Moeda, crédito e bancos

Transcrição

Moeda, crédito e bancos
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3ª Aula – Moeda, crédito e bancos
Moeda, crédito e bancos
Vídeo N° 1: “Por que não imprimir mais dinheiro?” (15 minutos)
Veja o vídeo a seguir e discuta as perguntas abaixo:
http://www.youtube.com/watch?v=ZkyBnaYCUhw
1. A troca entre duas pessoas se realiza quando:
a) Cada um atribui um valor maior ao que entrega do que ao que recebe.
b) Cada um atribui um valor igual tanto ao que entrega quanto ao que recebe.
c) Cada um atribui um valor maior ao que recebe do que ao que entrega.
d) Nenhuma das anteriores.
2. Quais são os problemas apresentados pelo escambo?
3. Por que o dinheiro soluciona este problema?
Leitura N°1: “Importância e origem da moeda” 1, de Murray Rothbard (15 minutos)
O MISTÉRIO DOS BANCOS
Murray Rothbard
Importância e origem da moeda
Hoje em dia os investidores estão sempre preocupados com os últimos dados estatísticos da
oferta de moeda do Banco Central, se ela aumentou rapidamente, como que ela vai repercutir
sobre as taxas de juros. Os jornais se enchem de previsões sobre as medidas que o Banco
Central irá tomar e sobre as novas leis de regulação de bancos e de entidades financeiras.
Este interesse pela oferta monetária é algo recente. Em meados do século XX, quando
imperava o pensamento de John Maynard Keynes (1883-1946, economista britânico), falar de
moeda e de crédito era algo exótico e distante das páginas financeiras.
Falava-se da evolução do PIB 2, da política fiscal do governo, dos gastos, das receitas e dos
déficits. Os bancos e a oferta monetária eram ignorados. No entanto, depois de décadas de
uma inflação crônica e desastrosa que os Keynesianos não conseguiam remediar, e depois de
várias crises inflacionárias e recessivas, começou-se a suspeitar que algo estava errado. A
oferta de moeda passou a ser objeto de grande discussão.
1
Original disponível em inglês em http://mises.org/Books/mysteryofbanking.pdf (acesso em setembro,
2013).
2
Produto Interno Bruto, a soma de todos os bens e serviços finais produzidos no país em um ano.
1
A pessoa comum pode se confundir com tantas definições da oferta de moeda. O que
significam todos aqueles Ms, M1-A e M1-B até M8? Qual é a verdadeira oferta de moeda, se é
que existe uma única definição? Por que se incluem os depósitos nos bancos como uma parte
importantíssima da oferta monetária?
Todos sabem que as notas emitidas pelos Bancos Centrais possuem curso legal, isto é, poder
liberatório de toda dívida pública ou privada. Isto é o dinheiro. Mas por que as contas
correntes bancárias são dinheiro, e qual a sua origem? Por acaso as contas correntes não são
conversíveis em dinheiro sempre que o correntista assim desejar? Então por que esses
depósitos são considerados eles mesmos dinheiro, e não simplesmente o dinheiro em espécie
a que eles se referem?
As contas correntes são incluídas na oferta monetária porque os bancos criam dinheiro, eles
são fábricas de dinheiro. Mas o que banco faz não é simplesmente tomar dinheiro e emprestálo? Como criam dinheiro? Como podem seus passivos se converterem em parte da oferta
monetária?
Apenas no princípio do século XX que a ciência econômica passou a considerar os depósitos
bancários como parte da oferta de dinheiro. Mas antes de analisar o que é o dinheiro, vejamos
como ele surge.
Como surge a moeda
Ludwig von Mises demonstrou já em 1912 que o dinheiro não pode ser criado por ordem de
Estado algum ou por meio de qualquer contrato social formado por todos os cidadãos. O
dinheiro deve sempre surgir espontaneamente dentro do processo do livre mercado.
Antes das primeiras cunhagens de moeda, havia o escambo. Os bens eram produzidos por
aqueles que estavam especializados em sua produção e seus excedentes eram intercambiados
com outros produtos que eles não produziam. Todo produto possuía um preço denominado
em quantidades de outro produto. Toda pessoa se beneficiava através da troca entregando
algo de que necessitava menos por algo de que necessitava mais.
No entanto, o comércio se via limitado no escambo por três causas. Para poder comprar
determinado artigo desejado, o indivíduo tinha que encontrar um vendedor que quisesse
naquele momento exatamente o que ele tinha a oferecer. Se o vendedor de ovos queria
comprar sapatos, tinha que encontrar um sapateiro com vontade de comer ovos. Mas suponha
que o sapateiro fosse alérgico a ovos... Se um professor de economia quisesse comprar um
jornal, tinha que encontrar um vendedor que quisesse aprender economia austríaca. Este
problema é conhecido como o da “dupla coincidência de desejos”, e limitava imensamente a
produção.
O segundo problema era das indivisibilidades. Se desejo vender uma casa e comprar um carro,
uma máquina de lavar roupas e alguns cavalos, o que faço? Divido a casa em vinte pedaços
para trocar? Sendo a casa indivisível, se eu a divido, ela perde seu valor. O mesmo acontece
com outros produtos grandes (tratores, máquinas etc.). E se casas, tratores, máquinas são
difíceis de trocar, poucas pessoas se interessarão em produzi-los.
2
O terceiro problema é relativo ao cálculo econômico. As empresas devem ser capazes de
calcular prejuízos e lucros em cada uma de suas transações. Em um sistema de escambo seria
impossível realizar este cálculo. Uma economia industrial moderna não poderia funcionar
mediante o escambo. O escambo só pode solucionar os problemas econômicos de um
pequeno povoado, se tanto.
Mas o homem é criativo e engenhoso. Pouco a pouco produziu um dos inventos mais
prodigiosos, que elimina os obstáculos apresentados pelo escambo: a moeda.
O vendedor de ovos que queria sapatos se perguntou: “O que o vendedor de sapatos quer? O
que ele está disposto a comprar? É peixe? Bem, então conseguirei peixe.” O vendedor de ovos
não compra o peixe para consumi-lo (ele pode mesmo ser alérgico a peixe), mas para revendêlo por sapatos. O peixe é demandado não para seu consumo, mas como meio de troca, como
um instrumento de troca indireta. Uma vez que determinada mercadoria começa a ser usada
como meio de troca e isto é de conhecimento geral, seu uso como meio de troca se generaliza
mais e mais. Começa a haver demanda desta mercadoria porque se sabe que está sendo usada
como meio de troca, com o que o uso da mercadoria se expande. Quando uma mercadoria é
utilizada como meio de troca para a maior parte das trocas realizadas, tal mercadoria é
definida como sendo moeda.
Assim, a moeda surge quando os participantes de um mercado escolhem uma mercadoria para
uso como meio de troca. Como todas as grandes invenções do homem, demorou a aparecer e
revolucionou o mundo. Solucionou todas as dificuldades do escambo:
1. O vendedor de ovos e o economista trocam seus bens e serviços pela mercadoriadinheiro porque por sua vez sabem que poderão vender essa mercadoria pelo que
necessitam.
2. Também desaparece o problema das indivisibilidades; posso vender minha casa e
comprar o que necessito.
3. O terceiro problema também desaparece: as empresas podem calcular, podem saber
se perdem ou ganham. Suas receitas e despesas podem ser expressas em dinheiro.
Recebi 10.000, gastei 9.000: então ganhei 1.000. Já não preciso somar ou subtrair
objetos incomensuráveis. A empresa de aço já não tem que pagar seus empregados
com barras de aço. Pode pagar com dinheiro. Além disso, para saber se um preço é
bom, já não é preciso comparar milhões de quantidades relativas (quantos ovos vale
um peixe, quantas carnes, quantos casacos etc.). Todas as mercadorias agora são
medidas por uma única mercadoria: a moeda; e é fácil comparar o preço do peixe, dos
ovos, da carne, do casaco.
As qualidades da moeda
Que mercadorias foram escolhidas no mercado como dinheiro? Que mercadorias viram sua
demanda incrementada por converterem-se em meio de troca? Peixe, peles, tabaco, sal,
açúcar, gado etc. A escolha recaiu sempre sobre mercadorias que já possuíam um uso
difundido, que tinham grande demanda, que possuíam a aceitação da maioria. Além disso,
deviam ser altamente divisíveis para facilitar as transações. Outra qualidade consistia em que
não perdessem seu valor ao serem divididas; e por isso uma casa nunca chegou a ser utilizada
3
como moeda. As qualidades que uma mercadoria deveria reunir para ser utilizada como
moeda foram:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Ser uma mercadoria com muita demanda
Ser altamente divisível
Ser facilmente transportável
Ter alto valor por peso (para ser facilmente transportável)
Ser relativamente escassa (muita demanda e pouca oferta eleva o preço)
Ser uma mercadoria não perecível, isto é, que possa ser armazenada para comprar
outra mercadoria no futuro. Com isto ficam descartados, por exemplo, o peixe, a carne
etc.
Durante a Segunda Guerra Mundial, em alguns campos de concentração, assim como em
muitas prisões de hoje em dia, os cigarros cumpriam todos estes requisitos: eram divisíveis,
transportáveis, com alto valor por peso, e relativamente duráveis. Com isto, serviam como
meio de troca para o comércio de todo tipo de bem e serviço disponível na reduzida economia
local, como sobremesas, remédios, cortes de cabelo, proteção etc. 3
Na economia mundial, com o passar dos séculos, houve duas mercadorias que, sempre que
disponíveis, dominaram a concorrência como moedas: o ouro e a prata. Eram demandadas
pelo seu brilho e pelo seu valor ornamental. Possuíam grande demanda e grande escassez,
eram divisíveis e transportáveis, não se corroíam e duravam para sempre. Em geral, ambos os
metais se impuseram como moedas. O ouro era mais caro e se usava para as transações mais
caras. A prata para transações menores. A unidade de conta geral foi o ouro; possuía um valor
relativo mais estável por ser relativamente mais escasso.
Perguntas:
1. Como surge o dinheiro? É uma criação do Estado?
2. Quais são as três limitações do escambo? Explique-as brevemente.
3. Que qualidades deve reunir uma mercadoria para ser utilizada como moeda?
3
Para uma descrição deste curioso caso, ver o famoso artigo, em inglês, de R. A. Radford, “The
economic organization of a P.O.W. Camp”, Economica (Novembro 1945): 189-201.
4
Discussão N°1: “A desvalorização dos reis” 4 (10 minutos)
Uma vez estabelecido o ouro como moeda, no reinado de Henry Goldman circulavam 100 mil
moedas de ouro de 0,5 kg cada uma. As moedas eram cunhadas com a efígie do rei Goldman.
Um dia, o ambicioso rei Goldman percebeu que poderia limar minimamente cada moeda,
retirando-lhe uma quantidade ínfima de ouro. Em pouco tempo, o rei Goldman havia retirado
100 gramas de cada moeda em circulação. Cada moeda agora pesava, portanto 0,4 kg. Para
que as pessoas não suspeitassem, ele resolveu mudar o nome da moeda. Se a moeda que
pesava 0,5 kg se chamava Ruurs, a moeda de 0,4 kg desvalorizada por Henry Goldman se
chamava “HenGold”, com o que se iludia a população para que não suspeitasse de nada.
Não apenas as moedas pesavam um pouco menos, mas devido à desvalorização agora o rei
contava com 10 mil kg de ouro a mais, o que lhe permitia criar 25 mil novas moedas de 0,4 kg.
