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ARTIGO DIFERENÇAS DE PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO DE CLUBES DE FUTEBOL DA EUROPA E DO BRASIL Leandro Cleverson Freitas de Campos1 Everton Paulo Roman2 RESUMO Se dentro de campo o futebol brasileiro é reverenciado, fora dele, tem muito a aprender com os europeus, que reconhecidamente são perfeitos quando se fala em gerenciamento no futebol. Na Europa, existe uma filosofia empresarial, em que ferramentas administrativas como planejamento, organização e marketing são muito bem utilizadas, traduzindo-se em milhões de euros a cada temporada. O objetivo deste trabalho foi realizar uma análise em relação às diferenças de planejamento e administração de clubes de futebol da Europa e do Brasil por meio de uma pesquisa bibliográfica baseada em livros, revistas e sites especializados. Considera-se que existe uma desigualdade enorme entre o planejamento e a administração dos clubes europeus e brasileiros, sintetizando-se em pouco profissionalismo, salvo raras exceções. Sem esse profissionalismo, não existe preocupação com os serviços prestados; os poucos produtos dos clubes brasileiros não têm preços condizentes com a realidade econômica, deixando o caminho totalmente aberto à pirataria. A maioria dos estádios brasileiros está abandonada, em péssimas condições de uso e são antigos, totalmente fora dos padrões atuais. Falta segurança, limpeza e conforto, o que afasta os torcedores exigentes e preocupados com essas questões. Na Europa, esse tipo de perda não acontece: todos os clubes de futebol seguem um padrão de administração, como uma empresa, que deve obter lucro, totalmente profissional, com especialistas em todos os setores administrativos. As decisões são discutidas e analisadas cuidadosamente, desde a contratação de funcionários e jogadores até a modernização anual de sua estrutura Recebido para publicação em 03/2007 e aprovado em 05/2007. 1 Professor de Educação Fisica. 2 Docente do curso de Educação Física da Faculdade Assis Gurgacs (FAG) Cascavel- Paraná e Doutorando em Saúde da Criança e do Adolescente na UNICAMP. 50 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 16, n. 1, p. 50-63, 2008 física e seus setores. Restam agora bons exemplos a serem seguidos para que o futebol brasileiro possa se transformar fora de campo naquilo que ele já é dentro das quatro linhas: o melhor do mundo. Palavras-chave: gerenciamento, futebol, administração, planejamento. INTRODUÇÃO Os administradores do esporte de maneira geral, mais especificamente no futebol, conheceram um gerenciamento mais próximo do profissionalismo, à medida que houve aproximação de empresas de outros setores industriais. O futebol, na década de 1950, já era o esporte mais popular do mundo e conseguia levar milhares de pessoas aos estádios. Segundo Sílvio Lancelloti, em 1952, a famosa produtora de conhaques Stock colocou anúncios em todos os estádios da Itália e garantiu uma cota de US$ 30 mil, quantia enorme naquela época, a cada clube da série A (POZZI, 1998). Essa foi a primeira aproximação de uma empresa de outro segmento junto ao esporte. Tanto as empresas quanto as modalidades esportivas perceberam que era possível ganhar dinheiro com o esporteprincipalmente o futebol, que contava com muitos adeptos. No entanto, o conservadorismo da Federation International Football Association (FIFA) permitiu somente no final dos anos 70 e início dos anos 80 que aparecessem, bem pequenas, as logomarcas dos fabricantes dos uniformes e a possibilidade de os clubes venderem espaços publicitários em seus uniformes. Com o começo das transmissões esportivas no início dos anos 60, o processo de profissionalização do esporte era cada vez mais inevitável, e empresas consagradas se misturavam com agremiações esportivas. Na década de 1980 tivemos exemplos claros desse fenômeno. Na Alemanha, o Laboratório Bayer comprou duas agremiações, o Leverkusen e o Uerdigen, e, para driblar a proibição da FIFA, transformou seu distintivo em logomarcas. Na Holanda, a Philips adquiriu o controle acionário do Eindhoven, que criou o PSV, isto é, União Esportiva Philips (POZZI, 1998). A visão empresarial, trazida para o esporte por essas indústrias, fez com que essas agremiações esportivas mudassem sua maneira R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 