currículo e educação inclusiva: as políticas curriculares

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currículo e educação inclusiva: as políticas curriculares
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INCLUSIVA: AS
POLÍTICAS CURRICULARES NACIONAIS
Amélia Maria Araújo Mesquita
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Currículo e Educação Inclusiva: as políticas curriculares nacionais
CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INCLUSIVA: AS POLÍTICAS CURRICULARES
NACIONAIS
Amélia Maria Araújo Mesquita
RESUMO: Este artigo tem por objetivo tecer algumas análises sobre a política
curricular para a inclusão educacional – especificamente a inclusão de pessoas com
deficiência – que se desenha hoje na perspectiva da adaptação curricular. Assim, por
meio da pesquisa bibliográfica e documental, busco apresentar argumentos que
sustentam a tese de que tal orientação, a despeito das suas contribuições para a
qualificação da prática educativa inclusiva, acaba reforçando a inclusão-excludente na
medida em que a adaptação assevera a idéia de um currículo homogenizador, portanto,
não compatível com o princípio da inclusão que se anuncia na valorização da
diversidade e da diferença.
PALAVRAS-CHAVE: Currículo. Inclusão Educacional. Política Curricular.
1 Introdução
Não obstante aos interesses internacionais, as políticas nacionais, implementadas
pelo governo central brasileiro, ganharam no campo da educação versões bastante
peculiares especialmente na área do currículo. Consoantes ao empenho da constituição
de uma sociedade inclusiva foi (e continua sendo) desenvolvida uma política curricular
que tem por objetivo controlar e regular ações educacionais nos diferentes níveis de
ensino, políticas essas fortemente desenvolvidas a partir da década de 1990.
A legislação educacional brasileira vem sendo desenhada pela configuração de
propostas e projetos governamentais que atendem tanto às questões políticoorganizacionais da educação como a própria dimensão técnico-pedagógica.
Além da LDB, das Diretrizes e dos Planos educacionais, o governo também
elaborou, em nível de orientação, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), em
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1996, e os Parâmetros Curriculares Nacionais: adaptações curriculares, em 1998. Esses
dois documentos têm como objetivos comuns auxiliar e orientar os professores da
Educação Básica a desenvolverem ações didático-pedagógicas que atendam aos fins da
educação na contemporaneidade.
Vale ressaltar que uma das formas de controle do governo sobre a educação se
dá por meio do currículo. Para Rocha (2001, p. 109-110)
[...] o currículo foi nessa nova legislação1 objeto de profundas
transformações. A fim de que a política curricular pensada para o
país, que é em essencial uma política do conhecimento oficial,
pudesse ter a base legal que garantisse a sua implementação, o(a)
legislador(a) não só tratou de investir na concepção de currículo,
como também no próprio desenho que o mesmo passaria a ter.
A definição de conteúdos, de disciplinas, dos objetivos e metas do ensino, além
das orientações metodológicas e de avaliação se apresentam como mecanismos
utilizados pelo governo a fim de consolidar seu projeto social.
No campo da inclusão da pessoa com deficiência 2 esse currículo vem marcado
por um adjetivo, a adaptação. Nesse sentido, cabe questionar: a adaptação curricular é
um elemento orientador que possibilita de fato o desenvolvimento de uma educação
inclusiva? Quais as possibilidades e limitações dessa orientação posta pela política
curricular?
Para tanto, este artigo se propõe a tecer algumas análises sobre a política
curricular para a inclusão, que se desenha hoje na perspectiva da adaptação curricular.
Assim, por meio da pesquisa bibliográfica e documental, busco apresentar argumentos
que sustentam a tese de que tal orientação pode acabar reforçando a inclusão-excludente
na medida em que a adaptação assevera a idéia de um currículo homogenizador,
portanto contrário à diversidade.
Este artigo está organizado em sessões que objetivam discutir o conceito de
currículo para assim adentrarmos na discussão de política curricular para a inclusão de
alunos com necessidades educacionais especiais nas classes comuns das escolas
1
Está se referindo à LDB 9.394/96.
2
Neste artigo ora me referirei ao termo deficiência ora ao termo pessoas com necessidades educacionais
especiais. Apesar de compreender que a deficiência compõe a identidade da pessoa, os documentos aqui
analisados os denominam de pessoas/portadores de necessidades educacionais especiais.
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regulares de ensino a assim travarmos um diálogo sobre os avanços e riscos dessa
orientação curricular.
2 Compreendendo o sentido e significado do currículo
É extremamente complexo o conceito de currículo se considerarmos que sua
formação não se restringe apenas ao desenho curricular. Etimologicamente currículo
vem da palavra latina Scurrere e refere-se a curso. Para Goodson (1995, p. 31) “as
implicações etimológicas são que, com isso, o currículo é definido como um curso a ser
seguido, ou mais especificamente, apresentado”.
A partir da etimologia da palavra currículo fica fácil desprendê-lo de qualquer
influência social ficando o mesmo na dependência e definição de quem o elabora, sendo
também pensado a priori. Essa exclusividade na organização curricular permitiu forjar a
relação currículo/prescrição, aspecto cada vez mais fortalecido pelas políticas
curriculares que, para além da intervenção administrativa, tentam intervir direta e
indiretamente na prática escolar por meio da elaboração de parâmetros e diretrizes às
quais visam orientar o trabalho pedagógico.
As teorias do currículo, entretanto, na busca de compreender o sentido e o
significado do currículo fazem o seu cruzamento com aspectos que superam os limites
de sua configuração prescritiva, especialmente as teorias críticas e pós-críticas. Para
Sacristán (2000, p. 13)
A prática a que se refere o currículo [...] é uma realidade prévia muito
bem estabelecida através de comportamentos didáticos, políticos,
administrativos, econômicos, etc., através dos quais se encobrem
muitos pressupostos, teorias parciais, esquemas de racionalidade,
crenças, valores, etc., que condicionam a teorização sobre o currículo
[...].
As diferentes facetas que se apresentam na configuração do sentido do currículo
tornam o seu significado mais complexo. Gundy, citado por Sacristán (2000, p. 14),
afirma que “o currículo não é um conceito, mas uma construção cultural. Isto é, não se
trata de um conceito abstrato que tenha algum tipo de existência fora e previamente à
experiência humana. É antes, um modo de organizar uma série de práticas educativas”.
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Conceber o currículo a partir da experiência humana significa considerar as
condições reais de seu desenvolvimento, por isso Sacristán (2000, p. 21) argumenta que
entender o currículo num sistema educativo requer prestar atenção às
práticas políticas e administrativas que se expressam em seu
desenvolvimento, às condições estruturais, organizativas, materiais,
dotação de professorado, à bagagem de idéias e significado que lhe
dão forma e que o modelam em sucessivos passos de transformação.
A análise do currículo dentro de uma perspectiva histórico-crítica traz a tona o
controle simbólico desenvolvido pelo Estado, que regula, segundo Apple (1997), o
conhecimento oficial, definindo os símbolos a serem transmitidos e os princípios que
deveriam organizar essa transmissão. Nesse sentido, mais do que definir “o que”,
observamos a interferência também no “como” esses conteúdos, conhecimentos, saberes
devem ser repassados. A autonomia da escola fica condicionada a questões políticas,
econômicas e sociais, que alimentam as políticas educacionais resultando em
parâmetros e diretrizes (políticas curriculares) que objetivam menos a unidade do
trabalho pedagógico do que o controle da instituição educacional.
Para Sacristán (2000, p. 17) “os currículos são expressão do equilíbrio de interesses
e forças que gravitam sobre o sistema educativo num dado momento, enquanto que
através deles se realizam os fins da educação no ensino escolarizado”.
Sendo o currículo expressão num dado momento histórico ele atende às
necessidades desse contexto e, por isso, se reconstitui, já que, como invenção social é
resultado de escolhas que concordam com valores e crenças de determinados grupos da
sociedade.
Para Rocha (2001, p. 206)
[...] a história da seleção curricular tem sido a de se definir os
conhecimentos de alguns grupos como sendo os mais dignos, os mais
importantes, os mais relevantes para serem transmitidos para as novas
gerações, em detrimento de conhecimentos de outros grupos que
sequer são lembrados nos currículos prescritos. Mais do que isto, há
todo um esforço para que os currículos selecionados sejam tornados
tradição, naturalizados, cristalizados como se fossem construtos
ahistóricos.
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Assim, o conhecimento oficial tende a uniformizar os saberes forçando os
grupos minoritários à adequação e aceitação da cultura hegemônica, inclusive nas suas
formas de aprender e ensinar.
No entanto, o movimento social e político que vivenciamos atualmente é
marcado pela expressão dos direitos democráticos. O discurso e as ações em prol da
inclusão social, educacional e escolar são legitimados também por políticas
interventivas que visam assegurar aos cidadãos, além do acesso aos bens culturais e
materiais, o respeito e a dignidade humana. O currículo que, segundo Santomé (1998),
durante muito tempo se configurou como mecanismo de exclusão, torna-se atualmente
instrumento da política educacional inclusiva.
A relação de determinação sociedade-cultura-currículo-prática
explica que a atualidade do currículo se veja estimulada nos
momentos de mudança nos sistemas educativos, como reflexão da
pressão que a instituição escolar sofre desde diversas frentes, para
que adapte seus conteúdos à própria evolução cultural e econômica
da sociedade (SACRISTÁN, 2000, p. 20).
Assim, a política educacional inclusiva se manifesta em projetos educacionais,
como Brasil Alfabetizado, que tem por objetivo erradicar o índice de analfabetismo;
apresenta-se por meio das propostas de avaliação do desempenho do estudante do
ensino médio, garantindo acesso à universidade àqueles que obtiverem as maiores notas
no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio); e também por meio de orientações
pedagógicas para o trabalho com alunos deficiência, síndrome e conduta típica, a
exemplo dos Parâmetros Curriculares Nacionais – Adaptações Curriculares, cujo
objetivo é orientar o professor a trabalhar com alunos com necessidades educacionais
especiais (NEE).
Para Carvalho (2004, p. 79) a educação inclusiva pode ser considerada como um
“processo que permite colocar valores em prática, sem pieguismos, caridade, filantropia,
pois está alicerçada em princípios que conferem igualdade de valor a todas as pessoas”.
Nesse sentido, a reformulação do processo educacional deveria garantir currículos que
valorizassem a diferença como constituição da sociedade e não como deformações
diante de padrões estabelecidos socialmente.
As reformas educacionais, mesmo regidas pelo princípio da inclusão e de
valorização da diversidade, vêm abordando a questão da diferença como tema
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transversal no currículo, a exemplo dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1996) que,
depois de traçar propostas para trabalhar as disciplinas de base comum, lançam mão de
sugestões de temas3 que podem transversalizar os debates em sala de aula. Santomé
(1998, p. 148) chama atenção para os currículos que tratam as culturas dos grupos
minoritários como suplementos, uma vez que “a informação sobre as comunidades
silenciadas, marginalizadas, oprimidas e sem poder é apresentada de maneira
deformada, com grande superficialidade, centrada em episódios descontextualizados”.
Essa tônica de trabalho em sala de aula ele denomina de “currículo de turistas”4.
Observa-se, portanto que a exclusão não está apenas no tipo de currículo
direcionado a cada grupo social, mas a própria forma como esses grupos são tratados
pelo currículo.
Sendo “o currículo é uma opção cultural, o projeto que quer tornar-se na culturaconteúdo do sistema educativo para um nível escolar ou para uma escola de forma
concreta” (SACRISTÁN, 2000, p. 34) é importante analisá-lo dentro de um contexto, na
intenção de esclarecer as suas opções implícitas. Portanto, a política curricular da escola
inclusiva, especialmente as destinadas ao trabalho das pessoas com necessidades
educacionais especiais, não pode ser vista como um ato de benevolência e caridade do
governo. Nelas, é importante analisar suas potencialidades e contradições uma vez que
vão interferir direta ou indiretamente na prática escolar, nos objetivos da educação, nas
formas de organização do ensino e no processo de formação de professores, conforme
podemos observar no tópico a seguir.
3 Propostas Curriculares Nacionais para a Inclusão dos alunos com NEE
Para compreender como se configura a constituição de uma política curricular é
importante primeiramente defini-la a fim de se tornarem explícitas as intenções que lhes
estão ocultas. De acordo com Sacristán (2000, p. 109) a política curricular é
3
Dentre os temas sugeridos pelos PCNs encontram-se os referentes a sexualidade, diversidade étnica,
entre outros.
4
Fazer um currículo de turistas é trabalhar esporadicamente, por exemplo, um dia por ano, em temas
como luta contra preconceitos racistas, ou dedicar-se refletir sobre as formas adotadas de opressão das
mulheres, ou da classe trabalhadora, pesquisar a poluição, as guerras, os idiomas oprimidos, etc.
(SANTOMÉ, 1998, p. 148)
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um aspecto específico da política educativa, que estabelece a forma
de selecionar, ordenar e mudar o currículo dentro do sistema
educativo, tornando claro o poder e a autonomia que diferentes
agentes têm sobre ele, intervindo dessa forma, na distribuição do
conhecimento dentro do sistema escolar e incidindo na prática
educativa, enquanto apresenta o currículo a seus consumidores,
ordena seus conteúdos e códigos de diferente tipo.
Nesse sentido, se temos uma política educativa voltada para a consolidação de
uma educação e escola inclusiva, temos como conseqüência uma política curricular
voltada a essa mesma perspectiva que assume um caráter próprio dentro das intenções
de quem a elabora.
Enquanto política, o currículo emerge de decisões gerais oriundas da ordenação
jurídica e administrativa. Nesse sentido, as determinações por elas definidas não são
neutras, configuram-se como intenções que fazem parte de políticas mais amplas,
articulando-se a projetos sociais, econômicos, culturais fruto de determinada realidade
situada historicamente, de caráter espacial e temporal (APLLE, 1997; SACRISTÁN,
1998, 2000; SANTOMÉ, 1998).
Para Sacristán (2000, p. 107)
A política sobre o currículo é um condicionamento da realidade
prática da educação que deve ser incorporado ao discurso sobre o
currículo; é um campo ordenador decisivo, com repercussões muito
diretas sobre essa prática e sobre o papel e margem de atuação que os
professores e os alunos têm da mesma.
Apresentando-se como um mecanismo de controle (SACRISTÁN, 2000;
GOODSON, 1995), as intervenções do governo incidem diretamente no cotidiano
escolar.
Especialmente na década de 1990, podemos observar uma série de
reformulações que se desenham a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação em 1996, que define no Art. 3º como alguns dos princípios básicos da
educação a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e o respeito à
liberdade e apreço à tolerância (BRASIL, 1996).
Esses princípios educacionais formulados a partir dos ideais de Educação para
Todos ganharam mais consistência com as diversas diretrizes, elaboradas para os
diferentes níveis de ensino (Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
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Fundamental, 1996; Diretrizes Curriculares para a Educação Especial na Educação
Básica, 2001; Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores, 2002).
Esses documentos configuram-se como um conjunto de definições doutrinárias sobre
princípios, fundamentos e procedimentos, com o objetivo de orientar as escolas em suas
organizações, articulações, desenvolvimento e avaliação de suas propostas pedagógicas.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Especial na Educação
Básica (CNE/CB, Nº 2, 11 de fevereiro de 2001) expressam determinações e
orientações voltadas ao processo de inclusão dos alunos com necessidades educacionais
especiais, no que tange aos aspectos pedagógicos e formação de professores. No Parecer
17/2001, referente à Resolução 2/2001
A inclusão é definida como a garantia, a todos, do acesso contínuo ao
espaço comum da vida em sociedade, sociedade essa que deve estar
orientada por relações de acolhimento à diversidade humana, de
aceitação das diferenças individuais, de esforço coletivo na
equiparação de oportunidades de desenvolvimento, com qualidade,
em todas as dimensões da vida (BRASIL/CNE, 2001a).
Nesse sentido a educação voltada às pessoas com necessidades educacionais
especiais está fundamentada nos princípios da preservação da dignidade humana, na
busca da identidade e no exercício da cidadania. Práticas durante muito tempo
negligenciadas no trato às pessoas que apresentassem qualquer tipo de deficiência, fosse
ela física, sensorial ou cognitiva. De acordo com o Parecer, os princípios que orientam a
elaboração das diretrizes têm por finalidade acabar com qualquer tipo de discriminação
e garantir o desenvolvimento da cidadania.
Além dos fundamentos e princípios que embasam a inclusão das pessoas com
NEE nas classes regulares de ensino, das determinações sobre a organização do sistema
educativo, são também desenvolvidas orientações referentes aos aspectos e
componentes pedagógicos. No Art. 8º, inciso III as Diretrizes definem que as escolas
devem prever e prover na organização das suas classes comuns:
flexibilizações a adaptações curriculares que considerem os
conteúdos básicos e instrumentais dos conteúdos básicos,
metodologia de ensino e didáticos recursos diferenciados e processos
de avaliação adequados ao desenvolvimento dos alunos que
apresentam necessidades educacionais especiais, em consonância
com o projeto pedagógico da escola, respeitada a freqüência
obrigatória (BRASIL, 2001b). (grifo meu)
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Apesar das determinações oriundas da Resolução 2/2001, podemos observar
orientações de forma mais nítida sobre a prática escolar nos Parâmetros Curriculares
Nacionais – Adaptações Curriculares: atendimento às pessoas com necessidades
educacionais especiais, elaborados em 1998 pela Secretaria de Ensino Fundamental em
parceria com a Secretaria de Educação Especial, cujo objetivo é subsidiar os professores
na sua tarefa de favorecer seus alunos na ampliação do exercício da cidadania por meio
da adequação curricular orientando a prática pedagógica (BRASIL, 1998). O documento
foi elaborado com base no reconhecimento da diversidade existente na população
escolar e na necessidade de respeitar e atender a essa diversidade. Em sua apresentação
o documento considera que:
O direito da pessoa à educação é resguardado pela política nacional
de educação independentemente de gênero, etnia, idade ou classe
social. O acesso à escola extrapola o ato da matrícula e implica
apropriação do saber e das oportunidades educacionais oferecidas à
totalidade dos alunos com vistas a atingir as finalidades da educação,
a despeito da diversidade na população escolar. (BRASIL, 1998)
Os Parâmetros focalizam o currículo como:
ferramenta básica da escolarização; buscam dimensionar o sentido e
o alcance que se pretende dar às adaptações curriculares como
estratégias e critérios de atuação docente; e admite decisões que
oportunizam adequar a ação educativa escolar às maneiras peculiares
de os alunos aprenderem, considerando que o processo de ensinoaprendizagem pressupõe atender à diversificação de necessidades dos
alunos na escola (BRASIL, 1998).
A política curricular materializada por meio também dos Parâmetros
Curriculares Nacionais – Adaptações Curriculares orienta as escolas e seus professores
a desenvolverem ações adequadas para atenderem a diversidade de necessidades que se
apresentarem no contexto da escola e na sala de aula. Coloca tanto na gestão da escola
quanto no professor a responsabilidade e o protagonismo de tais ações já que entende
que
As adaptações curriculares constituem, pois, possibilidades
educacionais de atuar frente às dificuldades de aprendizagem dos
alunos. Pressupõem que se realize a adaptação do currículo
regular, quando necessário, para torná-lo apropriado às
peculiaridades dos alunos com necessidades especiais. (BRASIL,
1998). (grifo meu)
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Para o governo as adaptações podem ser significativas, quando voltadas a
modificações mais amplas, dentro da própria construção do Projeto Pedagógico da
escola, e não significativas, quando se referem às alterações realizadas pelo professor
em sala de aula. Essas adaptações se dão nas dimensões: 1) Organizativas organização de agrupamentos, organização didática, organização do espaço; 2)
Relativas aos objetivos e conteúdos - priorização de áreas ou unidades de conteúdos,
priorização de tipos de conteúdos, priorização de objetivos, sequenciação, eliminação de
conteúdos secundários; 3) Avaliativas - adaptação de técnicas e instrumentos,
modificação de técnicas e instrumentos; 4) Nos procedimentos didáticos e nas
atividades - modificação de procedimentos, introdução de atividades alternativas às
previstas, introdução de atividades complementares às previstas, modificação do nível
de complexidade das atividades, eliminando componentes, sequenciando a tarefa,
facilitando planos de ação, adaptação dos materiais, modificação da seleção dos
materiais previstos; 5) Na temporalidade - Modificação da temporalidade para
determinados objetivos e conteúdos previstos.
Garcia (2005) assinala que a heterogeneização proposta pela via de processos
educacionais, métodos e equipamentos diferenciados têm como referência a
incapacidade do aluno, “o não acompanhamento do processo educacional”. Por isso,
questiona: “a política está centrada na diversificação dos modos de acesso a educação
básica no sentido de perseguir diferentes maneiras de entrar em contato com os
conhecimentos, ou no sentido de racionalizar formas diversas de participação, currículos
diferentes e desiguais desde o princípio?” (GARCIA, 2005, p. 7)
A idéia de adaptação, posta pela política curricular revela a perspectiva não de
unidade, mas homogeneizadora do currículo oficial. Do quanto a política educacional, a
despeito dos avanços possibilitados pela proposta de educação inclusiva, ainda se deixa
flagrar pelas contradições inerentes aos seus discursos, a exemplo da afirmativa acima
“adaptação do currículo regular”.
Para Ferreira e Ferreira (2004, p. 32)
Embora a existência de um projeto pedagógico próprio possa ser um
aspecto importante para favorecer a inclusão do aluno com
deficiências na escola e na sala regular, o que temos percebido é que
esse projeto é mais uma peça burocrática que foi construída pela força
da lei, num sistema educacional que não desenvolveu autonomia
pedagógica nem autonomia administrativa, por efeito de políticas
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centralizadoras que, portanto, não capacitou educadores na elaboração
de projetos, nem na atualização destes ao administrar o processo
educacional.
Tais condições contribuem para que a inclusão desses alunos aconteça apenas
em nível da inserção, uma vez que apenas convivem nos espaços dos alunos ditos
“normais”.
Roldão (2003) estabelece cinco modalidades de medidas freqüentemente
adotadas: (1) criação de apoio específico; (2) organização de grupos de nível; (3)
criação de subsistema de recuperação; (4) criação de currículos específicos, alternativos
face ao currículo geral; (5) diferenciação nos métodos de ensino. As proposições em si
são positivas, no entanto, têm contribuído para formar subsistemas dentro das escolas
por rotularem e incluírem de forma marginal as pessoas excluídas, visto que se inscreve
numa lógica de agrupamento de alunos orientada pela identificação de diferenças de
partida, não pelos objetivos “uniformes” de chegada. Além disso, tais propostas
funcionam como apêndices no projeto pedagógico e curricular de muitas escolas. Para
Rodrigues (2003, p. 92)
a diferenciação curricular que se procura na inclusão é a que tem lugar
num meio em que não se separam os alunos com base em
determinadas categorias, mas em que se educam os alunos em
conjunto, procurando aproveitar o potencial educativo das suas
diferenças, em suma, uma diferenciação na classe assumida como um
grupo heterogêneo.
O ponto de partida da inclusão deve ser um currículo acessível a todos os
estudantes. Nesse sentido, teria muito mais sentido falar em diferenciação do que em
adaptação curricular.
Para Roldão (2003, p. 163) a “possibilidade real da diferenciação passa assim,
por uma nova diferenciação – ou seja, renovar a matriz da escola sob o signo da
diversidade, pois esse é o cenário social e educativo real em que hoje se vive e é sem
regresso”.
A educação inclusiva é um anúncio inequívoco, uma declaração
pública e política e uma celebração da diferença. A diferença não é um
eufemismo para o defeito, anormalidade, para um problema que deve
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ser trabalhado, através de políticas educativas de índole tecnicista e
assimilacionista. A diversidade é um fato social5. Por isso mesmo,
uma escola de todos e para todos, em que para cada aluno seja dada
uma voz, subscreve os princípios da inclusividade, entendendo-se por
inclusão o oposto de exclusão, ou seja, garantindo que a escola deixa
de ser um lugar privilegiado apenas para alguns, para passar a ser um
espaço-tempo em que cada um encontra o seu próprio lugar, tem
direito ao seu ritmo, à sua cultura, sendo ajudado a construir uma
identidade de que se possa orgulhar por a sentir respeitada (CÉSAR,
2003, p. 122, grifo do autor).
Nesse sentido, é fundamental que as escolas tornem os currículos
alternativos/diferenciados – não os adaptados – os gerenciadores do conhecimento e da
organização educacional, contribuindo para a constituição de uma nova escola, de uma
nova sociedade.
4 Notas conclusivas
A superficialidade do discurso sobre questões referentes à inclusão acaba por
torná-la em algo simplista, fundada num vazio teórico, fazendo das pessoas alvo do seu
princípio sujeitos passivos, que necessitam de caridade, incapazes de ter autonomia
sobre suas próprias vidas, passíveis de ações paliativas e conformistas como únicas
formas de expressão de cidadania que possam ter.
A análise da inclusão pela exclusão faz emergir uma série de fatores intrínsecos
a essas questões, possibilitando a percepção das limitações e potencialidades do ideal de
sociedade e educação inclusiva, sem culpabilizar este ou aquele pela sua não efetivação
plena. O currículo como mecanismo de controle, segregação, discriminação, mas
potencialmente de transformação, emancipação e inclusão, configura-se como
instrumento estratégico, exatamente pelo seu poder de interferência sobre o meio e as
mentalidades. A relação dialética vivida entre currículo e sociedade permite assim
pensar o sentido da inclusão pelo currículo.
Partindo do pressuposto de que a inclusão visa a valorização e o respeito à
diversidade, é importante então considerá-la como um ponto de partida na aceitação da
diferença, em vez de sua estigmatização. Dessa forma, começará a romper com práticas
5
Armstrong, Armstrong e Barton (2000) citados César (2003).
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segregacionistas, vislumbrando ações integrativas que vejam a “normalidade” na
diferença.
O século XXI nasce com um projeto social e cultural montado sobre os alicerces
inclusivos, fundados em princípios democráticos que vêm tentando ganhar consistência
por meio dos espaços escolares. Sendo o currículo “expressão desse projeto realizado
através de seus conteúdos, de seu formato e das práticas que cria em torno de si”
(SACRISTÁN, 2000 p. 16) é por meio dele também que conseguiremos orientar o
trabalho educativo numa perspectiva inclusiva.
Nesse sentido, é importante pensar nos avanços imediatos que as adaptações
curriculares podem favorecer ao trabalho pedagógico junto aos alunos com deficiência,
mas sem deixar de perceber que essa orientação pela adaptação também reforça a
formação de guetos por reclusão, ou seja, de uma inclusão excludente, tendo em vista
que a idéia de adaptar é reforçadora de uma concepção homogeneizadora de currículo e
por consequência, contrária à diversidade, à diferença.
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IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
A INCLUSÃO ESCOLAR E A PRÁTICA
PEDAGÓGICA COM SURDOS
Eliane Maria de Menezes Maciel
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos
A INCLUSÃO ESCOLAR E A PRÁTICA PEDAGÓGICA COM SURDOS
Eliane Maria de Menezes Maciel
RESUMO: Este texto exercita um olhar sobre a materialidade da inclusão escolar no
que se refere às práticas de inclusão dos alunos surdos nas escolas regulares. Busca
chamar a atenção para a necessidade de se promover uma reflexão sobre as políticas de
inclusão que, como projeto gradativo, dinâmico e em transformação, exige do Poder
Público o absoluto respeito às diferenças individuais dos alunos e a responsabilidade
quanto à oferta e à manutenção dos serviços mais apropriados ao atendimento de todos
os alunos, e no caso especial, aos alunos surdos. O contexto da inclusão no Brasil reflete
apenas as aspirações e intenções dos elaboradores do Programa Nacional de Educação
Inclusiva, no que se refere a escolarização dos surdos e comprova que as opiniões
destes, os verdadeiros interessados, e os estudos desenvolvidos por pesquisadores da
área estão sendo desconsiderados.
PALAVRAS-CHAVE: inclusão, escola inclusiva, educação para surdos.
A inclusão escolar é uma das dimensões do processo de inclusão social e
apresenta-se como um conjunto de políticas públicas que tem como meta levar a
escolarização a todos os segmentos humanos da sociedade, com ênfase na infância e
juventude. Nesse contexto, recebe atenção especial a inclusão de alunos diferentes nas
escolas regulares, o que envolve aspectos do ensino voltados para a formação
profissionalizante e para a constituição da consciência cidadã. O termo diferente é
recomendado na perspectiva pós-estruturalista, que problematiza conceitos como
diferença e identidade, sem reduzí-los a uma questão de respeito e tolerância para com a
diversidade. Ressalta a necessidade de inverter a lógica centrada no biológico e investir
numa perspectiva política, pois elas se constroem histórica, social e politicamente.
Portanto, o respeito à diferença não pode significar deixar que o outro seja como eu sou,
Eliane Maria de Menezes Maciel
5309
A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos
mas deixar que o outro seja como eu não sou. (SKLIAR, 1999; SILVA, 2004; HALL,
1997; WOODWARD, 2004).
O atendimento educacional de qualidade na perspectiva inclusiva de valorização,
respeito e consideração à multiciplidade humana tem sido o grande desafio da educação
na atualidade. Esta questão suscita os mais complexos debates e favorece, sobretudo,
outros temas correlatos não menos importantes no âmbito educacional: identidade,
diferença, preconceito, discriminação, alteridade, multiculturalismo, entre outras. No
panorama educacional no Brasil há mais ou menos duas décadas, a inclusão escolar vem
envolvendo uma grande parcela de teóricos, pesquisadores, educadores, técnicos
educacionais, que cada vez mais têm refletido sobre as políticas publicas para a
Educação.
O Ministério da Educação tem o princípio da inclusão como norteador das
políticas públicas para a educação. Entre suas ações para apoiar a construção de
sistemas educacionais inclusivos destaca-se o Programa Educação Inclusiva: direito à
diversidade que tem como objetivo a disseminação da política de inclusão nos 5.562
municípios brasileiros e Distrito Federal; a formação de gestores e educadores; a
sensibilização da sociedade; e a formação de redes apoiadoras do processo de inclusão.
Essas ações são pautadas, principalmente, nos seguintes instrumentos legais: a
Constituição Federal, artigo 208, inciso terceiro, que postula que crianças com
necessidades especiais sejam atendidas preferencialmente nas escolas regulares; a
Política Nacional de Educação Especial (MEC/SEEP, 1994); a Lei de Diretrizes e
Bases, que tipifica melhor o princípio genérico da Constituição; o Plano Nacional de
Educação e a Declaração da Guatemala (aprovado em 2001, o texto da "Convenção
Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Pessoas Portadoras de Deficiência", cujas voltados para a formação profissionalizante e
para a constituição da consciência cidadã.
O atendimento educacional de qualidade na perspectiva inclusiva de valorização,
respeito e consideração à multiciplidade humana tem sido o grande desafio da educação
na atualidade. Esta questão suscita os mais complexos debates e favorece, sobretudo,
outros temas correlatos não menos importantes no âmbito educacional: identidade,
diferença, preconceito, discriminação, alteridade, multiculturalismo, entre outras. No
Eliane Maria de Menezes Maciel
5310
A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos
panorama educacional no Brasil há mais ou menos duas décadas, a inclusão escolar vem
envolvendo uma grande parcela de teóricos, pesquisadores, educadores, técnicos
educacionais, que cada vez mais têm refletido sobre as políticas publicas para a
Educação.
O Ministério da Educação tem o princípio da inclusão como norteador das
políticas públicas para a educação. Entre suas ações para apoiar a construção de
sistemas educacionais inclusivos destaca-se o Programa Educação Inclusiva: direito à
diversidade que tem como objetivo a disseminação da política de inclusão nos 5.562
municípios brasileiros e Distrito Federal; a formação de gestores e educadores; a
sensibilização da sociedade; e a formação de redes apoiadoras do processo de inclusão.
Essas ações são pautadas, principalmente, nos seguintes instrumentos legais: a
Constituição Federal, artigo 208, inciso terceiro, que postula que crianças com
necessidades especiais sejam atendidas preferencialmente nas escolas regulares; a
Política Nacional de Educação Especial (MEC/SEEP, 1994); a Lei de Diretrizes e
Bases, que tipifica melhor o princípio genérico da Constituição; o Plano Nacional de
Educação e a Declaração da Guatemala (aprovado em 2001, o texto da "Convenção
Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Pessoas Portadoras de Deficiência", cujas recomendações se tornaram lei de caráter
nacional no Brasil; os Pareceres - o 17/2001 e o 4/2002 - e de uma Resolução - a
2/2001, dados pelo Conselho Nacional de Educação, que é a interpretação dos
instrumentos anteriores; entre outros.
Sendo assim, tais instrumentos apresentam-se como estratégias para a
concretização de políticas compensatórias aos custos sociais, causados pelo ajuste
econômico ocorrido nos países periféricos, nos anos 1980. E dizem defender uma
educação igualitária, com uma escolarização em que estudantes possuem os mesmos
direitos, sem nenhuma discriminação de sexo, raça, etnia, religião e capacidade, todos
freqüentando os mesmos espaços, com garantias assim de uma socialização mais
abrangente.
No entanto, é bom lembrar que inclusão não se faz só por decreto. A sua
materialidade envolve muito mais do que leis. Devem-se levar em conta as múltiplas
variáveis que a permeiam, tais como: remuneração dos professores e técnicos, jornada
Eliane Maria de Menezes Maciel
5311
A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos
de trabalho, formação inicial e continuada, número de aluno em cada sala de aula,
recursos materiais e financeiros, entre outras. Esse é um processo e como tal leva
tempo. Implica em mudanças estruturais na cultura, na construção de uma nova postura
pedagógica, na vida social. Partindo desse pressuposto, Carvalho (2005) argumenta que
inclusão deve ser entendida como princípio (um valor) e como processo contínuo e
permanente, portanto não deve ser concebida como um preceito administrativo, dado a
priori, que leva a estabelecer datas, a partir das quais as escolas passam a ter o estado de
inclusivas, em obediência à hierarquia do poder ou a pressões ideológicas.
Para a escola se tornar inclusiva é necessário que reconheça a multiciplidade que
constitui seu alunado e a ela responda com eficiência pedagógica. Para responder às
necessidades educacionais de cada aluno, condição essencial na prática educacional
inclusiva há que se adequar aos diferentes elementos curriculares, de forma a atender as
peculiaridades de cada um e de todos os alunos. Há que se flexibilizar o ensino,
adotando-se estratégias diferenciadas e adequando a ação educativa às maneiras
peculiares dos alunos aprenderem, sempre considerando que o processo de ensino e de
aprendizagem pressupõe atender à diversificação de necessidades dos alunos na escola
(BRASIL, 1995).
