911 produtos e substâncias medicinais

Transcrição

911 produtos e substâncias medicinais
Contém os registros de
522 doenças e incômodos;
911 produtos e substâncias medicinais;
73 definições técnicas e
3.130 receitas e informações de curas
© 1994 by Waldomiro Bariani Ortencio
2ª edição, 1997
3ª edição, 2012
Revista e ampliada
Capa
Thiago Sarandy
Diagramação
Rogério Fernandes Guimarães
Finalização
Cláudia Gomes
Revisão
Autor e Izabel Signoreli
ISBN: 978-85-409-0006-6
077m
Ortencio, Waldomiro Bariani
Medicina popular do Centro-Oeste / Waldomiro
Bariani Ortencio. 3. ed. rev. atual. – Brasília : Thesaurus,
2012.
540 p.
1. Medicina popular, Brasil, Centro-Oeste. I. Título
CDU 615.89 (817)
CDD 615.882
© Todos os direitos em língua portuguesa no Brasil, reservados ao Autor de acordo com a lei. Ne­nhuma parte
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“Já sabemos o que piora, só falta
descobrir o que melhora.”
Celso Costa Ferreira
“O pesquisador é um ajuntador de lenha para
os especialistas fazerem fo­gueira.”
Gelmires Reis
(Patriarca do sertão goiano)
“Enfrente um batalhão pela frente e fuja
de um vento pelas costas.”
Claudimira Rosa
(Sertaneja mineira)
SUMÁRIO
À GUIZA DE PREFÁCIO – A magia da medicina popular....... 11
INTRODUÇÃO................................................................................. 13
MÉDICOS EUROPEUS NA PROVÍNCIA DE GOIÁS............... 19
DEFINIÇÕES: TÉCNICAS, COLHEITAS E PREPARO
DAS PLANTAS MEDICINAIS......................................................... 33
ARTIGOS CRÔNICAS DEPOIMENTOS ENTREVISTAS
REPORTAGENS.................................................................................. 239
CRÔNICAS • ANEDOTÁRIO..................................................... 461
BENZEÇÕES....................................................................................... 467
FILOSOFIA POPULAR..................................................................... 473
GLOSSÁRIO....................................................................................... 487
INFORMANTES................................................................................. 507
PRODUTOS E SUBSTÂNCIAS MEDICINAIS............................ 511
RECEITUÁRIO................................................................................... 523
ARTIGOS • CRÔNICAS • DEPOIMENTOS............................... 531
ENTREVISTAS • REPORTA­GENS.................................................. 531
BIBLIOGRAFIA................................................................................... 537
Revistas...................................................................................... 539
Jornais........................................................................................ 539
À GUIZA DE PREFÁCIO
A magia da medicina popular
Entrevista do escritor Bariani Ortencio à repórter Marluce Zacariotti
À base de ervas e até extratos animais, os remédios caseiros
ainda são buscados como terapia milagrosa (ORTENCIO, 1996).
O
que não mata, engorda, reza o ditado que pode ser perfeitamente encaixado na teoria da medicina popular. Os efeitos colaterais da maioria
dos remédios alopáticos e os altos preços dos medicamentos contribuem para um retorno ao uso da flora e fauna, folhas, raízes, sementes, grãos,
seivas e exóticos extratos animais tipo banha de galinha, chocalho de cascavel e
moela de ema.
Essas e outras dicas do folclore estão no livro Medicina Popular do CentroOeste, do escritor Bariani Ortencio, cuja segunda edição está sendo lançada
pela Editora Thesaurus. De acordo com ele, o progresso é o maior inimigo das
tradições populares. Por isso ele escreveu uma trilogia sobre os conhecimentos
populares do Centro-Oeste.
Em 1967, saiu o primeiro volume de Cozinha Goiana, com receituário. O
Dicionário do Brasil Central foi publicado em 1983 e em 1990 chegou às bancas
a primeira edição do Medicina Popular. Com esses três livros, Bariani assegura às
gerações futuras o contato com sua sabedoria do povo de sua região. Embora o
progresso avance e vá destruindo a fé nas benzedeiras, curandeiros e raizeiros,
no interior, o sertanejo não abre mão de suas crenças na natureza.
A assistência à saúde é escassa no interior e mesmo nas cidades maiores
o sistema médico-hospitalar pede socorro. Esse é outro motivo que leva as pessoas a recorrerem à velha receita da avó, “que se não fizer bem, mal não fará”.
Alternativa – Chazinhos, garrafadas, simpatias e benzeções produzem,
conforme o escritor, efeitos positivos psicológicos. “Pelo menos o doente não
fica à mingua”. O curandeiro trata das doenças, o raizeiro extrai e vende os pro11
BARIANI ORTENCIO
dutos e o rezador destaca-se de um e do outro pelo poder curativo de suas
rezas graças à crença religiosa do paciente, explica.
O livro de Bariani trata de mais de 500 “macacoas”, incômodos; de 800
estudos sobre os produtos da natureza e dá mais de três mil receitas. Nessa
segunda edição 1994, o autor destaca as dez melhores receitas, as que estão
mais na moda.
A insulina vegetal, por exemplo, está em evidência. É uma trepadeira que
baixa a taxa de glicose do sangue. A cola-nota ou maria mole ou gota mágica é
uma planta usada com o remédio alternativo para o câncer, leucemia e alergias.
Uma recente descoberta, comenta Bariani, é a postemeira também conhecida
como funcionário público por suas flores abrirem às oito horas e fecharem ao
meio dia. Ela é tiro e queda para doenças da pele, infecções e alergias.
Crença – O escritor lembra que a maioria das doenças está na cabeça das
pessoas. Portanto, assegura, essa é uma medicina de fé, de crença. Aliás, a fé e
a coragem andam de mãos dadas com o povo. “As plantas têm poder curativo
mesmo, mas a confiança que se deposita nesse remédio alternativo tem uma
carga muito importante”, enfatiza.
Seja como for, misticismo ou realidade, a medicina popular tem sua força.
Como diz o ditado, de médico e louco todo mundo tem um pouco. Vale ressaltar que o problema da medicação caseira fica por conta da posologia. Bariani
observa que a dosagem é muito incerta e isso pode ser um fator de risco.
“Se a medicina se dedicasse mais a estudar as plantas teria na própria natureza respostas para muitas de suas perguntas e poderia, inclusive, resolver
esse impasse da dosagem”, sugere o autor do livro. Para ele, a doença e a cura
estão na natureza. E um bocado de misticismo não faz mal também. Apegar-se
a amuletos, patuás e simpatias cura, no mínimo, o espírito. E esse é um bom
começo para combater a doença, filosofa. (O Popular, 15 de abril de 1996).
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INTRODUÇÃO
O
progresso é o maior inimigo das tradições, do Folclore. Os usos e os costumes tradicionais vão desaparecendo com a modernidade. Por isto, em
1953, me propus a registrar tudo, na medida do possível, escrevendo
uma trilogia dos conhecimentos populares do Centro-Oeste. Entre 1953 e 1994
foram 41 anos! Em 1967 saiu o primeiro volume - Cozinha Goiana - Estudo e
Receituário, pela Brasilart Editora (Rio), com mais duas edições: Editora Oriente
(Goiânia-1980) e Editora Eldorado (Brasília-1990). Cozinha Goiana 4ª edição 2000, 5ª edição - 2004; 6ª edição - 2008 e 7ª edição - 2011- Editora Kelps. Em
1983 foi publicado, pela Editora Ática (São Paulo), o Dicionário do Brasil Central - Subsídios à Filologia - 2ª edição 2009, que conquistou o Prêmio Maior
Realização Cultural de 1983, pela APCA-Asso­ciação Paulista de Críticos de Arte.
Agora, depois de mais de 40 anos de pesqui­sas, com este Medicina Popular do
Centro-Oeste 1ª edição - 1994 e 2ª 1997 - Thesaurus Editora.