Desta maneira, a oferta monetária, isto é, a quantidade de moedas de ouro em circulação,
subiria para 125 mil.
1. Como esta situação afetará o preço das mercadorias?
2. Quanto cresceu, em porcentagem, a oferta monetária?
3. A emissão monetária é favorável à economia?
Leitura N°2: “Oferta e demanda de dinheiro”, de Murray Rothbard (15 minutos)
O MISTÉRIO DOS BANCOS
Murray Rothbard
Os preços dos distintos bens são determinados pela oferta e pela demanda
4
A tradução por “desvalorização” tenta manter o trocadilho próprio da expressão inglesa
“debasement”, que tanto remete à corrosão da “base” monetária, quanto à corrupção moral da
autoridade emissora de moeda.
5
Todo preço, em um momento dado, sempre se encontra determinado pela oferta do produto
e pela intensidade da demanda para adquiri-lo.
Por oferta de um bem entendemos a quantidade objetiva de bens disponíveis para o
consumidor. A demanda, por sua vez, é o resultado da valorização subjetiva e da demanda dos
compradores individuais ou consumidores.
Os preços sempre esgotam um mercado, isto é, igualam oferta e demanda eliminando
rapidamente excessos ou faltas. Chama-se preço de equilíbrio ao que iguala a quantidade
disponível para a venda com a quantidade que os compradores desejam comprar. O mercado,
se deixado em liberdade, sempre tende ao equilíbrio.
Todos os produtos são escassos com relação aos seus possíveis usos. Por isso que têm um
preço de mercado. O preço determina o racionamento do bem, mediante o qual os bens
podem ser distribuídos livre e voluntariamente àqueles mais desejosos de adquiri-los.
Quando um preço sobe, refletindo uma oferta menor, os consumidores diminuem suas
compras e passam a consumir outros produtos até que a quantidade demandada diminua o
suficiente para igualar a menor oferta. Se a oferta aumenta, os empresários deverão baixar os
preços para induzir os consumidores a comprar mais, e este processo ocorrerá até que se
alcance novo equilíbrio. Se a oferta aumenta os preços caem, se ela diminui, os preços sobem.
Ao mesmo tempo, os preços também respondem diretamente às alterações na demanda: se a
demanda aumenta, os preços aumentam, se ela cai, os preços caem. Se o aumento da
demanda for percebido pelos produtores como um aumento sustentável, isto é, de longa
duração, eles decidirão expandir sua produção e a oferta futura aumentará. Do mesmo modo,
se a queda na demanda for vista como permanente, a oferta será reduzida. A oferta sempre
responderá à demanda que os produtores preveem.
Um aumento na demanda de um produto sempre é compensado pela diminuição na demanda
de outro produto. A única maneira de todos demandarem mais é que aumente a oferta de
bens, ou que aumente a oferta de dinheiro. Isto é, sob outro ponto de vista: uma inflação
sustentada, em que os preços aumentam persistentemente, somente pode resultar em duas
coisas:
1. Uma queda na oferta de bens e serviços
2. Um aumento na oferta de dinheiro
A inflação não está dada por falta de oferta, mas é um problema de demanda.
Oferta e demanda na determinação do preço do dinheiro
Os preços sempre são determinados pela oferta de um produto e pela intensidade da
demanda para adquiri-lo. Em microeconomia se aceita que os preços são determinados pela
oferta e pela demanda, mas em macroeconomia não. Vemos termos como velocidade de
circulação, transações totais e Produto Bruto. No entanto, a verdade é que o conjunto dos
preços (ou o nível de preços) se forma da mesma maneira que cada preço em separado. Se o
preço de 1 kg de pão é de R$ 0,70, isto significa que o poder de compra de 1 kg de pão é de R$
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0,70 e que com ele só posso comprar até R$ 0,70 de qualquer outra coisa. O mesmo acontece
com todos os outros bens. O preço de um bem equivale ao seu poder aquisitivo. Se o preço de
cada bem nos mostra o seu poder aquisitivo, a determinação do poder aquisitivo de todos os
bens ao mesmo tempo pode ser compreendida ao analisarmos o preço do poder aquisitivo do
dinheiro.
O preço do dinheiro, ou o que é o mesmo, seu poder aquisitivo, é a inversa do nível de preços.
Poder Aquisitivo do Dinheiro = 1/Nível de preços
Por exemplo:
Ovos
Manteiga
Sapatos
Televisão
R$ 0,50
R$ 1,00
R$ 20,00
R$ 200,00
a dúzia
o quilo
o par
o aparelho
O poder aquisitivo do dinheiro, que é o poder aquisitivo da unidade monetária, está dado por
uma série de alternativas da inversa dos preços:
Poder Aquisitivo do Dinheiro
= R$ 1,00
= 2 dúzias de ovos
= 1 kg de manteiga
= 1/20 pares de sapatos
= 1/200 aparelhos de televisão
Se o preço de cada um destes bens dobrar, o poder aquisitivo da unidade monetária cairá à
metade. O poder aquisitivo do dinheiro é a inversa do nível de preços.
P.A.D.
Oferta = M (oferta monetária)
Demanda
Quantidade de moeda
Demanda por moeda
A demanda por moeda não é a quantidade de moeda que idealmente as pessoas gostariam de
possuir – essa quantidade é, por definição, infinita. O que a demanda por moeda indica é o
quanto os agentes estão dispostos a ceder para obter moeda. O quanto de dinheiro preferem
conservar a gastar. Se alguém adquire dinheiro só pode fazer duas coisas:
1. Gastá-lo em bens de consumo ou em investimentos;
2. Conservá-lo e aumentar seu estoque de moeda
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O que a pessoa decidir conservar em moeda será a sua demanda por moeda.
A demanda dos agentes por moeda depende do nível de preços. Se os preços caem a 1/3 do
nível atual, os agentes não necessitarão de tanto dinheiro em espécie para pagar suas
transações diárias ou emergenciais. Precisarão de apenas 1/3 do que precisam hoje. O resto
poderá ser gasto ou investido. Se os preços triplicam, os agentes necessitarão de mais dinheiro
para realizar suas transações diárias. Se o poder aquisitivo do dinheiro é alto, a demanda por
moeda é alta ou baixa? É baixa. Se o poder aquisitivo do dinheiro é baixo, a demanda por
moeda é alta. Se subitamente o poder aquisitivo do dinheiro aumenta, os preços estão baixos,
a demanda por moeda cai e os agentes começam a gastar – com o que os preços sobem; ao
aumentarem os preços, o poder aquisitivo da moeda cai, mais moeda torna-se necessária para
as transações e aumenta a demanda por moeda.
A ação do mercado equilibra a oferta e a demanda por moeda. O preço do dinheiro varia
diretamente com a demanda por moeda, e varia inversamente com a oferta. Ao mesmo
tempo, o nível de preços varia diretamente com a oferta de moeda e inversamente com a
demanda por moeda.
Por que o nível geral de preços se altera?
O nível de preços só pode variar se a oferta ou a demanda por moeda variarem. Vejamos o que
acontece se a oferta de moeda variar. Aumenta-se a oferta de reais, dólares ou euros,
aumenta a quantidade de moeda em circulação, há mais dinheiro nas mãos dos agentes. Os
agentes agora possuem um dinheiro excedente sobre o que antes necessitavam; gastam parte
desse dinheiro, aumentando a demanda pelos bens e com isso os seus preços. À medida que
os preços aumentam, o excesso de dinheiro diminui. Os preços aumentam até que a demanda
por moeda tenda a deixar de cair, isto é, os preços sobem até que não haja mais dinheiro
excedente. Retorna-se ao equilíbrio anterior, mas com preços mais altos. Quando os agentes
dispõem de dinheiro excedente, eles gastam esse dinheiro, com o que o nível de preços sobe
até um ponto de equilíbrio mais alto.
Aumenta-se a oferta de presunto, o preço cai para que alguém passe a comprar o presunto
excedente. Aumenta-se a oferta de reais, o poder aquisitivo do real cai até que os agentes
necessitem conservar o real excedente como ativo. E se a oferta de moeda cai? Há então uma
falta de dinheiro, a demanda por moeda sobe (pois todos gastam menos) e o nível de preços
cai. No novo preço de equilíbrio, a menor oferta de moeda é suficiente para as transações
necessárias. Cada real vale mais ao subir o poder aquisitivo da moeda, portanto se aumenta a
oferta monetária, o poder aquisitivo diminui e o nível geral de preços aumenta; se a oferta
monetária se contrai, o poder aquisitivo do dinheiro sobe e o nível geral de preços cai.
Demanda por moeda
Aumenta-se a demanda por moeda, qualquer que seja o nível de preços, os agentes desejam
possuir mais dinheiro em espécie. Se a oferta permanece fixa, os agentes pouparão mais e o
nível de preços cairá. Se os preços baixarem, não haverá mais escassez de moeda. A queda de
preços é compensada pelo aumento nos gastos, e a situação retorna ao equilíbrio.
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Se a oferta permanece igual e a demanda aumenta, cai o nível geral de preços. Se a demanda
por moeda cai, os preços sobem até que a demanda se reestabeleça e as pessoas deixem de
gastar. Por conseguinte, o equilíbrio se reestabelece a um nível de preços maior. O nível de
preços pode variar por mudanças na oferta de moeda ou na demanda por moeda.
Resumindo:
•
•
•
•
Se a oferta monetária aumenta, o nível de preços sobe.
Se a oferta monetária cai, o nível de preços cai.
Se a demanda por moeda cai, sobe o nível de preços.
Se a demanda por moeda aumenta, o nível de preços diminui.
O poder aquisitivo do dinheiro varia inversamente com a oferta de moeda e diretamente com
a demanda por moeda.
A oferta de moeda
Para entender o fenômeno da inflação e para entender também por que se alteram os preços
dos distintos bens e serviços, devemos centrar nossa análise na oferta e na demanda por
moeda. A oferta de moeda é o número total de unidades monetárias existente na economia.
Originalmente, quando a unidade monetária era definida como certo peso de ouro ou prata, o
nome e o peso eram intercambiáveis. Se havia $100 bilhões na economia e a unidade
monetária (o mil-réis, o dólar, a libra) equivalia a 1/20 de onça (peso) de ouro, a oferta
monetária M era então de 5 bilhões de onças de ouro.
À medida que os padrões monetários foram se afrouxando e desvalorizando, conforme se
diminuía o conteúdo metálico da moeda, a oferta monetária aumentava. Uma mesma
quantidade de onças de ouro passava a representar mais dólares, libras, mil-réis.
A desvalorização era um processo relativamente lento. Em geral, somente quando um novo rei
assumia e trocava a efígie da cunhagem das moedas que a paridade da moeda com o metal
podia ser redefinida. Deste modo, este aumento de oferta monetária não ocorria mais do que
uma vez por geração. Como não existia o papel-moeda, os reis tinham de se conformar com a
desvalorização monetária e sua dissimulada tributação dos súditos.
Qual deveria ser a oferta de moeda?
Qual deveria ser a oferta de moeda? Qual é a oferta de moeda ótima? A oferta de moeda M
deveria aumentar, diminuir, ou permanecer constante, e por quê?
Esta pergunta pode parecer estranha, ainda que os economistas a discutam todo o tempo.
Afinal, os economistas não ficam discutindo qual deveria ser a oferta de biscoitos, de sapatos,
de titânio. Não, esse problema fica para o mercado. Por que não se dá o mesmo com o
dinheiro?