16, n. 1, p. 50-63, 2008 51 de pensar, até porque muitas dessas indústrias assumiram o controle acionário dos clubes. Com os fatos expostos, o objetivo deste estudo foi realizar uma contextualização teórica em relação às diferenças na administração e no planejamento de clubes de futebol da Europa e do Brasil. O método de estudo baseou-se em uma pesquisa bibliográfica em livros, revistas e sites especializados em administração esportiva, esportes, gestão e marketing de clubes de futebol. DIFERENÇAS ENTRE CLUBES DE FUTEBOL DA EUROPA E DO BRASIL Empresas trabalham para atrair e agradar clientes, procurando fornecer sempre a melhor qualidade possível em seus produtos e serviços. Traduzindo especificamente para o futebol, para as agremiações esportivas, os clientes são os torcedores. A partir desse princípio, os clubes europeus mudaram sua filosofia de trabalho e começaram a profissionalizar sua gestão, o que até hoje não aconteceu no Brasil. A administração esportiva utiliza princípios básicos de gerenciamento; suas ferramentas, como organização e planejamento, são essenciais e fundamentais para qualquer negócio nos diferentes ramos de atividade, pois ser profissional em uma atividade que envolve gestão de recursos, e que tem valor, passa necessariamente pela gestão eficaz desses mesmos recursos; a associação desse fenômeno com a troca de comando nos clubes faz sentido, embora não seja condição única (TAYLOR, 1998). Gestão eficaz de recursos no negócio futebol só acontece se, no fim da temporada, o resultado final for boa performance técnica e caixa equilibrado. Algumas pessoas acreditam que o futebol não tem nada a ver com a satisfação do produto e que é apenas uma relação emocional. Ela é muito mais do que isso: essa paixão pode ser convertida e explorada de forma comercial, pois um torcedor pode trocar de esposa, de cidade, mas nunca de time (TAYLOR, 1998). Todos esses cuidados são tomados na Europa, mas aqui no Brasil não. Alguns pontos demonstram claramente a diferenciação fora de campo entre o futebol europeu e o brasileiro, pois a realidade aqui é 52 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 16, n. 1, p. 50-63, 2008 completamente diferente: os princípios empresariais vão contra o interesse dos dirigentes, que dificultam a implantação desse sistema, e não há profissionais qualificados para ocupar cargos administrativos, o que compromete seriamente o clube. Além disso, todas as iniciativas acontecem por impulso e paixão, algo não muito racional no futebol, que é um mundo de negócios. Se dentro do capitalismo não cabe mais a discussão sobre o objetivo de uma empresa, que é mesmo maximizar seus lucros, no caso da profissionalização da gestão dos esportes, o objetivo de um clube que venha a fazer a opção pelo caminho da transformação de seu departamento de futebol passa pela compatibilização dessas duas metas: performance técnica e caixa equilibrado (AIDAR; LEONCINI, 2002). No Brasil, país do futebol, contamos com menos de uma dezena clubes com departamentos de futebol profissionalizados, onde é visível a falta de uma base histórica que permita construir teses sobre lucro e conquistas no campo do esporte negócio (PRADO, 2002). Não é nenhuma novidade que a grande maioria dos nossos clubes está em situação de pré-falência. O que impressiona são as inúmeras possibilidades de ganhos que os clubes têm, mas que poucos (raros) aproveitam (PEROM, 2005). Sem esse profissionalismo na administração, não há preocupação com os serviços prestados; os poucos produtos dos clubes não têm preços condizentes com a realidade econômica de nosso país, deixando o caminho totalmente livre para a pirataria. Nossos estádios estão abandonados, em péssimas condições de uso e a maioria antigos, totalmente fora dos padrões atuais. Falta segurança, limpeza e conforto, o que afasta os torcedores mais preocupados com essas questões. Esse torcedor é o que possui maior potencial de fidelidade ao clube, e assim se perde um comprador de ingressos em potencial (SOMOGGI, 2004). O sucesso do futebol brasileiro passa, necessariamente, pela recuperação e remodelação dos seus estádios, pois o estádio é um instrumento de relacionamento clube-torcedor, ou seja, cliente-empresa (FERREIRA, 2002). Os dirigentes esquecem que, com mais pessoas freqüentando