Na Cozinha Goiana pesquisei sobre como os goianos se alimentaram
e se alimentam, com os seus usos e costumes. Demonstrei que a nossa cozinha é ori­ginária de três fontes: a indígena (dos índios que aqui os bandeirantes
encontra­ram), a africana (quando os negros escravos che­garam para a mineração do ouro) e, posteriormente, a cozinha européia (exercida pe­las mulheres portugue­sas, dos senhores das minas). No Dicionário do Brasil Central,
a linguagem, os to­pônimos dos municípios, usos e costumes do povo, o seu
folclore... Neste Medi­cina Popular do Centro-Oeste retrato como o povo do
Brasil-Central vinha e vem cui­dando de suas doenças e incômodos (macacoas e
perrenguices), mormente os interioranos e os sertanejos, di­vidindo e desmembrando a medicina alternativa em várias outras denominações, sinônimos e até
seitas: popular, caseira, do­méstica, rústica, empírica, folclórica, natural, botânica,
mágica, religiosa, vegetal, mís­tica... A mais complicada é a mágica, exercida pelos exorcismos, simpatias, usos de amuletos e talismãs, os patuás con­tendo os
bentinhos e os breves. Necessária se faz, aqui, uma explicação, que muita gente
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BARIANI ORTENCIO
confunde sobre amuletos, ta­lismãs e patuás. O amu­leto é para evitar os males,
as doenças, os perigos e o azar. O talismã é para dar sorte. Os mais comuns dos
amuletos são a figa e o patuá. A figa representa o ato sexual (o polegar entre o
indicador e o médio); o patuá, que vai depen­durado ao pescoço da pessoa, por
um cordão, é, também, o invólu­cro (saquinho) que contém ou o breve ou o bentinho. O breve é um patuá contendo uma pequena oração (breve, como o nome
indica); o bentinho contém uma relíquia, uma medalhinha ou pequena estampa do santo do devoto e é benzido pelo padre. Há os excessos, o fanatismo, e
muitos colocam no patuá uma oração forte, braba, longa (de São Cipriano, por
exemplo), e mesmo frag­mentos de objetos sagrados (de preferência, furtados)
ou minerais, que os de­fendem dos grandes males, principalmente a morte por
arma branca ou de fogo, acreditando-se o corpo invulne­rável (só não tem efeito
atravessando um rio a pé, a cavalo, ou em canoa: dentro d'água o patuá não faz
efeito). O talismã, como dissemos, é para dar sorte. Muita gente se afeiçoa a um
objeto ou animal e carrega-o con­sigo. É muito comum os chaveiros feitos com
pé de coelho (talismã) e os mascotes dos clubes de futebol representados por
uma criança uni­formizada ou um animal, carneiro ou cachorro, que adentra o
gramado acom­panhado da equipe.
A dificuldade do estudo das medicinas mágica e religiosa é que as benzedeiras não revelam as suas rezas. Frente ao pesquisador elas ficam desconfiadas e desconversam. Também, com o êxodo ru­ral, há um corte da tradição dos
ben­zedores, curandeiros e rezadores, porque os filhos, aculturando-se na cidade não se interessam em aprender, têm vergonha de ter pais benzedores, e a tra­
dição exige que se ensine aos filhos ou parentes mais próximos para que os ofí­
cios sejam válidos. Não sabem esses jovens quão importantes são es­sas pessoas
no meio rural, por falta de médicos, farmacêuticos, remédios e demais re­cursos.
O que seria dos sertanejos se não fossem as parteiras, os curandei­ros, os benzedores, rezado­res, os raizeiros, os embromadores e os místicos!... O curandeiro trata das doenças, o raizeiro extrai e vende os produtos curativos e o rezador destaca-se de um e de outro pelo poder de suas rezas (orações) e, mais, pela crença religiosa dos pacientes. Há reza­dores com práticas mágicas, capazes de curar
uma bicheira de animal à distância e também pelo rastro. Devido às distâncias
dos centros, ou melhor, da rua, como dizem, o povo sertanejo se apega aos re­
médios casei­ros, as tais meizinhas, rezas, simpatias, benzeções... Os chás de várias
ervas são “santos milagreiros”, os “santos milagres” os “santos remédios” do povo
interiorano. Tais remédios produzem efeitos positivos psicológicos, e o doente,
em todos os casos, não fica à míngua; certo ou errado, está sendo assistido. Se os
médicos não aprovam o uso das plantas, pelo menos, não as combatem, a não
ser pelo uso indevido. Muitos otorrinos re­comendam, para a amigdalite, gargarejos de sementes de sucupira tritu­radas com biotônico. Se uma erva medicinal,
cuidadosamente do­sada, não fizer bem, mal também não faz. Há algum tempo
atrás se acreditava que toda planta de sabor amargo era medicinal.
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MEDICINA POPULAR DO CENTRO-OESTE
O cuidado com os remédios das plantas exige: saber qual a parte que
deve ser usada, qual a quantidade e como usá-la. Precisa haver esterilização,
técnica de secagem que evita as bactérias e outros agentes prejudiciais à saúde
do usuário. Há germes que resistem até a ebulição (100 graus), por isso não basta ape­nas ferver certas ervas. Esses germes seriam eliminados numa secagem
ade­quada. A colheita da planta também tem a sua época certa (Ver TécnicasDefi­nições-Colheitas-Preparos).
Têm grande influência na vida das pessoas, os elementos da na­tureza,
como a água, o sol, o ar, o exercício físico e a alimentação exata. Sabe-se que
90% das doenças estão, psicologicamente, na ca­beça do “doente” e a fé, a crença
religiosa, calcada nas rezas e sim­patias, no misticismo, principalmente superstições, fa­zem a maioria das curas. No objetivo de perpetuar a vida, combatendo
as doenças, o homem asso­cia a sabedoria à ignorância, o lógico com o ilógico,
o real com o ir­real. A medicina alopática não cura quebranto, espinhela-caída,
estu­por, co­breiro, mas o benzedor ignorante, analfabeto, com rezas ininteligíveis, “cura”, como num passo de mágica, bastando um raminho de ar­ruda ou
de guiné para a gesticulação das orações. Quando a reza não cura devido os
pecados, es­gotados os recursos, fica “nas mãos de Deus”, “Deus sabe o que faz”,
“agora, só Deus pra dar jeito”.
A minha sogra, Dona Beté, mãe de 14 filhos, fazia chupetas de “trouxinhas”
de pano com uma pedra de açúcar mascavo dentro. A lavagem intestinal, que ela
executava, era um clister bem empí­rico: papo e tripa de galinha, talo de mamona
murchado no fogo para introduzir sem ferir. O veículo, uma salmoura morna.
Hoje não se aceitam tratamentos médicos rudimentares, pois conhecemse os progressos da Medicina e dos remédios. Antigamente usavam-se os recursos que dispunham e entregavam-se confiantes. Mas, mesmo assim a fé com
remédios alopatas decaiu muito:
“– Como vai o afilhado? E a comadre, melhorou?
– Mariana sarou com banho de ervas. Desacorcei com remédio de farmácia” – Basileu To­ledo Franca – Vale do Rio Claro, pg.101.
Os resguardos eram as­sim: 40 dias com vestimenta pesada e canja de gali­
nha (uma galinha por dia), pirão de farinha de mandioca. Era como uma en­
ferma, a parturiente. Não comia frutas, não lavava a cabeça; no fi­nal, um banho de corpo inteiro, porém, com água bem esperta. Mas... logo após o parto
caía na serviçama doméstica, coisa até pesada, como destrinchar capado e ajudar na roça, isso também na gravidez, pois, se não fosse assim, como ficaria o
lar, que a mulher interio­rana, principalmente a roceira, “ganha” 3 filhos a cada 2
anos? E a maior parte dos roceiros se casa para ter uma mulher que lhe dê uma
penca de fi­lhos, fazer todo o serviço da casa, além de costurar e, como disse,
ajudar na roça.
Os mis­térios do Universo cabem à Física; os mistérios da matéria, cabem
à Química, e os mistérios da vida estão por conta da Biologia. Mãos à obra,
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BARIANI ORTENCIO
senhores cientistas, que a vida não pode esperar. O câncer e a AIDS são irreversí­
veis, estão matando! O que se sabe sobre o vírus da gripe, a doença mais co­
mum, principalmente entre o povo mal alimentado?
O homem usa a natureza para combater as suas doenças há mais de
40.000 anos antes de Cristo. Primeiro foram os egípcios, depois os romanos. Só
os assírios conheciam as virtudes de 250 delas. Aqui no Brasil tudo começou
com os indígenas e os jesuítas. Os antigos, desde o século passado, se valeram
do fa­moso Formulário do Dr. Pedro Napoleão CHERNOVIZ (Ver Artigos-Crônicas-Depoimentos-Entrevistas-Reportagens). A evolução da ciência é nova, vem
de umas décadas para cá. Com essa evolução a medicina popular decaiu, mor­
mente com a des­coberta dos antibióticos, principalmente, a penicilina. Com
a alta dos preços dos produtos alopáticos e das consultas médicas, e muito
também pela ineficiência de grande parte desses remédios, com efeitos colaterais e uma infinidade de similares, a medicina popular voltou a todo o vapor.