Aparentemente, este raciocínio é correto, mas é verdade que a moeda é diferente. Apesar de
a moeda ser uma grande invenção da humanidade, não decorre daí que, quanto mais moeda,
melhor. Se houver mais bens de consumo ou mais fatores de produção, evidentemente haverá
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um bem-estar social maior. Mas o dinheiro não é consumido, ele apenas é transferido do ativo
de uma pessoa para o de outra. Na verdade, se a moeda apenas desempenha uma função de
troca, podemos concordar com os economistas que dizem que uma oferta monetária é tão
ótima quanto qualquer outra. Não importa qual é a oferta monetária; qualquer oferta
monetária pode cumprir a função de meio de troca na economia. Um aumento na oferta de
moeda apenas diminui o poder aquisitivo de cada moeda. Se a oferta de moeda é de 100
bilhões, o aumento para 150 bilhões não trará nenhum benefício social. Uma oferta monetária
pode cumprir as mesmas funções monetárias que qualquer outra.
Responda:
1. O que é a oferta de um bem? E a demanda por um bem? O que é o preço de
equilíbrio?
2. Defina a demanda por moeda. O que determina a demanda por moeda?
3. Defina a oferta de moeda.
4. Ainda que a moeda se ajuste às leis da oferta e da procura como qualquer outra
mercadoria, ela apresenta uma particularidade. Pode-se dizer que quanto mais
dinheiro, mais bem-estar?
5. Por que o nível de preços pode se modificar?
Discussão N° 2: “Anjo Gabriel, o benevolente” (10 minutos)
Anjo Gabriel, o benevolente
Este anjo, com espírito benevolente, deseja à humanidade o melhor. Apenas não entende
nada de economia. Vendo o povo se queixar de não ter dinheiro, ele resolve fazer algo.
Durante a noite, quando todos estavam dormindo, o Anjo Gabriel desceu e duplicou
magicamente a quantidade de dinheiro que todos possuíam. Quando as pessoas acordaram,
encontraram na carteira e nas contas dos bancos o dobro do que antes tinham. Todos
saltaram de alegria, acreditando-se mais ricos. A oferta monetária passou de 100 bilhões para
200 bilhões. Com esse dinheiro excedente, todo mundo saiu gastando. E ao gastar, cresceram
as curvas de demanda individuais.
Responda:
1. O que acontecerá com o nível geral de preços?
2. Quem serão os mais beneficiados neste cenário?
3. A criação de moeda:
a) Beneficia a todos igualmente.
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b) Prejudica a todos igualmente.
c) Beneficia os devedores e prejudica os poupadores.
d) Beneficia os poupadores e prejudica os devedores.
Observação para o Voluntário 1: Deve ser destacado que o maior benefício vai para os que
primeiro começam a gastar o novo dinheiro, enquanto que os mais precavidos que preferem
poupá-lo sairão prejudicados ao utilizar o dinheiro mais tarde.
Discussão N°3: “O valor do dinheiro” (15 minutos)
Essa é uma imagem real, na qual uma mulher queima dinheiro na Alemanha de 1922.
Responda:
1. Por que esta mulher prefere queimar dinheiro para acender seu fogão, em vez de usar
carvão?
2. No
trabalho
de
Hanke-Krus
publicado
pelo
Instituto
Cato
(http://object.cato.org/sites/cato.org/files/pubs/pdf/workingpaper-8.pdf) podemos
ver a partir da página 12 as maiores hiperinflações ocorridas no mundo. A sétima
coluna indica quanto tempo demorava para que os preços dobrassem. Em Taiwan
(1947) os preços duplicavam a cada 51 dias; na Hungria (1945-46) chegaram a fazê-lo a
cada 15 horas. Levando em conta os riscos envolvidos no monopólio da emissão de
papel-moeda, você acredita que o Estado deve ser o único encarregado de imprimir
cédulas?
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Observação para o Voluntário 2: Deve ser ressaltada a importância das expectativas quanto à
inflação futura para a tomada de decisões. Se os agentes esperam inflação alta, consomem
hoje. Se, pelo contrário, esperam que os preços não subam, ou mesmo que caiam, preferirão
adiar seu consumo. Na foto, a mulher queima dinheiro porque a perda de poder aquisitivo foi
tão grande que chegou a ser mais barato queimar dinheiro do que comprar carvão.
Discussão N° 4: Imagine que uma cidade é atingida por um terremoto. O terremoto provoca
destruição, diminuindo, portanto o estoque de capital, o que por sua vez implica em uma
redução da capacidade produtiva da economia e finalmente em uma menor quantidade de
bens à disposição. (10 minutos)
Para auxiliar a discussão, introduziremos uma definição de “capital”.
Capital: Elemento indispensável para a produção, que se encontra constituído em diversos
modos (maquinário, terra, trabalho etc.) para que a produção seja mais efetiva. O capital é
destinado para bens de consumo e bens de serviço.
Responda:
1. O que acontecerá com o nível de preços, aumentará ou diminuirá?
2. Como pode ser melhorada a produtividade da economia?
Discussão N°5: “O dinheiro é sinal de vício ou de virtude?”, de Ayn Rand
Leia o seguinte trecho, extraído do romance “A revolta de Atlas” (1957), de Ayn Rand (19051982, escritora e filósofa americana).
A REVOLTA DE ATLAS
Ayn Rand
- Então você acredita que o dinheiro é a origem de todo o mal? – disse Francisco d’Anconia.
- Alguma vez você já se perguntou qual é a raiz do dinheiro? O dinheiro é um instrumento de
troca, que não pode existir a menos que haja bens produzidos e homens capazes de produzilos. O dinheiro é apenas a forma material do princípio segundo o qual os homens que querem
se beneficiar da divisão social do trabalho, e que desejam, portanto trocar entre si, devem
fazê-lo pela troca de valores iguais. O dinheiro não foi criado para presentear mendigos
suplicantes, nem para ser roubado à força pelos ladrões. O dinheiro só é possível por haver
pessoas produzindo para a sociedade. É isso o que você considera maligno? Quando você
aceita dinheiro em troca do seu próprio esforço, você o faz unicamente sob a convicção de que
poderá trocá-lo pelo produto do esforço de outras pessoas. Não são os apelos dos mendigos,
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ou a violência dos ladrões, que dão ao dinheiro o seu valor. Não é um oceano de lágrimas, nem
todos os canhões do mundo, que podem transformar esses pedaços papel na sua carteira no
pão que você precisa para sobreviver. Esses pedaços de papel, que deveriam ser ouro, são um
título de honra que lhe dá direito à energia das pessoas que produzem. Sua carteira é a
declaração de sua esperança de que em algum lugar deste mundo que o cerca existam homens
incapazes de trair o princípio moral que é a raiz do dinheiro. É isso que você considera
maligno?
Você já parou para pensar nas raízes da produção? Observe um gerador elétrico e atreva-se a
dizer a si mesmo que ele foi criado pelo esforço muscular de bestas irreflexivas. Tente fazer
uma semente de trigo crescer sem os conhecimentos que lhe foram transmitidos por aqueles
que tiveram de descobri-los pela primeira vez. Tente obter seu alimento unicamente com seu
esforço físico e você rapidamente descobrirá o seguinte: a mente humana está na raiz de
todos os bens produzidos e de toda a riqueza que já existiu sobre a terra.
Mas você garante que o dinheiro é feito pelos fortes, às custas dos fracos. A que força você
está se referindo? Não é a força das armas ou dos músculos! A riqueza é produto da
capacidade do homem de pensar. O dinheiro é feito então pelo homem que inventa um motor
às custas dos que não o inventaram? O dinheiro é feito pelo inteligente às custas dos imbecis?
Pelo habilidoso às custas do incompetente? Pelo ambicioso, às custas do preguiçoso? O
dinheiro é feito antes que possa ser roubado ou mendigado; ele é feito pelo esforço de cada
homem honesto, de cada um, até o limite de sua capacidade. O homem honrado é o que sabe
que não pode consumir mais do que ele mesmo produziu.
Realizar uma troca através do dinheiro é o código dos homens de boa vontade. O dinheiro se
baseia no axioma de que cada qual é dono de sua mente e do seu esforço.
O dinheiro não concede à pessoa o poder para decidir qual o valor do seu próprio esforço. Isto
cabe apenas ao juízo voluntário da pessoa que estiver disposta a retribuir dinheiro ao seu
esforço.
O dinheiro apenas permite a você obter, com seus bens e seu trabalho, o que eles valem para
as pessoas que os comprarem, e nada mais. O dinheiro não permite outros tratos, exceto
aqueles realizados em benefício mútuo pelo juízo espontâneo dos que trocam. O dinheiro
exige de você o reconhecimento de que os homens devem trabalhar não por punição, mas
para seu próprio benefício. É para ganhar e não para perder o reconhecimento de que não são
bestas de carga nascidas para transportar o peso de sua miséria; é por conta disso que se
oferece um valor como recompensa, e não um castigo. O laço comum entre os homens não é
um intercâmbio de sofrimentos, mas um intercâmbio de mercadorias. O dinheiro exige que
você venda: não a sua miséria para a força bruta dos homens, mas seu talento para o juízo
racional dos outros. Exige que você compre, não as piores coisas que lhe oferecem, mas o
melhor que o seu dinheiro possa encontrar. E quando os homens vivem com base no comércio
e com a razão e não a força como árbitro decisivo, triunfa o melhor produto, a melhor ação, o
homem de melhor juízo e de maior talento. E o grau de produtividade do homem será
também a sua recompensa. Tal é o código da existência cujo instrumento e símbolo é o
dinheiro. É isso que você tanto condena?
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Mas o dinheiro é apenas um instrumento. Pode levá-lo aonde você quiser, mas não escolherá
por você. Proporciona os meios para satisfazer os seus desejos, mas não define os seus
desejos. O dinheiro é o açoite daqueles que tentam reverter à lei da causalidade, que buscam
usurpar o lugar da razão, apropriando-se dos produtos da razão.
O dinheiro não compra a felicidade para quem não tem o conceito do que deseja; o dinheiro
não cria um código de valores para quem não sabe mais o que valorizar; o dinheiro não dá um
propósito a quem já não sabe o que busca. O dinheiro não pode comprar inteligência para o
burro, admiração para o covarde, ou respeito para o incompetente. O homem que tenta
comprar as mentes de seus superiores, para que estes o sirvam, colocando o dinheiro no lugar
onde deveria estar sua própria argúcia e discernimento, termina por converter-se em vítima
dos seus inferiores. Os homens de inteligência o abandonam, os trapaceiros e farsantes
acodem-no em massa, atraídos por uma lei que ele desconhece: a de que nenhum homem
pode ser inferior ao seu dinheiro.
É essa a razão pela qual você o considera maligno?
Só está pronto para herdar uma riqueza o homem que dela não precisa – o homem que
construirá sua própria fortuna e felicidade, não importando de onde comece. Se um herdeiro
está à altura de seu dinheiro, o dinheiro lhe serve, do contrário, o dinheiro o destrói. Mas as
pessoas dirão, neste caso, que foi o dinheiro quem o corrompeu. É isso mesmo? Não terá sido
ele a corromper o dinheiro? Não invejem um herdeiro indigno; sua riqueza não é a de vocês e
vocês não a haveriam empregado melhor. Não julguem que ela deveria haver sido distribuída
entre vocês. Trazer ao mundo cinquenta parasitas no lugar de um não ajudará em nada a
reviver a virtude morta em que aquela fortuna consistia. O dinheiro é um poder vivente, que
morre sem sua raiz. O dinheiro não servirá a uma mente que não esteja à sua altura. É por isso
que você o chama de perverso?