Ainscow (2008) compreende a inclusão como um processo em três níveis: o
primeiro é a presença, o que significa estar na escola; o segundo, a participação, porque
o aluno pode estar presente, mas não necessariamente participando; e o terceiro, a
aquisição de conhecimentos, pois o aluno pode estar presente na escola, participando e
não estar aprendendo. Por isso, é preciso dar condições para o aluno estar presente,
participando e, acima de tudo, aprendendo e desenvolvendo suas potencialidades.
Nessa perspectiva, Glat, Pletsch e Fontes (2007) ressaltam que a educação
inclusiva significa pensar uma escola em que é possível o acesso e a permanência de
todos os alunos, e onde os mecanismos de seleção e discriminação, até então utilizados,
sejam substituídos por procedimentos de identificação e remoção das barreiras para a
aprendizagem.
Ainscow (2008) alega que além da necessidade de identificar e sobrepujar as
barreiras que impedem os alunos de adquirir conhecimentos acadêmicos também é
Eliane Maria de Menezes Maciel
5312
A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos
necessário vencer as barreiras que estão na mente das pessoas. Ele reconhece que estas
são as mais difíceis de serem vencidas.
Dessa forma, as escolas inclusivas devem fomentar o respeito mútuo,
reconhecendo e respondendo às múltiplas dificuldades de seus alunos, acomodando os
diferentes estilos e ritmos de aprendizagem, assegurando e provendo uma educação de
qualidade para todos, mediante currículos apropriados, modificações organizacionais,
estratégias de ensino, recursos e parcerias com suas comunidades. Isso significa dizer:
necessita-se de um esforço concentrado para a atualização e reestruturação das
condições atuais, para que o ensino seja adequado à multiplicidade e às ações
pedagógicas dos estudantes.
Segundo Kassaki (2008), as principais características da escola inclusiva devem
ser:
Um senso de
Filosofia e visão de que todas as crianças pertencem a escola e à
pertencer
comunidade e de que podem aprender juntas
Liderança
O diretor envolve-se com toda a escola no provimento de estratégias
Colaboração e
Envolvimento de alunos em estratégias de apoio mútuo (ensino de iguais,
cooperação
sistemas de companheiros, aprendizados cooperativos, ensino de equipe,
co-ensino, equipe assistência aluno-professor)
Novos papéis e
Os professores falam menos e assessoram mais, psicólogos atuam juntos
responsabilidades
com aos professores nas salas de aula, todo o pessoal da escola faz parte
do processo de aprendizagem
Parceria com os
Os pais são parceiros igualmente essenciais na educação de seus filhos.
pais
Acessibilidade
Todos os ambientes físicos são tornados acessíveis e, quando necessário,
é oferecida tecnologia assistida.
Ambientes flexíveis Espera-se que os alunos se promovam de acordo com estilo e ritmo
de aprendizagem
individuais de aprendizagem e não de uma única maneira para todos.
Estratégias
Aprendizado cooperativo, adaptação curricular, ensino iguais, instrução
Eliane Maria de Menezes Maciel
5313
A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos
baseadas em
direta, ensino recíproco, treinamento em habilidades socais, instrução
pesquisas
assistida por computador, treinamento em habilidades de estudar, etc.
Novas formas de
Dependendo cada vez menos de testes padronizados, a escola trabalha
avaliação escolar
com cada aluno rumo aos respectivos objetivos.
Desenvolvimento
Aos professores são oferecidos cursos de capacitação contínua, visando
profissional
melhoria de seus conhecimentos e habilidades pra melhor educar seus
continuado
alunos
Fonte: Sassaki (1998). Site educação on-line, checagem sobre as práticas inclusivas
Crochík (2008) afirma que as crianças diferentes têm vantagens quando
aprendem em conjunto com as crianças consideradas normais e essas últimas não são
prejudicadas. E destaca que a maior vantagem que o aluno diferente tem se refere a sua
sociabilidade.
Entretanto, Laplane (2004) argumenta que ao destacar as vantagens da educação
inclusiva não se pode ocultar os problemas todos que a prática da proposta impõe.
Muitos problemas são enfrentados pelos profissionais da educação, especialmente os
professores, diante dessa nova realidade, pois se deparam com as dificuldades impostas
pelas próprias limitações, no que se refere a formação, seja inicial, seja continuada; e as
condições de trabalho, que vão desde sua profissionalização até as questões físicas de
acessibilidade, de materiais didáticos e curriculares disponíveis na escola. Algumas
diferenças necessitam de uma série de condições que, na maioria dos casos, não têm
sido propiciadas pela escola.
Ao professor da sala de aula regular que recebe alunos diferentes é
imprescindível, além da capacitação e de apoio, que ele esteja bem preparado para
receber os diferentes, para que a inclusão não seja somente física, mas que haja uma
aprendizagem significativa para todos os alunos.
O documento oficial rege que:
Eliane Maria de Menezes Maciel
5314
A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos
A educação inclusiva envolve um processo de preparação do
professor que considera as diferenças e as dificuldades dos alunos na
aprendizagem escolar como fontes de conhecimento sobre como
ensinar e como aperfeiçoar as condições de trabalho nas salas de aula
(BRASIL, 1995, p.17).
Nessa perspectiva, o professor é considerado um professor inclusivo, quando ele
compreende o aluno diferente e o respeita na sua diferença, reconhecendo-o como
pessoa
que,
mesmo
apresentando
algumas
limitações,
possui
outras
habilidades/potencialidades que devem ser observadas, consideradas e reforçadas
visando à aprendizagem.
Desse modo, é necessário estar atendo para os aspectos da prática pedagógica no
cotidiano escolar que revelem como está se dando o processo de aprendizagem de
crianças incluídas em classes regulares, de modo que se tenha condições de avaliar
todos os aspectos envolvidos, tanto na prática pedagógica quanto na inclusão
propriamente dita.
É importante se destacar que as contradições existentes entre os discursos que
proclamam a inclusão e a realidade educacional brasileira são gritantes. Há uma grande
distância entre o que está nos documentos oficiais e a execução da política de inclusão,
Os resultados do IDEB 2007 (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), em sua
última avaliação feita pelo Governo Federal com alunos das 4ª séries, confirmam a
afirmação, pois, apesar de a maioria das escolas e municípios brasileiros terem
cumprido suas metas de melhoria para 2007, só 739 escolas (2% do total) e 54
municípios (1%) já atingiram ou superaram a média 6. Os diagnósticos, resultado de
testes oficiais, como o SAEB, têm sido divulgados, apresentando o baixo rendimento
dos alunos em matemática e em língua portuguesa nas escolas regulares, aquelas que,
paradoxalmente, têm recebido em suas salas de aulas alunos oriundos das escolas
especiais.
Sendo assim, as escolas não vêm atendendo plenamente nem as necessidades
educacionais elementares dos já incluídos. Essa situação leva as escolas a se sentirem
despreparadas para enfrentar este novo contexto, pelo qual a educação está passando,
Eliane Maria de Menezes Maciel
5315
A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos
motivo pelo qual apenas procuram de uma forma incipiente se adequar às necessidades
do momento. A maioria delas se encontra totalmente desprovida de materiais didáticos
específicos, corpo técnico e professores devidamente formados e principalmente o
currículo permanece o mesmo.
Essa situação que se repete em quase todo território nacional faz a academia
refletir também sobre como tem se dado o ensino para as parcelas da população que
apresentam peculiaridades que precisam ser consideradas, como é o caso dos alunos
surdos. Aqui consideraremos alunos surdos aqueles que apreendem o mundo por meio
das experiências visuais e que partilham do conhecimento de mundo com seus pares
através da Língua Brasileira de Sinais – Libras, como meio mais eficaz de
desenvolvimento cognitivo, emocional e social.
No caso de inclusão de alunos surdos, além de inúmeras variáveis, é preciso
considerar a sua experiência visual na construção e no acesso ao conhecimento.
Diversos estudos, citados por Machado (2008), chamam a atenção sobre a realidade
escolar do surdo no Brasil, através de diferentes enfoques. Ele destaca os seguintes
estudos: as questões lingüísticas e cognitivas do surdo, por Eulalia Fernandes (1990,
2000), Lucinda F. Brito (1993) e Ronice M. Quadros (1997); alguns caminhos possíveis
para a prática pedagógica no processo de alfabetização da criança surda e suas relações
com os pares ouvintes, por Maria C. R. de Góes (1999) e Regina M. de Souza (1998); a
avaliação das políticas públicas na educação de surdos, por Carlos Skliar (1995, 1997a,
1999a, 2001), entre outros (MACHADO 2008, p. 2).
Outras pesquisadoras evidenciam a importância de se considerar as implicações
educacionais da surdez, tais como: Gesueli e Góes (2007), Dorziat (2004), Melo (2008).
Dorziat (2004) diz que se deve superar o momento atual, em que a atenção de muitos
profissionais envolvidos no ensino de surdos, numa perspectiva bilíngüe, tem ficado
restrita aos componentes lingüísticos de forma isolada.
Estudos apontam que os surdos são intensamente afetados em relação à
aquisição dos conhecimentos escolares, devido às limitações impostas historicamente
pela sociedade que não considera suas possibilidades lingüístico-culturais. Sua diferença
lingüística não é considerada.
A imposição da língua majoritária, no Brasil, da língua portuguesa, como língua
oficial de transmissão dos conhecimentos, acarretou problemas cognitivos graves,
Eliane Maria de Menezes Maciel
5316
A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos
dificultando a aquisição de grande parte das informações necessárias à vivência em
sociedade e à construção de conhecimento. A leitura do mundo que é, na perspectiva
freireana, base para a cidadania, porque permite uma maior e melhor compreensão do
mesmo, e deve estar intrinsecamente relacionada aos processos de domínio da leitura e
da escrita, foi, no caso dos surdos, desconsiderada, uma vez que não passava pela forma
visual-gestual expressa através da língua de sinais.
O surdo se comunica, normalmente, por meio da linguagem gestual, por isso é
necessário estar inserido em contextos que o caracterizam cultural e linguisticamente,
por meio de sua língua natural, que é a língua de sinais, no caso do Brasil, a Língua
Brasileira de Sinais - LIBRAS. O surdo utiliza a visão para apreender o mundo, ainda
que, com seus restos auditivos, maiores ou menores, ocasionalmente façam algum uso
das pistas acústicas. Isso significa dizer que a surdez é uma experiência visual e que a
organização perceptual fundamental daquele que tem uma perda auditiva se dá a partir
da visão, e não da audição. Dessa forma, utilizar recursos visuais para promover o
desenvolvimento da aprendizagem é uma das estratégias positivas que os professores
devem utilizar no ensino de surdos.
Na rede pública de ensino brasileira vigora diferentes concepções para explicar
o fracasso escolar, entre elas: a Teoria da Carência Cultural e as Teorias -CríticoReprodutivistas. Considerando que 80% a 90% dos surdos do país não
concluem/concluíram o ensino fundamental, Melo (2008) afirma que junto com o
agravante da surdez, essas teorias desvelam fatores a mais que comprometem o
desempenho escolar dos surdos. Ela também chama atenção para a existência de uma
abordagem “omissa” da Educação acerca das diferenças culturais e características
individuais generalizadas entre surdos oralizados e não oralizados, já que para cada um
dos grandes grupos de surdos requer-se práticas pedagógicas diferenciadas; e, portanto
formas avaliativas diferentes.
Entretanto, parece ser unânime entre os pesquisadores da área que o fator
agravante que contribui realmente para o fracasso escolar dos surdos são os problemas
lingüístico-cognitivos. Gesuelli e Góes (2008) citam os estudos de Lacerda (1996);
Souza (1996) e Góes e Souza (1997), para afirmarem com base nas considerações
teóricas a importância do papel da linguagem no processo de interação e nos processos
Eliane Maria de Menezes Maciel
5317
A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos
cognitivos, e dizem que, em geral, a criança surda encontra-se por demais prejudicada,
em função das insuficientes oportunidades oferecidas pelo grupo social e, em termos da
experiência escolar, em função do fato de professor e aluno não partilharem a mesma
linguagem.
Kessler (2008), por sua vez, toma Giroux e McLaren (1993) como fundamento,
para afirmar que a linguagem é geradora da realidade que evoca e à qual se dirige e não
apenas um elemento de mediação, e que o conhecimento é construído simbolicamente
pela mente e pelo corpo através da interação social, sendo fortemente dependente da
cultura, do contexto, do costume e da especificidade histórica.
Considerando a importância da língua de sinais para os alunos surdos, as atuais
políticas educacionais prevêem sua inclusão no sistema regular de ensino,
preferencialmente em classes regulares, com a participação do intérprete de Libras.
Lima (2005) reconhece que esse passo representou um avanço na educação voltada aos
alunos surdos, historicamente marginalizados, mas alerta que a inclusão do intérprete
nas atividades pedagógicas deve ser mais amplamente discutida. A pesquisadora cita as
reflexões feitas por Fernandes (2003), que diz:
Apenas garantir a presença do intérprete em sala de aula não é
suficiente para suprir a passagem do conteúdo escolar para surdos,
mesmo que estes dominem a língua de sinais. Todos os
procedimentos que envolvem desde o planejamento, as estratégias de
ensino e de aprendizagem (...) e não perdendo de vista estar sendo
contemplada a língua de sinais (...) precisam ser levadas em conta,
tendo em vista um ensino de qualidade (p. 86).
Dorziat (2008) também tem essa compreensão e argumenta que só a utilização
de língua de sinais não é uma solução para a inclusão dos surdos e para todos os
problemas que se apresentam na educação pois,
a língua de sinais fica restrita ao intérprete e ao surdo, desconsidera a
interação com o professor e com os demais colegas, a importância
Eliane Maria de Menezes Maciel
5318
A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos
das relações humanas, dos processos de formação de identidade e do
estabelecimento de conexão entre os conteúdos escolares e as formas
particulares (visuais) de apreensão e de construção de conhecimentos
(DORZIAT, 2008 p.1).
Para Dorziat (2004), as implicações educacionais da surdez precisam ser
consideradas, superando o momento atual, em que a atenção de muitos profissionais
envolvidos no ensino de surdos, numa perspectiva bilíngüe, tem ficado restrita aos
componentes lingüísticos de forma isolada. Tem-se deixado de lado o desvendamento
do fenômeno na sua totalidade, e, em conseqüência disso, diferentes posturas
pedagógicas terminam convivendo no processo pedagógico, de forma a-crítica,
reproduzindo no cotidiano de sala de aula estratégias consideradas eficazes no ensino de
pessoas ouvintes ou mesmo práticas adaptadas aos surdos, sem uma base
epistemológica que dê sentido às ações.
Assim, existe o risco de, mesmo com a aceitação e valorização da LIBRAS nas
escolas, o sistema educacional continuar privilegiando e colonizando o surdo, na
medida em que sua cultura e forma própria de elaboração do mundo podem continuar
sendo sufocadas no processo pedagógicos, se o currículo for direcionado para o ser
considerado normal, ouvinte.
Refletindo sobre essa questão Silva (2000) alerta:
A inclusão do aluno surdo não deve ser norteada pela igualdade em
relação ao ouvinte e sim em suas diferenças sócio-histórico-culturais,
às quais o ensino se ancore em fundamentos lingüísticos,
pedagógicos, políticos, históricos, implícitos nas novas definições e
representações sobre a surdez. (SILVA, 2000).
Tais constatações reivindicam uma revisão educacional que trace uma nova
visão curricular com base no próprio surdo.
Marchesi (2004) aponta os principais fatores que constitui um processo
realmente inclusivo: a transformação do currículo, o desenvolvimento profissional dos
Eliane Maria de Menezes Maciel
5319
A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos
professores, uma liderança efetiva, a modificação da cultura e da organização da escola
e principalmente o compromisso com a mudança.
Entretanto, é necessário entender que não há mudança educativa num sentido
amplo, significativo, sem um movimento da comunidade educativa que lhe outorgue
sentidos e sensibilidades (SKLIAR 2008). Outra mudança necessária é a sistêmica
político-administrativa na gestão educacional que envolve desde alocação de recursos
governamentais até as posturas curriculares presentes em sala de aula.
Portanto é fundamental relembrar que a educação inclusiva traz no seu bojo um
grande desafio: trabalhar a integralidade do ser humano, o que significa considerar os
potenciais, as capacidades, os interesses dos indivíduos, tornando-os não só aceitos, mas
sujeitos de seu processo de formação. Pois, não basta garantir o acesso, é necessário dar
ênfase à qualidade da oferta, que passa necessariamente pela possibilidade de igualdade
de atuação social, conseguida através do respeito às diferenças para que este se constitua
em um real processo inclusivo.
Pra finalizar levantamos algumas questões que merecem ser mais investigadas:
Como vem se dando o processo inclusivo do aluno surdo, nas séries iniciais do ensino
fundamental? Há indícios de que as práticas pedagógico-curriculares venham
assimilando os princípios da cultura surda, buscando atender as peculiaridades da
pessoa surda, que ao longo de suas vidas utilizam estratégias visuais-gestuais de
apreensão e de expressão do mundo? Há propostas de modificações curriculares e/ou
metodológicas, visando à implantação de programas mais apropriados às necessidades
específicas da pessoa surda? As equipes técnicas das escolas tem sido trabalhadas para
fornecer um atendimento mais adequado em relação ao ensino de matemática ao/à
professor/a que recebe alunos/as surdos/as? Os Serviços dos Programas de Educação
que trabalham com a Educação Inclusiva têm dado assistência às escolas inclusivas?
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SKLIAR, Carlos. A inclusão que é "nossa" e a diferença que é "do outro". Os
argumentos e a falta de argumentos para pensar e fazer uma escola que é (e que deve
ser)
para
"todos".
Disponível
em:
http://www.inedd.unisiegen.de/abteilung1/aktuell/dokumente/vortrag_carlos_skliar_port
ugiesisch.doc, acessado em 17/07/2008
Eliane Maria de Menezes Maciel
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IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
POLÍTICAS PÚBLICAS E ADAPTAÇÕES
CURRICULARES PARA INCLUSÃO DO SURDO
NO SISTEMA REGULAR DE ENSINO
Elizabeth Brito Pereira
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino
POLÍTICAS PÚBLICAS E ADAPTAÇÕES CURRICULARES PARA
INCLUSÃO DO SURDO NO SISTEMA REGULAR DE ENSINO
Elizabeth Brito Pereira
Especialista
[email protected]
RESUMO: Este artigo objetiva discutir as políticas públicas focadas na inclusão
educacional dos surdos no sistema regular de ensino e as adaptações curriculares. Foi
feita pesquisa bibliográfica e de campo. O interesse pelo tema deveu-se a que não se
observa nos alunos surdos inclusos na escola o crescimento intelectual desejável. A
discussão refere-se às leis de inclusão, sua aplicabilidade e a realidade vivenciada pelo
professor de sala regular. O advento da inclusão gerou a afluência às escolas de crianças
e jovens com necessidades especiais, desejosos de participar ativamente das atividades
escolares. Alguns dos que chegam às salas de aulas têm problemas auditivos. As
políticas públicas tentam suprir as necessidades de cada grupo com ações voltadas para
que estes tenham um melhor aproveitamento na sala regular, entre essas ações está a
adaptação curricular. Procuramos colocar a Libras, como instrumento essencial para o
desenvolvimento acadêmico do aluno com surdez. Como fundamentação teórica foram
consultados os autores Dorziat, Strobel e Skliar. Os resultados da pesquisa de campo
evidenciaram a necessidade de flexibilidade curricular, de capacitar professores que
atuam com alunos surdos, pois a forma de comunicação utilizada por estes alunos é um
obstáculo à inclusão que pode ser sanada com o aprendizado da Libras, como sua
primeira língua.
PALAVRAS-CHAVE: Políticas Públicas. Adaptação Curricular. Inclusão.
Surdo. Libras.
INTRODUÇÃO
As políticas públicas atinentes à inclusão do surdo visam a integração deste na
comunidade pela via social, educacional e profissional. Apesar da estrutura legal
implementada por essas políticas, percebemos que muitas vezes esse esforço não atinge
o ponto desejado.
A formação educacional dos alunos com necessidades especiais tem sido objeto
de estudos e pesquisas ao longo dos últimos anos. Desse modo, reconhecendo a
dimensão desse problema, a escola comum foi incumbida pela Constituição Federal de
1988 (BRASIL, 1988), de receber esses alunos sendo, de acordo com a Declaração de
Salamanca (UNESCO, 1994), considerada o meio mais eficaz no combate a atitudes
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Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino
discriminatórias. O desafio dessas escolas atualmente é desenvolver uma pedagogia que
favoreça a educação com sucesso de toda e qualquer criança em salas regulares,
independente de suas condições físicas ou origem social e cultural e promovendo as
mudanças curriculares que se mostrem necessárias.
Para que isso aconteça é necessário uma política que dê suporte à prática
inclusiva. Isto significa uma quebra não apenas de barreiras arquitetônicas e atitudinais
nas escolas, mas, também, uma revisão do número de alunos por sala de aula, um
planejamento efetivo que contemple todos os alunos, levando em consideração as suas
necessidades, suporte técnico para auxiliar o professor e a efetiva participação de toda a
comunidade escolar nas discussões sobre as diferenças.
O presente trabalho foi motivado ante a observação do aparente fracasso da
escola regular em prover a inclusão do surdo, uma vez que não se presencia, via de
regra, o crescimento intelectual desejável, tampouco a escola consegue propiciar a esses
indivíduos, a sua autonomia. A discussão refere-se às leis de inclusão e sua
aplicabilidade, mais especificamente a realidade vivenciada pelo professor de sala
regular onde acontece a inclusão desses alunos.
Este artigo acerca da inclusão educacional do surdo, as adaptações curriculares e
as políticas públicas atinentes à inclusão deste na rede regular de ensino foi embasado
principalmente nas publicações dos autores Dorziat (1998), Strobel (2006) e Skliar
(1998) além de outros autores, usando-se para isso a consulta bibliográfica, ampliandose o leque da pesquisa na world wide web e também uma pesquisa através de entrevista
por meio da qual foi colhida a opinião de uma especialista em educação Profª. Drª.
Vanda Magalhães Leitão, tendo como objetivo saber se a escola regular é capaz de
incluir o surdo na comunidade escolar e promover o seu desenvolvimento educacional.
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
No decurso da história as pessoas com necessidades especiais não foram
merecedoras de tratamento especial. Ao longo desse caminho de rejeição abandono e
discriminação surgiram beneméritos que acolhiam e alimentavam essas pessoas que
eram abandonadas por seus familiares. Apesar de terem sido fundados no século XIX o
instituto para cegos e também o instituto para crianças surdas, foi somente na segunda
Elizabeth Brito Pereira
5327
Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino
metade do século XX que os serviços educacionais foram alavancados. Até então quase
todas as ações eram voltadas para o assistencialismo. (MAZZOTTA, 2005).
Nesse momento da história, o governo toma para si parte da responsabilidade de
cuidar dessas pessoas com necessidades especiais e passa a regulamentar leis e decretos
que em muito beneficiariam a todos na sociedade.
Em 1973, é criado o Centro Nacional de Educação Especial – CENESP, órgão
do MEC, que passa a reger a educação especial no Brasil como definido no caput do
artigo 2° do Regimento Interno que diz:
O CENESP tem por finalidade planejar, coordenar e promover o
desenvolvimento da Educação Especial no período pré-escolar, nos ensinos
de 1° e 2° graus, superior e supletivo, para os deficientes de visão, da
audição, mentais, físicos, portadores de deficiências múltiplas, educandos
com problemas de conduta e os superdotados, visando à sua participação
progressiva na comunidade, obedecendo os princípios doutrinários, políticos
e científicos que orienta a Educação Especial (BRASIL, 1973).
A nova Constituição Federal dá suporte legal a ações futuras concernentes à
educação especial. Em seu artigo 3°, inciso IV assegura que a República Federativa do
Brasil tem como objetivo: “Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 1988).
Os legisladores, sabedores que a educação é uma poderosa ferramenta na
promoção comum, contemplou-a no seu artigo 205 onde estabelece a educação como
um direito de todos para que ocorra o seu pleno desenvolvimento, o exercício da
cidadania e a qualificação para o trabalho. O artigo seguinte em seu inciso I, determinou
a 'igualdade de condições de acesso e permanência na escola' como algo relevante para
o ensino e no artigo 208, inciso III dispôs que é dever do Estado garantir o “atendimento
educacional especializado aos portadores de deficiências, preferencialmente, na rede
regular de ensino”. (BRASIL, 1988)
Consoante com o artigo 206, os PCNs enfocam a flexibilidade curricular ou
adaptação curricular como uma medida não de ‘abrir mão’ da qualidade do ensino, mas
por serem as únicas alternativas possíveis para incluir de forma justa àqueles com
necessidades educacionais especiais. É imperativo que haja essa maleabilidade
curricular, ou seja, uma adaptação gradual das propostas educativas, adequando-as às
necessidades educacionais dos alunos. Para Magalhães (2002), a adaptação curricular
diz respeito a
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5328
Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino
... uma sequencia de ações sobre o currículo escolar desenhado
para uma população dada, que conduzem a modificação de uma ou mais de
seus elementos básicos (que, como e quando e como ensinar e avaliar), cuja
finalidade é de possibilitar o máximo de individualização didática no
contexto, tornando-o mais normal possível, para aqueles alunos que
apresenta qualquer tipo de necessidade educativa especial. (MANJON, 1995
apud MAGALHÃES, 2002 p.193)
Tal atitude torna possível que o educando com necessidades educacionais
especiais em uma escola regular, não apenas ocupe uma carteira comum, com uma
professora comum, mas que se cristalize o real objetivo da inclusão que é o de tornar o
indivíduo autônomo, capaz de exercer a cidadania.
POLÍTICAS
PÚBLICAS
ATINENTES
À
INCCLUSÃO
DOS
EDUCACIONAL SURDOS
O capítulo VII da Constituição Federal que trata da administração pública em
seu artigo 227 é claro ao dizer que 'é dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade', dentre outras coisas, 'o
direito à educação'. Ao falar em direito à educação a Constituição Federal trata de uma
educação de qualidade. (BRASIL, 1988).
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, criado em 1990 pela Lei nº
8.069/90, reflete a Constituição Federal por enfatizar os dispositivos constitucionais
atinentes à criança e ao adolescente. Em seu artigo 53, estabelece que:
A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno
desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
(...) (BRASIL, 1990).
O ensino fundamental obrigatório e gratuito das crianças e adolescentes e
também
o
atendimento
educacional
especializado
àqueles
com
deficiência,
preferencialmente, na rede regular de ensino é um dever do estado, conforme reza o
texto do artigo 54, do Estatuto da Criança e do Adolescente, e aos pais ou responsáveis
cabe o dever de matriculá-los na rede regular de ensino, como dispõe o artigo 55 do
mesmo diploma legal. (BRASIL, 1990).
Em 1994, é publicada a Política Nacional de Educação Especial, orientando o
processo de integração institucional que condiciona o acesso às classes comuns àqueles
que: “(...) possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares
Elizabeth Brito Pereira
5329
Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino
programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais (BRASIL,
1994:19)”. Tal política não visava uma reformulação das práticas educacionais, mas
que fossem valorizados os diferentes potenciais de aprendizagem no ensino comum.
Em 1996 foi organizada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, de modo que o Brasil pudesse ter uma lei que fosse condizente com sua
Constituição. Essa nova LDB é mais democrática, pois objetiva um processo mais
significativo de formação do indivíduo com necessidades educacionais especiais, traz
inovações para a educação especial, dedicando-lhe um capítulo com a mensagem de
inclusão escolar para esses alunos, além de ampliação de oportunidades como a
legalização da educação infantil, incluindo a criança deficiente nesse processo
educacional (BRASIL, 1996).
O texto da nova LDBEN, Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), determina em seu
art. 59:
Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades
especiais:
I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização
específicos, para atender às suas necessidades; II - terminalidade específica
para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do
ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para
concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados;
III - professores com especialização adequada em nível médio ou
superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino
regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;
Em 1999, a Convenção da Guatemala afirmou que:
(...) as pessoas portadoras de deficiências têm os mesmos direitos
humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas e que esses direitos,
inclusive o de não ser submetida a discriminação com base na deficiência,
emanam da dignidade e da igualdade que são inerentes a todo ser humano.
(OEA, 1999: 01).
Com base nisso adota-se o conceito da diferenciação para promover a
eliminação dos obstáculos que barram o acesso à escolarização. Para Mittler (2003,
apud PONTES, 2008) o maior empecilho para que esta mudança aconteça, está dentro
de nós mesmos, seja nas nossas atitudes, seja nos nossos medos. Tem-se a tendência de
superestimar as dificuldades que aqueles com deficiência podem enfrentar e também
temer os desapontamentos que eles podem experimentar se falharem.
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Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino
Os PCNs ao tratarem de adaptações de acesso ao currículo, nos dão sugestões de
recursos para torná-lo acessível a todos os alunos com necessidades educacionais
especiais. Para contemplar os alunos com deficiência auditiva é sugerido que se tenha:
- materiais e equipamentos específicos: prótese auditiva,
treinadores da fala, tablado, softwarares educativos específicos, etc.;
-textos escritos complementados com elementos que favoreçam a
sua compreensão: linguagem gestual, língua de sinais;
- sistema alternativo de comunicação adaptado às possibilidades do
aluno: leitura orofacial, gestos e língua de sinais;
- salas-ambientes para treinamento auditivo, de fala, rítmico, etc.;
- posicionamento do aluno na sala de tal modo que possa ver os
movimentos orofaciais do professor e dos colegas;
- material visual e outros de apoio, para favorecer a apreensão das
informações expostas verbalmente. (BRASIL1999)
Ao tratar do educando surdo é relevante colocar a importância da língua de
sinais, pois como colocado pela escritora Laborrit [s.l, s.d], eles podem expressar tudo
que o surdo deseja transmitir sem nenhuma perda de conteúdo. Podendo estes,
dependendo da necessidade, serem agressivos, diplomáticos, poéticos, filosóficos,
matemáticos.
Quando colocamos o domínio da língua de sinais como sendo de fundamental
importância para a escolarização do aluno com surdez, não estamos negando que ele
necessite de outros instrumentos. Como bem disposto por Damásio (2007), existe
também a necessidade de ambientes estimuladores que possam explorar as capacidades
e desafiar o pensamento desses alunos.
Por sua vez, a língua de sinais propicia aos surdos a sua inclusão social também
no mundo dos não ouvintes, outro universo social, com cultura própria e em pleno
desenvolvimento. Se nas escolas especiais os alunos são prejudicados por receberem
pouca informação para a vida real, por sua vez, nas escolas regulares o seu
desenvolvimento acadêmico é prejudicado, uma vez que, o sistema educacional voltado
para inclusão está muito aquém do desejável para satisfazer as necessidades reais do
educando surdo.
Como bem pontuado por Leão ao dizer que:
A educação inclusiva é a prática de inclusão de todos os alunos
independentemente de suas deficiências em escolas e salas de aulas
adequadas, de modo que haja o aprendizado do conteúdo acadêmico por eles.
O desafio deste ensino é o de desenvolver uma pedagogia centrada na criança,
capaz de educar a todo e qualquer aluno no ensino regular,
independentemente de suas condições físicas ou origem social e cultural com
sucesso (BUENO, 2001 apud LEÃO, 2004).
Elizabeth Brito Pereira
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Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino
Na opinião de Mantoan (2008), a questão da inclusão escolar e o respeito do
direito à educação estão acima da lei, pois tratam da ética educacional, que ao tratar de
acolher os alunos nas escolas não admite restrições ou exclusões.
Foi sancionada em janeiro de 2001 a Lei n° 10.172 que regeria a educação
brasileira nos próximos dez anos. No capítulo destinado à educação especial a lei é clara
ao mencionar o grande desafio que é a inclusão dos alunos com necessidades
educacionais especiais na rede regular de ensino. Entre as dificuldades vislumbradas
pelo legislador destacam-se:
(…) a sensibilização dos demais alunos e da comunidade em geral
para a integração, as adaptações curriculares, a qualificação dos professores
para o atendimento nas escolas regulares e a especialização dos professores
para o atendimento nas novas escolas especiais, produção de livros e
materiais pedagógicos adequados para as diferentes necessidades, adaptação
das escolas para que os alunos especiais possam nelas transitar, oferta de
transporte escolar adequado, etc. (BRASIL, 2001).
Entre os objetivos e metas desse novo plano (BRASIL, 2001) está o de
implantar, em cinco anos, e generalizar em dez anos, o ensino da Língua Brasileira de
Sinais para os alunos surdos e, sempre que possível, para seus familiares e para aqueles
que compõem a unidade escolar, formando monitores, em parceria com organizações
não-governamentais.
Mas, entendendo a existência de dois universos paralelos, o universo dos
ouvintes e o universo dos surdos, é que, no que tange à educação do surdo, o ano de
2002 foi um marco histórico com a aprovação da Lei nº 10436/02 que reconhece a
Língua Brasileira de Sinais – Libras como meio legal de comunicação e expressão e
determina que “sejam garantidas formas institucionalizadas de aprovar seu uso e
difusão, bem como a inclusão da disciplina de Libras como parte integrante do currículo
nos cursos de formação de professores e de fonoaudiologia”.
Em 2005, o Decreto 5.626/05 (BRASIL, 2005) regulamentou a lei de Libras.
Tal Decreto prevê a formação de turmas bilíngues, onde estão inseridos alunos surdos e
alunos ouvintes. Esse Decreto define também que a Libras é a primeira língua para os
alunos com surdez ficando a Língua Portuguesa como segunda língua. O Decreto prevê
a formação inicial e continuada dos professores e também a formação de intérpretes
para a tradução e interpretação da Libras e da Língua Portuguesa.
O que se constata hoje é que as pessoas com necessidades especiais começam a
ser conduzidos para sua inclusão forçada, por decreto, nos órgãos regulares, sob a égide
Elizabeth Brito Pereira
5332
Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino
da inclusão, porém, sem dotar esses órgãos de condições mínimas para o acolhimento
desses novos alunos (BRASIL, 2001).
Por educação entende-se que a Constituição Federal trata de uma educação de
qualidade. Compreendendo-se como tal educação aquela que proporcione aos
educandos uma formação capaz de dotá-los de condições de prosseguir o seu
desenvolvimento intelectual e social, seja no campo familiar, no profissional ou político,
como indivíduos capazes de atuar positivamente no tecido social, se bastando para sua
própria sobrevivência, participando ativamente na construção da sociedade.
Apesar do direcionamento político das leis que enfocam a inclusão dos que
necessitam de uma atenção especial, o observado segundo Dorziat (1998) é que
convivemos hoje com uma exclusão sutil que pode ser facilmente percebida nos fracos
resultados acadêmicos, pois, malgrado as estatísticas mostrarem que, praticamente,
todas as crianças estão matriculadas na escola, esta escola não consegue desempenhar
seu papel a contento. Este sofrível desempenho acadêmico, principalmente entre os
estudantes das escolas públicas, se dá por vários fatores.