os estádios, poderiam ganhar mais dinheiro, explorando, por exemplo, lanchonetes. É difícil entender como os dirigentes podem aceitar que empresas, ditas de alimentação, prestem um serviço tão ruim e ao R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 16, n. 1, p. 50-63, 2008 53 mesmo tempo com preço exorbitante dentro de seus estádios (KUSSAREC, 2005). Segundo o mesmo autor citado anteriormente, os clubes acabam perdendo dinheiro para as barraquinhas de ambulantes. A mesma coisa acontece com o estacionamento: os clubes são incapazes de criar áreas ou parcerias com estacionamentos perto de seus estádios e perdem renda para os famosos “flanelinhas”. Os clubes não perdem somente essa fonte de receita; poucos torcedores em suas arquibancadas é significado de pouco poder de barganha no momento em que se negocia o valor pago pelas transmissões de TV. Fecha-se um círculo vicioso, formado por clubes em má condição financeira, alto custo de manutenção, estádios vazios e valores pagos pela TV abaixo do necessário à sobrevivência do clube (SZPERLING, 2002). Os clubes levam prejuízo em situações que poderiam ser extremamente positivas e lucrativas. Nosso futebol, que é praticamente exportador, perde dinheiro até em nosso maior produto e fonte de renda, que é a venda de jogadores, pois são vendidos abaixo do seu valor real para subsidiar os custos pela falta de planejamento. Em relação aos patrocínios estampados nas camisas dos clubes, o iraniano Kia Joorabchian (manager da MSI/Corínthians) relatou que o patrocínio de um clube não se encerra exatamente no final do contrato: a marca fica exposta para sempre nos uniformes comprados pelos torcedores – sejam eles originais ou falsificados (PAPALA, 2005). A propósito, quando se fala em vendas de camisas, as perdas dos clubes continuam, e um dos motivos da dificuldade de combater a pirataria nos uniformes é claro e evidente: os clubes não se preocupam em confeccionar camisas mais baratas, perdendo espaço para a pirataria (KUSSAREC, 2005). O que mais assusta é que os próprios dirigentes do futebol brasileiro não apresentam uma proposta concreta para a solução da crise em que eles se encontram. Pouquíssimos clubes têm a preocupação em se modernizar, não dando boas condições para seus profissionais trabalharem. Grandes clubes de nosso país não têm um centro de treinamento próprio, o que os leva a gastar altos valores com aluguel desses espaços. Agora, surge uma nova oportunidade para que se dê início a um processo de profissionalização do futebol brasileiro: a Medida Provisória 54 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 16, n. 1, p. 50-63, 2008 de Moralização do Futebol e o Código de Defesa do Torcedor. Este projeto tem como objetivo propor ações para a reformulação do futebol brasileiro em diversos sentidos. Foi dado o pontapé inicial para que o futebol brasileiro se transforme em um negócio atrativo e rentável (PORCARI, 2005). Uma das primeiras mudanças foi o campeonato brasileiro, que tinha um sistema próprio na forma de disputa quando comparado com outros campeonatos de futebol no mundo. Em 32 edições da competição, de 1971 a 2002, as formas de disputa eram sempre alteradas, ou seja, a cada ano o torcedor não sabia como seria o campeonato mais importante do País no ano seguinte; além disso, o regulamento não era respeitado – como exemplo, clubes que eram rebaixados para a segunda divisão, no ano seguinte, continuavam na primeira divisão. Em 2003 as coisas começaram a mudar: o “Brasileirão” passou a ser disputado por pontos corridos, como acontece nos campeonatos mais importantes do mundo, e, também como lá, equipes, independentemente de sua tradição, permanecem em divisões inferiores até que conquistem dentro de campo o direito de retornar à divisão principal. Essas atitudes proporcionam credibilidade junto ao público e aos patrocinadores, todo mundo sai ganhando e o campeonato fica cada vez mais rentável; ademais, em novembro de 2006 o Brasil oficializou sua candidatura na FIFA para ser a sede da Copa do Mundo de 2014. O Brasil, pela sua tradição no futebol, é o grande favorito na disputa com a Colômbia para sediar o mundial. Após a escolha, a FIFA exige uma série de encargos para a realização de um dos maiores eventos esportivos do mundo. Uma das exigências da entidade máxima do