O dinheiro é o seu meio de sobrevivência. O veredito que você pronuncia acerca da fonte do
seu sustento, é o mesmo que você pronuncia acerca da sua própria vida. Se a fonte é corrupta,
você está condenando sua própria existência. Você adquiriu o dinheiro por fraude? Adulando
os vícios e as estupidezes humanas? Servindo a imbecis com a esperança de adquirir mais do
que a sua habilidade merece? Rebaixando os seus princípios? Realizando tarefas que você
despreza, para clientes por quem sente desdém? Nesse caso o seu dinheiro não lhe
proporcionará nem um momento, nem o equivalente ao valor de um centavo sequer da
autêntica alegria. Tudo o que você comprar se converterá, não em recompensa ao seu favor,
mas em reprimenda; não em triunfo, mas em constante lembrança da vergonha. Então você
vai gritar que o dinheiro é mau. Mau porque não substitui o respeito que você devia a si
mesmo? Mau por que não lhe deixa desfrutar da sua própria depravação? É essa a causa do
seu ódio ao dinheiro?
O dinheiro sempre será um efeito e se recusará a ser colocado como causa. O dinheiro é
produto da virtude, mas não confere virtude nem redime dos vícios. O dinheiro não lhe trará o
que você não mereceu, nem material, nem espiritualmente. É essa a raiz do seu ódio ao
dinheiro?
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Por acaso você disse que o amor ao dinheiro é a origem de todo o mal? Amar uma coisa é
conhecê-la e amar sua natureza. Amar o dinheiro é conhecer e amar o fato de que o dinheiro é
a criação do melhor dos seus poderes internos e o seu passaporte para poder comerciar os
seus esforços pelos esforços dos mais capazes de nossos semelhantes. A pessoa que venderia
sua alma por alguns poucos centavos frequentemente é a que proclama mais alto seu ódio ao
dinheiro; e na verdade tem razão em odiá-lo. Os amantes do dinheiro desejam trabalhar por
ele. Sabem que são aptos a merecê-lo.
Permita-me uma indicação acerca da chave que conduz ao conhecimento do caráter humano.
Quem amaldiçoa o dinheiro, o obteve de maneira desonrosa. Quem o respeita, ganhou
honradamente. Fuja por sua vida daqueles que lhes dizem que o dinheiro encarna o mal. Esta
frase é o sinal que denuncia a proximidade de um ladrão, como antigamente havia um sino
que anunciava a chegada do leproso. Enquanto os homens viverem em comunidade sobre a
terra e necessitarem de meios para tratar uns com os outros, os únicos substitutos para o
dinheiro são o canhão e a arma de fogo.
Mas o dinheiro exige as mais altas virtudes, caso se queira ganhá-lo ou conservá-lo. Aquele
que carece de valor, de orgulho ou de respeito por si mesmo, os que carecem do sentido
moral do direito que possuem ao seu dinheiro e não estão prontos a defendê-lo como se assim
defendessem as suas próprias vidas, e finalmente os que se escusam pelo fato de serem ricos,
não conservarão seu dinheiro por muito tempo. São a presa natural dos ladrões e dos
exploradores que há séculos se escondem sob os mais variados disfarces, mas que mostram
sua índole assim que captam no ar o cheiro de um homem que anseia o perdão pelo pecado
de possuir riquezas. Logo aliviarão este homem de sua culpa e de sua vida como ele bem
merece.
Então será a hora dos homens que militam sob duas bandeiras; aqueles que vivem pela força,
mas que dependem daqueles que vivem do comércio para lhes criar valor ao dinheiro
roubado; homens que são parasitas da virtude. Em uma sociedade moral, eles são os
criminosos e é para proteger-se deles que as instituições se estabelecem.
Mas quando uma sociedade estabelece a existência de criminosos por direito e de ladrões
legítimos, isto é, de homens que utilizam a força para apoderar-se da riqueza de vítimas
desarmadas, então o dinheiro se converte em vingador de quem o criou. Tais malfeitores se
acreditam seguros ao roubar seres indefesos, já que aprovaram uma lei que os desarma. Mas
seu saque se converte em ímã para outros ladrões que logo o arrebatarão com os mesmos
escrúpulos dos primeiros. Então o triunfo caberá não ao mais competente em produção, mas
ao mais impiedoso em sua brutalidade. E quando a força vira a regra geral, o assassino triunfa
sobre o ladrão e a sociedade se desfaz entre chacinas e escombros.
Vocês querem saber se esse dia vai chegar? Olhem para o dinheiro. O dinheiro é o barômetro
das virtudes de uma sociedade. Quando se realizar um comércio, não por consentimento das
partes, mas por coerção; quando, para poder produzir, for necessária a autorização daqueles
que não produzem; quando o dinheiro afluir para aqueles que negociam não em mercadorias,
mas em favores; quando os homens se fizerem mais ricos mediante o suborno e a influência, e
não pelo trabalho, e as leis não protegerem vocês contra eles – muito pelo contrário, pois as
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leis os protegem contra vocês; quando a corrupção for recompensada e a honra for convertida
em sacrifício, vocês podem estar seguros, sem equívoco, de que a sociedade está condenada.
O dinheiro é um meio tão nobre que não disputa com as armas nem pactua com a brutalidade.
Nunca permitirá a um país sobreviver como propriedade de alguns, ou como saque dividido.
Sempre que aparecerem os elementos destruidores entre os homens, eles começarão por
destruir o dinheiro, porque é ele a proteção do homem e a base de uma existência moral. Tais
elementos se apoderarão do ouro, entregando aos donos em troca um monte de papel
falsificado. Isto destrói as regras objetivas e deixa os homens à mercê do capricho de um
pregador de valores. O ouro é um valor objetivo, equivalente a uma riqueza produzida. O
papel é uma hipoteca sobre uma riqueza que não existe, reforçada por uma arma apontada ao
peito de quem se espera que a produza. O papel é um cheque que os ladrões legitimados
passam sobre a conta alheia: é um cheque sobre “A virtude das vítimas”. Aguardem o dia em
que tal cheque retornar com a anotação: “Cheque sem fundo”.
Quando o mal for convertido em meio de sobrevivência, não acreditem que os homens
continuarão sendo bons. Não esperem que eles conservem a moral e percam a vida como
capachos dos imorais. Não esperem que produzam quando a produção é castigada e o roubo
recompensado. Não perguntem: “Quem está destruindo o mundo?” porque serão vocês
mesmos.
Vocês encontrarão essa situação em meio às maiores conquistas da civilização mais produtiva
da história, e lhes perguntarão por que tudo desmorona ao seu redor, quando vocês mesmos
bloqueiam a fonte sanguínea que alimenta a civilização, que é o dinheiro. Contemplem o
dinheiro da maneira que os selvagens faziam antes de vocês, e lhes perguntem por que a selva
está retornando às cidades. Através de toda a história da humanidade, o dinheiro sempre foi o
espólio dos saqueadores de um tipo ou de outro, cujos nomes mudaram, mas cujos métodos
continuam sendo os mesmos: apoderar-se do dinheiro pela força e manter os produtores de
mãos atadas, desonrados e difamados. O que foi dito de pecaminoso sobre o dinheiro e que
vocês repetem com esse ar de virtude irresponsável data da época em que a riqueza era
produzida pelo trabalho dos escravos; e os escravos trabalhavam com a mesma técnica que
alguém inventara séculos antes, e que nunca se dera ao trabalho de melhorar. Enquanto a
produção foi governada pela força e a riqueza foi obtida pela conquista, pouco houve o que
conquistar. Apesar disso, ao longo dos séculos de escassez e de fome, os homens exaltaram os
saqueadores como aristocratas da espada, aristocratas de sangue azul, e mais tarde como
aristocratas do ressentimento, desprezando os produtores primeiro enquanto escravos, logo
como comerciantes, vendedores e industriais.
Para a glória da humanidade, houve pela primeira e única vez na história do mundo um país de
dinheiro e não me é possível fazer uma homenagem maior aos Estados Unidos da América,
porque isto significa: um país onde reinam a razão, a justiça, a liberdade, a produção e o
sucesso. Pela primeira vez a mente e o dinheiro dos homens foram livres, deixou de existir a
fortuna como espólio de conquistas, sendo suplantada pela fortuna como consequência do
trabalho, e em vez de guerreiros e escravos, surgiu ali o verdadeiro artífice da fortuna; o maior
trabalhador, o tipo mais elevado de ser humano: o homem que se faz a si mesmo, o industrial
norte-americano. Se você me pede que nomeie a distinção mais honrosa que caracteriza os
norte-americanos, escolheria a que inclui a todas as outras: o fato de haver sido o povo que
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cunhou a expressão “fazer dinheiro”. Jamais em nenhuma outra língua ou nação havia sido
usada expressão semelhante; os homens sempre pensaram na riqueza como uma quantidade
estática, que podia ser roubada, mendigada, herdada, distribuída ou obtida como favor. Os
norte-americanos foram os primeiros a compreender que a riqueza deveria ser criada. A
expressão “fazer dinheiro” contém a essência da moralidade humana.
Apesar disso, devido a essas palavras, os norte-americanos se viram denunciados pelas
culturas decadentes dos continentes de exploradores. Agora a crença dos ladrões lhes levou a
considerar suas maiores conquistas como motivo de culpa, seus mais eminentes heróis
industriais como vigaristas, suas magníficas fábricas como fruto do trabalho braçal de escravos
movidos pelo chicote, como o foram às pirâmides do Egito. Aquele que finge não perceber a
diferença entre o dólar e o chicote deveria aprender a lição sobre sua própria pele, e creio que
isso sucederá algum dia.
Enquanto não perceberem que o dinheiro é a raiz de tudo que é bom, vocês estarão buscando
sua própria destruição. Quando o dinheiro deixar de ser o instrumento utilizado pelos homens
para efetuar tratos entre si, os próprios homens se converterão em ferramentas uns dos
outros. Sangue, chicotes, canhões... ou dólares. Escolham. Não existe outra opção e o tempo
urge.
Se vocês podem refutar uma frase sequer do que acabo de dizer, muito me agradaria escutálos.
Responda as seguintes perguntas:
1. Que opinião merece a visão da autora quanto ao vício ou à virtude do dinheiro?
2. Que relação existe entre o papel-moeda e o ouro?
3. Qual o risco de que o Estado detenha o monopólio do dinheiro?
Leitura N° 3: “Elementos da demanda por moeda e bancos”, de Murray Rothbard
O MISTÉRIO DOS BANCOS
Murray Rothbard
A demanda por moeda
Vamos analisar os elementos que constituem a demanda por moeda. Já vimos que, ao
aumentar a demanda por moeda, cai o nível de preços. Vejamos como funciona este
mecanismo.
O primeiro componente da demanda por moeda é:
1. A produtividade da economia
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Isto é, a oferta de bens e serviços.
Antes de incorporarmos o dinheiro ao nosso patrimônio, precisamos adquiri-lo através da
troca. Em outras palavras, devemos vender bens e serviços que produzimos para comprar
dinheiro. Deste modo, se aumenta a oferta de bens e serviços na economia, também aumenta
a demanda por moeda. Uma maior oferta de bens aumentará a demanda por moeda com o
que o nível de preços diminuirá.