Como bem colocado por Dorziat (1998), esta situação só se agrava quando
transformamos esse mau desempenho em 'respeito às diferenças individuais e diferentes
culturas'. No que diz respeito aos surdos eles possuem uma identidade linguística e
cultural própria, que os diferencia dos outros. Skliar postula que:
Um dos problemas, na minha opinião, é a confusão que se faz entre
democracia e tratamento igualitário. Quando um surdo é tratado da mesma
maneira que um ouvinte, ele fica em desvantagem. A democracia implicaria,
então, no respeito às peculiaridades de cada aluno – seu ritmo de
aprendizagem e necessidades particulares (SKLIAR, 1998:37).
As escolas públicas municipais são dotadas de Sala de Atendimento Educacional
Especializado (AEE). Contudo, na prática percebemos que ali o aluno surdo não
encontra uma identificação com relação à sua identidade surda. É certo que apenas o
uso da língua de sinais não dará a ele a aprendizagem na esfera mais ampla. Entretanto
para que o surdo se aproprie de outros saberes e possa de fato produzir, tirar proveito e
interagir é necessário que ele tenha não apenas o conhecimento, mas o domínio da sua
língua. O surdo tem uma cultura própria que só conseguirá absorvê-la se tiver a
oportunidade de estudar em uma escola de surdos e ser inserido em espaços onde possa
se comunicar e ser entendido adequadamente. O ideal segundo Strobel para que a
inclusão dos surdos nas escolas de ouvintes aconteça é que:
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5333
Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino
(…) a inclusão nas escolas de ouvintes, é que as mesmas se
preparem para dar aos alunos surdos os conteúdos pela línguas de sinais,
através de recursos visuais, tais como figuras, língua portuguesa escrita e
leitura, a fim de desenvolver nos alunos a memória visual e o hábito de
leitura; que recebam o apoio de um professor especialista conhecedor da
língua de sinais e enfim, proporcionando intérpretes de língua de sinais, para
o maior acompanhamento das aulas (STROBEL, 2006).
Consoante com este anseio, o Decreto nº 6.571/08, dispõe sobre o atendimento
educacional especializado ao dizer que será implantada salas de recursos
multifuncionais, ambientes dotados de equipamentos, mobiliários e materiais didáticos e
pedagógicos para o atendimento educacional especializado. Para que estas salas
funcionem a contento o governo assegura no Artigo 3°, inciso I: “formação continuada
de professores para o atendimento educacional especializado.”
Os governantes brasileiros e parte da sociedade levantam a bandeira da inclusão
de muitos grupos como forma de transformação social, e isto é belíssimo. No entanto, se
contradiz quando impõe ao surdo uma educação no sistema regular de ensino sem
preparar democraticamente a escola para recebê-lo. O que se percebe atualmente, é que
os alunos surdos estão chegando às escolas e estas estão fazendo grosseiras adaptações
com essa nova realidade, ou seja, fazendo de conta que estão ensinando.
Notamos que, ainda hoje, o professor do ensino regular é um dos principais
recursos no processo educacional e, sendo assim, um dos maiores desafios enfrentados
para que a educação inclusiva verdadeiramente ocorra diz respeito à preparação do
professor do ensino regular.
A qualificação profissional é fundamental para o desenvolvimento
da EI. É necessário desenvolver programas de formação em serviço que
qualifiquem os professores e outros profissionais para trabalharem com EI.
Muitos países têm incentivado a criação de parcerias entre escolas ou
agrupamentos de escolas e instituições de ensino superior que possam fazer
formação continuada e supervisão das políticas e práticas das escolas. (…) O
acréscimo de recursos humanos é também importante para o desenvolvimento
de uma política de EI. Não deve haver a tentação, por parte dos sistemas
educativos, de pensar que EI é uma forma de baratear a educação
(RODRIGUES, 2008:38).
O Plano Nacional de Educação de 2001, apontava a qualificação do professor de
sala regular como um percalço a ser suplantado para que se construísse uma escola
inclusiva, garantindo o atendimento à diversidade humana.
O presente trabalho, que consiste em um estudo das políticas públicas voltadas
para inclusão educacional do surdo, nos possibilita ter uma idéia da dimensão desse
problema e o que tem sido feito para amenizá-lo.
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Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino
Foi o arrojo de pessoas visionárias que pressionou a sociedade e esta ao Estado o
qual passou a esboçar os primeiros passos na institucionalização e regulamentação,
primeiro de forma assistencialista e em um segundo momento passando a empregar
verbas públicas para a inclusão desses indivíduos, através de sua educação,
possibilitando que alguns dentre eles assumissem a condição de cidadãos autosuficientes e produtivos, que é o principal objetivo da inclusão.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O presente artigo trata das políticas públicas atinentes e as adaptações
curriculares para a inclusão educacional do surdo no sistema regular de ensino. Para a
realização desse trabalho foi feita uma pesquisa bibliográfica principalmente nas
publicações de Dorziat (1998), Strobel (2006) e Skliar (1998), além de outros autores,
usando-se para isso a consulta em livros, ampliando-se o leque da pesquisa na world
wide web.
Também foi realizada pesquisa através de roteiro de perguntas elaborado pela
própria autora, por meio do qual foi colhida a opinião de uma especialista em educação
e respondido em uma entrevista informal com a Profª. Drª. Vanda Magalhães Leitão.
Na visão da entrevistada a inclusão proposta deve ser a que atenda as reais
demandas educacionais das crianças com necessidades especiais. Isto implica numa
transformação da escola tanto em seu projeto pedagógico quanto no aspecto físico.
Observa também que as políticas de inclusão são gerais, fazendo-se necessário um foco
mais acurado. Apesar de existir uma política voltada para a inclusão do surdo na escola
regular, esta inclusão não acontece de forma satisfatória. Ela colocou que:
As leis contemplam de forma geral a todos aqueles com necessidades
educacionais especiais. Tais políticas pretendem ser suficientes para que a inclusão
aconteça, mas a criança surda continua sendo excluída na escola dada as barreiras
linguísticas. (SIC)
Em seu ponto de a inclusão do surdo na escola regular não possibilita a este, ao
final do ensino fundamental, estar lendo e produzindo textos como os demais alunos,
dada as barreiras linguísticas que tornam inviável a comunicação eficaz e,
consequentemente, o desenvolvimento da linguagem.
Conceituando que essa barreira linguística é o principal obstáculo ao sucesso da
inclusão do surdo e considerando que o surdo é, em suma, um estrangeiro em sua terra
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Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino
natal e que a sua primeira língua é a língua dos sinais, sendo através dela que se
comunica com seus pais, fato reconhecido por Skliar (2005:27), o qual identifica a
importância dos sinais usados pelos surdos, quando ressalta que:
Pôr a língua de sinais ao alcance de todos os surdos deve ser o
princípio de uma política linguística, a partir da qual se pode sustentar um
projeto educacional mais amplo. Mas este processo não deve ser considerado
apenas como um problema escolar e institucional, tampouco como uma
decisão que afeta tão-somente um certo plano ou certo momento da estrutura
pedagógica, e, muito menos ainda, como uma questão a ser resolvida a partir
de esquemas metodológicos. É um direito dos surdos e não uma concessão de
alguns professores ou de algumas escolas.
Então, com base na premissa de que a Libras é a primeira língua do surdo, a
entrevistada acredita que a escola deve reconhecer que a Libras é a primeira língua do
indivíduo surdo, desta forma efetivamente incentivar a valorização desse diferencial por
abrigar em seu corpo docente professores surdos, ou professores ouvintes com domínio
de Libras. O ideal seria que os professores de salas regulares, por ser maioria, fossem
estimulados a aprender a língua de sinais. Pois, é através desse portal que a comunidade
surda tem acesso ao seu conhecimento.
Dessa forma sobressai a responsabilidade social do Estado, que precisa
considerar essa língua como importante, uma vez que é fundamental para o
desenvolvimento linguístico e cognitivo e também para a interação do surdo, tanto com
os seus pares quanto com as demais pessoas.
Ao nos reportarmos se é válida a inserção universal de Libras no currículo das
escolas regulares, comentou, a entrevistada, que é de grande valia a inclusão da Libras
no currículo das escolas e já há um indicativo nesse sentido, conforme se depreende do
teor do Decreto nº 5626/2005 que regulamentou a lei de Libras e o Decreto N°
6571/2008, que trata do Atendimento Educacional Especializado – AEE. Então o seu
posicionamento é pela inclusão do ensino da Língua Brasileira de Sinais – Libras, no
currículo das escolas regulares, dessa forma, tornado imprescindível o ensino dessa
língua para todos os alunos.
Pontes (2008) pontua que é necessário haver mudanças nas escolas, nas atitudes,
nos pensamentos e no ambiente como um todo, pois inclusão significa transformação e,
sem que haja essa mudança no panorama escolar, não há inclusão.
Quanto à matrícula de um aluno surdo numa sala de ensino regular cujo
professor desconhece Libras, a entrevistada considera que não faz muito sentido, não
Elizabeth Brito Pereira
5336
Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino
representa um ganho substancial para este e para a sociedade como um todo, a matrícula
dele na escola regular com um professor que não conhece a Libras. Segundo a
entrevistada quando isto ocorre o que se percebe é uma enorme violência para com a
criança surda e uma profunda frustração para o professor da sala regular, comprometido
com suas atribuições, pois, estando completamente fora de seu alcance, ele nada poderá
fazer para favorecer ou facilitar o desenvolvimento linguístico do educando surdo.
Sobre a formação do professor de sala regular para que possa atender de forma
eficiente ao aluno surdo, em sua opinião torna-se necessária a capacitação desse
profissional. Tal capacitação perpassa a esfera da sensibilização. Ele precisa ter o
conhecimento de Libras, saber a estrutura da língua. Isto não significa que todos os
professores devem ser proficientes na língua de sinais, mas é importante que eles
tenham um contato de pelo menos um semestre com a Libras e com a cultura surda.
A Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) legislou sobre o atendimento desses
educandos em salas regulares. Dessa forma, faz-se necessário, de acordo com os PCNs
(BRASIL, 1999), que os docentes tenham sua formação tanto inicial como continuada
para que a inclusão de todos se concretize com o êxito esperado. Pontes (2008) diz que:
Os professores precisam se conscientizar de que o seu papel é educar
os seus alunos. Não os que ele escolhe, mas os que a ele chegam. Os diretores
das escolas públicas também têm que assumir a sua função, cobrando do
Executivo os suportes necessários para a concretização deste novo paradigma
educacional. As Secretarias de Educação têm que incluir em suas prioridades
a formação continuada dos docentes, pois não se deseja transferir o desafio
unicamente para o professor.
Estudiosos reconhecem a importância da língua de sinais como primeira língua
para os surdos. Dorziat (2009:51) pontua que:
(...) os estudos revelam que a LS, como a base para toda a
estruturação de pensamento da criança, deve ser adquirida como primeira
língua. Sedimentada na criança surda, devem-se promover situações de
aprendizagem de língua majoritária, como segunda língua.
Sobre a questão dos avanços reais que foram conseguidos com a implantação
das políticas públicas que tratam da inclusão, a entrevistada reconhece que nos últimos
anos têm acontecido alguns avanços significativos para que a inclusão educacional do
surdo aconteça de modo satisfatório. Entre estes estão o reconhecimento legal da Libras
como sendo a primeira língua do surdo por meio da Lei N° 10436/02 e sua
regulamentação através do Decreto N° 5626/05; a divulgação da Libras para milhões de
pessoas através da televisão; a conscientização de que existe um universo de pessoas
Elizabeth Brito Pereira
5337
Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino
surdas que tem os mesmos direitos que os ouvintes; a política do atendimento
educacional especializado; a inserção das Libras nos cursos de licenciatura.
Percebemos através dessa entrevista que: “(...) a comunicação é fundamental
para o engenho da alma. É por ela, em suas mais diversas materialidades, que o
indivíduo surdo pode tornar-se sujeito de si e sujeito dos outros” (FOUCAULT, 1997
apud LOPES, 2007: 49).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluímos que apesar das políticas públicas postas atualmente em prática
possuírem um foco generalizado, não se aprofundando às especificidades inerentes às
diferentes necessidades especiais, como no caso dos surdos, têm trazido melhorias,
como no reconhecimento da Linguagem Brasileira de Sinais, Libras, como sendo a
primeira língua dos surdos, inclusive, inserindo-a no currículo dos cursos de
licenciatura, medida de vital importância que se refletirá em um futuro próximo com o
aumento do universo de professores que, apesar de não serem proficientes em Libras,
sem dúvida, alguns deles serão multiplicadores.
No atual estágio, foi detectado que as políticas públicas ainda não conseguiram
atingir o objetivo proposto por seus idealizadores. Os níveis de adaptações curriculares
vislumbram o âmbito do projeto pedagógico, orientando ações adaptativas, com intuito
de flexibilizar o currículo em sala de aula e também individualmente, de acordo com as
necessidades educacionais de cada aluno.
No caso em pauta, a inclusão do aluno surdo na sala de ensino regular, não
atende a sua real necessidade uma vez que a escola regular não conta com a estrutura
necessária para prover a estes alunos as condições ideais para seu progresso como
indivíduo e, principalmente, seu progresso acadêmico. Falta aos professores o
conhecimento de Libras, bem como da metodologia de abordagem e didática
direcionada para o aluno surdo.
Assim, constatamos que as políticas públicas voltadas para a inclusão dos alunos
com necessidades especiais atingem parcialmente seus objetivos. Existe hoje uma maior
conscientização da necessidade de que aqueles com necessidades especiais sejam
incluídos na sociedade, por força de lei há uma maior participação deles em atividades
laborativas, na indústria, no comércio e nos próprios órgãos estatais.
Elizabeth Brito Pereira
5338
Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino
Cumpre ressaltar que a inclusão do surdo na escola regular não se limita apenas
em matriculá-lo, mas em rever toda estrutura dessa escola, passando desde a capacitação
do corpo docente até as mudanças atitudinais por parte de todos aqueles que a formam.
As informações colhidas na presente pesquisa mostram que ainda há um longo
caminho a ser percorrido para que a inclusão aconteça da forma prevista nas leis que a
regulam.
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______, Decreto nº 5626/05. Brasília/2005
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5339
Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino
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Elizabeth Brito Pereira
5340
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
EDUCAÇÃO PARA A VELHICE BEM-SUCEDIDA:
REFLEXÕES SOBRE O ENVELHECIMENTO
HUMANO NA ESCOLA
Everaldo Robson de Andrade
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola
EDUCAÇÃO PARA A VELHICE BEM-SUCEDIDA: REFLEXÕES SOBRE O
ENVELHECIMENTO HUMANO NA ESCOLA.
Everaldo Robson de Andrade
Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN
Pesquisador do Grupo de Estudo Corpo e Cultura de Movimento – GEPEC
RESUMO: As reflexões contidas neste texto é um recorte da nossa tese de doutorado,
em fase de conclusão, intitulada História de idosos: sementes para cultivarmos uma
educação para velhice bem-sucedida, que refletiu sobre o envelhecimento a partir da
história de vida de dez idosos considerados bem-sucedidos . Discutimos, neste artigo, a
temática da velhice levando em consideração que está fase da vida pode ser vivida de
modo bem-sucedido. Ponderamos, ainda, sobre como a educação formal pode incluir a
temática do envelhecimento bem-sucedido em seus diferentes componentes curriculares
de modo que as crianças, os jovens e os próprios idosos compreendam que a velhice e
uma fase da vida como qualquer outra, na qual as inevitáveis perdas decorrentes,
principalmente, do natural declínio das nossas reservas de ordem biológica por ocasião
do envelhecimento não justificam as atitudes de preconceito e descriminação que,
comumente, são direcionadas aos idosos em nossa sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Políticas Públicas. Adaptação Curricular. Inclusão. Surdo.
Libras.
As reflexões contidas neste texto é um recorte da nossa tese de doutorado, em
fase de conclusão, intitulada História de idosos: sementes para cultivarmos uma
educação para velhice bem-sucedida, que refletiu sobre o envelhecimento a partir da
história de vida de dez idosos considerados bem-sucedidos . Discutimos, neste artigo, a
temática da velhice levando em consideração que está fase da vida pode ser vivida de
modo bem-sucedido. Ponderamos, ainda, sobre como a educação formal pode incluir a
temática do envelhecimento bem-sucedido em seus diferentes componentes curriculares
de modo que as crianças, os jovens e os próprios idosos compreendam que a velhice e
uma fase da vida como qualquer outra, na qual as inevitáveis perdas decorrentes,
Everaldo Robson de Andrade
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Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola
principalmente, do natural declínio das nossas reservas de ordem biológica por ocasião
do envelhecimento não justificam as atitudes de preconceito e descriminação que,
comumente, são direcionadas aos idosos em nossa sociedade.
Reflexões introdutórias:
Muito embora saibamos que o envelhecimento humano é uma realidade natural e
universal que faz parte da própria condição de estarmos vivos, este processo ainda é um
fenômeno que necessita ser melhor compreendido, sobretudo porque as diferentes
teorias que buscam explicá-lo - ora o relacionando a fatores genéticos-biológicos ora a
determinantes sócio-culturais – ainda não foram capazes de responder às crescentes e
constantes indagações suscitadas sobre o fenômeno em discussão. Nesse sentido, se
torna difícil responder com precisão questões do tipo: o que é o envelhecimento? porque
envelhecemos? ou ainda, o que caracteriza o processo de envelhecimento?
Compreendemos que não há uma única resposta que atenda satisfatoriamente
cada uma das indagações anteriormente levantadas. Contudo, entendemos que para uma
reflexão substancial sobre o envelhecimento devemos conjugar, em um único contexto,
os indicadores culturais, sociais, biológicos e psicológicos, todos influenciadores do
natural processo de envelhecer, ou seja, sustentamos a idéia de que o envelhecimento é
um processo complexo e, como tal, deve ser estudado e/ou compreendido levando-se
em considerações todos os aspectos que o determina. Assim sendo, mesmo que ao
envelhecermos algumas alterações orgânicas, morfológicas e funcionais sejam
evidenciadas - como por exemplo, cabelos brancos, diminuição do vigor físico, pele
enrugada, entre outras - estas não se configuram como os únicos indicadores do
envelhecimento humano. Diríamos, portanto, que o processo ora analisado é vivenciado
de maneira extremamente diversificada pelos indivíduos que a ele estão submetidos,
além de estar relacionado à história de vida de cada um deles.
A teoria do curso de vida e velhice bem-sucedida
Sustentamos a compreensão de que a velhice pode ser vivida de diferentes
maneiras, nos detemos, nesse estudo, na reflexão sobre esse fenômeno, à luz de uma
Everaldo Robson de Andrade
5345
Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola
visão particular do que seja envelhecer: o envelhecimento bem-sucedido. Para tanto, nos
apoiamos, sobretudo, na teoria do curso de vida, em especial, nos estudos desenvolvidos
sobre esse assunto pelo grupo de pesquisadores liderado pelo alemão Paul Baltes que
compreende o envelhecimento humano como sendo uma realidade contextualizada,
histórica e cultural.
De acordo com Baltes e Baltes (1990) a idéia do curso de vida para o estudo do
envelhecimento humano possibilita superar a visão que tradicionalmente vem sendo
delineada a respeito da velhice, que comumente a considerada como uma fase de perdas
e decadência. Nesse sentido, a teoria do curso de vida, que se desenvolveu a partir da
década de 1970, tem orientação dialética e representa uma mudança em relação às
concepções tradicionais destinadas a explicar tal processo, pois a teoria do curso de vida
defende a idéia de que a velhice apresenta um equilíbrio entre ganhos e perdas. Os
mesmos autores atestam, ainda, que durante a velhice mantemos preservado nosso
potencial pessoal de desenvolvimento, e este obedece a limites da plasticidade
individual que se relaciona a aspectos ambientais, sociais e históricos que são
pertinentes a cada indivíduo.
De acordo com Baltes e Baltes (1990) a velhice bem-sucedida, na perspectiva do
curso de vida, parte das seguintes proposições: existem importantes diferenças entre o
envelhecimento normal, o envelhecimento ótimo e o envelhecimento patológico1; a
velhice é uma realidade heterogênea que depende das circunstâncias históricas e
culturais de cada individuo; o idoso, considerando a sua plasticidade individual,
permanece potencialmente apto para o desenvolvimento; existem perdas na plasticidade
comportamental ou adaptabilidade; na velhice o conhecimento especializado e o uso da
tecnologia podem compensar os déficits das funções intelectuais básicas que estão
relacionadas ao avanço da idade; na velhice ocorre uma redução no equilíbrio entre os
ganhos e as perdas.
O equilíbrio entre perdas e ganhos como importante elemento definidor do
envelhecimento bem-sucedido é orquestrado pelo processo adaptativo que envolve as
três categorias: a seleção, a otimização e a compensação. A seleção diz respeito à
capacidade do indivíduo focalizar sua atenção naqueles domínios nos quais os déficits
funcionais são mais acentuados. A seleção requer uma redução ou restrição no número
Everaldo Robson de Andrade
5346
Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola
de atividade com a conseqüente reorganização dos objetivos pessoais no sentido de
priorizar os aspectos mais importantes na vida cotidiana. O mecanismo de otimização
consiste em um esforço pessoal que envolve recursos internos e externos com o objetivo
de expandir ou aprimorar as capacidades individuais úteis na superação das perdas
decorrentes do processo de envelhecimento. A compensação relaciona-se à otimização e
se caracteriza pela conquista ou ativação de novas estratégias, internas ou externas,
como forma de compensar as perdas funcionais que são decorrentes do envelhecimento
(BALTES; BALTES, 1990).
Compreendemos, portanto, que velho bem-sucedido é aquele indivíduo que
encontra mecanismos adaptativos que permitem o equilíbrio entre os ganhos e as
perdas, que são comuns ao sujeito que envelhece, de modo a proporcionar o bem-estar
físico, psicológico e social. A velhice bem-sucedida se caracteriza pela disponibilidade
de nos mantermos envolvidos com a vida; pela capacidade de manutenção das
capacidades funcionais, inclusive cognitiva, e com a vivência em práticas corporais que
permitam um bom estado saúde.
Elementos para pensarmos uma educação para a velhice bem-sucedida.
Compreendemos que tanto as experiências educativas vividas dentro do
ambiente escolar quanto fora dele, são fatores preponderantes para a viabilização da
velhice bem-sucedida. Entendemos, também, que toda educação ou ação educativa tem
como conseqüência a geração de aprendizado e que este só é possível na convivência
com o outro. Dito de outro modo, afirmamos que:
O educar se constitui no processo em que a crianças ou o adulto convive
com o outro e, ao conviver com o outro, se transforma espontaneamente,
de maneira que seu modo de viver se faz progressivamente mais
congruente com o do outro no espaço de convivência. O educar ocorre,
portanto, todo o tempo de maneira recíproca (MATURANA, 1998, p. 29)
Pelo exposto, acreditamos que uma educação direcionada para a velhice bemsucedida deve pautar-se no oferecimento de ações pedagógicas que incentivem e
propiciem a criação de espaços de convivência entre as pessoas, pois, somente assim,
conseguirá alcançar seus objetivos, nesse caso específico permitir aos indivíduos
condições necessárias pra uma viver bem-sucedido durante todo o seu processo de
Everaldo Robson de Andrade
5347
Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola
envelhecimento. Contudo, destacamos que a convivência que consideramos essencial
para a viabilização de uma educação para a velhice bem-sucedida deve ser caracterizada
pela interação harmoniosa entre as pessoas, na qual o respeito recíproco seja observado.
Cabe esclarecer que entendemos que “o respeito por si mesmo e pelo outro surgem nas
relações de aceitação mútua e no encontro corporal, no âmbito de uma confiança mútua
e total (MATURANA; VENDER-ZÖLLER, 2004, p. 21).
Ressaltamos, ainda, que a aceitação e a confiança entre os envolvidos em
qualquer que seja o processo educativo concorre para o surgimento de sentimentos de
afeição, respeito e amor, essenciais para que indivíduos aprendam a conviver em
harmonia. Nesse sentido, entendemos que os tais sentimentos são cultivados durante
toda a nossa história de vida, ou seja, relações de afeto e de amor é uma condição
cultural, e como tal deve ser aprendida. Tal perspectiva justifica-se quando
identificamos que
[...] os seres humanos não são ‘naturalmente’ tão solidários quanto
parecem supor nossos sonhos de uma sociedade justa e fraternal. Por
isso,não convém colocar num segundo plano, ou no rol dos pressupostos
tácitos, o complicado problema da educação - melhor dito: da
conversação! -, individual e coletiva, imprescindível para que existam
predisposições para uma solidariedade afetiva, já que está não conta como
‘instintos naturais’ adequados (ASSMANN, 1998, p.20).
Ao ressaltamos a convivência interpessoal, fundamentada no amor e na
aceitação mútua, como um dos principais fundamentos que devem alicerçar a educação
para a velhice bem-sucedida acentuamos que:
Não há educação sem amor. O amor implica luta contra o egoísmo. Quem
não é capaz de amar os seres inacabados não pode educar. [...] Quem não
ama não compreende o próximo, não o respeita (FREIRE, 1979, p. 29).
No que concerne à convivência interpessoal como promotora da aprendizagem
necessária para a velhice bem-sucedida, compreendemos que esse tipo de convivo deve
contemplar todos os sentidos. Ou seja, permitir que os indivíduos submergidos nesse
processo gerador de aprendizagem estejam corporalmente envolvidos. Isto porque,
entendemos que a aprendizagem é
Everaldo Robson de Andrade
5348
Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola
[...] antes de mais nada, um processo corporal. Que ela venha
acompanhada de sensação de prazer, não é de modo algum, um aspecto
secundário. [...] Quando esta dimensão está [o prazer] ausente vira um
processo meramente instrumental (ASSMANN, 1998, p. 29).
Desse modo, aceitar a aprendizagem como inscrição corporal implica acreditar
que as suposições investigativas que objetivam pensar sobre uma educação para velhice
bem-sucedida devem considerar as diferentes práticas corporais como estratégias de
promoção de convivência e, por conseguinte, que esta desperte o interesse, a alegria e o
prazer nos indivíduos que a vivenciam. Compreendemos, portanto, que uma educação
para a velhice bem-sucedida, além de considerar os encontros corporais, através de uma
convivência alegre e prazerosa, deve atentar, também, para os desejos, anseios, temores,
possibilidades e limites dos indivíduos que participam das ações educativas propostas.
Em outras palavras, queremos dizer que para o sucesso de uma educação para o
envelhecimento bem-sucedido aconteça o primeiro passo a ser dado é considerar os
indivíduos como atores principais, envolvendo-os em todo o processo de ensino e
aprendizagem. Tal perspectiva torna-se importante pelo fato das pessoas serem
diferentes e possuírem objetivos, competências e particularidades individuais que
necessitam serem observadas para possam apreender de acordo com suas
potencialidades. Assim sendo, entendemos que a educação se constitui numa
[...] busca realizada por um sujeito que é homem. O homem deve ser o
sujeito de sua própria educação. [...] Essa busca deve ser feita com os
outros seres que também procuram ser mais e em comunhão com outras
consciências, caso contrário se faria de umas consciências, objetos de
outras (FREIRE, 1979, p.27-28).
Compreendemos
que a observância freiriana sobre a necessidade dos
sujeitos buscarem contatos sociais que viabilizem sua própria aprendizagem, torna-se
fundamental para pensarmos uma educação para a velhice bem-sucedida. Isto porque
entendemos que essa modalidade educativa deve conceber os idosos como sujeitos
capazes de decidir e gerenciar sua própria vida, inclusive escolhendo quais os processos
de aprendizagens que pretendem se envolver. Tal escolha, no entanto, não deve ser feita
mediante imposição ou pelo desejo em atender a necessidades de outros, como por
exemplo, professores e familiares.
Everaldo Robson de Andrade
5349
Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola
Sobre a aprendizagem, é importante, ainda, destacar que a compreendemos
como um processo que acontece durante toda a vida, e por isso reforçamos a nossa idéia
de que o idoso também aprende, confirmando, assim, o aforismo: “viver é conhecer
(viver é ação efetiva no existir como ser vivo)” (MATURANA; VARELA, 2001, p.
194). Em outras palavras,dizemos que a capacidade de aprender não se extingue com a
velhice, uma vez a aprendizagem é um processo permanente e coexistente com o nosso
próprio viver. A compreensão da aprendizagem como um processo que acontece
durante toda a vida nos encoraja a pensar em ações educativa voltadas para a velhice
bem-sucedida, pautadas, sobretudo, no estímulo da convivência interpessoal, no sentido
de que é possível, tanto os idosos quanto os não-idosos, aprenderem ser velhos bemsucedidos.
Ao analisarmos as histórias de vida dos idosos que entrevistamos por ocasião da
nossa pesquisa
de doutoramento identificamos significativos elementos que
consideramos importantes de serem observados na perspectiva de uma educação
direcionada para a velhice bem-sucedida. Em outras palavras: os idosos que fazem parte
da nossa tese, considerados bem-sucedidos, vivenciam e/ou vivenciaram processos
educativos que fazem com que esses indivíduos possuam indicadores que consideramos
fundamentais para a viabilidade da velhice bem-sucedia, como por exemplo: autoestima elevada; alto grau de autonomia e independência; participação ativa em
atividades de lazer, trabalho e demais relacionamentos sociais; e, ainda, são pessoas que
conhecem e aceitam suas possibilidades e limites.
No que se refere à auto-estima, consideramos que os idosos que investigamos
apresentam apreço e valorização por si mesmos, o que nos revela possuírem uma
elevada auto-estima, esta aqui entendida como sendo
[...] a opinião que se tem de si mesmo e baseia-se em vários indicadores ,
tais quais o valor como pessoa, as conquistas, o trabalho, a percepção
como os outros nos vêem, o propósito da vida, as fraquezas e forças
pessoais, o status social e relação com os outros, e o grau de
independência (GUIMARÃES, 2006, p.85).
Acreditamos que as experiências educativas de caráter desafiador permitem que
os idosos se sintam ainda capazes de realizar novas conquistas, e isto auxilia para que
esses indivíduos compreendam que a velhice não é uma fase inferior da vida.
Consideramos que “acreditar-se capaz” é uma atitude fundamental para a elevação da
Everaldo Robson de Andrade
5350
Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola
auto-estima dos idosos. Compreendemos, portanto, que o amor-próprio dos idosos pode
ser engrandecido à medida que estes indivíduos possam participar de vivências
corporais que lhe permitam a superação dos seus limites pessoais, fato este que
concorrerá para o conseqüente aumento da confiança que mantêm em si mesmo.
Entendemos, portanto, implementar ações educativas que promovam a auto-estima do
idoso é importante, por sabermos que a baixa auto-estima “tem um impacto negativo no
estoque de saúde, até porque provoca sentimento de perda de propósito para com a vida,
o que não motiva qualquer investimento em si” (GUIMARÃES, 2006, p.85).
Pelo exposto, entendemos que a educação para a velhice bem-sucedida deve
oferecer aos idosos ações educativas com exigências e objetivos diversificados, de
modo que todos possam vivenciar situações de aprendizagem que não estejam aquém
dos seus limites, nem tão pouco lhe exijam competências que estão além das suas
possibilidades. Isto porque, para vivermos uma velhice bem-sucedida torna-se
primordial sabermos equilibrar perdas e os ganhos que são inerentes a essa fase da vida
(BALTES; BALTES, 1990).
Assim sendo, afirmamos, intervenções educativas que não atentam para as reais
possibilidades dos idosos tendem ao fracasso, influenciando, inclusive, negativamente
para a permanência desses indivíduos nas atividades programadas.
Outro indicativo que avaliamos importante encontrado nas histórias de vida dos
idosos que fazem parte da nossa pesquisa de doutorado diz respeito à autonomia e
independência que esses indivíduos vivenciam na atual fase de suas vidas. Ao falarmos
de autonomia estamos nos referindo a “habilidade de controlar, tomar e arcar com
decisões pessoais sobre como se deve viver diariamente de acordo com suas próprias
regras e preferências” (OMS, 2002, p.15). Por sua vez, compreendemos por
independência como sendo
a habilidade de executar funções relacionadas a vida diária – isto é, a
capacidade de viver independentemente na comunidade com alguma ou
nem ajuda de outros (OMS, 2002, p.15).
Ao analisarmos os conceitos de autonomia e independência propostos
anteriormente identificamos certa semelhança entre as duas definições. Porém,
destacamos que as capacidades inerentes ao indivíduo autônomo estão relacionadas a
fatores subjetivos, como por exemplo, decidir de modo consciente do que fazer do seu
Everaldo Robson de Andrade
5351
Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola
tempo livre, ou ainda, ser capaz de emitir opiniões sobre situações relacionadas ao
contexto social no qual atua. Todavia, observamos que a independência encontra-se
atrelada a indicadores objetivos, como por exemplo: ser capaz de manter a higiene
pessoal, se alimentar e fazer compras.
Em nosso estudo verificamos que os velhos podem, sim, continuarem
executando tarefas da vida diária com grau de autonomia e independência bem próximo
daquele apresentado em outras fases de suas vidas. Nesse sentido, por exemplo,
constatamos que a maioria dos idosos que investigamos movimentam suas contas
bancárias e se locomovem sozinhos para ir ao médico, fazer supermercado, entre outras
tarefas. Do mesmo modo, estes mesmos indivíduos continuam a tomar decisões sobre
aspectos subjetivos de suas vidas, como por exemplo, decidir em continuar ou mercado
de trabalho; ou ainda, escolher o destino turístico a ser visitado.
Ainda no que se refere à autonomia e independência pudemos observar que
grande parte dos idosos que estudamos se envolvem regularmente em algum tipo de
atividade física. Compreendemos que o envolvimento em atividades dessa natureza se
constitui em um importante elemento influenciador para fazer desses sujeitos pessoas
autônomas e independentes, principalmente no que refere à mobilidade corporal.
Ao refletirmos sobre a autonomia e independência dos idosos, a partir dos
indicativos presentes na história de vida dos sujeitos que investigamos, entendemos que
a educação para a velhice bem-sucedida deve incluir como uma de suas metas, ações
que desperte o interesse dos idosos para a prática regular de atividade física, uma vez
que, como já refletimos em partes anteriores deste texto, o envolvimento nesse tipo
vivência é considerado importante meio de manutenção da saúde e das valências físicas,
como por exemplo, a capacidade aeróbica, a força e a flexibilidade, condições
essenciais para que o idoso possa se locomover e realizar, desde as suas tarefas da vida
diária, como se alimentar e manter a sua higiene corporal, até aquelas mais complexas,
como controlar suas finanças, dirigir seus carros ou utilizar o transporte público para
acessar diferentes pontos da cidade (OKUMA, 1998; MATSUDO, 2001; DEPS, 1993).
