Estudos em Televisão

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Estudos em Televisão
ESTUDOS EM TELEVISÃO
Coordenação: Profa. Dra. Cristiane Finger ( [email protected])
Mesa 1- TELEDRAMATURGIA E OUTRAS NARRATIVAS
Rupturas de Linguagem na Teledramaturgia Brasileira Contemporânea
Adriana Pierre COCA1
Resumo:
O artigo discute a reconfiguração estético-narrativa na teledramaturgia brasileira na atualidade. Tem como
corpus a microssérie O Canto da Sereia (2013), a minissérie Amores Roubados (2014) e a telenovela O
Rebu (2014), produções da TV Globo. A hipótese que se levanta é que esses trabalhos, de alguma maneira,
expõem rupturas no modo de contar histórias de ficção seriada. O suporte teórico basilar são as reflexões
sobre o realismo de Xavier (2005) e a metodologia adotada é a análise de cenas. O texto se organiza em três
momentos: contexto, premissas teóricas e análises de cenas e considerações finais. Espera-se compreender
como a articulação de elementos estético-narrativos se converte em rupturas à linguagem canônica das
narrativas ficcionais televisuais presentes na TV Globo.
Palavras-chave: Ficção Seriada; Realismo; Teledramaturgia brasileira; Rupturas estéticas e narrativas;
Rupturas de linguagem.
Introdução: delineando o contexto
O que vem sendo observado em relação à ficção seriada brasileira na TV aberta é
que novas experiências vêm surgindo de forma recorrente no seio da emissora de televisão
hegemônica na área, que é a TV Globo, o que surpreende, já que, historicamente, a
emissora serve como um modelo de representação, inspirando inclusive a teledramaturgia
das outras emissoras produtoras. Embora saibamos que, de tempos em tempos, se faz
necessária a criação de trabalhos que legitimem o lado artístico da teledramaturgia, com a
exibição de algo “fora dos padrões”, o que vem chamando a atenção é a emergência de se
fazer algo “novo” com maior frequência.
Portanto, o questionamento que se impõe é: como foram articuladas as opções
estéticas e/ou narrativas na produção/direção da microssérie O Canto da Sereia (2013), da
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Bolsista CAPES. Doutoranda da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em Comunicação e
Informação, na linha de pesquisa Cultura e Significação. Mestra em Comunicação e Linguagens pela
Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Especialista em Técnicas e Teorias da Comunicação pela Fundação
Cásper Líbero. Integrante dos Grupos de Pesquisa Gpesc – Semiótica e Culturas da Comunicação (UFRGS)
e Processocom - Processos comunicacionais: epistemologia, midiatização, mediações e recepção (Unisinos).
E-mail: [email protected]
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minissérie Amores Roubados (2014) e da telenovela O Rebu (2014) 2, que de alguma
maneira rompem com os padrões alicerçados pela própria TV Globo?
Partimos do pressuposto de que esses trabalhos oferecem elementos significativos
para se compreender as percepções de real na teledramaturgia contemporânea e que
apontam inovações; e, também, porque essas produções têm em comum o roteiro escrito
por George Moura, em colaboração com outros autores, a direção de fotografia de Walter
Carvalho e a direção geral de José Luiz Villamarim. Acreditamos que a parceria desses
profissionais, mais do que trazer um estilo bem demarcado, acentua momentos de rupturas
à linguagem canônica que são bem-vindos para se pensar a reconfiguração na
teledramaturgia atual.
Resumidamente, quando falamos na linguagem clássica/convencional das
narrativas ficcionais na televisão estamos nos referindo ao modelo praticado pela TV
Globo que compreende, entre outros aspectos: o uso convencional dos planos de câmera
(decupagem clássica), a serialização, as histórias padronizadas, geralmente com dois ou
mais eixos dramáticos e com ganchos causais, muitas vezes previsíveis (MACHADO,
2009).
O Canto da Sereia3 foi ao ar em janeiro de 2013, em 04 capítulos; Amores
Roubados 4, em 10 capítulos, em janeiro de 2014; e em julho do mesmo ano estreou o
remake de O Rebu5, anunciada como telenovela das onze da noite, mas com ares de
minissérie, exibida em 36 capítulos, quatro vezes por semana, com duração de
aproximadamente 30 minutos. As três narrativas se passam nos dias de hoje e contemplam
temas policiais, primam por uma atmosfera de mistério e privilegiam elementos que
buscam uma fidelidade à representação realista, tal como vemos na maioria das outras
produções. O diferencial está na forma como esses trabalhos foram pensados, com desvios
narrativos e experimentações em relação à estética que surpreendem o telespectador, com
uma fotografia mais bem acabada em relação a outras produções dos mesmos formatos e
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Todas essas produções estão disponíveis em DVD.
Escrita por George Moura, Patrícia Andrade e Sérgio Goldenberg, com supervisão do texto de Glória
Perez. A microssérie foi inspirada no romance O Canto da Sereia: um noir baiano de Nelson Motta,
publicado em 2002.
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Escrita por George Moura, Sérgio Goldenberg, Flávio Araújo e Teresa Frota, com supervisão de Maria
Adelaide Amaral. A minissérie é inspirada no folhetim A Emparedada da Rua Nova publicado no Jornal
Pequeno do Recife entre 1909 e 1912, depois publicado como livro. É do autor pernambucano Carneiro
Vilela.
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O Rebu não é uma adaptação literária como os dois trabalhos anteriores do referido trio, mas trata-se de um
remake de telenovela que foi ao ar entre 1974 e 1975, escrita na sua primeira versão por Braúlio Pedroso e
dirigida por Walter Avancini. Originalmente, a obra foi exibida em 112 capítulos.
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elementos que colocam o protagonismo nas mãos da direção e não direcionam os méritos
das histórias apenas ao autor, como é comum na televisão.
Premissas teóricas: os realismos possíveis
Esses exemplos trazem à tona a discussão sobre a transparência e a opacidade
amplamente debatida na obra de Ismail Xavier, O discurso cinematográfico – a opacidade
e a transparência, de 19776. O autor desvela as características de dois tipos de cinema: o
cinema de transparência, que coloca o espectador como alguém ausente do aparato, aquele
que se deixa envolver quando é seduzido pela narrativa por meio da identificação e,
portanto, tem a subjetividade alienada. Situação que, sem muito esforço, pode-se perceber
diante do cinema e da ficção televisual hegemônicos. Já o cinema da opacidade deixa o
aparato visível, o espectador sabe que está diante de um filme. É como se no cinema da
opacidade a “quarta parede” fosse derrubada. Acredita-se que os recursos explorados nos
formatos analisados conduzem o telespectador pelo caminho do cinema da transparência,
como refletido por Xavier (2005). No entanto, introduzem elementos que, intermediados
pelo cinema, incomodam e desacomodam o telespectador habituado ao padrão
estabelecido há décadas.
Atentos aos aspectos que endossam a hipótese realista, os autores e diretores no
audiovisual buscam a impressão de realidade e produzem o “efeito de janela” explicitado
por Xavier (2005). No caso das narrativas analisadas, a tentativa foi assegurar veracidade
ao retrato contemporâneo almejado, segundo Villamarim7.
Em O Canto da Sereia, por exemplo, o diretor José Luiz Villamarim8 enfatiza que
queria que o telespectador se sentisse no meio da multidão em um dia de carnaval em
Salvador e, por isso, quis contar a história com elementos críveis de representação do real.
Uma de suas escolhas foi usar a câmera na mão em várias cenas. A intriga central da
microssérie se desenvolve a partir do assassinato da cantora de axé Sereia (interpretada
pela atriz Ísis Valverde), que em apenas dois anos se tornou uma celebridade com muitos
inimigos. Sereia é assassinada em cima do trio elétrico, em uma terça-feira de carnaval, na
capital baiana.
A outra opção do diretor para manter a atmosfera documental, que Villamarim
estabeleceu como conceito-guia para criar O Canto da Sereia, foi filmar planos-sequência
A edição do livro O discurso cinematográfico – a opacidade e a transparência, de Ismail Xavier, usada
nesta investigação é a terceira, de 2005.
7
Informações disponíveis na entrevista do diretor José Luiz Villamarim no Extras/Entrevistas do DVD O
Canto da Sereia, aos 9 minutos 49 segundos.
8
Idem a 7.
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da multidão na Praça Castro Alves, um dos principais palcos do carnaval de Salvador, no
ano anterior, ou seja, são “reais” as cenas, que na edição foram mescladas, por meio de
efeitos visuais, às imagens produzidas meses depois com cerca de 800 figurantes.
Outra decisão foi rodar setenta por cento das cenas fora do estúdio, fazendo uso de
muitas locações, algo pouco comum na teledramaturgia, já que as gravações em locações
externas encarecem os custos da produção ficcional. Elementos que reforçam a busca pela
“Reprodução fiel das aparências imediatas do mundo físico” (XAVIER, 2005, p. 42).
O diretor de fotografia Walter Carvalho esclarece que essa opção da direção foi
decisiva para que aceitasse o convite para fazer parte da equipe. Carvalho considera que é
muito mais interessante trabalhar em locação, mesmo com a dificuldade maior para
harmonizar as luzes naturais oferecidas pelo ambiente, no entanto, “o real está ali” 9.
O “efeito de realidade” nos passa a ideia de que aquilo é natural. E o princípio
naturalista é garantido, sobretudo, pela decupagem clássica, pela construção de cenários
construídos segundo o princípio naturalista
–
como na microssérie O Canto da Sereia
daí a importância de privilegiar as locações,
–
e também pela manutenção de gêneros
narrativos como o melodrama, aventuras ou histórias fantásticas. “Tudo aponta para a
invisibilidade dos meios de produção dessa realidade” (XAVIER, 2005, p. 41) e constitui
a ilusão que a plateia está em contato direto com o mundo representado, tornando o
dispositivo transparente.
Entendemos que O Canto da Sereia não trouxe rupturas de linguagem radicais,
mas já sinalizava um frescor, algo diferente do que encontrarmos diante da TV;
despontavam os primeiros passos de renovações vindouras que se concretizaram com mais
intensidade nas parcerias seguintes, que serão discutidas na sequência.
Um ano depois da boa repercussão que teve a exibição de O Canto da Sereia,
entrou no ar a minissérie Amores Roubados, ambientada em uma vinícola do sertão
nordestino, que serviu de cenário para três meses de gravações, período que o diretor
chama de imersão e que considera importante para o envolvimento da equipe, outro dos
diferenciais dessas produções, que tiveram a maior parte das gravações longe dos estúdios
da TV Globo, no Projac (Projeto Jacarepaguá), no Rio de Janeiro. Entre as inquietações de
cunho estético, os longos planos gerais e, mais uma vez, a paleta de cores em tons neutros,
terrosos, que nos remetem aos filmes de faroeste. Parece evidente a inspiração
cinematográfica, algumas cenas de Amores Roubados lembram, entre outros filmes, as
paisagens do longa-metragem brasileiro Árido Movie (2005), do cineasta Lírio Ferreira.
9
Informações disponíveis na entrevista do diretor de fotografia Walter Carvalho no Extras/Entrevistas do
DVD O Canto da Sereia, aos 8 minutos 59 segundos.
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Em contrapartida, na minissérie Amores Roubados, outras cenas ajudam a
desconstruir o clichê de um sertão, onde só existe seca, ao representar um sertão
nordestino desconhecido do grande público da televisão, revelando uma região com água
em abundância, às margens do Rio São Francisco e vinhedos verdejantes.
O enredo de Amores Roubados conta o romance do sommelier Leandro Dantas
(interpretado pelo ator Cauã Reymond) e a filha de um fazendeiro poderoso da região,
uma história permeada por traição, com intensas cenas de sexo e que começa ser contada
pelo fim. Aliás, as três tramas são em flashbacks, apresentam narrativas não lineares
também chamadas de narrativas horizontais
–
–
que se tornam complexas à medida que as
histórias se desenrolam, o que exige que o telespectador acompanhe todos os capítulos
para que se tenha compreensão do todo. Amores Roubados começa com uma eletrizante
cena de perseguição que impõe um ritmo que é rompido logo nos primeiros minutos do
capítulo de estreia, a apresentação das personagens em seguida é um flashback que se
passa quatro meses antes e que se estende até o fim do capítulo, com planos longos e
extensos silêncios, que podem ser inquietantes para o telespectador, pouco acostumado
com pausas duradouras na ficção televisual. A duração da cena nos obriga a olhar, a
prestar atenção na televisão, e só isso já elimina, mesmo que por alguns segundos, a zona
de conforto de quem está diante da TV. O plano-sequência que fecha o capítulo de estreia
tem 3 minutos e 35 segundos e acompanha o protagonista de costas, algo incomum para
televisão. Outra opção da direção foi privilegiar cenas com um único plano, sem cortes,
uma fuga a decupagem clássica.
Esta produção também teve setenta por cento das cenas gravadas em locações, o
que permitiu ao diretor de fotografia Walter Carvalho, novamente, garantir imagens que
privilegiam a luz natural. Além disso, outras preferências de Carvalho são notadas em
cena, como a inserção de planos plongée e contra-plongée, raros na televisão.
No capítulo de apresentação uma cena simula um giro em 360 graus, realizado ao
redor de uma mesa, onde acontece uma degustação de vinho e favorece, assim, a sensação
de estarmos inebriados pela bebida ingerida pelas personagens. Cenas como essa descrita
acima apontam para uma ruptura significativa, que é o abandono da decupagem clássica,
que, como já dito nesta reflexão, é um dos elementos que auxiliam na manutenção da
transparência. Nesse caso, suspeitamos que a ruptura a essa maneira de narrar, embora
pareça reforçar a impressão de realidade ao introduzir o telespectador nas sensações da
cena, é uma subversão aos moldes canônicos, uma vez que estamos tão habituados com
determinado regime de visibilidade que, quando nos deparamos com uma cena que não
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está decupada sob o modelo vigente, ocorre um estranhamento. Essa experiência estética
que desconstrói a decupagem clássica tal como a internalizamos surge novamente no
capítulo de abertura da telenovela O Rebu. Reiteramos que aceitamos a decupagem
clássica porque a sucessão imediata de imagens “(...) caminha de encontro a uma
convenção de representação dramática perfeitamente assimilada” (XAVIER, 2005, p. 28).
Respeitando pontos de vista, regras de equilíbrio e compatibilidade de espaço semelhante
ao real.
A trama de O Rebu se passa em apenas um dia, as personagens se encontram em
uma festa luxuosa, na qual um dos convidados aparece morto na piscina, sem que ninguém
saiba dizer o que aconteceu. Dessa vez, a locação principal foi o Palácio Sans Souci, em
Buenos Aires, na Argentina, a mesma locação do longa-metragem Tetro (2009), de
Francis Ford Coppola. A mansão sediou a gravação da maioria das cenas e foi o lugar de
imersão da equipe durante um mês. Os cenários foram reproduzidos na central Globo de
produções, no Rio de Janeiro, em dimensões monumentais como a locação e eram fixos,
não puderam ser desmontados até o fim das gravações, isso para facilitar a faceta de
realizar os planos-sequência, já explorados nas produções anteriores e, como vimos,
importantes como rupturas em relação à decupagem tradicional dos planos de câmera.
A narrativa é contada em três tempos: o dia da festa, o dia seguinte e os flashbacks,
uma estrutura audaciosa para meados da década de 1970, quando foi realizada a primeira
versão de O Rebu, mas bem aceita em dias atuais, segundo o diretor da telenovela 10, já que
o telespectador está familiarizado com tramas com temporalidades que se sobrepõem;
como exemplos, as séries norte-americanas Lost e 24 horas.
É no tempo presente que a história começa, com cenas entrecortadas em planos
fechados, revelando apenas detalhes das personagens que dançam no ritmo da trilha
sonora. Essas imagens são como anamorfoses que “(...) não são mais do que
desdobramentos perversos do código perspectivo, mas o efeito por elas produzido resulta
francamente irrealista” (MACHADO, 2011, p. 207). O termo anamorfose é emprestado
por Machado do historiador da arte Jurgis Baltrusaitis. No percurso da história da arte, os
movimentos da arte moderna, conhecida como a era dos ismos, já buscavam a
desconstrução da imagem realista; a imagem eletrônica torna essa possibilidade totalmente
possível, uma vez que é mais maleável e, portanto, suscetível a anamorfoses, segundo o
autor (MACHADO, 2011).
10
Informações disponíveis no link: <http://oglobo.globo.com/cultura/revista-da-tv/alcool-sexo-crimeconduzem-remake-de-rebu-que-globo-estreia-em-julho-12574339>. Acesso em: 26.07.2014 às 23h13.
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Em seguida, entra um plano-sequência com 1 minuto e 45 segundos de duração,
que começa e termina com a personagem Ângela Mahler (interpretada pela atriz Patrícia
Pillar), uma das protagonistas, a empresária que promove a festa. A cena é cortada para o
corpo de um homem boiando na piscina sob a noite chuvosa. As anamorfoses e o planosequência são indicativos de rupturas à teledramaturgia empregada na TV Globo e uma
herança cinematográfica. Opções estéticas que podem ter sido uma tentativa da direção de
colocar o telespectador dentro da festa, assim como buscou torná-lo um folião em O Canto
da Sereia, mas é importante destacar que, além dessa possibilidade, a narrativa também
buscou inseri-lo na festa virtual, através das inúmeras cenas de postagens dos convidados
nas redes sociais. A introdução da internet na narrativa de O Rebu atualizou a trama,
proporcionou um ritmo mais ágil à história e foi um componente estético e narrativo
diferenciado na telenovela. São as redes sociais que ajudam a solucionar o crime.
O diálogo com a internet, não como transmidiação e sim fazendo parte da história,
foi decisivo em O Rebu; também na minissérie Amores Roubados, quando a mãe de
Leandro, a personagem Carolina (interpretada pela atriz Cássia Kiss), chantageia a patroa
e amante do seu filho depois de salvar em um pen drive a troca de e-mails entre o casal. E
também na microssérie O Canto da Sereia com os selfies (autorretratos colocados nas
redes sociais), que sinalizaram pistas sobre o possível assassino da protagonista.
Considerações finais: tecendo rupturas
Xavier (2005) lembra que há muitos realismos, assim como há mais de uma
perspectiva que descontrói o modelo padrão de representação. Nessas propostas,
entendemos que houve a busca pela impressão da realidade, com a reprodução do espaço
semelhante ao real, mas a função da câmera, por exemplo, fez mais que apenas registrar as
ações e, assim, em alguns momentos sustentou o efeito de continuidade e em outros, como
as cenas expostas nesta análise, renovou.
A opção de analisar as três produções, O Canto da Sereia, Amores Roubados e O
Rebu, sem nos aprofundarmos em nenhuma delas e apenas pontuar algumas cenas foi
porque queríamos percorrer à hipótese de que essas rupturas como as enxergamos na
ficção seriada da TV Globo ocorreram como um processo gradual, embora de maneira
recorrente. Essas rupturas soam como reconfigurações estéticas e também de percursos
narrativos, porque introduzem momentos na teledramaturgia da TV aberta que
proporcionam experiências que podem despertar o telespectador habitual, aquele
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acostumado com o padrão globo de representação. Outra conclusão é que a faixa horária
das onze da noite se mantém como um espaço de experimentação; ainda é nessa faixa da
grade de programação da TV aberta que permitem testar os limites do televisual.
Concluímos ainda que O Canto da Sereia percorreu o realismo tal qual colocado
por Xavier (2005), como um espelho do real e buscando os efeitos da transparência;
Amores Roubados já foi capaz de oferecer um tom mais agressivo quanto à dimensão
estética e O Rebu, mesmo sendo apresentada como telenovela, trouxe todos os
ingredientes de uma narrativa complexa, contada com rigor estético e com um percurso
narrativo dignos de uma série, como observamos na TV norte-americana. O risco que se
corre é dessas experiências serem assimiladas rapidamente pelo público e este entrar em
uma sintonia que induz ao ciclo vicioso da banalidade.
REFERÊNCIAS
MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. 5. ed. São Paulo: Senac, 2009.
_________________. Pré-cinemas & pós-cinemas. 6. ed. Campinas: Papirus, 2011.
XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: opacidade e transparência. 3. ed. Paz e Terra: São
Paulo, 2005.
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Mecanismos de representação da realidade e níveis de sentido em
Suburbia
Guilherme Fumeo Almeida
Mestrando, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
[email protected]
Adriana Pierre Coca
Doutoranda, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
[email protected]
Resumo
O texto reflete sobre os mecanismos de representação da realidade na minissérie Suburbia
(TV Globo, 2012). Para tanto, recorre-se aos níveis de sentido de Barthes (2009), para
analisar questões relacionadas à fruição, mise-en-scène e intensidade, bem como
problematizar a representação fantasiosa da realidade de Suburbia, a partir dos escrutínios
de Pucci Jr. (2013) e Soares (2013) sobre a minissérie. É possível identficar uma busca por
inserir as personagens na época e no local de ação da trama, a presença de um simbolismo
que remete ao léxico do telespectador e a manifestação de momentos de fruição. Também
nota-se a presença de traços fantasiosos, melodramáticos e exacerbados nesta
representação alegórica e socialmente crítica do Rio de Janeiro suburbano de início dos
anos 1990, com uma potência que vai além de um modelo naturalista de diálogo com o
real.
Palavras-chave: Mecanismos de Representação; Níveis de sentido; Alegoria; Suburbia.
Considerações Iniciais
O artigo analisa o tratamento que a televisão brasileira dá aos mecanismos de
representação da realidade a partir da minissérie Suburbia (Rede Globo, 2012), exibida de
01 de novembro a 20 de dezembro de 2012, dirigida por Luiz Fernando Carvalho e
roteirizada por ele e por Paulo Lins. Através da análise dos três níveis de sentido propostos
por Barthes, relacionados com cenas de Suburbia, será possível observar de que forma a
minissérie constrói sua mise-en-scène e lança mão de recursos de fruição e uso de
símbolos.
Ao contar a história da menina pobre que troca os fornos de carvão no interior de
Minas Gerais pelo Rio de Janeiro, se inserindo no cotidiano do subúrbio carioca, Suburbia
representa a realidade de uma forma que a ultrapssa, dando espaço para a exploração de
uma noção fantasiosa do real, que desenvolveria características alegóricas. A ideia de
alegoria se relacionará com as análises de Pucci Jr (2013) e Soares (2013), que enxergam
na minissérie a presença de elementos artificiosos e uma intensidade exacerbada e
constante.
9
Enquanto o primeiro acredita no predomínio, em determinados momentos, do
fantasioso sobre o cotidiano, associado ao uso de elementos melodramáticos, o segundo
autor afirma que, neste exemplo de representação intensa, medo e desejo se traduzem em
som e cor, dentro de um excesso representacional planejado, que foge da perspectiva
naturalista. O próprio Carvalho, a partir de entrevista concedida a um blog jornalístico
(ZANIN, 2012), ajudará a problematizar a representação crítica da sociedade que, em
Suburbia, se utiliza de elementos fabulosos.
Dos níveis de sentido à representação fantasiosa
No artigo O Terceiro Sentido, partindo de alguns fotogramas de filmes do cineasta
russo Sergei Eisenstein, Roland Barthes (2009) propõe o que chama de uma Teoria dos
Sentidos, dividida em três níveis. O primeiro nível é o Informativo, que no caso do
audiovisual compreenderia todo o conhecimento que nos chega pelos elementos da miseen-scène – os objetos de cena, a cenografia, o figurino, as personagens e suas relações. É o
nível da comunicação, aquele signo que se apresentaria a nossa frente, evidente.
O segundo nível de sentido é chamado por Barthes de simbólico, sendo também
intrínseco à diegese, apresentando-se no conjunto da mise-en-scène: é o nível da
significação. A cena descrita pelo autor é a chuva de ouro que recebe o jovem czar no
longa-metragem Ivan, o terrível (1944), e toda a simbologia que envolve o ouro que é
associado à riqueza, ao poder, ao rito imperial, além das características da montagem de
Eisenstein, que traz no bojo outras relações e deslocamentos. No primeiro nível vocês não
citaram os exemplos de Barthes.
O sentido simbólico, defende Barthes, se impõe duplamente: é construído de forma
intencional e se encontra em um nível comum dos símbolos, procurando diretamente o
destinatário da mensagem. Por ser dotado de uma evidência fechada, o simbólico também
é chamado pelo autor de óbvio: “Obvius quer dizer: que vem à frente, e é precisamente o
caso deste sentido, que vem ao meu encontro” (BARTHES, 2009, p; 49).
O terceiro nível do sentido apontado por Barthes, o obtuso, permitiria enxergar
além do que está na cena. O obtuso exigiria um questionamento, diferentemente do
simbólico, que seria intencional e extraído de uma espécie de “léxico geral, comum, dos
símbolos” (BARTHES, 2009, p. 49). Enquanto um se colocaria no nível espiritual, o
outro, o obtuso, abrigaria algo mais, “como um suplemento que a minha intelecção não
consegue absorver bem, ao mesmo tempo teimoso e fugidio, liso e esquivo” (BARTHES,
2009, p. 50).
10
No capítulo dedicado à análise, se problematizará a aplicação dos mecanismos de
representação da realidade em Suburbia a partir de duas vertentes: os níveis de sentido de
Barthes, e sua relação com a forma como a minissérie faz um retrato de uma determinada
época através da composição da sua mise-en-scene, bem como de que maneira lida com
elementos simbólicos e constrói um ritmo de fruição, em alguns momentos, e a maneira
como o real, em Suburbia, pode ser representado de forma fantasiosa.
A segunda vertente será explorada a partir das considerações de dois autores sobre
a minissérie: Renato Pucci Jr (2013) e Luiz Eduardo Soares (2013). Ambos ajudarão a
problematizar elementos de fantasia, melodrama e potência no objeto de análise, que
resultariam na aproximação de uma noção alegórica. Pucci Jr. enxerga a presença de
elementos fabulosos na representação da realidade na minissérie, com o fantástico
prevalecendo sobre o cotidiano em algumas cenas, destacando, além disso, um traço
artificioso e melodramático que seria característico de outras obras de Carvalho. Em
Suburbia, à semelhança de Hoje é Dia de Maria (2005), a denúncia social seria seguida da
pedagogia do sentimento melodramática, tributária de “histórias novecentistas em que a
pureza se encontrava ameaçada de violação sexual” (PUCCI JR, 2013, p. 52).
Soares, por sua vez, situa a ação da trama em uma Zona Norte carioca banhada em
desejo, medo, cores e fantasia. Liberdade e fraternidade triunfariam na Madureira onde se
passa boa parte da ação da minissérie, representativa de potência e enigma elevados dos
subúrbios cariocas, que “entram em cena irradiando a vontade indomesticável da força
vital de seres humanos individuais e incomparáveis, nas tramas complexas de suas
relações” (SOARES, 2013, p. 42).
Suburbia: dos três níveis à crítica social alegórica
É possível começar a problematização dos níveis de sentido de Barthes (2009) na
minissérie relacionando a composição dos elementos cênicos contidos no nível
informativo com a maneira como o objeto de análise situa a drama em uma determinada
época. As cenas da minissérie oferecem elementos da mise-en-scène que asseguram que
aquela história foi contada em um período em que o país vivenciava as mudanças e os
impactos provocados pelo governo Collor. Em níveis de evidência, pode-se pensar que
Suburbia tenta se aproximar de um registro do cotidiano da época representada, o Rio de
Janeiro de início dos anos 1990 - o figurino das personagens e os objetos de cenas, como
os carros, são característicos do período. Assim, se abre espaço para a descrição de
artefatos que apenas permeiam a trama, mas que indicam o pertencimento das personagens
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a uma determinada classe social, como fica evidente em muitas cenas de Suburbia, que
mostram habitantes da Zona Norte carioca que frequentam a praia do Piscinão de Ramos
(figura 01), trabalham como empregados na zona sul da cidade do Rio de Janeiro (figura
02) e que nas horas livres fazem churrasco com a família e participam dos ensaios da
escola de samba do bairro.
Figura 01: Personagens no Piscinão de Ramos
Figura 02: Conceição na casa da patroa
A passagem de tempo da Conceição menina para a jovem Conceição, no primeiro
capítulo, se dá com a personagem dançando em frente a uma televisão ligada e
sintonizando o Cassino do Chacrinha. A dança, elemento fundamental na trama, está
presente desde o começo, aliada a uma ideia informativa de inserção da personagem no
tempo da história. A composição da cena, com som diegético e montagem dinâmica, de
planos curtos, algo presente em toda a minissérie – além dos planos longos e a criação de
um ritmo lento, em menor escala –, começa a materializar a protagonista da história.
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Conceição, com sua sensualidade graciosa e brejeira, torna-se vítima e protagonista do
contexto social em que se insere.
Na minissérie, a maneira como a transformação das personagens se relaciona com
figuras simbólicas, que por vezes dão um tom religioso a essas construções, remete ao que
Barthes afirma sobre o teor significativo do segundo nível de sentido. A cena da coroação
de Conceição como rainha de bateria de uma escola de samba, no último capítulo de
Suburbia, é carregada de simbolismo. A protagonista ganha ares de santa, imaculada,
embora não desprendida de sensualidade, trajando um figurino que lembra em vários
aspectos o manto de Nossa Senhora Aparecida, como mostra a Figura 03. As cenas da
coroação são intercaladas com uma mulher cantando “segura na mão de Deus e vai” e um
pastor louvando, declamando trechos bíblicos e simulando um batismo em Cleiton, o exnamorado de Conceição, que havia se tornado um bandido (ver Figura 04). Nessa edição
paralela, as duas cenas se complementam na multiplicidade de símbolos. Cleiton,
assombrado pela morte do irmão, resolve vingá-lo e se torna traficante, o que resulta em
uma experiência de quase morte da qual é salvo pela saída religiosa. Arrependido e
batizado, o ex-traficante torna-se um crente, um homem que se acredita salvo pela fé.
Figura 03: Coroação de Conceição
13
Figura 04: “Batismo” de Cleiton
Enquanto o pastor diz “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, vê-se
Conceição recebendo sua coroa de rainha da bateria da União Carioca. Quando ela
finalmente fala, agradece a Deus, à Nossa Senhora Aparecida e à sua família, como mostra
a Figura 05. Além da edição, das falas da Bíblia e do manto azul que veste a protagonista,
não se pode esquecer que o nome da Padroeira do Brasil também é Conceição, Nossa
Senhora da Conceição Aparecida, uma santa negra assim como a personagem. A
sequência é simbólica na trama: a dança, presente desde o primeiro capítulo, se
ressignifica aqui, passando do frenesi do funk para a graça do samba. De musa do baile,
onde requebrava no palco ao som de um funk melody cada vez mais popular então, em
shows que atraíam multidões, Conceição se torna musa do samba, e se nos dois ambientes
a montagem frenética exalta as imagens coloridas – geralmente cores quentes e suas
variações, além de constantes jogos de luz - de uma câmera inquieta e autônoma, o da
escola de samba é mais familiar, mais casto. É ali, e não no baile funk, que as duas
Conceições, a mulher e a santa, enfim se encontram.
14
Figura 05: Conceição coroada rainha de bateria 11.
Com seu dialogismo tênue, o obtuso é um sentido fortemente sensível, segundo
Barthes, sendo dotado de uma emoção camuflada, nunca pegajosa. O nível obtuso, assim,
iria além da língua e da linguagem, estando presente no interior da interlocução. Em
Suburbia, pode-se relacionar o obtuso com um movimento sensorial de Suburbia, que,
com câmera autônoma e imagens coloridas e líricas, oferece momentos de fruição que
rompem os limites convencionais de sentido. Exemplo disso é a cena em que Conceição
está em casa sozinha, no último capítulo, entra na cozinha, pega um copo de água e é
chamada no portão por Cleiton. A lentidão com que essa sequência foi gravada
desconcerta o espectador, pouco acostumado com longas pausas na ficção televisual. A
duração da cena obriga o espectador a olhar, a prestar atenção na televisão, e só isso já
elimina, mesmo que por alguns segundos, a zona de conforto de quem está diante da TV.
Aqui, tem-se o exemplo de um momento em que a obtuosidade se manifesta, mas logo
desaparece, subvertendo, mesmo que de forma fugaz, a própria prática de sentido.
Também é possível detectar a presença de elementos que se concretizam como
uma crítica social e da realidade na minissérie, mas através de uma representação pendente
para o fantástico. Observa-se isso, por exemplo, já nas cenas de abertura, que mostram as
condições de vida da família da protagonista, que mora e trabalha em meio aos fornos de
carvão no interior de Minas Gerais. Depois de um trágico acidente, Conceição é
As figuras 01 e 02 são fotos disponíveis na versão online do Caderno 2 – Subúrbios e Identidades, que
pode ser acessado pelo link: < http://app.cadernosglobo.com.br/volume-02/suburbios-identidades.html> .
Acesso em, 15.11.2015 às 20h32. As figuras 03 e 04 são fotogramas tirados da cena da coroação de
Conceição e do “batismo” de Cleiton, com de 04 minutos e 21 segundos, exibida no último capítulo da
minissérie Subúrbia, disponível no site Globo.TV através do link: <http://globotv.globo.com/redeglobo/suburbia/v/conceicao-e-coroada-rainha-de-bateria-de-escola-de-samba-e-cleiton-se-entrega-aosenhor/2305916/>. Acesso em: 25.02.2015 às 15h55. A figura 05 é uma foto disponível no site GShow, que
pode
ser
acessada
no
site:
<http://gshow.globo.com/programas/suburbia/Por-tras-dasCameras/fotos/2012/12/da-ressurreicao-ao-noivado-confira-os-ultimos-acontecimentos-de-suburbia-emfotos.html#F32830>. Acesso em: 25.02.2015 às 18h14.
11
15
incentivada pela mãe a fugir. O quê a tira daquela vida sem perspectiva é o sonho de
conhecer o Rio de Janeiro: conduzida por sua égua branca, como se estivesse em um conto
de fadas, a menina é deixada a bordo de um trem e vai sozinha para o Rio.
Para Pucci Jr (2013), a minissérie coloca o sujeito melodramático no centro da
ação, incluindo-o em um subúrbio onde abundam os problemas sociais. No contexto
traçado neste caso, pensando em um paralelo com outra produção dirigida por Luiz
Fernando Carvalho, Hoje é Dia de Maria (2005), “Conceição, a imigrante que provém do
interior mítico do país, sofrerá na carne o ataque do mal e, com sua atitude firme, tal como
Maria na outra minissérie, propiciará (ou pode propiciar) uma reeducação do espectador”
(PUCCI JR, 2013, p. 53).
Assim, em Suburbia, também dentro da crítica social, há espaço para a violência,
tanto na sua manifestação física quanto em formas pontuais de agressão social, racial e de
gênero. O ataque do mal referido por Pucci Jr. tem em Conceição uma vítima quase
inevitável: mulher, negra e pobre, a realidade se mostra dura para ela, mesmo depois de
acolhida pela família da amiga Vera. Adotada como filha por Seu Aloisio e Dona Bia,
Conceição é vista como presa pelo marido da patroa, de quem consegue fugir, e pelo juiz a
bordo da moto, mais um que lhe assedia enquanto trabalha como frentista no posto de
gasolina. Mesmo naquele ambiente de tensão constante, em que a câmera autônoma, a
montagem dinâmica e a trilha sonora antecipam a explosão de violência do juiz que lhe
rapta com a moto, no terceiro capítulo, a representação da realidade hostil e recheada de
crítica social é tão exacerbada que se alegoriza.
Em entrevista a Luiz Zanin, em seu Blog na edição online do jornal O Estado de
São Paulo (2012), Carvalho admitiu o desejo de priorizar a violência moral em relação à
violência física, pensando a crítica social da minissérie em um clima de “fábula social, da
eterna luta entre opressores e oprimidos”. Dessa forma, segundo Soares (2013), tem-se
acima de tudo uma representação muito intensa, com cores quentes e um tempo moldado
pela música. A alegoria, aqui, mostra-se enquanto forma hipnótica de diálogo com a
realidade, sendo que a “intensidade, por sua ambivalência constitutiva, por sua anormal
imoralidade, não anula: dobra códigos morais, disciplina, leis, ritos, fronteiras, corpos e
papéis” (SOARES, 2013, p. 43).
No alfabeto sensorial de Suburbia, a complexidade móvel se liberta de qualquer
tentativa naturalista de representação: seus sons, cores e símbolos vão além, explorando os
três níveis de sentido barthesianos dentro de uma lógica própria. Tal excesso
representacional pode ser visto enquanto “matriz de nossa sociabilidade popular, perdendo
16
seu sentido original, portanto, e se convertendo em marca e valor culturais que o rigor
estético de Suburbia nos deixa ver e sentir” (SOARES, 2013, p. 45).
Considerações Finais
Em Suburbia, é possível relacionar os três níveis de sentido de Barthes (2009) com
mecanismos de representação da realidade nos quais se observa uma busca por inserir as
personagens na época e no local de ação da trama, além do simbolismo colorido e
frenético de cenas gravadas com câmera autônoma e montagem fragmentada. No último
capítulo, Conceição se consagra enquanto santa e rainha de bateria, superando o funk
relaciona um passado de sensualidade e namoro mal sucedido. O objeto de fracasso,
Cleiton, por sua vez, após quase morrer, se regenera e encontra Jesus, em uma saída
religiosa que é mostrada concomitantemente à coroação de Conceição. Agora,
transformados, ambos poderiam unir seus caminhos novamente.