Historicamente, a oferta de bens e serviços tem crescido a cada ano. Esta tendência pela
queda dos preços foi muito forte desde meados do século XVIII até os anos 1940, com
exceções apenas para os períodos de guerra. Apesar dos aumentos na oferta monetária,
durante este período, a oferta de moeda foi compensada pelo enorme aumento na oferta de
bens, consequência da revolução industrial. Somente durante as guerras, quando os governos
puseram-se a imprimir o máximo de dinheiro possível para pagar o esforço de guerra, que o
aumento na oferta monetária superou os efeitos da produção crescente e provocou altas nos
níveis de preços.
2. Frequência de pagamentos
A demanda por moeda também é afetada pela frequência com que os agentes recebem seus
salários e remunerações.
Suponhamos que João cobra R$ 12.000,00 por ano ou R$ 1.000 por mês, do mesmo modo que
Pedro. Mas João recebe seu ordenado na base de R$ 1.000 por mês, enquanto Pedro recebe
semanalmente R$ 250. Isto fará alguma diferença na situação econômica de cada um?
Suponhamos que eles ressarcissem pontualmente no primeiro dia do período de
assalariamento e que ambos gastem seu dinheiro de maneira uniforme ao longo dos dias, para
terminar de gastar o salário na véspera do dia de pagamento.
João
Dia
1
2
3
…
30
1
Renda
1000
0
0
…
0
1000
Ativo Monetário
1000
967
934
…
0
1000
Seu ativo monetário médio no mês é de R$ 500: (dia 1 + dia 30) / 2 = (R$ 1.000 + R$ 0) / 2 = R$
500
Pedro
Dia
1
2
3
Renda
250
0
0
Ativo monetário
250
215
180
18
…
7
1
…
0
250
…
0
250
Seu ativo monetário médio no mês é de R$ 125: (dia 1 + dia 7) / 2 = (R$ 250 + R$ 0) / 2 = R$
125
Em outras palavras, ainda que ganhem o mesmo, João possui em média 4 vezes mais dinheiro
consigo do que Pedro. Como Pedro é pago com uma frequência 4 vezes maior, só conserva
consigo ¼ do valor.
A demanda por moeda se relaciona, portanto não apenas com o nível de preços, mas também
com a frequência dos pagamentos. Quanto mais esporádico é o pagamento, mais moeda se
conserva ao longo do período, e por isso maior é a demanda por moeda. Se a frequência de
pagamentos na sociedade se altera, altera-se também a demanda por moeda. Se o salário era
pago uma vez por mês e passa a ser pago em duas parcelas, a demanda por moeda cai. Se a
frequência era semanal e passa a ser mensal, aumenta a demanda por moeda, com o que o
nível de preços sofre uma pressão descendente.
Na realidade, alterações na frequência de pagamentos da sociedade são muito raras. Queremse determinar as causas fundamentais da inflação, suas raízes não podem estar em alterações
na frequência dos pagamentos. É verdade que, no Brasil, ao longo dos anos 1980 e até o Plano
Real, a frequência dos pagamentos foi bastante encurtada devido à rápida corrosão do poder
aquisitivo da moeda. Se bem que isto causasse redução da demanda por moeda e
consequentemente pressão ascendente sobre os preços, tal mecanismo surgiu apenas em
resposta à conjuntura inflacionária, não podendo ser visto como sua causa fundamental.
3. Sistemas de compensação
Enquanto isso há outro fator causal que somente pode diminuir a demanda por moeda ao
longo do tempo: são os novos métodos para economizar a necessidade de reter moeda
enquanto ativo.
Um exemplo são os sistemas de compensação, que funcionam da seguinte maneira:
imaginemos o caso em que cada um de nós deve R$ 10 à pessoa à sua esquerda, e o último da
fila deve R$ 10 ao primeiro da fila, e que cada uma dessas dívidas deve ser paga no dia 1º de
junho. Ora, é evidente que todas essas dívidas podem cancelar-se umas às outras, sem que
haja necessidade de transação de R$ 1 real sequer. Se houvesse um mecanismo instituído para
encontrar e saldar as dívidas umas pelas outras, não necessitaríamos reter tanto dinheiro e a
demanda por moeda cairia. Qualquer mecanismo que reduza nossa necessidade de dinheiro
para realizar transações reduz a demanda por moeda.
Outro exemplo são os cartões de crédito. Contrariamente ao que normalmente se assume, os
cartões de crédito não são dinheiro. Se pago a conta do jantar de R$ 20,00 com meu cartão
Mastercard, isso não constitui o pagamento final da transação. Se eu houvesse pagado com
uma nota de R$ 20,00, a transação teria terminado ali. Mas ao pagar no cartão, deverei
posteriormente pagar à operadora do cartão, através do meu banco, os R$ 20,00 que devo,
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mais eventuais taxas. O cartão de crédito, portanto, não é dinheiro, e não constitui parte da
oferta de moeda. O pagamento pelo cartão de crédito na verdade realiza duas transações de
crédito simultâneas: a operadora do cartão assume a dívida com o restaurante, e eu assumo
uma dívida com a operadora do cartão.
Por isso é preciso entender que o cartão de crédito não é parte da oferta de moeda; ele é
simplesmente um sistema de crédito que adia a necessidade de moeda. No entanto, ao me
permitir andar com pouco dinheiro na carteira, ele reduz minha demanda por moeda, o que
provoca uma pressão ascendente no nível de preços. Ainda assim, não é uma alteração
recorrente na demanda por moeda, mas apenas um impacto pontual durante a passagem para
o cartão, não podendo, portanto ser responsável pelas pressões inflacionárias constantes em
longo prazo.
4. Confiança na moeda
Algo que não se pode tocar, mas que tem uma forte influência sobre o valor do dinheiro, é a
confiança do público na moeda. São necessários anos e anos para construir essa confiança,
sempre sob o risco dela ser rapidamente destruída por um governo inescrupuloso.
No século XII, o Império Mongol na Ásia passou decretos extremamente coercivos obrigando
as pessoas a aceitarem sua emissão de papel-moeda. No entanto, como o público não tinha
nenhuma confiança no valor daquele dinheiro, a demanda por moeda era zero e a experiência
não avançou. Já na China, foram necessários três séculos de um reinado estável para que
experiências com papel-moeda fossem bem sucedidas, conforme aumentava a confiança do
público no valor do dinheiro impresso e ele começava espontaneamente a circular.
A confiança no valor do papel-moeda, ao contrário do ouro ou da prata que possuem um valor
de mercado internacional, é potencialmente muito volátil. Se o governo começa a passar
reformas extremamente radicais na economia, ou se estoura uma crise ameaçando a
estabilidade econômica do país, ou mesmo se o governo se envolve em conflitos militares com
resultados desastrosos, a confiança do público na moeda despencará, e com ela a demanda
por moeda.
Ainda assim, este fator só é importante em tempos de crise; em tempos normais, a confiança
do público e seus efeitos sobre a demanda por moeda e sobre o nível de preços se mantêm
constantes.
5. Expectativas inflacionárias ou deflacionárias
Já tratamos de determinantes pontuais da demanda por moeda (alterações na frequência dos
pagamentos, sistemas de compensação), remotos (confiança na moeda) e graduais (oferta de
bens e serviços). Chegamos agora ao mais importante fator na determinação da demanda por
moeda: são as expectativas do público relativas ao que vai acontecer no futuro próximo com o
nível de preços.
Em geral, as expectativas se baseiam em estatísticas anteriores e no comportamento passado
da economia. Se os preços têm sido estáveis, o público esperará um comportamento similar
20
no futuro e a demanda por moeda se manterá estável. Se, no entanto, o público espera que as
condições mudem, a demanda por moeda refletirá essas expectativas.
Nas economias de relativo livre mercado e moeda estável do século XIX, as expectativas eram
de que os preços iriam cair ano após ano. Se sabemos que os preços irão cair 3% no ano que
vem, adiaremos nossas compras e conservaremos o dinheiro até lá. Estas expectativas
deflacionárias, portanto, aumentam a demanda atual por moeda, e por isso aceleram a
própria queda dos preços.
Se, por outro lado, os agentes antecipam grandes aumentos na oferta de moeda, que deverão
resultar em uma pressão ascendente sobre os preços, essas expectativas inflacionárias os
fazem adiantar seus gastos para hoje, reduzindo a demanda atual por moeda. Fazemos as
compras antes que os preços aumentem, e esta queda na demanda por moeda diminui ainda
mais o seu poder aquisitivo, aumentando os preços.
Quanto maiores as expectativas, maiores seus efeitos sobre os preços: ainda assim, as
expectativas são sempre uma reação a algum estímulo; não são uma força independente.
Qual é o fator independente então? É o nível de oferta monetária, determinado pelo governo.
Na Alemanha, em 1923, o governo alemão havia triplicado a oferta monetária, abandonando o
padrão-ouro, pelo qual deveria haver uma paridade fixa de conversão entre a moeda alemã, o
marco, e certo peso em ouro. Inicialmente os preços subiram com cautela, imaginando que a
alta se devia às consequências da guerra de 1914. A expectativa do público era de que estes
distúrbios eram temporários, e que os preços logo retornariam ao nível anterior. Expectativas
deflacionárias aumentavam a demanda por moeda, e a expansão na oferta era compensada
pela maior retenção de dinheiro. Enquanto isso, o governo procurava resolver sua crise
orçamentária imprimindo cada vez mais dinheiro; se os preços reagiam pouco, esta parecia ser
a solução miraculosa para o seu financiamento. Aos poucos, no entanto, a opinião do público
se modifica: os preços antigos não vão voltar, os aumentos vão continuar acontecendo e ano
que vem tudo será mais caro. As expectativas inflacionárias começam a intensificar a inflação
conforme cai a demanda por moeda. Logo, os preços sobem mais rápido do que aumenta a
oferta monetária, e o governo, desesperado, imprime mais e mais desse dinheiro sem valor, e
a espiral inflacionária sai do controle.
As expectativas do público passam então a ser de hiperinflação. O dinheiro já não tem valor
algum, e todos tentam gastá-lo o mais rápido possível, comprando qualquer bem que não se
desvalorize nesta velocidade impressionante. Em 1923, os trabalhadores alemães chegaram a
ser remunerados duas vezes por dia; a economia regredia ao escambo ou à moeda
estrangeira; a produção era abandonada em favor da especulação.
Se, em 1914, 1 dólar equivalia a 4 marcos, em outubro de 1923, equivalia a 25,3 milhões de
marcos; em novembro, a 420 milhões. A solução foi uma drástica reforma monetária e um
controle rígido das necessidades orçamentárias do governo, restringindo a partir daí a oferta
de moeda. No Brasil, o Plano Real muito se inspirou na experiência da estabilização alemã.
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A chave está em como o governo reage quando os preços começam a subir mais rápido do que
a oferta monetária está aumentando. Com os preços mais altos, os agentes sentem
necessidade de mais moeda; frente à escassez de dinheiro, o público pressiona o governo por
uma oferta monetária maior. Se o governo não cede e permite que ocorra uma recessão
devido aos preços altos (originalmente causados pela emissão excessiva do governo), as
expectativas inflacionárias são contidas e os preços baixam. Se, pelo contrário, o governo
injeta mais dinheiro na economia, desencadeia-se a espiral inflacionária.
Vimos que o nível de preços é determinado pela oferta monetária e pela demanda por moeda;
e que a oferta monetária, hoje monopólio estatal, é a principal força causadora da inflação.