Constamos, ainda, que os idosos que investigamos vivenciam na atual fase de
sua vida experiências educativas decorrentes de intenso envolvimento social que faz
parte da vida da maioria dos sujeitos que compõem a nossa tese. Assinalamos que os
idosos em questão são pessoas socialmente participativas, uma vez que observamos,
Everaldo Robson de Andrade
5352
Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola
através de seus depoimentos, que eles se envolvem em diferentes atividades sociais,
com a prática coletiva de atividade física, viagens de lazer em grupos de amigos, e, até
mesmo, participam regularmente de atividades relacionadas ao trabalho, quer seja
voluntário ou não. Entendemos, portanto, que as vivencias pessoais que colaboram para
o idoso permanecer socialmente ativo são fundamentalmente importantes por
contribuírem “para reforçar o sentimento de valor pessoal, facilitando o manejo de
situações estressantes com as quais o idoso se depara em decorrência do declínio de
suas forças físicas e perdas pessoais e financieiras” (DEPS, 1993, p. 64). A mesma
autora reforça a idéia, a qual também defendemos, de que tanto as atividades físicas
quanto as sociais desempenham efeitos preventivos e terapêuticos sobre as reações em
frente ao estresse e possíveis doenças que acometem o idoso nessa fase de sua vida.
Identificamos em nossa tese, o fato de poder participar ativamente do contexto
social do qual fazem parte é apontado pelos idosos como um importante meio de
satisfação e de desenvolvimento pessoal. Nesse sentido, os indivíduos que investigamos
nos confidenciam que o fato de conviverem com um maior do número de pessoas, em
diferentes espaços sociais, como por exemplo, no trabalho e nas turmas de
hidroginásticas, permite a ampliação no número de amigos e o conseqüente aumento
das possibilidades de envolvimento em atividade não pensadas por eles até então.
Compreendemos que a educação para a velhice deve incluir em suas metas o
desenvolvimento de atividades, que estimulem e favoreçam a interação social dos
idosos, uma vez que entendemos que a participação desses indivíduos em diferentes
esferas sociais concorrerá para que eles saiam da reclusão de seus lares e vivenciem
experiências que lhes auxiliarão na conquista de uma velhice bem-sucedida.
Pelo exposto, reforçamos a nossa compreensão de que a educação para a velhice
bem-sucedida deve promover ações que estimulem a convivência social dos idosos.
Porém, compreendemos que, se por um lado é inegável a importância dos grupos de
convivência específicos para idosos, por permitirem a troca de experiências entre
aqueles que compartilham das mesmas dificuldades e juntos encontrarem meios que os
permitam a superação dos desafios apresentados na atual fase das suas vidas,
entendemos, por outro lado, que a convivência social na velhice não deve ser exclusiva
entre indivíduos da mesma faixa etária. Ou seja, entendemos que as relações
Everaldo Robson de Andrade
5353
Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola
intergeracionais podem se constituir em uma exemplar oportunidade de crescimento na
velhice. Isto porque, este tipo de convivência permite
[...] o estabelecimento de vínculos afetivos, o reconhecimento do outro
como pessoa e suas particularidades, possibilitando a quebra de
estereótipos por ambas as partes e facilitando o estabelecimento de
interações profundas e verdadeiras” (SANTOS, 2003, p.51).
Ressaltamos que em nossa compreensão as relações intergeracionais não são
salutares apenas para os idosos que delas participam. Dito de outra forma: entendemos
que o convívio entre gerações proporciona desenvolvimento pessoal, tanto para os
velhos quanto para as crianças e os jovens que constituem o relacionamento em questão.
Nesse sentido, compactuamos com o pensamento de Oliveira (1999), que, ao estudar o
cotidiano de cinco avós e oito netos, reuniu indícios significativos que apontam para a
viabilidade de uma educação co-participativa, decorrente do relacionamento
instergeracional. A educação co-participativa é entendida pelo referido autor como
sendo um processo através do qual os velhos e as crianças aprendem e ensinam
mutuamente, sendo que isto acontece nos pequenos gestos do dia-a-dia. Assim sendo:
Não é apenas uma geração que dá algo de si enquanto a outra,
passivamente, fica sendo receptora inerte das dádivas. Um convívio de
gerações, nesta perspectiva, não comporta linearidade e, portanto, não se
resume na passagem de sabedorias dos velhos para as crianças. Estas,
mesmos que nem que sequer saibam, também pode transmitir muito às
gerações mais velhas (OLIVEIRA, 1999, p. 26).
Ao destacarmos a importância dos relacionamentos intergeracionais tanto para
desenvolvimento de idosos quanto para as crianças e jovens, confiamos que educação
para a velhice bem-sucedida deve direcionar sua atenção também para os indivíduos
não-idosos, na perspectiva de que estas pessoas necessitam aprender desde a mais tenra
idade, que a velhice faz parte da vida, e que necessitamos aprender, no presente, a
sermos, no futuro, velhos bem-sucedidos.
Compreendemos que ensinar a ciclocidade da vida se constitui em um dos
principais objetivos da educação para a velhice bem-sucedida, perspectivando o
atendimento das pessoas não-idosas. Esse público deve aprender, por exemplo, que o
viver humano é composto por fases, nas quais estamos sujeitos aos limites e as
possibilidades que são inerentes a cada uma delas. As experiências educativas
Everaldo Robson de Andrade
5354
Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola
idealizadas nesse sentido devem, também, ser capazes de permitir que os sujeitos
entendam que estas diferentes etapas do viver não devem obedecer à ordem da
hierarquização, principalmente ensinando-os que não há fase melhor ou superior que
outra, no sentido de que todas devem ser vividas com a intensidade que lhe é permitida
e, sobretudo, que em cada uma delas estamos predispostos ao desenvolvimento e a
aprendizagem.
Ao reafirmarmos a importância de uma educação para a velhice bem-sucedida
tanto para os idosos quanto para os não–idosos objetivamos a viabilidade de uma
velhice autônoma, independente, socialmente ativa e na qual o idoso seja feliz e
conhecedor dos seus limites e possibilidades pessoais, de modo que permita aos jovens
e crianças compreendam que o seu próprio corpo passará por contínuas transformações
que fazem parte do natural processo de desenvolvimento e envelhecimento, e que, por
isso mesmo, necessitam aceitar e entender que a velhice é inerente à própria vida.
Indagamos, portanto: como a educação escolarizada pode incluir em seu fazer
pedagógico ações favorecedoras da educação para a velhice bem-sucedida?
Antes mesmo de tentar responder a questão suscitada, defendemos que,
legalmente a temática do envelhecimento humano já deveria fazer parte das discussões
problematizadas nos diferentes níveis que compõem a educação em nosso país, visto
que, de acordo com a Lei Federal 8842/94, no seu Art. 10, determina que uma das
competências dos órgãos e entidades públicas é “inserir nos currículos mínimos, nos
diversos níveis do ensino formal, conteúdos voltados para o processo de
envelhecimento, de forma a eliminar preconceitos e a produzir conhecimentos sobre o
assunto” (BRASIL, 1994). Porém, entendemos que, mesmo já sendo prerrogativa oficial
que a temática do envelhecimento humano se faça presente no cotidiano das escolas
localizadas em território nacional, este ainda é um assunto que, efetivamente, pouco se
discute no âmbito da educação escolarizada em nosso país.
Sobre a relação estabelecida entre a educação para a velhice bem-sucedida e a
escola, entendemos que não apenas a temática do envelhecimento, mas também o
próprio idoso, poderia ser incluído no espaço escolar, perspectiva esta favorecedora
tanto para a discussão de subsídios teóricos a respeito da velhice, como também para a
instalação de um espaço de convivência intergeracioal, considerado por nós uma
significativa oportunidade geradora de aprendizagens recíprocas.
Everaldo Robson de Andrade
5355
Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola
Consideramos a possibilidade de discussão e problematização da velhice e do
envelhecimento pelos diferentes componentes curriculares, de acordo com as
especificidades pertinentes aos conteúdos de cada disciplina, como outra importante
iniciativa que viabilizaria a efetivação de ações pedagógicas direcionadas para a velhice
bem-sucedida. Tal perspectiva nos ajuda a responder o questionamento feito
anteriormente, qual seja, como a escola poderia problematizar ações educativas, de
modo a favorecer a velhice bem-sucedida. Nesse sentido, entendemos que um dos
caminhos possíveis seria compreender o envelhecimento numa perspectiva de
transversalidade, ou seja, uma temática que perpassasse as diferentes disciplinas que
compõem o currículo escolar, inclusive a educação física.
O envelhecimento humano, como tema transversal, justifica-se, pela importância
que essa temática representa nos dias atuais, suscitando interesse e conseqüências em
diferentes esferas do viver humano, e por isso mesmo devendo ser estudado por áreas
do conhecimento como a biológica, a social e econômica.
Considerações finais
Pelo exposto, confiamos que o envelhecimento humano ser problematizado
pelos diferentes componentes curriculares no espaço escolar, permitirá a compreensão
da velhice como uma realidade multifacetada e que é inerente à própria vida.
Acreditamos que a aceitação desse fato contribui para que, tanto crianças como os
jovens e os próprios idosos, posam se interessarem em vivenciar experiências que lhes
permitam aprender a serem velhos e velhas bem-sucedidos e, sobretudo, favorecer a
implantação de um novo modos de pensarmos a velhice, desta feita não mais como uma
condição na qual a reclusão no ambiente doméstico se apresente com única
possibilidade.
Referências
ASSMAN, Hugo. Reencatar a educação: rumo á sociedade aprendente. Vozes: Rio de
Janerio, 1998.
Everaldo Robson de Andrade
5356
Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola
BALTES, Paul; BALTES, Margret. Successful aging: perspective from the behavioral
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bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Parlas Athenas, 2001.
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Humberto; VENDER-ZÖLLER, Gerda (Org.) Amar e brincar: fundamentos esquecidos
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vida cotidiana. São Paulo: Hucitec-Fapesp, 1999.
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Everaldo Robson de Andrade
5357
Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola
SANTOS, Silvia Maria Azevedo. Infância e velhice: o convívio que nos abre caminhos.
GUSMÃO, Neusa Maria Mendes (Org). Infância e velhice. Campinas: Alínea, 2003
Everaldo Robson de Andrade
5358
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
ADAPTAÇÕES CURRICULARES: UMA
NECESSIDADE PARA A INCLUSÃO ESCOLAR
DE ALUNOS SURDOS
Francileide Batista de Almeida Vieira
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos
ADAPTAÇÕES CURRICULARES: UMA NECESSIDADE PARA A INCLUSÃO
ESCOLAR DE ALUNOS SURDOS
Francileide Batista de Almeida Vieira
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
RESUMO: A inclusão escolar de alunos surdos requer, por parte dos educadores e
gestores, uma postura pautada por parâmetros que favoreçam a aprendizagem e o
desenvolvimento de todos. As adaptações curriculares são medidas que dão sustentação
à necessidade de um currículo comum, mas que considera e respeita as diferenças
individuais. O presente trabalho faz uma abordagem sobre a importância e a
necessidade da realização de adaptações por parte das escolas regulares que trabalham
em uma perspectiva inclusiva. Os dados apresentados estão relacionados a um dos
objetivos de nossa pesquisa de mestrado, que consiste em analisar as adaptações
curriculares realizadas por professores dos anos iniciais do ensino fundamental, que
trabalham com alunos surdos em classes regulares. A investigação se deu em uma
escola pública regular, localizada no município de Assu-RN, tendo como opção
metodológica a abordagem qualitativa do tipo etnográfico. Os instrumentos adotados
para a coleta de dados foram a observação participante, a entrevista semi-estruturada e a
análise de documentos. Na realidade investigada pudemos perceber que os professores e
a escola realizavam poucas adaptações para que os alunos surdos conseguissem, de fato,
ter acesso ao currículo. Por isso, não se beneficiavam daquilo que é seu direito
inalienável na escola, a aprendizagem.
PALAVRAS-CHAVE: Adaptações curriculares. Inclusão. Alunos surdos.
1 INTRODUÇÃO
A educação inclusiva objetiva superar a segregação entre os educandos,
possibilitando-lhes o convívio comum, o acesso ao mesmo currículo e idênticas
oportunidades educativas, independentemente das características individuais. Consoante
essa prerrogativa, encontramos em Stainback e Stainback (1999, p. 21) a compreensão
de que “o ensino inclusivo é a prática da inclusão de todos – independentemente de seu
talento, deficiência, origem socioeconômica ou origem cultural – em escolas e salas
provedoras, onde todas as necessidades dos alunos são satisfeitas”. Assim, a inclusão
Francileide Batista de Almeida Vieira
5362
Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos
escolar de alunos com necessidades educacionais especiais, como é o caso de alunos
surdos, requer, por parte dos educadores, uma postura pautada por parâmetros que
favoreçam a aprendizagem e o desenvolvimento de todos.
O presente texto faz uma abordagem sobre a importância e a necessidade da
realização de adaptações por parte das escolas regulares que trabalham numa
perspectiva inclusiva, compreendidas não apenas como aquelas que realizam a
matrícula de todos os alunos que a buscam, mas àquelas que, tendo estes alunos
matriculados, envolvem-se e mobilizam-se para possibilitar-lhes o saber, a fim de que se
sintam verdadeiramente integrantes de um grupo comum. O texto é um recorte de nossa
pesquisa realizada durante o mestrado, em que buscamos compreender de que modo os
professores têm desenvolvido a sua prática pedagógica, numa perspectiva inclusiva,
frente a alunos com surdez.
A pesquisa teve como opção metodológica a abordagem qualitativa, do tipo
etnográfico, respaldados teoricamente em BOGDAN e BIKLEN (1994); MINAYO
(1999); ANDRÉ (2005); TRIVIÑOS (1987), dentre outros. Utilizamos, como
instrumentos de coleta de dados, a observação participante, a entrevista semi-estruturada
e a análise de documentos, tendo como sujeitos quatro professores das séries iniciais do
Ensino Fundamental de uma escola pública regular da rede estadual de ensino,
localizada no município de Assu-RN.
Os dados analisados neste texto se se referem a um dos objetivos que traçamos
em nossa pesquisa, que consiste em analisar as adaptações curriculares realizadas tanto
em nível escolar quanto pelos professores, visando à aprendizagem dos alunos surdos.
2 PRÁTICA PEDAGÓGICA E ADAPTAÇÕES CURRICULARES
A partir das considerações de Zabala (1998), podemos definir a prática
pedagógica como uma atividade profissional, educativa, que envolve variáveis, tais
como: seqüências didáticas, planejamento, papel do professor e dos alunos, organização
social da aula, utilização dos espaços e do tempo, organização do conteúdo, materiais
curriculares e outros recursos didáticos, além da avaliação. Todos esses elementos são
dotados de uma grande complexidade, tanto em número quanto em grau de interrelações que se estabelecem entre eles, o que requer do professor uma boa formação
Francileide Batista de Almeida Vieira
5363
Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos
para que possa controlar sua prática de uma forma consciente e racional. Mesmo
considerando tal complexidade, Zabala (1998, p. 15) diz que “[...] a melhora de
qualquer das atuações humanas passa pelo conhecimento e pelo controle das variáveis
que intervêm nelas”.
No campo educacional, percebemos um aumento significativo, no que se refere
ao ingresso de pessoas que têm deficiência aos espaços comuns de educação/ensino,
como classes e escolas regulares. Entretanto, tal acesso precisa ser acompanhado –
muitas vezes – de adaptações curriculares, como uma estratégia básica para dar resposta
à diversidade e para que se possam favorecer os meios necessários à permanência na
escola e ao sucesso escolar desse grupo de pessoas.
Não obstante, acentuamos que essas adaptações não devem representar uma
forma totalmente diferenciada de trabalho educativo, ofertado ao grupo de alunos com
alguma deficiência. Ao contrário, a esses educandos deve ser favorecido o mesmo
currículo proposto aos demais alunos de sua classe. Para tanto, é necessário acionar os
meios que, efetivamente, possibilitem a permanência, com qualidade, do aluno na
escola e seu acesso a esse currículo.
Entendemos por currículo “o conjunto de experiências (e sua planificação) que a
escola, como instituição, põe a serviço dos alunos com o fim de potenciar o seu
desenvolvimento integral” (MANJÓN, 1995, p. 53). Sendo uma construção histórica e
cultural de cada estabelecimento de ensino, o currículo não pode ser visto como algo
fechado ou fixo, mas como um instrumento participativo, resultante das aspirações
socioculturais de um determinado grupo, que traduz a importância da diversidade na
escola e responda à sua real demanda.
Carvalho (1999) aponta que, quando a escola regular não permite o acesso do
aluno que apresenta alguma diferença às situações educacionais comuns, ou seja, que
são propostas aos demais colegas, pode ocorrer uma série de dificuldades. Sempre que
um aluno apresenta necessidades especiais, estas devem ser atendidas por meio do
currículo regular, com as devidas adaptações, sempre que se fizer necessário.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999) orientam que as
adaptações curriculares constituem possibilidades educacionais de atuação diante das
dificuldades de aprendizagem dos alunos. Como já enfatizamos anteriormente, isso
Francileide Batista de Almeida Vieira
5364
Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos
pressupõe a realização de adaptações no currículo comum, quando necessário, para
torná-lo apropriado às peculiaridades dos alunos com necessidades especiais.
No que concerne ao currículo escolar, as adaptações referem-se a medidas de
ajuste do currículo como um todo, que não necessariamente precisam resultar em
adaptações individualizadas. Devem focalizar, especialmente, a organização escolar e os
serviços de apoio, que se efetivarão em condições estruturais para que possam ocorrer
no nível da sala de aula. No nível individual ocorrerá quando for necessária uma
programação específica para o aluno. Essas decisões curriculares devem envolver a
equipe da escola para avaliar e identificar as necessidades especiais e providenciar o
apoio correspondente para o professor e para o aluno, evitando, ao máximo, transferir
responsabilidades de atendimento para profissionais fora do âmbito escolar ou exigir
recursos externos à escola.
Sobre o desenvolvimento desse currículo na sala de aula, as medidas são
realizadas pelo professor e destinam-se, principalmente, à programação das atividades
desenvolvidas na classe. Centram-se na organização e nos procedimentos didáticopedagógicos. Essas adaptações têm o objetivo de possibilitar a real participação do
aluno e a sua aprendizagem no ambiente da escola regular. Leva-se em conta, também,
a organização do tempo, incluindo as atividades destinadas ao atendimento
especializado fora do horário normal de aula, quando é necessário ao aluno.
Por fim, no nível individual, as adaptações estão relacionadas à atuação do
professor na avaliação e no atendimento do aluno. Cabe a ele definir o nível de
competência curricular do educando e a identificação de fatores que interferem no seu
processo de aprendizagem. Essas adaptações distinguem-se em duas categorias:
adaptações de acesso ao currículo e adaptações nos elementos curriculares.
As adaptações de acesso ao currículo correspondem ao conjunto de
modificações nos elementos físicos e materiais do ensino, como também aos recursos
pessoais do professor e seu preparo para o trabalho com os alunos. Já as adaptações nos
elementos curriculares referem-se às formas de ensinar e avaliar, como também aos
conteúdos a serem trabalhados. Compreendem as alterações realizadas nos objetivos,
conteúdos, critérios e procedimentos de avaliação, atividades de metodologias para
atender às diferenças individuais dos alunos.
Francileide Batista de Almeida Vieira
5365
Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos
Sassaki (2003) também faz referência à necessidade de adaptação nas salas
comuns para proceder à inclusão de alunos com deficiência. Segundo ele, as adaptações
devem ser feitas sem ostentação e com muita boa vontade dos profissionais e, de forma
alguma, deve-se dar ênfase à deficiência, nem tampouco negá-la.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
3.1 Adaptações realizadas em âmbito escolar
Na escola investigada, uma das principais adaptações realizadas, que pode ser
considerada de grande porte, foi a implantação da Sala de Apoio Pedagógico
Especializado, solicitada pela direção. Em decorrência da implantação dessa sala, duas
professoras foram designadas para desenvolver suas atividades profissionais, apoiando o
trabalho dos demais professores e oferecendo serviços especializados para os alunos que
deles necessitam. Outra medida decorrente da implantação da Sala de Apoio foi a
aquisição de materiais específicos para a realização de atividades pedagógicas, tais
como jogos, dicionários em Libras, vídeos e computador. Uma outra ação concretizada,
que pode ser assinalada como adaptação de grande porte, foi a realização do curso de
Libras, providenciado e organizado pela direção da escola, com o objetivo de apoiar os
professores no desenvolvimento de sua prática.
Um aspecto que gostaríamos de acentuar é que, ao analisarmos o PPP da escola,
considerado como o documento que traduz a linha filosófica, a missão, as metas e os
objetivos traçados pela escola, observamos que ele não contempla nenhuma referência à
inclusão escolar de alunos com deficiência. Nesse sentido, registramos que há uma
discrepância entre o PPP e a realidade escolar, sentimos que ainda há uma compreensão
restrita sobre a relevância de tal documento para a vida da escola. Diante da abertura
que a escola tem feito, no sentido de possibilitar o acesso de alunos com deficiência –
dentre os quais os alunos surdos – seria indispensável que esta temática estivesse
definida claramente, na fundamentação filosófica, na missão, nas metas e nos objetivos
traçados pela escola, inclusive com previsão de adaptações necessárias, tanto
administrativa, quanto financeira e pedagogicamente.
Durante as entrevistas, perguntamos se havia algum trabalho sistemático
desenvolvido pela escola, que incluísse a equipe gestora e/ou pedagógica considerando
Francileide Batista de Almeida Vieira
5366
Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos
a presença das alunas surdas como também, de outros alunos com deficiência que se
encontravam matriculados. Sobre essa questão, as professoras fizeram as seguintes
considerações:
Não. Só tem aquela sala de apoio, mas aquela sala de apoio não está
funcionando nem pra nós, professores – porque eu acho que também
devia ser para nós – e nem para os alunos. Porque é assim... elas dizem
que funciona. Eu digo: não, mulher, não diga a mim que funciona, sabe
por quê? Porque se ela funcionasse. Eu já pedi. Por que vocês não
levam Juliana pra lá, assim como levam outro aluno normal? (Janaina).
Mesmo que, durante a fala, a professora Janaina tenha deixado algumas frases
incompletas, pudemos inferir, tanto pelo próprio contexto da entrevista, como apoiados
por outros elementos percebidos durante as observações, que ela não está satisfeita com
a atuação da Sala de Apoio. Na sua compreensão, a referida sala está atendendo
somente aos alunos considerados normais, ou seja, aos alunos com dificuldades de
aprendizagem, deixando de prestar este serviço aos alunos com deficiência. Em
acréscimo, ela acentua que a sala também não está funcionando para os professores, ou
seja, não proporciona nenhum tipo de ajuda para que esses profissionais trabalhem com
alunos surdos.
Ainda sobre o mesmo aspecto, a professora Solange disse que, na escola, não
existe nenhuma reunião para estudos e discussões sobre a prática pedagógica
desenvolvida em uma perspectiva inclusiva. Quando indagamos se a matrícula das
alunas surdas tinha desencadeado a organização de atividades dessa natureza, ela
reafirmou que não e acrescentou, ainda, as seguintes considerações:
O trabalho pedagógico que é desenvolvido com essa aluna está
resumido, aqui, a mim. Porque nesse ano de 2006 é que nós tivemos
aquele pequeno curso, mas por iniciativa da diretora, porque ela queria
colocar a educação especial aqui. Através disso foi que ela arranjou um
professor pra vir. Mas em nenhum momento mais houve (Solange).
Em primeiro lugar, queremos esclarecer que a professora se referiu ao curso
realizado na escola, sem explicar mais detalhes sobre ele porque sabia que nós tínhamos
tido a oportunidade de participar do referido curso. Ela estava se referindo a um curso
de Libras realizado durante o mês de maio, na escola.
Francileide Batista de Almeida Vieira
5367
Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos
Ainda sobre a fala da professora Solange, podemos perceber que ela afirma, por
mais de uma vez, que não há um trabalho coordenado pela equipe pedagógica, citando
apenas as iniciativas da diretora. Mesmo sendo composta por seis professores, a equipe
de apoio pedagógico ainda não vem desenvolvendo um trabalho que realmente
contribua para a melhoria da prática dos professores.
Indagamos, então, sobre o trabalho realizado pela equipe pedagógica, visando
contribuir para a melhoria do trabalho inclusivo da escola. Sobre esse aspecto, ouvimos
a seguintes afirmações:
A gente está deixando ainda muito a pecar neste aspecto. Porque a
gente ainda não tem, assim... A gente conversa. Não é semanalmente,
está sendo assim, diariamente. Quando o professor chega e diz: olha, eu
não estou conseguindo trabalhar com esse aluno, como é que eu faço?
A gente, as vezes a gente vai na sala de aula visitar [...]. A gente não
pára só com aquela professora. A gente pára quinzenalmente para fazer
o planejamento geral da escola, o planejamento diário da turma. Agora
nesse planejamento, também é perguntado, o que eu faço com aquela
criança? E a gente conversa. A gente ajuda assim, de acordo com as
possibilidades da gente (Jeane).
Não. A gente não tem assim, digamos, planejamentos só pra isso, e
estudos, grupo de estudos só pra essas coisas não. A menina da DIRED,
ela vem, ela dá apoio na Sala de Apoio Pedagógico, ela nos ajuda nos
nossos planejamentos e, no caso, caberia aos professores da sala de
apoio, dá esse apoio aos outros professores. Mas não em termos, assim,
de dar estudos. Porque a gente também não sabe tannnto pra dar
estudos (Cristina).
Assim, identificamos que tanto a professora Cristina, que atua na Sala de Apoio
Pedagógico Especializado, como a professora Jeane, que compõe a equipe de
supervisão, confirmaram que não existe, na escola, um trabalho sistemático que
contribua para a superação das dificuldades que surgem no cotidiano da escola,
principalmente no tocante ao trabalho empreendido pelas professoras que têm alunos
com deficiência incluídos nas suas salas de aula.
Entretanto, sabemos que esse trabalho precisa ser aperfeiçoado, pois não poderia
se dar da forma espontânea como elas narraram, conforme pudemos observar no
período da pesquisa. Ficou claro que não há reunião para a discussão de tais questões e
que, quando uma professora se sente angustiada, procura a supervisora, sendo que esta
vai à sala procurar saber o que a professora está precisando, oferecendo ajuda, de acordo
Francileide Batista de Almeida Vieira
5368
Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos
com suas possibilidades. Seria importante que a equipe de apoio pedagógico
proporcionasse condições para um aprofundamento teórico-prático, e procurasse atuar
de uma forma mais sistemática, dialogando com todos os professores e os demais
profissionais da educação que atuam na escola, já que o trabalho coletivo e a
colaboração, envolvendo o maior número de profissionais da escola e até agentes
externos, têm sido apontados como excelentes estratégias para o sucesso da educação
em uma dimensão inclusiva.
Para tanto, é necessário que haja muita reflexão sobre concepções e atitudes
relativas à inclusão, que deverão culminar com a adoção de uma nova visão sobre o
trabalho escolar, a aprendizagem e os aspectos sociais relativos à educação de todos os
alunos, inclusive daqueles que têm deficiência. Para a conquista da mudança apontada,
torna-se necessária a criação de espaços para que todos os profissionais tenham a
oportunidade de se reunir, de discutir as questões que se colocam como dificuldades no
exercício de sua prática cotidiana.
3.2 Adaptações realizadas em sala de aula
As medidas adaptativas realizadas em sala de aula são feitas pelo professor e se
referem, principalmente, à programação das atividades cotidianas tais como a
organização dos alunos e distribuição do mobiliário, os procedimentos didáticopedagógicos, o modo de trabalhar, ou seja, como fazer na prática pedagógica, a
organização temporal dos componentes curriculares e dos respectivos conteúdos, bem
como o uso de materiais didáticos e os procedimentos adotados para a avaliação. Com
base em tais considerações, procuramos saber se as professoras costumavam realizar
adaptações em suas salas de aula, considerando a presença de alunos surdos, como
também que tipo de adaptações eram realizadas. Por tratar do trabalho desenvolvido nas
salas de aula, este item contém somente análises das falas das professoras que nelas
atuam, sendo que as duas professoras que exercem outras funções se fazem presentes
nas demais partes do texto.
No que se refere ao planejamento, interpretamos que não existe um trabalho
coletivo para discussão nesse sentido. Sobre esse item, buscamos identificar que
medidas adaptativas são previstas por elas no planejamento diário e obtivemos as
seguintes informações:
Francileide Batista de Almeida Vieira
5369
Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos
Cada um faz o seu planejamento, mas tem o planejamento geral. Elas
sentam com a gente e a gente faz, cada um faz o seu. Elas querem que
faça o diário e a gente faz. Agora, só em termos...para o aluno
deficiente, não. Só o geral (Janaina).
Fazer um planejamento exclusivo, assim...pra ela, numa aula de
Ciências, de Geografia, não.[...] Agora, eu procuro assim...na hora da
aula eu explico, explico pra eles, mas aí eu me volto pra ela, mando que
os meninos batam, assim, nela que é pra ela olhar pra mim e eu poder
ficar falando com ela, mostrando o que é que eu estou falando. Fazer a
chuuuva, sabe? Tudo eu venho mostrando pra ela (Solange).
Da mesma forma que não há um trabalho em âmbito escolar para que o
planejamento contemple ações diferenciadas para os alunos surdos, as professoras que
têm essas alunas em suas classes também afirmam que não fazem adaptações em seu
planejamento. A professora Janaina diz que cada uma faz o seu planejamento diário,
sendo que o planejamento anual e os bimestrais são feitos de forma coletiva, com a
participaçao da equipe pedagógica. Entretanto, deixa claro que, mesmo nesses
momentos em que ocorrem os planejamentos coletivos, não são discutidas e nem
pensadas atividades específicas para os alunos com deficiência, restringindo-se à
elaboração de atividades gerais para toda a turma.
Por outro lado, a professora Solange diz que, no momento da execução do
planejamento, ou seja, durante a aula, tenta fazer adaptações que, segundo o nosso
entendimento, ocorrem através da exploração do sentido da visão, pelo uso de mímicas
e de gestos, como no exemplo da chuva citado por ela. Enquanto falava “chuva” ela
fazia o gesto com a mão aberta em movimento de cima para baixo, encenando a forma
como a chuva cai.
Em relação à inexistência de um planejamento que contemple adaptações
curriculares para as alunas surdas, compreendemos ser um fator bastante negativo na
prática das professoras, considerando a perspectiva inclusiva. Fazemos tal afirmação a
partir das contribuições de Zabala (1998), quando aborda a necessidade da unidade que
deve existir entre todas as variáveis que compõem a prática educativa; para ele, o que
ocorre na aula deve ser examinado na própria interação entre todos os elementos que
nela interferem. Em acréscimo, argumenta que, dentro de uma perspectiva dinâmica,
para que uma prática seja considerada reflexiva, não pode ser reduzida ao momento em
que são produzidos os processos educacionais na aula.
Francileide Batista de Almeida Vieira
5370
Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos
Ainda segundo Zabala (1998, p. 17), a
[...] intervenção pedagógica tem um antes e um depois que constituem
as peças substanciais em toda prática educacional. O planejamento e a
avaliação dos processoes educacionais são uma parte inseparável da
atuação docente, já que o que acontece nas aulas, a própria intervenção
pedagógica, nunca pode ser entendida sem uma análise que leve em
conta as intenções, as previsões, as expectativas e a avaliação dos
resultados (grifos do autor).
Como explicitamos anteriormente, compreendemos ser de grande relevância
para a melhoria da prática pedagógica inclusiva o cuidado e a atenção para a realização
das adaptações, que deveriam ocorrer desde o planejamento. Nas propostas de
atividades para a turma, seria necessário o cuidado com a presença de alunos com
deficiência, principalmente quando se trata de alunos surdos que demandam uma forma
de comunicação diferenciada, para que todos sejam contemplados na programação.
Por outro lado, tratando de adaptações referentes à metodologia, ouvimos as
seguintes declarações:
Não. Se eu for fazer uma tarefa que envolva Juliana, eu tenho que me
voltar somente para ela [...]. Pra os outros vai ser uma tarefa normal,
mas aí, ela recebe aquela tarefa normal e eu vou ficar só acompanhando
[...], eu vou trabalhar com ela mais delicadamente porque eu vou ter
que ir pra frente dela, vou ter que falar com ela, vou ter que mostrar a
ela, porque ela não pode ficar solta (Janaina).
Adaptação mesmo, não. Mas eu procuro levar um recurso que ela possa
ver, entender. E eu procuro falar com ela na hora que eu estou
explicando, dizendo a ela na hora que eu estou explicando, dizendo a
ela o que é que eu estou falando, e mostro na figura. E vou assim,
tentando incluí-la, e ela faz os gestos de aprovação, que entendeu.[...]
se eu for dá uma aula de Ciências ou de Geografia eu tenho que levar
um recurso visual em consideração a ela. E aos outros também, porque
todo mundo gosta, né? (Solange).
Percebemos, no depoimento das duas professoras, a afirmação inicial de que elas
não fazem adaptações. Entretanto, logo em seguida, descrevem algumas atividades e
posturas que desenvolvem, no intuito de possibilitar àquelas alunas o acesso ao
conhecimento, que representam tentativas – embora ainda incipientes – na busca de
construir alguns caminhos para dar respostas às necessidades das alunas.
Francileide Batista de Almeida Vieira
5371
Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos
Um aspecto que consideramos relevante, na fala da professora Solange, diz
respeito aos recursos visuais que ela utiliza em consideração à presença de Vitória, e
complementa dizendo que todo mundo gosta, pois eles tornam a informação que
procura transmitir mais acessível para a turma toda. Esse fato comprova o que já foi dito
por Sassaki (2003), quando aponta os benefícios da educação inclusiva para todos os
estudantes e não apenas para aqueles que apresentam deficiências.
Ao indagarmos a respeito da realização de atividades em grupo, na entrevista,
ela declarou:
É porque não são muitos. Só é ela. É pior ainda. Porque se fossem mais,
dois, três. Aí eu poderia juntar eles três, fazer um grupo [...]. Quem
sabe se iam se relacionar melhor. Só que é só ela. Aí fica mais difícil
por isso, porque fica só ela. Aí é que é trabalhoso a gente trabalhar ela
(Janaina).
Pelo exposto, entendemos que a professora gostaria de formar um grupo isolado
em sua sala de aula, constituído apenas por alunos que apresentam a mesma deficiência.
Isso reflete o tratamento diferenciado que ela dispensa a Juliana, em virtude de suas
características diferenciadas. Podemos inferir que Janaina não incentivava a colaboração
dos pares, ou seja, a atuação dos colegas que não apresentam limitações sensoriais,
como se não fosse possível o trabalho coletivo entre os considerados “normais” e
aqueles que têm alguma deficiência. Dessa forma, ela parece sugerir a criação de uma
espécie de “minissala” especial dentro da sala comum, dita inclusiva.