Tal simbolismo se soma a um espaço onde há liberdade para fruição, em um
contexto no qual a representação naturalista não encontra espaço para se consolidar.
Sutilezas na captação das cenas oferecem ao espectador uma câmera que privilegia o
ponto de vista das personagens e, por vezes, se mostra mais lenta e menos fragmentada do
que propõe a decupagem clássica. Exposta pelo próprio diretor da minissérie, a fábula
moral intencional de Suburbia se consolidou enquanto representação crítica da realidade,
mas uma crítica alegórica porque exacerbada, fantasiosa e potente.
Aqui, som e cores se confluem em uma mistura explosiva que, como destacou
Soares (2013) valoriza o desejo e o medo, em uma representação viva dos subúrbios
cariocas. Vivacidade, em Suburbia, se relaciona diretamente com a intensidade de uma
trama tão dinâmica quanto sua montagem, que altera elementos de câmera lenta e fruição
menos acelerada com movimentos frenéticos que captam a pulsação de um contexto social
representado como vibrante, para o bem e para o mal.
Na interconexão dos três níveis dos sentidos sugeridos por Barthes (2009),
acredita-se que a proposta de Carvalho em Suburbia insere na narrativa elementos
fabulosos que a aproximam de uma alegoria. Ainda assim, segundo os pressupostos do
pensamento de Barthes, há ali componentes que asseguram a identificação subjetiva do
espectador, que se dá pelo nível do sentido informativo, sobrepostos aos símbolos que,
fazendo parte do léxico comum desse mesmo espectador, mostram-se como os mais
explorados nessa relação. Só isso já colocaria a minissérie como uma produção de
qualidade que se destaca na vasta produção previsível da ficção seriada contemporânea,
17
mas o que é salutar destacar é que há momentos em que o terceiro sentido também se
coloca, embora com sutileza, e isso a diferencia dos modos de representar a realidade da
maioria das narrativas ficcionais produzidas na televisão aberta brasileira.
Referências
BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso. Lisboa: Edições 70, 2009.
PUCCI JR, Renato Luiz. Uma nova experimentação na TV brasileira. In: Caderno
Globo Universidade, v. 1, n. 2, mar. 2013 – Rio de Janeiro, Globo, 2013.
SOARES, Luiz Eduardo. Suburbia e a transcriação do subúrbio carioca. Caderno
Globo Universidade, v. 1, n. 2, mar. 2013 – Rio de Janeiro, Globo, 2013.
ZANIN, Luiz. Suburbia: uma entrevista com Luiz Fernando Carvalho. In: Blog do
Zanin, 03 nov. 2012. Disponível em: <http://cultura.estadao.com.br/blogs/luizzanin/suburbia-uma-entrevista-com-luiz-fernando-carvalho/>. Acesso em: 11 nov. 2015.
18
Desdobramentos da Ficção Seriada Televisual em Múltiplas Telas12
Nísia Martins do ROSÁRIO
Doutora, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
[email protected]
Adriana Pierre COCA
Doutoranda, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
[email protected]
Resumo:
O texto problematiza aspectos da digitalização da ficção seriada televisual no diálogo com
as outras mídias e faz isso buscando identificar os modos como se articulam os
desdobramentos das produções de teledramaturgia da TV Globo em outras telas, no
período de maio de 2010 a maio de 2015. Os apontamentos dessa pesquisa são feitos com
base em levantamento de dados e análise interpretativa e nos ajudam a sinalizar como a
TV está se reinventando diante das novas maneiras de ver e produzir audiovisual na
contemporaneidade.
Palavras-chave: Ficção seriada; Múltiplas telas; Transmidiação; Reconfiguração da
Linguagem.
Introdução – os novos modos de assistir ficção seriada.
Muitos teóricos discutem o fim da televisão já há algum tempo (MISSIKA, 2006;
KATZ, 2008; CARLÓN; SCOLARI, 2009), mas sabemos que o que de fato está com os
dias contados são os modos “tradicionais” de assistir TV. Nessa perspectiva, emissoras do
mundo todo precisam repensar formatos e produtos. A proposta deste texto é justamente
buscar compreender como a maior emissora produtora e exibidora de teledramaturgia no
Brasil, a TV Globo13, vem traçando estratégias que, de alguma maneira, dinamizam a
ficção seriada em múltiplas telas. Entendemos que essas iniciativas sinalizam como a
televisão de modo geral está se reconfigurando não só como linguagem – transformação
sinalizada pelas mudanças aceleradas dos formatos, com a emergência de mais programas
apresentados ao vivo, característica singular do meio –, mas também indica como essa
mídia está se relacionando com o espectador na contemporaneidade, oferecendo-se em
12
Este artigo contou com o apoio de Jamille Almeida da Silva, Mariana Somariva e Maurício Rodrigues
Pereira, orientandos de Iniciação Científica da Profa. Nísia Martins do Rosário, na Universidade Federal do
Grande do Sul. A equipe realizou o levantamento dos dados analisados no texto e a aluna Jamille Almeida
da Silva também produziu os gráficos que compõem o artigo.
13
A TV Globo faz parte da Rede Globo, que é o terceiro maior conglomerado de comunicação do mundo.
Ao lado da mexicana Televisa tem um papel de destaque no âmbito latino-americano. No que tange a
teledramaturgia, a emissora também se diferencia, já que suas novelas foram exportadas para mais de 150
países.
19
outras telas, em outros formatos e interconectando-se a partir de produtos complementares
disponíveis em suportes diferentes. Por outras palavras, configura-se um momento em que
a TV não apenas se trasladou da sala de estar e passou a ser assistida em diferentes telas de
tamanhos e acessos variados, como os celulares que cabem na palma das nossas mãos,
mas também complementou a sua própria programação, desdobrando-se em telas e
distendendo seus produtos.
Optamos por chamar de múltiplas telas, nesse artigo, os dispositivos físicos que
nos dão acesso aos conteúdos audiovisuais através das redes digitais, que são as telas
(móveis ou não) conectadas à internet como os computadores de mesa e os tablets, mas
também àquelas que captam o sinal digital das emissoras como os telefones celulares e os
monitores instalados nos ônibus e metrôs da cidade de São Paulo, por exemplo14.
Compreendemos que essas novas maneiras de assistir TV, que vão além do ato de estar
diante da televisão tradicional, o modelo broadcasting, incluem ainda assistir a um
programa de TV no canal de vídeos You Tube, bem como baixar temporadas de séries no
computador pessoal e assisti-las de uma única vez, uma prática chamada de binge
watching; também comprar boxes de DVDs, que já são comercializados com telenovelas
inclusive, e ainda, ver séries de TV que foram produzidas apenas para o meio digital,
como as produções House of Cards e Narcos do canal de vídeos on-demand Netflix, via
streaming.
No bojo dessas práticas é possível constatar pelo menos uma preocupação legítima
dos produtores de narrativas ficcionais na televisão: a criação de conteúdos
interconectados e de formatos adaptados que expandem as tramas pensadas para TV e
desencadeiam os desdobramentos da ficção seriada em múltiplas telas. Monitorar a
“audiência” pulverizada das redes sociais como o microblog Twitter e o Facebook,
também importa a esses profissionais, que se tornaram produtores de conteúdos para
multiplataformas, mas a criação vai além: jogos com avatares de personagens, webséries,
webdocumentários, entrevistas com atores, vídeos produzidos pela audiência e inseridos
nas tramas originais, blogs de personagens, aplicativos exclusivos, episódios
disponibilizados na internet antes da exibição na tevê, entre tantos outros.
14
A maior metrópole brasileira abriga a maior frota de ônibus do planeta e parte dessa rede de transporte
público sintoniza o sinal digital da TV Globo, assim como os celulares fazem com os sinais digitais
disponíveis na área em que estão. Em São Paulo, mesmo quem não tem um celular com TV digital ou
conexão com a internet, tem a possibilidade de voltar para casa vendo uma telenovela.
20
Resistência, tensionamento e redenção.
O cenário que existe hoje já era previsto, de certa forma, pelo mercado publicitário,
que tem consciência que dialoga com um público que mudou de postura na hora de
consumir, que tem uma fonte de informação diversificada, nunca antes experimentada.
Mais do que isso, o mercado é cônscio que seduzir o público jovem comprometido com o
universo digital e distante da tela-televisão dos moldes tradicionais se coloca como um
grande desafio.
Mesmo assim, a situação não indica a morte da mídia televisão, pelo contrário, no
Brasil a TV aberta continua sendo a mídia hegemônica. O publicitário Gustavo Gaion
lembra que um comercial exibido no horário nobre atinge na TV aberta brasileira entre 30
e 35 milhões de pessoas15 e, por isso, as estratégias de mídia nas agências de publicidade
continuam privilegiando a televisão, só que, evidente, em sintonia com outras mídias.
Uma ressalva, tais sintomas, assim como a queda acentuada da audiência televisual
nos últimos anos, não foram só provocados pela democratização de conteúdo por conta
das redes digitais, os impactos da fragmentação da audiência tiveram início nos anos 1980,
quando a TV a cabo e via satélite começaram a ganhar espaço. Atualmente, a TV a cabo
está presente em 29,5% dos lares brasileiros, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística) contribuindo desse modo para as consequências relacionadas.
Diante dessas perspectivas, a TV Globo, em 2010, criou um departamento
específico para tratar das relações de seus produtos com as novas mídias. Um ano antes, a
emissora já experimentava ações em multiplataformas no horário das cinco da tarde com a
telenovela infanto-juvenil Malhação, foi a primeira vez que personagens ficcionais da TV
15
Alguns parâmetros para se refletir sobre a “audiência nos ajudam a compreender que na internet o
alcance de público das narrativas ficcionais ainda é muito diferente e relativamente inferior do que o
da televisão. Um exemplo, a série norte-americana Lost (2004-2010) no ar pela ABC, foi perdendo
audiência na televisão ao longo das temporadas, foram mais 18 milhões de espectadores registrados
nas duas primeiras, 13 milhões na terceira, 12 na quarta e cerca de 10 milhões de espectadores na
exibição das duas últimas temporadas. Já os dados do Instituto Nielsen elegeu em 2008 Lost como a
série de TV dos Estados Unidos mais vista na web, com um milhão e meio de espectadores (SCOLARI,
2013, p. 160). Um exemplo mais recente da TV Globo no Brasil é a telenovela, A regra do jogo, exibida
no prime time, que registrou uma audiência considerada ruim na semana de estreia, a média no IBOPE
foi de 27,6 pontos e a média de visualizações no site oficial 500 mil. Um ponto no IBOPE equivale a
233 mil domicílios, cada um somando por volta de 3,3 habitantes. Assim sendo, os 500 mil da internet
representam pouco mais de 0,5 ponto de IBOPE na televisão. Informações disponíveis em:
<http://celebridades.uol.com.br/ooops/ultimas-noticias/2015/09/12/audiencia-de-a-regra-do-jogona-web-ainda-e-minuscula.htm> Acesso em: 12/09/2015 às 19h57 e <http://rd1.ig.com.br/primeirasemana-de-a-regra-do-jogo-perde-para-babilonia-em-audiencia/> Acesso em: 21/10/2015 às 17h41.
21
Globo ocuparam blogs, vídeos virais e perfis no Twitter. Mas, foi no ano seguinte com a
telenovela Passione exibida no prime time que uma iniciativa transmídia sem precedentes
foi realizada, mais de 300 cenas exclusivas da telenovela foram produzidas só para
exibição na internet. Meses depois, dessa vez, no horário das sete da noite, a segunda
versão de Ti-ti-ti estabeleceu um diálogo entre os protagonistas e seus “fãs” no Twitter e
foi criado um site que, entre outras opções, dava acesso às páginas oficiais das revistas de
moda que eram “editadas” na trama ficcional. Nesse espaço encontravam-se reportagens
sobre o assunto e entrevistas com colunistas famosos como Joyce Pascovitch falando
sobre a cobertura da São Paulo Fashion Week, por exemplo. Em 2011, outro marco com a
criação da websérie para telenovela O Astro, que foi exibida no horário das onze da noite.
No ano seguinte, uma ação inédita voltou à atenção para a faixa de programação das sete
da noite, Cheias de charme conquistou mais de 12 milhões de visualizações de um
videoclipe colocado no ar primeiro na internet e só depois exibido na telenovela.
Relatamos aqui um pequeno cenário do início desse movimento na emissora. O panorama
é muito maior e entendemos que não é pertinente descrevê-lo aqui em sua integralidade.
Os resultados dessas iniciativas fizeram com que a TV Globo ampliasse as
extensões narrativas da produção ficcional seriada e também percebesse a necessidade de
outras ações sincronizadas com o universo digital, como colocar os programas a
disposição do espectador em um canal exclusivo para locação e vendas no site
www.globomarcasdigital.com, onde é possível alugar por dois dias uma série completa ou
apenas um episódio dela. Esse é um desdobramento da programação para outra tela, sem
contudo inovar no conteúdo da programação. Além disso, não são todos os programas da
emissora que estão disponíveis nesse webcanal. A iniciativa parece uma maneira de driblar
a vastidão de produções que pode ser encontrada, sem muita dificuldade nos calabouços
da internet, sem a autorização da emissora16.
Outro canal de acesso aos programas globais é o aplicativo Globo Play para
smartphones e PCs, que dá acesso gratuito a trechos da programação oficial da emissora.
Para assistir na íntegra os programas, o usuário paga um valor mensal. No lançamento
dessa plataforma, a TV Globo traz como premiér o capítulo zero da telenovela Totalmente
Demais, com cenas das personagens em ações anteriores ao capítulo de estreia. Usuários
16 A TV Globo travou uma guerra judicial contra canais digitais como o You
Tube, proibindo a exibição de
trechos de seus programas. Mas, se rendeu a possibilidade de promover seus produtos no site e tem um
canal oficial no You Tube, para divulgação de chamadas e vídeos promocionais.
22
das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro têm, ainda, a opção de assistir a programação ao
vivo.
Se desdobrando em múltiplas telas.
Neste artigo buscamos apresentar alguns dos resultados levantados sobre os
percursos de produções interconectadas para múltiplas telas em seus desdobramentos
digitais na ficção seriada da TV Globo a fim de conhecer especificidades dos percursos
que estão sendo tomados em tempos de convergência, conectividade, múltiplas telas,
avanços tecnológicos e transformações da audiência. Adotamos como metodologia, a
priori, um levantamento de dados17 e sua análise interpretativa referente ao período de
maio de 2010 a maio 2015, que teve como principal fonte de coleta de dados o site
Memória Globo, as páginas oficiais dos programas da emissora e os sites com críticas de
TV18. O início de período de coleta de dados se deu em 2010 porque naquele ano houve
uma experiência importante do enlace entre narrativa ficcional da TV e a internet com a
telenovela Passione, como já mencionado. A pesquisa preliminar nos ofereceu dados
quantitativos significativos, porém o volume de informações foi grande e, por conta disso,
decidimos relatar e refletir nesse texto apenas sobre as relações que tratam dos
desdobramentos em múltiplas telas das séries inéditas19 e que os desdobramentos se deram
nas redes digitais na internet. Ao todo para este artigo foram observadas 42 produções. Os
gráficos abaixo sinalizam quantas séries produzidas a TV Globo realizou por ano e como
se apresentam os desdobramentos nas redes digitais em números percentuais.
17
Esse levantamento de dados foi realizado pela equipe supracitada de orientandos de Iniciação Científica da
Profa. Nísia Martins do Rosário.
18
Os sites pesquisados foram UOL, Terra e G1.
19
Para facilitar nossa classificação, vamos adotar o formato série de maneira mais genérica nesta reflexão,
tratando as séries, como um formato que engloba: série, minissérie e seriado. Embora, saibamos que há
especificidades entre eles. No site Memória Globo essa nomeação aparece de duas formas: seriado e
minissérie. O outro formato de destaque é a telenovela, que é discutido por nós em outro artigo.
23
Gráfico 01: Total de Produções TV Globo – 2010-2015.
Gráfico 02: Desdobramentos digitais das séries da TV Globo – 2010 - 2015.
O gráfico 02 mostra uma variedade das criações de produtos digitais paralelos aos
produtos principais da televisão, sinalizando que as ações da emissora em relação à
produção
ficcional
no
ciberespaço
vêm
testando
distintas
possibilidades
de
desdobramentos.
Os produtos complementares podem ser organizados a partir de várias lógicas,
como, por exemplo, sua função em relação do produto principal, sua função para o público
espectador, seu gênero, sua acessibilidade, seu modo de operação, sua transmidialidade.
Temos ciência de que não conseguimos sistematizarr todos nesse texto, tampouco
24
apresentar um panorama detalhado. Por esse motivo é que nos detivemos na
transmidialidade, que neste momento consideramos o mais importante tendo em vista que
grande parte dos produtos complementares são desta ordem.
Esse universo ficcional que extrapola a tela-TV, Jenkins (2009) chama de
transmidiação e a internet é seu terreno mais fértil. Afinal, a internet é multimídia.
Santaella (2003) considera o rápido desenvolvimento da multimídia um dos aspectos mais
significativos da evolução digital, porque une as principais formas de comunicação: a
escrita, a audiovisual, as telecomunicações e a informática. A transmidiação, de acordo
com o autor, é o processo de transposição de narrativas ficcionais além dos limites do
suporte para o qual foram criadas, dando novos contornos à relação do consumidor com o
universo ficcional. Cada suporte deve ser capaz de articular a narrativa de maneira distinta,
mas a ponto de complementar as demais plataformas, ou seja, as narrativas transmídias
envolvem universos ficcionais que possam ser compartilhados em diferentes meios. O
termo é uma associação ao inglês transmedia storytelling. (JENKINS, 2009).
Foi com base nas articulações de Jenkins (2009) que propomos pensar os
desdobramentos da ficção seriada em múltiplas telas em transmidiáticos e transmidiáticos
restritos. Assim, os desdobramentos transmidiáticos seriam aqueles que estão diretamente
vinculados às tramas como os blogs de personagens e as webséries. Eles são produtos que
compõem a narrativa principal, mantendo grande parte dos personagens; por vezes
oferecem informações que não estão na trama original, mas que, contudo, não afetam o
entendimento da história. Temos também os desdobramentos transmidiáticos restritos que
expandem a narrativa, mas não são desdobramentos da trama em si, se configuram apenas
como complementos aos temas tratados, como os webdocumentários produzidos e
disponibilizados nos sites oficiais da emissora e alguns aplicativos relacionados a
personagens. Esses não se configuram como a expansão da narrativa original.
Compreendemos que essas duas ordens transmidiáticas não abarcam todos os tipos
de produtos complementares que nossa investigação levantou. Muitos deles não se
encaixam aqui e será necessário criar outras lógicas de organização, conforme observamos
anteriormente. Há diferenças entre as maneiras que as narrativas ficcionais se expandem
nas redes digitais e nem todos os produtos que se desdobram podem ser considerados esse
tipo de narrativa.
25
Considerações finais
Devemos atentar para outra proposição de Jenkins (2014), que depois do seu livro
paradigmático Cultura da Convergência (2009) atualizou o próprio pensamento ao
discutir em Cultura da Conexão (2014) a condição de propagação de conteúdos nas redes
digitais, que se espalham de maneira mais avassaladora do que antes, porque hoje o
espectador/usuário reivindica uma participação mais ativa nos processos de produção e
circulação de conteúdos, um fenômeno cunhado por Jenkins (2009) como Cultura da
Participação. Os conteúdos que anteriormente eram distribuídos pelos meios de
comunicação passaram a circular pela rede digital em velocidade acelerada, através do
compartilhamento de informações é exatamente por essas condições que as emissoras de
televisão, não podem mais deixar de criar ficção seriada sem considerar o importante
papel das mídias digitais. A esse respeito Jenkins, Green e Ford esclarecem:
Essa mudança – de distribuição para circulação – sinaliza um
movimento na direção de um modelo mais participativo de cultura,
em que o público não é mais visto como simplesmente um grupo
de consumidores de mensagens pré-construídas, mas como
pessoas que estão moldando, compartilhando, reconfigurando e
remixando conteúdos de mídia de maneiras que não poderiam ter
sido imaginadas antes (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 24).
Por isso, acreditamos que grande parte dos desdobramentos citados anteriormente é
criada visando distribuição na rede. No final de 2014, a TV Globo deixou clara a
preocupação com o conteúdo de suas veiculações, quando mudou a reconfiguração da
estrutura dos departamentos da emissora, um reflexo das mudanças de hábitos desse
espectador/usuário e consequência da fragmentação da audiência. A diretoria de
entretenimento foi dividida em áreas diferentes: Dramaturgia: diária e semanal e
Variedades em: atrações diárias e realitys e atrações noturnas e de fins de semana e se
mantiveram as diretorias de Produção e Desenvolvimento Artístico. No comunicado
oficial a justificativa foi: “A área passará por uma transformação: deixará de ser
centralizada para ser orientada pelo conteúdo.” O diretor geral complementou a
informação dizendo que: “Com esse modelo, colocamos todo o talento e capacidade da
Globo a serviço do conteúdo, gerando produtos mais focados em cada especialidade para
nossa audiência.” 20, traduzindo o espírito do nosso tempo.
20
Esta e outras informações consulte: < http://mauriciostycer.blogosfera.uol.com.br/2014/11/17/mudancana-estrutura-da-globo-reflete-transformacao-dos-habitos-do-publico/ > Acesso em: 21/10/2015 às 20h24.
26
Referências
CARLÓN, Mario; SCOLARI, Carlos A (eds). El fin de los medios massivos. El
comienzo de un debate. Buenos Aires: La Crujía, 2009.
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. Trad. Susan Alexandria. 2ª ed. São Paulo:
Aleph, 2009.
_______________; GREEN, Joshua; FORD, Sam. Cultura da conexão: Criando valor e
significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Aleph, 2014.
KATZ, Elihu. The end of television? The anaals of the american academy of political and
social science, 2008, p. 6.
MISSIKA, Jean-Louis. La fin de la télévisión. Paris: Seiul, 2006.
SANTAELLA, Lúcia. Cultura e artes do pós-humano: da cultura das mídias à
cibercultura. São Paulo: Paullus, 2003.
SCOLARI, Carlos A. Narrativas transmedia – Cuando todos los medios cuentan.
Barcelona: Deusto, 2013.
27
Mesa 2- TELEJORNALISMO
Revista TV Sul Programas: uma análise da grade da televisão gaúcha
em 1963 e 1964
Leandro Olegário21
Débora Sartori22
Greetchen Ferreira Ihitz23
Ricardo Ramos Carneiro da Cunha24
RESUMO:
Este artigo pretende entender como era a programação na primeira fase da televisão no
Rio Grande do Sul. Para isso, estuda-se a Revista TV Sul Programas, que surgiu em
1963 e circulou até 1969, em Porto Alegre. A publicação quinzenal tem origem em um
folheto distribuído anteriormente, de maneira gratuita. Adotam-se as técnicas de análise
documental (MOREIRA, 2005) e de conteúdo (BARDIN, 2011) tendo como corpus as
edições de agosto de 1963 a agosto de 1964.
PALAVRAS-CHAVE: televisão; grade de programação; TV Sul Programas; gêneros e
formatos.
Introdução
No ano em que completa 65 anos, a TV segue hegemônica no Brasil. E apesar de
todas as transformações tecnológicas pelas quais vem passando, com a grande expansão
das mídias sociais e dispositivos móveis, a realidade é que ela ainda se mantém como o
principal meio de informação para boa parte dos brasileiros. De acordo com a Pesquisa
Brasileira de Mídia 201525 dos mais de 18 mil entrevistados, 79% disseram que
assistem TV para se informar.
21
Doutorando em Comunicação Social pela PUCRS. Professor de Jornalismo na UniRitter. E-mail:
[email protected]. Integrante do Grupo de Pesquisa GPTV.
22
Mestre em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail:
[email protected]. Integrante do Grupo de Pesquisa GPTV.
23
Mestranda em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail:
[email protected]. Integrante do Grupo de Pesquisa GPTV.
24 Mestre em Comunicação Social pela PUCRS. E-mail: [email protected]. Integrante do
Grupo de Pesquisa GPTV.
25
A Pesquisa Brasileira de Mídia 2015 foi encomendada pela Secretaria de Comunicação Social da
Presidência da República e realizada pelo Ibope em 2014. Foram entrevistadas 18.312 pessoas maiores de 16
em 848 municípios. Dos entrevistados 95% afirmaram ver televisão e 72% possuem acesso à TV aberta.
Disponível em: <http://pt.slideshare.net/BlogDoPlanalto/livro-2015-ok-3-2>. Acesso em: 22 ago. 2015.
28
Uma história que começa a ser contada a partir da iniciativa pioneira do
jornalista Assis Chateaubriand que colocou no ar, em 18 de setembro de 1950, a TV
Tupi Difusora de São Paulo, a primeira emissora do país. São mais de seis décadas de
uma trajetória que está fortemente associada aos impactos sociais, econômicos e
políticos vividos no país. O critério político foi o responsável pelas concessões de
canais de TV distribuídas em grande número no governo do presidente Juscelino
Kubitschek (1956-1961) e depois, durante os governos militares pós-1964. A partir de
1967, com a implantação do Ministério das Comunicações, as concessões de licenças
passaram a levar em conta os ideais do Conselho de Segurança Nacional, que tinha por
objetivo promover o desenvolvimento e a integração nacional. O favorecimento político
para as concessões de canais prosseguiu também na Nova República como era chamado
o governo José Sarney (1985-1989).
O professor e pesquisador Sérgio Mattos (2010) divide o período histórico da
TV no país em sete fases. E foi na fase elitista (1950-1964), na qual o televisor era
considerado um bem de luxo, que inicia a televisão no Rio Grande do Sul. Em 20 de
dezembro de 1959 foi ao ar a primeira emissora, a TV Piratini - canal 5, que nasceu da
iniciativa de Assis Chateaubriand e fazia parte do conglomerado Diários Associados.
Seguindo a mesma lógica de outras tevês pelo país, a Piratini teve grande influência do
rádio, que deu o suporte de pessoal especializado, de quadros já existentes na Rádio
Farroupilha, bem como dos programas de radiojornalismo e auditório:
O conteúdo das primeiras transmissões foi pensado com teledramaturgia ao
vivo, jornalismo e variedades, o que incluía shows de música, alguns
programas trazidos das TVs Tupi do Rio de Janeiro e de São Paulo e as séries
de enlatados (como eram chamadas as séries de filmes concebidas para
passar na televisão, normalmente de procedência norte-americana). Alguns
programas foram criados e desenvolvidos localmente, outros adaptados do
que já era ou tinha sido sucesso nas TVs do centro do país (BERGESCH,
2010, p. 39).
A TV Gaúcha- canal 12, segunda emissora do RS, foi inaugurada oficialmente
no dia 29 de dezembro de 1962. E originou-se da parceria entre os empresários Arnaldo
Ballvé e Maurício Sirotsky, que já haviam constituído a Rádio Gaúcha e Emissoras
Reunidas. Diferentemente da TV Piratini, a emissora tinha a característica de apresentar
uma programação mais local e uma organização com objetivo de negócio, o que atraiu
muitos empreendedores e profissionais ligados à propaganda:
[...] a Gaúcha planejava, já em sua instalação, tornar-se produtora de
programas, contando de saída com equipamento de VT que a outra não tinha
29
ainda. Mas foram os programas de auditório da Rádio Gaúcha e o
emblemático apresentador Maurício (Sirotsky) Sobrinho que perfilaram a
programação da TV. A competição instalou-se aqui, então, em 1962, entre as
duas emissoras “locais”. Se os iniciadores da Piratini tiveram de ser treinados
em 1959 no Rio, três anos depois a Gaúcha já pôde contar com os melhores
profissionais da tevê local, alguns dos quais migraram imediatamente de uma
emissora para outra (KILPP, 2000, p.30).
A chegada do videotape muda a programação
A partir de 1962 com a entrada da TV Gaúcha no mercado televisivo os
telespectadores podiam escolher entre dois canais. Para melhorar a qualidade do sinal,
que era muito precário, as emissoras precisavam investir na modernização tecnológica e
qualificação dos profissionais, o que exigia a necessidade de maiores investimentos. Um
dos fatores que influenciou fortemente a grade de programação dos canais 5 e 12 foi a
introdução do videotape26. A capacidade de gravar grandes produções previamente,
com a possibilidade de reprodução e veiculação em outras emissoras através do uso de
fitas modificou os processos dentro das tevês, no cenário comercial, no perfil dos
profissionais que trabalhavam no meio e nas expectativas do público. Surgia ali mais
um fator de competição entre os canais para reproduzir programas produzidos no Rio de
Janeiro e São Paulo. Porém, um dos problemas da época eram as falhas no transporte, o
que muitas vezes impossibilitava a exibição dos programas vindos do centro do país que
eram anunciados previamente. Mesmo com as críticas a má qualidade das cópias em
detrimento de uma programação local ao vivo, as emissoras gaúchas optaram em rodar
os tapes em função dos custos operacionais mais baixos. De acordo com Kilpp (2000,
p. 32), os dois canais diminuíram a programação local que chegou a ser mais de 60% ,
sendo que a Piratini veiculava os programas da TV Tupi e a Gaúcha, os da TV
Excelsior:
A Piratini, que sofrera o impacto do surgimento da Gaúcha, em 1963 foi
instruída a acabar com a maior parte dos programas locais, demitindo artistas
e técnicos. Do outro lado a Gaúcha, obrigada a ligar-se à Excelsior, não
conseguia sequer manter seus próprios quadros e adotou também uma
importante grade de enlatados.
A TV Gaúcha foi vendida quase dois anos após a sua inauguração para o Grupo
Simonsen, ligado à TV Excelsior, em virtude de seus acionistas estarem endividados
26
Quando a TV Gaúcha foi inaugurada já possuía uma versão mais sofisticada do videotape norte-americano
Ampex, com edição eletrônica, que havia sido desenvolvido especialmente para a Copa do Mundo do Chile
de 1962. (BERGESCH, 2010).
30
com a montagem da emissora. Contrários à venda, os irmãos Maurício e Jayme Sirotsky
recompraram a totalidade das ações do canal 12 em 1968. Depois de um começo que
tinha como objetivo uma programação voltada para o público local, as emissoras
tiveram que integrar redes nacionais como forma de sobrevivência. A TV Piratini não
resistiu e em 1980 saiu do ar e a concessão passou para o empresário Silvio Santos, do
SBT. A TV Gaúcha, afiliada da Rede Globo desde 1967, passou a se chamar RBS TV em
1979. Considerada a maior rede regional de TV do país, possui hoje 18 emissoras
distribuídas no Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Televisão: programação, categorias e gêneros
Quando uma pessoa liga a televisão, passados alguns minutos, ela percebe a
partir de alguns elementos televisivos e verbais qual o tipo de programa que está
assistindo. Com base em referências cognitivas o público consegue diferenciar uma
novela de um telejornal. São os gêneros e formatos dos programas que ajudam a dar
sentido e a classificar os produtos midiáticos. “Eles ajudam a situar a audiência em
relação a um programa, em relação ao assunto nele tratado” (GOMES, 2011, p. 32).
Aronchi de Souza (2004), responsável por um dos mais completos trabalhos de
mapeamento de categorias, gêneros e formatos na televisão brasileira, afirma existirem
três categorias que abrangem a maioria dos gêneros: entretenimento, informação e
educação. O autor cita ainda a existência de outras duas categorias: publicidade e
especiais.
Já em relação às grades de programação, Souza (2004) considera duas fases
distintas. A primeira seria de 1950 a 1964 e a outra de 1964 aos dias atuais e que
também, recentemente, passa a se reconfigurar na perspectiva da internet e do consumo
de conteúdo por demanda do público. Para o autor (2004, p.55), “programação é o
conjunto de programas transmitidos por uma rede de televisão”. É a grade que vai
possibilitar às emissoras estabelecer os horários de cada programa numa perspectiva
ária e horizontal, na tentativa de fidelização da audiência. Isso porque o público cria o
hábito e acaba se acostumando a assistir certo gênero em um determinado horário
durante a semana. Como forma de manutenção do modelo de negócio, o mercado
publicitário também vai influenciar na concepção de categorias, gêneros e formatos.
Aos quais seguimos a catalogação proposta por Souza (2004) enquanto categorias e
seus respectivos gêneros, que irão derivar nos formatos dos programas exibidos pelas
emissoras:
31
Entretenimento: auditório, colunismo social, culinário, desenho animado,
docudrama, esportivo, filme, game show (competição), humorístico, infantil,
interativo, musical, novela, quiz show (perguntas e respostas), reality show (TV
- realidade), revista, série, série brasileira, sitcom (comédia de situações), talk
show, teledramaturgia (ficção), variedades, western (faroeste).
Informação: debate, documentário, entrevista e telejornal.
Educação: educativo (conhecimento específico ao telespectador) e instrutivo
(qualifica para uma profissão).
Publicidade: chamada, filme comercial, político, sorteio e telecompra.
Outros: especiais, eventos e religioso.
É pertinente ressaltar que o gênero especial abrange programas que podem se
aproximar de mais de uma categoria, ou seja, com caráter híbrido.
Procedimentos metodológicos
É nesse contexto de apenas duas emissoras em Porto Alegre que surge o que
hoje pode ser considerado um documento sobre a história da televisão no Rio Grande do
Sul: a Revista TV Sul Programas
27
. A publicação, em formato de bolso,
tinha periodicidade quinzenal e teve origem em um folheto que circulara anteriormente,
de maneira gratuita. A primeira edição, que reproduz na capa uma foto da TV Piratini,
data de 16 de agosto de 1963 e possui 36 páginas. A publicação teve tiragem inicial
de 20
mil exemplares, que chegaria a ultrapassar os cem mil, no decorrer do tempo e o último
exemplar que está catalogado no acervo digital é de 23 de junho de 1969.
A presente pesquisa tem o objetivo de mapear e entender a grade de
programação das duas emissoras na primeira fase da televisão no Rio Grande do Sul, a
partir da técnica de análise documental (MOREIRA, 2005) e dos critérios de análise de
conteúdo, (BARDIN, 2011). Da perspectiva metodológica, o corpus deste trabalho
contempla as edições da Revista TV Sul Programas de agosto de 1963 a agosto de 1964,
totalizando 23 exemplares, uma vez que não havia disponível o terceiro fascículo da
publicação no arquivo do acervo digital da publicação. Cabe ressaltar ainda que até a
edição de número 07 (segunda quinzena de novembro de 1963), durante duas horas
27
O acervo das revistas está no arquivo digital do Núcleo de Pesquisa em Ciências da Comunicação da
Famecos- PUCRS. Disponível em: < http://eusoufamecos.uni5.net/nupecc/conteudo/acervodigital/revistatv-sul-programas/>. Acesso em: 3 jul. 2015.
32
diárias, a programação era interrompida para apresentação do horário político, uma
determinação da Justiça Eleitoral Federal.
Para uma aplicabilidade coerente do método, a Análise de Conteúdo necessita
como ponto de partida uma organização e prevê as seguintes fases: 1. A pré-análise; 2.
A exploração do material; e, por fim, 3. O tratamento dos resultados: a inferência e a
interpretação, BARDIN (2011, p.121). O que de maneira simplificada, neste trabalho,
representou: 1. Seleção da revista e definição do corpus; 2. Identificação e mapeamento
da grade das duas emissoras no período determinado; 3.Leitura e contextualização dos
dados. Acredita-se que associado à esse método, faz-se pertinente a técnica de análise
documental, pois está no seus escopo identificar, verificar e apreciar os documentos
com uma finalidade específica. Na presente pesquisa, utiliza-se o referencial teórico
como fonte paralela e simultânea de informação para complementar os dados e permitir
a contextualização das informações contidas na revista analisada. De acordo com
MOREIRA (2005), a análise documental deve extrair um reflexo objetivo da fonte
original, permitir a localização, identificação, organização e avaliação das informações
contidas no documento, além da contextualização dos fatos em determinados
momentos. Os autores desta pesquisa entendem que análise de conteúdo associada à
técnica documental possibilita uma pesquisa sociocultural e histórica, uma vez que
busca a reconstrução crítica dos dados passados a obtenção de indícios para
compreensão de cenários na atualidade.
O mapeamento da programação e a classificação têm por referencial a obra de
Souza (2004), que propõe como categorias: Entretenimento, Informação, Educação,
Publicidade e Outros. Cada uma contém diferentes gêneros que serão apresentados ao
longo deste trabalho. Assim sendo, levaram-se em conta três elementos de investigação:
teoria dos gêneros da TV brasileira, classificação do programa pela emissora e análise
a programação. Primeiro, foram identificadas as categorias em que a programação de
cada canal se enquadrava.
Análise das grades de programação
Uma exploração sistemática dos documentos permitiu inferir que havia uma
preponderância de programas de entretenimento adulto e infantil em relação aos espaços
de notícias jornalísticas e esportivas. A dedução foi feita a partir da análise temática,
que para Bardin (2011, p. 135) “consiste em descobrir os “núcleos de sentido” que
compõem a comunicação e cuja presença, ou frequência de aparição, pode significar
33
alguma coisa para o objetivo analítico escolhido”. As referências à programação feita
nos fascículos e o conhecimento prévio dos títulos das atrações ajudaram a identificar os
assuntos, conforme pode ser visualizado na tabela 1.