Bancos como instituições de depósito
1. Recibos de armazém
Os bancos, enquanto instituições de depósito, onde o público cria contas e deposita seu
dinheiro, têm uma origem totalmente diferente dos bancos enquanto instituições de crédito,
aonde o público vai para pedir empréstimos. É um azar que ambas as instituições hajam
recebido esse mesmo nome: bancos.
Os bancos de crédito foram uma forma de canalizar recursos poupados para empréstimos
produtivos, e ganhar juros em cima destas transações. Já os bancos de depósitos surgiram
como uma conveniência para os proprietários de ouro e prata, amedrontados pela
possibilidade de roubos. Preferiam depositar suas fortunas tanto por questões de segurança
como de praticidade, já que o metal era pesado e de difícil transporte.
Os bancos eram lugares onde se podia deixar o ouro seguro. O depositante deixava ali seu
ouro depositado e recebia um recibo, um certificado de depósito, no qual constava que podia
recuperar o ouro contra a apresentação do papel.
Com o passar do tempo, muitos bancos de depósito ganharam reputação de segurança e
honestidade, e os certificados de depósito que eles emitiam começaram a ser transacionados
diretamente sem a necessidade de haver efetivamente o saque do ouro depositado. A oferta
monetária não fora alterada, apenas sua forma se modificara.
Suponhamos que a oferta monetária de um país é de 100 milhões. Destes, 80 milhões estão
depositados nos bancos, em nome dos quais foram emitidos certificados para os respectivos
proprietários; os outros 20 milhões circulam como moedas de ouro. A oferta monetária
continua sendo de 100 milhões.
O banco de depósito recebia certa taxa com base no tempo que o depósito permanecesse no
banco. Não se trata de um empréstimo, nada foi emprestado. Somente ocorreu o depósito de
certo bem; um serviço foi contratado.
Em uma operação de crédito, o credor entrega um bem presente (R$ 100) e recebe um bem
futuro (pagamento de R$ 100 daqui a tanto tempo). Como se atribui um valor maior ao bem
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presente do que ao bem futuro, o devedor deverá também pagar uma compensação, o juro,
pelo empréstimo.
O depósito, no entanto, funciona de maneira distinta. O dinheiro deve ser devolvido no
momento em que o depositante apresentar seu recibo – que pode ser quando ele bem desejar
– e não em uma data determinada no futuro. O banco não paga ao depositante, mas
justamente o contrário, o depositante paga ao banco, por haver guardado sua propriedade.
Bancos de depósito, ou armazéns de riquezas, eram bem conhecidos na Grécia antiga e no
Egito; apareceram em Damasco, na Síria, no século XIII e em Veneza, na Itália, no século XIV.
Nos séculos XVII e XVIII, tinham grande importância em Hamburgo, na Alemanha, e em
Amsterdam, na Holanda. Na Inglaterra, os bancos de depósito só apareceram em meados do
século XVII. Os comerciantes até então guardavam seu ouro na Torre de Londres, onde estava
instalada a Fundição Real (equivalente à nossa Casa da Moeda), mas em 1638 o rei Carlos I lhes
confiscou £ 200.000 como “empréstimo dos depositantes”. Ainda que posteriormente os
comerciantes tenham recebido o dinheiro de volta, a partir de então não confiavam mais
nessa instituição e passaram a depositar seu ouro em bancos de depósito privados. 5
Toda pessoa está sujeita à tentação de roubar, e o dono do banco de depósito não é exceção.
Ele pode simplesmente fugir do país com o ouro e as joias depositados e usufruir dessa riqueza
longe dos proprietários originais. Por outro lado, o que é mais interessante, ele pode roubar ou
tomar emprestado “temporariamente” o ouro depositado, tirando proveito desta
especulação, sem que o proprietário original jamais chegue a saber que seu ouro não ficou
guardado esse tempo todo, mas circulou rendendo juros ao banco. Isto é, o armazém pode se
apropriar daquilo que foi deixado aos seus cuidados.
O problema para o especulador do armazém é que o depositante pode decidir sacar sua
propriedade a qualquer momento. Contudo, para armazéns onde o depositante não está
interessado em sacar aquele bem específico que ele depositou, mas qualquer bem do mesmo
tipo do depositado, a possibilidade de especulação é muito maior. Isto ocorre no caso de
mercadorias como grãos, onde o recibo de depósito é genérico para determinada quantidade
de grão, e não para sacas de grão específicas; o armazém estoca então todas as sacas de grão
em um mesmo silo. Neste caso, tudo o que o dono do depósito precisa é calcular qual a
porcentagem do grão que será provavelmente sacada no próximo ano para poder emprestar
ou especular com o restante durante este período. Ainda que tudo isto seja ilícito, ele poderá
imprimir mais recibos falsos e comerciar com eles, isto é, falsificar certificados.
2. Bancos de depósito e fraude
O único que importa para o depositante é receber moedas de igual valor e peso. A tentação é
grande para o banqueiro, já que o depositante raramente pede seu ouro. O banqueiro pode
estimar, por exemplo, que somente 15% dos recibos serão sacados no próximo ano, e por isso
ele pode emitir recibos falsos (isto é, certificados de depósito sem lastro mas sacáveis à vista)
5
No início do governo Collor, o plano de estabilização bloqueou o saldo de todas as contas bancárias no
país acima de um certo valor, gerando efeitos ruinosos sobre a confiança do público em depósitos no
país.
23
pelos 85% restantes com pouco risco de ser descoberto. Os ourives ingleses – artesãos que
trabalhavam com ouro, que estão na origem das fundições de moeda – descobriram esta
possibilidade extremamente lucrativa e começaram a oferecer aos depositantes juros, para
poder emprestar ainda mais seu dinheiro. Os depositantes, por sua vez, acreditavam que
sempre poderiam contar com o ouro no banco. Enquanto isso, havia tantos recibos emitidos
que para cada moeda havia duas pessoas que poderiam sacá-la, a qualquer momento, se
assim desejassem.
Esta situação foi muito comum na China do século IX ao século XI e na Veneza dos séculos XIV
a XVI. Por que os bancos não quebravam, não eram acusados de fraude e condenados?
Simplesmente porque a lei bancária era ainda pior do que a lei dos depósitos em geral, e dizia
que o depósito de moeda não era uma caução, mas uma dívida do banco com o depositante.
Assim sendo, o processo fraudulento que descrevemos não constituía roubo da propriedade
alheia (a caução), mas inadimplência de uma dívida, delito que não era punido com prisão.
Ao longo do tempo, foram surgindo casos jurídicos questionando esta aplicação da lei. Em
1811, na Inglaterra, no caso Carr vs. Carr, a côrte decidiu que os depósitos se enquadravam
como dívidas: como as moedas não haviam sido depositadas em uma bolsa separada nem
identificadas, convertiam-se assim em um empréstimo. Em 1816, no caso Devaynes vs. Noble
argumentou-se que o banqueiro era mais um depositário do que um devedor, posto que o
dinheiro poderia ser sacado a qualquer momento. Contrariando a legislação de armazéns de
grão, no entanto, o juiz ainda decidiu pelo enquadramento como dívida.
O caso clássico ocorreu em 1848, Folley vs. Hill and Others, onde o dinheiro depositado foi
definitivamente considerado dívida e os bancos receberam carta branca para reemprestá-lo o
quanto quisessem. Ainda que o dinheiro seja deixado com o banqueiro sob custódia, este pode
especular ou fazer o que bem entender, e se não puder cobrir suas obrigações contratuais, é
uma pessoa insolvente e não um ladrão.
É esta a origem do Sistema de Reserva Fracionária que pode ser responsabilizado em grande
medida pela inflação dos últimos séculos. As côrtes ainda não chegaram a uma conclusão final
se um depósito (dinheiro deixado sob a guarda do banco) constitui ou não um investimento
(adquirir uma propriedade em troca de um bem futuro). Mas se é um investimento, como
entender os aspectos de proteção do patrimônio e de resgate do ativo sob demanda?
Se é verdade que os depósitos são dívida, por que o mesmo raciocínio não é aplicado aos
outros bens fungíveis 6 como o trigo? Por que os certificados de depósito de trigo não são uma
dívida do armazém? Por que esta inconsistência na lei, que concede uma exceção peculiar às
atividades bancárias?
3. Sistema de Reserva Fracionária
A carta branca que os bancos de depósito receberam para falsificar e multiplicar os
certificados de depósito à vista teve muitas consequências:
6
Bens fungíveis são os bens que são consumidos em seu uso; que o proprietário deixa de possuir ao
utilizar. Neste sentido, cadeiras não são fungíveis, mas a gasolina é; e a moeda é caracterizada como um
bem fungível, cujo uso requer que o proprietário se desfaça dela.
24
1. O depósito passou a entrar no balanço patrimonial do banco, como uma dívida.
2. Enquanto durar o depósito, o ouro e a prata depositados são ativos do banco, a ser
restituídos supostamente como dívida, ainda que sob demanda do cliente, a qualquer
momento.
Vejamos como se estrutura o balanço patrimonial 7 do banco de depósito:
Banco de Depósito
Ouro no cofre
50.000
Certificados de depósito de
ouro
50.000
Ativo total
50.000
Passivo total
50.000
Até aqui ainda não houve fraude e não foi criada inflação. O certificado de depósito do cliente
Pedro pode ser sacado a qualquer momento. A única peculiaridade deste depósito é que, em
vez de ser considerado caução sob custódia, é considerado um ativo obtido por
endividamento, como se Pedro houvesse emprestado ao banco.
Chamaremos de reservas ao montante de ouro no cofre do banco que respalda os certificados
emitidos. Até aqui esta forma bancária se chama Sistema Bancário de Reserva Integral porque
o banco respalda todos os certificados com reservas.
Reservas
‘
Certificados emitidos
=
$ 50.000
$ 50.000
=
100%
Até aqui, a oferta monetária não foi alterada. Se a oferta monetária é equivalente a 100
milhões em moedas de ouro dos quais 70 milhões foram depositados, temos 30 milhões em
ouro + 70 milhões em certificados de depósito à vista formando a oferta monetária total de
100 milhões.
Eis que intervém a tentação do banqueiro de cometer fraude ou inflação. É a tentação do
sistema de reserva fracionária, onde as reservas bancárias respaldam apenas uma fração dos
certificados emitidos. Não faz diferença se o ouro depositado for ele próprio reemprestado ou
se forem emitidos em seu nome certificados extras; o que ocorre é que o banco de depósito se
torna um banco de crédito, mas não empresta dinheiro próprio ou o dinheiro que tomou
emprestado, mas toma o dinheiro alheio e o empresta sem que seu credor saiba do risco que
corre. É o sistema de reserva fracionária, no qual há mais certificados do que reservas; há mais
direitos de saque à vista do que reservas para serem sacadas.
Ouro no cofre
Empréstimos a receber
Ativo total
Banco de Depósito
50.000
Certificados de depósito de
ouro
70.000
120.000
Passivo total
7
120.000
120.000
Em contabilidade, a Conta T, que tem esse nome devido ao seu formato, dispõe na coluna à direita as
origens dos recursos (o Passivo), e na coluna da esquerda os seus destinos (o Ativo). O valores totais de
cada coluna necessariamente são iguais.
25
Foram emitidos $ 70.000 de certificados falsos e a oferta monetária aumentou dos $ 50.000
originais para $ 120.000.
Reservas
‘
Certificados emitidos
=
$ 50.000
$ 120.000
=
42%
O sistema de reserva fracionária é fraudulento e inflacionário. Quanto menor for a fração da
reserva, maior será a quantidade de dinheiro novo emitido. Mas de onde veio esse dinheiro?