Embora durante nossos contatos nas salas de aula tenhamos presenciado pouco
uso de materiais específicos, que facilitassem a aprendizagem das alunas surdas, como
também dos demais alunos, nos diversos componentes curriculares, consideramos
necessário ouvir o ponto de vista das professoras a esse respeito, uma vez que não
estivemos observando a prática por elas desenvolvidas durante todo o ano letivo.
Perguntamos, inicialmente, se as professoras consideravam necessário o uso de
recursos específicos para trabalhar pedagogicamente com alunos surdos, e o que seria
necessário, nesse sentido, para melhorar o processo de ensino, mediante a inclusão
desses alunos:
Quem tem essa deficiência precisa de material, por exemplo, esse
material que eu já disse. Porque ela não escuta, aí ela precisava saber
Francileide Batista de Almeida Vieira
5372
Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos
alguma coisa em Libras, ter material específico pra ela, é preciso
(Janaina).
Eu acho que teria que fazer, por exemplo, a questão do dominó, que é
importante. Recursos, cartazes, historinhas que você pudesse trabalhar,
no dia-a-dia a ordem, a seqüência lógica...Isso aí seria muito importante
pra trabalhar com eles, dentre outras coisas (Solange).
Com base nas afirmações das professoras, entendemos que elas consideram
indispensável a utilização de recursos materiais específicos no processo de ensino que
se destinem a alunos surdos. De fato, uma das importantes variáveis da prática
educativa compreende materiais curriculares e outros recursos didáticos que possam
contribuir para a melhoria de tal prática. Segundo Zabala (1998), os materiais
curriculares são meios que ajudam os professores a oferecer respostas aos reais
problemas que surgem nas diferentes fases de planejamento, execução e avaliação do
processo de trabalho pedagógico, o que pode ser ampliado quando se refere a propostas
mais especificamente direcionadas, como por exemplo aquelas elaboradas para alunos
com necessidades educativas especiais.
É importante que tenhamos como princípio a necessidade de organização e
estruturação da instituição escolar para que ocorra a inclusão de qualquer pessoa com
reais possibilidades de inserção no contexto educacional, a que todos os homens têm
direito. Se não houver esse cuidado, incorreremos no erro de pensar que o aluno surdo é
incapaz de aprender na escola regular, quando, na verdade, a escola deve se adequar
para incluí-lo, o que deve acontecer, também, com relação às demais pessoas que têm
necessidades diferenciadas.
O Decreto nº 5.626/2005 (BRASIL, 2005), estabelece que a educação de surdos
no Brasil deve ser bilíngüe, ou seja, deve envolver pelo menos duas línguas no processo
educacional. Segundo Quadros e Schmiedt (2006), a forma de organização da educação
bilíngüe varia bastante, de acordo com as decisões político-administrativas de cada
estado, que define as regras para a sua implementação. Na grande maioria, o critério
adotado é o uso da Língua Brasileira de Sinais como primeira língua e, portanto, como a
língua de instrução, e a Língua Portuguesa trabalhada como a segunda língua.
Entretanto, em alguns estados ou localidades, os professores desconhecem Libras e as
escolas não têm estrutura ou recursos humanos para garantir aos alunos surdos o acesso
a essa língua essencial para a sua formação.
Francileide Batista de Almeida Vieira
5373
Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos
Tal realidade ainda se faz presente na escola investigada. Das quatro professoras
participantes desta pesquisa, apenas uma possui alguma noção de Libras, da qual fazia
uso na sala de aula. Mesmo tendo participado de cursos de Libras, embora de curta
duração, as demais professoras não conseguiam, ainda, introduzir essa forma de
comunicação nas suas práticas pedagógicas.
Com relação à utilização dos referidos materiais, gostaríamos de retomar a
experiência da professora Solange, que confeccionou dominós para, através deles, fazer
a avaliação da competência em leitura pela aluna Vitória, incluída na sua sala de aula.
Tal fato já foi descrito no item que trata das estratégias apontadas pelas professoras
como facilitadoras da aprendizagem de tais alunos, em que foi defendida a necessidade
de realização de atividades diferenciadas.
Nesse sentido, embora acumulem-se inúmeras tarefas a serem cumpridas na sala
de aula e fora dela, e exista bastante material disponível, apontamos a atitude da
professora como um aspecto muito positivo dentro do contexto de uma escola que se
propõe a ser inclusiva. Ela revela a iniciativa criativa e reflexiva que deve ser inerente
aos professores frente aos problemas que se colocam no cotidiano das escolas.
A professora Janaina, por sua vez, queixou-se de que a escola não dispõe desses
materiais, embora tenhamos constatado a existência de alguns jogos e livros adequados
ao trabalho com alunos surdos, adquiridos pela escola, principalmente após a criação da
Sala de Apoio Pedagógico Especializado, conforme afirmamos anteriormente. Com
base nas idéias de Zabala (1998), podemos argumentar que o fato de fazermos uso de
materiais elaborados por outras pessoas, como aqueles que chegam prontos à escola,
não significa uma dependência total e nem a incapacidade de produzirmos os materiais
de que precisamos, segundo os nossos objetivos e metas de trabalho.
Nesse mesmo sentido, Quadros e Schmiedt (2006) dizem que os recursos
didáticos a serem utilizados na educação de surdos são inúmeros e variados e que a
criatividade do professor é, sem dúvida, um aspecto que faz toda a diferença. Diante das
necessidades do aluno para acessar a informação de uma forma mais plena no dia-a-dia
da escola, muitos recursos surgem: fichário, dicionário Libras/Português, caixa de
gravuras, caixa de verbos, caixas com histórias em seqüência, diário coletivo, cartaz de
aniversário, mural Libras/Português, canto da leitura, dentre outros. Elas alertam, ainda
que, muitas vezes, esses recursos não se encontram prontos para serem adquiridos, o
Francileide Batista de Almeida Vieira
5374
Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos
que pode ocorrer tanto pela sua especificidade, quanto pelas limitações financeiras de
muitas escolas e professores. Segundo as autoras, é bastante comum entre os professores
a angústia gerada pela falta de material, por isso é muito importante o trabalho coletivo
no que diz respeito à discussão, elaboração e divulgação de recursos didáticos.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora, no Brasil, as políticas e os documentos venham orientando que a
educação de pessoas com necessidades educacionais especiais deve ser dada,
preferencialmente, nas escolas e classes regulares, percebemos que muitas escolas ainda
não se encontram preparadas para possibilitar o atendimento educacional especializado
aos alunos com necessidades específicas, como é o caso dos alunos surdos.
As adaptações realizadas nas salas de aula estavam mais relacionadas à postura
das professoras, que procuravam falar de frente para as alunas, a fim de que estas
pudessem compreendê-las pela leitura labial, o que é insuficiente para garantir a
aprendizagem. O apoio dos colegas não vinha sendo potencializado, uma vez que o
trabalho cooperativo não foi utilizado como estratégia de ensino. Sobre esse aspecto,
trazemos algumas considerações de Stainback e Stainback (1999), quando advertem que
a escola deve desenvolver um trabalho que ultrapasse a tradicional aprendizagem
acadêmica básica, primando, em seu currículo, pelos aspectos relativos a atitudes,
interesses e habilidades que os alunos utilizarão durante toda a vida.
Sem dúvida, o processo educativo desenvolvido para alunos surdos requer,
prioritariamente, como principal adaptação, a provisão de um profissional habilitado em
Libras, para que eles usufruam o direito de adquiri-la, uma vez que é a língua do surdo.
O ensino da Língua Portuguesa, bem como dos demais componentes curriculares,
pressupõe a aquisição da Língua Brasileira de Sinais (QUADROS; SCHMIEDT, 2006).
Em acréscimo, outras possibilidades de adaptações curriculares se referem ao uso de
textos escritos, complementados com elementos que favoreçam a sua compreensão, tais
como linguagem gestual, mímicas e outros. Podem, ainda, ser utilizados materiais
visuais e de apoio, que favoreçam a apreensão das informações expostas verbalmente.
É importante frisar que as adaptações curriculares não podem ser percebidas
como um currículo modificado e empobrecido para que os alunos que apresentam
Francileide Batista de Almeida Vieira
5375
Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos
limitações possam cumprir etapas acadêmicas. Pelo contrário, com base nas ideias de
González (2002), compreendemos as adaptações curriculares como afirmações
conceituais que dão sustentação à necessidade de um currículo comum, como resposta
curricular à diversidade, bem como de respeito pelas diferenças individuais, cujo ponto
de partida encontra-se na garantia de um currículo único para todos os alunos. Nessa
perspectiva, a intervenção pedagógica está centrada na capacidade de aprendizagem do
aluno incluído, conforme suas características individuais, deixando, portanto, de
considerar apenas as diferenças como fator de incapacidade.
REFERÊNCIAS
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Campinas: Papirus, 2005.
BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: uma
introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental.
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MEC/SEF/SEESP, 1999.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Decreto nº 5.626,
de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002.
CARVALHO, Erenice Natália S. de. Adaptações curriculares: uma necessidade. In:
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação a Distância. Educação
Especial: tendências atuais. Salto para o Futuro. Brasília: MEC/SEED, 1999.
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MANJÓN, D. G.; GIL, J. R.; GARRIDO, A. A. Adaptaciones curriculares: guía para
su elaboración. Coleción Educación para la diversidad. Granada: Aljibe, 1995.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa
em saúde. 7. ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Hucitec/Abrasco, 1999.
QUADROS, Ronice Muller de; SCHMIEDT, Magali L. P. Idéias para ensinar
português para alunos surdos. Brasília: MEC/SEESP, 2006.
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 5. ed. Rio
de Janeiro: WVA, 2003.
Francileide Batista de Almeida Vieira
5376
Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos
STAINBACK, Susan; STAINBACK, Willian. Inclusão: um guia para educadores.
Tradução de Magda França Lopes. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a
pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Tradução de Ernani F. da F.
Rosa. Porto Alegre: Artmed, 1998.
Francileide Batista de Almeida Vieira
5377
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
PEDAGOGIA FREIREANA E EDUCAÇÃO
INCLUSIVA – REPENSANDO OS SABERES
NECESSÁRIOS À PRÁTICA DOCENTE
Geiza Maria Cavalcante Brasil
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente
PEDAGOGIA FREIREANA E EDUCAÇÃO INCLUSIVA – REPENSANDO OS
SABERES NECESSÁRIOS À PRÁTICA DOCENTE
Geiza Maria Cavalcante Brasil1
RESUMO: O presente trabalho é um estudo de cunho bibliográfico sobre a relação
entre a visão e proposições da educação inclusiva e o pensamento de Paulo Freire. Tem
o propósito de apontar aproximações entre a pedagogia freireana e a educação inclusiva,
no âmbito das condutas necessárias à prática docente no convívio do quotidiano
educativo. Visa contribuir para o delineamento das características desse educador
inclusivo, tomando por base alguns teóricos da educação inclusiva, bem como os
saberes apontados por Freire como necessários à prática docente. Busca facilitar a
aproximação de educadores de uma forma geral a essas idéias e práticas, de modo a
reafirmar a importância do papel da formação do educador e para fortalecer a visão de
que a educação deve ser de fato inclusiva. Pois a realidade social se apresenta mediada
pelas relações interpessoais, onde o respeito à diversidade, deve ser incentivado e
cultivado desde cedo por meio da convivência na escola.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Inclusiva, Pedagogia da Autonomia, Prática
Docente, Pedagogia Freireana.
ABSTRACT: This article present as a bibliographic study about the relation between
the vison and propose of the inclusive education and the Paulo Freire’s thought. Have
as a propose to point approaches between Freire’s pedagogy and inclusive education in
the scope of the necessary characteristics to the practical professor in the conviviality of
the educative quotidian. It aims at to contribute for delineation of characteristics of this
inclusive educator, taking for base some inclusive education’s theorists, as well as the
knowledge pointed for Freire as necessary for practical professor. Search to facilitate
the approach of edutators of a general form to these practical and ideas, in order to
reaffirm the importance of the paper of the formation of educator an to fortify the vision
of this education must be really inclusive. Therefore, the social reality presents
mediated for the interpersonal relations. Where to respect to the diversity, since early it
must be stimulated by means of the conviviality in the school.
KEY-WORDS: Inclusive Education, Knowledge for Educational Practice, Freire’s
pedagogy.
1
Aluna concluinte do I Curso de Especialização em Psicologia na Educação do Departamento de
Psicologia e Orientação Educacionais do Centro de Educação da UFPE, Graduada em Licenciatura Plena
em Pedagogia pela UFPE, Professora da Rede Municipal de Jaboatão dos Guararapes.
[email protected]
Geiza Maria Cavalcante Brasil
5381
Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente
Introdução
A escolha do pensamento de Paulo Freire como contribuição teórica para a
reflexão sobre o objeto de estudo da Educação Inclusiva (a ser definida mais adiante),
ocorreu durante o período de atuação da autora no Centro Paulo Freire de Estudos e
Pesquisas da Universidade Federal de Pernambuco, com as leituras e diálogos sobre sua
obra e a sua contribuição para o re-pensar a postura do educador de maneira distinta
daquela que considera o papel do professor, numa visão vertical, como o detentor do
saber e o aluno recipiente.
No curso desta pesquisa toma-se como norte os princípios da Educação Inclusiva
apresentados por vários autores como Mantoan (2002a; 2002b), Karagiannis, Stainback
& Stainback (1999), Carvalho (2003; 2004), buscando apontar as suas contribuições
para auxiliar na compreensão de um objetivo principal: evidenciar e delimitar os saberes
e qualidades necessárias aos educadores para a atuação efetiva na prática docente
inclusiva.
Foram focalizados textos freireanos como aporte bibliográfico para a formação
de educadores populares. O que permitiu ao presente estudo de cunho bibliográfico
apontar as confluências entre estudos teóricos sobre Educação Inclusiva e mostrar quais
os saberes profissionais necessários à prática docente inclusiva, à luz do pensamento do
educador Paulo Freire, tomado como referência os saberes docentes indicados na sua
obra Pedagogia da Autonomia (FREIRE, 2003).
Este estudo tem como propósito contribuir para a reflexão sobre a Inclusão, na
perspectiva da Pedagogia de Paulo Freire, bem como explicitar e analisar mediante a
Educação Inclusiva, os principais saberes, atributos e qualidades necessários aos
educadores segundo a proposta freireana voltada a efetivar a referida Inclusão na prática
da escola.
A decisão pela obra Pedagogia da Autonomia como principal aporte deste
trabalho deu-se, sobretudo, devido à forma sintética com que o autor expõe seu
pensamento sobre as questões voltadas para formação do educador e os saberes
necessários para a sua atuação eficaz na educação numa perspectiva progressista. Nesta
obra, Freire assinala que o seu intuito é refletir sobre a formação de professores e sobre
a importância dos saberes que devem fazer parte dessa formação e prosseguir com o
educador por toda sua atuação, e como o próprio autor coloca, muitas das características
Geiza Maria Cavalcante Brasil
5382
Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente
aí apontadas não são exclusivamente pertencentes aos que se dedicam a educar nesta
perspectiva progressista.
Pois ao se pesquisar a bibliografia de Freire fez-se clara uma convergência entre
a visão progressista freireana sobre o educador e os saberes que, segundo o autor, são
necessários, para se apontar as qualidades evidenciadas por meio do diálogo entre a obra
freireana e a Educação Inclusiva. Este estudo busca destacar os principais saberes
profissionais necessários à prática docente inclusiva bem como evidenciar e discutir as
confluências entre o pensamento de Freire e as necessidades apontadas nos estudos
teóricos sobre a Educação Inclusiva.
De acordo com o Seminário Internacional do Consórcio da Deficiência e do
Desenvolvimento (International Disability and Development Consortium - IDDC) sobre
a educação inclusiva, realizado em março de 1998 em Agra na Índia (1998), Educação
Inclusiva é a ampliação da participação de todos, onde se reconhece que todo o
educando pode aprender. Se respeita e reconhece diferenças entre os educandos (quanto
à idade, sexo, etnia, língua, deficiência/inabilidade, classe social, estado de saúde ou
qualquer outra condição). Oferecendo estruturas, sistemas e metodologias de ensino que
atentam as necessidades de Todos, ao passo que faz parte de um plano maior que
objetiva promover uma sociedade inclusiva. Não deve se limitar por por falta de
recursos materiais nem salas de aula numerosas.
Após o IDDC (1998), no ano de 2000 esta definição foi incorporada quase que
literalmente, no Relatório Branco Sulafricano sobre educação inclusiva. (South African
White paper on inclusive edutation). (SASSAKI, 2005)
De pronto, Escola inclusiva diferencia-se substancialmente da instituição escolar
homogeneizadora e homogeneizante a que a população está habituada. Define-se aqui
escola inclusiva como aquela em que cada pessoa participante encontra-se aberta a
conviver com o outro, que não exclui ninguém de suas classes, onde a convivência e as
relações não discriminam as pessoas permitindo a aceitação mútua e simples entre elas.
Nesse convívio da escola inclusiva, Todos são beneficiados.
Este Todos, com T
maiúsculo, se distingue do “todos” da linguagem comum onde nem sempre cabem
verdadeiramente todos. Esta convivência, por sua vez, deve ser marcada pela busca do
melhor caminho para Todos, pois dentro de um ambiente onde deve ser privilegiada a
Geiza Maria Cavalcante Brasil
5383
Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente
construção de sujeitos críticos, éticos e cidadãos, a convivência com a diferença deve
ser tão privilegiada quanto o é o conhecimento.
A transição para esta Educação Inclusiva não pode ocorrer apenas no tocante a
estrutura física, administrativa ou técnica, mas, na sua base filosófica, que deve ser
difundida em sua totalidade e expressa na prática, nas situações mais simples.
O presente estudo e suas proposições finais não constituem um parecer a ser
imposto ou um perfil de condutas a serem seguidas sem a requerida reflexão sobre a
realidade e personagens a que se aplica; é seu intuito, sim, contribuir como subsídio
inicial para a formação reflexiva de professores que desejem e se disponham a
compreender a relação entre as características do educador apontado por Freire e as do
educador disponível e sensível à Educação Inclusiva.
Revisão Bibliográfica
É importante de pronto ressaltar neste estudo, a importância da compreensão do
conceito de Inclusão como sendo a capacidade de entender e reconhecer o outro através
da vantagem do compartilhamento e convivência com pessoas diferentes de nós.
(MANTOAN, 2002).
De acordo com Sassaki (2005) o paradigma da Inclusão surge através de uma
organização não-governamental criada por pessoas com deficiência em 1981, a
Disabled Peoples’ International (DPI), desde então vários documentos foram redigidos
sobre o tema. Mas, apenas no início dos anos 90 é que esse paradigma ganha força no
âmbito da educação.
A Educação Inclusiva de acordo com a Declaração de Salamanca (UNESCO,
1994) afirma que pessoas com necessidades educacionais especiais (PNEE) são todas as
crianças e jovens cujas necessidades decorrem de sua capacidade ou de suas
dificuldades de aprendizagens. Esta Declaração foi a primeira declaração a tratar em
todo o seu texto sobre a educação inclusiva. Ela foi aprovada por aclamação na
Espanha, na cidade de Salamanca em 10 de junho de 1994. Pelo texto desse documento
diversos grupos de crianças experienciam variadas dificuldades de aprendizagem e têm,
portanto, necessidades educacionais especiais em algum momento de sua escolarização.
O direito à educação é independente das diferenças individuais.
Geiza Maria Cavalcante Brasil
5384
Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente
Consta da referida Declaração (UNESCO,1994), o propósito de recordar “que a
educação para as pessoas com deficiência deve ser assegurada como parte integrante do
sistema educativo”, compreendendo-se a educação como vinculada a este sistema, pois
este é um direito fundamental; enfatiza que devem ser dadas a todas as pessoas,
oportunidades de conseguir e manter um nível aceitável de aprendizagem, respeitando
suas características, interesses, capacidades e ainda suas necessidades, no ensino
regular, através de adequação, numa pedagogia centrada na criança.
Trata-se então, não apenas da macro-esfera educacional, mas principalmente das
influências das relações existentes dentro de seu menor e mais importante cenário, a sala
de aula, onde evidentemente, as práticas inclusivas são efetivadas e tangíveis: todas as
ações pedagógicas aí desenvolvidas devem ser construídas e legitimadas a partir da
postura da prática docente assumida pelos educadores que nela atuam.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 9.394 de dezembro de 1996,
afirma que é direito de Todos o acesso a educação, garantindo ainda que esse processo
deva ser mediado por profissionais com especialização adequada, formados inicialmente
e/ ou capacitados para atuar com e integrar esses alunos nas classes comuns. (p.3)
Essa afirmação do direito social à Educação vem corroborar o que indica a
Constituição Federal Brasileira de 1988 em seu Título III, DO DIREITO À
EDUCAÇÃO E DO DEVER DE EDUCAR, artigo 4º, inciso III (1998, p.41), que diz:
“Educandos com necessidades especiais são aqueles que possuem necessidades
incomuns e, portanto, diferentes dos outros alunos no que diz respeito às aprendizagens
curriculares compatíveis com suas idades”.
Segundo esse documento, estes educandos precisam de recursos metodológicos
e pedagógicos apropriados.
Mas, estes recursos devem ser aplicados não
necessariamente em um modelo segregacional, e sim, preferivelmente, em sala da rede
regular de ensino. Esse direito à educação, consta ainda do ECA (Estatuto da Criança e
do Adolescente, Lei 8.069 de 1990), onde é tratado como sendo um direito fundamental
de todos os sujeitos. (2007, p.47 ? ).
A Declaração de Washington, documento publicado pelos líderes do Movimento
Vida Independente e daquele dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência,
representantes dos 50 países participantes do encontro “Perspectivas Globais em Vida
Independente para o Próximo Milênio”, realizado entre 21 e 25 de setembro de 1999,
Geiza Maria Cavalcante Brasil
5385
Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente
em Washington, DC, USA, em celebração às conquistas mundiais do Movimento Vida
Independente, também trata de Educação Inclusiva como um princípio igualitário para
promoção humana, onde existam iguais oportunidades de emprego, tecnologias,
acessibilidade de transporte e do meio ambiente.
A Declaração de Sapporo, documento da UNESCO aprovado em 18 de outubro
de 2002 por 3.000 pessoas, em sua maioria com deficiência, representando 109 países,
por ocasião da 6ª Assembléia Mundial da Disabled Peoples Internacional – DPI,
realizada em Sapporo no Japão, defende que desde cedo a convivência de Todas as
crianças na escola trazem benefícios recíprocos:
A participação plena começa desde a infância nas salas de aula, nas áreas de
recreio e em programas e serviços. Quando crianças com deficiência se
sentam lado a lado com outras crianças, as nossas comunidades são
enriquecidas pela consciência e aceitação de todas as crianças. Devemos
instar os governos em todo o mundo a erradicarem a educação segregada e
estabelecer uma política de educação inclusiva. (UNESCO, 2002).
A partir dessas afirmações documentais compreende-se como a Educação
Inclusiva é algo mais amplo e fundamental para a construção do sujeito. Que esta não
seja apenas compreendida como processo de desenvolvimento da intelectualidade, mas,
como uma postura política e de atuação cidadã e, sobretudo na relevância do papel da
escola como espaço de oportunidades para Todos.
A Educação Inclusiva
De acordo com pesquisas realizadas nos Estados Unidos por HUNT, STAUB,
AWEL & GOETZ (1994, p. 40) indica que: “They concluded general education
students who worked with peers who had severe disabilities saw no adversed effects on
their level of academic achievement.”.
HELMSTETTER and Colleagues (1994),
“found that inclusion help general education students develop positive attitudes towards
classmates with disabilities”. (HELMSTETTER & colleagues,1993 Apud BARBOSA,
2009) E ainda a pesquisa de STAUB & PACK (1994) realizada em escolas onde existe
a experiência da inclusão, tem demonstrado que os ganhos com essa convivência são
experienciados não apenas pelo aluno, mas por todos os que estão envolvidos no
Geiza Maria Cavalcante Brasil
5386
Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente
processo de inclusão, pois, os alunos ganham no desenvolvimento da convivência com a
diversidade social, aprendendo a conviver com a diferença e que estes tornam-se mais
sensíveis a outras questões de discriminação existentes na sociedade.
Sobre esses fatos é importante ressaltar que diversas pesquisas já realizadas
anteriormente demonstram a riqueza da convivência em grupos comuns, desde a mais
tenra infância, estabelecendo relações entre indivíduos, como a pesquisa realizada por
Helmstetter, Peck e Giangreco (1994) onde entrevistaram 166 alunos de escolas
americanas que conviviam em classes inclusivas e destacaram as principais habilidades
que foram desenvolvidas com esta convivência.
Em outra pesquisa Giangreco e seus colegas (1993) entervistaram 19 professores
de salas de aula regulares que tinham no mínimo um aluno com "necessidades
especiais" em suas classes. Estes professores afirmaram que os alunos diagnosticados
com "necessidades especiais" aumentaram suas capacidades de atenção, de
comunicação e de participação em atividades educativas em um espaço de tempo
consideravelmente menor do que se estes fossem educados em salas de aula segregadas
– especiais.
Para Stainback & Stainback (1999), que conceituam educação inclusiva partindo
da premissa de que a sociedade é composta por uma imensa variedade de seres humanos
e que a escola é um contexto social no qual todos tem direito ao acesso. É nela (a
escola) que se dá o processo de ampliação das relações sociais entre os sujeitos bem
como, as regras para esta convivência social mais ampla, não sendo possível, portanto,
não contemplar em seus espaços a diversidade.
Os autores apresentam um levantamento dos ganhos que cada um dos segmentos
escolares recebe ao se incluírem de fato, em sala de aula, alunos com deficiência, e que
com a inclusão todos os alunos ganham ao desenvolver, em si próprios, diversas
qualidades importantes reciprocamente, não apenas para a vida acadêmica como
também para a própria convivência em sociedade, pois os valores criados nesses grupos
vão formar o indivíduo para a vida em sociedade.
Mas não obstante isso, está a importância de todos os segmentos da escola
contribuirem para a efetivação da inclusão, sobre isso destacamos o que afirma Daniel
Geiza Maria Cavalcante Brasil
5387
Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente
Sage (1999) sobre o papel do diretor como apoio principal do professor que apresenta
pensamentos e ações cooperativas a serviço do processo de inclusão que
É comum que os professores que tentam a inovação e assumem riscos sejam
encarados de forma negativa e com desconfiança pelos pares que estão
aferrados aos modelos tradicionais. O diretor é de fundamental importância
na superação dessas barreiras previsíveis e pode fazê-lo através de palavras e
ações adequadas que reforçam o apoio aos professores. (p.138)
Ainda sobre a formação dos profissionais ressaltamos que, o que está em questão
no ensino inclusivo não é se os alunos devem ou não receber, de pessoal especializado e
de pedagogos qualificados, experiências educativas apropriadas, ferramentas e técnicas
especializadas, das quais necessitam. A questão está em oferecer a esses alunos os
serviços dos quais necessitam, mas em ambiente integrado, e em proporcionar aos
professores atualização de suas habilidades.
Apontando para a relevância da convivência entre pessoas diferentes, e mais
enfaticamente, entre educandos diferentes, é um ganho para o próprio grupo, que será
mais predisposto à tolerância, ao respeito à diversidade, e sobretudo, no tocante à
aprendizagem, auxiliará estes indivíduos de forma ampla, cultural, social, pedagógica e
humanista. Este convívio traz a contribuição das relações de troca entre os sujeitos e
produz conhecimento individual, que lhe servirão socialmente ao longo da vida.
(CARVALHO, 2001; MANTOAN, 2001).
O modelo escolar que é pautado por classificar seus alunos num modelo bipolar
de quem sabe e quem não consegue ou não sabe fazer, e como este segundo sendo
‘menos’ valorizado na classificação, vem cada vez mais reforçando a exclusão e o
fracasso escolar que comumente acompanham estes educandos e culpabiliza a eles
próprios imputando-lhes a responsabilidade por este fracasso. (MENEZES, 2008)
Pois, para esta escola, o aluno deve se “adequar às fôrmas” que modelam os
sujeitos que ali se encontram, e ao passo que estes sujeitos não se adequem as fôrmas,
são excluídos do processo, – lembrando assim mito do leito de Procusto – acumulando
consigo fracassos em diversos campos, mas principalmente o rótulo de “incapaz”. Mas,
esta escola, que não analisa sua própria postura em relação a responsabilidade na
formação do educando, não percebe que o princípio motriz do problema pode estar na
Geiza Maria Cavalcante Brasil
5388
Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente
própria forma em que o aluno foi inserido, isto é, através de sua metodologia, da
organização escolar ou ainda no próprio currículo inadequado.
A educação aqui concebida refere-se a uma educação para Todos,
independentemente de seu talento, necessidade ou origem. A construção da escola
inclusiva dá-se horizontalmente, referendada por disponibilidades sociais de todas as
esferas, pois, a escola e as salas de aula inclusivas são o locus onde as necessidades de
aprendizagem
dos
alunos
deverão
ser
satisfeitas.
(STAINBACK
&
STAINBACK,1999). É efetivamente na escola que muitas das aprendizagens humanas
ocorrem, daí a importância de também nela se aprender a conviver com a diferença,
levando de fato a criança a se sentir incluída no grupo social.
A razão mais importante para a inclusão é o valor social, é a criança sentir-se
integrada no seu grupo, com todas as condições de aprendizagem, apesar da diferença,
sentir-se valorizada. O desejo da inclusão está justamente em como atender e facilitar
seu aprendizado. A arte de facilitar a inclusão envolve criatividade, desejo de mudanças,
elevação da auto-estima do educando, redimensionamento de ações e a luta para vencer
os medos que provocam os limites. (BECHTOLD, 2003).
PEDAGOGIA FREIREANA
Paulo Freire em sua vida toda esteve envolvido com o educar para a vida,
preocupando-se com a formação de um indivíduo crítico, criativo e ativo socialmente. E
por isso, ao nos referimos às idéias dele, logo lembramos de Educação Popular. Para o
pensamento freireano o ser humano é um sujeito que não deve apenas “estar no
mundo”, mas, “com o mundo”, isto é, não apenas vivendo, mas, fazendo parte deste
mundo através da construção da sua própria identidade e intervenção para melhoria de
suas condições como cidadão que busca o direito de construir uma cidadania mais
igualitária e com justiça. (BATISTA, 2008; SCOCUGLIA, 1999).
De acordo com Nascimento (2008), a pedagogia freireana propõe um ensino baseado na
liberdade, no diálogo, e na busca incansável do conhecimento participativo e
transformador. Quando são consideradas as suas vivências, sua realidade, local de
moradia, e mais ainda sua forma de ver e ler o mundo, concomitantemente valoriza-se o
Geiza Maria Cavalcante Brasil
5389
Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente
ser humano como sujeito de sua própria aprendizagem. Assim na pedagogia freireana
destaca-se dois importantes princípios da educação o respeito aos saberes de todos, e a
valorização da formação de indivíduos críticos e conscientes de seu papel enquanto
cidadãos, de maneira que ao mesmo tempo valorize o ser humano como sujeito de sua
própria aprendizagem.
A educação freireana abrange todos os cidadãos, a despeito das suas
características quaisquer que sejam elas. Freire desejou uma escola cujos princípios de
humanização é vocação dos homens, “afirmada no anseio de liberdade, de justiça, da
luta dos oprimidos, pela recuperação de sua humanidade roubada.” (FREIRE, 2000a, p.
30).
Assim, a educação para Freire se destaca como fomentadora da “consciência’,
pois, para Nascimento (2008), a pedagogia freireana não é apenas o repassar da
informação, mas, tem por obrigação valorizar e resgatar as potencialidades individuais
do ser humano, com o objetivo de construir o conhecimento coletivo, onde a
experiência de um correlaciona com vivência de outro. Entenda-se aqui que a pedagogia
freireana compreende a educação num sentido mais amplo socialmente, não apenas a
educação formal atribuída a escola.
Por toda sua vida Freire sonhou e trabalhou por uma educação que não abrisse
mão do ensino dos conteúdos, mas que não se preocupasse tão somente com eles, e que
“não pode fundar-se numa compreensão dos homens como seres ‘vazios’ a quem o
mundo ‘encha’ de conteúdos (...) não pode ser a do depósito de conteúdos, mas a
problematizarão dos homens em relação ao seu mundo”. (FREIRE, 2000a, p. 87).
A despeito da educação inclusiva, Rosita Edler Carvalho (2004) dentre outros,
defende que o processo de inclusão perpasse pela reestruturação das políticas, das
culturas e práticas sociais da escola como sistema e que precisa (re)pensar suas atitudes
excludentes.
Em escolas inclusivas, o ensinar e aprender constituem-se em processos
dinâmicos nos quais a aprendizagem não fica restrita aos espaços físicos das
escolas e nem aos alunos, como se fossem atores passivos, receptáculos do
que lhes transmite quem ensina. (EDLER CARVALHO, 2004, p.115).
Geiza Maria Cavalcante Brasil
5390
Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente
Essa educação tem por obrigação, cumprir seu papel fundamental na
transformação da sociedade, propiciando o exercício igualitário da cidadania, acesso à
cultura, e acima de tudo condições materiais e pedagógicas de desenvolver
adequadamente estes educandos, e que este processo educativo seja visto como um
direito, e não como alguma benevolência.
A educação é um ato de conhecimento. E na educação escolar, através da relação
dialógica entre professor, educando e objeto cognoscível a proposta pedagógica de
Freire centraliza-se na dimensão do conhecimento.
Para Freire não há unilateralidade no processo educativo, não há um “saber
maior” ou um “saber menor”, mas saberes diferentes uns dos outros, que se
complementam e que interagem dentro da relação pedagógica sem temer os possíveis
conflitos entre eles.
Conceber a educação escolar formal efetivamente como um espaço de
construção do conhecimento é condição para a ressignificação da própria educação
escolar, como também, da ação docente e discente. Neste sentido, o pensamento de
Freire, traz elementos provocadores e desafiadores nesta perspectiva, reafirmando a
educação escolar como possibilidade para desencadear um processo de construção do
conhecimento, respeitando suas peculiaridades. Pois de acordo com a proposta
pedagógica freireana, é necessário que o educador seja um educador problematizador,
posto que se trate de uma pedagogia da pergunta, [...] ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para sua produção ou sua construção
(FREIRE, 2003, p. 52).
O processo educativo é baseado no diálogo, pois sem diálogo não há educação.
A educação é um processo de conhecimento onde todos ensinam e todos aprendem.
Num processo de criação e recriação. Os sujeitos que interagem dialogicamente se
abrem para o novo e sabem que há sempre algo a interpretar, descobrir, aprender, dizer,
a compartilhar. São abertos a questionamentos e não temem conflitos. Quanto mais o
sujeito pergunta, mais sente que a sua curiosidade não se esgota (FREIRE, 2000a).