Tabela 1 – Comparativo da grade de programas das emissoras: TV Gaúcha e TV Piratini
Número 17 - Canal 12
QUARTA 22 e 29/04/1964
15:30
Abertura
15:35
Vida e Esperança
15:40
Sessão de Cinema
16:00
Markham
16:30
Telenovela Drogarias Brasil
17:00
Cine Show Kibon
17:35
Programa Celia Ribeiro
18:25
Grande novela Colgate
18:50
Só Risos
19:00
Maria Tereza Um Show
19:35
Bola Branca
19:40
Atualidades Admiral - 1 edição
19:55
Banca de Sapateiro
20:25
Ben Casey
21:30
Times Square
22:30
Show de notícias Admiral
23:00
Teleuniversidade
Fonte: Revista TV Sul Programas (1964)
É interessante destacar que no material estudado muitos horários das grades eram
imprecisos, além disso, os nomes dos programas estavam grafados de forma incorreta e
raramente era indicada a hora de encerramento das transmissões. Considerando estas
variáveis, as amostragens podem incorrer em alguns erros, como tempo total da
programação e categorização das atrações. Partindo desse princípio, e mais uma vez
recorrendo aos seus métodos, escolhemos a proposta de Bardin (2011) quando sugere
que a análise pode ser feita “a partir da contagem de um ou vários temas ou itens de
significação”, desde que previamente determinados.
Conforme já fizemos referência, para este estudo usamos o referencial de
Souza (2004) para estabelecer as seguintes categorias da pesquisa: entretenimento,
informação, especial, educação e publicidade. Considerando como corpus as grades das
duas emissoras no total foram contabilizadas 5.885 horas de programação semanal
(2.940h no Canal 12 e 2.945h50m no Canal 05). Na análise de conteúdo, quando
34
medimos a frequência de existência de um determinado elemento na mensagem,
estamos procedendo com uma abordagem quantitativa e nesse caso chegamos aos
resultados por meio de um método estatístico. Sendo assim, a partir da categorização
definida anteriormente, os programas foram separados de acordo com os temas da
pesquisa e pode-se verificar a presença e a relevância delas, considerando que aqueles
temas, com maior duração de horas, representam um maior grau de importância,
conforme se observa nas tabelas 2, 3 e 4.
Tabela 2 – Categorias e horários da grade das emissoras: TV Gaúcha e TV Piratini
Canal
Categoria
Revista 01 Revista 02 Revista 04 Revista 05Revista 06 Revista 07 Revista 08 Revista 09Revista 10Revista 11 Revista 12
Entretenimento 43h30m 44h15m 45h50m 44h05m 86h50m 54h35m 45h45m 50h55m 37h45m 37h55m 48h50m
9h35m
10h40m 10h
11h
10h20m 8h15m
9h35m
9h15m
6h
9h25m
8h35m
Informação
11h
1h
Canal 12 Especial
1h
1h05m
30m
30m
25m
2h30m
2h30m
1h
Educação
Publicidade
Entretenimento 42h50m
8h50m
Informação
25m
Canal 05 Especial
1h10m
Educação
Publicidade
39h10m
11h50m
30m
3h05m
37h20m
9h55m
20m
4h55m
36h20m
10h05m
30m
3h05m
37h40m
12h45m
20m
3h10m
44h10m
10h15m
20m
4h30m
53h40m
8h20m
1h05m
1h15m
72h05m
10h25m
1h05m
1h20m
49h50m
15h30m
1h05m
1h20m
42h35m
10h40m
38h55m
6h45m
1h25m
1h25m
Fonte: Revista TV Sul Programas (1963)
Tabela 3 – Categorias e horários da grade das emissoras: TV Gaúcha e TV Piratini
Canal
Categoria
Revista 13 Revista 14 Revista 15 Revista 16 Revista 17 Revista 18 Revista 19 Revista 20 Revista 21 Revista 22 Revista 23
Revista 24Entretenimento 42h
48h35m 58h35m 54h15m 47h50m 57h25m 56h55m 49h55m 52h15m 51h35m 51h55m 50h45m
14h15m 10h25m 7h10m
7h45m
7h30m
8h40m
9h30m
12h10m 11h15m 11h15m 11h15m 11h15m
Informação
Canal 12 Especial
50m
45m
45m
1h
1h
1h
1h
1h
1h
2h
1h30m
45m
45m
Educação
45m
45m
45m
Publicidade
Entretenimento 34h30m
14h15m
Informação
1h25m
Canal 05 Especial
45m
Educação
Publicidade
38h40m
10h45m
1h30m
2h25m
49h10m
9h55m
1h10m
4h10m
51h15m
6h35m
1h10m
4h35m
51h25m
8h30m
1h
3h50m
54h40m
8h15m
2h
5h20m
51h05m
8h40m
2h15m
5h05m
52h40m
8h20m
1h45m
4h30m
53h35m
9h25m
1h45m
3h40m
54h15m
8h35m
1h45m
3h40m
57h05m
8h45m
1h55m
3h45m
56h40m
7h10m
2h20m
3h40m
Fonte: Revista TV Sul Programas (1964)
Tabela 4 – Categorias e total de tempo por emissoras: TV Gaúcha e TV Piratini
Canal
Categoria
Total
horas
Entretenimento
1.162h15m
Informação
225h05m
12h50m
Canal 12 Especial
Educação
22h
Publicidade
2h15m
Entretenimento 1099h35m
Informação
224h30m
27h25m
Canal 05 Especial
Educação
71h
Publicidade
Fonte: Os Autores, (2015)
O que podemos observar pelos resultados da análise é que o entretenimento abria
a grade das duas emissoras. Em determinados dias, principalmente no canal 5, era
35
também um programa de entretenimento quem encerrava a grade. Programas deste
gênero ocupavam o maior tempo de programação, muito superior à categoria
informação, que vem na sequência. Nas edições analisadas, conforme consta na tabela
4 foram 1.162h15min para aquele item, contra 225h05min deste no canal 12 e
1.099h35min contra 224h30min deste no canal 5. Em algumas edições, como na de
número 18 (Tabela 3) a diferença é ainda maior. Em 65h05min de programação no canal
12, cerca de 83% do tempo foram destinados ao entretenimento.
Embora este não seja o mote da pesquisa, constatou-se diversidade nos formatos
na categoria. Em algumas edições, foram 12 programas diferentes enquadrados como
entretenimento. Muitos deles produzidos em outros países e comprados para exibição
pelas emissoras. Estas questões guardam semelhanças com o que observamos hoje na
TV aberta no Brasil. Nas principais emissoras do país, percebemos
que
é
dedicado ao entretenimento o maior tempo da grade de programação. Também
há uma diversidade maior de formatos, com a exibição de novelas, filmes, séries e
programas de auditório.
A categoria informação ocupou a segunda posição, levando-se em conta o
quesito tempo de programação. Os dois canais dedicavam espaços diários ao jornalismo,
inclusive aos domingos em uma das emissoras. Mesmo com uma frequente
mudança de horário dos programas, ressalta-se que, no geral, os canais conseguiam
manter horários fixos para a categoria entretenimento. Uma característica bem marcante
da época analisada é que os telejornais mantinham nos nomes a marca dos
patrocinadores, indicando a forte influência da publicidade no período. No canal
12, as duas edições do telejornal eram identificadas com a empresa Admiral. No canal
5, os títulos continham as marcas Esso e Ipiranga, com os nomes Repórter Esso e
Grande Jornal Ipiranga. Esta emissora exibia, ainda, aos domingos, o programa
Telesemana Sulbanco. Ressalta-se que, em algumas edições, era o Atualidades
Admiral quem encerrava a grade do canal 12. A segunda edição deste telejornal, mais
tarde, passou a ser denominado Show de Notícias Admiral e deixou de encerrar a
programação. Foi nesta emissora, ainda, que pode-se observar uma maior rigidez na
manutenção de horários na grade.
No período analisado, também observou-se a existência de outros itens
constantes na categoria informação, como programas de entrevistas e de atualidades.
Observando a tabela 4 ainda é possível citar a incidência da categoria educação, em que
foram enquadrados programas como o Teleuniversidade, que ia ao ar pelo Canal
36
12, e alguns programas religiosos, que foram incluídos na categoria Especial.
Encontram-se muitas semelhanças entre o que exibia a televisão gaúcha no período
analisado com o que vemos hoje na televisão aberta brasileira. Pode-se afirmar que a
base é parecida, já que constatamos hoje, e entre os anos de 1963 e 1964, maior tempo
dedicado ao entretenimento e horários fixos para a informação. Inclusive, naquela
época, assim como hoje, os telejornais ocupavam os horários considerados nobres na
grade.
O que podemos observar de diferenças é que, nos anos que são objetos dessa
pesquisa, em geral, a grade de programação das emissoras iniciava com programas de
entretenimento. Diferente dos dias atuais, em que constatamos que os principais
canais hoje começam a programação com informação. É importante ressaltar, entretanto
que, naquele período, a programação iniciava-se no início ou no meio da tarde, e
apenas aos finais de semana pela manhã, o que difere do que vemos hoje na televisão
brasileira.
Considerações finais
As revistas aqui analisadas, ao mesmo tempo que permitem conhecer a
disposição das atrações nas grades de programação das duas emissoras pioneiras nas
transmissões televisivas no Rio Grande do Sul, nos possibilitam afirmar que, no
período de 1963-1964, tanto a TV Gaúcha quanto a TV Piratini cumpriram o papel de
informar, entreter e instruir, funções atribuídas à televisão. É bem verdade também
que os modelos de grades e programações dos dois canais foram fundamentais para
definir o atual modelo de atrações das emissoras gaúchas. Se o estudo mostrou uma
predominância do entretenimento em relação à informação, é importante destacar que os
formatos jornalísticos daquele período são os mesmos exibidos atualmente, como
telejornais e programas de entrevistas e debates. Conclui-se também que para atender o
público heteregêneo, característico da televisão aberta, as emissoras gaúchas, desde a
sua criação, priorizaram suas grades com uma grande variedade de atrações visando
buscar uma maior audiência.
Os dados obtidos neste trabalho, com o mapeamento da grade de programação
nos primórdios da consolidação da televisão no Rio Grande do Sul e que compõe
umas das frentes do nosso Grupo de Pesquisa Televisão e Audiência/CNPq (GPTV)
podem ser utilizados para futuros estudos em diferentes perspectivas. Além disso, a
releitura das informações coletadas pode auxiliar na compreensão do cenário
37
midiático e na inter-relação entre a produção de conteúdo local, nacional e internacional
ao longo do tempo, permitindo identificar fatores de permanência e modificações
inseridas nas grades de programação na atualidade, o que dialoga diretamente com
modelo de negócio, audiência e identidade cultural.
Referências
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.
BERGESCH, Walmor. Os televisionários. Porto Alegre: Ardotempo, 2010.
GOMES, Itania Maria Mota. (Org.). Gêneros televisivos e modos de
endereçamento no telejornalismo. Salvador: EDUFBA, 2011.
KILPP, Suzana. Apontamentos para uma história da televisão no Rio Grande do
Sul. São Leopoldo: Unisinos, 2000.
MATTOS, Sérgio. História da televisão brasileira: uma visão econômica, social e
política. Petrópolis: Vozes, 5. ed. rev., 2010.
MOREIRA, Sonia Virgínia. Análise documental como método e como técnica. In:
DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio (Orgs.). Métodos e técnicas de pesquisa em
comunicação. São Paulo: Atlas, 2005. p. 269-279.
SOUZA, José Carlos Aronchi de. Gêneros e formatos na televisão brasileira. São
Paulo:Summus, 2004.
38
Participação popular no jornalismo utilitário
Grayce Delai
RESUMO
Este artigo busca explorar as formas de participação popular a fim de comprovar que o
público tem interesse em sentir-se representado na televisão. Ao analisar a participação
do telespectador no envio de dados ao programa Bem Estar, buscamos exemplos
positivos que possam ser utilizados como base para que os jornalistas possam incentivar
os espectadores a colaborarem com os conteúdos interativos, com vistas nos canais de
interatividade que serão inseridos, em breve na televisão digital.
Palavras-chave: jornalismo participativo, jornalismo utilitário,
televisão.
Com vistas à participação do público na produção de conteúdos no Brasil,
buscamos analisar possibilidades de utilização do potencial criador do público na
produção matérias telejornalísticas. Acreditamos que o Programa Bem Estar da Rede
Globo incentiva a colaboração popular através de enquetes, do envio de vídeos amadores
e perguntas interativas. Através da análise do conteúdo de uma semana de exibição do
programa, de 3 a 9 de julho de 2014, e da repercussão dos assuntos pautados no site do
programa e a fanpage do Bem Estar no Facebook, investigamos as formas de incentivar
a participação utilizando os conceitos de convergência e cultura participativa de Jenkins
(2009).
O Bem-Estar é um programa jornalístico, que oferece entretenimento ao
espectador, veiculado de segunda a sexta-feira às 10 horas desde 21 de fevereiro de
2001, com apresentação ao vivo e duração média de 40 minutos. Desde sua primeira
exibição era totalmente receptivo à participação popular e a interatividade, antes
mesmo da televisão digital chegar ao Brasil. O início das transmissões do Sistema
Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD) ocorreu em 2007, e, atualmente, o sinal de
televisão digital já está presente em todas as capitais, mas conforme a Fórum SBTVD,
o canal de interatividade deve chegar a apenas em 2018.
Enquanto essa tecnologia não chega, iremos investigar as formas de
participação popular no telejornalismo. Analisamos as formas de interação e
colaboração oferecidas pela produção do programa, a fim de compreender através
39
de experiências bem sucedidas as melhores formas de incentivar a participação do
público.
PARTICIPAÇÃO E REPRESENTAÇÃO POPULAR
McQuail ( 2013) caracteriza o público como o coletivo de receptores, “o conceito
de público implica um conjunto atento, receptivo, mas relativamente passivo de ouvintes
ou espectadores reunidos em um ambiente mais ou menos público” (MCQUAIL, 2013,
p.374). O autor britânico deixa bem claro que público e audiência não são sinônimos na
língua inglesa, públicos são segmentados e diversificados, e audiências são massivas e
sem caracterização. Conforme o autor, a recepção da mídia de massa “é uma experiência
de pouca regularidade e que não coincide com esta versão, principalmente em um
momento de mobilidade, individualização e multiplicidade de usos de mídia” (p.374).
Segundo ele o surgimento das novas mídias foi o principal influenciador para essa
mudança de comportamento. A busca por conteúdo e a interatividade substituíram a
postura passiva do espectador. O programa Bem Estar, no ar desde 2011, é um ótimo
exemplo para essa reconstrução do conceito de público, que deseja participar e sentirse representado, já que é produzido com base no envio de dúvidas e sugestões de
espectadores.
Quando os receptores passam a serem produtores de conteúdo e participa
ativamente nos veículos eles podem ser enquadrados nos conceitos de Jornalismo
Cidadão, Cívico ou Participativo. Entretanto esses conceitos não podem ser usados como
sinônimos. Bowman e Willis (2003) esclarecem que Jornalismo Cívico apesar de
incentivar a participação, exige um alto nível de controle e organização de notícias. E só
podemos denominar cívico o fazer jornalístico que seleciona os participantes conforme
sua representatividade social, o que não acontece no Programa Bem Estar.
Targino (2009) explica que, no Brasil o termo Jornalismo Cidadão era
utilizado, inicialmente, para produções independentes, entretanto, hoje já contempla
a atuação do público que colabora com os veículos, enviando informações de fatos que
não foram cobertos por repórteres. Essas atividades caracterizam o conceito de
Jornalismo Participativo de Bowman e Willis (2003).
Jornalismo participativo: A atuação de um cidadão, ou grupo de
cidadãos, que exerce um papel ativo no processo de coleta, reporte, análise e
divulgação notícias e informações. Esta interação tem intenção de
proporcionar uma participação
independente, confiável, precisa, abrangente e informativamente relevante
como uma democracia requer. (BOWMAN; WILLIS, 2003, p.9) 28
28
Tradução nossa.
40
Primo e Träsel (2006) acreditam
que em qualquer noticiário, seja
audiovisual ou impresso, a participação de seu público deve ser incentivada. Atualmente
com a disseminação das redes sociais, os jornalistas e o público passaram a estar
conectados simultaneamente, os comunicadores passaram a ter uma personificação
através de seus perfis e o público passou a ter mais confiança de enviar conteúdos
diretamente a eles, quebrando a hierarquização midiática. Ferreira (2012) defende que
essas novas tecnologias foram responsáveis pela maior interação popular, e Mattos
(2013) afirma que com o uso de celulares mais modernos, os usuários puderam
“[...]assumir o papel de receptor, transmissor e fonte de informações, rompendo assim
alguns paradigmas da comunicação” (MATTOS, 2013, p. 54). Acreditamos que esse
poder provem não apenas da tecnologia de produção de imagem digital de qualidade,
mas principalmente porque os smartphones oferecem a possibilidade do usuário estar
conectado à internet ininterruptamente.
INTERAÇÃO E FEED BACK DO PÚBLICO
Enquanto a interatividade direta não está disponível, buscamos as melhores
formas de compreender as vontades e opiniões populares. A principal maneira de
conectar-se aos espectadores é através da internet, solicitando que o público busque os
links interativos no site do programa ou nos perfis oficiais nas redes sociais e
promovendo a convergência midiática. O ponto negativo dessa forma de conexão é a
total dependência da internet, todavia, a internet além de oferecer espaço para uma
programação extra e diferenciada, otimiza a interação entre usuários. Jenkins (2009,
p.30) defende que, a inteligência coletiva só tem a somar e é necessário usar melhor o
potencial interativo da internet. "Em vez de falar sobre produtores e consumidores de
mídia como ocupantes de papéis separados, podemos agora considerá-los como
participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de
nós entende por completo” (JENKINS, 2009, p. 30).
Tendo em vista o estudo SocialTV 2014 do Ibope Media que investigou os
hábitos
de
quem
consome
conteúdo
televisivo
em
diferentes
plataformas,
compreendemos que o público já está adaptado a utilizar a internet como forma de
interação. Com base na amostra das
principais regiões metropolitanas do Brasil, o estudo apontou que 16 milhões de
brasileiros
41
usam simultaneamente televisão e internet. Na versão anterior do estudo, em 2012,
foram contabilizados 8,7 milhões. No quadro abaixo, podemos visualizar a
quantificação do consumo simultâneo de TV e internet, bem como hábito do público
comentar sobre o que se assiste.
IBOPE,
2014
Com base nesses dados, compreendemos que se 38% da população faz
comentários durante a programação, as equipes de produção televisiva necessita
urgentemente absorver esse feedback e utilizar-se dessa importante ferramenta de
medição de audiência. Do total de comentários feitos pelos entrevistados das regiões
metropolitanas do Rio de Janeiro e São Paulo, 34% estão ligados a programas
jornalísticos, como o Bem Estar. O estudo aponta, ainda, que “80% do público que
faz comentários enquanto assiste à TV já trocou de canal ou ligou a televisão para ver
um programa que foi sugerido ou comentado em uma mensagem que recebeu pela
internet.” (IBOPE, 2014). Compreendemos que a audiência integrada é alta e se
incentivada pode auxiliar na adaptação do conteúdo ao gosto popular.
INCENTIVO À
UTILITÁRIO
PARTICIPAÇÃO
ATRAVÉS
DO
JORNALISMO
O Bem-Estar, um programa jornalístico, conforme Vaz (2012), atualmente é
apresentado pelos jornalistas Fernando Rocha e Mariana Ferrão, e transmitido ao
vivo em rede nacional. A simultaneidade do ao vivo adere atualidade e a proximidade
ao programa, que a p r e s e n t a u m d i s c u r s o s i m p l i f i c a d o e s e a p r o x i m a d o
42
gênero educativo. Toda a estruturação visual e de discurso do programa é planejada
para que o telespectador sinta-se representado por aquele conteúdo apresentado,
conforme a autora.
O programa aborda temas relacionados à saúde e qualidade de vida e visa
“apresentar ao público um conteúdo útil, apontando soluções para problemas, dicas e
possíveis mudanças de hábito” (VAZ, 2012, p.10), o que o enquadra no conceito de
Jornalismo Utilitário. Esse gênero jornalístico visa orientar o receptor. “O jornalismo
utilitário tem a característica de oferecer uma informação que o receptor precisa ou vai
necessitar em algum momento” (VAZ, 2012, p.14). Nesse modelo os jornalistas buscam
oferecer ao público orientações e indicações que possam ser úteis ao cotidiano do
telespectador.
Jornalismo de Serviço é aquele que vai além da simples divulgação da
informação e se preocupa em mostrar/demonstrar fatos e ações que a curto,
médio ou mesmo longos prazos, vão contribuir para melhores condições de
vida do receptor. Informações que o tornem mais saudável, mas apto a
administrar o próprio tempo ou dinheiro. (TEMER, 2003, p.101)
O gênero utilitário presta um serviço de assistência ao receptor e utiliza-se de
linguagem pedagógica para facilitar a compreensão. Também, propicia e incentiva a
participação popular, ao oferecer informações relevantes com linguagem de
fácil compreensão para aproximar os apresentadores de seu público.
ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO DO PÚBLICO NO BEM ESTAR
O programa analisado não é completamente produzido pelos telespectadores,
mas, é um dos programa da TV aberta que oferece maior possibilidade de interação.
Buscamos investigar como é incentivada a colaboração, para tanto, realizamos uma
análise do conteúdo de uma semana de programa, de 3 a 9 de julho e das reproduções
dos assuntos pautados no site do programa, onde é realizada a maior parte dos convites
a participação popular, e na fanpage do Bem Estar no Facebook.
Nossa análise de conteúdo segue os procedimentos metodológicos de Bardin
(1977). A autora divide a pesquisa em três fases: 1) pré-análise, 2) exploração do
material e 3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Incialmente, em uma
pré-análise, acompanhamos a exibição do programa, e antes de cada edição verificamos
as perguntas postadas no site e após o programa acompanhamos as respostas do
público pelo Facebook para verificar se a pauta foi bem aceita ou não.
43
No site do programa encontramos três locais para envio de conteúdo
colaborativo. A tele interativa: Participe Ao Vivo, o canal “Vc no Bem Estar – mande sua
pergunta com vídeo ou foto”, e o canal da Central de Atendimento ao Telespectador da
Rede Globo. O primeiro é um canal para envio de perguntas relacionadas ao tema
proposto pela produção do programa, e que poderão ser respondidas ao vivo e o
segundo é um sistema integrado de envio de imagens e mensagens audiovisuais.
Todas as plataformas são mediadas e necessitam de cadastro no site globo.com, através de
e-mail ou perfil no Facebook, a participação é gratuita. Esse tipo de interatividade,
segundo Jenkins (2009), favorece a democratização do conteúdo midiático e propõe um
campo de produção de conhecimento coletivo.
Desprezamos a quantificação das perguntas respondidas ao vivo, pois muitas
questões veiculadas são elaboradas com base em mais de uma pergunta postada na tela
interativa. Também verificamos que os comentários na fanpage não tinha repercussão
durante o decorrer do programa, ainda que esta seja a página oficial do Bem Estar na
rede social. E constatamos que é através do site que os telespectadores podem conversar
com os consultores do programa e tirar dúvidas. Para envio de conteúdo colaborativo é
necessário acessar o site do Bem Estar, e logar-se no site da Globo ou via um perfil
social.
Compreendemos que sem a interatividade contida nas televisões digitais, a
internet ainda é a única forma de conseguir receber conteúdos colaborativos do público.
Conforme Jenkins (2009), os diferentes meios de comunicação evoluíam separadamente
e com a internet foram unidos e passaram a evoluir de modo convergente, para se
integrarem mais e estarem completamente conectados. Além de conectar os canais
midiáticos, a internet torna-se essencial para a interação do público com os jornalistas.
Por exemplo, no primeiro dia da amostra, foi postado um vídeo no Participe ao
Vivo, no qual a jornalista Mariana Ferrão convida os internautas a participarem: “Alô
você que acompanha a gente aqui pela internet, me diz uma coisa, quando é que você
tirou pela última vez a capinha do seu celular para limpar. Quando é que você deve usar
o álcool para limpar, quando é que usar só um pano limpo resolve [...]”. Apesar dessa
solicitação da jornalista, apenas seis pessoas postaram perguntas sobre a limpeza de
eletrônicos, durante o programa outros temas atraíram mais a atenção dos usuários.
Em 4 de junho o tema do programa era a dança para aliviar o estresse e como
prática de exercício físico. Dos 14 comentários no site apenas oito eram dúvidas. Foram
realizadas apenas quatro comentários sobre o tema no Facebook, que foram ignorados.
44
No dia 7 de julho o tema era lesão ao praticar exercícios físicos e foram enviadas 41
perguntas no PARTICIPE AO VIVO. Uma telespectadora, que havia enviado uma
pergunta antecipadamente, esteve presente no palco para aprender exercícios
adequados para a sua rotina. Quatro perguntas foram lidas ao vivo, apenas uma foto
foi enviada. A repercussão do tema na fanpage foi positiva, a maioria dos seguidores
relatavam sentir-se incentivados a praticar atividade física. Conforme Recuero (2014,
p.120) esses comentários representam “uma ação que não apenas sinaliza a participação,
mas traz uma efetiva contribuição para a conversação”. Acreditamos poder aplicar a
mesma definição da autora tanto para a rede social como para os comentários do site.
O dia em que o programa recebeu o maior número de mensagem com foto foi a
edição de 8 de julho, quando 19 usuários enviavam dúvidas sobre manchas de pele e
axilas escurecidas. Durante a transmissão, o apresentador Fernando Rocha solicitou o
envio de imagens de manchas, para serem avaliadas pelos especialistas, seis pessoas
enviaram fotos. Nesse dia a consultora Marcia Purceli respondeu algumas perguntas
diretamente no mural Participe ao vivo. Cinco menções sobre o tema foram
postadas no Facebook, juntas receberam mais de 47 mil curtidas. O ato de curtir,
para Recuero (2014, p.120), representa “[...] não apenas uma forma de divulgar a
informação, também uma forma de legitimar a face do outro através de concordância e
apoio.”
No dia 9 de julho, o tema do programa era a derrota da seleção brasileira futebol
na Copa do Mundo. Foram enviados 18 comentários para o PARTICIPE AO VIVO, oito
desses era sarcásticos, alguns foram exibidos. No Facebook uma das postagens sobre
como lidar com a frustração, recebeu 5671curtidas e 206 compartilhamentos. “O
compartilhamento também pode legitimar e reforçar a face, na medida em que
contribui
para
a
reputação
do compartilhado e valoriza a informação que foi
originalmente publicada.” (RECUERO, 2014, p.120). Compreendemos que se o
programa buscava oferecer conforto e irreverencia em um dia de tristeza nacional.
Essa análise reforçou nossa hipótese de que o programa
Bem Estar
necessita do público para ser produzido. Ao acompanhar a exibição dos cinco
programas escolhidos para a amostra, verificamos que os vídeos com dúvidas e as
perguntas que são respondidas ao vivo compreendem a quase totalidade do conteúdo
veiculado. Na amostra, também encontramos as evidências elencadas por Vaz (2012) da
qualificação do programa como sendo do gênero utilitário, e comprovamos através da
quantificação das curtidas das postagens no Facebook que alguns assuntos atraem mais
45
a atenção dos telespectadores do que outros, como por exemplo, o tratamento de
manchas na pele foi melhor recepcionado pelo público em comparação com a dança
como forma de exercício físico.
Evidenciamos que o público tem interesse em participar da elaboração do
programa, e também compreende que suas mensagens precisam ser enviadas em tempo
hábil para ser exposta durante a exibição do programa, que é transmitido ao vivo.
Chegamos a essa conclusão ao analisar que, na edição de 8 de julho, após o jornalista
Fernando Rocha solicitar de imagens de manchas de pele, imediatamente o público
enviou suas fotos. Compreendemos que independente dos canais de interação, o público
só irá participar da produção de conteúdo se sentir-se representado naquele programa.
O principal resultado obtido é que a população brasileira tem interesse em
participar, e o cenário atual é propício para a introdução da tecnologia da
interatividade na televisão digital, restando apenas resolver os quesitos técnicos.
Contudo, acreditamos que mesmo quando a interatividade for efetivamente incluída no
Sistema Brasileiro de Televisão Digital os atuais canais interativos via internet e as
colaborações via rede sociais não serão desprezados.
CONSIDERAÇÕES
A proposta inicial deste artigo era analisar as formas de interação do público em
um programa telejornalístico. Alguns resultados inconclusivos auxiliaram no
desenvolvimento do projeto de dissertação de mestrado, desta mesma autora. Mas com a
presente análise, concluímos que o telejornalismo participativo
ainda não
se
sustenta sem a utilização da internet, mas, conforme dados do Ibope, a maioria dos
brasileiros já está habituada a recorrer à internet para enviar perguntas e comentários
para os canais e programas de televisão. A simultaneidade de utilização de duas mídias
não prejudica a audiência da televisão, ao contrário, a possibilidade de interação
incentiva os telespectadores, no caso do programa Bem Estar a seguir acompanhando a
programação para poder ver a sua dúvida ser respondida no ar.
Com essa pesquisa exploratória comprovou-se que seria possível mensurar a
audiência do programa Bem Estar através das curtidas e compartilhamento das
postagens no Facebook, essa medição é aplicável e legítima. Também nos parece óbvio
que através da quantidade de envio de perguntas sobre um determinado tema para o
46
mural PARTICIPE AO VIVO, é possível compreender se o tema é ou não do agrado de
seu público.
Por fim, ressaltamos que o principal componente para a fidelização de um
público e o incentivo à sua participação dependem necessariamente do produtor de
conteúdo que deverá inserir na pauta da programação, assuntos que sejam do interesse
do público que se deseja atingir. De modo que, uma ferramenta interativa de fácil
usabilidade por si só não garante que o usuário tenha vontade de interagir.
Referências
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RECUERO, Raquel. Curtir, compartilhar, comentar: trabalho de face, conversação e redes
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47
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Janeiro: Sotese, 2002. Disponível em: http://bookdirectory.net/?p=585114. Acesso em 20 jun,
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VAZ, Tyciane Cronemberger Viana. Jornalismo utilitário na TV: análise da produção do
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Disponível em:
<http://www.intercom.org.br/sis/2012/resumos/R7-1286-1.pdf>. Acesso em 30 jun. 2014.
48
ELES DIZEM DE SI: UMA ANÁLISE SOBRE O DISCURSO DE
TELEJORNALISTAS EM CAMPANHA INSTITUCIONAL
Eutalita Bezerra da Silva29
Flávio Antônio Camargo Porcello30
RESUMO
O objetivo deste artigo é refletir sobre as ‘imagens de si’construídas no discurso dos
jornalistas da emissora de televisão Globo Nordeste nos vídeos da campanha institucional
“Jornalismo com coração”. O material, lançado em agosto de 2015, veicula as respostas
dos profissionais quando questionados sobre “o que significa ser jornalista para você?”.
Para construirmos esta reflexão, optamos pela abordagem qualitativa, mapeando as marcas
que apontam o lugar que os sujeitos atribuem a si no exercício de sua profissão. Nossa
leitura acerca desses dizeres toma parte do dispositivo teórico-metodológico da Análise de
Discurso de matriz francesa. Entendemos que o discurso construído reforça a imagem
mítica do jornalista como o herói capaz de mudar a vida das pessoas e detentor do poder
de dar voz e vez aos diversos atores sociais.
Palavras-chave: Televisão. Telejornalismo. Análise de discurso. Ethos jornalístico.
Discurso.
1. INTRODUÇÃO
A televisão chega, em setembro de 2015, aos 65 anos no país, sendo a mais poderosa
mídia neste cenário, com arrecadação de 56% dos investimentos publicitários31 (IBOPE,
2014). A ela cabe “a tarefa de explicar o mundo para o cidadão comum, de prestar
serviços, de facilitar o acesso dele ao poder público e aos bens de consumo, de garantir-lhe
informação e diversão” (COUTINHO; MUSSE, 2012).
Os telejornais estão presentes na televisão desde o seu início, na década de 1950,
quando eram produzidos com pouca qualidade, com repercussão ainda incipiente. Poucas
pessoas, à época, dispunham de um aparelho de televisão. O trabalho nos estúdios de TV
era praticamente todo realizado ao vivo. Foi a inauguração da Rede Globo, em 1969, que
trouxe outro ritmo (e uma mentalidade empresarial mais aflorada) para a produção dos
telejornais, com a criação do Jornal Nacional. Desta maneira, o JN – e o padrão Globo de
qualidade - seguiu, como até hoje o é, uma referência de telejornalismo (REZENDE,
2010).
29
Mestranda em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
[email protected] . Vinculada aos grupos de pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS) e Televisão
e Audiências – GPTV (CNPq/UFRGS/PUCRS)
Doutor em Comunicação, Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PPGCOM/UFRGS. Integrante do Grupo de Pesquisa
Televisão e Audiência - GPTV
e-mail: [email protected]
30
31
Conforme a pesquisa, o investimento em anúncios de televisão cresceu 3%, atingindo os R$ 67
bilhões. O jornal, com cerca de R$ 17 bilhões, e a TV por assinatura, que chegou aos R$ 11 bilhões, ficaram
com o segundo e terceiro lugares no ranking, respectivamente.
49
Para este trabalho, analisamos a campanha “Jornalismo com coração”, realizada
pela Globo Nordeste32, em que os telejornalistas respondem o que pensam sobre a
profissão, para, utilizando como dispositivo teórico-metodológico a Análise de Discurso
de matriz francesa, observarmos e refletirmos acerca do discurso que eles constroem sobre
si e sobre a profissão que desempenham. O objetivo deste trabalho é refletir sobre as
imagens de si construídas no discurso destes profissionais. As teorias do jornalismo, aqui
representadas especialmente por TRAQUINA (2012), bem como os estudos em
telejornalismo (BUCCI (2000), HAGEN (2004), REZENDE (2010), TEMER(2010)), nos
auxiliam nesta caminhada
. A seguir, atemo-nos ao sujeito jornalista e o lugar simbólico que ocupa, para que
então possamos, no terceiro ponto, discutirmos acerca do ethos jornalístico. Com estas
bases, partimos para uma análise quantitativa e discursiva dos vídeos.
2. JORNALISMO E O DEVER DE VERDADE
Mesmo com a renovação constante das mídias, o telejornalismo, enquanto gênero
consolidado, ainda ocupa um lugar central na sociedade brasileira, sendo para muitos o
principal ou único meio de informação. Entendido como “a prática de coletar informações
sobre eventos atuais, redigir, editar e publicar estas informações de forma adaptada aos
limites e possibilidades da televisão” (TEMER, 2010, p. 102), o telejornalismo deve
manter os princípios que regem o campo33.
Temer (2010) considera, ainda, que se trata de um espaço que confere credibilidade
à emissora. Assim, ao mesmo tempo em que se reporta a (e se interessa por) uma
audiência seletiva, serve também como uma forma de expor a opinião de quem a controla.
Canclini (1995) afirma que o telejornalismo pode ser considerado um lugar de referência
para os brasileiros, muito semelhante à família, à escola e à religião. Paulino (2001) aponta
que o telejornal é a programação preferida do trabalhador, que se interessa por saber do
que acontece no país, mas também no mundo.
Em apontamentos sobre os processos de subjetivação no telejornalismo, Pereira
(2014) afirma que a especialidade é "um mecanismo poderoso, ou de poder, que, pela
máscara da isenção, coloca-se como voz da verdade e, ao anunciar essas verdades, atua
como um instrumento de ação sobre o meio, sobre populações" (PEREIRA, 2014. p.203).
Para alcançar essa posição, o telejornalismo construiu, ao longo dos anos, uma imagem de
credibilidade, de quem reporta informações confiáveis. Neste sentido, segundo a autora,
se o jornalismo tem e exerce poder, é porque este lhe é concedido por seu público, que
confere ao seu discurso estatuto de verdade, permitindo que ele dite as regras
Entendemos que essa relação de proximidade entre jornalista e público vai sempre
entremear o discurso do jornalismo, ao mesmo tempo em que o constitui. É sobre esse
profissional enquanto sujeito (e assujeitado) que nos demoramos no momento que se
segue.
3. O SUJEITO JORNALISTA
32
Emissora do grupo Globo, cobre a Região Metropolitana do Recife e Zona da Mata de Pernambuco.
Localizada em Olinda-PE, é a única retransmissora próprias da Globo no Nordeste do país. As demais são
afiliadas.
33
Referimo-nos a campo como em Bourdieu (2005), como equivalente a espaços sociais,de certa maneira
restritos, em que ações individuais e coletivas estão marcadas por normatizações criadas e transformadas no
seio destas mesmas ações. Assim, estes espaços normatizados e normatizantes sofrem influências e
modificações de seus próprios atores.
50
Aqueles que desempenham atividade profissional como jornalistas, em geral, são
percebidos como “pessoas comprometidas com os valores da profissão em que agem de
forma desinteressada, fornecendo informação, a serviço da opinião pública, e em constante
vigilância na defesa da liberdade e da própria democracia” (TRAQUINA, 2012, p.131).
Se nos seus primeiros anos de vida, o telejornalismo contava com locutores na
função de apresentador, foi no início dos anos 90 que os jornalistas passaram a ocupar este
espaço. Armando Nogueira, em entrevista a Guilherme Rezende (1997) apontou que esta
mudança se referia mais a uma busca de credibilidade – tanto do apresentador quanto do
telejornal – do que da qualidade do texto. Muniz Sodré (1977) afirma que o discurso da
TV estabelece relação permanente entre emissor e receptor, ao levar ao telespectador um
espetáculo que ele recebe no aconchego do seu lar. Essa proximidade instaura um clima de
familiaridade, de relação íntima, característica de grupos primários como a família. A
intensidade dessa relação, que funciona quase como um diálogo, embora apenas um dos
lados fale, pode ser pontuada por interpelações dos apresentadores, tais como o famoso
“Boa noite” do JN, ou por apontamentos como “Você vai ver no próximo bloco...”.