E proli­feram o uso da flora e fauna, as folhas, as raízes, as cascas (entrecascas),
grãos, seivas, sumos, essências, frutos, sementes, resinas, flores, caules e a contribuição animal com os mais exóticos meios: moela de ema, sebo de carneiro,
sebo de boi, fígado de urubu, chocalho de cascavel e até excrementos, como
bosta de coelho e de cachorro; banhas de galinha, de capivara, de tartaruga, de
su­curi, de arraia, de jibóia...
Há poucas plantações de ervas medicinais, por aqui. A quase totalidade
é extraída dos campos, cerrados, florestas nativas e matos naturais. Os remédios eram e ainda são procurados no mato. Hoje a utilização de remédios
caseiros virou modismo em todas as classes sociais e até culturais. A classe científica acabou se inte­ressando também e várias universidades, pelos
seus departa­mentos científicos, estão estudando as plantas medicinais. No
Centro-Oeste, a cada 10 metros que se caminha nos campos e nos cerrados,
encontra-se, pelo menos, uma planta medicinal conhecida e utilizada pelo
povo. Há necessidade urgente do estudo dessas plantas, para definir a do­
sagem, que é um grande pe­rigo para a saúde, o modo de como são utilizadas
como remédios. O Brasil possui 90% das plantas medici­nais do Planeta. E elas
são 90 milhões! Certos medicamentos fazem mais mal do que bem devido
as dosagens igno­radas por falta de estudo científico. Na ânsia da cura, com
as receitas e remédios caros, o ho­mem apela para as alternativas de quaisquer espécies. É um vale-tudo e, por­tanto, perigoso. Há épocas que os meios
de divulgação propagam um remédio milagroso e o povo ataca firme, consumindo-o a torto-e-direito, como foram os casos do ipê-roxo, do confrei,
do alho, do limão, do nabo, do cloreto de magné­sio e, agora, da cola-nota
(anunciando curas até de “olho-furado”), e da insulina vegetal, para diabetes, para citar apenas os que mais se propagaram. Sempre houve remédios
que serviram para to­dos os males, verdadeiros curingas da farmacopéia oral
popular. As mulheres sertanejas são mais entendidas do que os ho­mens em
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MEDICINA POPULAR DO CENTRO-OESTE
remédios caseiros (a mulher é que permanece em casa e en­frenta todos os
problemas).
Interessante que os raizeiros e curandeiros, para se garanti­rem, afirmam
que curaram muitos médicos. As bebidas alcoólicas, principalmente a cachaça
e o vinho branco, entram nas composições das tisanas (meizinhas, remé­dios
caseiros), como anes­tesia e coragem, o espírito que levanta o moral do doente, mormente nos ofendidos por cobra (não se diz mordido e sim ofendido ou
picado).
A fé e a coragem andam de mãos dadas com o povo. O doente desrecursado que não tem fé nem coragem, dança. Aneste­siado ou exaltado pela cachaça,
tudo bem. Há os santos próprios in­vocados para cada espécie de mal: qualquer
doença dos olhos, reza-se para Santa Luzia; para dor de dentes, Santa Polonha
(Apolônia); São Valentim, para epilepsia; para parto difícil, Santa Mar­garida; fe­
ridas e lepra, São Lázaro; contra engasgo, São Brás; para veneno de cobra, São
Bento; para acalmar temporal brabo, reza-se para Santa Bárbara e São Jerônimo... Seja como for, misticismo, sincretismo ou realidade, tudo está dentro da
natureza: a doença e a cura. É só pesquisar cientificamente.
A bibliografia registrada, tendo muitas informações que não são da região, foi elaborada por comparações das aplicações de diversas plantas ou outras utilizações do Centro-Oeste com vários Estados da Federação. Muitos informantes são de fora, mas que aqui residem há muitos anos, pois o Brasil Central
tornou-se cosmopolita, depois dos adventos de Goiânia, na década de 1930,
e Brasília, na dé­cada de 1950, e por isso, com várias influências dos Estados
circunvi­zinhos, que para o Centro-Oeste se afluíram. São bastante seme­lhantes,
e até iguais, várias receitas e modos de usos, daqui, com as do Nordeste brasileiro, Minas Gerais e interior de São Paulo. Com o progresso das comunicações
o Brasil se interligou e os fenômenos deixaram de ser regionais.
Goiânia, julho de 2011.
Waldomiro BARIANI ORTENCIO
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MÉDICOS EUROPEUS NA PROVÍNCIA
DE GOIÁS
Lena Castello Branco Ferreira de Freitas
A
o iniciar-se o século XIX, havia aproximadamente 50.000 habitantes em
Goiás. Viajantes, naturalistas, soldados, padres e burocratas governamentais deixaram relatos sobre o cotidiano e sobre as condições nosológicas dessa população dispersa pelos campos, ou frouxamente reunida em
alguns poucos núcleos urbanos. Ao norte, as febres eram mortíferas, ao longo
dos grandes rios – Araguaia e Tocantins – e seus afluentes. Ao sul, onde predominamos planaltos e as altas superfícies cristalinas, os níveis de salubridade
pareciam melhores. Em todo o continente goiano, contudo, proliferavam os
mosquitos, os animais peçonhentos e as doenças: a malária, o cholera morbus,
a gripe, o sarampo, a sífiles, o bócio, a lepra e a varíola. Entre os escravos, eram
particularmente virulentas a sarna, a bouba, a elefantíase e a filariose(1). Como
enfrentavam tais males os moradores da região? Que tipo de cuidados era possível dispor, a centenas de léguas do litoral onde se concentravam os poucos
núcleos urbanos razoavelmente aparelhados, do ponto de vista médico-hospitalar? Como chegavam ao sertão mais remoto as novidades da ciência e os
novos procedimentos que revolucionaram a medicina, ao longo do século XIX?
Barbeiros, curiosos, parteiras, raizeiros e feiticeiros supriam a ausência de
cirurgiões, de boticários, de físicos e médicos regularmente formados. Goiás
não teve, sequer, uma Santa Casa de Misericórdia, instituição que tão relevantes
serviços prestou à comunidade lusófona.
Desconhece-se qual o número de médicos formalmente habilitados que
atuaram no vasto continente goiano, no período colonial. À época da Independência e nos anos imediatamente subsequentes, a situação era de penúria, pois
nem mesmo havia um único cirurgião no Hospital Militar, que deveria atender
à Tropa de Linha sediada na Província e prestar alguma assistência aos civis,
sobretudo quando da ameaça de epidemias.
Ao findar o ano de 1824, a situação parecia melhorar pois, em 20 de dezembro, ofício do Presidente da Província, dirigido a sua Majestade, o Impera19
BARIANI ORTENCIO
dor, refere que, por decreto de abril do mesmo ano, “foi restituído ao lugar de
Físico-Mor das tropas desta província o Dr. Gabriel André Marie de Plõesquellec,
com o ordenado de 180$000”. Para o fim de providências de ordem administrativa, indaga se ao físico em questão caberia graduação militar – e, em caso
afirmativo, qual seria essa graduação, ou seja, qual a patente militar que lhe
deveria ser atribuída(2).
Não foi possível conhecer a solução dada às questões propostas. Informando, todavia, requerimento do próprio físico-Mor, o Presidente da Província
dirigiu ofício ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Guerra(3), em
que transcreve argumentação expendido por Plöesquellee: em toda província
de Goyaz “não há mais que hum médico (ele próprio?) e hum cirurgião muito
idozo, e nem aonde se possam habitar algumas pessoas para curarem de medicina
e cirurgia acontece perecer muita gente por falta de um tal socorro”... argumenta
que, “homens capazes de soccorrer a humanidade”, os enfermos não cairiam “nas
mãos de Empíricos (ignorantes) que nada mais fazem do que concorrerem para
a morte dos enfermos que sendo tratados por pessoas inteligentes, podem ser
restituídos ao estado de perfeita saúde”. Desejando ser útil à província, propõe-se “a dar lições de medicina e cirurgia aquelles que a isso se quizerem applicar”,
pede que lhe seja concedida permissão para assim proceder, “attentas as rozoens acima expostas”.