futebol são os estádios, que precisam estar em altíssimo nível, como na Europa. Para tudo dar certo, será necessário que a iniciativa privada e o poder público trabalhem juntos: o governo, proporcionando mecanismos para melhorar setores de infra-estrutura, como segurança e transportes (aeroportos, linhas de metrô, rodovias, etc.), e as empresas, construindo os estádios para a realização dos jogos – segundo especulações, serão pelo menos dez. Tudo isso só virá a fortalecer o futebol brasileiro, que começa uma longa caminhada. Outra medida importante foi a aprovação do projeto que cria a Timemania – uma nova loteria que acaba de ser oficializada. Os clubes R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 16, n. 1, p. 50-63, 2008 55 de futebol recebem 22% do que é arrecadado com as apostas; no entanto, no início não vão ver a cor do dinheiro. Os recursos arrecadados pela Caixa Econômica Federal serão transferidos diretamente para seus credores. A loteria foi criada com o objetivo de ajudar os clubes a pagarem suas dívidas. O coordenador do Grupo de Trabalho da Timemania, Paulo Prisco Paraíso, afirma que não há perigo de o dinheiro ser usado para outro fim. “É um produto engenhoso que amarra (a transação financeira). O governo recebe o que tem para receber, o clube consegue gerar receita”. Os clubes devem atualmente cerca de R$ 900 milhões para a União (AQUINO, 2006). A Timemania tem ainda regras para adesão e permanência. Os clubes não podem contrair novas dívidas fiscais e devem manter o pagamento das parcelas do refinanciamento em dia e apresentarem balanço financeiro das atividades; caso contrário, são excluídos da loteria. Uma vez que as dívidas estiverem quitadas, a verba da Timemania pode ser usada para investimento no esporte, como construção de estrutura de treinamento, contratação e manutenção de jogadores nos clubes. Essa talvez seja a última chance para que o futebol brasileiro se torne fora de campo o que vem demonstrando há muito tempo nos gramados: o melhor futebol do mundo. Isso se deve, e muito, à ousadia e coragem do governo brasileiro, criando políticas públicas para dar o suporte necessário para que o futebol brasileiro cresça e se desenvolva de maneira sustentável. Para que essa iniciativa louvável obtenha êxito é necessário que tanto clubes quanto os órgãos fiscalizadores do governo tenham muita seriedade, pois, com uma nova regulamentação esportiva, os clubes passam a ser fiscalizados e a exigência de transparência na gestão gera novas oportunidades de negócios. Cabe ressaltar que, para as empresas patrocinadoras e os canais de televisão investirem milhões de dólares nas marcas dos clubes brasileiros, estes devem estar mais próximos de seus torcedores (SOMOGGI, 2004). Outras iniciativas já começam a nos dar esperanças, apesar da declaração de alguns presidentes de clubes do futebol brasileiro, dando conta de que os torcedores brasileiros não têm tradição na compra de produtos licenciados. Se as empresas fornecedoras de materiais esportivos começarem a trabalhar com produtos dos clubes e com 56 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 16, n. 1, p. 50-63, 2008 preços mais acessíveis, isso poderia ser uma fonte geradora de renda e, em contrapartida, uma forma de combater a pirataria, aproximando assim clube e produto. Estudos da Fundação Getúlio Vargas apontam que clubes como Flamengo e Corinthians (clubes de maior torcida no Brasil) perdem verdadeiras fortunas por falta de planejamento e estratégias junto a seus torcedores. De acordo com o jornal Gazeta Mercantil de 14 de outubro de 1999, o valor potencial dos clubes de futebol no Brasil poderia ser estimado em uma média ajustada proporcionalmente aos valores do Produto Interno Bruto (PIB) da Inglaterra e do Brasil. Depois dos cálculos feitos, chegou-se a um gasto de R$ 57,00 por torcedor em cada ano, ou aproximadamente 20 dólares (1 dólar = 3,00), o que significa que um clube como o Corinthians, com cerca de 17 milhões de torcedores, teria um potencial de geração de renda de aproximadamente US$ 340 milhões por ano. Assim, o Flamengo, com cerca de 25 milhões de torcedores, arrecadaria aproximadamente US$ 500 milhões, admitindose sempre uma exploração comercial do futebol nos moldes ingleses. No Brasil essas perdas são evidentes, porém na Europa isso não