Rezende (2000) afirma que essa conversa exige do comunicador uma grande empatia.
Eugenio Bucci (2000) ao esmiuçar as características da televisão como ambiente,
vai corroborar com esse pensamento. Ele afirma que, em sua gênese, a TV “ensina os
telespectadores a desfrutar de intimidades que eles mal sabem que existem” (BUCCI,
2000, p.13). Estas intimidades podem dizer respeito tanto à integração imaginária do
público, que se dá pela homogeneização de interesses que a televisão pode promover,
como pela sensação de proximidade e de envolvimento com aqueles que estão do outro
lado da tela e que parecem adentrar os lares. Segundo ele, o apresentador do telejornal é
um ingrediente-chave nesse processo de aproximação, desenvolvendo um vínculo de
familiaridade com o telespectador, como se fosse uma celebridade.
Temos, então, um sujeito que forja uma relação como seu público, relação essa que
é revestida de credibilidade, mas também se molda na figura de autoridade que ele e o
discurso construído representam. É sobre a construção da imagem de si no discurso que
falamos adiante.
3. O ETHOS JORNALÍSTICO
Entendemos que, para adentrarmos às proposições sobre a construção de imagens
de si no discurso, é preciso antes falar dos sistemas de controle criados para dominar a
proliferação discursiva e para apagar suas marcas de irrupção nos jogos do pensamento e
na língua. Foucault (1996) aponta que “não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode
falar de tudo em qualquer circunstância. Que qualquer um, enfim, não pode falar de
qualquer coisa” (FOUCAULT, 1996, p.9). Isto implica dizer que há aqueles que têm o
direito de se utilizar da fala sobre determinados dizeres. Já a segregação refere-se ao fato
de que determinadas pessoas têm apartado de si o direito à palavra. O autor aponta o
exemplo do louco, cujas proposições são sempre desconsideradas. Foucault diz que “Era
através de suas palavras que se reconhecia a loucura do louco; elas eram o lugar onde se
exercia a separação; mas não eram nunca recolhidas, nem escutadas” (FOUCAULT, 1996,
p. 11).
Já a vontade de verdade, sobre a qual Foucault destinou mais apontamentos,
atravessa os demais sistemas de exclusão que agem sobre o discurso, numa oposição entre
verdadeiro e falso. O autor diz que não há uma verdade, mas “vontades de verdade” que se
modificam conforme as contingências históricas. Falar dos sistemas de controle
discursivo, neste trabalho, significa assumir que entendemos a construção do discurso
sobre si, não como uma invenção meticulosamente articulada, a fim de produzir
51
determinados efeitos de sentido, mas de apontar que todo discurso traz consigo regulações
que o norteiam.
Propomos que não é preciso se descrever para construir uma imagem de si. O
modo como são articulados os dizeres ou mesmo aquilo que se está autorizado a falar já o
fazem. À construção de uma imagem de si para garantir sucesso na oratória chamavam os
antigos de ethos. Conforme Amossy (2008), o termo ethos, só vai ser incorporado às
ciências da linguagem por Oswald Ducrot, na sua teoria pragmático-semântica. Para
Ducrot, o ethos está ligado ao locutor e diz respeito a certos caracteres que tornam sua
enunciação aceitável ou recusável. Mas é Dominique Maingueneau quem expande esta
noção, ao assumir que o enunciador confere a si e a seu destinatário certo status capaz de
legitimar seu dizer.
Amossy (2008) afirma que, para alguns autores, como Bourdieu (1982), o ethos
não seria da ordem da linguagem, mas social. Assim, sua autoridade não dependeria da
imagem de si construída em seu discurso, mas de sua posição social. Porém, isto suscita
discussões com a pragmática contemporânea, para quem o ethos é da ordem do discurso e
não deve ser confundido com status social. Para Amoussy (2008, p. 136), “a eficácia da
palavra não é nem puramente exterior (institucional) nem puramente interna (linguageira).
Ela acontece simultaneamente em diferentes níveis”. A autora afirma que a construção
discursiva, o imaginário social e a autoridade institucional contribuem para estabelecer o
ethos e a troca verbal que ele integra.
O ethos jornalístico, que aqui nos interessa, foi descrito por Traquina (2012), para
quem existe certa construção mitológica em torno deste profissional. Para o autor, ser
jornalista implica partilhar de um ethos que tem sido afirmado há mais de 150 anos.
Grando (2012) postula que há dois tipos de ethos na profissão: um sociológico,
relacionado à identidade do profissional e do campo a que ele pertence, que determina
como o discurso do jornalista é produzido e é recebido pela sociedade. Há também,
segundo ela, um ethos discursivo que se relaciona à estratégia argumentativa para
conquistar a adesão do auditório aos seus dizeres. “Trata-se, portanto, de um recurso
discursivo utilizado para fins de persuasão” (GRANDO, 2012. p.98).
Entendendo que há uma relação entre o jornalista e o seu público, que estes
constroem imagens de si e do outro, e que os discursos são construídos num embate entre
aquilo que se quer dizer e aquilo que se está autorizado a dizer, nos propomos ao momento
analítico deste artigo, que passa por um rápido momento quantitativo e se segue a uma
análise discursiva.
4. POR UM EFEITO DE ANÁLISE
4.1. A CAMPANHA JORNALISMO COM CORAÇÃO
Para uma ação institucional, a Globo Nordeste, emissora do Grupo Globo,
convidou seus apresentadores e repórteres para responder ao seguinte questionamento: “o
que significa ser jornalista para você?” As respostas dadas pelos profissionais formam o
material promocional veiculado ao longo da grade de programação. A campanha
“Jornalismo com Coração” conta com 17 vídeos, que variam de 33 a 58 segundos,
incluindo vinheta de abertura e de fechamento. Na ação a que nos referimos, temos um
movimento diferente do habitual: os jornalistas, cujos rostos e vozes estão já diretamente
ligados à notícia, aparecem em outro contexto, não mais noticiando o que acontece na
região, mas falando de si.
4.2. O QUE OS JORNALISTAS DIZEM DE SI
52
Dissemos, no início deste trabalho, que temos na Análise de discurso de matriz
francesa a nossa abordagem teórico-metodológica. Desta forma, não poderíamos apenas
tentar aplicar estes conceitos, mas teorizar sobre como entendemos o discurso e o que nos
constrange a observá-lo. É com vistas a uma análise não-subjetiva da subjetividade que a
AD se impõe. Não pretendendo uma análise exaustiva que dê conta de todos os aspectos
envolvidos nos textos, mas teorizando sobre o discurso, por meio da análise do seu
funcionamento linguístico e condições de produção e leitura, é que nos propomos a
percorrer os textos, relacioná-los com a história, com o ideológico e com o inconsciente.
Interessaram-nos não somente as expressões mais recorrentes, mas também
aquelas que escapavam aos dizeres repetidos. Nosso olhar inicial buscou a resposta à
pergunta que foi feita, isto é, o que significa jornalismo para eles. A ver:
SD1. Eu acredito que a reportagem, ela pode ser o menor
caminho entre quem precisa de uma solução e quem
pode solucionar
SD2. Fazer jornalismo é não se conformar com muitas
situações que a gente encontra no dia a dia. Aí a gente
mostra o problema pras pessoas, principalmente cobra a
solução para os problemas.
A SD1 nos remete à função pública do jornalismo, que diz respeito justamente a
este compromisso com a população, respondendo ao que é interesse geral e buscando o
bem da comunidade. Neste sentido, o jornalista assume-se como mediador entre a
população e os governantes, que são aqueles que poderiam solucionar o problema. Do
mesmo modo, a SD2, conclama também a esta função pública, porque diz respeito a uma
busca pela resolução dos problemas da comunidade, fruto de um interesse e
inconformidade do jornalista diante do que está posto. A inconformidade – que levou o
jornalista a fazer esta matéria (e não outra), a buscar a resolução deste problema, a atuar
como mediador neste embate – mostra consciência do poder que emerge de sua função.
Este foi um dos sentidos mais recorrentes no discurso: o poder que estes jornalistas sabem
que têm em mãos. O que podemos observar na SD adiante.
SD3. Quando eu recebo uma noticia, apurar essa noticia
pode significar uma mudança de vida numa comunidade
inteira.
Entendemos que, no exercício da função, o profissional adquire situação de
privilégio e até de certo poder. Isto não apenas pela possibilidade de fazer denúncias que
ganharão visibilidade, mas por algo ainda mais basilar: é ele quem define o que é digno de
merecer existência pública (TRAQUINA,1988). É ele quem, conforme a SD3, tem o poder
de apurar (ou não) uma notícia capaz de mudar a vida de uma comunidade. Sua escolha
pode facilitar o acesso de uma comunidade/pessoa/instituição a recursos públicos, a um
atendimento de saúde digno, por exemplo. Da mesma forma, o desinteresse do jornalista
desmerece a reivindicação. Se aquilo que não aparece no jornal não existe, contar a
história (para usar a expressão recorrente nestes vídeos) pode, realmente, significar uma
mudança de vida.
Além de ter o poder de decidir o que é notícia, os jornalistas também podem
definir quem pode falar sobre o quê. As fontes, os entrevistados, as vozes do “povo-fala”,
todas estas são ouvidas porque um jornalista permitiu que elas o fossem. Percebemos, na
análise dos vídeos, que também figura entre os dizeres sobre si elaborados pelos repórteres
53
e apresentadores a satisfação por permitir que outros atores tenham “acesso à tribuna” e se
façam ouvir, como indicamos nas SD a seguir.
SD4. A coisa que eu acho mais bacana na minha profissão é dar voz a
quem nem sempre tem oportunidade de falar.
SD5. Uma das coisas que mais me dão satisfação nesse trabalho que a
gente faz é poder dar visibilidade às pessoas, aos sertanejos, pro
exemplo, tão esquecidos, longe das grandes cidades. Dar visibilidade
aos dramas, mas também às conquistas, às vitórias, ao talento.
Acreditamos que, se contar histórias é importante, permitir que aqueles que têm
algo a dizer falem por si é ainda mais. A vivência das comunidades levada à tela tem sido
uma tendência nos últimos anos, com a criação, por exemplo, de programas de televisão
voltados às classes C, que mostram modos de vida antes apartados da grande mídia. Ao
assumir esta necessidade de dar voz e visibilidade àqueles que antes estavam esquecidos, o
jornalismo admite sua responsabilidade com toda a população, não somente com as vozes
já legitimadas. Além disso, no que concerne à SD5, percebemos um implícito importante:
essas vozes da infraestrutura também têm realizações, vitórias, conquistas e talento e
precisam se fazer ouvir.
Os profissionais não fugiram à estereotipia. O jornalista que dorme e acorda para a
profissão, que sai de casa e volta para ela pensando no que fez no dia e no que fará no
momento seguinte, também apareceram nestes vídeos. A postura do repórter super-herói,
que vai à caça do problema, que tem nisso a sua missão, é um dos pontos levantados.
SD6. É muito bom poder deitar a cabeça no travesseiro de noite e
saber que durante aquele dia a gente ajudou alguém a ser mais feliz.
SD7. Todo dia que eu acordo para ir trabalhar, eu fico curioso e
ansioso para saber qual é a história que eu vou descobrir aquele dia pra
poder contar p’ra outras pessoas e quando eu volto pra casa e olho p’ro
que eu fiz aquele dia, eu penso que se eu fiz bem pra alguém, pra uma só
pessoa, o meu dia já valeu a pena.
SD8. Posso dizer que eu vivo a minha profissão porque amo as pessoas.
SD9. Todo dia eu saio de casa para ser feliz com a profissão que eu
escolhi pra minha vida. Meus dias têm muito mais brilho, muito mais
emoção, quando eu conto as histórias do povo.
A questão da satisfação com a profissão que escolheu foi algo recorrente no
discurso. Os jornalistas, em seus dizeres, aparentam ser profissionais bem-sucedidos,
felizes com o trabalho e satisfeitos com suas realizações. O jornalismo aparece numa
dimensão mítica, capaz de impulsionar estas pessoas, torná-las realizadas e apaixonadas.
SD10. Essa é a minha missão.
SD11. E isso da uma satisfação sem tamanho. Já são trinta anos
contando historias, com uma vontade imensa de mudar o mundo.
SD12. Então a conquista de seu Antonio, de seu José e de dona Maria é
também a minha conquista.
54
SD13. É dividir com você cada momento importante da humanidade e
isso pra mim é essencial p’ra viver.
SD14. É isso que me impulsiona, é isso que me faz sair de casa e saber
que sou feliz com a profissão que eu escolhi.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observamos que o discurso construído pelos jornalistas para falar de si está preso
às práticas tidas como funções básicas da profissão. Trata-se de uma reafirmação da
função pública deste profissional, com dizeres que reforçam o interesse em ajudar, em dar
voz a quem não tem, em cobrar das autoridades competentes que resolvam os problemas
das comunidades.
Se o ethos jornalístico aponta para certa dimensão mítica, o discurso proferido na
campanha também não se apartou disso. O jornalista herói, que vive para a profissão e que
se sente feliz por poder ajudar outras pessoas, é o que impera nos dizeres analisados; como
também impera o reforço à aparência de profissão dos sonhos, com pessoas felizes, bemsucedidas, poderosas e capazes de mudar a vida de outras pessoas com o seu trabalho.
Assumimos que a campanha reforçou aquilo que se tem como ideal para um
jornalista – e, mais que isso, os colocou num lugar inatingível para o público, que deve
seguir agradecendo àqueles heróis por dar-lhes aquilo de que eles estão apartados. Da
mesma forma, o público que acompanha estas pessoas e que firma com elas um contrato
de cumplicidade tem sua parcela de satisfação ao saber que esta relação também é
proveitosa para o jornalista, que diz necessitar disso para viver.
Não nos propusemos a refletir sobre os motivos que possam ter levado a emissora
à divulgação destas peças publicitárias, mas certamente entendemos que elas podem
fomentar uma aproximação ainda maior entre telespectadores e repórteres/apresentadores,
à medida que estes saem do seu lugar de costume para falar diretamente a seu público
sobre sentimentos e ideais.
6. REFERÊNCIAS
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reimpressão. São Paulo: Contexto, 2008.
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sociologia. Rio de Janeiro: Ed. Marco Zero, 1983.
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CANCLINI, N. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de
Janeiro: EDUFRJ, 1995.
COUTINHO, Iluska; MUSSE, Christina. Telejornalismo, narrativa e identidade: a construção dos
desejos do Brasil no Jornal Nacional. p.15-30. In: VIZEU, Alfredo; PORCELLO, Flávio;
COUTINHO, Iluska (Orgs.). 40 anos de Telejornalismo em rede nacional. Florianópolis:
Editora Insular, 2009.
INDURSKY, Freda .A análise do discurso e sua inserção no campo das ciências da linguagem. In:
Cadernos do IL-UFRGS, nº20/dezembro de 1998.
55
MAINGUENEAU, Dominique. Ethos, cenografia, incorporação. In: AMOSSY, Ruth. Imagens de
si no discurso: a construção do ethos. Ruth Amossy (org.)1 ed. 1 reimpressão. São Paulo:
Contexto, 2008.
PAULINO, R.A.F. Comunicação e trabalho: estudo de recepção – o mundo do trabalho como
mediação do mundo da comunicação. São Paulo: Roseli Fígaro/fapes, 2001.
PEREIRA, Ariane. Os sujeitos no telejornalismo: processos de subjetivação. In: Telejornalismo
em questão. VIZEU, Alfredo; MELLO, Edna; PORCELLO, Flávio; COUTINHO, Iluska. Orgs.
Coleção Jornalismo Audiovisual. V.3.Florianópolis: Insular. 2014.
REZENDE, Guilherme Jorge de. Telejornalismo no Brasil: um perfil editorial. São Paulo:
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SODRÉ, Muniz. O monopólio da fala. Rio de Janeiro: Vozes, 1977.
TEMER, A.C.R.P. A mistura dos gêneros e o futuro do telejornal. In:60 anos de telejornalismo
no Brasil: história, análise e crítica. VIZEU, Alfredo; PORCELLO, Flávio e COUTINHO, Iluska
(orgs). Florianópolis: Insular, 2010.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: porque as notícias são como são. Florianópolis:
Insular, 3 ed. Ver. 2012.
56
A Entrevista no Primeira Pessoa: Narrativas e conversações na
TVE/RS
Laira ampos34
Filipe Peixoto35
Mariana Oselame36
Resumo: Com 22 anos de trajetória na TVE/RS o “Primeira Pessoa” é um programa de
entrevistas que reuniu os mais variados segmentos sociais em uma proposta intimista a
extrair informações dos relatos de vida e narrativas dos convidados. Este trabalho
propõe um resgate desse formato de densa trajetória na TV gaúcha assim como também
uma reflexão sobre a formação de significados pelo gênero entrevista.
Palavras-Chave: entrevista; televisão; narrativa; conversação;
1. Introdução
O programa de entrevistas “Primeira Pessoa” TVE/RS reuniu durante 22 anos
entrevistados dos mais variados segmentos sociais, notórios e desconhecidos, com o
propósito de extrair-lhes informações da intimidade, relatos de vida e assim revelar-lhes
a personalidade. As personalidades a serem reveladas em uma atmosfera intimista
contavam seus relatos de vida, experiências pessoais no programa, suas estórias 37 de
vivência em ações coordenadas, narrativas.
A busca de maior proximidade com o convidado em uma atmosfera intimista foi
uma concepção presente desde sua criação em 1993.
O programa foi cancelado em abril de 2015 em vista de mudanças na direção e
programação da emissora. Consolidou, contudo, um recorte espacial e temporal
diferenciado e de longa data na televisão gaúcha. A atmosfera intimista integrante da
desde a concepção inicial foi uma proposta desenvolvida em meio à simplicidade de
recursos de uma emissora pública e à trajetória da apresentadora Ivette Brandalise
34
Mestre em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Integrante do
grupo de pesquisa GPTV – Televisão e Audiência. Email: [email protected]
35 Mestrando em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Integrante do grupo de pesquisa GPTV – Televisão e Audiência. Email: [email protected]
36
Mestre em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Integrante do grupo de pesquisa GPTV – Televisão e Audiência. Email: [email protected]
37
O termo estórias é empregado aqui e no decorrer do trabalho em vista do referencial teórico adotado,
Motta (2013). O autor opta por estória, oriundo de story, como um tipo particular de relato com
personagens reais ou imaginários, enquanto que história fica referente às narrativas da historiografia
57
(formação em jornalismo, artes dramáticas, psicologia) que leva para a televisão um
exercício intimista já desenvolvido em sua prática profissional. Em meio a isso, há o
aproveitamento da oralidade televisiva e da pessoalidade do convidado que encontra
espacialidade para o desenvolvimento de conteúdos, narrativas e conversações.
2. Entrevistas, narrativas e conversações
Os relatos de vida do programa “Primeira Pessoa” são indicadores da forma
narrativa fortemente atuante na mídia. Narrativas factuais ou imaginárias pulverizam o
campo das mesmas. “Enquanto as primeiras procuram estabelecer relações lógicas e
cronológicas das coisas físicas e das relações humanas reais, as narrativas ficcionais
procuram estabelecer relações lógicas e cronológicas das coisas imaginadas ou fictícias”
(MOTTA, 2013, p.89).
Para o autor quem narra evoca eventos conhecidos seja porque os tenha criado,
vivenciado ou presenciado. As narrativas constituem-se, assim, em maneiras pelas quais
os homens constroem as suas representações do mundo material e social (MOTTA,
2013). Portanto, as expressões lingüísticas dos humanos são mostradas através de
construções semanticamente coesas e seqüências que dão corpo às estórias. Tal
espontaneidade revela a narração como um fato universal e transcultural comum a todas
as culturas (MOTTA, 2006). Narrar resume-se assim a:
Narrar é relatar eventos de interesse humano enunciados em um suceder
temporal encaminhado a um desfecho. Implica, portanto, narratividade, uma
sucessão de estados de transformação responsável pelo sentido. A palavra
chave é sucessão. (MOTTA, 2013, p. 71)
Além disso, a narrativa gera certo tipo de relação entre os interlocutores
pressupondo, assim, através desse código comum a mínima empatia em um universo
compartilhado. Ao pressupor essa codificação e entrosamento dos interlocutores, as
narrativas revelam-se ímpar no olhar da entrevista. Pois, muito além do registro
informativo, a observação da entrevista como um espaço interativo e para a
construçãode significados onde ambos participantes do processo se alteram durante a
interação tem em Medina (2002) um lugar comum para a construção de significados
entre entrevistado e entrevistador:
A entrevista, nas suas diferentes aplicações é uma técnica de interação social,
de interpenetração informativa, quebrando assim isolamentos grupais,
individuais, sociais; pode servir também à pluralização de vozes e à
distribuição democrática da informação (…). (MEDINA, 2002, p. 8)
58
Assim, segundo a autora, a entrevista como uma técnica eficiente para obter
respostas presas a um questionário ou com outras limitações não promoverá a
comunicação entre as pessoas. O que se evidencia positivamente quando a entrevista se
aproxima de um diálogo, uma busca comum, uma troca entre interlocutores que saem
alterados da mesma.
“Assim como o ensaio, a entrevista prevê em sua organização interna, a
possibilidade de vencer o limite da objetividade e o tom sentencioso das asserções
declarativas” (VOGEL, 2012, p.113). Descortina-se, portanto, sua dimensão dialógica:
A entrevista restaura, pois, o diálogo no universo monológico dos meios
massivos, acolhe múltiplas vozes orquestrando a diversidade simbólica.
Introduz discrepâncias analíticas fermentando o sadio pluralismo ideológico.
Reúne protagonistas antagônicos, explorando a riqueza do confronto
dialético. (MELO, 2003, p.131)
Compreende-se, desse modo, a entrevista com bases na conversa. Para a
ocorrência dessa conversa franca e aprofundamento da discussão, o interlocutor, mais
especificamente na figura do jornalista, deve estar atento a recursos como: “escuta,
relação com o entrevistado, às formas de perguntar (...). Técnicas como a percepção da
linguagem não verbal, a atuação improvisada e o questionamento de pontos
contraditórios (...)” (RUELA, 2012 apud FECHINE, 2014, p. 277). É o que Caputo
(2010) ilustra em vista de meta entrevista com Sodré:
Se perguntar é tão fundamental ao jornalismo e para as pesquisas, “a arte de
saber ouvir”, como bem disse Sodré, a relação com esse ofício não pode ser
qualquer uma. Podemos estragar nossas perguntas de duas formas. Quando
buscamos “arrancar” algo do entrevistado e quando nos impregnamos de
arrogância e perguntamos imaginando saber as respostas ou apenas para
comprovar nossas próprias opiniões e teses sobre um assunto. (CAPUTO,
2010, p.199)
Portanto, tudo na entrevista depende de uma “alteração entrevistadorentrevistado, pequeno campo fechado onde se vão confrontar ou associar gigantescas
forças sociais, psicológicas e afetivas” (MORIN, 2010, p.67). A entrevista envolve uma
interação verbal com a ocorrência de pelo menos uma troca de turno entre os falantes.
“A entrevista é um evento conversacional e, por isso, observa as características da
própria conversação: é uma interação verbal centrada em dois ou mais participantes
(...)” (CUNHA,2012, p.97).
Tais similaridades entre entrevista e conversa tem suas origens no que se pode
considerar um gênero básico da interação humana. “A conversação é a primeira das
59
formas de linguagem a que estamos expostos e provavelmente a única da qual nunca
abdicamos pela vida afora (...)” (GOFFMAN, 1976 apud MARCUSCHI, 1997, p. 14).
Nos estudos de Silva (2008; 2010; 2013), a partir de uma perspectiva históricosocial, a conversação aparece como estratégia de construção de programas jornalísticos
de TV. Presente desde a proposta estrutural da televisão até formatos específicos de
programas, a conversação tem se institucionalizado como entrevista ou debate em vista
da vinda dos talk shows norte-americanos, espalhando-se pelo resto do mundo (SILVA,
2010). O que para Machado (1999), é reflexo de uma expressividade televisiva ainda
estruturada na oralidade, em vista de suas raízes radiofônicas.
Na televisão brasileira, segundo Silva (2013), foi no período de 1969-1974
onde cresceu o número de programas que usavam a entrevista resgatando o sentido de
encontro para tratar de assuntos cotidianos. Ela ressalta o momento de ascensão de
segmentos onde o debate passou a estar mais ligado ao prazer e cotidiano na televisão
brasileira:
A valorização do entretenimento, do prazer e da subjetividade após os anos
sessenta e o processo de redemocratização reconfiguraram a própria lógica
televisiva brasileira permitindo o surgimento de novos formatos que
misturavam o debate dos assuntos sérios, encontrado residualmente em certos
programas, ao debate mais ligado ao prazer e à subjetividade (…). (SILVA,
2008, p. 10)
Foi nesse contexto que surgiu na década de oitenta o programa de entrevistas
que seria condicionante para muitos outros do gênero, nas décadas seguintes, tornando
sua apresentadora, Marília Gabriela, um ícone no estilo. “Era o “TV Mulher” que
discutia relações de gênero e colocava o novo papel que a mulher deveria assumir na
sociedade” (SILVA, 2008, p. 10).
3. O programa de entrevistas Primeira Pessoa TVE/RS
Com mais de duas décadas de existência, o “Primeira Pessoa” é um programa de
entrevistas de densa trajetória na emissora pública gaúcha TVE/RS. Fundada oficialmente,
em 1974, a TVE/RS está vinculada à categoria educativa, ligada à Secretaria de Educação
do Estado do Rio Grande do Sul.
Apesar do cancelamento no primeiro semestre de 2015, o “Primeira Pessoa”
atuou por 22 anos no cenário televisivo regional. Enquadramentos de câmera em planos
próximos evidenciavam os interlocutores. Longe da ornamentação de certos cenários
60
televisivos, a simplicidade predominava: entrevistado posicionado em frente ao
entrevistador sob um fundo preto, sem itens decorativos. Entre eles uma mesa retangular
apenas.
Sob o comando da jornalista Ivette Brandalise, o slogan de abertura da
entrevista: “Hoje vamos conjugar verbos em primeira pessoa com (...)” A seguir, um
breve resumo da vida do entrevistado para o alerta do espectador. Três blocos, na média
de 17 a 18 minutos cada, é o tempo que o entrevistado tinha para ser interpelado pela
apresentadora e mostrar quem era.
O programa, assim, selecionava nomes que se destacavam colocando-os em
primeira pessoa. O “Primeira Pessoa” teve início em 1993, com o convidado, o artista
plástico Iberê Camargo. No histórico dos entrevistados, os mais variados segmentos
sociais: políticos, escritores, jornalistas, esportistas, artistas, de relevância local,
regional ou internacional. Na lista de convidados nomes como Esther Grossi, Yamandu
Costa, Sebastião Salgado e Allan Lopes; o primeiro geobiólogo do Brasil. A
multiplicidade de perfis evidencia uma pluralidade característica em sua caminhada.
A apresentadora Ivette Tereza Brandalise Mattos, conhecida Ivette Brandalise é
formada em jornalismo, psicologia e artes dramáticas. Iniciou como apresentadora no
rádio, na década de 60, exercendo notória carreira também em impresso e TV, em Porto
Alegre. Na atualidade, mantém a carreira de psicóloga em paralelo a de jornalista e
apresentadora do programa: “Músicas que fizeram sua cabeça”, na rádio FM Cultura.
A apresentadora não usava ponto, nem teleprompter durante a entrevista.
Conduzia o tempo de cada bloco praticamente sem interrupções, considerando alguma
ou outra ruptura no processo de gravação por razões técnicas. A produção intervinha
nos breves intervalos de 2 a 3 minutos entre um bloco e outro quando necessário. A
brevidade do intervalo era mantida na preocupação com o fluxo da conversação. O
programa era gravado praticamente na íntegra.
4. A entrevista no programa: “E hoje vamos conjugar verbos em primeira pessoa
com(…).”
Esta etapa do trabalho foi realizada com base na observação e acompanhamento
do corpus de pesquisa referente aos programas dos anos de 2013 e primeiro semestre de
2014. Serão apresentados, com base na análise da narrativa em Motta (2013) e análise
de conversação em Braga (1994) e Marcuschi (1997), resultados de um programa
realizado com a escritora, Veralindá Menezes, exibido em 5 de maio de 2014.
61
Primeiramente foi observada a estruturação geral da entrevista com abertura,
troca de blocos e encerramento (trocas globais). Posteriormente foi analisada a
composição de temas e narrativa geral (estrutura temática e narrativa) para, por fim, a
verificação de como procedia a troca de turnos (trocas de turnos) entre os interlocutores.
a) Trocas globais
Na abertura, a apresentação da escritora é feita em entonação de conto, em um
efeito de linguagem a inseri-la em seu próprio conto infantil. Narrativa factual e
ficcional são intencionalmente mescladas. Desse modo, ao olhar o plano da expressão,
neste trecho, verificam-se desdobramentos no plano do conteúdo através da observação
inicial desse recurso de linguagem:
(Ivette) Era uma vez uma princesa que tinha a pele da cor de bombom de
chocolate, cheirosa com as rosas ((pegando caneta)) macia como a seda
((créditos Ivette Brandalise)). Era a princesa Violeta QUE NASCEU duma
estorinha que a mãe ((gestual mãos palmas pra dentro indicando seqüência))
contava para a filha adormecer que se transformou em livro ((mãos palmas
para cima)) que se transformou num espetáculo apresentado por uma
contadora de estórias (…).(BRANDALISE,05/05/2014)
O encerramento do programa, no fim do terceiro segmento, ocorre em meio a
um aproveitamento da fala de Veralindá e sob a argumentação da falta de tempo para
prosseguir. A condução é gentil com parabenização da entrevistada e espaço para
informes finais de divulgação.
(Veralindá) Não sei fazer.
(Ivette) Bom, Veralindá lamentavelmente também não sabes fazer o relógio
parar também.
(Veralindá)
((risos))
(Ivette) E o relógio está nos obrigando a parar esse papo. Olha parabéns pelo
teu sucesso e espero que continues, né, fazendo tudo isso! Quando as pessoas
querem te contratar, por exemplo, pra contação de estórias. O que é que elas
fazem? (BRANDALISE, 05/05/2014)
b) Estrutura temática e narrativa:
Podem-se considerar três temáticas centrais desenvolvidas durante a entrevista: o
trabalho e obra (livros, CD, roteiro musical) de Veralindá; a influência e participação
dos filhos em seu trabalho; e outros aspectos pessoais da autora como troca de nome,
religiosidade e trajetória na contabilidade. As três temáticas são recorrentes e interagem
nos três blocos. Os personagens que mais afloram em sua narrativa são filhas, amigos
atores, crianças (leitores e ouvintes das estórias) e outros familiares.
62
c)Trocas de turnos
O início das trocas de turnos para o caminho da sucessão temporal e evocação
de eventos por parte da convidada, no final do texto de apresentação (procedimento do
programa) ocorre, neste caso, a partir de um tensionamento sobre a identidade da
mesma. Isso se evidencia no uso do slogan que normalmente é em forma de afirmação e
não de pergunta como no caso:
(Ivette) E nós vamos conjugar, então, verbos na primeira pessoa com
((olhando entrevistada)) a Veralindá ou com a VERA LÚCIA?
(BRANDALISE, 05/05/2014)
De uma maneira geral, percebe-se no decorrer da entrevista, a maior parte da
mudança subtemática em vista dos questionamentos. Assim, verifica-se movimentação
de Ivette no aproveitamento da observação dos relatos de vida da escritora para
esclarecimento de aspectos profissionais e situadores de sua narrativa. A busca desse
esclarecimento também ocasiona a formulação de perguntas com base na observação,
por exemplo, dos materiais da autora (os dois livros publicados, CD com canções e
roteiro do musical) a gerar inclusive subtemáticas sobre os filhos. Percebe-se a
atribuição de tensionamentos com questões sociais da contemporaneidade aplicados aos
aspectos conflitantes revelados: Por exemplo, no bloco 1:
(Ivette) Pois é e tem um príncipe aqui, mas eu sei que a Sheron, a Sheron,
((corrigindo-se)) que a princesa ((página do livro com princesa e príncipe em
grande aproximação, close up)) Violeta não tem intenções de casar. Ela não
vai ser...Não vai ter aquele final de foram felizes para sempre?
(BRANDALISE 05/05/2014)
Notam-se
no
terceiro
bloco,
vários
movimentos
questionadores
em
interpretação da narrativa da entrevistada a desencadear um maior enfoque nos aspectos
pessoais individuais da mesma, em conexão ao aprofundamento e reflexão de questões
sociais.
5. Considerações Finais
A entrevista, nascente da matriz oral televisiva, vai gerando alternância,
informação e reflexão na interpenetração informativa de seus interlocutores a construir
significados. A entrevista no “Primeira Pessoa”, programa que propõe um recorte
espacial e temporal intimista, tem movimentos de diálogo, conversação, narrativas, que
contribuem para o aprofundamento de informações sobre o entrevistado, em maior
63
incidência na compreensão de seu relato de vida. Flui entre premissas jornalísticas e a
flexibilidade das trocas de turnos do ambiente de conversa com improvisações,
observações e comentários. O objetivo de revelar a personalidade dos convidados acaba
por trazer aspectos pessoais desses, entretanto, a compor uma das abordagens. O
entrevistado é exemplo a agregar conhecimento, mas, também testemunho conector de
ampla reflexão social.
REFERÊNCIAS
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Sérgio; BRAGA, José Luiz (orgs.). Brasil- Comunicação, Cultura e Política. Rio de
Janeiro: Diadorim, 1994, p. 289-308.
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MAROCCO, Beatriz (org.). Entrevista na prática jornalística e na pesquisa. Porto
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gêneros. In SEIXAS, Lia; PINHEIRO, Najara (orgs.). Gêneros, um diálogo entre
Comunicação e Lingüística. Florianópolis: Insular, 2014.
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Famecos n° 10, junho de 1999.
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José Marques de; ASSIS, Francisco de. A natureza dos gêneros e dos formatos
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Complexidade e Comunicação uma pedagogia do presente. Porto Alegre: Sulina,
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de Brasília, 2013.
64
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vigilância em programas de entrevista. São Paulo: Revista Rumores n°14, v 7, julhodezembro de 2013.
. A conversação como estratégia de construção de
programas jornalísticos televisivos. Bahia, UFBA 2010. Tese de Doutorado em
Comunicação e Cultura Contemporâneas, Faculdade de Comunicação, Universidade
Federal da Bahia, 2010.
. “Conversa leve” e “embate intelectual”: Marília
Gabriela entrevista. In Colóquio sobre televisão, Bahia: 2008. Disponível em:
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VOGEL, Daisi. A entrevista, um traçado aberto. In MAROCCO, Beatriz (org.).
Entrevista na prática jornalística e na pesquisa. Porto Alegre: Libretos, 2012.
65
Revista TV Sul Programas: o registro dos primeiros passos da Televisão
no Rio Grande do Sul
Filipe Peixoto38
Eutalita Bezerra39
Laira Campos40
Mariana Oselame41
Resumo: Na década de 60, a Revista TV Sul Programas era uma referência para saber o
que passaria na televisão e ficar por dentro das novidades sobre o mundo em movimento
retratado em uma tela. Este trabalho busca apontar referências no periódico sobre a
tecnologia da época, as primeiras experiências das emissoras gaúchas e os tensionamentos
de formatos, como o embate entre a programação ao vivo e a chegada do videotape.
Palavras-chave: Televisão; História da televisão; Comunicação.
Há pouco mais de meio século, começava a circular pelas ruas de Porto
Alegre uma “revista que vive da televisão e para a televisão” (Revista TV Sul Programas,
1963, ed.10). A Revista TV Sul Programas foi publicada de 1963 a 1969, contemporânea
de uma década marcada pela expansão, modernização e popularização da TV como
veículo de comunicação de massa. A publicação tinha o propósito de divulgar de forma
ordenada as atrações exibidas nas duas únicas emissoras da época no Rio Grande do Sul: a
TV Piratini, fundada em 20 de dezembro de 1959, e a TV Gaúcha42, que estreou em 29 de
dezembro de 1962. A revista também apresentava aos leitores o universo da televisão,
dando a palavra aos profissionais da área, contando os bastidores e debatendo temas que
envolviam um mundo em movimento, em preto e branco, retratado na incipiente TV
brasileira.
A primeira edição da Revista TV Sul Programas é de 16 de agosto de
1963, com tiragem de 20 mil exemplares. Inicialmente a distribuição era gratuita, no
entanto, antes de completar um ano, passaria a ser cobrada sob a justificativa de se
38
Mestrando em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Integrante do
grupo de pesquisa GPTV – Televisão e Audiência. Email: [email protected]
39
Mestranda em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Integrante do
grupo de pesquisa GPTV – Televisão e Audiência. Email: [email protected]
40
Mestre em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Integrante do
grupo de pesquisa GPTV – Televisão e Audiência. Email: [email protected]
41
Mestre em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Integrante do
grupo de pesquisa GPTV – Televisão e Audiência. Email: [email protected]
42
Em 1967, a TV Gaúcha afilia-se à Rede Globo. Posteriormente, em 1983, passa a se chamar RBS TV.