O requerimento foi encaminhado à Augusta presença de S.M. o Imperador,
mas não se encontrou a resposta dada ao mesmo. Pouco tempo depois, alegando que prestava serviços gratuitos à população pobre, volta o Dr. Gabriel André
Marie de Plöesquellee a escrever aos seus superiores, pleiteando aumento de
ordenado para 600$000, a exemplo do que fora concedido ao Físico de Minas
Gerais.
No intervalo entre os muitos pleitos que redigia e encaminhava, Plöesquelle, que se auto proclamava “doutor formado em medicina e cirurgia na Universidade de Paris e Físico-mor das tropas por S.M. o Imperador”, foi incumbido
pelo Presidente da Província, Caetano Maria Lopes Gama, de elaborar novo Regulamento do Hospital Militar. No mesmo ano de 1825, deu por cumprida essa
tarefa.
Desejoso de contribuir para melhora das condições de assistência médico-sanitária, acreditava o médico francês que a melhor maneira de fazê-lo seria
através da formação de pessoal habilitado. Assim é que, ainda em 1825, dirigiu ele mais um requerimento ao Imperador(4), começando por lastimar que o
despreparo das parteiras do interior faça com que “um numero incalculável de
creaturas (mulheres em trabalho de parto) morram ao darem à luz, “levando ao
tumulo seus filhos, victimas innocentes da mais crassa ignorância...” Com base em
sua formação européia, assinala, com absoluta convicção, que é desconhecida
no interior “a Arte de Partejar”. Lamenta que tal fato seja agravado “pela reluctancia que tem as mulheres de chamar Parteiros, reluctancia devido talvez a um
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MEDICINA POPULAR DO CENTRO-OESTE
certo pudor filho da educação (que recebem)... “E conclui que, em consequência,
as parturientes “desprezam os socorros dos Professores (aqueles que professam
a arte de partejar) para se sujeitarem a qualquer mulher, seja ou não Parteira”.
A despeito de sua condição profissional de Físico-Mor das Tropas – ou
seja, médico militar orgulha-se o Dr. Plöesquellee de sua “reputação de hábil
parteiro”. Diz, contudo, que, enquanto residiu em Goiás, foi chamado a exercer
sua especialidade somente três vezes, “em ultimo extremo e em partos contra
a natureza, sendo-lhe precizo usar de ferros”, mas que se sente recompensado
por ter salvo mães e filhos. Informa, ainda, que está elaborando “um Tractado
simples e resumido sobre as manobras dos partos”, do qual também constam “os
socorros que reclama uma mulher novamente (recentemente) parida e sua cria”.
Propõe-se “remediar da melhor maneira possível” tão calamitosa situação,
que “tanto mais atraza o augmento da população do vasto Brasil”. Para tal fim,
sugere a criação de uma Aula de Partos, na qual – por especial favorecimento
do Imperador – iria o missivista ensinar o seu Tractado, em qualquer província
para a qual fosse designado, pois que “com o socorro de uma machina própria
para executar as manobras nelle (no Tractado) explicadas” qualquer mulher “se
tornará hábil parteira”, no prazo de um ano.
Na sequência, diz o Físico-Mor das Tropas que há três anos vive no interior do país, sendo que há mais de um ano veio para Goiás, onde, por não se
adaptar ao clima, adoeceu e jamais voltou a gozar de boa saúde. Solicita que,
de imediato, seja-lhe concedida “uma licença de oito meses para chegar à Corte
(...) a fim de dar à luz referido Tractado e dirigir o desenho das estampas...” – ou
seja, supervisionar os desenhos que iriam ilustrar o texto, “indispensáveis para
a instrucção das discípulas”.
Finaliza a longa exposição lembrando que precisa continuar a receber seu
soldo para poder subsistir, e pleiteia uma ajuda de custo no valor de 200$000,
para enfrentar as despesas de viagem até a Corte(5).
Enquanto aguardava na capital goiana resposta aos pedidos feitos, Plöesquellee foi convocado pelos governantes locais, em regime de urgência, para
seguir “imediatamente para a extremidade do termo desta Cidade (...) afim de conhecer, por inspeção ocular” se os escravos que se aproximavam da capital, conduzidos por certo comerciante, “estão com effeito affectados de bexigas, como
geralmente tem constado (o que) produz com razão, grandes sustos e terror”. Como
equipamento que possibilitasse o cumprimento dessa missão, deveria o Intendente dos Armazéns da Fazenda Pública fornecer “ao dito Físico uma cavalgadura, e besta malleira (bagageira) ou dinheiro para o aluguel (da besta)...”(6).
O comboio de escravos vinha de Meia Ponte, que funcionava como entreposto comercial na encruzilhada das estradas provenientes do litoral. Quaisquer boatos de aproximação de bexigosos soava como alerta para as autoridades provinciais, que tratavam de estabelecer um cordão sanitário que impedisse a propagação da doença. Os arquivos goianos silenciam, a partir de então,
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BARIANI ORTENCIO
sobre o Dr. Gabriel André Marie de Plöesquellee que, provavelmente, voltou
para o Rio de Janeiro, pois fica claro, nas correspondências que enviou, seu desejo de retornar à Corte. O primeiro hospital civil da província de Goiás foi criado por Carta Imperial de 25 de janeiro de 1825, ano em que foi também instituído o primeiro
nosocômio de São Paulo – ambos com o nome de Hospital de Caridade São
Pedro de Alcântara. Era dirigido por uma Junta, constituída por cidadãos leigos
de ilibada reputação – dentre os quais o próprio Presidente da Província – e
destinava-se a atender indigentes, mas também socorria militares (que pagavam o tratamento) e escravos, cujas despesas eram cobradas de seus senhores. Para que o estabelecimento entrasse em funcionamento, fez-se necessário
que em uma subscrição popular viabilizasse, dois anos mais tarde, a compra de
uma casa à margem do rio Vermelho, “pela quantia de dois contos de réis que se
acha paga pelas esmolas dos devotos concorrentes...”(7). Ao hospital destinavamse modestas verbas públicas, nem sempre disponíveis para as despesas mais
prementes. Documentos atestam a penúria da instituição – o que está claro, por
exemplo, no requerimento encaminhado pela Junta do Hospital de Caridade
ao Imperador:
“V.M.I. haja de fazer a esmola do resto dos Remédios, Móveis e
Utencilios (sic) que ficarão no antigo (desativado) hospital Militar
(...) atendendo a ser para hum estabelecimento tão pio que V.M.I.
Protege...” (8).
Não obstante, a Faszenda Nacional – seguindo os passos da voraz Fazenda
Real portuguesa, ao tempo da Colônia – além de não liberar os recursos que
eram devidos ao Hospital de Caridade, cobrava-lhe impostos, pelo que escreveu o Presidente da Junta ao Imperador:
“...humildemente imploro de VMI a graça de perdoar o dito
pagamento da Siza (...) e se digne mandar que a Junta da Fazenda
(...) faça effectiva entrega ao dito Hospital das quantias de um por
cento determinados no (...) alvará de V.M.I. em beneficio dos infelizes
destituídos de meios e que na sua mizeria reclamão os socorros da
sociedade” (9).
Algum tempo depois, foi autorizada a criação de uma loteria, cuja renda
se destinava ao Hospital de Caridade São Pedro de Alcântara, com o que melhorou a situação desse nosocômio.
Solucionados, na medida do possível, os problemas de instalação e de recursos, continuavam, porém, O Hospital e respectiva botica sem profissional
habilitado que os fizesse funcionar. Finalmente, no começo de 1828, Floriano
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MEDICINA POPULAR DO CENTRO-OESTE
José Moreira foi nomeado Cirurgião-Mor da Província de Goiás. Proveniente de
Mato Grosso, ali prestou serviços como Boticário do Hospital Militar e do Publico
(...) e como Cirurgião dos Enfermos da Santa Casa de Misericória(10). Foi curta a
permanência desse facultativo em Goiás, ao que parece devido a problemas
relativos à remuneração, pois era a primeira vez que chegava à Província um
Cirurgião-Mor e a Junta da Fazenda Nacional não sabia quanto deveria pagarlhe(11).