acontece: todos os clubes seguem um padrão de administração no futebol, como uma empresa, que deve obter lucro, com especialistas em todos os setores administrativos do clube. As decisões são discutidas e analisadas cuidadosamente, desde a contratação de funcionários e jogadores até a compra de materiais de limpeza. O planejamento do calendário feito pelas ligas européias é excelente e realizado com vários anos de antecedência, com número de jogos limitados para não comprometer a integridade física dos atletas. Além disso, todos os anos os clubes europeus modernizam sua estrutura física e seus setores; prova disso são os estádios de futebol chamados agora de arenas multiuso, com todo o conforto possível, uma grande fonte de renda, onde se encontra qualidade em serviços e produtos dos clubes e os torcedores são tratados como clientes. No entanto, esse processo não foi tão simples e vitorioso assim, pois vários países europeus viveram o caos com o endividamento de seus clubes e a violência nos estádios nos anos 70 e 80; os governos tiveram que criar leis de punição e incentivo para salvar seus clubes (SOMOGGI, 2004). Depois que pessoas morreram em estádios e o país foi banido das competições européias, a Inglaterra promoveu – com base nos R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 16, n. 1, p. 50-63, 2008 57 investimentos privados e públicos suportados por uma rigorosa legislação – a transformação do futebol. Em menos de uma década, dezenas de estádios foram reformados, clubes-empresa saneados e eventos recuperados. De lá vem uma avaliação otimista quanto à transformação do esporte em negócio (FYNN; GUEST, 1998). A Inglaterra serve como uma aula de introdução para quem quer entender como funciona a contabilidade de um clube-empresa. Desde a última década do século XIX, quando surgiu o primeiro clube-empresa do país, todos os clubes de futebol têm balanços publicados. Atualmente, as 92 equipes integrantes das quatro divisões do esporte no país têm seus números aditados e publicados, o que permite uma sólida base de informações para se construir ou derrubar qualquer tese sobre o futebol. Fica fácil, lendo os números da Inglaterra, entender como cada clube-empresa trabalha fluxos de caixa, receitas, despesas e resultados finais (AIDAR; LEONCINI, 2002). Outro belo exemplo é a Espanha. Segundo uma nova lei, após a intervenção do governo, apenas os clubes que obtivessem desde o exercício financeiro de 1985/86 um saldo patrimonial líquido positivo poderiam manter sua estrutura jurídica sem a necessidade de a partir de 1990 transformar-se em Sociedades Anônimas Desportivas (SOMOGGI, 2004). Assim, apenas FC Barcelona, Real Madrid, Athletic de Bilbao e Osasuña conseguiram cumprir esse requisito, podendo assim permanecer como clubes; todos os demais tiveram que fazer a mudança, transformando-se em Sociedades Anônimas Desportivas (SOMOGGI, 2004). Além do cumprimento das novas normas, os clubes que não atingiram o estipulado, salvo os quatro clubes citados anteriormente, deveriam depositar para a Liga de Futebol 15% de seu orçamento de despesas no início da temporada, como aval para poderem participar dos jogos da Liga Espanhola. Com essas iniciativas, o governo espanhol obrigou os clubes de futebol do país a profissionalizarem suas gestões, pois eram monitorados, e a Liga se desenvolveu: em 10 anos, a Liga Espanhola de Futebol tornou-se uma das melhores e mais ricas de toda a Europa. A realidade do futebol na Espanha acaba demonstrando que uma nova Legislação Esportiva com regras claras é a solução mais benéfica para o esporte em um país (SOMOGGI, 2004). Após a nova legislação, os clubes passaram a ter uma mentalidade empresarial, 58 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 16, n. 1, p. 50-63, 2008 ampliaram o faturamento com receitas provenientes dos carnês antecipados (ingressos para toda a temporada), lojas e museus, fundação vinculada ao clube, produtos licenciados, pacotes de viagem para assistir aos jogos do clube em diferentes partes da Espanha e Europa e canais próprios de TV por assinatura com 12 horas diárias de programação sobre o time. Os clubes europeus também se preocupam com fontes de renda, como, por exemplo, sua marca, vendendo produtos licenciados até em outros continentes e atendendo a todas as classes