Geiza Maria Cavalcante Brasil
5391
Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente
Materiais e Métodos
A estratégia adotada para o desenvolvimento do estudo, foi a realização de uma
revisão da literatura disponível sobre a relação da Inclusão e o pensamento de Freire, ou
seja, a estratégia de pesquisa privilegiada em todo o trabalho tem sido a investigação, à
luz da Educação Inclusiva, da obra Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire. A linha de
ação adota o mapeamento dos conceitos-chave, presentes na obra, sendo este centrado
em apontar qualidades, características e saberes necessários aos educadores que atuam
na educação inclusiva.
Destarte, a construção de registros, resumos, fichamentos, esquemas e quadros
foi de grande relevância para realização do estudo em questão, portanto, apresenta-se
nesse estudo a intenção de demonstrar as convergências entre os pensamentos, apoiar-se
em resumos das obras analisadas em diálogo com o pensamento de Freire.
Apresentação e Análise dos Dados
Em seguida apresentaremos as principais contribuições de cada autor dentro da
perspectiva inclusiva para a construção do perfil docente para estes.
Resultados (Quadro Analítico)
Diante da perspectiva do educador progressista, apresentado por Freire (2003), o
educador é apontado como um ser dialógico e, encontra-se inserido dentro das relações
existentes dentro e fora do âmbito escolar.
Freire (2003) indica em sua obra as exigências que são impelidas ao educador
que se dispõe a assumir tal papel em relação às dimensões que ele ocupa.
Em sua obra, Freire norteia sua reflexão sobre três pilares, primeiro a
importância da formação sólida, entendendo sua formação como alicerce para prática
reflexiva e comprometida na prática educativa, (ver quadro 1).
Geiza Maria Cavalcante Brasil
5392
Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente
Quadro 1
EXIGÊNCIAS DO ATO DE EDUCAR
FREIRE
(2003)
Na relação entre
docente-docente
Na relação entre
docente-discente
Na relação docente –
conhecimento docente
Buscar não apenas se
apropriar do conhecimento,
mas se inquietar, investigar,
criar, aproximar-se do
objeto.
Respeitar o saberes do
educando relacionando com
o saber curricular.
Ser consciente da
inconclusão do ser, e
assim reconhece as
limitações e condições.
Respeitar a autonomia do
educando
Ter criticidade, discernimento,
de forma ética, correlacionar
teoria e pratica através de seus
atos.
Arriscar-se aceitando o novo
rejeitando qualquer forma de
discriminação mas não negando
as peculiaridades do velho, mas
renovando-as.
Refletir criticamente sobre a
pratica educativa
reconhecendo e assumindo
a identidade cultural.
Educação Inclusiva
STAINBACK (1999)




Geiza Maria Cavalcante Brasil
Aproximações na
Aproximações na concepção
relação entre
da relação docente –
docente-discente
conhecimento docente
a importância da relação
de troca entre os sujeitos
para o
avanço
na
aprendizagem;
mudança na visão da
escola em relação as
dificuldades enfrentadas
pelos alunos;
valorização das relações
afetivas como pontes
para o desenvolvimento
das
competências,
distinto do regime de
tutela, mas no modelo
desta.
promoção do respeito
pelas
diferenças
indiviuais e sua aceitaçao

complementação com
atividades no contraturno;

Apoio de todos os
seguimentos da escola,
no desenvolvimento do
trabalho docente;

visão criada dentro de
uma comunidade de
pessoas que defendem
a mudança;

currículo/didática
baseados localmente;

desenvolvimento
de
equipes de trabalho
integrado;
5393
Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente
MANTOAN (2002)
 Valorização do sujeito
em sua subjetividade;

A parceria de redes
facilitando
o
aprendizado;

Reflete sobre a postura
do docente para Todos;
Defende
o
acompanhamento em
paralelo
visando
aumentar
o
desempenho
dos
aluno;

 faz uma critica veemente
ao
modelo
segregacionista
de
ensino;

A boa avaliação é aquela
que serve para Todos;
CARVALHO (2003)
- discute acerca do respeito a
diferença e valorização da
mesma dando ênfase a
educação como formadora
das mudanças necessárias
para a vigencia da sociedade
de Todos.


 A
formação
dos
professores deve ser
conjunta
entre
os
professores do ensino
especializado
e
o
regular (negando a
separação
existente)
para
uma
atuação
conjunta;
 Defende um professorpesquisador que pode
atuar com Todos os
alunos;
Considerações Finais
Baseando-se nos estudos realizados, é importante destacarmos que é comum
entre os autores listados a importância da o bom senso, podemos afirmar que a prática
inclusiva está intimamente ligada ao bom senso, sensibilidade, ética com relação a
STAINBACK(1999), CARVALHO (2003, 2004, 2008), FREIRE (2003), MANTOAN
(2002, 2006) Este estudo possibilitou ultimar que o trabalho, com o objetivo de
implementar uma educação inclusiva, que atenda a todos os alunos, com e sem
Geiza Maria Cavalcante Brasil
5394
Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente
deficiência, indistintamente, no ensino regular não é missão impossível, mas trata-se de
um desafio superável. É uma questão de pensar e querer, pensar e fazer através de um
trabalho coletivo, de troca mútua, entre a escola e entre os alunos, confronte formas
desiguais de pensamento e de estilo de vida, busque metodologias interativas e faça do
reconhecimento das diversas estratégias para uma nova aprendizagem.
A relevância do papel do professor como mediador entre o aluno e sua relação
dialógica com o conhecimento, deve ser compreendida como possível, pois educar, no
sentido freireano, é algo que compete primeiramente a este profissional e que diante dos
estudos realizados, pode e deve assumir essa função contando com o apoio de toda uma
rede de apoio. Enfim, esse educador que reúne todas estas qualidades, é essencialmente
humano.
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Geiza Maria Cavalcante Brasil
5398
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
PERFIL PROFISSIONAL NOS CURSOS DE
PREPARAÇÃO PARA O TRABALHO
DIRECIONADOS À PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Izaura Maria de Andrade da Silva
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência
PERFIL PROFISSIONAL NOS CURSOS DE PREPARAÇÃO PARA O
TRABALHO DIRECIONADOS À PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Izaura Maria de Andrade da Silva1
RESUMO: Esse artigo tem como objetivo analisar o perfil profissional e os itinerários
formativos possíveis de serem percorridos pela pessoa com deficiência em seu processo
de educação para o trabalho. Nesse estudo buscamos responder questões tais como: Que
tipo de profissional se pretende formar? Os itinerários formativos, oferecidos em uma
instituição ou através de parcerias entre duas ou mais instituições, permitem o acesso
dos alunos com deficiência aos diversos níveis e modalidades da educação profissional?
Os cursos oferecidos estão em sintonia com a demanda da economia regional? Quais
formas de articulação entre formação geral, profissional e o atendimento educacional
especializado? Para responder a essas perguntas, realizei um estudo na legislação
nacional e na estadual sobre a interface entre educação profissional e especial.
Simultaneamente, foi realizado um mapeamento da oferta de educação profissional para
pessoa com deficiência no Brasil e de forma mais detalhada na região metropolitana de
Belo Horizonte. Os resultados mostram que oferta da educação profissional para pessoa
com deficiência encontra-se concentrada nos programas iniciais de formação para o
trabalhador, desenvolvidos por meio de oficinas pedagógicas em instituições especiais.
Os programas desenvolvidos nas oficinas estão desvinculados das demandas do
mercado de trabalho e enfatizam o aspecto instrumental e operacional da educação
profissional.
PALAVRAS-CHAVE:
Educação
especializado. Pessoa com deficiência.
profissional.
Atendimento
educacional
Introdução
Esse artigo é resultado de uma pesquisa em andamento sobre as políticas de
educação profissional para pessoa com deficiência. Para esse trabalho, realizamos um
recorte da pesquisa, cujo objetivo é analisar o perfil profissional e os itinerários
formativos possíveis de serem percorridos pela pessoa com deficiência em seu processo
de educação para o trabalho. Nesse estudo buscamos responder questões tais como: Que
tipo de profissional se pretende formar? Os itinerários formativos, oferecidos em uma
instituição ou através de parcerias entre duas ou mais instituições, permitem o acesso
1
Bolsista internacional da Fundação Ford.
Izaura Maria de Andrade da Silva
5402
Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência
dos alunos com deficiência aos diversos níveis e modalidades da educação profissional?
Os cursos oferecidos estão em sintonia com a demanda da economia regional? Quais
formas de articulação entre formação geral, profissional e o atendimento educacional
especializado?
Para responder a essas perguntas, realizei um estudo na legislação nacional e na
estadual sobre a interface entre educação profissional e especial. Simultaneamente, foi
realizado um mapeamento da oferta de educação profissional para pessoa com
deficiência. O Mapeamento foi realizado tendo como base os microdados do censo
escolar 2005/2006/2007, disponibilizados pelo INEP e pela Secretaria de Estado de
Educação de Minas Gerais (SEE/MG), além disso, utilizamos informações coletadas nas
escolas estaduais e nas Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAES) da
região metropolitana de Belo Horizonte.
Inicialmente, vamos apresentar algumas tendências, princípios e diretrizes que
regulam a educação profissional e a especial no Brasil e na região metropolitana de Belo
Horizonte.
Desafio da educação profissional na atualidade: expansão, inclusão da diversidade
e integração entre o básico e técnico
Na década de noventa, as políticas de educação profissional assumiram novas
configurações para se adequarem às mudanças ocorridas no mundo do trabalho e,
notadamente, para atender às demandas do processo de acumulação flexível. As
transformações, ocorridas na base técnica do trabalho e na organização da gestão,
exigiram um novo perfil de trabalhador. Elas não estão restritas ao âmbito da empresa
ou das relações produtivas; repercutem em todas as relações sociais. As novas
determinações do mundo produtivo aprofundaram a desigualdade social, expressas no
desemprego estrutural e na flexibilização de direitos trabalhistas, entre outras formas de
exclusão social. Nesse contexto a educação profissional não pode ser reduzida as
competências que um trabalhador deve possuir para atuar em uma determinada
ocupação ou área. Esse deve ser um dos objetivos: formar o técnico. Além disso, a
educação profissional deve formar indivíduos capazes de atuar politicamente no sentido
Izaura Maria de Andrade da Silva
5403
Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência
de superar as desigualdades sociais e intervir na direção das políticas nos diversos
âmbitos sociais.
Dore Soares (2001) destaca que, na perspectiva gramsciana de escola unitária, a
Central única dos Trabalhadores defende a organização da educação profissional tendo
como base, a formação fundamental e média (unitária) e universalizada.
A educação profissional nessa perspectiva deve proporcionar uma sólida
formação básica e específica, articulando a educação geral com a profissional com
objetivo de capacitar o trabalhador pra lidar com as transformações no âmbito produtivo
e no político. No entanto, a recente legislação tem reforçado a dualidade entre elas.
Apesar da LDB 9394/96 estabelecer a educação profissional como modalidade da
educação básica, o decreto 2208/97 define trajetórias separadas para o ensino médio e à
educação profissional. O decreto 2208/97 foi revogado, no atual governo, pelo decreto
5154/2004. No entanto este reproduziu, com outros termos, a ambiguidade da educação
profissional presente no decreto anterior, prevalecendo a constituição de um lugar
próprio para a educação técnica profissional direcionada para a demanda do mundo
empresarial.
O Decreto 5154/04 estabelece que a educação profissional deve ser desenvolvida
por meio de cursos e programas de formação inicial e continuada de trabalhadores, de
educação profissional técnica de nível médio, e de educação profissional tecnológica de
graduação e pós-graduação. Nesse estudo restrinjo a minha análise ao itinerário
formativo disponível para pessoa com deficiência nos cursos e programas de formação
inicial e na educação técnica de nível médio.
Os cursos e programas de formação inicial possuem organização curricular livre
e de duração variável. Destinam-se a maioria dos jovens e adultos trabalhadores
independentes de sua escolaridade, podendo ser ministrados por múltiplas instituições
sociais, como: escolas, sindicatos, organizações não governamentais, empresas, entre
outras. É bom salientar que o decreto 5154/04 recomenda que os cursos de formação
inicial sejam, preferencialmente, articulados com a educação de jovens e adultos. Nesse
sentido o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação
Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) avança ao
estabelecer um percurso pedagógico integrado de formação básica e profissional.
Izaura Maria de Andrade da Silva
5404
Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência
Na educação profissional técnica, os cursos têm uma carga horária mínima de
800 horas, uma proposta curricular definida e ingresso vinculado à conclusão do ensino
fundamental, sendo ministrados apenas por instituições credenciadas pelo Ministério da
Educação. Eles podem ser organizados de forma concomitante, subsequente ou
integrada ao ensino médio.
Entendo que a organização da oferta de educação profissional deve possibilitar
ao aluno realizar um percurso de formação em determinado eixo tecnológico desde os
cursos iniciais até a pós-graduação. A expansão da oferta deve ser acompanhada pela
possibilidade de itinerário múltiplo, desde que se preserve, nesses diferentes percursos,
a qualidade de ensino.
Nessa perspectiva, Kuenzer (2001) assinala que o planejamento integrado entre
instituições educacionais devem garantir a oferta de módulos que permitam aos alunos a
mudança de opção ou complementação de acordo com as demandas do mercado de
trabalho. O planejamento da educação profissional deveria assegurar a possibilidade de
integração de percursos e aperfeiçoamento profissional.
Nesse modo, as escolas devem estabelecer com clareza, em seus projetos
pedagógicos e planos de cursos, os critérios para aproveitamentos de estudos anteriores
e reconhecimento de competência desenvolvidos no exercício do trabalho.
O atendimento educacional especializado:
No que diz respeito ao atendimento educacional especializado, duas concepções,
se confrontam pela direção das políticas educacionais direcionadas para pessoa com
deficiência no Brasil e Minas Gerais; A primeira, podemos caracterizar em linhas
gerais como paralela e substitutiva ao ensino comum e a segunda como inclusiva e
transversal a esse ensino.
A Legislação educacional apresenta a questão de forma dúbia e permite a
implementação dos dois modelos de educação especial. A ambiguidade está presente na
Lei de diretrizes e Base da educação 9394/06, quando estabelece que a educação da
pessoa com deficiência deve ser oferecida, preferencialmente, pela rede regular de
ensino (art. 58), admitindo, assim, a rede especial de ensino. As Diretrizes Nacionais
para a Educação Especial na Educação Básica define educação especial como
Izaura Maria de Andrade da Silva
5405
Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência
modalidade de educação escolar que deve assegurar o atendimento educacional
especializado complementar, suplementar e substitutivo dos serviços educacionais
comuns. As diretrizes, ao consentir o desenvolvimento de atendimento especializado
substitutivo, se contrapõem à proposta de educação inclusiva.
A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação inclusiva
(MEC/SEESP (2004) enfatiza o modelo inclusivo e transversal de educação especial
quando
estabelece
que
o
atendimento
educacional
especializado
deve
ser
disponibilizado ao aluno incluído nas turmas comuns do ensino regular. O referido
documento compreende o atendimento educacional especializado como aquele que
... Identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que
eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando as
suas necessidades específicas. As atividades desenvolvidas no atendimento
educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula
comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse atendimento
complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e
independência na escola e fora dela... (p.16)
Essa compreensão redimensiona o conceito de atendimento educacional
especializado ao destacar o caráter complementar e suplementar do atendimento
educacional especializado à formação dos alunos no ensino regular, em vez do caráter
substitutivo, como historicamente predominou na prática educacional direcionada à
pessoa com deficiência no Brasil. O referido documento salienta também que o
atendimento especializado deve estar articulado com o projeto pedagógico da escola e
constitui-se como oferta obrigatória do sistema de ensino em todos os níveis e etapas da
educação básica.
No âmbito das políticas de educação profissional estão presente ambos os
modelos de educação especial: o substitutivo e o inclusivo.
A resolução n. 02/2001 determina que a rede de educação profissional deve
possibilitar o acesso e a permanência do aluno com deficiência em suas escolas por
meio da adequação do espaço físico, do mobiliário, dos equipamentos utilizados nos
laboratórios e da linguagem, além de promover a flexibilização do currículo, a
capacitação de recursos humanos e o encaminhamento para o trabalho (Resolução CNE/
CP Nº. 2/01). Porém, ao mesmo tempo, afirma:
Izaura Maria de Andrade da Silva
5406
Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência
A educação profissional do aluno com necessidades educacionais especiais
pode realizar-se em escolas especiais, públicas ou privadas, quando
esgotados os recursos da rede regular na provisão de resposta educativa
adequada às necessidades educacionais especiais e quando o aluno
demandar apoios e ajudas intensos e contínuos para seu acesso ao currículo.
Nesse caso, podem ser oferecidos serviços de oficinas pré-profissionais ou
oficinas profissionalizantes, de caráter protegido ou não.
O programa de apoio à educação profissional de pessoas com deficiência da
Secretaria de Educação Especial (MEC, 2007) se propõe a desenvolver ações em três
âmbitos: nas escolas do sistema público e das organizações não governamentais por
meio do redimensionamento das oficinas pedagógicas; na rede Federal de educação
tecnológica com o objetivo de incluir alunos com necessidades educacionais especiais
nos cursos de qualificação profissional, técnicos e tecnológicos de suas escolas e no
sistema S, através da articulação com as instituições que o compõem, para incluir as
pessoas com deficiência nos cursos de qualificação profissional.
O aludido texto destaca que o redimensionamento das oficinas pedagógicas será
implementado através da expansão da oferta e melhoria da qualidade dos cursos
preparatórios de educação profissional. Para alcançar esse objetivo a Secretaria de
Educação Especial do Ministério da Educação prevê a obtenção de equipamentos para
as novas oficinas pedagógicas e melhorias da funcionalidade daquelas que já existem,
além da capacitação dos professores para atuarem nesses cursos.
O documento da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação
(2000) assinala que as oficinas pedagógicas surgiram fundamentadas no princípio da
normalização. De acordo com esse princípio, para que a pessoa com deficiência pudesse
ser integrada na vida social, ela precisava ser normalizada. A integração da pessoa com
deficiência só era admissível, se a mesma conseguisse se adaptar à organização social
vigente. Desta forma foram criados serviços para adequar o indivíduo com deficiência à
estrutura escolar existente: Serviços como classes especiais e oficinas pedagógicas.
Desse modo “a pessoa com deficiência era mantida em ambiente segregado, para ser
re-colocada no espaço comum da sociedade somente quando fosse considerada
«pronta»” (BRASIL/MEC, 2000 p.21). Na verdade, as oficinas pedagógicas se
propunham a normalizar/ajustar o indivíduo às condições excludentes de acesso e
Izaura Maria de Andrade da Silva
5407
Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência
permanência nas escolas de educação profissional regular e no mundo do trabalho. O
referido documento enfoca que as oficinas pedagógicas pré e/ou profissionalizantes
surgiram com a finalidade de desenvolver hábitos de trabalho no aluno com deficiência,
antes de adquirir uma capacitação especifica.
O documento (BRASIL/MEC, 2000) propõe um redimensionamento das
oficinas pedagógicas, tendo com base o paradigma da inclusão. Elas perdem o caráter
de substituição da ‘profissionalização’ e reassumem com mais força seu caráter
preparatório: de desenvolver atividades-meios para o ensino de competências e
habilidades básicas voltadas “para o funcionamento do aluno em todas as instâncias da
vida em comunidade, e especificamente, na instância do mundo ocupacional” (p. 23).
Nessa perspectiva, a oficina pedagógica assemelha-se na sua finalidade à classe
especial na escola regular, tendo como propósito preparar o educando para ser incluído
na rede regular de educação profissional e no mundo do trabalho. As oficinas
pedagógicas são organizadas em turmas exclusivas de pessoas com deficiência em
escolas especializadas ou em escolas comuns. Elas, como as classes especiais são uma
forma de organização as quais aproximam mais do paradigma da integração, pois se
orientam pelo princípio da normalização.
Em relação ao Estado de Minas Gerais, as oficinas pedagógicas de formação e
capacitação
profissional integram os serviços de atendimentos educacionais
especializados, disponibilizados pela Secretaria de Estado de Educação (SEE/MG) em
escolas públicas em instituições filantrópicas da Associação de Pais e Amigos do
Excepcional. A SEE/MG define atendimento educacional especializado como:
Recursos educacionais e estratégias de apoio e complementação colocados
à disposição dos alunos com deficiências e condutas típicas, proporcionando
diferentes alternativas de atendimento, de acordo com as necessidades
educacionais especiais de cada aluno, representando procedimentos que são,
necessariamente, diferentes do ensino escolar para melhor atender às
especificidades desses alunos (p. 1-2)
A Orientação SD nº 01/2005 prescreve que os atendimentos educacionais
especializados ofertados na escola comum devem ser realizados para apoiar e
complementar a escolarização do aluno com necessidades educacionais especiais.
Entretanto, a norma prevê não só os atendimentos educacionais especializados de
apoio e complementação escolar, mas tembém os serviços de substituição da
Izaura Maria de Andrade da Silva
5408
Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência
escolarização em espaços exclusivos, destinados aos alunos com graves deficiências por
meio da classe e escola especial.
Interpretação de LIBRAS. professor de apoio, itinerância, guia intérprete,
instrução de LIBRAS, instruções de códigos aplicáveis, orientação e mobilidade são
atendimentos educacionais especializados de apoio. Tais atendimentos devem ser
oferecidos no mesmo turno da escolarização com objetivo de possibilitar ao aluno
acesso ao currículo. Esses serviços podem ser disponibilizados no interior da escola ou
fora dela.
O atendimento educacional especializado caracterizado como complementar são
as salas de recursos e as oficinas pedagógicas de formação e capacitação profissional,
devendo ser realizados em turno inverso ao da classe comum na qual o aluno está
matriculado.
Segundo a Orientação SD nº 01/2005, as Oficinas Pedagógicas de Formação e
Capacitação Profissional são destinadas aos alunos com deficiências ou condutas
típicas. Elas têm como objetivo o desenvolvimento de aptidões, habilidades e
competências, mediante atividades práticas e laborativas nas diversas áreas do
desempenho profissional. As oficinas podem ser oferecidas em escolas comuns ou
especiais, com turmas compostas de 08 a 20 alunos com idade acima de 14 anos. A
carga horária das oficinas deve ser de 50 minutos até 4 horas diárias e de acordo com o
plano de desenvolvimento individual do aluno.
Pelo estudo da legislação nacional e estadual, podemos concluir que a oficina
pedagógica é um atendimento educacional especializado complementar, articulado
educação básica. Na sua condição de atendimento educacional complementar, o seu
papel não é de substituir a educação profissional, mas suplementar e apoiar o aluno com
deficiência na escola comum de educação profissional.
Porém, na verdade, historicamente e ainda nos dias atuais, ela praticamente tem
sido o modelo de oferta de educação profissional para pessoa com deficiência. No
gráfico1, podemos verificar que 96% das matriculas de pessoas com deficiência na
educação profissional estão em uma categoria, denominada pelo censo escolar de 2005,
de educação profissional básica. que se realiza predominantemente por meio das
oficinas pedagógicas em escola ou classes especiais.
Izaura Maria de Andrade da Silva
5409
Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência
Considerando a expressividade de matrículas de alunos com necessidades
educacionais especiais nos programas de educação profissional básica (96%), podemos
afirmar que a finalidade das oficinas pedagógicas não tem sido a de complementar o
ensino comum, mas sim de substituí-lo. Ela tem se constituído, praticamente, com a
única possibilidade de acesso das pessoas com deficiência à formação para o trabalho.
Outro aspecto que reforça seu caráter substitutivo ao ensino regular, é que esse
atendimento educacional especializado não está vinculado a nenhum programa de
educação profissional comum a todos os alunos.
Educação profissional da pessoa com deficiência em Minas e na região
metropolitana de Belo Horizonte.
No que diz respeito à situação da formação profissional das pessoas com
deficiência no Estado de Minas Gerais, a situação não é muito diferente daquela que se
apresenta no resto do país. Em 2005, encontravam-se matriculados em cursos técnicos
de educação profissional 86.168 alunos. Destes, apenas 10 tinham deficiência e estavam
incluídos em classes comuns da escola regular de ensino técnico. Nenhum desses alunos
dispunha de atendimento educacional especializado de apoio. Confirmando a tendência
em nível nacional, a concentração das matrículas de alunos com deficiência se
encontrava na educação profissional básica, na qual foram identificadas 5.5042
matrículas em escolas especiais.
No Estado mineiro, a política de educação profissional voltada para pessoa com
deficiência ocorre por meio do programa de educação profissional especializada,
desenvolvida pelas Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAES); Por
meio do ‘projeto incluir’ da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais, através
da oferta de atendimento educacional especializado, principalmente, mediante as
oficinas pedagógicas de formação e capacitação profissional ofertadas em escolas
estaduais de ensino fundamental especializada ou comum.
2
Para chegar a esse resultado foram subtraídas dos dados referentes as matrículas de alunos com
necessidades educacionais especiais na educação profissional (básica), oferecida na escola exclusiva de
educação especial, e as matrículas dos alunos com conduta típica (transtornos emocionais) por não serem
pessoas com deficiência.
Izaura Maria de Andrade da Silva
5410
Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência
As instituições das APAES no Estado de Minas gerais integram a rede estadual
de ensino e oferecem, na área educacional, a educação infantil, o ensino fundamental
preliminar, educação de jovens e adultos e a educação profissional especializada, além
de outros atendimentos educacionais especializados.
O programa de educação profissional da APAES está dividido em três etapas:
Avaliação e Iniciação para o trabalho, Qualificação Profissional e Colocação no
Trabalho. As oficinas pedagógicas de formação e capacitação profissional integram o
programa no nível básico de formação inicial e continuada do trabalhador na primeira
etapa de inicialização para o trabalho/pré-profissionalização e na segunda etapa, de
qualificação profissional. No entanto, a preparação desenvolvida pelo programa não
confere ao concluinte certificado reconhecido que possibilite o aproveitamento e a
continuidade dos estudos em outras instituições ou a inserção no mercado de trabalho. O
programa, também, não prevê terminalidade, havendo um número significativo de
alunos os quais ficam retidos nas oficinas pedagógicas e ou produtivas das APAEs.
Na região metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), no ano de 2007, de acordo
com o censo escolar, apenas 3 escolas regulares de ensino técnico tinham alunos com
deficiência matriculados. Nenhum deles dispunham de atendimento educacional
especializado de apoio. Já as oficinas pedagógicas de formação e capacitação
profissional eram oferecidas em 08 escolas estaduais de educação especial e em 21
APAES. Não foi identificada na, RMBH, oferta de oficinas em escola comum.
No quadro 1, apresentamos as oficinas pedagógicas segundo o eixo tecnológico,
desenvolvidas nas APAES e nas escolas especiais da região metropolitana de Belo
Horizonte. Organizei esse quadro, de acordo com a nova classificação em eixos
tecnológicos para educação profissional apresentada no parecer CNE/CBE N 11/2008.
Utilizo essa classificação na busca de visualizar as possibilidades de construção
de competências similares no âmbito das diferentes etapas do processo de formação
profissional; dos cursos iniciais a pós-graduação. A nova classificação reorganiza as 20
áreas profissionais em 12 eixos tecnológicos.
No quadro1 podemos constatar que 50% dos cursos oferecidos nas oficinas da
região metropolitana situam-se no eixo tecnológico de produção cultural e design,
seguidos de produção alimentícia e da produção industrial com 13,3% cada,
respectivamente, e de recursos naturais com 12,%.
Izaura Maria de Andrade da Silva
5411
Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência
Para verificar se há consonância entre os cursos oferecidos nas oficinas
pedagógicas e os desenvolvidos na escola comum; apresento o levantamento dos dados
do censo escolar de 2006 sobre cursos com maior expressividade de matrícula na região
metropolitana de Belo Horizonte/MG. Esse levantamento foi realizado pelo grupo de
pesquisa sobre evasão escolar no ensino técnico, na qual a minha investigação tem
algumas interfaces. Nele foi constatado que a maior incidência de matrículas se
encontra em cursos vinculados às seguintes áreas profissionais: Saúde (48%), Indústria
(24, 2%), gestão (6 6%) e informática (5,3). No quadro 2 (em anexo) podemos constatar
os cursos oferecidos nestas 4 áreas profissionais.
A predominância de matrícula, nessas áreas, sinaliza nos que são campos
profissionais em crescimento na região metropolitana de Belo Horizonte.
Mesmo sabendo que a correspondência entre área profissional e eixo tecnológico
não é exata, entendo que a leitura dos quadros 1 e 2 nos apresenta indicativos para
avaliarmos se o programa de formação oferecido nas oficinas pedagógicas, está em
sintonia com os programas de educação profissional em nível médio com mais
expressividade na região estudada. Entendo que a consonância entre as etapas iniciais
da formação profissional com as etapas posteriores possibilita a integração de percurso e
o aperfeiçoamento profissional.
Comparando o quadro 1 e 2, podemos constatar que, enquanto, nas instituições
regulares de educação profissional prevalece a área de saúde, indústria, gestão e
informática, nas oficinas pedagógicas predominam as áreas de artesanato, produção
alimentícia, produção industrial e recursos naturais. Apenas uma área coincide nos dois
quadro: a produção industrial. Isso mostra que algumas escolas estão preocupadas com
sintonia dos cursos oferecidos com demanda da economia local; no entanto, não é o que
predomina.
O discurso oficial3 ressalta que a organização das oficinas pedagógicas deveria
considerar a demanda do mercado local e as potencialidades dos indivíduos. Na
condição de etapa inicial na formação do trabalhador, as oficinas deverian possibilitar a
3
A secretaria de educação Especial do MEC destaca que a, “A expansão da oferta e melhoria da
qualidade dos cursos preparatórios para a educação profissional, deve considerar à demanda do
mercado de trabalho e as potencialidades dos alunos.” (BRASIL/MEC/SEESP, 2007) E ainda, “Há
também que se considerarem, na avaliação profissional, os fatores de empregabilidade, o perfil do
mercado de trabalho local, suas demandas e exigências.” (BRASIL/MEC/SEESP, 2000)
Izaura Maria de Andrade da Silva
5412
Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência
construção de itinerários formativos em uma determinada área profissional. No entanto
não é essa a realidade identificada nas oficinas pedagógicas oferecidas a pessoas com
deficiência na região metropolitana de Belo Horizonte. Não há consonância entre as
áreas predominantes na educação regular e aquelas desenvolvidas nas oficinas.
A proposta da educação básica unitária não dispensa a inclusão das demandas
empresariais no âmbito de formação do trabalhador, já que um dos seus objetivos é a
preparação do indivíduo para inserção produtiva. Nessa perspectiva, Dore soares (2001)
assinala “vivemos numa sociedade capitalista e as atividades de trabalho nas quais
precisamos nos engajar, como cidadãos e cidadãs, estão relacionados a esse modo de
produção. Por isso, a oferta das oficinas pedagógicas deveria estar sintonizada com as
principais áreas profissionais da economia local, seja na perspectiva de sondagem de
aptidões, seja na condição de qualificação profissional.
As oficinas pedagógicas articuladas ao ensino fundamental, sintonizadas com as
demanda da economia local, não deveriam ser exclusivas dos alunos com deficiência.
Elas, de certa forma, integram o princípio do trabalho no processo educacional. Nesta
perspectiva, a oficina pedagógica pode contribuir na construção de um projeto de
educação básica unitária. No entanto, não foi possível verificar, ainda, a relação entre o
currículo desenvolvido na educação fundamental e o desenvolvido nas oficinas
pedagógicas, Será ele, de fato integrado? Ou são processos realizados de forma
estanque?
Todas 72 oficinas pedagógicas identificadas na região metropolitana de Belo
Horizonte estão em escolas exclusivas para pessoa com deficiência, com programa de
formação desvinculado do mercado de trabalho. O caráter dos programas oferecidos
enfatiza o aspecto instrumental e operacional da educação profissional.
A oferta das oficinas pedagógicas, no modelo que vem sendo desenvolvido nos
diversos programas institucionais, como demonstramos no decorrer desse texto, não
coadunam com o paradigma da inclusão. Acentuando a concepção de atendimento
educacional especializado, como paralelo e substitutivo ao ensino comum.
O quadro apresentado aponta a necessidade de redefinir a organização da oferta
de atendimento educacional especializado, notadamente, no âmbito do ensino médio e
da educação profissional, no sentido de garantir os suportes necessários os quais
Izaura Maria de Andrade da Silva
5413
Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência
viabilizem a inclusão dos alunos com deficiências nas escolas comuns de educação
profissional.
Referência bibliográfica
BRASIL/MEC/SEESP. Apoio a Educação profissional. Disponível em portal.
mec.gov.br/seesp/index.php?option=content&task=view&id=72&Itemid=201
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em Nov. 2007.
BRASIL. Lei nº. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases
da Educação Nacional. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 1996.
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educação básica. Brasília: MEC; SEESP, 2001.
BRASIL/MEC/INEP. Micro dados do censo escolar de 2005. Brasília, 2006 a. 1 CDROM.
BRASIL/MEC/SEESP. Oficinas Pedagógicas: Um espaço para o desenvolvimento
de competências e habilidades na educação profissional In:__________ Projeto
Escola Viva - Garantindo o acesso e permanência de todos os alunos na escola - Alunos
com necessidades educacionais especiais. Brasília, 2000
BRASIL MEC/SEESP. Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da
Educação
inclusiva.
Brasília,
2008.
Disponível
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http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/politica.pdf Acesso em agosto de 2008.
KUENZER, Acácia (org.) Ensino médio: Construindo uma proposta para os que
vivem do trabalho. 2º edição. São Paulo: Cortez, 2001
SOARES, R.D. Escola média no Brasil: por que não unitária?. 2001. Disponível em:
<http://www.br.monografias.com/trabalhos2/escola-media-brasil/escola-mediabrasil.shtml> Acesso em: 29 Abr.2009.
MINAS GERAIS/SEE. Atendimentos Educacionais Especializados. Disponível em
http://200.198.28.154/sistema44/banco_objetos/%7B9DB64EA0-BDCF-48CB-BB12F68C5F6B2506%7D_ATENDIMENTO%20EDUCACIONAL%20ESPECIALIZADO.
pdf. Acesso em: 29 Abr.2009.
MINAS GERAIS/SEE. ORIENTAÇÃO SD nº 01/2005 - orienta o atendimento de
alunos com necessidades educacionais especiais decorrentes de deficiências e condutas
típicas. PUBLICADA NO DIÁRIO OFÍCIAL DE MG EM 09 DE ABRIL DE 2005.