O interessado alegava que, como boticário, tinha em Mato Grosso “o ordenado de 480$000 por ensinar dois rapazes a pharmacia”; no novo posto, pretendia receber 600$000, quantia que lhe era necessária “pois della depende a
subsistência do suplicante”. Na dúvida, resolveu a Junta atender à pretensão do
Cirurgião-Mor, mas exigiu que um fiador garantisse a eventual devolução do
que lhe fosse pago a mais, caso ficasse resolvido na Corte ser o ordenado inferior a 600$000. O termo de fiança foi assinado pelo Coronel Felipe Antônio
Cardoso, Comandante Interino das Armas(12), certamente interessado em solucionar o impasse criado com a falta de assistência médica aos seus comandados. Com efeito, com as modificações feitas nas forças militares de Goiás alguns
anos depois da Independência, vários cargos foram suprimidos e, entre eles, o
de cirurgião militar.
No mesmo documento e juntamente com a exigência de fiança, discute-se o dia a partir do qual o Cirurgião-Mor deveria ser remunerado: se 17 de
maio, data de sua nomeação pelo Imperador; ou 17 de julho, quando chegou à
capital goiana considerando-se o tempo despendido na viagem “racional com a
extensão (sic) do caminho”. A Junta optou pela primeira das datas, “segurando-se
contudo (...) debaixo da mesma fiança, athé decisão de S.M.I.”(13)
Os documentos não informam até quando o Cirurgião-Mor Floriano José
Moreira permaneceu em Goiás. Sabe-se, porém, que em novembro de 1829, o
Presidente da Província apresentou ao Imperador – através da Repartição do
império – “a necessidade em que estava a Botica do Hospital” para que fosse nomeado “boticário hábil, pago pelos cofres Nacionaes, visto o dito estabelecimneto
não ter meios de o fazer”(14). O Avizo de 13 de novembro de 1829 autorizou ao
Presidente da Província a “arbitrar e mandar pagar a gratificação que julgasse
conveniente” a quem estivesse apto a “dezempenhar os deveres de semelhante profissão...”(15).
Ao levar tais fatos ao conhecimento do Conselho do Governo, informou
o Presidente da Província que, como único candidato, aparecera “um Inglez de
nome Henry Yates, que manifestou conhecimentos em cirurgia e Pharmacia”, apresentando documentos que indicavam ter sido ele, por algum tempo, “empregado na Armada Nacional”. Em consequên­cia, o Presidente, “tendo previamente
feito aquelles exames, que estavão ao seu alcance (...) lançou mão delle e o nomeou
para a referida Botica (do Hospital) para observar sua conducta, e préstimo, e
(dias depois) o nomeou Boticário do mencionado Hospital...”, com ordenado de
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BARIANI ORTENCIO
12$000 mensais ou seja, 144$000 anuais – muito menos do que se pagaria a um
nacional. Continuando o relato, lembra o Presidente que “a Lei Orçamento proíbe a
continuação de Empregados Extrangeiros que venção dinheiros da Nação”, pelo
que despedira o Inglez. Vinha, porém, consultar o Conselho sobre como agir
diante da situação que se apresentava: de um lado, “ a proibição que a Lei declara”; de outro, “a falta absoluta” de cirurgião ou boticário na capital, assim como
no Hospital.
Conspicuamente, o conselho “conformou-se muito com a opinião de sua
Excelência – isto é, aprovou as atitudes tomadas pelo Presidente – “apezar de
reconhecer o estado a que fica reduzida a Saúde Publica desta cidade, cujos habitantes já tem experimentado alguns alívios com os socorros prestados pelo dito Inglez...” Para maior esclarecimento, foi lida a Lei do Orçamento para 1831 – 1832,
feito o que “adiou-se a matéria; para rezolver com madureza” (16).
Na reunião seguinte, o Comandante Interino das Armas e membro do
Conselho, Coronel Felipe Antônio Cardoso, leu oficio em que é relatado o “abandono em que estavão os Enfermos Militares recolhidos ao Hospital de Caridade São
Pedro de Alcântara, sem haver quem lhes aplique remédios, depois que foi suspensa
a gratificação concedida ao Cirurgião Inglez (...) com o qual havião experimentado
muitas melhoras e alívios em suas enfermidades...”(17). Mesmo diante da carência
absoluta de socorros médicos, o Conselho entendeu que nada poderia resolver,
tendo em vista a “proibição expressa de se empregarem Extrangeiros no serviço do
Império...” O clamor dos pacientes militares e seu comandante, todavia, fez com
que “atendendo à falta que o dito Inglez fazia ao Hospital e aos habitantes da cidade”. O Presidente do Conselho decidisse mandar chamar “o dito Cirurgião (...)
afim de engajar por meio de algum partido de pessoas particulares, e da Junta do
Hospital, que amanhã convocaria”(18). Ou seja: buscava-se contornar o problema
por meio de alguma modalidade não oficial de contratação.
Em reuniões havidas em 19 e 21 de abril de 1831, o Conselho do Governo
tomou ciência através de oficio da Câmara Municipal – de que o Presidente da
Província, Brigadeiro Miguel Lino de Moraes, no cumprimento do disposto em
lei datada do ano anterior, destinara a verba de 140$000 “para a propagação da
vaccina nas Povoações deste Município”. Na mesma oportunidade, comunicou o
Presidente que fizera vacinar oito pessoas de sua família, “para experimentar a
vigorosidade do puz (vacinico) e extrair-se por inoculação quanto fosse precizo à
propagação”(19).
Declarando ser a variola “um mal contagioso” e lembrando que “a Saúde
Pública lhe está confiada”, tinham resolvido os oficiais da Câmara determinar
que o Presidente da Província “fizesse retirar para fora da Cidade na distancia de
3 legoas as pessoas vaccinadas, até ficarem livres de qualquer contagio que possa porvir (sic) da vaccina”. E, em atitude de franca hostilidade, deliberaram dar
parte dos fatos a Sua Majestade, o Imperador. O Conselho do Governo, ao ter
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MEDICINA POPULAR DO CENTRO-OESTE
ciência desses fatos, resolveu que se comunicasse oficialmente ao Presidente
da Província as decisões da Câmara.
Poucos dias depois, volta a reunir-se a Conselho(20), ocasião em que é lido
o ofício a ser encaminhado. No texto enviado, em tom menos aguerrido, diz-se
não ser conveniente proceder à vacinação, dada a absoluta falta de médico em
toda a Província, motivo pelo qual não seria possível “por em prática a Lei de
15.12.1830”, que determinava fosse feita a vacinação. No mesmo documento,
além de afirmar-se que a atitude da Câmara não significava insubordinação,
é lembrado que a vacina inocula nos familiares do Presidente “não pegou”, em
decorrência de “o puz (estar) sem vigor, ou que a operação foi mal feita, por ser
praticada por pessoa curiosa (não habilitada)”.
A falta de médico, cirurgião e boticário somente seria remediada dois meses depois, quando chegou à Província o Avizo da Secretaria di Império, aprovando a nomeação do Inglez Henry Yates para o boticário do Hospital de Caridade São Pedro de Alcântara, “emquanto não houver algum nacional que tenha
capacidade para execer aquelle Lugar...”(21).
Em diferentes momentos, providencias foram lembradas ou sugeridas,
objetivando suprir a carência de profissionais habilitados para cuidar da saúde
da população goiana. Assim é que, na instalação do Conselho Geral da Província, em 1831, o Cônego Luiz Bartolomeu Marques, Vice-Presidente da Província, lembrou ser necessária a “manutenção de um Boticario Chimico, à custa da
Fazenda Nacional, com rezidencia na caza do hospital de Caridade”, para fazer
“preparações para a Botica” e ensinar “Chimica e Pharmacia a quem se interessar
aprender”(22).
Dois meses depois, o mesmo Conselho resolveu criar uma Aula de Farmacia no Hospital de Caridade, a ser ministrada pelo Boticario que manipula
remédios – seria ele Yates? – o qual ficaria obrigado a ensinar Química e Farmácia, mediante ordenado de 400$000 pagos pela Fazenda Pública(23). Na mesma oportunidade, seria criada também uma Aula de Medicina e Cirurgia, no
arraial de Cavalcanti, no norte da Província(24). Convém lembrar que referidas
Aulas não se equiparavam a cursos regulares de medicina ou de farmácia, mas
tão somente treinavam os interessados para exames em que se avaliavam as
habilidades dos candidatos; estes, uma vez aprovados, obtinham permissão
para praticar sua arte como licenciados, nos lugares onde não existissem profissionais formados.