66
viabilizar economicamente. O periódico, que tinha formato de bolso, era publicado
quinzenalmente e tem como antecessor um folheto simples, também voltado para anunciar
a programação televisiva:
Originara-se de uma espécie de folheto que circulara anteriormente, também de
maneira gratuita. O sucesso levou seus idealizadores a transformarem a
publicação em revista. A empresa responsável era a Ferreyro & Cia. Ltda, tendo
como diretor responsável Breno Ribeiro Wurdig, e diretor comercial Jorge
Guimarães Ferreyro. O escritório da revista estava sediado na Rua Dr. Flores,
330, sala 20, em Porto Alegre. (Carvalho, Hohlfeldt, 2015, não paginado)
A estreia da publicação ocorre exatamente um ano após a publicação do
Código Brasileiro de Telecomunicações, primeira legislação importante para o setor, que
“inovava na conceituação jurídica das concessões de rádio e televisão, mas pecava em
continuar atribuindo ao executivo poderes de julgar e decidir, unilateralmente, na
aplicação de sanções ou de renovação de concessões” (Mattos, 1990, p.12). Mesmo em
fase de implementação, a televisão já era responsável por 24,7% dos investimentos
publicitários do país (Mattos, 1990).
Um registro histórico dos primeiros passos da TV no Estado tão rico em
detalhes é incomum, para não dizer uma raridade. Nos jornais tradicionais, pouco espaço
era destinado a notícias sobre a televisão, considerada “uma aventura e um
empreendimento pouco sério para a seriedade do jornalismo politizado do Rio Grande do
Sul” (Kilpp, 2015, p. 06). Kilpp ainda destaca, com base na análise dos jornais da época,
as três circunstâncias em que o jornalismo impresso se permitia falar em televisão:
1. diariamente, divulgando e comentando a programação dos canais; 2. quando
surgiu ou desapareceu uma emissora, ou foi introduzida uma nova tecnologia; 3.
quando se comemorou um determinado número de anos de uma emissora,
transformando-se o jornal nesse caso também em memória, porque em geral a
notícia remeteu a uma retrospectiva, baseada em notícias anteriores e/ou em
depoimentos de narradores presentes. (Kilpp, 2013, p. 03)
No caso da Revista TV Sul Programas, trata-se do oposto. De forma
entusiasmada, o periódico falava sobre a “ciência eletrônica para a satisfação da criatura
humana” (Revista TV Sul Programas, 1963, ed.01) ou então do “milagre da imagem no
vídeo que permite ouvir e ver uma cantora” (Revista TV Sul Programas, 1963, ed.01),
para citar apenas algumas frases contidas já na primeira edição da publicação. São
inúmeras as contribuições possíveis de uma análise dos exemplares da publicação, que
estão na sua quase totalidade digitalizados no acervo digital no Núcleo de Pesquisa em
67
Ciências da Comunicação43, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Como recurso metodológico, partimos de uma análise documental, visando uma
representação
condensada
da
publicação,
para
facilitar
posterior
consulta
e
armazenamento (Bardin, 2011, p. 52). A partir da observação das publicações
digitalizadas, buscou-se dar um tratamento no conteúdo dos documentos, selecionando as
informações relacionadas à implementação da televisão no Estado, assim cumprindo um
dos objetivos da análise documental, que é “dar forma conveniente e representar de outro
modo essa informação, por intermédios de procedimentos de transformação” (Bardin,
2011, p.51).
Este trabalho se propõe a destacar os apontamentos sobre a descrição da
implantação da TV no Rio Grande do Sul, com atenção especial às questões técnicas,
como as tecnologias da época, os relatos de transmissões pioneiras, o alcance do sinal e o
próprio acesso do público aos televisores, num tempo em que o aparelho ainda era um
luxo restrito a poucos – na época do surgimento da revista, existiam aproximadamente 1
milhão de televisores no país (Mattos, 1990). Cientes da necessidade de se dar um passo
de cada vez na observação desse material, optamos por analisar o primeiro ano de
circulação da revista, que abrange os anos de 1963 e 1964, em um total de 23 exemplares
(excluída a edição número 03, que não consta no acervo digitalizado, tampouco no físico).
A revista se dividia predominantemente em dois tipos de conteúdo: a grade de
programação dos canais e as reportagens, que traziam informações sobre as emissoras, as
novidades tecnológicas, esclarecimentos sobre o universo da televisão e, muito
frequentemente, o perfil de profissionais que atuavam nos veículos. Essa vocação da
revista de aproximar dos leitores os trabalhadores que faziam a televisão da época é
destacada no início de um texto que apresenta o chefe de programação do canal 12, Cesar
Walmor:
TV Sul, quinzenalmente, vai fazendo desfilar em suas páginas os elementos
mais representativos da televisão local: tanto os que desempenham seu papel no
vídeo, como os “invisíveis” (termo usado pelos nossos colegas de S. Paulo),
todos constituindo essa grande equipe de homens e mulheres, moços e moças,
que trabalham diuturnamente para a satisfação de quase meio milhão de
telespectadores no Estado e para o desenvolvimento econômico através da força
publicitária da televisão. (Revista TV Sul Programas, 1963, ed.08)
Para este trabalho, nossa análise se detém apenas nas reportagens, em
especial nos textos que trazem informações que contribuem para recuperar a história da
43
O acervo digitalizado da revista pode ser acessado no seguinte endereço eletrônico:
http://eusoufamecos.uni5.net/nupecc/conteudo/acervodigital/revista-tv-sul-programas/
68
implementação da TV no Estado. Um dos pontos recorrentes nos textos é a consciência
das limitações do número de televisores, em que se evidencia a prática de amigos e
familiares de se reunirem para acompanhar as atrações na frente da telinha. Em diversas
passagens, a revista apresenta um cálculo de que um aparelho televisor é assistido, em
média, por quatro pessoas. Em resposta à carta de um leitor, na edição 08, o periódico se
surpreende com uma audiência acima do costume: "Vimos no seu cupom que dez pessoas
assistem diariamente televisão em sua casa. Televizinhos ou familiares?" (Revista TV Sul
Programas, 1963, ed.08). Na mesma edição, em coluna assinada pelo diretor
administrativo da TV Piratini na época, José Moreira da Fonte, o autor escreve sobre a
dificuldade em manter a audiência durante as férias, já que as famílias deixam suas casas
e, por conseguinte, seus televisores ficam para trás: “Haverá grande deslocamento de
pessoas para as praias, em sua totalidade telespectadores, o que deverá influir grandemente
no número se receptores desligados na capital” (Revista TV Sul Programas, 1963, ed.08).
No mesmo texto, ainda enfatiza que uma antena instalada em Osório, no litoral norte
gaúcho, terá condições de expandir o sinal para as praias. Já na edição 05, uma reportagem
reforça a importância da TV para congregar as pessoas: “é fácil receber bem às sextasfeiras: abra uma garrafa de Drury’s44, ligue o aparelho de televisão e seus amigos ficarão
contentes” (Revista TV Sul Programas, 1963, ed.05).
A revista também exalta as conquistas, em especial os pioneirismos de
ordem técnica. Um dos registros trata da primeira transmissão externa em movimento:
Realmente excepcional a transmissão da Festa dos Navegantes pela TV Piratini.
Excepcional em todos os seus aspectos, e, principalmente, porque foi a primeira
transmissão externa em movimento realizada no Brasil. A equipe do Canal 5 não
mediu esforços para proporcionar aos telespectadores a oportunidade de
acompanharem, pari passu, no recesso de seus lares, os principais aspectos da
tradicional festa dos navegantes. (Revista TV Sul Programas, 1964, ed.13)
Vale lembrar das dificuldades para a tecnologia da época em realizar tal
feito, o que aprisionava as atrações em estúdios e tornavam as transmissões fora da
emissora uma raridade. “Os aparelhos de transmissão em preto e branco não eram
portáteis, eram pesados e uma transmissão externa com link de micro-ondas era uma
aventura com grandes riscos de fracasso” (Kilpp, 2015, p. 05). Na terceira edição da
revista, os editores parabenizam as reportagens referentes à chegada da recém eleita Miss
Universo, Ieda Maria Vargas: “Por fim, um presente maravilhoso da televisão ao interior
do estado, que pode acompanhar a recepção à Miss Universo. Quanta diferença dos idos
44
Marca de whisky.
69
tempos de Iolanda Pereira!” (Revista TV Sul Programas, 1963, ed.03). Registre-se
também a nota da edição 12, denominando como “façanha” a exibição de um jogo de
futebol:
Registre-se com grau máximo a verdadeira façanha dos canais 5 e 12, ao
transmitirem aos telespectadores gaúchos, poucas horas após o término do
jogo Grêmio X Santos, no Pacaembu, o vídeo-tape que nos mostrou todo o
desenrolar do embate, sem falhas, perfeito na imagem e no som. Talvez se
torne a reportagem esportiva do ano, pelo interesse que despertou, pelas
características de sua apresentação. (Revista TV Sul Programas, 1964, ed.12)
No entanto, a tecnologia também foi protagonista de críticas pelas
páginas da TV Sul Programas. O tensionamento mais evidente no primeiro ano de
circulação foi entre o surgimento do videotape (fita magnética) e a programação ao vivo.
O primeiro inicialmente mais identificado com a propagação de conteúdo de outros
estados ou até de outros países, enquanto o segundo é reiteradamente relacionado à
valorização dos talentos locais. Antes do videotape, tudo produzido pela TV precisava ser
ao vivo, o que naturalmente gerava um custo expressivo para as emissoras. A chegada do
VT, além de propiciar a correção de erros e reprises, também possibilitou o intercâmbio de
programas entre as emissoras, como explica Reis:
Com a disseminação do vídeo-tape, a partir de 1963/64, as televisões localizadas
nas duas principais cidades brasileiras, Rio de Janeiro (já não era a Capital
Federal, mas conservava todo o poder, o charme e a intensa vida artística que
mantém até os dias atuais), e São Paulo (eterna capital econômica, face a suas
capacitações técnicas, artísticas e econômico financeiras), começam a se
transformar em emissoras geradoras de produções nacionais, mas, ainda, sem
serem cabeças de rede. Neste período, os programas eram vendidos um a um
para as emissoras de outras cidades que se interessassem em comprá-los. (Reis,
2012, p. 29)
É inegável a contribuição do videotape para impulsionar a TV no início
da década de 60 e possibilitar a implantação de uma estratégia de programação horizontal.
O videotape permitiu a veiculação de um mesmo programa em diversos dias da semana, o
que por sua vez tornou possível a formação do hábito de assistir televisão rotineiramente
(Mattos, 1990). Mas os “enlatados”, como também eram chamados, sofriam resistência
por parte de profissionais locais de televisão, que percebiam no formato uma ameaça ao
espaço de talentos regionais, que tinham presença garantida nas atrações ao vivo das
emissoras. A Revista TV Sul sempre fez questão de deixar claro sua posição: “nossa
intenção é prestigiar os programas ao vivo de nossas emissoras, dando também aos filmes
e tapes a oportunidade de aparecerem, mas no seu devido lugar” (Revista TV Sul
Programas, 1964, ed. 15). Em outro texto com carga opinativa, os editores escrevem: “não
70
censuramos as direções, nem os patrocinadores, que preferem as fitas gravadas e os filmes.
(...) Mas, nem por isto, deixamos de lamentar o abandono dos programas ao vivo, que
deveriam ser incentivados” (Revista TV Sul Programas, 1964, ed. 11). A tecnologia por si
só não era combatida, mas sim o que ela representava em termos de conteúdo para a
programação na época, como se percebe neste parágrafo em que a revista pede mais
qualidade nos “enlatados”:
Por que em TV tem que prevalecer os enlatados de “bang-bang”? Está na hora
de mudar, está na horas das direções de TV escolherem melhor, e se não houver
o que escolher, que se tomem outras iniciativas. Não há mal que sempre dure e
bem que não se acabe... (Revista TV Sul Programas, 1964, ed. 12)
Por diversas vezes, os entrevistados da revista – normalmente
profissionais da área da televisão – também deixavam registrada sua opinião sobre o uso
do videotape. A maioria apresentava críticas para a possibilidade de desvalorização dos
artistas locais, como fez o apresentador de programas Gudy Emunds. Segundo ele,
“nenhuma mensagem filmada, ou gravada, por mais bem realizada que seja, tem a
penetração e receptividade, a espontaneidade da mensagem ao vivo” (Revista TV Sul
Programas, 1964, ed. 10). Em texto escrito pela escritora de peças teatrais, Maria Panerai,
intitulado “A ‘febre’ dos vídeo-tapes”, a autora escreveu que “rodar um filme decadente
de uma câmera não representa arte” (Revista TV Sul Programas, 1964, ed. 14).
A
escritora complementa: “estamos todos os dias diante de nosso televisor assistindo filmes,
filmes, filmes...! E vamos conhecer como vive o camponês do fim do mundo quando
ignoramos porque morrem os nossos lavradores” (Revista TV Sul Programas, 1964, ed.
14). Posicionamentos semelhantes podem ser encontramos em outros depoimentos
documentados no primeiro ano de circulação do periódico.
Esses apontamentos, que trazem registros sobre os telespectadores, os
teleprofissionais, as conquistas e os desafios daquela época, são apenas os primeiros
passos de uma pesquisa que pretende encontrar nas páginas da Revista TV Sul Programas
informações e impressões valiosas sobre a primeira década da televisão no Rio Grande
Sul. A riqueza de detalhes presentes no acervo do periódico, já digitalizado, é uma fonte
primária inesgotável para inúmeras pesquisas que ainda estão por vir. Esses estudos, em
andamento no Grupo de Pesquisa GPTV Televisão e Audiência, que reúne pesquisadores
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, poderão preencher lacunas e construir a muitas mãos mais uma versão
da história da televisão gaúcha e brasileira.
71
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Pinheiro. São Paulo: Edições 70, 2011.
CARVALHO, Caroline Corso; HOHLFELDT, Antonio. Revista TV Sul - Uma
programação televisiva. Acervo digital do Núcleo de Pesquisas em Ciências da
Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
RS. Disponível no site http://eusoufamecos.uni5.net/nupecc. Acessado em 10 de setembro
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KILPP, Suzana. História da televisão no Rio Grande do Sul – apontamentos sobre a
invenção do passado. Disponível em http://www.suzanakilpp.com.br/historiars.php.
Acessado em 08 de setembro de 2015.
KILPP, Suzana. Radiografia da televisão no Rio Grande do Sul: uma história de
muitos canais. Disponível em http://www.suzanakilpp.com.br/historiars.php. Acessado
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MATTOS, Sérgio. Um Perfil da TV Brasileira: 40 anos de história – 1950-1990.
Salvador: Associação Brasileira de Agências de Propaganda, 1990. Disponível em
http://www.andi.org.br/, acessado em 05 de setembro de 2015.
REIS, Sérgio. O backstage da televisão no Rio Grande do Sul. Dissertação de Mestrado
para Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre, setembro de 2012.
72
Mesa 3- CONVERGÊNCIA
A TV no webjornalismo:
TV Folha, TV Estadão e ZHTV45
COSTA, Luciano46.
Universidade Federal de Santa Catarina.
Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Telejornalismo (GIPTele) Núcleo de
Estudos e Produção Hipermídia Aplicados ao Jornalismo (Nephi-Jor) Grupo de
Pesquisa Hipermídia e Linguagem
Resumo: Em um mundo cada vez mais digital, visual e convergente (JENKINS, 2008),
tradicionais veículos de comunicação impressos, de pequenas publicações à grandes
grupos de mídia, são atraídos à produção de webjornalísticos audiovisuais (NOGUEIRA,
2005). Diante disso, o presente artigo procura descrever o percurso dos jornais
impressos Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e Zero Hora às suas produções
audiovisuais em ambiente web.
Palavras-chave:
convergência.
Jornalismo,
webjornalismo,
telejornalismo,
ciberespaço,
1. Introdução
Os brasileiros passam três horas a mais assistindo vídeos online do que outros
países latino-americanos. No total, são 13h36min semanais assistindo vídeos por
streaming, enquanto que pela televisão, são 5h30min. Esses são dados da comScore
Inc., empresa norte-americana de medições e análises digitais sobre o comportamento
do consumidor em relação à web, aparelhos móveis e a TV (BANKS, 2015). Inerente à
discussão dos meios de comunicação e sua relação com a internet e as novas
tecnologias, está a compreensão da convergência das mídias e, respectivamente, dos
conteúdos e linguagens.
Em um mundo cada vez mais digital e visual, a necessidade de acompanhar sua
audiência fez com que tradicionais veículos de comunicação impressos, de pequenas
45
Trabalho apresentado no XIII Seminário Internacional de Comunicação. PUC RS.
46
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina,
jornalista pela Universidade Federal do Pampa e pesquisador do GIPTele, e Nephi-Jor/GPHL. E-mail:
[email protected]
73
publicações à grandes grupos de mídia, fossem atraídos à produção de conteúdo
audiovisual para a web. A difusão da internet e a convergência dos meios de
comunicação trouxeram mudanças tanto para o modo de produção quanto para o
consumo dos produtos jornalísticos. A popularização da web justifica-se pelo
crescimento acelerado a nível mundial e suas potencialidades tecnológicas, além da
força mercadológica e rentável fonte de receita.
Hoje, estações de rádio possuem sites com transmissão online, vídeos por
streaming e seções de notícias; emissoras de televisão e jornais impressos possuem
portais de conteúdo com catálogo de vídeo, rádios online, notícias, blogs etc. Entre as
múltiplas plataformas de produção de conteúdo na mídia hoje, estão as chamadas TVs
online - transmissão de programas televisivos/produções audiovisuais pela internet, sob
demanda ou streaming.
2. Produção em um mundo convergente
A convergência midiática (JENKINS, 2008), como resultado das transformações
tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais da contemporaneidade, proporcionou
ao público mudanças dos meios tradicionais e maior interação e participação. Os
dispositivos - televisores, aparelhos de rádios, computadores e celulares - não são mais
apenas ferramentas de recepção, mas de produção e compartilhamento de conteúdo dos
próprios usuários. A convergência, vale ressaltar, não está no avanço tecnológico, mas
na nova configuração do consumo, interações sociais e nas relações dos usuários com as
novas tecnologias. Por convergência midiática, Jenkins define:
[...] o fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de
mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao
comportamento migratório dos públicos dos meios de
comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das
experiências de entretenimento que desejam. (JENKINS, 2008,
p. 29)
Jenkins (2008) observa a convergência mais como um processo do que uma
mudança tecnológica em si, pois os “consumidores são incentivados a procurar novas
informações e fazer conexões em meio a conteúdos midiáticos dispersos”. Isso nos leva
a outro conceito desenvolvido por Jenkins para expressar essa noção de convergência: a
narrativa transmidiática, que “refere-se a uma nova estética que faz novas exigências
aos consumidores e depende da participação ativa de comunidade de conhecimento”.
74
Estes consumidores assumem “o papel de caçadores e coletores, perseguindo pedaços
da história pelos diferentes canais, comparando suas observações com as de outros fãs”
para que “tenham uma experiência de entretenimento mais rica” (p. 47).
A exigência dos atuais consumidores - cada vez mais conectados, é notável. O
consumo das mídias, que até a primeira década dos anos 2000 era basicamente linear,
hoje está cada vez mais fragmentado, ajustado ao estilo de vida das pessoas. Um
exemplo é o Binge Watching - termo em inglês para o hábito de assistir séries e filmes
de uma única vez. Atitude que hoje só é possível pelo comportamento de consumo por
demanda, trazido por serviços de streaming de mídia como o Netflix47 e Apple
TV48.
O cenário convergente em que vivemos permite - e pode ser percebido como tal
- analisar novos traços comportamentais dos usuários: cada vez mais pessoas acessam a
internet através do aparelho de tevê e assistem a programação da tevê através da
internet. Apesar da rede mundial de computadores figurar há mais de 40 anos, a noção
da internet como espaço, trazida por Pierre Levy (1997), figura há duas décadas
conceituando o conjunto de computadores interligados, o ciberespaço:
[...] o espaço de comunicação aberto pela interconexão
mundial dos computadores e das memórias dos computadores.
Essa definição inclui o conjunto dos sistemas de comunicação
eletrônicos (aí incluídos os conjuntos de redes hertzianas e
telefônicas clássicas), na medida em que transmitem
informações. Consiste de uma realidade multidirecional,
artificial ou virtual incorporada a uma rede global, sustentada
por computadores que funcionam como meios de geração de
acesso. (LEVY, 1997, p. 92)
A realidade multidirecional deste espaço - aberto - permite que a internet alterese e se ajuste à necessidade de seus usuários. Foi o que aconteceu a partir dos anos 90,
quando ela começa a desenvolver-se, muito em virtude do jornalismo e da publicidade.
No ambiente web, o jornalismo apresentou-se em fases de evolução
categorizadas por Luciana Mielniczuk (2001), como: 1) transposição - os jornais
impressos eram transcritos para a internet tal qual a sua versão impressa; 2) metáfora -
47
48
http://www.netflix.com
http://www.apple.com.br/ appletv/
75
pequenas experiências e inovações a fim de explorar as características do novo meio,
como hiperlinks, e-mail, fórum de debates etc.; 3) webjornalismo - momento atual e
avançado de toda a estrutura técnica referente à internet.
É neste contexto convergente e de produções webjornalísticas que surgem, há menos de
uma década, as TVs online - canais online de vídeos produzidos para a internet.
Partindo deste pressuposto, o objetivo deste trabalho é descrever o percurso dos
jornais impressos Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e Zero Hora - até seus canais
online TV Folha, TV Estadão e ZHTV. É importante ressaltar que este trabalho não tem
como objetivo analisar o discurso e linguagem das produções telejornalísticas online,
mas sim mapeá-las quanto ao número, gêneros, formatos e categorias de convergência.
Sob o afixo TV, jornais como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e Zero
Hora superam a sessão de vídeos de seus portais e começam a produzir conteúdo
exclusivo para suas próprias “TVs”. Neste contexto a palavra televisão, enquanto
aparelho eletroeletrônico, é deixado de lado, mas mantém o significado de “tela de
visão”:
A palavra televisão deriva de tela de visão, ou seja, de
uma tela de superfície de armazenamento eletrostático (...) na
qual a informação é visualmente apresentada; é, pois, o
dispositivo utilizado para exibição de dados num terminal – o
vídeo. A tela da televisão, seguindo a gênese da imagem em
movimento, transformou-se num espaço de apresentação da
realidade, pois o imediatismo de sua reprodução técnica lhe
concedia o status de recorte do real, função reforçada pelos
cenários específicos que reproduziam as cenas da vida
cotidiana. (EMERIM: 2014).
O telejornalismo, como “prática de produção de produtos informativos para a
televisão” (EMERIM, 2014), no atual cenário convergente entra em evidência com um
novo perfil, apropriando-se do ciberespaço e suas potencialidades. Tradicionais veículos
de comunicação buscam na internet não só um espaço para promover seus conteúdos,
mas também apropriar-se da linguagem audiovisual e telejornalística - exterior à sua
produção enquanto publicação impressa.
A prática do telejornalismo na internet proporciona e reflexão das características
do próprio meio. Conforme aponta Gomes (2007, p. 10) “a notícia seja ela ouvida no
rádio, lida nos jornais ou vista na televisão, ganha muito de sua configuração das
características do próprio meio no qual aparece”. Isso acontece também com os
76
materiais postados na internet – seja em texto, foto, vídeo ou áudio. Por isso, entender a
notícia enquanto um gênero discursivo (BENETTI, 2008) e os programas televisivos ou
na internet como gêneros midiáticos (GOMES, 2007; JOST, 2004) leva à reflexão das
características dos formatos e linguagens da 'televisão' feita para a internet.
3. Jornalismo impresso e tevês online
Seguindo a tendência internacional, tradicionais jornais impressos brasileiros
tem explorado a produção multimídia e em TVs online, promovendo seu conteúdo e
experimentando novos formatos. Destacam-se, neste trabalho três produções: TV Folha,
do jornal Folha de S. Paulo; TV Estadão, do jornal O Estado de S. Paulo; e ZHTV, do
jornal Zero Hora, de Porto Alegre.
3.1 TV Folha
A trajetória online do jornal Folha de S. Paulo começa em 1996, com o
lançamento do serviço Universo Online - UOL - com o site Folha Online. Nesta época
as redações do jornal impresso e digital eram separadas. A união das duas ocorreu
apenas em 2010, após reforma gráfica e editorial que empreendeu o site Folha.com.
Os diversos sites do jornal sempre mantiveram uma sessão específica para
vídeos, porém a produção acontecia de modo esporádico. Inicialmente hospedado no
site TV UOL, a TV Folha estreou em 2007 com uma programação independente do
jornal impresso. Os vídeos abordavam noticias variadas, sem separação por editorias,
nem cenário e apresentadores fixos. O link dos vídeos era disposto verticalmente na
página, sem indexação de conteúdo, sendo o usuário o responsável pela escolha,
multilinear (PALACIOS, 2005; OLIVEIRA, 2011) do que gostaria de assistir.
Os programas da TV Folha nesta época não possuíam vinhetas de abertura, nem
repórteres com microfones na mão, a apresentação das matérias geralmente era direto da
redação da então Folha Online, pelo jornalista que as produziu. Em 2011, a TV Folha
foi teve mudanças fundamentais em sua estrutura. A chefia de edição passou a ser do
jornalista Fernando Canzian, também apresentador do agora “TV Folha”, produção em
forma de programa que reúne matérias, reportagens, coberturas e videodocumentários.
Um ano após sua reformulação - e positivo destaque junto ao público - a
produção foi convidada pela emissora TV Cultura para exibir seu material em um
77
Atualmente, a TV Folha mantém um perfil inovador em suas coberturas. Na
transmissão dos protestos de rua em 2013, foram usadas pela equipe de reportagem um
drone - veículo aéreo não tripulado - e o Google Glass - óculos com funcionalidades de
smartphones, ambas as tecnologias para gravar e transmitir ao vivo os protestos6. No
ano seguinte, o documentário “Junho, O Mês Que Abalou o Brasil” foi lançado no
cinema nacionalmente, marcando o primeiro longa metragem produzido pela Folha.
Além disso, destaca-se por ter definido uma linguagem própria, auto identificada
como mini-documentários, formato parecido com as matérias tradicionais do jornal
Folha de S. Paulo. Inicialmente produzindo um programa semanal, hoje a TV Folha
produz vídeos diários para todas as editorias do jornal, além de entrevistas e debates ao
vivo.
3.2 TV Estadão
Em 16 de julho de 2007 é lançada a reformulação total do portal Estadão 7, do
jornal O Estado de S. Paulo. Dentre as novidades do site, lançado pela primeira vez no
ano 2000, estava a criação da área multimídia, com vídeos, podcasts, tags e blogs.
Idealizado pelo jornalista Felipe Machado, surge a TV Estadão8
- que
originalmente era apenas a sessão de vídeos do portal, destacando-se com a queda do
avião da TAM no mesmo ano. Em entrevista ao Portal Imprensa9, o editor-executivo de
Conteúdos Digitais do Grupo Estado, Luis Fernando Bovo, revelou que no início, a TV
Estadão mantinha uma pauta própria, mas somente com a aproximação com o jornal
impresso ela ganhou relevância.
Produtora de seu próprio conteúdo, ela destaca-se por sua programação ao vivo e
entrevistas com especialistas e formadores de opinião, além de reportagens produzidas
por equipes da Agência Estado, do mesmo grupo, e vídeos produzidos pelas diferentes
5
http://www.meioemensagem.com.br/home/midia/noticias/2014/04/14/TV-Folha-sai-da-grade-daCultura.html
6
http://folha.com/no1326681
7
http://estadao.com.br
8
http://tv.estadao.com.br
9
http://portalimprensa.com.br/noticias/brasil/61591
78
Destaca-se nas produções da TV Estação o espaço disponibilizado ao debate e à
opinião. Em programas ao vivo, especialistas e jornalistas experientes da redação do
jornal discutem temas atuais e diários, com dados apurados na rua e disponibilizados ao
vivo, na redação.
O espaço reservado para a gravação dos materiais é a própria redação, equipada
com estrutura de captação e gravação. A equipe de produção dos vídeos da TV Estação
é composta por editores, coordenador técnico, coordenador de conteúdo, editores e
estagiários, responsáveis pelas pautas, produção, operação de câmaras e dispositivos e
edição.
3.3. ZHTV
O jornal Zero Hora foi fundado em 4 de maio de 1964 em Porto Alegre, por
Maurício Sirotsky Sobrinho. Mantido pelo Grupo RBS, é o sexto maior jornal impresso
do Brasil segundo a Associação Nacional de Jornais10.
Após diversas modificações importantes em layout e editoração, em 19 de
setembro de 2007, o jornal Zero Hora lança oficialmente seu novo site, alinhando-se à
tendência de outros veículos em transformar seu site institucional - que até então só
transcrevia as matérias impressas - em um portal de conteúdo atualizado 24 horas.
Neste novo site, a editoria multimídia deu início a produções sistemáticas e que
normalmente acompanhavam e complementavam as reportagens especiais do jornal
impresso. E em junho de 2013, foi lançado oficialmente o site ZHTV11.
O site ZHTV é dividido nas categorias Bem-Estar, Casa&Cia, Donna,
Economia, Educação, Gastro, Gastronomia, Geral, Meu Filho, Mundo, Opinião, Paulo
Sant'Ana, Polícia, Política, Segundo Caderno, Site ZH, Tecnologia, Trânsito, Verão,
Vídeo minuto e zhEsportes - que atuam mais como tags para indexação dos programetes
diários, e vídeos de registros documentais rápidos dos fatos do dia, do que propriamente
editorias.
10
11
http://www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/jornais-no-brasil/maiores-jornais-do-brasil
http://videos.clicrbs.com.br/rs/zerohora
79
Quanto à linguagem, tem inspirações em documentários para cinema e televisão,
mantendo entre suas principais produções a editoria zh.doc, com videodocumentários
produzidos pela equipe de fotógrafos e repórteres do site. A implantação do ZHTV
esteve a cargo da jornalista Marlise Brenol, que já atuava como editora de jornalismo
digital multimídia na redação do jornal Zero Hora.
A proposta inicial de Brenol (2013), em apresentação hospedada em sua conta
pessoal no aplicativo Prezi, previa a captação das imagens em câmeras fotográficas e
smart phones equipados com lentes e tripés personalizados, prezando a mobilidade e
agilidade. Os formatos sugeridos lançam mão de vidrografismo 12, programetes com os
jornalistas do jornal Zero Hora como âncoras, webdocumentário com narrativa ancorada
em imagens, sobe som e trilhas. E equipe designada para a produção seriam fotógrafos,
que atuariam como videorrepórteres (definir - jornalista que trabalha sozinho),
produtores e editores de vídeos.
E equipe inicial do projeto foi composta por 26 pessoas - 16 fotógrafos, 1
fotojornalista, 5 assistentes, 1 assistente técnico e 3 gerentes - com a meta de produção
de 1 vídeo quinzenal com linguagem inovadora, 4 reportagens factuais, 6 programetes
gravados na redação do jornal e 4 vídeos com pauta dos cadernos Sobre Rodas, Casa &
Cia e Gastronomia.
4. Considerações
Ao observar um breve percurso das TVs online dos jornais impressos Folha de
S. Paulo, O Estado de S. Paulo e Zero Hora, podemos apreender alguns aspectos
comuns às produções e também reflexões.
A apropriação dos veículos impressos do ambiente web traz uma dualidade na
percepção da internet: ela agrega ou compete com os demais meios? Se percebermos a
rede como um meio de comunicação, as empresas tornaram-se mais competitivas
mercadologicamente, uma vez que a internet concorre (em termos de anúncio e
publicidade) com os demais meios de comunicação. Se percebermos a internet como
plataforma, o cenário torna-se mais ideológico e contributivo, uma vez que ela
proporciona uma ferramenta agregadora de conteúdo.
12
Técnica de edição de material audiovisual com efeitos, animações, imagens plásticas e design gráfico.
80
Estas TVs surgem com uma estrutura diferente da TV comercial - rotina de
produção de conteúdo, qualidade audiovisual, gestão de negócios etc . A TV Folha é um
exemplo de um novo modelo, ao exibir inicialmente seu conteúdo na TV aberta,
percorreu o caminho inverso de tevês tradicionais, que no advento da internet
transpuseram seu conteúdo para a web.
A experimentação também é uma marca deste novo fazer jornalístico, ao
mesclar gêneros e formatos consolidados no telejornalismo com abordagens inovadoras
e atraentes para o público. Outro ponto em comum são as três produções utilizarem suas
próprias redações como cenários para os programas e também manterem contas no
YouTube - TV Folha13, TV Estadão14 e Zero Hora15 -, concomitante à sua armazenagem
de seus próprios sites.
O ambiente virtual modificou a dinâmica de trabalho e também a maneira como
a audiência consome as informações produzidas pelas mídias. Os jornalistas de jornais
impressos hoje escrevem para a internet, produzem material audiovisual e são também
apresentadores de programas e mediadores de debates.
Um questionamento comum na popularização da internet anos 2000 era a
possível derrocada das mídias tradicionais frente à internet. Jenkins (2008) responde de
uma maneira clara que nenhum meio tradicional irá morrer, o que mudará é a maneira
com que os usuários lidariam com a convergência das mídias e o seu consumo.
Um fator favorável à implantação de TVs online, além das facilidades da
internet, está no barateamento dos equipamentos profissionais e os diversos gadgets
disponíveis no mercado. Qualquer pessoa com um celular com câmera hoje pode
produzir um material independente e divulgar sua produção com o mundo.
O desafio do profissional de jornalismo hoje não é mais técnico - afinal pode-se
fazer muito com pouco - mas sim a inovação de formatos e textos priorizando o
interesse a interação com o público. A análise das novas linguagens e discursos trazidos
pelas TVs Online será a próxima etapa da pesquisa que motivou os autores a construir o
presente artigo.
13
http://www.youtube.com/user/Folha
http://www.youtube.com/user/estadao
15
http://www.youtube.com/user/chamadaszh
14
81
As produções podem ser veiculadas de forma unitária ou integradas a outros
conteúdos, em diversos meios relacionados ao assunto abordado. Pode-se perceber com
isso o início de um processo de convergência de mídias: TV Folha, TV Estadão e
ZHTV passam a produzir conteúdos que serão agregados em diferentes meios, reunindo
jornalistas de diferentes áreas para a produção de uma mesma matéria ou especial. Além
disso, estão instrumentalizando profissionais na cobertura multimídia de eventos.
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www.comscore.com> Acesso em 15 de novembro de 2015.
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82
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discursiva. Disponível em
<www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/palacios/hipertexto.html> Acesso em 31 de janeiro
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RENAULT, Maria Letícia Renault Carneiro de Abreu e Souza. Webtelejornalismo:
telejornalismo na web. Tese de Doutorado em Comunicação. Universidade de Brasília.
Orientadora: Profª. Drª. Lavina Madeira Ribeiro.
83
A Centralidade da Televisão na Era do Digital: Uma Análise dos
Assuntos mais Comentados no Twitter
Renata Pinheiro Souto49
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS
RESUMO
Esta investigação buscou identificar como se estabelecem as relações entre os indivíduos
e os meios de comunicação da atualidade. Mais do que isso ela busca investigar se há
um descompasso entre os temas tratados pela TV e os temas tratados nos sites de redes
sociais. Para tanto inicialmente se fará uma explanação teórica utilizando fundamentos
de Juremir Machado, Dominique Wolton, Henry Jenkins e Raquel Recuerdo.
Posteriormente se fará uma análise dos assuntos mais comentados no site Twitter a fim
de verificar se a TV permanece como pano de fundo das conversas que se estabelecem
na Internet.
PALAVRAS-CHAVE: comunicação; TV; laço social; internet; opinião pública.
INTRODUÇÃO
O que pode haver em comum entre um moderno apartamento recheado da
mais alta tecnologia e uma pequena casa de quarto e sala em um município no interior
do país? Ambas as residências devem ter pelo menos um aparelho de televisão. Hoje,
pouquíssimas são as casas brasileiras que não possuem pelo menos um televisor, e
segundo pesquisa recente da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da
República, 95%50 dos brasileiros a apontam como a mídia mais utilizada.
A pesquisa revelou, ainda, um aspecto muito importante sobre o hábito de
assistir TV dos brasileiros, uma vez que aponta que grande parte deles assiste
televisão praticando outra atividade simultaneamente. “Comer alguma coisa (49%),
conversar com outra pessoa (28%), usar o celular (19%)
e usar a internet (12%)”
(p.16) foram as respostas obtidas nos questionários aplicados. A partir dessas
informações se pode inferir algumas coisas: A televisão possui um papel central e
49
Mestranda do Programa de Pós-Graduação
em Comunicação Social da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul e bolsista CAPES. E-mail: [email protected]
50
Disponível em: http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativasequalitativas-de-contratos-atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2015.pdf Acesso em: 21 jun
2015
84
aglutinador, já que serve como pano de fundo para as conversas entre as pessoas. Mas
também aponta para o hábito de se assistir TV utilizando a Internet pressupondo que
exista alguma conexão entre o conteúdo da TV e a troca de mensagens na rede
mundial de computadores.