Ele veio – e isso é o mais importante a saber sobre o sistema bancário moderno – de lugar
nenhum! Os bancos comerciais, ou seja, os bancos de reserva fracionária, criam dinheiro do
nada do mesmo modo que os falsificadores o fazem. A diferença é que a lei não trata seus
certificados emitidos como fraude; ainda assim, é deste modo que eles extraem recursos de
gente honesta e trabalhadora.
O erro do sistema de reserva fracionária está em que não se respeita uma regra básica de todo
comércio: a estrutura temporal do ativo não deve ser maior que a do passivo.
Se devo 1 milhão para 1º de janeiro de 2025 e 5 milhões para 1º de janeiro de 2030, preciso
juntar dinheiro para essas datas. O mais conveniente é que a estrutura temporal dos ativos
seja igual à dos passivos; se possível, mais curta. Planejarei de modo a possuir 1 milhão no
ativo em 1º de janeiro de 2025, senão antes, e 5 milhões em 1º de janeiro de 2030, o quanto
antes melhor.
Contudo, os bancos de depósito não observam esta regra. Seus certificados de depósito (que
são tratados como dívidas, isto é, passivo) são de resgate imediato sob demanda; enquanto os
empréstimos feitos pelo banco não o são. Assim, os ativos do banco possuem uma estrutura
temporal maior do que seus passivos, que podem ser resgatados a qualquer momento.
Em outras palavras, o banco está sempre potencialmente falido; se uma parcela de tamanho
suficiente dos depositantes vier sacar seus depósitos, o banco quebra.
Esta lógica funciona do mesmo modo não importando que tipo de moeda esteja em uso, seja
ouro, prata ou mesmo papel-moeda. O sistema funciona da mesma maneira: o banco cria
dinheiro novo (certificados sacáveis sobre o depósito alheio, cheques, notas promissórias) e o
empresta, por exemplo, para um empresário, que compra máquinas; o comerciante que lhe
vendeu as máquinas agora usa o dinheiro para comprar matérias-primas, pagar salários etc. A
oferta monetária se expande, e por isso os preços sobem. Quanto mais extenso for o sistema
bancário e mais dinheiro novo tenha sido injetado na economia, maior será o efeito nos
preços.
Aqui acontece algo que deve soar familiar: os que recebem o dinheiro novo primeiro se
beneficiam mais, às custas dos que recebem o dinheiro por último ou dos que nunca chegam a
recebê-lo. O banqueiro se beneficia e também aquele que recebe o empréstimo. Desta forma,
o sistema de reserva fracionária é inflacionário e ajuda alguns às custas de outros.
26
Além destes problemas, equivalentes aos criados por falsificadores ou por um governo
imprimindo moeda sem controle, o crédito bancário não está sempre em expansão, sofrendo
muitas vezes severas contrações.
Por exemplo: suponhamos que os empréstimos de $ 70.000 a Pedro tivessem prazo de 2 anos.
Ao final deste período, Pedro deve pagar o principal da dívida mais uma taxa de juros, que por
ora trataremos como nula. Pedro paga os $ 70.000 com os certificados de depósito do próprio
banco. O banco não volta a emitir estes certificados excedentes sobre suas reservas, e a oferta
monetária se contrai em $ 70.000.
Banco de Depósito
Ouro no cofre
50.000
Certificados de depósito de
ouro
50.000
Ativo total
50.000
Passivo total
50.000
A contração da oferta monetária provoca pressão deflacionária sobre os preços, que tendem a
cair.
Na realidade, o crédito não se contrai porque os bancos logo reemprestam os certificados
excedentes, mas sempre há a possibilidade da contração. Quando ocorrem corridas bancárias,
da mesma maneira os bancos interrompem seus empréstimos; recebem seus certificados
emitidos e não os reemitem; e a pressão deflacionária resulta finalmente em recessão.
Em regime de padrão-ouro, a oferta monetária não pode ser reduzida, pois o ouro não pode
ser queimado. Na verdade, o mesmo se pode dizer da moeda fiduciária, o papel-moeda: o
governo só pode embolsar as cédulas que recebe se mantiver um superávit orçamentário
expressivo (o que raramente é o caso). O único sistema que produz tantas oscilações na oferta
de moeda é o sistema fracionário, porque quanto mais expande o crédito, mais riscos assume.
Estamos vendo aqui as raízes dos misteriosos ciclos econômicos que começaram a partir de
meados do século XVIII.
O ciclo econômico sempre tem início com a expansão inflacionária do crédito bancário: é este
o seu mecanismo de ignição. A expansão creditícia do banco derruba a taxa de juros na
economia (barateamento dos empréstimos) e provoca aumentos de preço nos setores
irrigados pela criação de dinheiro, provocando um boom econômico – cujo suporte é esta
tributação mascarada que prejudica a todos para quem o novo dinheiro não chegou.
Quanto maior a expansão, mais provável é a contração futura, quando os créditos e os
investimentos forem cancelados, vierem as quebras bancárias e os preços caírem em processo
de deflação.
Mas atenção: para o banco não é simples fazer o público aceitar seus certificados em vez das
moedas de ouro. Ele precisa criar uma boa reputação, e isto pode levar décadas. Tem de ter
fama de que seus depósitos podem ser sacados imediatamente sob demanda, e isso não se
ganha da noite para o dia.
27
Responda às seguintes perguntas:
a) Explique brevemente os elementos da demanda por moeda.
b) Qual a diferença entre um Banco de Crédito e um Banco de Depósitos?
c) Que riscos envolve um sistema fracionário de reservas?
Leitura N°4: “Pluralidade bancária e os limites para a inflação do crédito” e “Qual é o melhor
sistema bancário?”, de Murray Rothbard.
O MISTÉRIO DOS BANCOS
Murray Rothbard
Pluralidade bancária e os limites para a inflação do crédito
Vamos assumir a partir de agora que os bancos recebem carta branca para tratar os depósitos
que recebem como dívidas e não como cauções, isto é, propriedade alheia sob sua custódia.
Definimos um sistema de Pluralidade Bancária (ou, na expressão em inglês, um sistema de
Free Banking) como o sistema onde os bancos são tratados como qualquer outro negócio no
mercado, não estando sujeitos a nenhum controle ou regulação governamental especial e
sendo a entrada no negócio livre. Só há uma regulação: o banco deve pagar suas dívidas ou
será declarado insolvente, sendo então eliminado do mercado. Em resumo, em um sistema de
pluralidade bancária os bancos são livres inclusive para manter reservas fracionárias. Apenas é
preciso que resgatem seus certificados de depósito, cheques e notas promissórias emitidos
pontualmente, ou serão forçados a fechar as portas e liquidar seus ativos. Os defensores da
instituição do Banco Central sustentam que em um sistema de pluralidade bancária a atividade
sairia de controle, e haveria inflação desmedida. Veremos a seguir que limites intrínsecos
envolve um sistema de pluralidade bancária para controlar a expansão inflacionária do crédito.
Primeiro Limite: Se meu banco emite certificados sem respaldo em reservas, como foi fazer
para que o público os aceite? Por que as pessoas iriam confiar em um banco novo, que acaba
de surgir? O banco tem de cultivar uma reputação por anos a fio, sempre compensando suas
obrigações pontualmente sob demanda.
Segundo Limite: Outro limite é a medida em que as pessoas irão utilizar notas e cheques em
suas transações. Se as pessoas insistem em utilizar ouro e prata ou algum outro meio de
pagamento, o crédito bancário é limitado.
Terceiro Limite: A corrida bancária. Ocorre quando os clientes de um banco (seus depositantes
em conta-corrente ou simplesmente os detentores de notas e cheques por ele emitidos)
perdem a confiança nele e suspeitam que o banco pode não ter reservas suficientes para lhes
pagar. Com isto em mente, correm ao banco para sacar seu dinheiro; outros imediatamente
28
seguem o exemplo e, como o sistema fracionário é inerentemente um sistema insolvente, a
corrida bancária termina por obrigar o banco a fechar.
Isto ocorreu muito nos EUA em 1930, como consequência da crise de 1929. Se o boato se
espalha, os depositantes formam fila no banco para sacar seus depósitos; isto aumenta o
pânico, pois todos sabem que não haverá reservas suficientes, então correm para não serem
os últimos a sacar seus fundos. É uma profecia autorrealizável. Historicamente, o pânico das
corridas bancárias tiveram muitas vezes efeito dominó e provocaram a quebra simultânea de
vários bancos.
Vimos que o sistema de reserva fracionária provoca a expansão do crédito e da oferta
monetária, com cada vez menor respaldo em reservas; chega um momento em que surge no
público a desconfiança quanto à compensação garantida de suas notas e certificados de
depósito, começa a haver saques; se o banco demonstra sinais de insolvência, limita seu
crédito e toma medidas defensivas, o boato se confirma e todos correm a sacar; o banco agora
não tem mais como resistir à corrida bancária, declara falência, e o pânico se espalha no
sistema, provocando outras corridas etc. Este é o ciclo econômico cujas raízes estão no sistema
de reserva fracionário, que causou a crise de 1929, e que, em uma forma mais complexa, mas
baseado no mesmo princípio, resultou também na crise de 2008.
Quarto Limite: a limitada clientela de cada banco. Além do limite da corrida bancária, há um
limite muito mais efetivo: se o mercado é livre, a clientela do banco é sempre extremamente
limitada. Os clientes do banco adquirem notas e certificados de depósito e as gastam com
pessoas que não são clientes do banco; estas, por sua vez, virão ao banco converter esses
bilhetes, o que impedirá o banco de alavancar-se a um nível excessivo.
Qual o melhor sistema bancário?
Qual o sistema bancário mais consistente com uma sociedade livre, uma sociedade de LaissezFaire? O sistema de reserva fracionária ou o sistema de reserva integral? A discussão é
importante, porque não se tratam de formalidades, mas sobre os fundamentos da atividade
econômica. Ambos os lados invocam os mesmos princípios econômicos e morais, e ainda assim
ambas as propostas estão em oposição.
Na realidade, ambas as posições são corretas se analisarmos a questão sob a perspectiva
adequada. Vejamos quais são os argumentos de cada lado:
Os defensores da reserva 100% advogam que, em uma sociedade livre, o uso da força está
proibido. Este argumento também é sustentado pelos defensores do sistema de pluralidade
bancária, o free banking. A fraude, sendo uma forma de utilização da força, deve ser declarada
ilegal. Como o sistema de reserva fracionária promete pagar sob demanda cifras maiores do
que as que conserva como reserva, essa promessa é uma fraude.
Enquanto isso, os defensores do sistema de reserva fracionária sustentam que, em um
mercado livre, qualquer pessoa pode fazer o que bem entender, desde que não se utilize da
força contra as outras pessoas. E isto inclui a atividade bancária. Se um banco emite notas sem
100% de lastro, e as pessoas as aceitam voluntariamente, que direito poderia ser invocado
29
para proibi-lo? O que ocorrerá é que as notas com pouco respaldo em reservas terão uma
aceitação reduzida, por vezes envolvendo descontos sobre seu valor de face, em comparação
com as notas com maior respaldo. Uma promessa de pagamento ao portador não precisa estar
integralmente respaldada a todo momento. Se fosse assim, a promessa de pagamento de um
indivíduo sem recursos, mas que está prestes a recebê-los seria tão culpável de fraude quanto
os bancos com reservas fracionárias. A conclusão dos apologistas da reserva fracionária é que
não há, em princípio, diferença relevante entre a falta de respaldo de uma promessa de
pagamento e de uma nota com reserva fracionária.