A atuação de Yates como boticário do Hospital São Pedro de Alcântara, é
referida, en passant, em Relatório do Presidente da Província:
“A Saúde publica em toda a Província está confiada a Providencia,
e a não ser o clima tão saudável, em ermo se terião tornada as suas
Povoações. Hum só Professor (que professa ou pratica) de medicina
não se encontra em toda a província, e apenas se acha nesta capital
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BARIANI ORTENCIO
hum Estrangeiro, que mostra Ter conhecimentos de Chimica, e
Pharmacia, ao qual, attenta a necessidade, está confiado o curativo
dos doentes recolhidos no Hospital de Caridade, em virtude do
Avizo da Secretaria de estado dos Negocios do Império (...) com a
obrigação também de dar lições de Pharmacia e Chimica...”(25).
A despeito da diminuição das atividades mineratórias, resultante do esgotamento dos veios auríferos, aventureiros continuavam a fluir para Goiás, na
ilusão do enriquecimento fácil. Assim é que, durante o governo do Brigadeiro
Miguel Lino de Moraes (1827-1831) chegaram a Villa Boa alguns italianos interessados na exploração de minérios, para o que fundaram a Sociedade dos
Seis Amigos. Convictos de que seria possível encontrar ouro, se empregassem
métodos mais científicos do que os mineiros da região, durante cinco anos os
permanecendo em Villa Boa um dos sócios: Vicente Moretti Foggia, nascido em
Mântua, capital da Lombardia, carbonário fugitivo da policia piemontosa.
Vicente Moretti Foggia viveu sua infância e adolescência em meio à efervescência política que deu origem aos Carbonari, sociedade secreta que tinha
por fim libertar a Itália de qualquer dominação estrangeira e lutar pela sua unificação. Em 1821, quando contava 18 anos de idade e fazia o curso de Medicina,
juntamente com outros colegas, pegou em armas em uma revolta carbonária
que eclodiu no Piemonte. O movimento foi dominado, com o auxilio de forças
austríacas – e os revoltosos tiveram que exilar-se, fugindo para o sul da França.
Dois anos depois, quando tudo parecia serenado, o jovem mantovano retomou
seus estudos médicos; não se sabe por que, viu-se ele forçado a novamente
emigrar(26).
Depois de ter perambulado por vários países europeus, Moretti-Foggia
encontrou-se com um conterrâneo que se radicara no Brasil e que se encontrava na França, em viagem de negócios. Resolveu seguir-lhe o exemplo e, em outubro de 1830, tomou um navio com destino ao Rio de Janeiro, onde se juntou
a outros fugitivos, desejosos de enriquecer com a mineração do ouro, “sonho
de todo aventureiro europeu que embarcava para as Américas”, na expressão de
Bretas(27).
Interessados, possivelmente, em aumentar a distância que os separava da
Itália, os jovens amigos partiram para a longínqua capital da província de Goiás,
onde chegaram em fevereiro de 1831. enquanto procuravam ouro, sem lograr
êxito, sobreviveram graças a Moretti-Foggia, que começou a exercer a medicina, para garantir sua própria subsistência e a de seus colegas. Em 1836, foi ele
nomeado Boticário do Hospital de Caridade são Pedro de Alcântara, sucedendo
o inglês Henry Yates que, devido ao alcoolismo, não poderia continuar a exercer essa função(28). Três anos depois, persistindo a absoluta falta de médicos
em Goiás, foi encarregado do curativo dos doentes do Hospital e dos presos da
cadeia.
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MEDICINA POPULAR DO CENTRO-OESTE
Moretti-Foggia radicou-se definitivamente em Villa Boa: casou-se com
uma viúva, da sociedade local, com quem teve vários filhos, dos quais alguns
descendentes ainda trazem seu sobrenome. Entre 1836 e 1894 – quando faleceu – dedicou-se integralmente à medicina e ao Lyceu de Goyaz.
Documentos originários da Itália comprovam que ele exerceu a profissão
de farmacêutico em sua terra, mas não se sabe ao certo se chegou a concluir
o curso de medicina. A despeito disso, em 1839, foi designado pelo Ministro
do Exército cirurgião-ajudante da Companhia de Montanha, sediada em Goiás;
alguns anos depois, Sua Majestade Imperial nomeou-o Cirurgião-Mor do corpo
de saúde do Exercito, cargo muito cobiçado pelos médicos. Em 1842, recebeu
do Imperador carta de naturalização, passando a gozar de “todos os direitos,
honras e prerrogativas que pela Constituição do Império eram autorgados aos cidadãos brasileiros naturalizados”(29).
Esse italiano que chegou ao Brasil como fugitivo, tornou-se o mais desprendido e dedicado dos médicos: não cobrava por consultas particulares;
quem o desejasse, dava-lhe algum dinheiro. Foi notável sua contribuição ao
Lyceu de Goyaz, desde a fundação, quando esteve ao lado do seu criador, o Presidente Joaquim Ignácio, futuro Barão de Ramalho. Nomeado professor de Aritmética e Geometria, era chamado para substituir qualquer dos lentes da casa,
em seus impedimentos e faltas – o que fazia sem temor, dada a cultura geral
que o distinguia. Foi também secretário do Lyceu e, não raramente, exerceu a
diretoria desse estabelecimento de ensino secundário(30).
Como boticário e cirurgião, protagonizou momentos de heroísmo, por
ocasião da catastrófica enchente do rio Vermelho, que inundou ruas e casa da
cidade de Goiás, inclusive o Hospital de Caridade. Nas palavras do Presidente
da Província:
Este Edifício (o prédio do Hospital de Caridade) soffreo muito com a
espantosa inundação do Rio Vermelho (...) Muitas drogas da Botica
forão levadas pelo Rio, assim como os Livros, papeis, etc felizmente
poderão salvar-se os doentes...”(31).
Quando as águas ameaçavam chegar às enfermarias, Moretti-Foggia carregou nos braços os pacientes, levando-os para sua casa, onde os distribuiu
por todas as dependências, até que fosse possível levá-los de volta aos leitos
hospitalares.
Em quase todos os relatórios apresentados pelo Presidente da Província
à Assembléia Legislativa de Goiás, depois de 1836, encontram-se referências a
Vicente Moretti-Foggia, ora como cirurgião e boticário, ora como mineralogista
chamado a opinar sobre a eficácia de fontes termais existentes na região. Assim
é que, por solicitação do Ministro e Secretário dos Negócios do Império, foi ele
designado “para averiguação e exame das agoas Thermaes” – de Caldas de Santa
27
BARIANI ORTENCIO
Cruz – com vistas a verificar se as pessoas que se diziam curadas “herão com
effeito infectadas de lepra, morféa, ou simplesmente de alguma outra enfermidade
cutânea”. Sobre a trabalho por ele realizado, diz o Presidente da Província:
Tendo desempenhado digna a habilmente a Comissão (...) trouxe
trez garrafas de agoas thermicas (...) Vou mandar imprimir o
interesante Relatório de Foggia, pelo qual se conhece que a morféa
He curável com os banhos destas agoas(32).
Para enfrentar “o flagello das bexigas”, o Presidente D. Jozé de Assiz Mascarenhas (1839-1845) obteve do Governo Imperial “laminas de puz vaccinico” e
resolveu fazer “algumas experiências ajudado por Moretti Foggia (que incansável
zelo se presta sempre ao serviço e ao bem da humanidade), mas nossas tentativas
não produzirão effeito...”(33). O Presidente não informa, porém, quais as experiências feitas, mas insiste em que, a despeito do fracasso, “não desanimou”. É possível que as tentativas se reportassem à propagação da vacinação antivariólica, que então se fazia por inoculação de puz vaccinico, recebido pelo Instituto
Vaccinico do Rio de Janeiro. A maior dificuldade para o êxito da imunização
pretendida consistia no fato de que, dada a distância da província de Goiás em
relação à Corte, o material se tornava improfícuo ao longo das muitas semanas
de viagem.
De algum modo, o Presidente da Província e Moretti-Foggia talvez tenham tentado solucionar esse problema.
Quase duas décadas depois, Moretti-Foggia – “1º cirurgião reformado (...)
que há muitos annos presta bons serviços à humanidade soffredora” – foi nomeado comissário vacinador da Província, mas “o fluido” continuava a chegar
a Goiás “de ordinário fraco ou deteriorado”(34). Dois anos mais tarde, “o serviço
de vaccinação ainda está longe da dezejavel regularidadee, não obstante o zelo
que nelle se empenha o comissário vaccinador provincial, Vicente Moretti-Foggia”.