O objetivo desse trabalho, portanto, é estudar o papel da televisão numa
sociedade onde a audiência de massa foi profundamente alterada pela sociedade em
rede. A verticalização da comunicação e as rígidas estruturas do modelo industrial estão
sendo confrontadas pela horizontalidade das redes sociais que possuem distintos
mecanismos de comunicação e posicionamento. Hoje, os telespectadores têm maior
poder de manipulação e de modificação do que recebem das grandes estruturas de
produção. Relativizam o poder da emissão-recepção, já que passam a ser também
produtores de mensagens. Assim sendo, como podemos estudar o comportamento dos
indivíduos e sua relação com os veículos de comunicação?
A ideia proposta deste trabalho é que a TV permanece sendo a principal fonte do
debate social, ou seja, permanece pautando as conversas do dia-a-dia da sociedade
brasileira.
Da cultura de massa às tecnologias do imaginário
Durante muitos anos se falou em hegemonia da mídia embora trate-se de um
clichê que atravessou o século XX e ainda não foi totalmente dissipado. A televisão
foi considerada por muitos estudiosos como principal veículo de comunicação de massa
bem como uma tecnologia de controle da população, ou seja, uma ferramenta que aliena
e manipula os indivíduos os impedindo de tomar consciência dos problemas
sociais. Muitas teorias foram desenvolvidas a partir do século XIX entre elas a teoria do
Agenda Setting.
O agendamento trabalha com a hipótese de que a mídia é apresentada como
agente modificador da realidade social, apontando ao público receptor sobre o que se
deve informar.
A influência não reside na maneira como os mass media fazem o
público pensar, mas no que eles fazem o público pensar. A imposição do
agendamento se dá através da tematização proposta pelos mass media conhecida
também como ordem do dia, que se tornarão os temas da agenda do público, ou seja, o
que é dito pelos mass media será objeto de conversa entre as pessoas. Essa teoria não
elimina as
relações
interpessoais,
entretanto
essas
relações
não
são
mais
85
geradoras de temas. Elas apenas se nutrem daquilo que é disseminado pela mídia de
massa.
Essa hipótese de agendar os temas a serem discutidos pela opinião pública, hoje,
se configuraria de maneira bastante distinta. O agendamento não se concretizaria mais
como uma forma de manipulação da mente em que a mídia tem a capacidade de dizer
sobre o que se pensar. Compartilhar experiências, interagir e falar sobre os programas
assistidos deixam de estar sob o prisma da escola Frankfurtiana, onde um emissor
mobiliza a massa através da indução da opinião pública. Massa é um conceito que
paralisou a pesquisa no campo da comunicação por considerar todos os indivíduos
a mesma coisa. Mesmo que a TV tivesse esse poder, hoje, os temas não estão mais
presos a nenhum controle. Não existe uma interpretação obrigatória. Cada um enxerga
uma mesma mensagem da forma como que quiser. Com o advento da internet e
principalmente de ferramentas como as redes sociais, a população, agora, passou a ter
voz.
Assim as conversas que se estabelecem através dos conteúdos veiculados pela
televisão, seja no mundo real seja no mundo virtual, não se caracterizariam mais
como ditadoras da opinião pública. Essa concepção foi relativizada a partir das
descobertas e revoluções tecnológicas logo, as coisas tornaram-se mais complexas.
Assim como Juremir Machado, em sua obra As Tecnologias do Imaginário
(2012) pensa-se que não se pode acreditar nem numa hipnose completa, tampouco em
uma autonomia absoluta dos meios de comunicação, seria um meio termo. O conceito
de tecnologias do imaginário proposto pelo autor relativiza o poder da emissão e
passa a levar em conta o poder da recepção.
As tecnologias do imaginário são dispositivos (Foucalt) de
intervenção, formatação, interferência e construção de “bacias
semânticas” que determinarão a complexidade (Morin) dos
“trajetos antropológicos” de indivíduos ou grupos. Assim, as
tecnologias
do imaginário
estabelecem
“laço
social”
(Mafessoli) e impõem-se como principal mecanismo de
produção simbólica da “sociedade do espetáculo” (Debord).
SILVA (2012, p. 20-21)
Portanto as interações que se estabelecem, as conversas, a realidade e as
tecnologias não passam do que nosso próprio imaginário arquiteta e constrói. Não se
pode mais pensar na ideia de manipulação do homem pela técnica também não se
pode pensar em emancipação total. Afinal, as tecnologias do imaginário bebem em
86
nossas fontes imaginárias para alimentar nossos imaginários. É um processo de
retroalimentação, cada sujeito precisa do outro para existir. Logo, as tecnologias do
imaginário (principalmente a televisão) são ferramentas que estabelecem através de seus
conteúdos difundidos uma identificação social ou nas palavras de Dominique Wolton
(1996) constituiriam nada mais nada menos do que o laço social de uma sociedade.
TV generalista e o laço social
A ideia de que a massa não existe é bastante estudada pelo autor Dominique
Wolton (1996) em sua teoria crítica da televisão. Para Wolton (1996) “não é porque
todo mundo vê a mesma coisa que a mesma coisa é vista por todo mundo.”(p. 68-69)
Segundo o autor, em um primeiro momento, a televisão possuía uma concepção
homogênea de grande público, geralmente indiferenciado. No entanto a partir da
inclusão da grade de programação e da criação de novos canais foi preciso reconhecer
que a televisão não se dirigia apenas a um grande público. Na verdade ela se
destinava a diferentes e variados públicos que a assistem.
A ideia de programação, inerente à televisão de massa, obriga a
conceber uma programação para todos os públicos: ela
traduz assim uma aceitação da heterogeneidade de gostos e
de aspirações e é, portanto, uma espécie de reconhecimento da
sua legalidade. WOLTON (1996 p. 114)
Wolton também comenta em sua obra que a televisão fragmentada não se
constitui em uma solução para os problemas que a televisão generalista possui. Para o
autor ao assistirmos a uma televisão temática temos o prazer de encontrarmos temas que
dialogam com os nossos interesses pessoais, entretanto há uma dispersão de público da
TV generalista o que acarretaria em um empobrecimento da oferta cultural.
Wolton (1996) também destaca em sua obra o que para ele a televisão tem de
melhor: a constituição do laço social.
Em uma televisão o que constitui o laço social? No fato de
que o espectador, ao assistir à televisão, agrega-se a esse
público potencialmente imenso e anônimo que a assiste
simultaneamente, estabelecendo assim, como ele, uma
espécie de laço invisível. É uma espécie de common
knoledge, um duplo laço e uma antecipação cruzada. Assisto a
um programa e sei que outra pessoa o assiste também, e
também sabe que eu estou assistindo a ele. Trata-se, portanto, de
uma espécie de laço especular e silencioso. WOLTON (1996
p. 124)
87
Ou seja, a noção de laço social proposta se caracteriza porque o espectador, ao assistir a
programação, não está sozinho. Há uma outra pessoa, em outro local ou domicílio, que
assiste simultaneamente a um mesmo programa e que posteriormente comentará sobre
ele.
O grande público, portanto, é o que confere vida e sentido à televisão, segundo
Wolton. Numa lógica na qual tudo separa, existe um sensível laço que une pelas
imagens vistas. Um laço que independe da origem, da formação e do nível cultural. Uma
mensagem cuja força está no fato de ser levada a elite e aos com menos recursos, sem
distinções. Nesta perspectiva, assistir televisão é uma atividade socializante. É muitas
vezes o pouco que resta de coletivo. “Pois o que está em jogo é a ideia de grande
público, é o milagre de uma reunião de públicos que, por outro lado, tudo separa e
distingue. E manter esse milagre numa sociedade que legitima e busca fracionamentos
sociais e culturais se torna um grande desafio.” WOLTON (1996, p. 131)
O mundo a um clique de distância
Atualmente é muito comum ouvir o termo “convergência midiática”. Esse
tema tem sido objeto de estudo para vários pesquisadores ao redor do globo. É fácil
observarmos a aplicação prática desse termo na sociedade contemporânea, uma vez
que as pessoas estão cada vez mais ligadas a seus aparelhos eletrônicos bem como
cada vez mais dependentes deles para diversas atividades do dia-a-dia como pesquisar,
se informar e se entreter. Hoje vivemos em uma sociedade que se baseia na
informação e se estrutura através delas e a Internet desempenha um dos papeis mais
importantes nesse processo.
Para Henry Jenkins (2009) – um dos principais pesquisadores do impacto das
novas tecnologias na sociedade, a internet é o meio de comunicação que se
estabeleceu mais rápido por satisfazer várias demandas humanas essenciais no mundo
atual. Mas isso não justifica a perda dos meio de comunicação já estabelecidos
anteriormente, justamente porque a rede mundial de computadores é o ponto de
encontro de todos eles.
Palavras impressas não eliminaram as palavras faladas. O
cinema não eliminou o teatro. A televisão não eliminou o
rádio. Cada meio antigo foi forçado a conviver com os meios
emergentes. É por isso que a convergência parece mais plausível
como uma forma de entender os últimos dez anos de
transformações dos meios de comunicação do que o velho
paradigma da revolução digital. Os velhos meios de
comunicação
não
estão
sendo
substituídos.
Mais
88
propriamente,
suas funções e status estão sendo
transformados pela introdução de novas tecnologias. (JENKINS,
2009, p.41)
Redes sociais versus sites de redes sociais
A tendência de pessoas que se congregarem através de interesses e pensamentos
em comum é intrínseca e natural ao ser humano. Esses agrupamentos possuem
diferentes nomenclaturas e já foram estudados por diferentes autores. Seja comunidade
seja tribo, a verdade é que a sociedade sempre organizou através de redes. Estas redes
quase sempre estavam limitadas às barreiras geográficas e culturais de uma
sociedade. Hoje, entretanto, com o desenvolvimento tecnológico e a popularização da
Internet somos capazes de compartilhar informações instantaneamente com qualquer
parte do mundo. Essa nova ferramenta de comunicação alterou a escala e padrões de
nossas relações, já que passamos a ter ao nosso alcance uma soma infinita de
expressões culturais inimagináveis em um passado recente.
Diante dessa necessidade do ser humano se aglutinar através de afinidades, a
autora Raquel Recuerdo (2012) distingue termos que estão presentes hoje, no
imaginário de toda uma geração. Atualmente muito se escuta o termo rede social
referindo-se a sites como Twitter e Facebook. No entanto, existem importantes
diferenças entre redes sociais e sites de redes sociais. Raquel Recuerdo (2012)
refere-se ao termo rede social como “estruturas dos agrupamentos humanos,
constituídas pelas interações, que constroem os grupos sociais” (p.16), ou seja, esta
configuração existe desde as comunidades primitivas, não sendo exclusiva do ambiente
virtual. Já os sites de redes sociais, são “ferramentas que proporcionam a publicação e
a construção de redes sociais.”(p.16) Assim, fica claro que as redes sociais são como
as comunidades, tribos, microgrupos que desde a antiguidade existem nas sociedades.
No entanto, hoje elas se estabelecem não só na “vida real”, mas também se
concretizam em ambientes virtuais. E são em ferramentas desses ambientes virtuais,
no caso, os sites de redes sociais, que as comunidades virtuais se estabelecem.
A autora discorre, ainda, que existe alguns sites que são mais propícios para uma
análise de conversações em rede do que outros. Os diálogos no Facebook e Twitter,
por exemplo, são mais públicos e permanentes, portanto, mais rastreáveis do que
outros. Recuerdo também enfatiza que a partir das interações realizadas em sites de
89
redes sociais, é possível coletarmos informações sobre “sentimentos coletivos,
tendências, interesses e intenções de grandes grupos de pessoas” (2012, p.
17).
Uma conversação em rede não precisa, ainda, ser legitimada com base no
número de pessoas/usuários envolvidos, segundo a autora. A particularidade desse
diálogo se consiste na forma com a qual a conversação se espalha entre os grupos
sociais por meio das conexões que cada indivíduo possui. Para Recuerdo (2012) as
pessoas aglutinam-se em grupos sociais através dessas conexões que também podem
ser denominadas de pontos nodais. “Grosso modo, um laço social representa uma
conexão que é estabelecida entre dois indivíduos e da qual decorrem determinados
valores e deveres sociais” RECUERDO (2012, p. 129)
Análise das hashtags no Twitter
Para exemplificar a ideia proposta pelo presente trabalho buscou-se mapear no
site Twitter quais eram os assuntos mais comentados pelos usuários da rede. Para
tanto, foram realizadas análises entre os dia 24 e 25 de junho de 2015, dias em que
foi amplamente divulgada pela imprensa nacional a notícia do falecimento do cantor
sertanejo Cristiano Araújo.
A primeira constatação possível de se realizar é que a televisão influencia
diretamente os assuntos discutidos na Internet, já que é a partir dos conteúdos
tratados pela televisão que as conversas online se estabelecem. Podemos observar
nas figuras abaixo como as hashtags #cristianoaraujo e #fatimabernardes estavam
entre os primeiros assuntos mais comentados no site. A hashtag #fatimabernardes
foi amplamente compartilhada após um erro cometido pela apresentadora do programa
Encontro da Rede Globo em que a mesma anunciou equivocadamente a morte do
jogador de futebol Cristiano Ronaldo ao invés do cantor sertanejo Cristiano
Araújo. Logo, percebe-se que embora nem todas as hashtags vinculem o nome do
artista falecido o assunto tratado por elas é o mesmo: a morte do cantor.
90
Imagem 1 – Postada na linha do tempo
Fonte: Twitter. Disponível em: https://twitter.com/TrendieBR
Acesso em 25 jun. 2015
Outro movimento bastante interessante que pode ser analisado é
a
possibilidade que a ferramenta Twitter dá para seus usuários se manifestarem como
produtores de conteúdo. Na figura abaixo podemos perceber como o público se apropria
das imagens exibidas na televisão e as resignifica nas redes sociais. Neste caso são
percebidas ironias e piadas realizadas a partir de um erro cometido pela apresentadora
Fátima Bernardes.
Imagem 2 – Postada na linha do tempo Fonte: Twitter. Disponível em:
https://twitter.com/search?src=typd&q=%23fatima%20bernardes&lang=pt
Acesso em 25 jun. 2015
91
Imagens 3 – Postada na linha do tempo Fonte: Twitter. Disponível em:
https://twitter.com/search?src=typd&q=%23fatima%20bernardes&lang=pt
Acesso em 25 jun. 2015
Os comentários abaixo exemplificam de forma bastante clara a ideia proposta por
Dominique Wolton (1996) quando o autor explica a importância da TV generalista para
a união do grande público através do laço social.
Imagens 4 – Postadas na linha do tempo Fonte: Twitter. Disponível
em:
https://twitter.com/search?src=typd&q=%23cristianoaraujo&lang=pt
Acesso em 25 jun. 2015
Apesar da hashtag #cristianoaraujo ter sido compartilhada por milhares de pessoas se
percebe claramente o abismo cultural existente na sociedade brasileira já que os sites de
redes sociais se dividiram. Enquanto boa parte dos internautas lamentava a morte trágica
do canto, outros se perguntavam de quem, efetivamente, se tratava.Os comentários
analisados neste artigo foram constituídos para auxiliarem o leitor a visualizar como a
televisão permanece pautando os temas e conversas da sociedade contemporânea
apresentando-se assim, não como um dispositivo de manipulação mas como uma
ferramenta socializadora. O simples fato de um usuário da rede postar um comentário,
defender uma ideia ou opinião acerca dos assuntos difundidos na TV pode gerar uma
conversa. Dessa forma o laço social de Wolton não ficou apenas na televisão, mas é
também concretizado na Internet.
CONSIDERAÇÕES
92
Esta investigação buscou identificar como se estabelecem as relações entre os
indivíduos e os meios de comunicação da atualidade. Apesar de algumas pessoas
criticarem o papel dos meios de comunicação social porque os consideram como
ferramentas manipuladoras, essa concepção foi relativizada com o advento da Internet.
Hoje, não existe mais uma interpretação obrigatória das mensagens e podemos
perceber isso através dos conteúdos produzidos e compartilhados pelos internautas. Cada
um fala sobre o que quiser e dá o seu significado para as coisas.
O laço social de Wolton, portanto, serve como um fio invisível que une o grande
público. Unir a população que está cada vez mais dispersa através de mensagens
difundidas pela televisão é o grande desafio da TV generalista nos dias de hoje.
Entretanto podemos perceber ao realizar o mapeamento das hashtags mais comentadas
no Twitter, que ela tem conseguido atingir seu objetivo. Apesar do abismo
cultural existente na sociedade brasileira, é possível constatar que o grande público
ainda se mobiliza para falar dos mesmo assuntos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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viés do paradigma da sociedade de massa, In: HOHLFELDT, Antonio, MARTINO,
Luiz C, FRANÇA, Vera. Teorias da Comunicação: conceitos, escolas e tendências.
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Computador e Redes Sociais na Internet. 1.ed. Porto Alegre: Sulina, 2012
SILVA, Juremir Machado. As Tecnologias do Imaginário. 3.ed. Porto Alegre: Sulina,
2012 WONTON, Dominique. Elogio do Grande Público. Uma teoria crítica da
televisão. Ed. Ática, 1996
93
Os seriados em até 140 caracteres:
A Social TV através de Pretty Little Liars
Lúcia Loner Coutinho
Mestre em Comunicação Social.
Doutoranda em Comunicação, PUCRS
[email protected]
Mateus Dias Vilela
Mestre em Comunicação Social.
Doutorando em Comunicação, PUCRS
[email protected]
Resumo
As tecnologias de compartilhamento no ciberespaço têm modificado as dinâmicas
espectatoriais da televisão. Buscando valer-se de uma experiência social, os seriados
norte-americanos procuram meios para incentivar o engajamento dos públicos, além de
lucrar nesta nova configuração do mercado, dando origem ao fenômeno de Social TV.
Neste contexto, este trabalho centra-se na série Pretty Little Liars uma das atrações
televisivas de maior sucesso nas redes sociais, valendo-se de seu apelo jovem, e de ações
de engajamento.
Palavras-chave
Séries televisivas; Social TV, Convergência midiática.
Resumo
The technologies of sharing in the cyberspace have changed the dynamics of spectatorial
television. Seeking to use a social experience, the american series are looking for ways to
encourage the engagement of the public, in addition to profit in this new market
configuration, giving rise to the Social TV phenomenon. In this context, this paper focuses
on the Pretty Little Liars series one of television's most successful attractions on social
media, taking advantage of his youthful appeal, and engagement actions.
Palavras-chave : TV series; Social TV; Media convergence.
1. Introdução
94
Os segredos de quatro amigas envolvidas em um desaparecimento, em Rosewood,
é o mote que dá origem a série de livros, destinados ao público adolescente, de Sara
Shepard, que, mais tarde, daria origem ao seriado Pretty Little Liars (PLL). Desde sua
estreia, em 2010, no canal ABC Family, a trama que é repleta de mistério e suspense,
atraiu a atenção da audiência, principalmente através de redes sociais, como o Twitter.
O sucesso desta, e de outras séries, nas redes sociais, pode ser entendido pelo que
Marcel Silva (2013) chama de cultura das séries. Para o autor, tal fenômeno é propiciado a
partir de diferentes dinâmicas emergentes nos últimos anos e é baseado em três condições:
a reconfiguração de modelos narrativos; o desenvolvimento tecnológico que modificou as
formas de circulação audiovisual; e a diversificação do espaço de consumo dos
espectadores, seja em comunidades de fãs, seja em estratégias de engajamento. Diante
deste contexto, PLL com sua trama enigmática e apelo a experiência juvenil é um exemplo
de tal cultura.
Entender tal fenômeno leva-nos a uma compreensão sobre o campo da produção. O
enunciador age com objetivo de fazer o enunciatário realizar uma ação específica. Se antes
a televisão se importava em levar o espectador a querer assistir determinado conteúdo,
agora ela precisa levar o enunciatário a querer assistir tal programa, fazê-lo ao vivo e ainda
comentar nas redes sociais, instigando outros a fazer o mesmo, dando origem à Social TV.
Assim os enunciadores começaram a trabalhar práticas que levassem ao
compartilhamento ordenado, para que este pudesse ser quantificado e “vendido” aos
publicitários. PLL é uma das produções norte-americanas que mais instiga a Social TV.
Tomando proveito que o público preferencial formado por membros de uma geração ávida
pelo compartilhamento e conversação nas redes sociais, a série tem quebrado recordes de
compartilhamento e resultados na Social TV.
2. Uma cultura das séries
Ao discutir sobre a crescente visibilidade dos seriados, especialmente de origem
norte-americana no cenário midiático dos últimos anos, Marcel Silva (2013), admite um
tripé de condições epistemológicas decisivas para o estabelecimento do que ele chama de
cultura das séries. Neste cenário a televisão mundializada não pode ser mais desconectada
de seu contexto tecnológico convergente.
Para entender a complexidade desse fenômeno, estamos aqui
propondo três condições epistemológicas centrais que se
consubstanciaram nas duas últimas décadas para promover
95
esse panorama em que as séries ocupam lugar destacado
dentro e fora dos modelos tradicionais de televisão: a
primeira condição é a que chamamos de forma, e está ligada
tanto ao desenvolvimento de novos modelos narrativos,
quanto à permanência e à reconfiguração de modelos
clássicos, ligados a gêneros estabelecidos como a sitcom, o
melodrama e o policial. A segunda condição está
relacionada ao contexto tecnológico em torno do digital e da
internet, que impulsionou a circulação das séries em nível
global, para além do modelo tradicional de circulação
televisiva. A terceira condição se refere ao consumo desses
programas, seja na dimensão espectatorial do público,
através de comunidades de fãs e de estratégias de
engajamento, seja na criação de espaços noticiosos e
críticos, vinculados ou não a veículos oficiais de
comunicação como grandes jornais e revistas, focados nas
séries de televisão (2013, pp. 3-4).
Seguindo tal cultura seriada, ao tomar seriados mundializados como objeto de
estudo, é necessário contemplar uma articulação de diversos aspectos, não apenas no que
diz respeito à gêneros narrativos, mas à sua forma de consumo, incorporando outros temas
à problemática das audiências, como as plataformas tecnológicas que expandiram a
veiculação e audiência, e também abriram espaço para a existência de paratextos e
participação do público. Essas novas condições transformaram as séries, nos dias de hoje,
em mais do que um produto narrativo que se encerra em si mesmo, mas com potencial de
entretenimento muito mais amplo, e aberto a conectividade.
As séries juvenis conjugam-se a tal cultura seriada descrita por Silva, não apenas
pois seu surgimento, na década de 1990, coincide com a popularização das
reconfigurações narrativas citadas, fruto do fatiamento do mercado televisivo que passava
a sofrer concorrência da televisão a cabo e posteriormente do computador doméstico e
internet, mas também por seu particular interesse e pioneirismo em estratégias online. Esta
agilidade em encontrar formas convergentes de conversar com seu público faz com que
apesar da competição de outras plataformas de entretenimento midiático, as séries voltadas
ao público jovem tenham acompanhado a evolução cultural e tecnológica do ambiente em
que circulam. Mantendo-se como um forte nicho dentro da indústria televisiva norteamericana que exporta tal produção. Para Miller (2009) longe de afastar o espectador da
televisão, as novas tecnologias que permitem ao público produzir e publicar seu próprio
conteúdo são um trunfo à televisão norte-americana, promovendo-a.
Segundo Winocur (2009) a tecnologia proporciona uma nova relação do jovem
com a cultura global, ainda que as realidades de cada um sejam heterogêneas, muitas
96
experiências de juventude atravessam fronteiras e culturas locais, e as ferramentas de
comunicação, em particular a internet reforçam o sentimento de pertença e identidade de
grupo. Ainda de acordo com a autora, a tecnologia aprofundou a globalização e
naturalização de códigos culturais e estéticos através do mundo (especialmente ocidental).
A juventude tem agora, não apenas objetos de consumo em comum, mas um modo afim de
relacionar-se com o mundo, praticado diariamente na internet.
O drama juvenil Dawson’s Creek (The WB, 1998-2003) foi um dos primeiros
seriados a explorar a convergência e especialmente a transmidiatização. Dawson’s
Desktop, um projeto que colocava o telespectador “dentro” do computador dos
protagonistas da série (seus emails, documentos, etc), e foi na realidade um dos primeiros
êxitos em transmidia entre conteúdo televisivo e online. Algumas das séries juvenis de
maior sucesso depois disso, são exatamente aquelas que conseguem dialogar com o
público através uma narrativa instigante a identidade jovem, conjugado ao diálogo com o
público online, estimulando a conexão e engajamento. Séries como Gossip Girl (CW,
2007-2012) ou Glee (FOX, 2009-2015), são séries com sucesso relativo em termos de
audiência bruta, porém com casos de sucesso em promoção online são exemplos disso,
com números de conexão online muito superiores a seus números de audiência.
Pretty Little Liars (ABC FAMILY, 2010-atual) segue esta mesma linha, e talvez
ainda mais surpreendente por ser veiculado por um canal pago nos EUA, no entanto seu
apelo é exemplar dentro da cultura das séries de Silva (2013). Primeiramente, pois em
termos narrativos, o seriado mostra uma mistura de gêneros com melodrama juvenil, junto
a suspense, com influências do noir. Além disso sua narrativa é baseada em enigmas,
transformando cada episódio em peças de um quebra-cabeças. Características estas ligadas
a complexidade narrativa que configura modo de narração e práticas de produção e
recepção que cobrem diversos gêneros (MITTELL, 2012-2013).
Em segundo lugar PLL é uma série propícia para ser discutida e analisada, não
apenas assistida. A própria série pede e necessita do engajamento de seus telespectadores
em fóruns de internet e no consumo de seus paratextos51. A intrincada trama, cheia de
detalhes é ideal para a elaboração de teorias por fãs, sendo muito difícil que uma pessoa
consiga guardar e fazer sentido de todos os detalhes assistindo apenas uma vez e
aguardando semanas (ou meses) até o próximo episódio ser desvelado.
51
Como é um exemplo a Pretty Little Liars Wikia, uma enciclopédia colaborativa sobre o universo de PLL, disponível
em: http://pretty-little-liars.wikia.com/.
97
Por fim, as estratégias de convergência da produção de PLL são hábeis e
ostensivas, proporcionando a cada episódio novas interações, e preenchendo a espera entre
episódios com informações, detalhes, material auxiliar, pistas e mesmo jogos. A seguir
veremos o engajamento entre enunciador e público através da plataforma Twitter.
3. A Social TV em 140 caracteres
O ato de discutir programas de televisão, principalmente os que envolvem
teledramaturgia não é novo. Através da função referencial, a televisão possibilita a união
das mais diversas plateias, permitindo uma atividade coletiva. E é esta aliança entre o
individual e o comunitário, que Dominique Wolton (2004) julga ser o espírito da TV, o
que faz desta tecnologia, uma atividade constitutiva da sociedade contemporânea. A essa
ligação, o autor dá o nome de “laço social”, pois quando o espectador assiste a um
programa, agrega-se a um público potencialmente imenso e anônimo que assiste ao
mesmo conteúdo simultaneamente.
Wolton acredita que a televisão é um espelho da sociedade, ou seja, a população se
enxerga na tela, que oferece ao usuário uma representação de si mesmo.
Dizer que a televisão é uma das formas de laço social é, pois,
uma retomada de certa tradição sociológica, mesmo que a
perspectiva seja sensivelmente diferente. Em que a televisão
constitui um laço social? No fato de que o espectador, ao
assistir à televisão, agrega-se a esse público potencialmente
imenso e anônimo que a assiste simultaneamente,
estabelecendo assim, como ele, uma espécie de laço
invisível. É uma espécie de common knowledge, um duplo
laço e uma antecipação cruzada. Assisto a um programa e sei
que outra pessoa o assiste também, e também sabe que eu
estou assistindo a ele (WOLTON, 2004, p.124).
Além de criar essa cola social, os conteúdos televisivos provocam curiosidade. É
nisto que Mike Proulx e Stacey Shepatin (2012) justificam a Social TV, como fruto da
curiosidade das pessoas. É a vontade de sempre ter conhecimento sobre tudo que está
acontecendo ao seu redor, principalmente no que tange à teledramaturgia.
O trampolim que impulsionou a ideia da aplicação da
segunda tela como uma companheira da TV é baseado em
um princípio simples: somos seres muito curiosos e
compelidos a alimentar essa curiosidade. Quando estamos
98
conectados a uma segunda tela enquanto vemos TV, temos
acesso instantâneo para procurar uma quantidade infinita de
informações sobre o programa a que estamos assistindo e,
dessa forma, ajudamos a satisfazer nossa curiosidade natural
(PROULX; SHEPATIN, 2012, p.58, tradução do autor52).
Tal curiosidade gera, segundo Mark Johns (2012) um canal de fundo, em tempo
real, entre o público de determinado programa, ou ainda entre os produtores e o público do
mesmo. Tal canal de fundo permite experiências sociais em torno da televisão, é a divido
por Gunnar Harboe (2009) entre conceitos restritos e amplos, como mostra o quadro
Quadro 1: Conceitos restritos e amplos sobre Social TV
Fonte: Elaborado pelo autor com base em Harboe (2009).
Raimund Schatz (et al., 2010) e Marie-José Montpetit (et al., 2010) salientam a
questão da experiência compartilhada. Para os autores, as redes sociais possibilitam
vivenciar situações de usos sociais da televisão. Experimentos revelaram que os
indivíduos se engajam mais, através do contato com uma audiência virtual. Alguns
usuários, segundo Jarno Zwaaneveld (2009), relataram assistir não somente seus
programas favoritos, mas outros conteúdos somente pelo fato de outros o estarem fazendo.
52
Do original: The springboard that propelled the idea of second screen applications as a companion for TV is based on
a simple principle: we are naturally curious human beings who are compelled to feed that curiosity. When we are
connected to a second screen while we watch TV, we have instant access to search an infinite amount of information
about the program you're watching and thus help to satisfy our natural curiosity.
99
Afirmaram ainda que participavam de pequenas conversas sobre os programas durante o
intervalo, compartilhando interesses em comum.
Trata-se, hoje, de uma conversa democrática e global que influencia o conteúdo
dos programas e da publicidade. Através da popularidade das séries de TV, principalmente
das norte americanas, um novo léxico foi incorporado ao meio das redes sociais.
Expressões como spoiler53, season finale54, hiatus55 e premiere56 foram adotados pela
cibercultura, mesmo em países que não têm no inglês, sua língua materna. Novos hábitos
também entraram no ato de assistir televisão. A experiência de Social TV levou Montpetit
(et al., 2010) a relacionar tal fenômeno com os primórdios da televisão. Para a autora, há
uma redescoberta do ato de assistir TV como momento compartilhado, referenciando a
décadas quando o meio ainda era bastante caro e, portanto, havia apenas um em cada
residência.
Com o barateamento dos aparelhos e a possibilidade de cada cômodo possuir uma
televisão, o ato de assistir TV foi tornando-se solitário, sendo redescoberto e
potencializado, na pós-modernidade, pela cibercultura e as redes sociais. De acordo com
Alex Primo (2010), o Twitter, mostra como a TV ainda é fonte de entretenimento:
Esse telespectador/twitteiro nos mostra que a televisão
continua sendo uma opção de entretenimento. Por outro lado,
não aceita mais a cômoda posição do sofá. Além de consumir
o produto televisivo, ele quer ressignificar os conteúdos que
recebe. Quer compartilhar suas opiniões e escutar o que os
outros tem a dizer. Não o ruído de toda a massa, mas sim, o
que pensam os participantes de suas comunidades (PRIMO,
2010, online).
O Twitter, segundo pesquisa TV Next Conference (TANNER, 2013), parece ser a
rede preferida para a discussão sobre televisão. Dos usuários, 50% publicam conteúdos
sobre os programas que estão assistindo, contra 35% do Facebook. Ainda assim, vale
lembrar que em sua maioria os usuários que tem conta no Twitter, também possuem perfil
no Facebook, mas preferem usar o microblog para tais usos de Social TV.
53
Significa estragar, adiantar algum evento futuro de uma série ou filme.
54
É o último episódio de uma temporada.
55
É quando uma série entra em recesso, normalmente devido a algum feriado em que as emissoras norte-americanas
exibem programação especial.
56
É o primeiro episódio de uma temporada.
100
Essas discussões sobre televisão envolvem vários gêneros televisivos, mas a
teledramaturgia obtém destaque seja pela continuidade do gênero, seja pela incorporação
de elementos que aflorem o desejo de comentar dos telespectadores. E neste quesito as
séries norte-americanas merecem destaque, pois criam um canal de fundo (JOHN, 2012)
que não envolve somente os Estados Unidos, mas todo os países. Por fim, ao analisar os
casos mais recentes, a série Pretty Little Liars tem demonstrado ser um caso peculiar do
uso de ações e compartilhamentos das redes sociais, especialmente no Twitter.
4. Got a secret, can you keep it?
Pretty Little Liars no Twitter
No interior da Pensilvânia, Rosewood, é envolta por muitos segredos. O principal
deles envolve a popular Alison DiLaurentis (interpretada por Sasha Pieterse) que
desapareceu, deixando todos acreditarem que fora vítima de um assassinato, inclusive suas
quatro melhores amigas que aparentemente afastam-se após o trágico acontecimento. Mas
o caos se instala na vida das quatro garotas quando elas começam a receber mensagens de
texto de alguém que se auto intitula "-A", ameaçando revelar segredos que só Alison
poderia saber. Este é o mote principal de uma das séries mais comentadas nas redes
sociais, Pretty Little Liars (ABC FAMILY, 2010-atual). O modo como a trama é
constituída, revelando segredos e pistas – algumas delas falsas – a cada episódio, leva o
público a, além de tentar desvendar o mistério pelas pistas dadas, investigar a identidade
do assassino de Alison e da pessoa que chantageia as quatro amigas.
Durante a exibição dos episódios a hashtag #PLL normalmente fica entre os
assuntos mais comentados do mundo e no emblemático episódio do dia 27 de agosto de
2013, respectivamente o 12° da quarta temporada, onde vários mistérios seriam revelados,
o programa foi o mais comentado do dia com 1.973.418 tweets (MYERS, 2013, online57).
De acordo com o site Social Guide (2013, online58) o episódio quebrou o recorde de
comentários sobre um único episódio de TV. Vale ressaltar que o recorde anterior também
pertencia a PLL, no primeiro episódio da quarta temporada com 1.701.125 tweets
(MYERS, 2013, online59), conforme Figura 1.
57
Disponível em: <https://blog.twitter.com/2013/pretty-little-tweeters-how-the-finale-beat-the-records>. Acesso em 16
Nov. 2013.
58
Disponível em: <http://www.socialguide.com/>. Acesso em 16 Nov. 2013.
59
Disponível em: <https://blog.twitter.com/2013/pretty-little-tweeters-how-the-finale-beat-the-records>. Acesso em 16
Nov. 2013.
101
Figura 1: Tweets por episódio da quarta temporada.
Fonte: MYERS, 2013.
Tais resultados também são frutos da promoção feita pelos produtores do final da
quarta temporada, que usou o Twitter como veículo indispensável aos fãs da produção.
Através da conta oficial da série no microblog, foi realizada uma contagem regressiva com
as maiores revelações do décimo segundo episódio. Tais publicações incentivavam ainda o
uso da hashtag #WorldWarA, em referência a misteriosa antagonista do seriado, conforme
Figura 2. Não obstante, tal ação contou com a participação das atrizes do seriado no
incentivo do uso de tal hashtag.
102
Figura 2: Top 10 Reveals Pretty Little Liars
Fonte: Twitter.com/ABCFpll, 2013.
Após a exibição do episódio, uma nova hashtag começou a ser incentivada pela
produção através dos perfis das atrizes protagonistas. O uso de #PLLreaction foi tweetado
pela atriz Lucy Hale, que interpreta a personagem Aria Montgomery, e instantaneamente
vários fãs começaram a fazer o mesmo, como mostra a Figura 3.
Figura 3: Tweets com a hashtag #PLLReaction
Fonte: Twitter, 2013.
103
A ABC Family ainda usou o Twitter como forma de impulsionar o spinoff de PLL,
a série Ravenswood (ABC FAMILY, 2013-2013). Usando o sucesso da finale de Pretty
Little Liars, a emissora desafiou os fãs a descobrir uma imagem sobre a produção
estreante,
através
da
conta
do
ator
Tyler
Blackburn.
Através
da
hashtag
#Ravenswoodreveal a cada 1022 tweets (o número faz referência ao dia da estreia de
Ravenswood, 22 de outubro de 2013) uma parte da imagem seria revelada o público,
conforme mostra a Figura 4.
Figura 4: Tweets de #Ravenswoodreveal
Fonte: Twitter.com/tylerjblackburn, 2013.
Tamanha repercussão e quebra de recordes no Twitter podem ser justificados por
vários motivos desde as ações da emissora, quanto pelo perfil do público ao qual a mesma
destina-se. Ainda assim, o número de fãs do seriado impressiona. Somente no microblog
são mais de 3 milhões de seguidores, enquanto que no Facebook a página oficial reúne
mais de 3,7 milhões de curtidas. No Instagram, a série é o programa de televisão com
maior número de seguidores com mais de 3,4 milhões. No Snapchat e no Pinterest, redes
sociais menos populares, são mais de 1,4 milhões de amigos e 166 mil seguidores,
respectivamente.