Resumindo: os defensores da reserva integral consideram a reserva fracionária como fraude.
Os defensores da reserva fracionária consideram a obrigação do respaldo em 100% como uso
da força e intervenção ilegítima. Ambos acusam o outro lado de violação moral.
Esta polêmica surge porque não temos um conceito claro do que é um banco. Os bancos hoje
desempenham muitas funções:
1. Por um lado, servem como guarida para o capital.
2. Por outro lado, são emprestadores.
O impasse se origina da confusão destas duas funções. O sistema atual pretende por um lado
garantir a segurança de 100% dos depósitos, ao mesmo tempo em que pretende empregar um
método de reserva fracionária para garantir a oferta de crédito.
A função do banco de depósito
Em livre mercado, quem deseja proteção para seu dinheiro deve pagar por isto. É o mesmo
que possuir um cofre, é uma despesa que envolve um custo. Aqueles que desejam este serviço
em um livre mercado deveriam depositar seu dinheiro em um banco onde este seria guardado
à chave; receberiam em troca um recibo ou um cheque e deveriam pagar uma taxa pelo
serviço.
Os recibos e cheques circulariam como substitutos do dinheiro integralmente respaldado. Para
estes casos seriam aplicadas as leis contra fraude, pelas quais não se pode abrir o cofre e
utilizar o dinheiro depositado sem o consentimento do proprietário original.
A função do banco de crédito
Os bancos atuais aceitam depósitos de dinheiro, mas em vez de cobrar uma taxa pelo serviço,
como seria razoável para um serviço de caixa-forte, eles pagam juros ao depositante. Para
tanto, emprestam o dinheiro depositado cobrando juros maiores e lucrando com a diferença.
Hoje em dia, o cidadão não pode optar entre os dois sistemas. Guarda-se seu dinheiro em um
cofre, a inflação corrói o seu valor.
Não há nada de errado em emprestar dinheiro. O que está errado é forçar o público a
depositar seu dinheiro dentro de um sistema de crédito e impedir que haja alternativas; ao
mesmo tempo em que se promove a confiança no sistema e no banco como um lugar seguro
para o dinheiro.
30
É isso o que faz hoje em dia o sistema bancário, e ambos os lados daquela disputa concordam
que isto é prejudicial. Ambas as funções devem ser permitidas em um livre mercado, mas
devem ser claramente definidas e separadas.
Não se trata de impor regulações governamentais. Trata-se de estabelecer definições legais
claras que distingam os dois conceitos, classifiquem suas diferenças e sirvam como suporte
legal para denúncias quando uma operação de crédito se promove como algo que não é.
Os defensores do sistema de reserva integral desejam uma moeda limpa, estável, nobre para
servir como moeda. Isto seria obtido, sem necessidade de proibir os empréstimos com moeda
fracionária. As notas emitidas por estes bancos de crédito na prática provavelmente nem
sequer circulariam como dinheiro a não ser como títulos ao portador que rendem juros,
similares às letras comerciais de hoje em dia. Se essas cédulas fossem claramente identificadas
como letras de um banco de crédito com reserva fracionária, então ninguém as aceitaria, a não
ser que pagassem juros adequados ao risco envolvido. Se o público não fosse forçado a aceitar
dinheiro “ruim”, então o “bom” dinheiro expulsaria o “ruim” da circulação. Somente a
existência das leis de curso legal, pelas quais a aceitação da moeda nacional é obrigatória,
fazem operar a Lei de Gresham 8.
Os defensores da reserva integral poderiam permitir a existência dos bancos de crédito com
reserva fracionária, porque sem leis de curso legal, as notas emitidas mostrariam sua
verdadeira natureza no mercado e seriam equivalentes a títulos comerciais que nunca chegam
a alcançar o status de dinheiro.
Como existe uma necessidade genuína de contar com um lugar seguro para guardar o
dinheiro, também haverá alguém que emita bilhetes com lastro integral para a conveniência
de seus clientes, e esses papéis circularão como dinheiro. Como consequência mesmo da
evolução do mercado, é muito provável que ambas as funções sejam desempenhadas pela
mesma instituição, ainda que nunca se misturem em um único sistema.
Assim como hoje em dia existem mercados de moedas e também existem mercados de títulos,
uma mesma instituição poderia oferecer ambos os serviços.
O cidadão precavido poderia utilizar somente a caixa de depósito 100% onde seus depósitos
de ouro seriam fisicamente separados do resto; e ele deveria pagar pelo serviço. Se desejasse
emprestar seu dinheiro à indústria, poderia transferir o ouro à outra seção do banco e aceitar
o risco envolvido em troca dos juros a receber.
Em resumo, se:
a) Separássemos o conceito de bancos em duas funções diferentes, casas de depósito e
casas de crédito;
b) Reconhecêssemos esta distinção na lei integrando o código contra fraude; e
c) Eliminássemos as leis de curso legal;
8
A Lei de Gresham se refere ao fato de que, em presença de duas moedas de curso legal circulando
simultaneamente, as pessoas guardam a moeda boa e tentam passar adiante a moeda ruim, com o que
a moeda ruim “expulsa” a boa da circulação.
31
O resultado seria um sistema de moeda e crédito que satisfaria os requerimentos de ambas as
posições do debate.
Para discutir:
a) Que vantagens pode ter um sistema de pluralidade bancária (free banking) sobre o
sistema de monopólio do Banco Central?
b) Em um sistema de pluralidade bancária, deveria haver 100% de reserva ou um sistema
cuja porcentagem é decidida por cada banco privado em particular?
Leitura N° 5: Vamos agora olhar um pouco a história do sistema bancário brasileiro, e ver em
que medida os conceitos estudados se aplicam.
O gráfico a seguir mostra as taxas brasileiras de câmbio (em pence por mil réis) mínima,
máxima e média, e indica a paridade estabelecida em cada período (em azul claro). O que salta
aos olhos é que durante o período analisado poucas vezes o Brasil esteve perto do câmbio fixo
– nossa realidade, como a de muitos países periféricos, é de adesão ao padrão-ouro como
estado excepcional, tendo o câmbio flutuante abaixo do par como norma. Dentre os 122 anos
de 1808 a 1930, apenas em 31 (25%) estivemos em câmbio fixo.
Padrão-ouro no Brasil 1808-1929
No início do século XIX, a chegada da corte portuguesa ao Brasil acompanha a criação do
primeiro Banco do Brasil como banco emissor nacional, tomando como molde o modelo
francês de banco emissor utilizado por John Law. A experiência terá, ironicamente, o mesmo
destino do modelo: fabricação excessiva de papel, inflação, até que ao final da década de 1820
o sistema colapsa com a quebra do banco.
Traumatizado com a experiência, o governo brasileiro adota o modelo americano e escocês de
sistema plural de bancos de emissão privados na linha da pluralidade bancária. Paradigma
32
diametralmente oposto, no qual é a estatização da moeda a origem de todo mal. Nesta nossa
experiência então os bancos emissores eram privados, com foco algo regional, mas emitindo
notas dotadas de curso legal por todo o país. A instabilidade generalizada do sistema porá fim
à emissão privada em 1863 centralizada em um novo Banco do Brasil.
A Guerra do Paraguai de 1864 a 1870 provoca fortes impactos nas contas públicas, com o que
já em 1866 o Banco do Brasil deixa de ser banco emissor. Sobrevém um período de apatia,
com emissão pelo Tesouro Nacional, no qual o Brasil tem excesso de dívidas e durante algum
tempo sérios problemas de restrição de liquidez. Há forte escassez de ouro – e, portanto, de
moeda – e queixas generalizadas da falta de meio circulante e de crédito. O dinheiro vai para o
interior do país em pagamento das safras agrícolas e demora para voltar, restringindo a oferta
monetária nas cidades.
Esta situação dura até fins da década de 1880, quando já se prenuncia o fim do Império.
Aproveitando uma melhora no balanço de pagamentos tenta-se então restaurar a paridade e
formar um grande banco centro do que seria nosso primeiro experimento com o padrão-ouro
depois das tentativas malogradas na primeira metade daquele século. Esta tentativa dura
menos de um ano.
Já na República, o Ministro da Fazenda Rui Barbosa resolve novamente experimentar um
sistema americano conhecido como bancos nacionais. Organiza então quatro bancos de
emissão regionais que poderiam emitir moeda com lastro na dívida pública. O resultado é que
em pouco tempo a oferta de moeda triplica, a bolsa entra em euforia até uma crise em
Londres disparar a crise doméstica e a desvalorização cambial. Em 1893 há uma crise bancária
generalizada, e o Banco do Brasil realiza fusões até finalmente quebrar em 1900 junto a todos
os bancos do Encilhamento. Novamente resta um sistema onde o Tesouro é o emissor.
Em 1906, o Convênio de Taubaté recria o Banco do Brasil não mais como emissor e adota o
sistema da Caixa de Conversão, que é tecnicamente uma adoção do padrão-ouro na margem.
Conforme a situação externa da economia melhora e entram divisas, o câmbio recém-fixado
obriga a compra da moeda estrangeira através da emissão de notas da Caixa de Conversão
conversíveis no figurino do padrão-ouro. O câmbio atrelado a esta barreira se estabilizaria até
uma eventual evasão de divisas esgotar as reservas acumuladas, com o que voltaria a flutuar
abaixo da paridade. Em 1914, com a Primeira Guerra Mundial, é o que ocorre, voltando então
o Brasil ao regime de câmbio flutuante e moeda inconversível.
Terminada a Primeira Guerra Mundial há uma movimentação internacional pela volta ao
padrão-ouro. Missões dos países centrais são enviadas à periferia do sistema para fazer
recomendações de política econômico-financeira – dentre as quais a criação de um banco
central. Em 1924 vem ao Brasil a missão inglesa chefiada pelo Lorde Montagu com o objetivo
de avaliar a capacidade de pagamento e a situação financeira do país; uma segunda missão
inglesa viria em 1931 encabeçada por Sir Otto Niemeyer. Vista então como condição para
empréstimos da banca internacional, a criação de um banco central é considerada pelos
políticos brasileiros como dispositivo imperialista, fora do interesse nacional.
Ao longo do século XIX o Brasil passou então pelo modelo francês do papel-moeda, o modelo
americano da pluralidade bancária, o padrão-ouro britânico, os bancos nacionais americanos;
33
no século XX há as experiências de adoção do padrão-ouro na margem, sujeita às flutuações na
situação externa do país. O que devemos guardar deste sobrevoo anedótico do século XIX no
Brasil é a realidade de que o nosso passado com relação ao padrão-ouro foi um tumulto. Nada
de câmbio fixo e estabilidade econômica: a regra era a flutuação e a moeda abaixo do par ao
lado de crises bancárias e diversos experimentos malogrados com sistemas de emissão.
Questões para discussão:
1. Como foi a realidade da oferta de moeda no Brasil do século XIX?
2. Se o Brasil raramente se manteve na paridade do padrão-ouro, o que acontecia com a
emissão do governo?
3. Você pode imaginar a razão de tantas crises bancárias?
No Brasil, a fronteira entre o público e o privado muitas vezes não está onde achamos que ela
está. O sistema monetário e bancário ao longo do século XIX frequentemente transitou nesta
fronteira. Se o texto de Murray Rothbard identifica dois pólos opostos em um debate, nossa
história mostra uma série de pontos intermediários, muitas vezes tirando o pior dois lados.
34