Disponível em http://200.198.28.154/sistema44/banco_objetos/%7B6B48795E-8C574951-9DE1-32EF5E8F1739%7D_ORIENTAÇÃO%20SD%2001_2005.pdf
Izaura Maria de Andrade da Silva
5414
Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência
OLIVEIRA, Maria Helena A. (coord.) Educação profissional e trabalho para pessoas
com deficiências intelectual e múltipla: plano orientador para gestores e profissionais.
FENAPAES/MTE, Brasília, 2007.
Fonte: Microdados do censo Escolar de 2005
Izaura Maria de Andrade da Silva
5415
Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência
Quadro 1 - Oficinas pedagógicas desenvolvidas na região metropolitana de Belo
Horizonte – 2008
EIXO
TECNOLÓGICO
OFICINAS PEDAGÕGICA
Produção Alimentícia
Produção cultural e
design
Produção industrial
Gestão e negócio
Informação
comunicação
Ambiente,
segurança
e
saúde,
Recursos naturais
Culinária
Cozinha experimental
Auxiliar de padaria,
Auxiliar de cozinha sorveteria
Artesanato
Bijuteria
Reciclagem
Embalagem
Tapeçaria
Cartonagem
Emborrachado
Dobraduras,
Bordado e crochê
Pintura
Papel artesanal
Marcenaria
Encadernação
Costura
Auxiliar de produção
Gestão trabalhista
Auxiliar de escritório
Empacotador
Atendente
Auxiliar de limpeza
Editorização eletrônica
Informática
Salão
Coméstico
Horta
Jardinagem
Floricultura
Agroecologico
TOTAL
Izaura Maria de Andrade da Silva
%
13,3 %
50%
13,3%
6,0
2,4
3.6
12,0
100%
5416
Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência
Quadro 2 – cursos por área profissional, com maior expressividade de matrícula
na região metropolitana de Belo Horizonte/MG – 2006
ÁREA PROFISSIONAL
SAÚDE
INDÚSTRIA
GESTÃO
INFORMÁTICA
4
CURSOS4
Acupuntura;
Auxiliar técnico de enfermagem*
Biodiagnóstico
Enfermagem*
Esteticista
Farmácia
Higiene dental
Instrumentação
Laboratório de prótese dentária
Massoterapia
Nutrição e dietética
Ótica
Patologia clínica
Prótese dentária
Radiologia
Radiologia médica – radiodiagnóstico*
Segurança no trabalho*
Automação industrial
Automobilística
Biotecnologia
Eletromecânica*
Eletrônica*
Eletrotécnica*
Manutenção de aeronaves
Manutenção de componentes periféricos
Manutenção de máquinas
Manutenção mecânica
Mecânica*
Mecânica de manutenção industrial
Mecânica industrial
Mecatrônica
Projetista de moldes para plástico
Administração / gestão*
Administração de empresas*
Administração de empresas (negócios) *
Administração e negócios*
Contabilidade*
Contabilidade e finanças
Gestão de processos industriais
Secretariado
Informática - configuração de redes
Informática*
Informática empresarial
Informática industrial*
Sistemas de informação
Os cursos com asteriscos são os tiveram maior incidência de matrícula.
Izaura Maria de Andrade da Silva
5417
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
DIFERENÇA, DIVERSIDADE E DEFICIÊNCIA:
UMA TRAJETÓRIA CURRICULAR
Kátia Patrício Benevides Campos
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular
DIFERENÇA, DIVERSIDADE E DEFICIÊNCIA: UMA TRAJETÓRIA
CURRICULAR
Kátia Patrício Benevides Campos
RESUMO: O objetivo desse texto é discutir a diferença e a deficiência a partir de uma
construção cultural inscrita na diversidade da espécie humana. Como construção
histórica, revela-se por uma trajetória curricular. O texto apresenta inicialmente, o
Currículo como elemento central de uma política cultural, produtora de significados,
inscritos nos indivíduos a partir da produção da diferença/deficiência. Em seguida, na
perspectiva da construção da deficiência, discutiremos seus efeitos a partir da
marginalização do indivíduo social marcada pela sua não incorporação e/ou inserção
desqualificada nas relações sociais e políticas. Ainda nessa direção, abordaremos a
produção de estigmas posta no indivíduo com deficiência. Por fim, a partir das reflexões
abordadas ao longo do texto discutiremos sucintamente a história da Educação Especial,
sua importância enquanto suporte pedagógico para o indivíduo com deficiência, bem
como os ganhos trazidos pela Educação Inclusiva.
PALAVRAS-CHAVE: diferença - diversidade - deficiência - currículo.
O currículo está no centro das relações políticas, atuando na construção de uma
política cultural como elemento de significação. Nele habitam filosofias, visões de
mundo, significados que, materializados nas políticas curriculares, constroem
identidades sociais e culturais. Entendido desse modo o currículo é seleção, pois a
produção imbricada é sempre resultado de uma política de representação. Esta política
consiste na produção de saberes, já que culturalmente fomos ensinados a recebê-los
como verdades científicas as quais estão presentes em diversos artefatos culturais, a
exemplo dos que constituem o espaço escolar, livros, revistas, cartilhas (BERTICELI,
2001 ).
Como produtores de saberes, estes deixam marcas na medida em que ditam
normas, constroem sua política de representação, elegendo o “outro” como diferente,
Kátia Patrício Benevides Campos
5421
Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular
anormal, etc. Assim, artefatos culturais produzem e são produzidos por saberes que se
constituem em dispositivos culturais, transformando-se em “práticas, reguladoras e
reguladas, ao mesmo tempo produzidas e produtivas” (COSTA , 2001, p. 43).
Nesse bojo, compreendemos as políticas curriculares como efeitos de discurso
os quais nos propicia elementos para considerarmos sua produção uma invenção. Como
tal, ela legitima práticas, produz sujeitos, fixa “verdades”, ordena o mundo, regula e
controla populações.
Desse modo, o conhecimento contemplado pelo/no currículo passa a ser visto
como cultura que, por meio de representações produzidas nas relações de poder, tornase campo de disputas de sentidos. Assim, os significados em torno destas questões
constroem relações e identidades, tornando-se um processo constante de transformação.
Nesta direção, a cultura deixa de ser fixa, uma vez que sua constituição se dá sob
processo de movimento, ou seja, “A cultura é um campo de produção de significados no
qual os diferentes grupos sociais, situados em posições diferentes de poder, lutam pela
imposição de seus significados à sociedade mais ampla” (SILVA, 1999, p. 133-4). Ou
seja, há uma grande luta dos diferentes grupos para o reconhecimento das diferentes
formas de vida dos diferentes grupos. Tal possibilidade, consiste na disseminação da
diversidade do conhecimento, em toda parte, de acordo com as diversas culturas.
Partindo da compreensão de que há uma relação entre sujeito e conhecimento,
entendemos que o currículo não contempla apenas conteúdos formais e atividades, mas
também a construção de relações intersubjetivas, de atitudes e de visões de mundo
através da socialização realizada pela escola. Como lembra Charlot (2000, p. 63),
Não há sujeito de saber e não há saber senão em uma certa relação com o mundo,
que vem a ser, ao mesmo tempo e por isso mesmo, uma relação com o saber.
Essa relação com o mundo é também relação consigo mesmo e relação com os
outros. Implica uma forma de atividade e, acrescentarei, uma relação com a
linguagem e uma relação com o tempo.
Nesse sentido, compreendemos que o currículo nos forma e nos transforma, nos
ensina a ser indivíduos; inclui não apenas conteúdos e atitudes, mas também a forma
como lidamos com as diferenças inscritas na diversidade entre indivíduos na escola.
Na escola os efeitos dessa política curricular explicitam-se nas formas de
constituição das relações entre indivíduos e conhecimentos. Desse modo, há toda uma
fabricação de formas de validação do conhecimento, como também as formas de
Kátia Patrício Benevides Campos
5422
Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular
produção e aquisição destes, em contraposição a outras. Assim, a política curricular,
metamorfoseada em currículo, efetua, enfim, um processo de inclusão de certos saberes
e de certos indivíduos, excluindo outros. Vale salientar que os saberes produzidos pela
escola, ao longo de sua trajetória, são constituídos político e culturalmente, por relações
de poder, através de narrativas que interpelam os indivíduos, regulam suas vidas,
determinando formas de ser e de agir de toda uma população. O indivíduo é produzido a
partir do que dele é falado. A própria narrativa vai o construindo esse a ponto de tornálo “real” (COSTA, 2001). Vale lembrar, que embora este seja construído culturalmente,
este também colabora para sua construção, considerando que sua identidade é produzida
individual e coletivamente (CASTELLS, 2002)
Neste caso, destacamos a instituição escola como um dos espaços de excelência,
encarregada do processo educativo de crianças, jovens e adultos (as), constituindo-se
num dos lugares de práticas curriculares. Ou seja, lugar de construção de experiências,
de formação e transformação de indivíduos a partir de concepções de homem e
sociedade.
Referimo-nos à escola surgida na Modernidade cujo movimento consiste na
formação de sujeitos a partir de padrões estabelecidos socialmente. Esta escola
desenvolveu-se numa perspectiva de homogeneização de indivíduos no sentido de
normalização de corpos e mentes. A não correspondência do que é considerado normal
para a escola é significado por ela como diferente, precisando ser “normalizado”. Nessa
direção, a igualdade passa a ser um problema, uma vez que os indivíduos não são
idênticos e, por isso, a luta pela igualdade entre eles reafirma a diferença. A esse
respeito Scott(1988) apud Louro (2000, p. 46) afirma que “a igualdade é um conceito
político que supõe a diferença”. Ou seja a luta deve ser pela equivalência entre os
indivíduos. Nesse contexto, o par diferença/igualdade somente tem sentido, se
compreendida, como igualdade de oportunidades inscrita na singularidade dos
indivíduos. Vale lembrar que a relação igualdade/diferença está impressa nas relações
sociais e na apropriação, por parte de determinados grupos, dos recursos materiais e
simbólicos da sociedade. Isto é evidenciado na própria história da escola, conforme fica
demonstrado no texto abaixo:
Diferenças, distinções, desigualdades... A escola entende disso. Na verdade,
a escola produz isso. Desde seus inícios, a instituição escolar exerceu uma
Kátia Patrício Benevides Campos
5423
Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular
ação distintiva. Ela se incumbiu de separar os sujeitos – tornando aqueles
que nela entravam distintos dos outros, os que a ela não tinham acesso. Ela
dividiu também, internamente, os que lá estavam, através de múltiplos
mecanismos de classificação, ordenamento. A escola que nos foi legada pela
sociedade ocidental moderna começou por separar adultos de crianças,
católicos de protestantes. Ela também se fez diferente para os ricos e para os
pobres e ela imediatamente separou os meninos e meninas ( Louro, 2001, p.
57 ).
É importante reconhecer que dentre diversas instituições produtoras de
diferenças entre sujeitos, destacamos a escola ocidental moderna que contribuiu com a
produção cultural das diferenças a partir da diversidade da espécie humana. As
diferenças inscrevem-se nos sujeitos que se diferenciam do padrão de normalidade
marcados pela diferença física, cognitiva, comportamental, considerados culturalmente
sujeitos com deficiências. Nesse sentido, discutiremos a seguir a deficiência como
construção cultural na relação com a produção da diferença.
A construção social da deficiência
Numa concepção de deficiência como construção social sabemos que,
historicamente, os indivíduos em situação de deficiências têm sido submetidos a
diversas situações de marginalização social por serem tomados como grupos desviantes,
em decorrência de diferenças orgânicas e/ou comportamentais. Considerando o padrão
social de um indivíduo dito normal, estes são julgados como incapazes, inclusive, de
participarem dos diferentes espaços e atividades sociais a exemplo de escolas, festas,
mercado de trabalho e, outros. Tidos como improdutivos, grande parte desses indivíduos
depara-se com situações que os impedem de transitar nas diversas instâncias públicas o
que implica, a negação dos direitos humanos básicos a exemplo da apropriação digna a
saúde, a educação, a cultura, ao lazer e outros.
Na dimensão social, a deficiência inscreve-se como categoria específica para
identificar diferenças individuais. Tal termo, após a Declaração de Salamanca
(UNESCO, 1994), foi substituído por necessidades especiais. Assim, evidenciamos a
deficiência na relação com a produção da diferença, que construída, inscreveu a
exclusão dos indivíduos sob diversas formas, presentes nos diferentes marcadores
sociais: gênero, etnia, classe, aparência física, deficiência e, outros. De acordo com
Omote (2004, p. 288),
Kátia Patrício Benevides Campos
5424
Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular
Como fenômenos naturais, a diversidade ou a variabilidade intra-específica
e as diferenças interindividuais representam um grande patrimônio, do qual
pode depender a adaptabilidade da espécie em seu meio, assegurando, em
última instância, a sua sobrevivência. Entretanto nem todas as características
diferentes são intrinsicamente vantajosas. O caráter vantajoso ou
desvantajoso as características adquirem em interação com o meio. (...)
Assim, do ponto de vista dos processos naturais, as diferenças e a
diversidade apresentadas pelas pessoas podem ser funcionais ou não em
diferentes extensões e em diferentes situações (OMOTE, 2004, p. 288).
Como fenômeno natural, a diversidade se dá na variedade da espécie humana
produzida pelas diferenças orgânicas (patologias, traumatismos, etc) e ambientais (
físico-químico e psicossocial (Ibidem, 2004).
A compreensão da diversidade da natureza humana inscrevem-se nos olhares das
culturas. Cada uma delas constrói suas regras sociais com base no conceito de
normalidade produzindo a diferença a partir das identidades classificatórias
(LONGMAN, 2002). Tais identidades produzem a marginalização do indivíduo social
marcada pela não incorporação e/ou inserção desqualificada dos sujeitos nas relações
sociais e políticas Trata-se da negação desses indivíduos na igualdade de oportunidades,
justificada pelo não enquadramento destes nos padrões sociais de normalidade. A esse
respeito, Logman (2002, p. 1) faz as seguintes interrogações a partir de algumas
situações de deficiência:
Por que nomeá-lo ‘deficiente auditivo’, ‘deficiente visual’? Por que
considerar deficiente aquele que sabe olhar e ver através de outros sentidos,
ou tem uma experiência mais auditiva e/ou táctil do mundo? Por que
considerar deficiente aquele que vê vozes ou tem uma experiência visual do
mundo? Por que considerar deficiente aquele que tem uma outra cognitiva
de pensar, que não estão inseridos na ‘norma/média’dos modelos
piagetianos de resolver problemas? Por que ser singular é ser deficiente?
Qual o cruel e escuso processo transformou uma diferença em falta, em
negação, em inferioridade, fora da média, em deficiente?
Tecer essas perguntas significa problematizar os modelos naturalizados da
deficiência e tentar romper com modelos construídos na sociedade como verdades
absolutas em que padrões de normalidade condicionam toda a vida social. Por não se
adequarem aos modelos vigentes, os indivíduos classificados como deficientes carregam
Kátia Patrício Benevides Campos
5425
Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular
os estigmas1 da incompetência e improdutividade inscrevendo o sujeito no descrédito e
inferioridade moral e social (Ibidem, 2002).
Entendemos que as diferenças inscritas nestes sujeitos são produções culturais,
uma vez que, as sociedades em geral têm grande dificuldade em conviver com a
diversidade humana. A possível quebra da normalidade produz o processo de
marginalização social justamente para enquadrar os mais capazes ao sistema produtivo,
deixando a margem aqueles considerados inapropriados para o sistema (FERNANDES,
1998). Nesse sentido, o autor refere-se a Gofman (1978) e Foucault (1977) quando
analisam o nascimento das instituições como manicômios, prisões e outros, como uma
das formas de proteger a sociedade contra os indivíduos que ameaçavam a ordem
vigente.
No século XIX, estas instituições objetivavam adapta-los ao sistema
normalizador. Tais instituições são localizadas e analisadas por Foucault (1991) como
um dos lugares onde o poder disciplinar é exercido, uma vez que, nesses lugares, são
investidas estratégias políticas colocando em funcionamento um discurso disciplinar
produzindo um regime de “normalidade”. Assim, as normas sociais são estabelecidas
pelas diferentes culturas, com exceção, “as que se referem às deficiências orgânicas ou
físicas” (FERNANDES, 1998). Para a autora, as anormalidades devem ser analisadas
nas relações entre os indivíduos, considerando a implicação do Estado nos seus deveres
e nas suas relações de classe, uma vez que, tais relações são produzidas socialmente nas
esferas econômica, política e cultural.
Compreendemos que a importância da diferença, consiste no reconhecimento de
singularização dos indivíduos. A esse respeito, Louro (2001, p. 46) referindo-se a Scott,
afirma: “a igualdade é um conceito político que supões a diferença. Segunda ela (Scott),
não há sentido em reivindicar a igualdade para os indivíduos que não são idênticos, ou
que são os mesmos”. Dessa forma a luta deve ser em torno da equivalência entre eles,
no sentido de direitos e deveres iguais para todos. Tal compreensão implica em ver a
igualdade na diferença como possibilidade de construção de relações mais
democráticas, em que as diferenças entre os indivíduos possam ser consideradas como
outras possibilidades de relações a partir do diverso. Pensar a diferença inscrita na
1
Os estigmas são construções culturais inscritas nos sujeitos. Marcados socialmente por faltas,
geralmente, estão à margem das condições dignas de sobrevivência, tornando-os muitas vezes,
desacreditados (OMOTTE, 2004 apud GOFFAMAN, 1993).
Kátia Patrício Benevides Campos
5426
Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular
deficiência significa problematizar as identidades dos indivíduos, que se encontram em
situações de desigualdade social perante os considerados normais.
Entendemos que a identidade traduz significado e vivência de um povo
construída na relação entre o eu e o outro caracterizada pelo particular e universal das
variadas culturas. A identidade se constrói a partir de um processo de significação com
base no conjunto de elementos culturais portadores também de significados
(CASTELLS, 2002).
A identidade corresponde ao processo de individuação e internalização gerada
na construção de significado pelo indivíduo. Tais significados também são construídos a
partir das instituições as quais negociam os papéis sociais. Os papéis sociais
diferenciam-se das identidades, pois são construídos pelas organizações sociais a partir
de negociação entre instituições e indivíduos. Nas palavras de Castells (2002, p. 23),
A importância relativa aos papéis no ato de influenciar o comportamento das
pessoas depende de negociações e acordos entre os indivíduos e essas
instituições e organizações. Identidades, por sua vez, constituem fontes de
significado para os próprios atores, por eles originadas, e construídas por
meio de um processo de individuação. Embora [...] as identidades também
possam ser formadas a partir de instituições dominantes, somente assumem
tal condição quando e se os atores sociais as internalizam, construindo seu
significado com base nessa internalização.
Desse modo, a compreensão acerca de identidades é significada a partir de
diversos marcadores sociais (raça, gênero, sexualidade, aparência física, deficiência
etc.), uma vez que constituem e são constituidores de identidades sociais múltiplas,
formadoras de indivíduos, relacionando-se com diversas instâncias e instituições,
convivem com diferentes grupos e negociam situações. Nesse caso, destacamos a
deficiência como reconhecimento da diversidade humana em que as diferenças entre os
indivíduos foram produzidas, quase sempre, de modo pejorativo.
Diante do exposto, apresentamos numa dimensão curricular da Educação
Especial um pouco da trajetória social do indivíduo com deficiência no contexto social.
Marcada, historicamente, por quatro grandes períodos, encontraremos diferentes
compreensões sobre o indivíduo com deficiência na relação com concepção de
humanização, bem como as intervenções atribuídas a este, de acordo com os tempos
históricos, políticos, econômicos e culturais. Importante esclarecer que ao tratar de
Kátia Patrício Benevides Campos
5427
Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular
períodos, devemos compreendê-los como momentos predominantes em cada época e
lugar.
A Educação Especial: uma trajetória curricular
No contexto da Educação Especial, identificamos quatro períodos no
desenvolvimento do atendimento a indivíduos com deficiências em países da Europa e
América do Norte (KIRK e GALLAGHER, 1979: MENDES, 1995; SASSAKI, 1997,
apud MIRANDA, 2004 ).
O período pré-cristão e cristão dividido em dois momentos: o primeiro marcado
pela negligência, abandono e eliminação dos indivíduos com deficiências. A sociedade
naturaliza tais atitudes por se tratarem de indivíduos que viviam a parte do contexto
social considerado “normal”. Em outro momento, o tratamento dava-se de acordo com
as compreensões sobre castigo ou caridade, obedecendo as diferentes concepções
culturais das comunidades (Ibidem, 2004)
Nos séculos XVIII e meados do século XIX, é marcado pelo período da
institucionalização, em que o processo de segregação significava proteção do indivíduo
com deficiência. Tais práticas aconteciam em instituições residenciais.
O terceiro período, final do século XIX e meados do século XX se constitui pelo
surgimento de escolas e/ou classes especiais em escolas públicas, objetivando
desenvolver o trabalho diferenciado da educação na escola regular. Sua ênfase se dava
a partir de um serviço especializado que comportava recursos, profissionais, técnicas e
métodos para o trabalho com o ensino e aprendizagem dos alunos de acordo com as
especificidades de cada um, em ambiente próprio. O último período, final do século
XIX, década de 1970 voltado para a concepção de integração tendo como propósito a
integração do aluno com deficiência em ambientes escolares, considerando a
importância da aproximação e inserção desse indivíduo.
No Brasil, a partir da década de 1990, a Educação Especial responde pela
necessidade educacional especial advinda do aluno na relação com o contexto históricocultural de aprendizagem. Sua preocupação pedagógica considera o aluno a partir das
condições reais de aprendizagem no tocante ao aluno e aos sistemas escolares, portanto,
não somente as questões de alunos com deficiência e/ou com Transtornos Invasivos do
Kátia Patrício Benevides Campos
5428
Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular
Desenvolvimento, o que sugere uma vasta compreensão sobre necessidades
educacionais especiais, inclusive uma maior problematização da proposta pedagógica
das unidades escolares. Esta compreensão abre espaço para uma relação de ensino
pautada numa dimensão mais democrática uma vez que a análise da relação ensinoaprendizagem passa ser contextualizada. Nesse processo, o currículo escolar, o aluno, o
espaço e tempo escolar, a metodologia, as concepções de ensino e, outros elementos são
considerados fundamentais para o processo educativo.
Considerando a abrangência da Educação Especial voltado para aqueles que,
ainda, se encontram à margem do processo educacional inclusivo, destacamos o seu
valor enquanto diretriz importante para a compreensão do ensino-aprendizagem do
indivíduo em situação de deficiência.
Desse modo, discutiremos a Educação Inclusiva como importante política para
o processo de redemocratização das relações o que implica na luta pela Educação
Especial como garantia e suporte para aqueles que necessitam de um atendimento
especializado de acordo com as suas singularidades.
A Educação Inclusiva: uma possibilidade
A Educação Inclusiva se constitui para os indivíduos com deficiência um espaço
de acesso e permanência de todos na escola. Consiste em criar mecanismo de trabalho
considerando o espaço escolar, o conteúdo programático, os ritmos de aprendizagem,
uma melhor formação do professor, os recursos necessários e, outros que favoreçam um
melhor processo educativo. Nas palavras de Figueiredo (2002, p. 68)
Inserir na escola aqueles que dela foram excluídos, sem que esta seja
redimensionada dentro de um novo paradigma, é dar continuidade ao
movimento de exclusão, visto que, se a escola permanece com práticas
excludentes e concepções políticos-pedagógicas conservadoras, esses alunos
serão excluídos ou permanecerão sem obter nenhum sucesso em sua
aprendizagem e no seu desenvolvimento.
Implica na necessidade de desconstrução de práticas pedagógicas conservadoras
as quais colaboram para a discriminação dos indivíduos com deficiência. Assim,
Figueiredo (2002) afirma a importância de problematizar concepções e valores de
Kátia Patrício Benevides Campos
5429
Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular
modelos segregacionistas e preconceituosos, bem como sair do registro de soluções
paliativas para o processo educativo.
No contexto de negação dos direitos sociais, várias são as lutas em torno da
democratização das relações o que implica na política de inclusão social. É pertinente
reconhecer que a inclusão social significa, dentre outros: 1) o acesso do sujeito aos
diferentes espaços; 2)
minimização
dos mecanismos de
marginalização
e;
desenvolvimento de estratégias de beneficiamento para o indivíduo com deficiência de
forma que possibilite o desenvolvimento das diferentes habilidades e capacidades de
acordo com singularidades de cada sujeito (Ibidem, 2002).
Nessa perspectiva a Educação Inclusiva passa a fazer parte da agenda das nações
resultando em Políticas Públicas de Educação. Assim, a inclusão desses indivíduos na
escola comum a partir da década de 1990 passa a ser diretriz importante em diversos
países, inclusive no Brasil. De acordo com Glat e Blanco (2007, p. 16)
A política da Educação Inclusiva diz respeito à responsabilidade dos
governos e dos sistemas escolares de cada país com a qualificação de todas
as crianças e jovens no que se refere aos conteúdos, conceitos, valores e
experiências materializadas no processo ensino-aprendizagem escolar, tendo
como pressuposto o reconhecimento das diferenças individuais de qualquer
origem.
Reconhecemos um avanço significativo expresso por algumas políticas públicas
sociais as quais representam ações em torno da luta pelo direito à dignidade do
indivíduo com deficiência. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada
pela Organização das Nações Unidas (O.N.U., 1948), reconhece os direitos e valores
relativos à dignidade humana a todos os membros da família, estabelecendo direitos
iguais independente de raça, nacionalidade, sexo ou qualquer diferença, ampliando os
espaços políticos e sociais, o que significa incorporação do conceito de indivíduo no
respaldo institucional legal do ocidente.
Aranha (2004) aponta ainda: 1) A Constituição Federal do Brasil (1988) que
garante o direito aos indivíduos com necessidades especiais na rede regular de ensino;
2) O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que assegura no Artigo III o
atendimento
educacional
especializado
aos
portadores
de
deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 1990); 3) a Declaração
Mundial, em 1990, tratada na Tailândia sobre Educação, a qual estabelece um Plano de
Kátia Patrício Benevides Campos
5430
Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular
ação para suprir as necessidades básicas de aprendizagem ao indivíduo com deficiência
explicitando, no item 5 do Art. 3ª a necessidade de se
(...) Tomar medidas que
garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e quaisquer tipo de
deficiência, como parte integrante do sistema educativo (UNESCO, 1990) e; 4) a
Declaração de Salamanca, em 1994, firmando o compromisso dos governos no tocante
à inclusão dos indivíduos com deficiência nos sistemas de ensino apelando para
medidas.
Como projeto político, a Educação Inclusiva tende a se fortalecer reafirmando o
direito de acesso e permanência de todos os alunos na escola, independente da origem
social, etnia, aparência física, deficiência, identidade sexual e outras marcas sociais
(BRITZMAN, 1998). Sob esta perspectiva é a Educação Inclusiva constitui-se uma
espaço aberto à política de representação de diferentes grupos sociais que lutam para
reconhecimento dos seus diferentes modos de expressão de seus valores,
comportamentos, atitudes, ou seja, diversas formas de manifestações culturais, políticas
e sociais.
Na atual dimensão do contexto escolar, a Educação Inclusiva traz importantes
reflexões exigindo o repensar das compreensões e práticas sobre o ensinoaprendizagem, considerando que o acesso ao conhecimento como uma condição
necessária para o desenvolvimento humano na contemporaneidade, uma vez que, a
sociedade exige cada vez mais a aprendizagem de diferentes habilidades e tipos de
conhecimentos. Como direito de todos à aprendizagem passa a ser uma das ferramentas
mais importantes nos processos de socialização, do desenvolvimento cognitivo,
econômico, cultural e psicossocial dos indivíduos. Assim, estudos voltados à Educação
mostram sua importância para/na efetivação da inclusão social como uma possibilidade
de acesso aos diversos saberes relacionados à vida cotidiana. Ou seja, referimo-nos ao
direito de escolha, de participação dos problemas familiares e escolares, a tomada de
decisões sobre determinada situação, a resolução de situações simples e complexas
como escolher uma roupa para vestir e/ou participar de uma discussão política na escola
ou em outro ambiente. Tais questões englobam o indivíduo na subjetividade e
praticidade da sua vida, o que vem colaborar para o processo em construção de uma
sociedade mais democrática quando tratamos da inclusão de indivíduos com deficiência
(BRAUN & GLAT, 2007).
Kátia Patrício Benevides Campos
5431
Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular
É importante ressaltar que a Educação Inclusiva, historicamente, tem feito parte
das agendas de lutas das camadas populares, no tocante ao acesso e permanência a
escola e a outros espaços educativos, ao direito ao conhecimento, ao reconhecimento
das diversas formas de representações culturais de diversos grupos, entre outros. Luta,
que se dá mais fortemente, a partir do século XIX quando estes grupos compreenderam
que o acesso ao saber constitui-se num importante instrumento para a mudança da vida,
econômica, cultural e social.
Considerações Finais
A perspectiva de currículo como construção, cuja compreensão se dá a partir de
realidades sociais e culturais, passa a entendido como importante instrumento filosófico,
político, econômico e cultural. Impresso nas variadas identidades corporifica visões de
homem, mundo e sociedade as quais são legitimadas pela prescritividade materializada
em/por diferentes instituições.
Na Educação, a prescritividade comporta ideários de educação, sendo
resignificada e disseminada em diversas instituições, principalmente na escola
considerada principal instituição responsável pelo processo educativo formal. (SILVA,
1999). Assim, o currículo revela o seu poder de liderança das questões sociais, políticas,
econômicas e culturais que determinam e legitimam tipos de sociedades.
Nessa direção, urge a necessidade de uma compreensão de currículo que
contemple identidades sociais e culturais, pois as questões curriculares estão
diretamente relacionadas com a produção de identidades e subjetividades. Tal produção
permeia o espaço escolar, o qual não atende mais às demandas de um mundo social
onde o currículo foi formado. Significa dizer que o currículo está intrinsecamente
comprometido com uma sociedade em transformação, que não mais comunga com
formas de dominação ligadas à opressão, à exclusão, e aos preconceitos.
Nesse sentido, a Educação Especial no contexto da Educação Inclusiva, tem
como função o atendimento especializado, uma vez que passa a ser suporte para as
escolas regulares, objetivando atender as diferentes especificidades demandadas pelos
alunos. Assim, um dos ganhos da resignificação da sua função consiste na
problematização do contexto de aprendizagem como um dos elementos fundamentais,
Kátia Patrício Benevides Campos
5432
Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular
podendo contribuir para a diminuição da condição do fracasso do aluno na escola..
Compreendemos que como suporte importante para o processo educativo escolar, a
Educação Especial, se levada a sério, poderá ajudar a mapear e redefinir condições de
aprendizagem mais justas, de acordo com as necessidades educacionais especiais, não
somente do indivíduo com qualquer tipo de deficiência.
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IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
O CURRÍCULO EM TEMPOS DE INCLUSÃO: A
IMPORTÂNCIA DA ARTE NO
DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA PORTADORA
DA SÍNDROME DE DOWN
Márcia Paiva de Oliveira
Maria Elizabete Costa de Souza
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome
de down
O CURRÍCULO EM TEMPOS DE INCLUSÃO: A IMPORTÂNCIA DA
ARTE NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA PORTADORA DA
SINDROME DE DOWN
Márcia Paiva de Oliveira1
Maria Elizabete Costa de Souza2
RESUMO: O presente artigo busca refletir a importância do ensino da arte no
desenvolvimento intelectual e emocional da criança portadora da Síndrome de Down.
Num primeiro momento, faz algumas considerações sobre o tratamento que é dado ao
ensino de artes nas escolas, sobretudo, nas escolas que atendem as crianças portadoras
de necessidades educativas especiais. Num segundo momento, considerando que os
portadores de necessidades educativas especiais, a exemplo do portador da Síndrome de
Down, tem os direitos inerentes a todos os cidadãos, segundo o documento “Política
Nacional de Educação Especial” MEC/SEESP, discorre sobre esses direitos, em
especial o direito a educação, apontando que, embora a “escola inclusiva” em seus
discursos proponha a valorização da diversidade, as políticas públicas para a educação
inclusiva dos portadores de necessidades especiais trazem propostas curriculares que
trilham caminho da concepção do ajustamento social, no qual a prioridade não é educar,
mas corrigir e moldar comportamentos. Por fim, aponta a necessidade de que o
currículo, efetivamente, contemple o ensino das artes e que os educadores assumam o
compromisso político de possibilitar ao aluno uma prática pedagógica capaz de levá-los
a conhecer o seu repertório cultural e entrar em contato com outras referências, sem que
haja a imposição de uma forma de conhecimento sobre outra, sem dicotomia entre
reflexão e prática.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Artes. Currículo. Síndrome de Down.
Introdução
Sendo a escola o primeiro espaço formal onde se processa o desenvolvimento
educacional da criança, nada melhor do que começar por aí o contato sistematizado com
o universo artístico e suas linguagens: artes visuais, música, teatro e dança. Contudo, o
1
Mestre em Educação pelo
[email protected].
2
Programa
de
Pós-graduação
em
Educação/UFPB.
E-mail:
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação/UFPB. E-mail: [email protected].
Márcia Paiva de Oliveira & Maria Elizabete Costa de Souza
5438
O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome
de down
que se percebe no cotidiano escolar, em especial do ensino fundamental, é que o ensino
da arte geralmente é visto como uma atividade recreativa e de lazer, quando não, um
passatempo.
Em se tratando do ensino das artes para as escolas que atendem as crianças
portadoras de necessidades educativas especiais, sobretudo, o infante Down, parece que
o descaso é maior, visto que não se percebe a importância das atividades artísticas para
o desenvolvimento intelectual e emocional dessas crianças.
No dizer de Reis (2006, p.71), com base no texto dos Parâmetros Curriculares
Nacionais:
Dentre as muitas tarefas urgentes colocadas hoje para a escola está o desafio
de serem superadas as visões reducionistas e preconcebidas sobre a arte, bem
como a de conferir ao trabalho de arte um estatuto à altura da importância da
lei que tornou obrigatório o ensino de arte nos diversos níveis da educação
básica.
Através do espaço educativo pode-se, efetivamente, possibilitar o acesso à arte a
uma grande quantidade de crianças portadoras, ou não, de necessidades educativas
especiais. Vygotsky (apud Iavelberg, 2003) diz que a atividade da imaginação recria ou
reproduz aquilo que já existe, ou seja, as nossas experiências conservadas mentalmente.
Quando essas experiências são recriadas, é a função criadora do cérebro que está
atuando. A atividade criadora modifica a realidade presente. Imaginação e fantasia,
termos usados como sinônimos por Vygotsky são nomes dados a essa atividade que
projeta o ser humano para o futuro, para a ação de criar e recriar.