Muito pouco se podia fazer, contudo, diante da repugnancia (à vacinação) que
geralmente mostra a população(...) falta de pessoas habilitadas (...) deterioração e
inefficacia que aqui chega o puz vaccinico remetido da Corte...”(35). Como terrível
flagello das bexigas continuasse a ameaçar, o Presidente da Província Augusto Pereira França (1865-1867), determinou que fossem organizadas “instruções
medicas” sobre o tratamento da varíola, a serem distribuídas à população. Esse
trabalho foi realizado pelo incansável Vicente Moretti-Foggia – já então sexagenário juntamente com o médico Dr. Thomaz Cardozo de Almeida(36).
Quando já estava radicado em Goiás há muitos anos, um ofício do Ministro da Justiça ao Presidente da Província – enviado a requerimento do Ministro
dos Negócios Estrangeiros – indaga “se existe nessa Província ou nella falleceo
Vicente Moretti-Foggia...” Diante da resposta afirmativa, atendendo a um pedido
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MEDICINA POPULAR DO CENTRO-OESTE
da Legação Imperial em Londres, onde eram tratados os assuntos pertinentes
aos reinos da Itália – pois o Brasil não mantinha relações diplomáticas com os
mesmos – aquela autoridade remeteu uma série de perguntas que foram respondidas por Foggia na delegacia de policia, lavrando-se o competente termo.
As questões diziam respeito a fatos e pessoas envolvidas com a revolta carbonária em que se envolvera o então jovem estudante de medicina, quase trinta
anos antes(37). Os arquivos goianos não guardaram cópia das declarações prestadas, em 1852. De qualquer modo, se viesse a ser formulado pedido de extradição pelo governo italiano, estaria a salvo Vicente Moretti-Foggia, que há dez
anos se tornara cidadão brasileiro.
Dos documentos consultados nos arquivos goianos, emergem as personalidades distintas dos três médicos europeus que, entre 1825 e 1894, atuaram
na Província de Goiás. Sobre o francês, Gabriel André Marie de Plöesquellee
e sobre o inglês Henry Yates, as informações são fragmentárias. Estariam eles
entre os muitos europeus que se alistaram como mercenários, nas tropas comandadas por D. Pedro I, para dar combate aos portugueses nas lutas da Independência, e que se deixaram ficar no jovem Império? Plöesquellee foi designado oficialmente para servir em Goiás, pois integrava os quadros do Exército
Brasileiro. De Yates, que pertenceu à Armada, pode-se especular se teria servido
sob as ordens de Cochrane. Não é possível saber, contudo, o que o terá levado
a Goiás – mas o único atrativo dessa remota província, aos olhos estrangeiros,
ainda se resumia à busca do ouro e da fortuna rápida.
Plöesqueelle revela-se consciente da superioridade da civilização francesa. A partícula de em seu nome, sugere origem familiar aristocrática. Tudo indica que era homem inquieto, dotado de senso crítico e intolerante em relação
a conhecimentos e práticas que não fossem os de sua pátria, a parir dos quais
encarava a realidade que cercava. Como profissional consciente de seus deveres e da superioridade de sua formação acadêmica européia, a despeito de problemas de saúde que o reduziram a um “estado morbífico”, sua passagem pela
remota província tem a força de uma lufada de vento, sacudindo o marasmo e o
conformismo. Ao lado de insistentes reivindicações funcionais e salariais, reelaborou o Regulamento do Hospital Militar – que seria depois criticado pelos burocratas da Junta da Real Fazenda, para quem esse documento teria “suscitado
conflictos de competencia entre os funcionários”(38); propôs a criação de uma aula
de Medicina e Cirurgia e de uma Aula de Partos – da quais seria o professor – e
denunciou as mortes de recém-nascidos e suas mães, como fruto da ignorância
e do preconceito. Além de correr perigo de vida no diagnóstico empírico de bexigosos, ainda teve tempos para escrever um Tractado sobre a Arte de Partejar
– “conformando-se ao methodo que se segue no hospital da maternidade de Paris”.
Sobre Yates, os dados são mais escassos. Seu perfil sugere o aventureiro
dado ao alcoolismo, o homem andejo, ainda educado, à procura do exótico.
Parece desprendido em relação a dinheiro, aceitando remuneração ínfima para
29
BARIANI ORTENCIO
o exercício das funções de boticário e cirurgião. Guardava talvez algum traço
peculiar na indumentária, ou na linguagem, ou no relacionamento com os nativos, pois continuou um estranho para os goianos, a despeito de reconhecida
sua habilidade para aliviar os sofrimentos: para as autoridades locais, ele será
sempre o Inglez. No sistema fortemente centralizado do Império, os fatos que
inicialmente impediriam e finalmente permitiram sua contração evidenciam as
dificuldades de natureza administrativa que se interpunham a providencias
que requeriam autonomia de julgamento e de decisão. O peso da burocracia
está claramente expresso nos embaraços criados pela Junta da Fazenda Nacional, mesmo quando a situação enfrentada pela sociedade local é de absoluta
falta de recursos médicos.
Como ser humano e com profissional, Vicente Moretti-Foggia personificou
os protótipos do médico humanitário, do professor querido e do italiano extrovertido. Era popular entre ricos e pobres, com quem mantinha laços de amizade, indistintamente. Na mesa de refeições de sua casa, havia sempre comida
farta e vinho abundante, franqueados aos muitos amigos que com ele compartilhavam sua generosidade e cordialidade. Quando morreu, aos 91 anos de
idade, estava paupérrimo. Ao se sepultamento, compareceu toda a população
da cidade de Goiás, dos mais humildes aos mais importantes. Uma subscrição
popular recolheu 569$000 para fazer face às despesas com o féretro do “benfeitor dos goianos”, como Foggia seria cognominado pelo historiador Americano
do Brasil. Pagas as contas, o dinheiro remanescente deveria destinar-se a erigirlhe um monumento, que nunca chegou a ser feito. A rua principal da idade de
Goiás – a antiga rua Direita – passou a denominar-se Moretti-Foggia, homenagem dos vilaboenses à memória do mantovano carbonário que se convertera
em médico abnegado, cujo modesto túmulo pode ser visto no cemitério São
Miguel , ao lado direito de quem entra(39).
Para concluir, uma palavra sobre as dificuldades encontradas para vacinar
os habitantes de Goiás contra a varíola. Ainda que médicos e autoridades estivessem conscientes de que essa pratica representava proteção eficaz contra o
flagello das bexigas e desejassem aplicá-la a toda a população, não era a resistência por esta oferecida que se configurava como o maior obstáculo a ser vencido. A precária preservação das propriedades imunológicas do puz vaccinico
somava-se às dificuldades de transporte que tornavam inexequível ou inócua a
vacinação. Imbuídas, talvez, de certa consciência modernizadora em relação às
medidas de prevenção contra as temidas epidemias de varíola, as autoridades
– sempre criticadas pelo que seria sua incompetência e insensibilidade – não
se mostravam tão indiferentes ao problema e, algo do século XIX, buscaram
viabilizar a propagação da vaccina. Mas essa é outra história.
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MEDICINA POPULAR DO CENTRO-OESTE
NOTAS
1. KARASH, Mary. História das doenças e dos cuidados médicos na Capitania de Goiás. In Freitas,
Lena Castello Branco Ferreira de. (Organizadora) Saúde e doenças em Goiás. A medicina possível. Goiânia, CEGRAF/UFG, 1999, p.20-42.
2. Livro de Ofícios/Representações. 1824/1825. Oficio n.14 de 30.12.1824. Fls.14. Arquivo Histórico
do Estado de Goiás. Goiânia(doravante AHG).
3. Livro de Registro de Documentos. Governo Lopes Gama – 1825. Fls. 68. Arquivo do Museu das
Bandeiras (doravante AMB). Cidade de Goiás. Apud Bueno, Jerônimo Carvalho. História da Medicina em Goiás. Goiânia, s/ed., 1979, p.23
4. Documentos Avulsos. 1825. Oficio n. 22 dirigido à Secretaria de Estado de Negócios do Império
(s.d.). Fls.111-113 (cod. 50). AHG.
5. Idem.
6. Em 27.10.1825. AMB. Apud Bueno, J. Op. Cit., p. 26.
7. Conta dada a S.M.I. apresentando documentos e informações sobre objetos do Hospital de Caridade. 29.08.1827. AMB. Apud Bueno, J. Op. Cit., p.27.