5. Considerações Finais
104
Mesmo a Social TV tendo surgido de forma espontânea, a série PLL mostra a
importância da emissora ao incentivar tal fenômeno. O perfil oficial do seriado no Twitter
é um exemplo disto, ao publicar imagens, definir hashtags e incentivar que os fãs
comentem, reajam e descubram os segredos da história. Nesse quesito, o público alvo da
série também tem grande peso. Por se tratar de uma série teen, percebe-se que tal target
demonstra mais interesse em interagir nas redes sociais, bem como em colocar a série
como mais comentada do mundo.
Mesmo com uma estratégia bastante eficiente, a produção da série comete alguns
erros na divulgação do conteúdo. Um exemplo do quanto a audiência internacional não
está necessariamente contemplada pela convergência está em um recente final de
temporada da série, em agosto de 2014, que prometeu acontecimentos impactantes ao
desenvolvimento da história com a morte de um personagem60. Durante a exibição nos
EUA de tal episódio (horário referente a costa leste daquele país), a página oficial da série
no Facebook destacou em várias postagens a morte da personagem, incentivando os
telespectadores a usarem nas redes sociais a hashtag #RIPMona, em referência a
personagem assassinada. A página foi prontamente criticada, principalmente por
telespectadores da comunidade internacional que demonstraram seu desacordo e frustração
com o spoiler revelado pelo próprio canal oficial, ciente do fato que grande parte de seus
seguidores não assistem os episódios junto a exibição original. Desde então a página tem
sido um tanto mais cuidadosa com as ações que toma durante os episódios, para não
afastar os fãs.
6. Referências
FACEBOOK. Facebook Pretty Little Liars. Online. 2015. Disponível em:
<https://www.facebook.com/prettylittleliars/>. Acesso em: 13 Nov. 2015
O episódio Taking This One To the Grave (“Levando esta para o túmulo”, 12º episódio da 5ª temporada), escrito pela
produtora executiva do programa I. Marlene King, foi ao ar nos EUA em 26/08/2014.
60
105
HARBOE, Gunner. In search of social television. In: CESAR, Pablo; GEERTS, David;
CHORIANOPOULOS, Konstantinos. Social Interactive Television: Immersive Shared
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107
O processo de midiatização e a complexificação das interações televisivas
Daniel Pedroso- Unisinos61
As novas condições de circulação que marcam o processo de midiatização da
sociedade, surgidas a partir da intensificação e penetração da internet e da popularização
dos dispositivos móveis, vem transformando o funcionamento dos meios de comunicação,
complexificando a produção de discursos sociais e, gerando, desta forma, uma nova
“economia de atenção”. Esse movimento exige a construção de novos sentidos nas
interações, por meio das quais, os meios geram as suas relações com os atores sociais.
Neste trabalho nos debruçamos sobre o impacto deste cenário no redesenho das interações
entre a televisão e os telespectadores, em especial sobre aquelas interações mediadas pela
produção de vídeos do telespectador, tendo como objeto empírico a promoção A
empregada mais Cheia de Charme do Brasil, quadro apresentado pelo Fantástico da TV
Globo em 2012. Desta forma, pensar a construção da interação entre a televisão e o
telespectador na atualidade, afetada pelas novas condições de produção e de circulação, é
o objetivo deste artigo que tem seu embasamento teórico no processo de midiatização da
sociedade e no conceito de “zona de contato”, entendido como uma instância interacional
que reúne os meios e os atores sociais em novas dinâmicas interacionais. Esse conceito
como um viés de análise, nos permite descrever e questionar fenômenos e processos
midiáticos contemporâneos, observados a partir do âmbito da circulação. Nessa
perspectiva busca-se compreender as transformações e mutações dos discursos sociais na
paisagem midiática contemporânea.
Palavras-Chave: Interações. Televisão. Zona de Contato. Midiatização.
1. Introdução
O presente texto, que aborda o processo de midiatização e a complexificação das
interações televisivas, é um recorte da minha tese de doutorado em comunicação,
(Pedroso, 2015) defendida no programa de pós-graduação em Comunicação da Unisinos,
na qual foi feito um estudo sobre o quadro A empregada mais cheia de charme do Brasil
exibido pelo Fantástico no ano de 2012. Na tese buscamos compreender o fenômeno do
redesenho das formas de interação e geração de vínculos entre a televisão e o telespectador
na atualidade, especialmente as interações mediadas pela produção e exibição de vídeos
gerados pelos telespectadores.
A escolha pelo quadro enquanto estudo de caso do ambiente televisivo afetado
pelo ambiente da midiatização se mostrou muito rico, uma vez que o modelo de interação
mediado pelo envio de vídeos foi engendrado de forma singular, a partir do imbricamento
61
Doutor em comunicação pelo programa de pós-graduação da Unisinos, professor de televisão no curso de
especialização em Televisão Digital e Convergência, no curso de Jornalismo e Realização Audiovisual da
Unisinos e gerente de programação e conteúdo da Rádio e TV Unisinos. [email protected]
108
da televisão, internet e dos dispositivos móveis. Ao todo, 1400 vídeos de foram enviados
ao programa, que enunciou o quadro como um concurso tendo por objetivo escolher a
empregada doméstica mais cheia de charme do Brasil, que concorreu ao prêmio especial
que foi a participação em uma cena da telenovela Cheias de Charme também exibida pela
TV Globo no ano de 2012.
A interação entre a televisão e o telespectador enquanto problema de pesquisa
nasce da percepção da presença cada vez mais comum das marcas da produção do
telespectador na programação da televisão brasileira. As operações que protagonizam a
presença do receptor criam uma paisagem interacional que traz como resultado uma nova
sociabilidade midiática, estruturada por outra forma de interação entre a televisão e o
telespectador. Entendemos que no contexto da ambiência midiatizada, as novas condições
de circulação e os dispositivos técnicos convertidos em meios de comunicação reúnem a
televisão e os telespectadores em novas zonas de contato, que são ativados por meio de
operações tecnodiscursivas que estruturam o discurso televisivo.
A partir da percepção dessas operações que permeiam processos, estruturas,
estratégias, fluxos e circuitos comunicacionais, indagamos: De que forma a atividade
discursiva do telespectador induzida pelo quadro A empregada mais cheia de charme do
Brasil, do programa Fantástico, redesenha os vínculos entre a televisão e o telespectador
na Sociedade em vias de Midiatização? A partir deste questionamento traçamos como
objetivo geral buscar entender como se dá o engendramento do processo interacional
dinamizado pelo estudo de caso que reúne a televisão e os telespectadores, segundo novas
configurações
interacionais.
Como
recorte
específico
centramos
o
olhar
no
empreendimento de descrever os processos de funcionamento da zona de contato enquanto
instância interacional.
Este artigo está dividido em dois momentos, no primeiro de caráter mais teóricometodológico discutimos o processo de midiatização da sociedade e os modos de
funcionamento da televisão a partir de perspectivas interacionais como abordagens
conceituais que nos permitem observar as formas de interação que a televisão vem
propondo aos telespectadores na contemporaneidade. Na segunda parte, apresentamos uma
leitura do modelo interacional resultante da promoção do Fantástico, buscando
compreender como se estabelecem as relações entre a televisão e o telespectador na
“Sociedade em vias de Midiatização”.
109
2. O processo de midiatização e os modos de funcionamento da televisão como
abordagem teórico-metodológica
Para dar dos objetivos propostos, o marco teórico foi construído a partir de dois
eixos, o primeiro se baseia no processo de midiatização enquanto abordagem teóricometodológico o que nos permite de um modo mais geral compreender as formas de
atuação na mídia na sociedade, já no segundo eixo buscamos compreender como a
televisão foi construindo, ao longo do tempo, seus modos funcionamento, relação e
geração de vínculo com a sociedade, com um olhar centrado nas perspectivas
interacionais.
O processo de midiatização enquanto abordagem teórico-metodológica apresenta-se
ainda em construção, seus pressupostos vem mobilizando pesquisadores em várias partes
do mundo. Nesse perspectiva, nos interessa particularmente o cruzamento de duas
perspectivas, a primeira tem origem norte-europeia em especial nos países escandinavos
que compreende o processo de midiatização a partir da intensificação, aceleração e
penetração da mídia na sociedade com foco nas consequências que essa presença traz para
os aspectos sociais e culturais que conforma a sociedade, ponto de vista de caráter mais
sociológico que é defendido pelo pesquisador dinamarquês Hjarvard (2014). Essa
perspectiva em nosso entendimento nos permite criar modelos de observação que,
justamente, atentem para as consequências da mídia atuando no seio da sociedade. A essa
perspectiva mais generalista, adicionamos a perspectiva latino-americana centrada na
observação de produtos midiáticos, em especial a perspectiva trabalhada por Eliseo Verón
(1997) e Antonio Fausto Neto (2008) que entendem que o processo de midiatização afeta
as instituições, os meios e os atores sociais, transformando as condições de produção de
sentido social, ou seja, transformando as formas por meio das quais se articulam produção,
circulação e reconhecimento dos discursos sociais, o que institui uma cadeia de afetações
e institui novos feixes de relações.
Desta forma, entendemos o processo de midiatização como um fenômeno relativo a
intensificação, penetração e aceleração da presença da mídia na sociedade, que traz
consequências para os modos por meio dos quais se articulam a produção, circulação e
reconhecimento dos discursos na sociedade. A partir deste entendimento, dois conceitos
que entendemos ser conceitos operativos do processo de midiatização são de fundamental
importância para este trabalho.
A primeira escolha se reflete no acionamento da noção da relação entre Sociedade
dos Meios e Sociedade em vias de Midiatização (VERÓN, 2013; FAUSTO NETO, 2008),
110
referência teórico-explicativa que nos permitiu identificar o modo de funcionamento dos
meios na sociedade afetada pelo processo de midiatização. Na Sociedade dos Meios, os
veículos de comunicação apresentam funcionamento representacional em que a estratégia
de contato se baseia em contratos pelos quais se geram em produção, através de suas
mensagens, instruções interpretativas que guiam as formas de interação. Já na Sociedade
em vias de Midiatização - que abarca o período contemporâneo - os meios de
comunicação passam a ser entendidos como instâncias produtoras de sentido e há mutação
nos contratos que estruturam as mensagens como pontos de articulação entre produção e
recepção, fazendo com que o sentido das mensagens seja dinamizado segundo as lógicas
da recepção, ainda que os meios sejam os propositores do sentido.
Esse modo de funcionamento chama atenção para as novas formas de articulação
entre produção e recepção, o que nos fez acionar também a noção de zona de contato
como viés teórico-interpretativo. Desta forma, a partir de Fausto Neto (2013) a zona de
contato é entendida como uma instancia interacional que opera, por meio da circulação,
pondo em contato o sistema midiático (em nosso caso a televisão através do programa
estudado) e o sistema socioindividual (as telespectadores empregadas domésticas). Isso
nos permitiu perceber os níveis de funcionamento discursivo por meio dos quais é possível
recuperar a mecânica do contato entre produção e recepção, o que nos indicando ainda,
como as lógicas da midiatização estariam afetando a organização social, suas práticas, e as
relações entre a televisão e a sociedade.
O marco teórico relativo ao funcionamento da televisão, a revisão bibliográfica foi
amparada em Eco (1984), Casetti e Odin (1990), Verón (2003), Carlón e Scolari (2014),
autores que nos propõem leituras dos modelos de interação e das formas como a televisão
entra em contato com a sociedade. Eco, Casetti e Odin, propõe formalizações sobre dois
períodos iniciais da televisão. Verón que também nos oferece um olhar sobre os dois
estágios iniciais, avançam para um terceiro estágio - o da contemporaneidade - que revela
uma chave de leitura importante que ajuda a dar conta das afetações que incidem sobre a
relação da televisão com o telespectador, na atualidade.
Eco (1984) a partir das categorias da Paleo e da Neotelevisão descreve as formas
por meio das quais a oferta televisiva foi se organizando, gerando uma identidade,
sugerindo formas de reconhecimento de suas enunciações com o público e, assim,
promovendo a interação com a sociedade. Indica ainda, um novo olhar para o
funcionamento da televisão ao delimitar a dinâmica do lugar de fala do enunciador,
revelando as marcas das estratégicas sob as quais a televisão operava. Para Casetti e Odin
111
(1990) a passagem da Paleo à Neotelevisão retrata a transformação no modelo de
funcionamento da televisão que sai de um contrato estável, marcado por um discurso
institucional e uma grade de programação com fluxo rígido, para o modelo da
Neotelevisão no qual os vínculos com a sociedade são gerados a partir de um contrato
marcado pela interatividade e pela reconfiguração do papel do telespectador que assume as
funções de participante e de público.
Nesse contexto, Verón (2003) entende que, na primeira fase do meio, que vai até o
final dos anos de 1970, o interpretante político, é formado pelo coletivo de telespectadores
cidadãos, que são convidados a perceber o mundo representado pela noção de EstadoNação. Já na segunda etapa, partir dos não de 1980, a própria televisão se encanta
narcisicamente com o seu impacto social gerado principalmente pelos avanços
tecnológicos. A programação é reconfiguradas dando visibilidade as estratégias
enunciativas, criando um interpretante que se distancia do político e se foca num coletivo
marcado pelo incentivo ao consumo de suas formas de representação da sociedade.
Para Verón (2003) a terceira fase da televisão, sinaliza uma mudança de nível de
interação a partir da midiatização do cotidiano extratelevisivo do telespectador, o qual
transformou as bases da interação da televisão com a sociedade, a partir do formato dos
Reality show. Com isso, Verón disponibiliza uma chave de leitura para entender a
complexificação das interações entre dois sistemas correlacionados - o sistema dos meios
e o sistema dos indivíduos - que são reunidos em um novo tipo de intercambialidade, que
coloca em relação ao cotidiano do telespectador como base da interação. Entendemos,
desta forma, que os três estágios da televisão aqui denominados são pré-configurações de
tipos diferentes de relacionamento do meio com a sociedade que foram sendo alterados ao
longo dos anos, em função dos avanços das tecnologias da mídia e da crescente
intensificação dos meios de comunicação na sociedade.
A partir de meados dos anos de 1990, as transformações instituídas pela internet,
alteram substancialmente a relação do meio com a sociedade, o que leva Verón (2013) a
postular que a televisão broadcasting está em vias de extinção. A questão do fim da
televisão se transforma em um espaço analítico em que são desenhadas algumas
características de seu funcionamento impactadas pela internet. O movimento que é
marcado por transformações, por mutações e por reconfigurações, afeta também na forma
como os meios - em especial a televisão - estruturam os seus contratos com a sociedade.
Para Carlón (2014), essa ruptura resulta de uma revolução tecnológica alicerçada
na internet que reconfigura o sistema midiático a partir dos novos meios, das novas formas
112
discursivas e das novas formas de apropriação e de consumo social. Carlón (2014) afirma
que vivemos na era da pós-TV, que engloba os conceitos de televisão expandida e de
estrutura planeta-satélite, entendidos como dois tipos de narrativas transmídia. Já Scolari
(2014) pensa a televisão na contemporaneidade a partir do conceito de hipertelevisão. Os
programas da hipertelevisão adaptam-se a um ecossistema midiático no qual as redes e as
interações ocupam lugar privilegiado ao adotarem algumas características das novas
mídias.
Nesse sentido, as contribuições acima apresentadas, que se referem tanto ao
processo de midiatização, quanto aos modos de funcionamento da televisão criaram um
pano de fundo teórico, conceitual que nos deram subsídios metodológicos para enfrentar o
estudo de caso.
3. O modelo de interação do quadro A empregada mais cheia de charme do
Brasil, leituras do estudo de caso
O olhar metodológico lançado sobre o quadro se constituiu em uma leitura com
abordagem qualitativa que procurou descrever as estruturas, as lógicas e as operações
tecnodiscursivas que engendraram a zona de contato enquanto instância interacional. O
procedimento metodológico foi construído por meio de um movimento descritivo
desenvolvido a partir de dois níveis de análise. No primeiro nível localizamos na
topografia do caso aspectos que nos permitissem agrupar características semelhantes do
desenvolvimento temporal do estudo de caso, o que nos possibilitou chegarmos a três
recortes:
a) O anúncio do quadro: a construção do contato (duração de um mês)
b) O desenvolvimento do quadro: interações em processo (duração de um mês)
c) O pós-quadro: o ritual de celebração do ingresso do ator social no sistema
midiático (que teve a duração de apenas uma semana)
O segundo nível de análise foi operado a partir da observação das operações
técnicas discursivas características dos gêneros televisivos, nas quais buscamos identificar,
a partir da sua enunciação, as marcas da ativação da participação conformadas pela zona
de contato enquanto instância interacional.
3.1 Recorte 1- O anuncio do quadro: a construção do contato
113
A televisão constrói a zona de contato em articulação com a internet. O programa
propôs o contato na televisão, e a página virtual do programa operacionalizou a interação
por meio da disponibilização de informações sobre o concurso e as normas de regulação
da participação. A lógica da zona é dinamizada pedagogicamente para a construção do
contato ativando circuito de características autorreferenciais. A trama da telenovela foi
recuperada a partir da narrativa do videoclipe que condensou o conflito de classes e o
sonho da mobilidade social. Desta forma, o videoclipe Vida de Empreguete é introduzido
como matriz do contato. Os protocolos de ativação da participação adquirem, dentro da
zona de contato, características de anuncio, convite e participação e são acionados a partir
dos gêneros televisivos, como a chamada do quadro, a reportagem de lançamento da
promoção e os esquetes cômicos de reforço.
No primeiro exemplo, o protocolo de ativação permeia a chamada na programação
acionando o videoclipe, onde os apresentadores interpelam a audiência falando sobre o
concurso.
Figura 1 – Imagem de tela - Chamada do quadro na programação da TV Globo
A
B
Fonte: Rede Globo (2012)
No segundo exemplo, temos o videoclipe Vida de Empreguete que é transformado
em matriz de contato ao recupera uma parte importante da trama da telenovela onde as
atrizes deixam de ser empregadas domésticas e se transformam em cantoras famosas de
apelo popular. O videoclipe é construído a partir de um jogo de identidades que reflete o
universo das empregadas domésticas antes de se tornarem celebridades. No primeira tela
elas são retratadas como cantoras, na segunda como empregadas domésticas e na terceira
como patroas. Em nosso entendimento o videoclipe ressalta o conflito de classes e dá
conta do sonho de mobilidade social. Reforçando assim, a temática da telenovela.
Figura 2 – Imagem de tela - Videoclipe Vida de Empreguete e o jogo de
identidades
114
B
A
C
Fonte: Rede Globo (2012).
A reportagem de lançamento recupera o videoclipe como matriz do contato. O
apresentador do Fantástico faz o lançamento do concurso induzindo fortemente a
participação das empregadas domésticas e ressaltando as regras do concurso, como a
necessidade de carteira assinada. E por último a atriz Taís Araújo reforça o convite
participação, enviando as telespectadoras para a página do programa na internet onde estão
disponibilizadas as regras de participação no concurso.
Figura 3 – Imagem de tela - Instauração da zona de contato
A
B
C
Fonte: Rede Globo (2012).
Os esquetes de reforço à participação, intensificam a lógica pedagógica da zona de
contato. O programa cria uma empregada doméstica ficcional que é transformada numa
operadora discursiva, que faz a mediação das regras do concurso e também reforça o
convite a participação.
Figura 4 – Imagem de tela - Esquete Cômico 1, 2 e 3: a didatização do contato
A
B
C
Fonte: Rede Globo (2012).
Como é possível perceber nas imagens que seguem, a página do programa na
internet, organiza e operacionaliza a interação disponibilizando informações sobre o
funcionamento do concurso e também as normas de participação.
Figura 5 – Imagem de tela - Primeiras páginas do quadro no Fantástico na
internet
115
A
B
C
D
Fonte: Rede Globo (2012).
3.2 Recorte 2- O desenvolvimento do quadro: interações em processo
A zona de contato é dinamizada pelo encontro de lógicas e pelo do ingresso do ator
social no sistema midiático, dando visibilidade para a sua atividade discursiva. A ativação
da participação ocorre em dois níveis. No nível um a atividade da zona de contato é
marcada pela exibição dos videoclipes produzidos pelas empregadas domésticas, tanto no
quadro do programa na televisão quanto na página na internet. Nesse momento,
entendemos que a atividade na zona de contato faz surgir uma textualidade televisiva,
baseada na operação discursiva de coenunciação que é ativada pelos comentários do
ancora sobre o conteúdo produzido extra televisivamente pelas empregadas. Já o nível dois
a zona de contato passa a ativar a participação do telespectador geral do programa
induzindo-o a ir para a internet onde ele deve votar na candidata para a final do concurso.
O recorte dois traz marcas do processo de midiatização afetando as telespectadoras, que se
valem das lógicas da mídia para a produção da sua atividade discursiva que é reprocessada
segundo as lógicas do sistema dos atores sociais.
A partir da apresentação do videoclipe das candidatas no programa emerge uma
textualidade televisiva baseada na coenunciativa onde o ancora do programa tece
comentários sobre os vídeos produzidos pelas telespectadoras, como segue nas imagens.
Figura 6 – Imagem de tela - Apresentação das semifinalistas
116
C
B
A
Fonte: Rede Globo (2012).
Esse movimento de coenunciação se repete também na final do concurso ao vivo
onde as juradas que são as atrizes da telenovela e o ancora do programa também fazem
comentários sobre os vídeos. No final do concurso é possível perceber que outros atores
sociais ligados ao universo das empregadas domésticas também ingressam na interação,
neste caso dando apoio às suas candidatas. Na última imagem temos o ingresso do ator
social no sistema midiático, onde Marilene fala na condição de vencedora do concurso a
empregada mais cheia de charme do Brasil.
Figura 7 – Imagem de tela - A complexificação do contato
A
C
B
Fonte: Rede Globo (2012).
No recorte dois a página da internet operacionalizou a interação ao disponibilizar o
local para a votação dos telespectadores e também a partir da exibição na integra nos
videoclipes produzidos pelas telespectadoras empregadas domésticas.
Figura 81 – Imagem de tela - Videoclipe das semifinalistas
B
A
Fonte: Rede Globo (2012).
3.3 Recorte 3- Pós-quadro: o ritual de celebração da incursão do ator social no
sistema midiático
117
No recorte três é possível perceber que o fluxo televisão-internet perdeu força uma
vez que a celebração do ingresso do ator social foi desenvolvida pelo programa na
televisão. Já a página do programa na internet teve o papel de apenas repercutir a
reportagem da entrega do prêmio a vencedora e disponibilizar mais uma vez videoclipe
vencedor. A zona de contato foi marcada por operações de visibilidade do ator social que
ingressa de uma outra forma na interação com a televisão. O funcionamento da zona de
contato presente na reportagem de entrega do prêmio inicia mostrando o universo privado
da vencedora, mostrando cenas dela no trabalho em Salvador.
Figura 9 – Imagem de tela - O reconhecimento do público
B
A
C
Fonte: Rede Globo (2012).
Para logo a seguir documentar o ingresso da telespectadora no sistema midiático,
materializado no sua chegada PROJAC, mostrando toda a preparação para receber a
premiação que é participar na cena da telenovela.
Figura 10 – Imagem de tela - Nos corredores da fama
B
A
C
Fonte: Rede Globo (2012).
4. Considerações finais
Do ponto de vista do funcionamento da zona de contato, os três recortes analisados
se constituem em instâncias nas quais marcas de sua circulação estabeleceram um fluxo
comunicacional segundo a articulação de circuitos, quais sejam: televisão + internet +
atores sociais; telenovela + programa + telespectadores; promoção + videoclipe matriz +
videoclipe das empregadas domésticas. Esses circuitos comunicacionais são ativados
como vias de produção de sentido que envolvem articulações entre as gramáticas de
118
produção e as gramáticas de reconhecimento. Os discursos que emergem em tal processo
estão ligados às dimensões afetivas, linguísticas e normativas que foram instaladas por
movimentos de ordem técnica, simbólica, discursiva e legal. Ademais, foram dinamizados
por meio de operações discursivas que foram convertidas em marcas do contato,
visibilizando-se através de diferentes situações de enunciação, como: a divulgação do
concurso e sua premiação, as especificidades técnicas e discursivas da produção do
videoclipe e as regras de participação - elementos que condicionaram a participação dos
telespectadores.
A zona de contato, enquanto elemento vinculante entre dois polos, se organiza por
estratégias de articulação que são ativadas pelo sistema midiático no sentido de trazer o
telespectador para novos regimes de contato. Com base em nosso estudo de caso,
compreendemos que o ponto de articulação principal com o telespectador foi a lógica do
concurso como promoção, o que se materializou em enunciações que se tornam concretas
nas operações discursivas do programa, através das quais o contato foi estabelecido e
transformado em vínculo com o telespectador. O videoclipe enquanto elemento
tecnodiscursivo funcionou como dispositivo simbólico da própria promoção e recebe
caráter de matriz do contato, sendo transformado em uma espécie de espelho e guia das
interações, gerando fluxos e circuitos comunicacionais que sustentaram estratégias e
operações que organizaram as relações entre o sistema televisivo, via programa e
telespectadoras.
O modelo interacional que resulta desse processo coloca em contato e articula
lógicas do sistema midiático, oriundas do infotenimento televisivo, com as n lógicas do
sistema socioindividual do universo dos atores sociais - em especial, das empregadas
domésticas. Nessa construção, as lógicas de funcionamento do sistema midiático enquanto discursividade televisiva - são colocadas como condição para a interação, como
é o caso da indução por meio de um convite para produzir uma peça audiovisual. O novo
status do receptor em tais condições se transforma em novas possibilidades de contato e de
interação pela estratégia televisiva que gera um novo modelo interacional; desloca-se
ainda da questão da captação da atenção do telespectador para a captação da sua
discursividade, que se estabelece a partir de protocolos de ativação da participação.
Outra marca significativa que se instaura nesse processo, ativado pelo programa
enquanto a zona de contato, diz respeito, em nosso entender, à concepção de uma nova
discursividade televisiva que surge do encontro entre a televisão e o telespectador nesse
novo lócus interacional. As marcas dessa nova discursividade são evidenciadas e
119
visualizadas a partir da linguagem e dos movimentos de coenunciação enquanto operações
discursivas. Ao dar visibilidade à atividade discursiva das empregadas domésticas e, ao
mesmo tempo, ao tecer comentários sobre esses conteúdos, o programa originou um novo
movimento como marca do contato. Outrossim, há um encontro das gramáticas de
produção e das gramáticas da recepção em produção, que se ativaram ao fomentar uma
nova operação discursiva que tem a potencialidade de redefinir as condições de produção.
Inferimos também que esse traço se apresenta como uma tendência de comportamento a se
manifestar cada vez mais na ambiência midiática, em especial, do ambiente televisivo, no
contexto da Sociedade em vias de Midiatização.
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A cultura da convergência entre televisão e web: o caso do CQC 3.0
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Resumo: As barreiras que definiam o que era uma mídia e o que era outra se esvaem,
criando produtos informativos híbridos, oriundos de mais de um tipo de mídia. A
convergência midiática possibilita que o espectador deixe de ser passivo e comece a
participar do procedimento que se instaura. Esse estudo tem o intuito de refletir, com base
na Hermenêutica de Profundidade, sobre as transformações culturais surgidas por
intermédio da convergência a partir de um programa convergente: o CQC 3.0 da Band.
Palavras-chave: convergência; cultura; televisão; web; CQC 3.0
INTRODUÇÃO
A convergência midiática estabelece-se no contexto de inovações dos meios de
comunicação como uma agregadora de potencialidades de veículos de informação
distintos, com o intuito de aprimorar a maneira como o consumo do produto midiático será
realizado, assim como permite que o receptor deixe de ser passivo e passe, a partir das
peculiaridades inerentes á convergência, a participar do processo de criação e difusão da
informação.
62
Doutoranda e Mestra em Processos e Manifestações Culturais pela Universidade Feevale.. Bolsista Capes.
Bacharel em Jornalismo. Professora do curso de Produção Multimídia da FTEC Faculdades. Contato:
[email protected]
121
Com o intuito de elaborar um diâmetro de discussão acerca da convergência entre
televisão e web, o presente estudo apresenta o decurso dessa nova manifestação cultural
no cenário social e, do mesmo modo, propõe-se a compreender como as possibilidades de
interação, colaborativismo e hipertextualidade podem intervir na transformação cultural do
grupo que consome o produto convergente. Estabelece-se através da convergência entre
distintas mídias uma modificação na maneira em que a informação é concebida, pois o
feedback do receptor/usuário é fundamental na construção de sentido da informação
emitida pela mídia convergente.
Um exemplo pode ser observado no programa CQC 3.0, que possui um formato
inédito no Brasil, que integra a lógica de produção televisiva com as ferramentas e o
processo de difusão da informação típicos da web. O CQC 3.0 tem duração de
aproximadamente trinta minutos e é uma continuação do programa CQC na web, onde os
apresentadores interagem com os espectadores através de conferências de vídeo, redes
sociais e chat. A partir da Hermenêutica da Profundidade de Thompson (1995), pode-se
compreender os aspectos culturais que a convergência entre TV e Web calcam na
sociedade, além de entender e identificar o perfil do espectador convergente.
A importância da pesquisa acerca da produção e compreensão dos novos produtos
midiáticos resultantes da convergência entre meios de comunicação justifica-se pelas
transformações culturais que possibilitam no cerne da sociedade moderna e na constituição
do indivíduo.
CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA
As transformações que o desenvolvimento da tecnologia acarreta no mercado midiático
são constantes e cada vez mais elaboradas, demarcando a nova velocidade do mundo.
Assim como os impactos por novidades na área da comunicação surgem literalmente a
todo o momento, é inevitável que se faça uma abordagem da convergência entre a mídia e
a tecnologia.
Nesse sentido, o autor Henry Jenkins (2009) intenta mostrar como o pensamento
moderno de convergência está influindo na cultura popular e como está impactando a
relação entre públicos, produtores e conteúdos de mídia. Outros pesquisadores, como
Fragoso (2005) e Aquino (2010) explicam que tal processo é muito anterior à
digitalização. Conforme elas, todas as mídias (mesmo as mais antigas) são desenvolvidas
122
hibridamente pela linguagem e, por estarem dentro de um sistema complexo, tornam-se
referência para qualquer tecnologia com aspirações midiáticas.
O termo convergência é designado por Jenkins (2009) como o fluxo de conteúdo
através de múltiplas plataformas de mídia, assim como à cooperação entre múltiplos
mercados midiáticos e ao comportamento “migratório” dos públicos dos meios de
comunicação. Segundo ele, o usuário, hoje, vai a quase qualquer parte em busca das
experiências de entretenimento que almeja.
A convergência, dessa forma, serve para atender as necessidades e os desejos de
quem não se satisfaz apenas com a informação fornecida por uma mídia tradicional e
procura, através da inovação, uma maneira de ter sua curiosidade suprida pelas
ferramentas disponíveis na convergência. Como reitera Jenkins (2009, p. 30), “[...] a
convergência representa uma transformação cultural, à medida que consumidores são
incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos de
mídia dispersos”. A convergência pode ser encarada como o resultado dos anseios do
consumidor moderno.
O autor diz ainda que o processo pode se definir devido à tecnologia, pois:
Diversas forças começaram a derrubar os muros que separam esses diferentes
meios de comunicação. Novas tecnologias midiáticas permitiram que o mesmo
conteúdo fluísse por vários canais diferentes e assumisse formas distintas no
ponto de recepção (JENKINS, 2009, p. 38).
O antigo paradigma da revolução digital, de acordo com Jenkins (2009, p. 32-33),
presumia que as novas mídias substituiriam as antigas e que tudo isso permitiria aos
consumidores acessar os conteúdos com mais facilidade. Em contrapartida, para ele, o que
se estabeleceu foi o emergente paradigma da convergência, que garante que novas e
antigas mídias possam interagir de formas cada vez mais complexas. Resumidamente,
percebe-se que os velhos meios de comunicação não estão sendo substituídos, mas
revendo suas funções, que estão sendo transformadas em decorrência da introdução de
novas tecnologias.
Tal mudança de padrão demonstra a transformação pela qual passaram os
mercados midiáticos, ou como ressalta Jenkins (2009, p. 27): “[...] é onde velhas e novas
mídias colidem, onde a mídia corporativa e a mídia alternativa se cruzam, onde o poder
produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis”.
A convergência, então, é um campo que combina tecnologias, ferramentas,
linguagens, meios, produtores e receptores de conteúdos midiáticos. De natureza híbrida,
123
integra elementos selecionados para proporcionar uma eficiência maior na transmissão de
conteúdo e, é no contexto digital, segundo Aquino (2010), que sua função se potencializa.
É no ambiente digital, inclusive, que o receptor tem a possibilidade de participar,
embora em níveis de diferentes graus de influência, do processo de produção de conteúdo.
Jenkins (2009, p. 189) corrobora que “[...] o momento atual de transformação midiática
está reafirmando o direito que as pessoas têm de contribuir ativamente com sua cultura”.
A partir de tal assertiva, entende-se que a convergência não é apenas aquela que
ocorre entre equipamentos, mas a que realiza transformações de cunho social a partir das
interações realizadas através de seus aparatos tecnológicos, dando ao receptor – e agora
também produtor de conteúdo – a opção de participar ativamente na construção da
informação. São os usuários dos produtos midiáticos que sedimentam as mídias em
decorrência do consumo. Por intermédio da convergência eles podem, além de trocar
informações sobre o meio, fazer sugestões e fornecer sua opinião, em uma troca constante
com outros usuários e os responsáveis pelo produto midiático.
Aquino (2010) destaca o papel do público na participação do processo de produção
e circulação de conteúdos midiáticos. De acordo com a autora, além de um caráter técnico,
o conceito de convergência faz referência ao estabelecimento de um contexto cultural. O
poder destinado ao receptor não se limita a apenas escolher o horário e o produto midiático
que irá consumir. Ele tem a capacidade de opinar, orientar e formar laços sociais com
consumidores iguais a ele, além de estabelecer uma relação de mão-dupla com os
produtores de mídia. A convergência não se concretiza sem a participação dos atores
sociais.
Jenkins (2009), a partir de tal ponto de vista, garante que a circulação de conteúdos
depende fortemente da participação ativa dos consumidores. Para ele “[...] a indústria
midiática está cada vez mais dependente dos consumidores ativos e envolvidos para
divulgar marcas num mercado saturado” (JENKINS, 2009, p. 190).
É como se a função de “curador da convergência” fosse atribuída ao usuário, sendo
que é para ele e através dele que a fusão dos meios configura-se e alcança o êxito
pretendido pelos conglomerados midiáticos. Assim, os intercâmbios constituídos entre
usuários e produtores das mídias convergentes não são potencializados unicamente pela
emissão de um produto em específico para diversos suportes.
Em resposta à convergência midiática, segundo Jenkins (2009), surgiu a narrativa
transmídia. O autor relata que ela é a arte da criação de um universo, pois os consumidores
assumem o papel de caçadores e coletores de pedaços de histórias que se desenrolam por
124
meio de múltiplas plataformas. Em suma, a narrativa transmidiática é a produção de um
mesmo conteúdo em diversos aparatos tecnológicos.
Jenkins (2009) afirma ainda que existem grandes motivações econômicas na
narrativa transmídia, devido ao interesse em unir entretenimento e o marketing, criando
assim, ligações emocionais nos consumidores para que esses busquem mais informações
acerca de um produto em diversas mídias e, consequentemente, aumentem as vendas.
Os formatos dos produtos da era convergente também devem ser pensados e
desenvolvidos de modo que seus potenciais possam ser exequíveis pelos aparatos técnicos
que integram o processo. As possibilidades interativas devem ser levadas em conta, pois, é
através dessas ferramentas de feedback que os produtores terão o retorno acerca do que
criam.
Aquino (2010) afirma que a maneira que o produto convergente será consumido
perpassa não apenas o âmbito técnico, mas também as formas de produção e as maneiras
de recepção, influenciadas não só pelos contextos e aparatos tecnológicos, como também
pelas possibilidades de interação mediadas por tal conjunto de tecnologias.
O produto convergente, para alcançar êxito e cumprir as funções com as quais se
propõe, deve ser pensado de tal maneira que atenda as características da inovação que
fazem que as novas mídias não se tornem obsoletas ou caiam em desuso. Como foi
apresentada anteriormente, a hipótese de que uma mídia nova e em ascensão destrói a
anterior é descartada na era da convergência. Não existe batalha entre elas, pois a
intersecção e o aproveitamento de ferramentas de ambas as partes é o que constitui a
lógica de um produto convergente.
Alguns autores defendem que já não há mais sentido em tentar separar as mídias,
sendo que tudo é conteúdo digital que pode ser convertido para distintas plataformas. “As
empresas não mais se definem como produtoras de uma única mídia (revista, internet,
televisão, etc.), e sim como produtoras de conteúdo” (CANNITO, 2010, p. 84).
A escolha pela não definição de um produto acarreta na tendência de fusões entre
empresas de diferentes setores da mídia. Dessa forma, elas podem criar conteúdos
híbridos, sem o compromisso de seguir um padrão já estabelecido na produção de
conteúdo referente à determinada mídia. A combinação entre televisão e internet tem sido
vista como uma promissora aposta para o futuro do mercado midiático. É sabido que a
televisão, atualmente, é o meio de comunicação mais influente na vida dos brasileiros,
enquanto a internet vem se consolidando como um espaço de livre circulação de
conteúdos.
