Os clubes europeus também se preocupam com fontes de
renda, como, por exemplo, sua marca, vendendo produtos licenciados
até em outros continentes e atendendo a todas as classes sociais;
assim, fica mais fácil combater a pirataria.
A maioria dos clubes têm um telefone tipo 0800 (para ligações
gratuitas), um site de notícias, venda de produtos, revistas próprias,
escritórios de atenção aos sócios e desenvolvem excelentes estratégias
de relações públicas para que os torcedores sempre sejam informados
das notícias, campanhas e promoções (SOMOGGI, 2004).
Na temporada 2000/2001 da primeira divisão da Liga Espanhola,
20 clubes receberam de seus sócios e das vendas dos carnês
antecipados US$ 193,3 milhões, praticamente o mesmo valor pago
pela TV (SZPERLING, 2002).
O Barcelona vendeu 95.000 carnês de ingressos para toda a
temporada, e o Real Madrid, 60.000. Na Europa isso só acontece porque
os torcedores têm vantagens oferecidas pelos clubes e são tratados
como clientes (FERREIRA, 2002).
Clubes como o Real Madrid alcançam esses números porque
seguem critérios administrativos rígidos. Na hora de contratar, por
exemplo, o clube faz diversas reuniões com o seu Conselho e avalia
se a contratação vale todo o investimento; são realizadas
periodicamente análises segmentadas do seu mercado, contratando
profissionais de acordo com os gostos, afinidades e as necessidades
dos torcedores (GOUVEIA, 2005).
Com toda essa organização nos clubes europeus, fica fácil
entender porque o Manchester United liderou por oito anos a pesquisa
feita pela empresa de auditoria Deloitte and Touche dos clubes mais
ricos do mundo, sendo superado recentemente pelo Real Madrid, outro
fantástico exemplo de excelência em gestão no futebol, que alcançou
na temporada 2004/2005 uma receita de 300 milhões de euros (cerca
de US$ 363,4 milhões).
Já o seu rival, o FC Barcelona, que também segundo a mesma
pesquisa está entre os dez clubes mais ricos do mundo, fechou em
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2006 uma parceria com o Unicef. A iniciativa deve durar cinco anos: o
clube de futebol estará se comprometendo na luta em prol de crianças
órfãs e portadoras do vírus HIV. A parceria prevê inicialmente a exposição
do emblema do Unicef nas camisas dos jogadores do time catalão;
especula-se ainda que o clube fará a singela doação de 1,5 milhão de
euros à entidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Traçando um paralelo entre o futebol brasileiro e o futebol europeu,
fica claro que nossos clubes sistematicamente apresentam situações
deficitárias, que desabam em um endividamento bancário e inadimplência
junto ao fisco e à previdência social. Separados ou somados esses fatores,
aparecem de forma quase unânime os mais de 500 clubes que compõem
o leque desse esporte no País (PRADO, 2002).
Se os clubes do futebol brasileiro trabalhassem nos moldes
europeus, a situação seria outra, daí a imensa necessidade de se
tornarem empresas, com planejamento e administração extremamente
profissional, visando o saneamento de suas dívidas e o investimento
nas estruturas físicas, tratando cada vez mais o torcedor como um
cliente em potencial, minimizando essas diferenças.
Enquanto continuarem com esse amadorismo em suas gestões,
os clubes continuarão com a evidente incapacidade de gerar receitas
superiores às despesas, pois não estão aptos para administrar a balança
formada pelos pesos razão e emoção ante a tomada das decisões.
Isso fica claro quando, por exemplo, o clube contrata um jogador
sem obedecer a qualquer orçamento, muitas vezes porque
simplesmente precisa de um, sem estimar que receitas possam ser
ampliadas com uma contratação mais planejada. Esses são exemplos
do que acontece no vácuo de estratégias formadas com base na
emoção (MEIRELLES, 2002).
Para alcançar o objetivo principal, é preciso definir estratégias
claras, nas quais a administração e o planejamento estejam presentes
no cotidiano dos clubes, e isso implicaria mudar radicalmente a filosofia
de trabalho, o que é outro ponto fundamental; caso contrário, de nada
adiantará a contratação de profissionais capacitados.
Outro ponto importante nesse processo é desenvolver um
trabalho com empresas de consultoria em setores estratégicos do
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clube, além da realização de auditorias regulares, para que se tenha
um acompanhamento mais freqüente em relação ao binômio receitas/
despesas desses clubes.
Para que aconteça a profissionalização administrativa, é
necessário que profissionais de administração sejam contratados para
ocuparem cargos de gerência. As universidades também têm papel
fundamental, investindo na formação e capacitação de profissionais
(especialmente Administradores de Empresas e profissionais de
Educação Física) para dar suporte às exigências atuais de mercado.
Observa-se que alguns clubes do futebol brasileiro começam a
implantar uma gestão voltada ao profissionalismo, espelhados nos
moldes europeus e adaptados a algumas características históricas e
socioculturais que são peculiares aos dirigentes das agremiações
brasileiras.
Esses são alguns pontos que até mesmo os atuais dirigentes
conhecem, mas, por inércia, fazem pouco ou quase nada para mudar
essa realidade. Este trabalho vem de encontro a essa questão, tentando
enriquecer essa discussão e deixar uma pequena contribuição a essa
instigante pesquisa e triste realidade: que precisamos mudar com
urgência, para que talvez um dia o mundo reverencie, fora de campo, o
que eles chamam de o melhor futebol do mundo.
ABSTRACT
Planning and management differences of soccer clubs from
Europe and from Brazil
If inside the soccer field the Brazilian soccer is respected, outside
the four lines it has a lot to learn with the European soccer which are
perfect referring to management. In Europe there is an enterprise
philosophy where management tools as planning, organizing and
marketing are very well used becoming millions of euros on each season.
The objective of this work was to realize an analysis related to the planning
and management differences of soccer clubs from Europe and from
Brazil trough a bibliographic research with basis on books, magazines
and specialized internet sites. It is considered that a huge inequality
exists between the planning and the management of the European and
Brazilian clubs resuming on few professionalism, with some exceptions.
Without this professionalism there is no concern with the services made.
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The few products of the Brazilian clubs did not have according prices to
the economic reality giving a great opportunity for the black market.
Most of the Brazilian Stadiums are abandoned in terrible conditions and
to old, totally out of the actually patterns. Security, cleaning and comfort
are missing what repels the spectators who demand the minimal
patterns. In Europe this kind of loss don’t occur: all soccer clubs follow
a management pattern as an enterprise which is suppose to make
money as a professional with specialists all over the management
sectors. The decisions are discussed and carefully analyzed, since on
hiring employees and soccer players until the annual modernization of
the physical structures and sectors. The good examples are there to
be followed so Brazilian soccer may transform itself outside the soccer
field in an example as it is inside the four lines: the best of the world.
Keywords: administration, soccer, management, planning.
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Endereços para correspondência:
Rua Souza Naves, 4097, Ed. Rochedo ap. 81
Centro
CEP- 85810-070 Cascavel-Paraná
Rua do Rosário,436- Jardim Pancera
CEP- 85802-005 Cascavel-Paraná
R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 16, n. 1, p. 50-63, 2008
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