8. Requerimento da Junta do Hospital de Caridade a S.M.I. Dezembro de 1827 (dia ilegível). AMB.
Apud Bueno, J.op.cit., p.30.
9. Conta dada... cit. Idem, ibidem.
10. Oficio do Secretário de Negócios do Império ao Presidente da Província de Goiás, em 21.05.1828.
AMB. Idem, p.31-32.
11.Oficio encaminhado pela Junta da Fazenda Nacional em Goiás a S.M.I., em 29.20.1828. AMB.
Idem, p.33-34.
12. Termo de Fiança que presta Floriano José Moreira para repor uns dinheiros até decisão do Thesouro Publico. 29.10.1828. AMB. Idem, p. 32-33.
13. Oficio encaminhado pelo Conselho do Governo da Província de Goyaz a S.M.I., 29.10.1828. AMB.
Idem, p. 33-34.
14. Ata da sessão do Conselho do Governo da Província de Goiás, 26.02.1831. In Matutina Meiapontense n. 195. Meya Ponte; 28.06.1831, p.1.
15. Idem.
16.Idem.
17.Ata da sessão do Conselho do Governo da Província de Goiás, 05.03.1831. In. Matutina Meiapontense n. 203. Meya Ponte, 16.07.1831, p.1.
18.Idem.
19.Ata da sessão do Conselho do Governo da Província de Goiás, 19 a 21.04.1831. In. Matutina
Meiapontense, 18.08.1831, p. 2 . A sessão estendeu-se por 3 dias consecutivos e notabilizou-se
pela atitude de rebeldia dos conselheiros e dos vereadores da Câmara Municipal contra ato do
Presidente da Província, Brigadeiro Miguel Lino de Moraes. A ata da sessão somente foi publicada cinco dias depois de o Presidente deixar o cargo, em 13.08.1831.
20.Ata da sessão da Câmara Municipal da cidade de Goiás, em 26.04.1831. In Matutina Meiapontense n 213. Meya Ponte, 09.08.1831, p.2. A ata consigna posição conciliatória do Conselho
ao reportar ao primeiro mandatário de Goiás as decisões da Câmara Municipal e foi publicada
antes da saída do Presidente da Província.
21.Artigos de Officio: do Presidente da Província ao escrivão Deputado da Junta da Fazenda Nacional, em 29.07.1831. In Matutina Meiapontense n 230,. Meya Ponte, 17.09.1831, p. 2.
22.Falla que na instalação do Conselho Geral desta Província dirigio o Exmo. Vice-Presidente o Sr.
Conego Luiz Bartolomeu Marquez no 1º de dezembro de 1831. In Matutina Meiapontense
n.275. Meya Ponte, 31.12.1831, p.2.
31
BARIANI ORTENCIO
23.Artigos de Officio: Conselho Geral da Província de Goiás, em 31.01.1832. In Matutina Meiapontense n. 334. Meya Ponte, 10.05.1832. p.1.
24.Idem, ibidem.
25.Relatório que à Assembléia Provincial de Goyaz apresenta em sessão ordinária...
26.BRETAS, Genesco Ferreira. História da Instrução Pública em Goiás. Coleção Documentos
Goianos n. 21. Goiânia, CEGRAF/UFG, 1991, p.358-362.
27.Idem.
28. SALLES, Gilka Vasconcelos Ferreira de. Saúde e doenças em Goiás (1826-1930). In FREITAS,
L.C.B.F. Op. Cit., p.86.
29.BRETAS, G.F. Op.cit., 362.
30.Idem, p.361.
31.Relatório que à Assembléia Provincial de Goyaz apresenta em sessão ordinária de 1839 o Exmo.
Sr. Presidente da mesma Província D. Joze de Assis Mascarenhas. In Memórias cit., p. 149.
32.Idem, ibidem.
33.Idem, 1840, p.175.
34.Relatório que o Exmo. Sr. Vice-Presidente Dr. João Bonifacio Gomes de Siqueira apresentou no
acto de passar-lhe a administração da Província o Ex-Presidente Exmo. Sr. Dr. Antonio Augusto
Pereira da Cunha 1º de agosto de 1857. In. Memórias... cit.,7, p.89.
35.Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial de Goyaz na Sessão Ordinária de
1859, pelo Exmo. Presidente Dr. Francisco Januário da Gama Cerqueira. In Memórias... cit., 7,
p.231.
36.Relatório com que o Exmo. Sr. Dr. Augusto Pereira França, Presidente da Província de Goyaz
passou a administração da mesma ao Exmo. Sr. Vice-Presidente Desembargador. João Bonifácio
Gomes de Siqueira. Em 19.04.1867. In Memórias... cit., 10,p.133.
37.BRETAS, G. Op. Cit., p. 359-360.
38.Carta a Sua Magestade (sic) sobre a representação do Escrivão Deputado da Junta da Fazenda
Nacional pedindo esclarecimento sobre o excesso de dinheiro dado ao Hospital. Em 10.10.1827.
AMB. Apud Bueno, J. Op.cit., p.29-31.
39.BRETAS, G. Op. Cit., p.362.
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DEFINIÇÕES:
TÉCNICAS,
COLHEITAS E
P R E PA R O
DAS PLANTAS
MEDICINAIS
PLANTAS MEDICINAIS
Especialistas em plantas medicinais de
todo o país vão pedir ao Governo Federal a
regulamentação da produção, propaganda
e comercialização dos pro­dutos de plantas
medicinais. O objetivo é garantir a qualidade desses produtos. A decisão foi tomada
on­
tem, durante o seminário “Legislação
para Plantas Me­dicinais e Medicamentos
Fisiote­rápicos”, realizado na Fundação Osvaldo Cruz.
O Popular-Goiânia, 03.03.94-Rio
(Agência Brasil-ABR)
EXPLICAÇÃO
As técnicas aqui relatadas, de coletas, colheitas, secagens e preparos, são de labo­
ratórios, institutos e raizeiros comerciantes.
Porém, as centenas de infor­mantes, com
os quais pesquisamos, não compram nas
bancas de raizeiros os produtos secos, eles
mesmos colhem as ervas no campo e fazem os seus remé­dios, que são chamados
de teriagas, ti­sanas, meizinhas, sem técnica
alguma, in­clusive não secam as plantas que
utilizam, porque acreditam que, estando
ver­des, con­tém toda a capacidade curativa,
sendo a seiva nas plantas verdes a principal
força.
A
BESUNTAR - Lambuzar, untar demasiadamente.
BOCA A BOCA - Sopro, insuflações
sucessivas de ar na boca do paciente.
BOCHECHAR - Agitar um líquido na
boca por contrações suces­sivas das
boche­chas.
ABLUÇÕES - Abluções são banhos,
que podem ser também as­seios com
toalha molhada ou algodão embebido em álcool, ou aplicado apenas em
partes do corpo.
ÁGUA ESPERTA - Água com a temperatura entre morna e quente.
AMADURECIMENTO - Amadurecimento de um tumor é chegar ao ponto de va­zar, vir a furo.
ASPIRAÇÃO - Inspiração, atrair o ar
aos pulmões, pelas nari­nas.
ASSOCIAÇÃO - Mistura de vários produtos.
C
CALDA - Líquido grosso resultante da
fervura de água e açúcar, conjuntamente. Xarope. A calda é muito usada
em doces de compotas.
CATAPLASMA - Papa, ou espécie de
angu, feita com produtos medicinais,
que entre dois panos, se aplica na parte dolorida ou inflamada. Uso externo. A prin­cipal composição do cata­
plasma é a farinha de mandioca. O
tecido preferido é a fla­nela. Socam-se
as plantas até formar uma papa que
se adiciona ao emplastro. Os cataplasmas têm efeitos sobre inchações, nevralgias, pancadas, reumatismo, gota,
furúnculos e dores em geral.
CHÁ - Chá é palavra que vem do chinês e não é apenas a fer­vura de folhas
me­dicinais com água. É, de fato, a
combinação erva-água, mas pode ser
também sem fervura. De várias ma­
B
BANHAS - É generalizado entre o
povo o uso de banhas para tratamentos. As principais banhas são a
de porco, de galinha, de capivara, de
cascavel, de su­curi, de tatu, de jibóia,
de ar­raia...
BANHOS - Os banhos são feitos, geralmente, de plantas em co­zimento
com as folhas, ramas, cascas e raízes.
BATER - Triturar, principalmente no
liquidificador.
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