Eles vão na contramão do consumismo

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Eles vão na contramão do consumismo
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COMPORTAMENTO
Eles vão na contramão do consumismo
O alto endividamento da população nos últimos tempos é cenário fértil para a propagação de
estilos de vida mais simples e frugais, inclusive em Curitiba
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Publicado em 10/11/2013 | CAMILLE BROPP CARDOSO
“Parece que nascemos apenas para consumir e consumir e, quando não podemos, nos enchemos de
frustração, pobreza e até autoexclusão.” As palavras pinçadas do discurso feito há pouco mais de um mês
pelo presidente uruguaio José Mujica na 68.º Assembleia Geral da ONU, em Nova York, caracterizam, sem
querer, um estilo de vida “do contra”, que achou um núcleo de adeptos na capital paranaense. Seja por
ideologia política ou até mesmo para simplificar a vida, há moradores de Curitiba que passam longe de
shopping centers, consertam o que estraga em vez de substituir por um novo e só compram o que
precisam.
Esses hábitos definem um fenômeno social que
Análise
rejeita o consumo, justamente o grande motor da
economia brasileira nos últimos anos. De 2007 a
Estilo de vida é para quem pode
2010, o consumo das famílias puxou o crescimento da
Quem opta por ser menos consumista não faz voto
de pobreza, muito menos poderia fazer escolha
sendo pobre. Essa é a opinião do filósofo Jelson
Oliveira, autor de “Simplicidade” – livro final de
uma trilogia sobre valores publicada pela Editora
Champagnat. O professor da PUCPR avalia que
comprar menos, por exemplo, só faz sentido para
as classes sociais que podem fazer escolhas.
produção de riquezas (PIB) para acima dos 5% ao
“O problema é o excesso. Pobreza é não ter
condições básicas para sobreviver. Já ser simples
é usar de forma mais saudável o que é preciso
para sobreviver”, argumenta. Essa versão
brasileira do anticonsumismo ainda aparece
pouco, em movimento como o freeganismo.
Comum na Europa e nos EUA, a ideologia é
adotada por ativistas contrários ao desperdício de
alimentos considerado típico do capitalismo – o
objetivo, então, é viver do que vai para o lixo, por
exemplo.
bastante nos orçamentos.
ano (a exceção foi 2009, por efeito da crise mundial
de 2008). Perdeu parte do vigor depois e, em meados
de 2013, a participação do consumo das famílias na
composição do PIB sofreu queda – sinal de que o
endividamento gerado pela fase anterior pesou
Para o economista Aloísio Campelo, do Instituto
Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), o Brasil terá de
aprender a lidar com a nova fase do ciclo. “A opção
pelo crescimento nos últimos anos fazia sentido
porque o país tinha oferta de crédito pequena, que foi
ampliada pelo governo para as camadas mais
Não foi possív
ampliada pelo governo para as camadas mais
exemplo.
Um fator que alavanca as iniciativas anticonsumo,
lembra Oliveira, é a preocupação com a
preservação do meio ambiente. Para o
economista do IBRE/FGV Aloísio Campelo, é
injusto hoje exigir das classes mais baixas
participação no consumo de produtos verdes, por
exemplo. “Os países com mais renda em geral
têm mais escolaridade e mostram preocupação
com os alimentos que consomem. Para quem
está no dia a dia, correndo atrás de renda, o verde
é caro. Enquanto não for para todos, acaba sendo
uma escolha de quem tem poder aquisitivo para
isso”.
populares”, diz. “Agora temos dois movimentos: um de
desaceleração do consumo das famílias e outro de
ajuste, que revela uma cautela maior do consumidor.”
Ou seja: o discurso anticonsumo encontra um cenário
ideal para convencer mais adeptos.
Ideologia?
Os indícios são de que a ideologia está restrita a um
nicho no país. Segundo o Instituto Akatu, que estuda
formas de consumo sustentável, a pesquisa que
mostra o envolvimento do brasileiro em reduzir o
consumismo propõe um porcentual estável de adesão
Dicas
de 2010 a 2012. Segundo o levantamento, 27% dos
Saiba como começar a reduzir o consumo no dia
a dia:
800 ouvidos em 12 cidades afirmam ter acatado o
• Esqueça o conceito de “casa ideal”, adapte onde
você vive a você. Exemplo: se não faz bolos, não
precisa de batedeira; se não se importa em
o gerente de conteúdo do Akatu, Dalberto Adulis,
esquentar comida no fogão, não há necessidade
de micro-ondas.
aumentado. Alguns deles: redução da produção de
• Compre o que tem certeza de que usará muito.
Se um dia precisar de algo incomum, você pode
pedir emprestado ou alugar.
• Se não pretende viajar para o exterior tão cedo,
talvez não precise ter cartão de crédito. Hoje,
boletos bancários são aceitos até por lojas virtuais
internacionais.
• Reflita sempre: se tivesse que se mudar agora,
quanto tempo passaria encaixotando coisas? Se a
resposta é ‘uma semana’, pode ser a hora de se
desfazer do que é inútil.
• Busque consertar ao invés de comprar um novo.
Informe-se antes de comprar eletros, carros e
eletrônicos.
• A publicidade voltada a crianças é uma das mais
agressivas que existem. Para deixar seu filho
menos vulnerável a ela, apresente a ele o prazer
de doar e trocar brinquedos. O ideal é mostrar que
a convivência importa mais do que posses.
consumo mínimo como estilo de vida. Por outro lado,
afirma que os porcentuais de gestos anticonsumo têm
lixo, adoção de caronas e de feiras de permuta. “É um
processo de construção progressivo, gradual”,
defende Adulis.
Móveis tirados do lixo e pavor de shoppings
O publicitário Julian Irusta, 38 anos, costuma dizer
que as pessoas jogam fora coisas ainda usáveis. Ele
as aproveita: a poltrona, o sofá e até quadros que ele
tem em casa foram recolhidos do lixo. A garimpagem
é apenas uma das facetas do argentino, que decidiu
simplificar a vida há cerca de três anos. Dispensou
eletrodomésticos, carro e cartão de crédito.
Irusta confirma que a decisão foi em parte política.
“Eu detesto shopping. Detesto especulação
imobiliária. E daí me toquei que o dinheiro que
pagava minhas contas vinha dos negócios que eu
Henry Milléo/ Gazeta do Povo
mais desconsiderava na sociedade”, conta. Após um
período anticonsumista mais “radical” em 2010, em
que viveu sem endereço fixo, Irusta chegou a um
meio termo. Mantém uma agência, onde aparece uma
vez por semana. Ganha 10% do que recebia antes,
mas consegue velejar duas vezes por mês e não
atrasa mais a pensão da filha. “Era um absurdo
porque hoje ganho quase nada, mas pago sempre
tudo em dia.”
O horror a shopping também move Iracema
“Acho que a maioria das pessoas quer ter mais e mais e pronto.
Só que a maior parte não tem nada além de dívidas para
pagar. E quem paga à vista não tem tempo para desfrutar. Eu
sou classe média e velejo duas vezes por ano”. - Julian Irusta,
38 anos, publicitário
Bernardes, 42. Há 13 anos, a professora de gestão
ambiental morava na capital paulista e trabalhava em
um banco. Aqui, ela participa de feiras de permutas
de alimentos e roupas e, em vez de contratar babá
para a filha de três anos, participa de uma
cooperativa em que as mães se revezam para cuidar das crianças. E acredita que não perdeu renda.
“Acho que o que ganho hoje é bem parecido com o que eu ganhava no banco, porque trabalho em
diversas frentes.”