sociais; assim, fica mais fácil combater a pirataria. A maioria dos clubes têm um telefone tipo 0800 (para ligações gratuitas), um site de notícias, venda de produtos, revistas próprias, escritórios de atenção aos sócios e desenvolvem excelentes estratégias de relações públicas para que os torcedores sempre sejam informados das notícias, campanhas e promoções (SOMOGGI, 2004). Na temporada 2000/2001 da primeira divisão da Liga Espanhola, 20 clubes receberam de seus sócios e das vendas dos carnês antecipados US$ 193,3 milhões, praticamente o mesmo valor pago pela TV (SZPERLING, 2002). O Barcelona vendeu 95.000 carnês de ingressos para toda a temporada, e o Real Madrid, 60.000. Na Europa isso só acontece porque os torcedores têm vantagens oferecidas pelos clubes e são tratados como clientes (FERREIRA, 2002). Clubes como o Real Madrid alcançam esses números porque seguem critérios administrativos rígidos. Na hora de contratar, por exemplo, o clube faz diversas reuniões com o seu Conselho e avalia se a contratação vale todo o investimento; são realizadas periodicamente análises segmentadas do seu mercado, contratando profissionais de acordo com os gostos, afinidades e as necessidades dos torcedores (GOUVEIA, 2005). Com toda essa organização nos clubes europeus, fica fácil entender porque o Manchester United liderou por oito anos a pesquisa feita pela empresa de auditoria Deloitte and Touche dos clubes mais ricos do mundo, sendo superado recentemente pelo Real Madrid, outro fantástico exemplo de excelência em gestão no futebol, que alcançou na temporada 2004/2005 uma receita de 300 milhões de euros (cerca de US$ 363,4 milhões). Já o seu rival, o FC Barcelona, que também segundo a mesma pesquisa está entre os dez clubes mais ricos do mundo, fechou em R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 16, n. 1, p. 50-63, 2008 59 2006 uma parceria com o Unicef. A iniciativa deve durar cinco anos: o clube de futebol estará se comprometendo na luta em prol de crianças órfãs e portadoras do vírus HIV. A parceria prevê inicialmente a exposição do emblema do Unicef nas camisas dos jogadores do time catalão; especula-se ainda que o clube fará a singela doação de 1,5 milhão de euros à entidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS Traçando um paralelo entre o futebol brasileiro e o futebol europeu, fica claro que nossos clubes sistematicamente apresentam situações deficitárias, que desabam em um endividamento bancário e inadimplência junto ao fisco e à previdência social. Separados ou somados esses fatores, aparecem de forma quase unânime os mais de 500 clubes que compõem o leque desse esporte no País (PRADO, 2002). Se os clubes do futebol brasileiro trabalhassem nos moldes europeus, a situação seria outra, daí a imensa necessidade de se tornarem empresas, com planejamento e administração extremamente profissional, visando o saneamento de suas dívidas e o investimento nas estruturas físicas, tratando cada vez mais o torcedor como um cliente em potencial, minimizando essas diferenças. Enquanto continuarem com esse amadorismo em suas gestões, os clubes continuarão com a evidente incapacidade de gerar receitas superiores às despesas, pois não estão aptos para administrar a balança formada pelos pesos razão e emoção ante a tomada das decisões. Isso fica claro quando, por exemplo, o clube contrata um jogador sem obedecer a qualquer orçamento, muitas vezes porque simplesmente precisa de um, sem estimar que receitas possam ser ampliadas com uma contratação mais planejada. Esses são exemplos do que acontece no vácuo de estratégias formadas com base na emoção (MEIRELLES, 2002). Para alcançar o objetivo principal, é preciso definir estratégias claras, nas quais a administração e o planejamento estejam presentes no cotidiano dos clubes, e isso implicaria mudar radicalmente a filosofia de trabalho, o que é outro ponto fundamental; caso contrário, de nada adiantará a contratação de profissionais capacitados. Outro ponto importante nesse processo é desenvolver um trabalho com empresas de consultoria em setores estratégicos do 60 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 16, n. 1, p. 50-63, 2008 clube, além da realização de auditorias regulares, para que se tenha um acompanhamento mais freqüente em relação ao binômio receitas/ despesas desses