125
Quando se aborda o tema da convergência entre a televisão e internet, estabelece-se
como ferramentas essenciais a interatividade63, a democratização dos produtores, os
conteúdos colaborativos, horários de programação a escolha do usuário e as ferramentas
para que os receptores se expressem. Tais aparatos permitem que exista, através da relação
produtor/receptor, uma maior eficácia na recepção do conteúdo veiculado.
Para alguns pesquisadores, esse processo já se tornou realidade está criando novas
formas dos sujeitos se relacionaram com o conteúdo televisivo. De acordo com Fechine e
Figueirôa (2010), o progresso da digitalização alterou a maneira como os indivíduos
utilizam a televisão. Para eles, os grupos midiáticos estão modificando seus negócios e sua
penetração social a partir da transmídia e, agora os usuários, além de usufruírem da
programação televisiva, podem dar continuidade ao seu consumo por meio de sites, blogs,
twitters e celulares.
O presente processo de convergência de mídias e de conteúdos, que contempla um
convívio comum entre o fluxo contínuo das grades de televisão com os fluxos fluídicos,
não lineares da internet, efetivamente tem movimentado as relações entre as instâncias de
produção e recepção. A interatividade nos produtos televisivos se define como um diálogo
que leva os espectadores da postura de passiva à de agentes, ainda que por meio de suas
escolhas. Para Cannito (2010, p. 144), essa lógica remete que “[...] o espectador tem a
impressão de que também está no comando do “jogo”, algo que a televisão se empenhava
em fazer e que só se efetivou no ambiente digital”.
Para dar conta da pesquisa proposta, o presente trabalho analisará o programa de
CQC 3.0 produzido para a web. O programa, que tem duração de 30 minutos, é uma
continuação daquele que é veiculado em rede pela Rede Bandeirantes de Televisão nas
segundas-feiras às 22 horas e 30 minutos.
Com o slogan “CQC 3.0, o canal de interatividade entre você e os apresentadores
do CQC”, o programa deixa bem claro que o foco principal do CQC 3.0 é o próprio
espectador/usuário. Utilizando os mesmos apresentadores do CQC emitido pela Band, o
CQC 3.0 é improvisado e oferece discussões dos temas e reportagens tratados no
programa exibido na televisão, além de realizar concursos culturais com os espectadores e
trazer alguns conteúdos exclusivos.
63
Conexões e reinterpretações produzidas ao longo de zonas de contato pelos agenciamentos e bricolagens
de novos dispositivos que uma multiplicidade que atores realizam (LÉVY, 1993, p. 107).
126
O site64 pelo qual o programa CQC 3.0 é transmitido apresenta uma estrutura
peculiar que agrega, por meio de uma interface interativa, a possibilidade do usuário
participar do programa utilizando as redes sociais Facebook e Twitter, chat do próprio
programa e conferência de vídeo via Skype.
METODOLOGIA DE PESQUISA: HERMENÊUTICA DA PROFUNDIDADE
Para dar conta da análise proposta pelo presente estudo, procurou-se encontrar,
dentre diversas experimentações existentes no mercado, um programa que representasse
um novo produto de mídia e que possibilitasse a participação dos usuários e permitisse ao
mesmo possuir voz frente ao que lhe é ofertado para consumo. Assim, o objeto de análise
escolhido foi o programa CQC 3.0, com o intuito de refletir acerca dos novos conteúdos de
mídia e inovações hoje presentes na sociedade.
De caráter qualitativo, esta pesquisa utiliza como método a Hermenêutica da
Profundidade (HP) de Thompson (1995). O autor adota a Hermenêutica da Profundidade
para estudar a produção de sentido por meio das formas simbólicas. A HP é composta por
três estágios de análise que serão aplicados na presente pesquisa da seguinte maneira:
a) Análise sócio-histórica, que possibilitará a compreensão e contextualização da
convergência midiática no corpus selecionado;
b) Análise formal-discursiva, que permitirá a identificação de formas simbólicas
apresentadas no CQC 3.0, assim como irá ser apresentado o programa e suas
características;
c) Interpretação/reinterpretação, que concerne à construção do significado de algo que é
representado ou dito a partir dos dois estágios anteriores.
Um dos aspectos que mais se destacaram na contextualização da primeira fase da
Hermenêutica da Profundidade, a análise sócio-histórica, é a globalização. Quando se
analisa um produto que é fruto de uma sociedade e de um mercado globalizado, como o
CQC 3.0, é de suma importância que se aborde esse tema. Por esse motivo, foram
apresentados conceitos que mencionavam sua influência para a expansão tecnológica dos
produtos inerentes à convergência midiática, o que possibilitou que atualmente produtores
e receptores de produtos midiáticos interajam de maneiras antes inimagináveis, como
ocorre com o próprio corpus da presente pesquisa.
64
Disponível em http://cqc.band.com.br/cqc30.asp
127
Com a globalização, surgiu a fragmentação das identidades e da concepção do
sujeito moderno que consome produtos midiáticos atuais, pois este é constituído a partir de
referências mundializadas que agrega ao longo da vida. O conhecimento acerca desse
sujeito será importante para a tentativa da presente pesquisa estabelecer as principais
características do corpus selecionado para análise.
Quando se pensa no sujeito moderno, deve-se levar em conta o papel que as mídias
constituem para a construção de sua identidade, pois é por meio delas que se apresentam
as referências mundiais e tecnológicas. A abordagem da cultura das mídias é fundamental
para que se possa esboçar a relação entre a tecnologia e os usos que os sujeitos sociais
fazem dela. A partir desse caminho será possível compreender de que maneira a
convergência midiática se integra nesse contexto social, onde cada vez mais é reivindicada
a participação do consumidor na produção de conteúdo midiático.
Como a presente pesquisa tem o objetivo principal de investigar e analisar o
processo de convergência midiática entre televisão e web a partir do programa CQC 3.0,
as categorias da segunda fase da HP, a análise formal-discursiva, serão estudadas a partir
da estrutura e do conteúdo do programa. As categorias que se referem ao conteúdo
denominam-se “Relação entre o conteúdo do CQC e CQC 3.0” e “Relação entre usuário e
produtor de conteúdo”, enquanto as de cunho estrutural se chamam “Transmídia” e
“Participação do usuário”.
É evidente que as constantes referências ao CQC da televisão fazem parte da
constituição do CQC 3.0. O programa pode ser compreendido como um ambiente de
discussão entre os apresentadores e os internautas a respeito dos temas abordados no
programa da televisão, além de agregar características interativas que, devido ao formato,
não teriam tanto êxito na TV. Isso propicia tanto aos apresentadores quando os internautas
a viabilidade de discorrer com mais liberdade e autonomia, em questão de linguagem, os
assuntos pautados pelo CQC da televisão.
A partir da observação do conteúdo abordado tanto no programa CQC quanto no
CQC 3.0, fica clara a relação de assuntos provindos do primeiro para o segundo. O CQC
3.0 utiliza grande parte do seu espaço para debater (de forma cômica) os temas do CQC,
permitindo que seu público sane dúvidas e dê sua opinião sobre o programa da televisão.
Alguns minutos antes de iniciar o programa CQC 3.0 via web, é liberada a entrada
dos usuários no chat da plataforma. A partir deste momento, já começam a surgir
comentários de internautas acerca do CQC da televisão. Em trinta minutos de duração do
CQC 3.0, grande parte dos comentários fazem referência a situações ocorridas no CQC, o
128
que infere que o comportamento migratório do público, característica da transmídia65,
efetua-se nessa instância de comunicação. Ou seja, logo após o término do CQC emitido
pela televisão, uma parcela considerável do público passa a utilizar outros meios de
comunicação para consumir mais informações acerca do programa.
O CQC 3.0 encontrou na ferramenta chat, disponibilizada pela web, uma
alternativa barata, simples, dinâmica e instantânea para interagir com o seu público, algo
avançado até mesmo para os sites. Geralmente, na maioria dos sites e portais, o internauta,
quando pretende se comunicar com o produtor de conteúdo, tem a sua disposição
ferramentas que não oferecem resposta imediata, como comentários e e-mail. Já o CQC
3.0, com a utilização do chat pelos apresentadores em tempo real, oferta ao cidadão
comum a possibilidade de ter voz ativa perante ao que consome, caracterizando a lógica da
convergência midiática.
Por meio do site do CQC 3.0, os internautas possuem quatro diferentes maneiras de
participar do programa. A primeira delas é através do chat, que começa sua transmissão
toda segunda-feira minutos antes do início do CQC 3.0. Para fazer parte do chat, o usuário
deve cadastrar um nome ou apelido. Ele pode enviar imagens e ainda tem a possibilidade
de se conectar através das redes sociais Facebook e Twitter. Quando conectado a qualquer
uma destas redes, é permitido ao internauta o compartilhamento do comentário de
qualquer usuário do chat.
Outro modo de participação do usuário no site é através do “Vc no CQC 3.0”. Para
entrar ao vivo no programa (fora do estúdio), o internauta deve ter uma conta no Skype,
uma webcam e um microfone. Após preencher um formulário online contendo alguns
dados como nome, e-mail, telefone, perfil do Facebook e endereço no Skype, o usuário
deve gravar um vídeo mostrando seu talento especial, além de deixar uma mensagem
relatando o porquê de sua motivação a participar do programa. Toda segunda-feira é
escolhido um espectador para participar do CQC 3.0.
“Invasão Facebook” é a terceira ferramenta que permite a participação dos usuários
no CQC 3.0. Se escolhido, o internauta terá suas fotos e conta no Facebook comentadas
pelos apresentadores durante o programa, além de ser destaque no site do CQC por uma
semana e ganhar um avatar66 especial para usar nas redes sociais. Para se candidatar, o
usuário deve fornecer seu nome, e-mail, telefone e perfil no Facebook.
65
66
Jenkins (2009).
Segundo Soares et al. (2006), é a representação do internauta no mundo virtual.
129
Por fim, o espectador do CQC 3.0 ainda pode participar do programa por meio do
Top Five 3.0. Para isso, deve enviar qualquer vídeo da internet que ache engraçado, sendo
que o mais votado da semana é exibido no programa.
Sobre o CQC 3.0, Frey et al. (2011) relata que é uma ferramenta que permite ao
internauta interagir diretamente com os apresentadores, e que nesse formato, os internautas
podem enviar vídeos e perguntas de seu interesse que serão abordadas ao longo do
programa.
Lusvargui (2012), nesse sentido, aponta que a web proporcionou a expansão de
conteúdos midiáticos, fazendo com que os grupos de mídia ampliem seu alcance. O
jornalismo do entretenimento, por exemplo, embora moldado enquanto fluxo de
comunicação pela internet, encontra um parceiro ideal na televisão, pois garante o retorno
de notícias destinadas a atender as massas.
O que se observa na categoria “Participação do Usuário” no site do CQC 3.0 é a
tentativa de estabelecer um vínculo entre produtor de conteúdo e espectador. As diversas
ferramentas fornecidas pela interface do site reiteram o poder que o usuário tem na era da
convergência das mídias. No caso do CQC 3.0, em específico, percebe-se que, salvo
algumas exceções, todo o programa se baseia pela participação dos internautas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O debate que é movimentado a respeito de qual mídia é mais importante ou que irá
se sobressair sobre as demais não tem mais espaço na convergência. Nela, tudo se funde,
conflui, mescla. A convergência dá a possibilidade de os produtores experimentarem
novas práticas que atuem simultaneamente em diversas plataformas e, dessa forma,
aprimoraram os produtos midiáticos. E quem sai ganhando é o usuário.
Agora, ele não precisa mais se enquadrar na figura de espectador passivo, que tinha
como “arma” apenas o controle remoto para se defender das imposições dos veículos
midiáticos. Ele pode, agora, navegar pelas possibilidades de seu interesse, escolhendo o
tempo e as maneiras para tal apreciação do produto.
Com a convergência dos meios de comunicação os receptores têm a opção de se
comunicar melhor e, consequentemente, diminuir os vazios informativos, possibilitando
uma melhor convivência social. A inovação que se dá por meio dessas práticas quebram
fronteiras, mostrando técnicas que diariamente se renovam e aperfeiçoam em uma
seqüência cada vez mais veloz.
130
Atualmente, o telespectador pode, ao mesmo tempo em que assiste a seu programa
favorito, acessar mais informações sobre ele, além de interagir com outros usuários e os
próprios produtores. Tal ação faz com que ele adquira voz e possa influir no conteúdo que
está recebendo.
A web, nesse contexto, entra como uma potencializadora do fluxo e difusão de
informações. Através das ferramentas que disponibiliza, como a possibilidade de agregar
em uma mesma página vídeos, textos e fotos, além do fácil envio destes de qualquer
aparelho e pessoa que capte essas informações, permite que o usuário receba em tempo
real os fatos que acontecem. A convergência entre os dois meios surge no mercado como
uma plataforma midiática híbrida e eficiente ao que se propõe.
Outra característica dos produtos convergentes é a possibilidade de escolha dada
aos usuários no consumo de informações. É ele quem decide, através de uma diversidade
de produtos que lhe são ofertados, aquilo que julga importante saber. Os consumidores de
informações passam, então, a formar grupos de interesse distintos, não sendo mais
encarados pela mídia como uma sociedade de massa.
Uma importante estatística que deve ser levada em conta na era da convergência é
que o número de pessoas que migraram da frente da televisão para o computador aumenta
rapidamente e a previsão é que tal fato ganhe ainda maior proporção à medida que o
público vai rejuvenescendo. Esse público não se contenta mais com a passividade, ele
necessita ouvir e ser ouvido.
Especificamente sobre o objeto do estudo, o programa CQC 3.0, pode-se afirmar
que o mesmo exemplifica a lógica de um mercado midiático em ascensão e que cada vez
mais está apostando em técnicas e formatos diferenciados de programas para a conquista
de consumidores. Em uma época onde o público se fragmenta à medida que procura novas
alternativas e propostas de produtos midiáticos para sanar sua curiosidade e desejo frente à
mídia, o CQC 3.0 surge como uma inovação no mercado midiático já saturado do Brasil
pois, mesmo que tenha sido originado e responda à uma rede de televisão que se baseia na
lógica capitalista, possui peculiaridades que democratizam a informação e salientam a
importância do receptor.
Por fim, conclui-se que este estudo, que tem por base a identificação e
contextualização da cultura da convergência a partir das manifestações culturais, abre
espaço para mais investigações. Assim, as descobertas realizadas por esta pesquisa
servirão como base para novos estudos acerca da cultura da convergência a serem
desenvolvidas na trajetória acadêmica da autora.
131
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conceito de convergência midiática a partir do valor visibilidade. In: IV Simpósio
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Espaço Livros, 2009.
132
AS EMOÇÕES E VALORES EXPRESSOS PELA VOZ NOS TELEJORNAIS
Dra Eda Franco
Doutorado- análise do texto e do
discurso UFRGS MestradoSemiótica UFRGS
Especialista em voz - Fonoaudióloga CFFa 0377
Profª ULBRA
RESUMO
Este estudo teve como objetivo analisar os recursos vocais utilizados nos telejornais
como coadjuvantes de efeitos de sentido pretendidos com a divulgação da notícia. Foram
estudados a média e a variação da frequência vocal em enunciados proferidos por
apresentadores de telejornais brasileiros. Foram analisados 40 enunciados, de 20
apresentadores (10 homens e 10 mulheres), de 6 telejornais, abrangendo 3 redes de
televisão. Os enunciados foram classificados em 2 tipos de notícias: positivas e negativas.
Para uma melhor clareza deste estudo, foram utilizados procedimentos estatísticos tabelas
e gráficos da média das frequências médias encontradas e a média da variação. Foi
realizada análise acústica computadorizada da frequência média e variação de cada
enunciado. O quadro teórico básico deste trabalho integra elementos da teoria semiótica
francesa, da enunciação, da fonoaudiologia e alguns aspectos da retórica. Buscou-se
descrever, através dos pressupostos das três áreas, o discurso dos telejornais
demonstrando sua estratégia de construção de verdade, os procedimentos utilizados neste
fazer e o papel da voz neste processo. Os resultados confirmam a presença da relação voz
e efeitos de sentido nos telejornais. Nas notícias positivas, houve um aumento da média
das frequências, já nas negativas houve um decréscimo, tanto nos homens como nas
mulheres. A variação das médias das frequências foi mais significante nas locuções
femininas. Conclui-se que a voz tem um papel importante como estratégia de persuasão
na busca de credibilidade da notícia e é largamente utilizada pelos apresentadores de
telejornais.
Palavras chaves: voz, telejornal, frequência e efeitos de sentido.
133
Introdução
Pela voz, se transmite informações linguísticas assim como outras informaçoes
menos evidentes num primeiro momento. Podemos dizer que a voz é um ato laríngeo,
linguístico e social.
A expressividade vocal abrange o uso de recursos de fala e voz embrenhados pelas
características físicas e psicológicas inerentes ao locutor, e pelas especificidades do
contexto cultural, social e profissional que podem ser interpretados pelo interlocutor no
contexto interacional.
Este estudo teve como finalidade analisar os procedimentos vocais utilizados nos
telejornais como estratégias para reforçar os efeitos de sentido pretendidos na divulgação
das informações.
Nesta pesquisa usamos como suporte teórico a Linguística enunciativa de Émile
Benveniste, fundador do campo enunciativo, e os estudos do discurso das mídias de
Patrick Charadeau.
Assim, a linguística que nos interessa é, por motivos evidentes, como veremos,
aquela que coloca o sentido no centro de sua concepção teórica: uma linguística do
sentido que estuda o uso que um locutor faz da linguagem em uma dada situação.
Por esse viés, distanciamo-nos de uma concepção de linguagem circunscrita ao
papel de instrumento, destinado somente a transmitir informações. Assumimos, pois, uma
perspectiva de linguagem entendida como atividade entre dois protagonistas, locutor e
interlocutor, atividade através da qual o locutor se situa em relação ao interlocutor – a sua
enunciação –, ao seu enunciado, ao mundo, a enunciados passados e futuros, etc.
A simples observação dos telejornais mundiais é suficiente para dar a ver que,
malgrado as variações locais, as diferenças culturais, linguísticas e econômicas, todos
apresentam semelhanças estruturais. Isso que, por um lado, coloca em evidência certa
“universalidade” do modo de fazer telejornal – endereçamento semelhante ao
telespectador; semelhanças na estrutura básica etc. –, por outro lado, nos convoca a ver
como o locutor exerce papel fundamental na singularização dessa forma recorrente.
134
O telejornal é, antes de tudo, um lugar onde se dão processos enunciativos na
narração de eventos. Falantes diversos se sucedem, se revezam se contrapõem uns aos
outros, falando, se colocando nitidamente com o seu discurso em relação aos fatos relatados.
A hipótese desenvolvida é a de que, nos telejornais, acontecem processos
enunciativos, na narração de eventos em que, pela voz, compondo a linguagem televisiva,
o telejornalista pode, de certa forma, direcionar, o telespectador ao mesmo tempo em que,
ele (locutor), se constitui como sujeito no seu discurso.
1. O Telejornal
Mesmo com o surgimento de outras mídias da internet, com Twitter, Facebook, e
outras redes sociais, para a maior parte do público brasileiro, a televisão é, ainda, a única
fonte de informação, isto equivale a dizer que ela sugestiona fortemente a opinião, os
valores e o comportamento dessas pessoas. Há uma tentativa de predeterminação das
reações dos telespectadores segundo os interesses de cada telejornal e cada grupo de
interesses constrói um telespectador à sua imagem, baseado num aspecto parcial de seu
comportamento.
Os diferentes orgãos de informação das emissoras tentam determinar seu público
com a ajuda de pesquisas, sondagens e procedimentos diversos, na tentativa de tornar a
mensagem o mais homogêneo possível, em função das ideias que cada um faz dos
telespectadores. Ainda assim, essa homogeneização é apenas a superficial determinando
que o falar deva ser simples para facilitar a comprensão e emocional para a captação do
publico (Charaudeau, 2012).
O texto é condicionado àqueles a quem se dirige, evidencia-se assim que há uma
entonação interna na elaboração do discurso, dependente, de certa maneira, do horário do
telejornal e tipo de público. Assim, o texto do telejornal deve ser claro, direto, simples
adequado a uma linguagem coloquial; numa ligação direta com o telespectador com
frases curtas, em ordem direta, de preferência com palavras também curtas, pois a
televisão compete com algumas situações cotidianas que podem atrapalhar a atenção das
pessoas na televisão (Squirra, 2004). Além disso, o telejornal atualmente pode ser
acessado por meio de smartphones de qualquer lugar via internet.
O repórter de televisão deve apresentar os fatos acontecendo ou que
acabaram de acontecer há muito pouco tempo. Embora seja possível descrever o fato, isto
135
diminui a força dramática da telenotícia se não ocorrer no momento do acontecimento.
Para realizar uma reportagem é importante que no repórter, a informação, o corpo, a
expressão facial, gestos e voz atuem em harmonia.
1.2 A estrutura geral de um telejornal
A transmissão de uma ideia ou uma emoção na fala se dá por meio da voz e o
telejornalismo faz uso desse recurso, muitas vezes, num empenho em transmitir da forma
mais convincente e intensa possível um sentimento acoplado à notícia; trata-se de
ressaltar, através da entonação, partes do texto consideradas importantes do
acontecimento narrado. Podemos dizer que esse é o caso das notícias lidas/faladas na
apresentação nos telejornais que têm o objetivo de atrair e manter a atenção do
telespectador para a reportagem que será veiculada pelo repórter.
O telejornal brasileiro das 20 horas ou um pouco mais tarde, como na maioria dos
países, é uma instituição nacional. Como num ritual social, ele atrai a população, no
mesmo horário para assistir o resumo do que acontece no país e no mundo. Padrão este
que é mundial, como na televisão americana e também nas européias; o que há é uma
pequena diferença de horário de país para país, mas sempre acompanhando o horário do
jantar, como relata LONCHARD (2005 p.15).
“En dépit des nombreux augures qui annonçaient son déclin, voire
sa disparition, un format reste dominant : le journal télévisé de soirée.
Son horaire est variable puisqu’il correspond dans chaque pays aux
horaires de repas de fin de journée. Il est significatif qu’en France les
journaux des grandes chaines generalistes soient diffuses a 20 heures
alors qu’en Angleterre ils sont diffuses a 18 heures et em Espagne a 22
heures ».
O discurso televisivo é preparado para atingir objetivos específicos. Esses
objetivos são efeitos visados, que podem acontecer ou não (Charaudeau, 2012). Nos
telejornais, o discurso é em forma de relatos de acontecimentos passados recentes;
corresponde a enunciados de caráter pretensamente objetivo na busca de autenticidade. A
informação, como se sabe, não é uma matéria bruta. Ela é formatada por seleções de
ordens diversas. E não existe informação de um lado e opinião do outro, ainda que os
jornalistas televisivos afirmem e busquem constantemente o contrário.
As percepções do ser humano são menos objetivas, conscientes e racionais do que
se pensa. A percepção é antes de tudo selecionar e interpretar. Os indivíduos são
136
condicionados por padrões culturais, tendências pessoais derivadas de sentimentos,
desejos, medos e experiências anteriores.
É com a metáfora, “janela aberta sobre o mundo” que a televisão pretensamente
agencia o telespectador prometendo mostrar o real. Mas a imagem-falante (que fala dela
mesma) é um mito, pois, supõe que o sentido vem da imagem e não do mundo.
Numa transmissão direta o telespectador tem a sensação de que faz parte do
acontecimento em tempo real e, sobretudo, que ele assiste ou participa sem mediação,
garantia de autenticidade e, portanto, de verdade. Essa concepção justifica a preferência
dos telespectadores pela transmissão direta (ao vivo); o acesso ao direto atrai e fascina.
Com gênero direto e com a pretensão de contar o que acontece no mundo, o telejornal
é um concentrado de promessas para o telespectador, composto de várias instâncias de
enunciação. O apresentador do telejornal, como recurso de compartilhamento de valores,
ao narrar a notícia, usa implicitamente a voz, olhar e o gesto.
2. A voz- corpo físico
Podemos dizer, de uma forma simplificada, que a voz, em seu aspecto
fisiológico, é o resultado do equilíbrio entre a força do ar que sai dos pulmões
(aerodinâmica) e a força muscular da laringe (mioelástica). Este som produzido pelas
pregas vocais passa pelas cavidades de ressonância, compostas pela própria laringe,
faringe, boca e cavidade nasal.
A frequência fundamental da voz é número de ciclos, por segundo, de vibração
das pregas vocais. Valores de frequência fundamental são expressos em Hertz (Hz) ou
ciclos por segundo. A frequência fundamental (Fo) refere-se à frequência de maior
ocorrência na fala.
Do ponto de vista de emoção veiculada na voz, Behlau e Pontes (2005) pontuam
que, de uma forma geral, pessoas com mais autoridade apresentam vozes mais graves,
com emissão marcada e articulação clara, e pessoas dependentes, possuem emissões mais
agudas, tons infantis e articulação pouco definida. Os tons mais agudos estão relacionados
com situações de alegria, já os tons graves com situações tristes. Frequência e intensidade
são parâmetros interdependentes.
137
As variações de intensidade no discurso mostram a habilidade do falante em
demonstrar compreensão do sentido que se quer dar à mensagem. A expressão ou palavra
enfatizada é geralmente mais longa e mais intensa. A intensidade fraca não atinge o
ouvinte, denota pouca experiência nas relações interpessoais, medo, timidez ou complexo
de inferioridade. Já a intensidade elevada está associada à franqueza de sentimentos,
energia e vitalidade, mas também pode estar associada à falta de educação e invasão do
espaço do outro. E uma intensidade adequada, geralmente é interpretada como respeito
ao espaço do outro e controle de projeção da voz (Behlau e al., 2005).
Observa-se, assim, a inter-relação entre frequência fundamental, intensidade e
determinados sentimentos veiculados pela voz interpretados a partir da combinação
desses parâmetros. É importante atentarmos para essas relações porque elas fazem parte
dos recursos utilizados pelos apresentadores e repórteres dos telejornais que é este estudo.
A voz do indivíduo é única. É a impressão vocal semelhante a impressão digital.
Os ajustes desses diferentes mecanismos vão variar conforme o contexto do discurso,
ambiente e emoção do falante no momento da emissão.
2.1 A expressão da emoção e a voz
Aristóteles em sua obra Arte Retórica, refere que os oradores devem dar atenção a
três aspectos da oratória: a força da voz, a harmonia e o ritmo. E ao mesmo tempo chama
atenção para três elementos básicos do discurso: a pessoa que fala, o assunto de que se
fala e a pessoa a quem se fala, sendo que a finalidade o discurso é o ouvinte e é somente
o ouvinte quem pode se pronunciar sobre as o valor do discurso feito.
De acordo com o pensamento aristotélico, as possibilidades de credibilidade das
opiniões estão vinculadas à projeção de lugares comuns, de valores próprios de uma
comunidade. Com isso, vê-se que um dos fatores fundamentais no ato de convencer é a
comunhão de valores entre orador e auditório. Fatores que estão presentes nos telejornais
na relação apresentador/telespectador.
Podemos relacionar emoção e voz no meio televisivo, com os estudos de Fonagy
realizados na área de psicofonética, considerado um dos mais importantes pesquisadores
do discurso emotivo e o modo como se manifesta na fala. Em La vive voix (1991), o autor
trabalha com quatro grandes secções: estilo vocal, mímica e metáforas vocais, bases
138
pulsionais da fonação e criação vocal. Serão trazidas aqui as secções mais relacionadas a
este trabalho.
Estilo vocal é a integração de mensagens quase sintomáticas ou gestuais com o
sistema linguístico arbitrário. Os dois sistemas de comunicação são estreitamente ligados,
sendo impossível produzir uma sequência de fonemas sem produzir, ao mesmo tempo,
gestos articulatórios, pois é através dos gestos vocais (sons concretos) que aparecem os
elementos do código linguístico.
O autor propõe o princípio da distorção da mensagem linguística primária, que é
estabelecido como princípio inerente à comunicação pela viva voz. Essa distorção é
considerada expressão da atitude, e é mostrada por meio de uma série de manipulações
expressivas das frases engendradas pela gramática. Tais manifestações são encontradas
na manipulação da sequência de sons da palavra, da acentuação, da entonação, da
distribuição das pausas, da ordem dos elementos significativos.
Um princípio de isomorfismo rege a relação entre expressão e conteúdo emotivos,
o qual determina que diferentes graus semânticos correspondam a diferentes graus de
intensidade no plano da expressão sonora (voz). Desse modo, se estabelece uma
correspondência entre a intensidade de uma emoção e a intensidade da atividade muscular
subjacente a ela. Sintomas vocais de uma emoção assinalam a presença desta emoção
e/ou atitudes derivadas.
A tensão psíquica, a tensão fisiológica e tensão expressiva interrelacionam-se na
produção vocal de cada som da linguagem. O som produzido reflete as mímicas glotal,
faríngea e bucal, refletindo, portanto, a atividade muscular subjacente à expressão da
atitude.
Para Fonagy (1991), os experimentos fono-estilísticos possibilitam a veiculação de
diferentes tipos de emoção de um mesmo enunciado por meio dos recursos do “estilo
vocal”, ou seja, é possível mudar-se a mensagem de um enunciado sem alterar-lhe a forma
escrita. A mensagem modificada pelas variações realizadas em torno da entonacão, do
acento enfático, da taxa de elocução ou da qualidade de voz tem, na verdade, não só tem
a propriedade de intensificar as mensagens fornecidas pelas evidências semânticas e
pragmáticas concretas contidas no texto, como também a de impor-lhes um significado.
Podemos dizer que no discurso, o sentido não se encontra apenas naquilo que é
enunciado, mas também no próprio ato de enunciação. No acontecimento da fala,
139
podemos pensar o ato da enunciação por meio da entonação, ou seja, da voz. Se se pode
enfatizar o sentido ou produzir um outro sentido, diferente do previsto pelas palavras, isto
se dá pela voz, que faz parte desse processo. Assim, a entonação pertence à enunciação e
não ao enunciado.
O uso da língua implica variação e, consequentemente, permite certas escolhas,
decorrentes de condicionamentos culturais, dialetais, sociais, psicológicos, políticos,
pragmáticos, que influenciam a concepção, a opção estética e a interação humana. A
língua permite o discurso e o sentido está no discurso. Fora da enunciação, do discurso, a
entonação não existe; é somente no contato entre a língua e a realidade que ela acontece,
que existe de fato a emoção, o juízo de valor, a expressividade.
3. A Enunciação e a televisão
Como já falamos na introdução, o estudo do sentido na linguagem exige que se
leve em conta o componente enunciativo (BENVENISTE, 2006). A análise do enunciado,
tomado como produto da enunciação, torna-se impossível metodologicamente se se
desconsidera o contexto, o evento enunciativo que o torna possível, a cena da qual
participam interlocutores, tempo e espaço.
A finalidade global dos telejornais é a informação por meio de uma mediaçãotransmissão para um público amplo. O telejornal busca narrar os acontecimentos com
autenticidade e objetividade, mesmo que ilusoriamente, num veículo que tem
concorrência mercadológica. Há uma dupla tensão nessa ação: comunicar o
acontecimento com credibilidade e manter a audiência, o público e patrocinadores, como
afirma Charaudeau (2012).
No discurso televisivo encontramos o jornalista que organiza um dizer consciente
para determinado público, mas esse dizer ainda está por ser dito. Na medida em que é dito
é que se constitui o “sujeito” da enunciação. Portanto, é no processo enunciativo que o
jornalista se constitui como “sujeito”. Benveniste pontua: “o que caracteriza a enunciação
é a acentuação da relação discursiva com o parceiro, seja este real ou imaginado,
individual ou coletivo” (PGL1 p. 87). Evidencia-se, assim que a enunciação é sempre
uma relação entre parceiros, uma relação, portanto, de intersubjetividade. Pensamos a
140
relação do apresentador televisivo com o telespectador como uma situação discursiva de
intersubjetividade com parceiros simultâneos (real/imaginado/coletivo).
Assim como o telejornal não é neutro, os efeitos sobre o telespectador não estão
assegurados, pois
um telejornal não é "lido" da mesma maneira pelas diversas
comunidades de telespectadores. Essa “leitura” é feita em função de seus valores,
ideologias e estratégias perceptivas ou cognitivas que faz com que o telespectador faça uma
triagem (in)consciente do que a TV lhe traz. Por mais engessado que seja um telejornal,
há sempre ambiguidade suficiente em sua forma signifïcante, a ponto de não acontecer
qualquer "leitura" simples e unívoca.
Dessa forma, é evidente que a televisão não produz os mesmos efeitos em todos os
telespectadores; seus efeitos são condicionados pelas experiências prévias, sensibilidade,
cultura, capacidade crítica, enfim, identidade e atitude do telespectador, mesmo que ele
não tenha consciência disso.
A via emocional condiciona fortemente a racional, o pensamento associativo,
primário impõem-se ao lógico. Sendo assim, o processo de influência é inconsciente, o
que impede o controle sobre o mesmo. Incidir sobre as emoções do outro permite burlar
facilmente
sua
racionalidade.
E
a
televisão
influencia
seus
telespectadores
intencionalmente ou não, consciente ou inconscientemente através da emoção.
4 . Metodologia, resultados e discussão
Este estudo, quantitativo e qualitativo, foi realizado com 20 apresentadores de
telejornais brasileiros, 10 homens e 10 mulheress, de 6 telejornais em 3 canais de
televisão. O critéior de escolha do corpus foram notícias classificadas em dois grupos,
« positivas » (prêmios, descobertas, etc) e « negativas » ( acidentes, tragédias, etc).
Foi feita uma análise acústica de cada tipo de notícia no programa Drs Speech.
Para complementar as análises realizadas, foi feito um estudo estatístico dos
dados, tabulados através do programa Excel 6.0 e processados estatisticamente utilizando
o programa SPSS versão 10.0 através de tabela da comparação das médias das freqüência
e desvio padrão entre os enunciados positivos e negativos. As tabelas foram separadas
por genero.
141
Verifica-se através do teste de comparações de médias t-student que existem
diferenças significativas entre as médias da média Hz entre as notícias positivas negativas.
GRÁFICO 1 -COMPARAÇÃO MÉDIA Hz ENTRE AS NOTÍCIAS SEXO MASCULINO
180
170
160
150
130
120
Positiva
110
Negativa
100
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Notícias
Observa-se que, para as notícias positivas, os valores médios de Hz são superiores
aos valores das notícias negativas (p=0,001). Para a variável desvio também foram
observadas diferenças significativas. As notícias positivas apresentaram valor médio de
desvio superior às noticias negativas (p=0,029).
GRÁFICO 3 -COMPARAÇÃO MÉDIA Hz ENTRE AS NOTÍCIAS SEXO FEMININO
280
260
240
220
Hz
Hz
140
200
180
160
Positiva
140
Negativa
120
100
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Notícias
142
O resultado deste estudo confirma a relação entre voz e efeitos de sentido visados
nos telejornais. Observamos que tanto nos homens como nas mulheres há aumento da
média da frequência nos enunciados positivos e um decréscimo nos enunciados negativos.
A variação das médias das médias das frequências foi mais intensa nos enunciados
femininos. Ou seja, as mulheres enfatizam mais noticias modificando a frequência.
Apresentamos aqui um estudo que, ao mesmo tempo que quantifica a frequência
fundamental da voz, através da análise acústica computadorizada, o faz relacionado a um
processo dinâmico e social (telejornalismo), ou seja, demonstrando que as modificações
da frequência são usadas para gerar significado. Assim, constatamos que a produção de
sentidos se constrói no discurso na relação de um sujeito com o outro, sendo utilizada
diferentes estratégias, em que a voz é uma delas.
Conclusão
As estratégias vocais utilizadas, revelando que há modificações significativas na
frequência vocal, demonstram não se tratar de informações passadas friamente, mas com
envolvimento. Desse modo, o apresentador do telejornal aparece como um sujeito que
participa dos princípios e interesses do telespectador, passando a ideia de que mantém
uma relação com a vida da comunidade.
Estes procedimentos são utilisados pelos apresentadores nos telejornais na busca de
convencer e persuadir o telespectador, levando-o à crer na veracidade da informação
dada, e, sobretudo, estimular o interesse no telejornal.
A voz tem, então, um papel importante como recurso de persuasão e auxilia na
credibilidade da informação. Esta estratégia é largamente utilizada pelos apresentadores
de telejornais.
A voz participa do processo de enunciação do sujeito, como linguagem, nos
telejornais. Há um sujeito que se exprime e se mostra em suas palavras e também por
143
intermédio de sua voz. Isto demonstra que apesar de uma aparente
objetividade, o telejornal é pleno de subjetividade.
A voz é, não só portadora de sentido, mas ela mesma é matéria e
sentido.
Bibliografia
ARISTÓTELES. Arte
Européia do livro.1959.
Retórica
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Arte
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São
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Difusão
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BENVENISTE, E. Problemas de Linguística Geral I e II. São Paulo:
Companhia EditoraNacional-Ed. da Universidade de São Paulo, 2006.
CHARAUDEAU, P."Que vaut la parole d’un chroniqueur à la télévision ?
L’affaire
Zemour, comme symptôme d’une dérive de la parole médiatique", in Réseaux,
Paris,
2011/6, pp.135-161, La Découverte, 2011, consulté le 14 juin 2015 sur le site de
Patrick Charaudeau
Livres,
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FRANCO, E. A voz na apresentação do telejornal: um estudo enunciativo do jornal
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SQUIRRA, S. Aprender Telejornalismo- produção e técnica. São Paulo: Brasiliense,
2004.
144

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