clubes. Para que aconteça a profissionalização administrativa, é necessário que profissionais de administração sejam contratados para ocuparem cargos de gerência. As universidades também têm papel fundamental, investindo na formação e capacitação de profissionais (especialmente Administradores de Empresas e profissionais de Educação Física) para dar suporte às exigências atuais de mercado. Observa-se que alguns clubes do futebol brasileiro começam a implantar uma gestão voltada ao profissionalismo, espelhados nos moldes europeus e adaptados a algumas características históricas e socioculturais que são peculiares aos dirigentes das agremiações brasileiras. Esses são alguns pontos que até mesmo os atuais dirigentes conhecem, mas, por inércia, fazem pouco ou quase nada para mudar essa realidade. Este trabalho vem de encontro a essa questão, tentando enriquecer essa discussão e deixar uma pequena contribuição a essa instigante pesquisa e triste realidade: que precisamos mudar com urgência, para que talvez um dia o mundo reverencie, fora de campo, o que eles chamam de o melhor futebol do mundo. ABSTRACT Planning and management differences of soccer clubs from Europe and from Brazil If inside the soccer field the Brazilian soccer is respected, outside the four lines it has a lot to learn with the European soccer which are perfect referring to management. In Europe there is an enterprise philosophy where management tools as planning, organizing and marketing are very well used becoming millions of euros on each season. The objective of this work was to realize an analysis related to the planning and management differences of soccer clubs from Europe and from Brazil trough a bibliographic research with basis on books, magazines and specialized internet sites. It is considered that a huge inequality exists between the planning and the management of the European and Brazilian clubs resuming on few professionalism, with some exceptions. Without this professionalism there is no concern with the services made. R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 16, n. 1, p. 50-63, 2008 61 The few products of the Brazilian clubs did not have according prices to the economic reality giving a great opportunity for the black market. Most of the Brazilian Stadiums are abandoned in terrible conditions and to old, totally out of the actually patterns. Security, cleaning and comfort are missing what repels the spectators who demand the minimal patterns. In Europe this kind of loss don’t occur: all soccer clubs follow a management pattern as an enterprise which is suppose to make money as a professional with specialists all over the management sectors. The decisions are discussed and carefully analyzed, since on hiring employees and soccer players until the annual modernization of the physical structures and sectors. The good examples are there to be followed so Brazilian soccer may transform itself outside the soccer field in an example as it is inside the four lines: the best of the world. Keywords: administration, soccer, management, planning. REFERÊNCIAS AIDAR, A.C.K; LEONCINI, M.P. A necessidade de profissionalização na gestão dos esportes. In: AIDAR, A.C.K ; OLIVEIRA, J.J.; LEONCINI, M.P. A nova gestão do futebol. 2.ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: FGV, 2002. AQUINO, Y. Clubes não terão como desviar dinheiro da Timemania. Disponível em: < http:/ www.agenciabrasil.com.br/> Acesso em: 15/ 12/ 2006 . FERREIRA, R. Início e consolidação do profissionalismo. Rio de Janeiro: FGV, 2002. FYNN, A.; GUEST, L. For love of money: Manchester United and England – the business of winning? London: MacMillan, 1998. GOUVEIA, A. Os clubes europeus. Disponível em: < http:/ www.futebolnarede.com.br/>. Acesso em: 28/03/2005. KUSSAREC, S. Os clubes mais ricos do mundo. Disponível em: < http:/www.jt.estado.com.br/>. Acesso em: 10/03/2005 62 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 16, n. 1, p. 50-63, 2008 MEIRELLES, J. O cliente torcedor: o princípio de tudo. Rio de Janeiro: FGV, 2002. PAPALA, A. 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Rochedo ap. 81 Centro CEP- 85810-070 Cascavel-Paraná Rua do Rosário,436- Jardim Pancera CEP- 85802-005 Cascavel-Paraná R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 16, n. 1, p. 50-63, 2008 63