De modo geral, as crianças se deparam com a necessidade de apreensão de
significados e códigos desde o início das suas vidas. Algo que também se observa no
contato destas com as várias formas de arte. Esta necessidade de apreensão se torna
ainda mais presente quando há o ingresso na escola. Assim, se o processo se intensifica
quando as crianças aprendem, entre outras coisas, a leitura, a escrita, as operações
matemáticas básicas, o interesse infantil também se abre na escola, ainda mais para as
estruturas visuais da arte.
Sob está ótica, busco as palavras de Iavelberg (2003, p.11) ao afirmar que
“aprender em arte implica desafio, pois a cultura e a subjetividade de cada aprendiz
alimentam as produções, e a marca individual é aspecto constitutivo dos trabalhos”.
Márcia Paiva de Oliveira & Maria Elizabete Costa de Souza
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O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome
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Entretanto, as crianças necessitam de expectativas e representações positivas a seu
respeito, seja por parte dos pais ou dos professores.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte deixa clara a importância do
ensino de artes no contexto escolar, englobando as quatro linguagens artísticas, já
mencionadas anteriormente, abordando cada linguagem separadamente, com indicações
para o desenvolvimento de trabalhos que integram a Arte com as demais disciplinas do
currículo.
Ao analisar os PCNs-Arte, Iavelberg (2003) aponta a presença de pressupostos
pós-modernos, expressos pela disponibilização da arte para o ensino. Ela considera que
este é um encaminhamento essencial para superar diferenças e preconceitos, atribuindo
ao multiculturalismo grande potencialidade de colaboração, através da escola, para a
construção de um mundo mais solidário. Analisa ela que:
Os currículos passam a priorizar a questão da diversidade nas estratégias
individuais que os alunos constroem para aprender. [...] Os projetos
curriculares contemporâneos levam em consideração tanto os processos de
aprendizagem do aluno como a natureza dos objetos de conhecimento que
constituem as áreas. (p.35 e 40)
Outros autores que tratam do ensino de arte reafirmam a importância dessa área
para o desenvolvimento de crianças. A exemplo de Ana Mae Barbosa (2003) que em
seu livro Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte, deixa claro o potencial da arte
como área de conhecimento que favorece o desenvolvimento infantil:
Por meio da Arte é possível desenvolver a percepção e a imaginação,
apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica,
permitindo ao indivíduo analisar a realidade percebida e desenvolver a
criatividade de maneira a mudar a realidade que foi analisada. (BARBOSA,
2003, p.18)
Algumas atividades artísticas como o teatro de sombras é o fluir da própria
criatividade como meio das vivências de experiências autotélicas. Tais vivências são as
bases conceituais do método de intervenção corporal de André Lapierre e do método de
consciência corporal de Rudolf Laban voltado à educação. Contribuição dos métodos na
ampliação da percepção, observação e atuação do educando e do educador. Esse último,
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O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome
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muitas vezes tendo que lidar com os conteúdos das linguagens de forma polivalente e
até o pequeno número de horas destinadas ao ensino das linguagens artísticas.
Inclusão e formação do portador da síndrome de Down no contexto escolar
Atualmente não se pode precisar até que grau de desenvolvimento e autonomia
a pessoa com Síndrome de Down pode atingir, mas acredita-se que seu potencial é
muito maior do que se considerava há alguns anos. Nos dias atuais, com o advento das
novas tecnologias da informação, e algumas experiências de utilização didáticopedagógica desses recursos, esses alunos, inclusos no sistema regular de ensino, têm
demonstrado desempenho cada vez melhor.
Os programas educacionais da dita “escola inclusiva” preocupam-se com a
independência, a escolarização e o futuro profissional dos indivíduos portadores de
necessidades especiais. Os conteúdos acadêmicos são voltados não só para a leitura,
escrita e as operações matemáticas, mas para a preparação do indivíduo para a vida e
isso deve incluir a intimidade com as ações computacionais. Entretanto, a
independência objetivada neste tipo de programa engloba desde habilidades básicas,
como correr, a utilização funcional da leitura, do transporte, do manuseio do dinheiro e
o aprendizado para tomar decisões e fazer escolhas, bem como assumir a
responsabilidade por elas.
Normalmente, as escolas públicas e privadas já contam com a disciplina Artes
no currículo escolar. Mas, as experiências com artes também devem ser proporcionadas
efetivamente aos alunos especiais. Tal afirmação se apóia no documento “Política
Nacional de Educação Especial” MEC/SEESP (1994, p.22), que na revisão conceitual
afirma que “normalização é o princípio que representa a base filosófico-ideológica da
integração”. Não se trata de normalizar as pessoas, mas sim o contexto em que se
desenvolvem, ou seja, oferecer aos portadores de necessidades especiais, modos e
condições de vida diária o mais semelhantes possível às formas e condições de vida do
resto da sociedade.
É importante lembrar que a lei garante as pessoas portadoras de necessidades
educativas especiais os direitos inerentes a todos os cidadãos, entre eles, o direito de
viver na sua comunidade, o direito à dignidade, à saúde, à educação, ao emprego e ao
lazer. Estes direitos não devem ficar só no papel. É preciso conscientizar a sociedade, as
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O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome
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famílias e principalmente as próprias pessoas com Síndrome de Down, para que elas
possam reivindicar o respeito a esses direitos, e a escola tem um papel fundamental
nesse sentido.
Em linhas gerais, em se tratando da educação de portadores de necessidades
especiais, encontramos a tese da escola inclusiva por um lado, como aquela capaz de
trabalhar com a diversidade e especializada na educação de todas as crianças
indistintamente; por outro, o ideário da escola especializada para portadores de
necessidades especiais. Em ambas as concepções, o currículo entra em evidência como
uma questão que passa a ser estudada e debatida de forma diversificada, tanto em
âmbito nacional quanto internacional.
Segundo Mazzotta (2000), com o advento da Constituição Federal de 1988, da
Lei 7583/89, da Conferência Mundial sobre Necessidades Básicas de Aprendizagem,
aprovada em Jomtien/Tailândia em 1990, do Plano Decenal de Educação para todos
(1993/2003), da Política Nacional de Educação Especial (MEC/1993), da Declaração de
Salamanca/1994, da Lei 9394/96 (LDB), do Decreto 3298/99, têm sido registradas
intenções e determinações sobre a importância e a necessidade de uma escola para todos
ou escola inclusiva. A declaração de Salamanca é o documento inspirador da maioria
das políticas mundiais de inclusão na educação.
Convém destacar, que também produções científicas realizadas na área de
currículo em educação especial nos levam a afirmar o quanto a postura, inicialmente
clínica e posteriormente psicoeducacional, negligenciaram análises mais críticas diante
dessa temática. Essa parece ser uma lacuna que, só recentemente começa a ser
contemplada, como em estudos de Sstainback & Stainback (1999), Mazzotta (2000),
Sassaki (1997), Voivodic (2004) que afirmam que educando todos os alunos juntos, as
pessoas com deficiências têm oportunidade de preparar-se para a vida na comunidade,
os professores melhoram suas habilidades profissionais e a sociedade toma a decisão
consciente com o valor social da igualdade para todas as pessoas.
Nesse âmbito, considera-se importante ressaltar como a pessoa com
necessidades especiais foi representada historicamente e como sua educação foi
relegada, sobretudo no Brasil. O indivíduo especial, rotulado de diferente e de
improdutivo, parecia não necessitar de educação de qualidade. Tal fato contribuiu para
práticas segregacionistas, que legitimaram currículos inadequados e alienantes, que não
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O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome
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serviram para garantir o direito às diferenças e a formação para a cidadania. Entretanto,
sabe-se que todo indivíduo merece e precisa de uma educação que lhe prepare para a
vida em sociedade, para o exercício pleno de sua cidadania, independente de suas
diferenças.
Observa-se que historicamente, diferença e deficiência foram concebidas como
sinônimos, levando a não distinção entre limitações próprias da deficiência e limitações
construídas na sociedade. Desta forma, os indivíduos com necessidades especiais foram
considerados incapacitados e passaram a fazer parte de grupos segregados, que
foram/são estigmatizadas, tal como outros grupos como índios, homossexuais, negros, e
as classes populares em geral.
A concepção de deficiência reflete a maturidade humana e cultural de uma
sociedade, de uma cultura. A esse respeito, Stainback & Stainback (1999) diz que há
duas perspectivas de compreensão das deficiências. A perspectiva das limitações
funcionais foi predominante no passado e tem muitos seguidores ate hoje. Segundo este
ponto de vista, a tarefa dos educadores é determinar, melhorar ou preparar os alunos que
não foram bem-sucedidos, sem esforços planejados para adaptar as escolas às
necessidades, aos interesses ou às capacidades particulares desses alunos. Os que não se
adaptam aos programas existentes são relegados a ambientes segregados.
Corroborando com o pensamento acima, Fonseca (1995) diz que há uma
relatividade cultural que é tênue, sutil e obscura no processo de julgamento entre o
deficiente e o não-deficiente, que de uma forma ou de outra procura afastar e excluir os
indesejáveis, cuja presença pode perturbar ou ameaçar a ordem social.
Com efeito, pode-se constatar que a Educação Especial foi fortemente
influenciada pela idéia de que as deficiências são condições preestabelecidas,
intrínsecas à individualidade e sem uma história social. Portanto, era preciso
“normalizar a anormalidade.” (FERREIRA, 1995, 1998). No Brasil, as primeiras
iniciativas em EE datam do período imperial e trazem historicamente as marcas da
descontinuidade, da filantropia e do assistencialismo. É mais especificamente a partir da
década de 60 que, timidamente, o poder público aponta ações à EE. Nas leis 4.024/61 e
5.692/71 não se dava muita importância para essa modalidade educacional: em 1961, já
em 1971 o texto apenas indicava um tratamento especial a ser regulamentado pelos
Conselhos de Educação. É certo que as leis, por si, não assegura direitos, especialmente
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numa realidade em que a Educação Especial tem reduzida expressão política no
contexto da educação geral, reproduzindo a pequena importância que se concebe às
pessoas com necessidades especiais - ao menos às denominadas deficientes nas políticas
sociais.
É a partir da década de 90 que a Educação Especial reflete certo crescimento em
relação à educação geral, mas especificamente após a LDB em 1996. Em decorrência
desta Lei, hoje temos um considerável número de dispositivos legais na forma de Leis,
Decretos, Portarias, Resoluções, Instruções e Medidas Provisórias no âmbito da
Legislação Federal, Estadual e Municipal, que por si só não alteram a realidade social,
mas que são avanços na área jurídica e na busca de direitos que foram negados a esse
grupo de cidadãos. Exemplo disso é a própria LDB, que, no Cap. V, art. 58, afirma que
a educação dos portadores de necessidades especiais se deve dar, preferencialmente, na
rede regular de ensino.
Esta questão tem gerado muita polêmica na comunidade em geral,
principalmente na escolar e acadêmica, pois se, de um lado, a busca por uma educação
de qualidade para todos é uma luta histórica, por outro, as políticas publicas, sustentadas
em práticas neoliberais, apontam para a organização autônoma da população e para a
formação de associações privadas, entendendo ser este o caminho para uma “sociedade
igualitária”, têm causado incertezas e inquietações em relação à atuação do Estado na
garantia e no cumprimento de suas obrigações para a efetivação de uma educação que
respeite a diversidade.
Mesmo com as polêmicas nos meios educacionais, o movimento pela educação
inclusiva se intensifica a partir da Conferência Mundial de Jointiem, Tailândia,
realizada em 1990, que apontou para a Educação para Todos, e é retomada na
Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, ocorrida na Espanha,
em 1994, que culmina na Declaração de Salamanca. Tais movimentos configuram um
avanço nos direitos desses cidadãos
As políticas públicas para a educação inclusiva de portadores de necessidades
especiais trazem propostas curriculares que trilharam o caminho da concepção do
ajustamento social, no qual a prioridade não é educar, mas corrigir e moldar
comportamentos. A formação artística do portador da síndrome de Down ou de outros
indivíduos portadores de necessidades especiais é relegada ou quase inexistente.
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O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome
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Para discutir a formação artística dos portadores da Síndrome de Down, deve-se
analisar as políticas de inclusão e as questões atuais da Educação Especial e o currículo
neste contexto, convém elucidar como a mesma tem sido definida oficialmente. De
acordo com a Política Nacional de Educação Especial e a LDB 9.394/96, a Educação
Especial é uma modalidade educacional que se constitui através de um conjunto de
recursos e serviços educacionais especiais, organizados para apoiar, complementar,
suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a
garantir a educação formal aos alunos que apresentam necessidades educacionais.
Assim, requer uma prática formativa na qual os recursos e os programas pedagógicos
correspondam
às
especificidades
dos
alunos
que
apresentam
altas
habilidades/superdotação, deficiência auditiva, visual, física/motora e múltiplas e
condutas típicas de síndromes.
A LDB 9.394/96 frente à EE traz alguns desdobramentos, como no artigo 59
inciso I, que respalda as adaptações curriculares, as quais merecem destaque para que se
possa melhor avaliar as conseqüências das reformas educacionais brasileiras, que
proclamam uma escola que atenda à diversidade, inspirada num modelo curricular que
recebeu forte influência do pensamento de Cesar Coll, mentor da reforma espanhola e
consultor no Brasil para construção dos PCNs.
Por falar em PCNs, observa-se alguns aspectos do documento, tais como:
“Adaptações curriculares dos PCNs para a educação de alunos com necessidades
especiais”, produzido em 1999 pela Secretarias de Educação Fundamental e EE, que
baseia-se no pressuposto de que a realização de adaptações curriculares visa atender às
necessidades particulares de aprendizagem dos alunos. Bem como implicam em
planificações pedagógicas e ações docentes fundamentadas em critérios que definem: o
que, como e quando o aluno deve aprender, que formas de organização de ensino são
mais eficientes para o processo de aprendizagem, como/quando avaliar o aluno. (MEC,
1999)
Em relação às adaptações curriculares para o aluno com necessidades
educacionais especiais deve-se repensar dois pontos, segundo Moreira (1997): a forma
como vem sendo incluído o “aluno especial” no ensino regular, com escolas que, em sua
grande maioria, não atendem suas necessidades básicas e com professores que não
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O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome
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receberam ao longo de sua formação, inicial ou continuada, subsídios concretos acerca
desses alunos.
Convém salientar que, após a promulgação da nova LDB, começou a ocorrer,
em todo Brasil, a desativação de classes especiais, muitas vezes, sem a contrapartida da
criação de outros apoios especializados indicados na legislação. Sabe-se que uma das
principais barreiras para se efetivar a inclusão é o despreparo do professor para receber,
em salas de aula superlotadas, não só o aluno com Sindrome de Down, mas também os
com outras diferenças, e com todos aqueles que não se enquadram dentro do padrão
imaginário do aluno “normal”. Esse aluno “diferente” é, para o professor, abstrato e
desconhecido. Infelizmente, a grande maioria dos currículos dos cursos de formação
continua privilegiando o aluno idealizado e o mito das classes homogêneas.
Embora atualmente alguns aspectos da Síndrome de Down sejam mais
conhecidos, e a pessoa trissômica tenha melhores chances de desenvolvimento, uma das
maiores barreiras para a inclusão escolar e social destes indivíduos é o preconceito. No
entanto, embora o perfil da pessoa com Síndrome de Down fuja aos padrões
estabelecidos pela cultura atual - que valoriza, sobretudo, os padrões estéticos e a
produtividade - a sociedade está se conscientizando da importância de valorizar a
diversidade e de como é fundamental oferecer equiparação de oportunidades para que as
pessoas diferentes exerçam seu direito de conviver e de ser útil na sociedade, ou seja, ter
o seu direito a cidadania garantido.
O atendimento educacional da criança com Síndrome de Down não pode ser
visto através de rótulos e classificações. E fundamental analisar suas dificuldades de
aprendizagem e suas necessidades especiais especificas, “[...] para que se possa
considerá-las em uma perspectiva interativa dos fatores que determinam a intervenção
educacional.” (VOIVODIC, 2004, p. 60).
Observa-se que as escolas e seus educadores, quando preparados para receber
pessoas com Síndrome de Down, têm relatado experiências muito bem-sucedidas de
inclusão, inclusive para a formação ética das crianças ditas normais. Tal convivência
tem se mostrado útil também na formação para a cidadania dos demais alunos, pois,
aprendem a eliminar o preconceito e a aceitar as diferenças. A participação dos
indivíduos com Síndrome de Down na escola regular é encarada cada vez com mais
naturalidade e pode-se perceber que já existe a preocupação em garantir que os
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O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome
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programas curriculares voltados à formação inclusiva, de fato incluam a pessoa com
deficiência. Neste sentido, Lima (1998) relata em seu artigo intitulado Inclusão escolar
de crianças com Sindrome de Down: a prática nossa de cada dia a importância das
adaptações curriculares e da orientação do professor para o êxito do processo de
inclusão de crianças com Síndrome de Down.
Torna-se clara a complexidade da inclusão e formação artística na escola
regular, de portadores de necessidades educativas especiais, entre eles os indivíduos
com Sindrome de Down. Os autores citados evidenciam os ganhos sociais e cognitivos
que uma educação não segregada propicia. Porém, sua inclusão requer mudanças e o
uso de recursos e de um currículo adaptado, para que essas crianças tenham atendidas
suas necessidades educacionais, e que sejam formados, de fato, para o exercício da
cidadania.
As crianças portadoras da Síndrome de Down são comumente rotuladas de
incapazes no tocante aos aspectos motores e cognitivos. Entretanto, pesquisas têm
demonstrado o potencial que tem esses indivíduos quando são estimulados
adequadamente. Pois, como bem diz Melero (1999) a inteligência não se define, se
constrói. A genética representa apenas uma possibilidade, e as competências cognitivas
são algo que se adquire.
Outra característica da criança com SD é a no tocante ao processo de
memorização. Segundo Voivodic (2004):
Há também um déficit em relação à memória. A criança com SD não
acumula informações na memória auditiva imediata de forma constante como
a criança normal. [...] essa limitação na retenção de informação afeta a
produção e o processamento da linguagem.
A proposta de ensino em artes em escolas inclusivas implica a definição de
encaminhamentos pedagógicos que contemplem: o desenvolvimento de habilidades de
ver, observar, reconhecer, refletir, compreender, analisar, memorizar, interpretar como
valores da construção do saber o para um entendimento mais claro das mensagens
visuais, baseando-nos nesses pressupostos, acreditamos que o ensino das artes
contribuem para o desenvolvimento global da criança portadora da Síndrome de Down,
colaborando de forma significativa para o processo inclusivo.
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O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome
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A construção dos processos inclusivos e de aprendizagem mediado pelas artes
Arte é reconhecidamente um componente curricular e, como tal, tem conteúdos
específicos que são ensinados e aprendidos pelos professores e seus alunos. Nessa
perspectiva, o ensino de arte tem muitas funções, dentre elas o fazer artístico, a história
da arte e a apreciação ou fruição artística. No dizer de Ana Mae (2003), é a proposta
triangular. A arte-educação promove estes três aspectos em conjunto, visando uma
formação mais consistente e ampla do indivíduo.
Quando a criança é levada a experimentar e refletir sobre si e o mundo, que é o
que a arte proporciona, é encaminhado nos passos do desenvolvimento do ser humano.
Certamente, se é um benefício para as crianças ditas normais, é inegavelmente benéfico
para os infantes portadores de necessidades educativas especiais, inclusive o Down.
Muitos educadores estão começando a entender que a arte é a porta para a
compreensão da cultura e da diversidade cultural. Por isso, os componentes do ensino
da Arte é o fazer, mas também a leitura, a alfabetização cultural que podemos dar às
crianças e a contextualização, ou seja, o entendimento da arte dentro da cultura geral.
Sustenta Ana Mae (2003). "O componente realmente socializador é a contextualização".
Entretanto, a concepção de arte no espaço escolar na atualidade implica numa
expansão do conceito de cultura, ou seja, toda e qualquer produção e as maneiras de
conceber e organizar a vida social são levadas em consideração. Cada grupo inserido
nestes processos configura-se pelos seus valores e sentidos, e são atores na construção e
transmissão dos mesmos. Pois a cultura está em permanente transformação, ampliandose e possibilitando ações que valorizam a produção e a transmissão do conhecimento.
Este processo pedagógico busca a dinâmica entre o pensar, o sentir e o agir.
Promovendo uma interação entre saberes e práticas relacionadas à história e às culturas
das sociedades, possibilitando uma relação ensino/aprendizagem de forma efetiva, a
partir de experiências vividas, múltiplas e diversas e em diversos contextos, tais como:
sala de aula, atelier, teatro, museus, entre outros. Considera-se também nesta proposta a
vertente lúdica como processo de construção e resultado construtivo, tal vertente como
conteúdo e forma.
Reconhecendo a arte como ramo do conhecimento, contendo em si um universo
de componentes pedagógicos, os professores poderão abrir espaços para manifestações
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O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome
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que possibilitam o trabalho com a diferença, o exercício da imaginação, a autoexpressão criadora, a descoberta e a invenção, novas experiências perceptivas,
experimentação da pluralidade, diversidade e multiplicidade de valores e, sentido.
Uma programação curricular não pode tornar a arte num elemento decorativo e
festivo, apenas suscitado em datas comemorativas. A arte valoriza a organização do
mundo das crianças, seu auto-entendimento, assim como o relacionamento com seus
pares e com os adultos, bem como, com o seu meio.
Assim sendo, contextualizamos o trabalho na vertente do lúdico e do fazer, com
a ação mais significante do que os resultados. Ou seja, não se propõe atividades que não
tenham um objetivo, um fim em si mesmo, mas o processo é mais valorizado que o
produto. Os resultados dos processos podem ser uma etapa ou sua finalização em
espetáculos teatrais, coreográficos, musicais, exposições, mostra, performances etc.
A finalização desses trabalhos não deve ser a meta principal para a sua
realização, e sim a pesquisa e o desenvolvimento do educando nas respectivas
linguagens artísticas, o crescimento da sua autonomia e a capacidade inventiva. Por isso
os projetos devem levar em conta os valores e sentidos do universo cultural das
crianças, possibilitando a vivência com o repertório já existente, assim como sua
ampliação e novas possibilidades de expressão.
Se partirmos do pressuposto de que a arte é algo “universal”, podemos concluir
que o desenvolvimento da sensibilidade, da criatividade, dos horizontes cognitivos e da
compreensão da criança do seu patrimônio cultural – processo de suma importância para
a sua formação enquanto sujeito social – ocorre por causa do desmoronamento das
barreiras lingüísticas, culturais e religiosas que acontece no contato com as obras de
arte. Em outras palavras, mesmo que não saibamos nada a respeito da vida de pessoas
que viveram em tempos e lugares distantes, as obras de arte que estas pessoas criaram
possuem o poder, de uma maneira ou de outra, de nos encantar no presente com suas
soluções pictóricas. Deste “encantamento” surge o interesse nos significados das obras
e, a partir dos significados, começamos a penetrar nos universos pessoais, sociais,
políticos e culturais dos criadores.
Ora, o que poderia melhor derrubar barreiras e preconceitos a respeito de
qualquer assunto se não o conhecimento e o interesse por este assunto: as artes?
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Entender e estimular o ensino da arte nesta perspectiva tornará a escola um
espaço vivo, produtor de um conhecimento novo, revelador, que aponta para a
transformação. Pensemos numa educação estética a partir das reflexões de Silva (2005,
p.161) “desenha-se a possibilidade de uma ação mediadora que promova uma outra
forma de se ver a escola e as pessoas que dela participam”. De modo que se trabalhe [...]
“arte como pesquisa visual, sonora, corporal e verbal.” Envolvendo experiência,
discussão e reflexão, vinculadas à visão contemporânea da arte, do conhecimento e da
produção criativa, vistas como históricas, temporais e culturais. Através do fazer, do
apreciar e do contextualizar, as crianças abrem espaços para novas possibilidades na
arte, almejando novas possibilidades de vida.
A educação inclusiva pela arte propõe o diálogo reflexivo e o exercício da
liberdade do pensamento, para que seja desenvolvida a identidade cultural e a
consciência crítica. Assim, é enfatizado que a autonomia do pensamento é fundamental
para o exercício da cidadania, para o desenvolvimento pessoal e social. Portanto, está
intimamente ligado a essa habilidade de pensar por si mesmo, isto é, de o sujeito
apresentar atitudes diante das situações com as quais se depara.
Tais princípios educativos englobam não só o ensino da arte, como a educação
de modo geral. A função social e educativa do ensino da arte, presente nos fundamentos
teóricos e metodológicos das diretrizes curriculares e dos PCNs, da forma como foi
proposta, pode levar os professores e as crianças à reflexão no ato criativo.
O professor deve desenvolver a sua metodologia didática conforme a sua
experiência e o universo social e cultural da classe em que atua, de maneira que a
programação dos trabalhos artísticos desenvolvidos pelos alunos possa ser enriquecida
com elementos inerentes aos seus próprios universos.
Esse tipo de trabalho educativo, especialmente no contexto da escola inclusiva,
requer muita sensibilidade por parte dos professores, não só a sensibilidade artistica,
mas com o trato com o outro “diferente”. A esse respeito, Assmann e Sung (2000, p. 98)
compreendem a sensibilidade “como condição a priori para que o outro possa irromper
no mundo como outro”.Para Silva (p.48, 2008), “a idéia de inclusão pode ser
caracterizada como o resultado de um processo criativo impulsionado pela necessidade
de atender, reconhecer e, acima de tudo, valorizar as diversidades”.
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Esta maneira de propor o ensino da arte rompe barreiras de exclusão, visto que a
prática educativa está embasada não no talento ou no dom, mas na capacidade de
experienciar de cada um. Dessa forma, estimulam-se as crianças a se arriscarem a
desenhar, representar, dançar, tocar, escrever, pois trata-se de uma vivência cotidiana, e
não de uma competição. Uma proposta em arte que parta deste princípio traz para as
suas atividades um grande número de interessados. Estas crianças se reconhecerão como
partícipes e construtores de seus próprios caminhos. Dessa forma, a estruturação
curricular direciona-se a preparar cidadãos com uma formação estética, capaz de
dialogar com os códigos, semelhanças e diferenças dos diversos contextos culturais.
O poder de observação e organização estética das crianças sairá ganhando, se
através do “olhar”, do “ver”, do “adaptar”, do “criar” e do “transformar” as crianças
compreenderem e apreciarem os métodos que o artista pode escolher para organizar as
linhas, as formas e as cores presentes em seu quadro, sua própria criatividade.
Deste trabalho decorre o desmoronamento de qualquer preconceito que se possa ter,
sendo criança ou adulto, em relação às artes e ao que estas representam.
Considerações finais
Reconhecer que o fazer artístico e a apreciação estética contribuem para o
desenvolvimento das crianças portadoras de necessidades educativas especiais,
sobretudo, o infante Down , é ter a certeza da capacidade que elas têm de ampliar o seu
potencial cognitivo e assim conceber e olhar o mundo de modos diferentes.
Nesta perspectiva, é preciso, pois, que o currículo, efetivamente, contemple o
ensino das artes e que os educadores assumam o compromisso político de possibilitar ao
aluno uma prática pedagógica capaz de levá-los a conhecer o seu repertório cultural e
entrar em contato com outras referências, sem que haja a imposição de uma forma de
conhecimento sobre outra, sem dicotomia entre reflexão e prática. Trata-se de um
desafio que, pela sua relevância social e educacional, deve ser superado.
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REFERÊNCIAS
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reencantar a educação. São Paulo: Ed. da UNIMEP, 1998.
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5453
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
EDUCAÇÃO INCLUSIVA, DIFERENÇA E
DEFICIÊNCIAS: CAMINHOS PARA A
RESSIGNIFICAÇÃO DE POLÍTICAS E PRÁTICAS
CURRICULARES
Márcia Torres Neri Soares
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares
EDUCAÇÃO INCLUSIVA, DIFERENÇA E DEFICIÊNCIA: CAMINHOS
PARA A RESSIGINIFICAÇÃO DE POLÍTICAS E PRÁTICAS
CURRICULARES
Márcia Torres Neri Soares
RESUMO: O presente ensaio objetiva discutir as Políticas e Práticas curriculares sob a
ótica da Educação Inclusiva e as contribuições dos Estudos Culturais. Sabe-se que o
respeito às diferenças tem feito parte dos discursos mais atuais da educação, contudo,
ainda são visíveis as marcas de uma escola que não consegue atender a heterogeneidade
das turmas e diversificar as estratégias curriculares no atendimento as necessidades de
todos os estudantes, considerando nestes as características físicas, étnicas, culturais e ou
sociais. Estas dificuldades demarcam a necessidade em se problematizar formas de
atender à diversidade das turmas, não como uma atribuição exclusiva do professor, mas
como um complexo de relações que, sob a ótica deste trabalho, precisam ser discutidas à
luz do fértil campo de estudo dos Estudos Culturais. Dessa forma, objetiva-se apresentar
contribuições sobre a diferença, a identidade e a deficiência e assim apontar caminhos
para a constituição de novas e importantes Políticas e Práticas Curriculares.
PALAVRAS-CHAVE:
Curriculares.
Educação
Inclusiva,
Diferença,
Deficiência,
Políticas
Nunca se ouviu falar tanto em diferença e na Educação Inclusiva como na
atualidade. Não apenas nos discursos que se inscrevem formalmente nas políticas
governamentais, mas também mediante aqueles que se oficializam através da mídia,
escola, família e outros, tem sido comum a máxima de que somos diferentes e de que
precisamos ser respeitados em nossas singularidades.
Contudo, diante de preconceitos historicamente enraizados e do despreparo
advindo de um modelo cartesiano que fragmentando, esqueceu-se do todo e das
diferentes formas de ser e fazer-se humano, muitas são as dificuldades em aprender a
conviver com as diferenças. Assim, são explícitas inabilidades em compreender o outro
da forma que é, e as estratégias para aproximá-lo daquilo que se gostaria que ele fosse.
Márcia Torres Neri Soares
5457
Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares
Dessa forma, por entender a importância da temática relativa ao respeito às
diferenças na perspectiva da educação inclusiva e numa tentativa de não colaborar com
sua celebração acrítica, pretende-se, neste artigo, apresentar as contribuições de
diferentes autores para o entendimento da subjetividade e das relações de poder
embutidas na demarcação dessas diferenças.
É importante esclarecer que, muito embora a educação inclusiva diga respeito à
inclusão de todo e qualquer aluno ou aluna em situação de vulnerabilidade, tal como
negros, mulheres, meninos de rua, indígenas, entre tantos, objetiva-se delimitar o
presente estudo sobre os aspectos concernentes às pessoas com deficiência, foco central
de interesse no desenvolvimento de minha dissertação de mestrado em andamento na
Universidade Federal da Paraíba1, associando-o a enriquecedora gama de discussões do
campo das Políticas e Práticas Curriculares.
O ensaio, portanto, é fruto dos recortes realizados no amadurecimento e
desenvolvimento das atividades desenvolvidas como discente da Linha de Estudos
Culturais da Educação, suscitados pela rica possibilidade de discutir a demarcação de
lugares, identidades e diferenças das pessoas com deficiência, através do amplo legado
que autores como Stuart Hall, Tomaz Tadeu da Silva, e outros, proporcionam aos
estudos acadêmicos.
Falar destes lugares é sempre aproximar-se dos limiares, de imposições, dos
mecanismos de poder e do que a escola institui, convenciona como o padrão a ser
seguido. Assim, é sempre espaço onde vozes podem ser silenciadas ou negadas. É
espaço no qual, Políticas e Práticas Curriculares são veiculadas, vivenciadas,
oportunizadas, redimensionadas e tão somente vividas.
A fim de não se criarem outras expectativas, destaca-se mais uma vez que o
presente trabalho aborda em seu bojo campos de estudo por demais complexos e que
não é seu objetivo o aprofundamento de todas essas questões, reservando-se à tentativa
de problematizar a inclusão da pessoa com deficiência e as políticas curriculares, sob o
prisma das importantes contribuições dos Estudos Culturais.
Tal possibilidade de estudo já foi muito bem demarcada por José Augusto
Pacheco, ao afirmar que “Pós-colonialismo, Estudos Culturais e Currículo são vertentes
1
Pesquisa intitulada Programa Educação Inclusiva Direito à Diversidade: Um estudo de Caso Sobre a
Estratégia de Multiplicação de Políticas Públicas.
Márcia Torres Neri Soares
5458
Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares
que se cruzam, sobretudo quando o trabalho discente se faz num espaço de construção
de identidades marcadas por dinâmicas sociais e ideológicas e por contextos
multiculturais.” (PACHECO, 2005, p.101).
Espera-se que esta seja uma oportunidade de inserir outros olhares; perspectivas
de estudo à temática. Para isso, partir-se-á das contribuições teóricas já existentes a fim
de suscitarem-se não respostas, mas questionamentos, novas reflexões que permitam ao
assunto a seriedade e profundidade necessárias.
Assim, inicialmente serão feitas algumas reflexões sobre a polissemia de alguns
termos como diferença e diferencialismo, devido as suas divergentes conotações e
natureza discursivas. Em seguida, avançar-se-á no entendimento das relações de poder
implícitas no deslocamento das identidades e de, mais precisamente, sua relação com o
outro, já que se parte do princípio de que “Esse “exterior” é constituído por todos os
outros termos do sistema, cuja “ausência” ou falta é constitutiva de sua “presença.””.
(HALL, 2003, p. 81).
Afinal, que outro é esse na sociedade / escola que se pretende inclusiva? Quem
delimita o seu espaço e suas possibilidades de desenvolvimento? Que Políticas
Curriculares são instituídas? Há uma busca pela afirmação das diferenças? Quais
diferenças? Essas e outras questões, exigem um acompanhamento e olhar bastante
atentos para os jogos e mecanismos de poder que sutilmente se estabelecem.
E finalmente, pretende-se avançar no entendimento de que a deficiência não
pode continuar muitas vezes escondendo-se na busca de terminologias que primam em
sua maior parte, escamotear as suas reais necessidades, para superar o que tem sido mais
um discurso politicamente correto, “um mundo onde considera-se melhor não chamar o
deficiente de deficiente, mas manter intactas as representações sobre ele.” (SKLIAR,
2003, p. 80), e só então assegurar condições reais de inclusão com equiparação de
oportunidades a todos os alunos e alunas.
Assim, o capítulo intitulado: “(Re) Pensando a inclusão da pessoa com
deficiência na perspectiva dos Estudos Culturais: Caminhos para Políticas e Práticas
curriculares” busca apontar formas para um repensar da pessoa com deficiência,
entendida na trama das relações sociais e suas conseqüentes arbitrariedades.
Ver o ser além da deficiência, desmistificar a vida de quem precisa ser visto por
inteiro, em suas necessidades e inúmeras possibilidades, pode ser um dos grandes
Márcia Torres Neri Soares
5459
Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares
desafios do século atual e, nesse sentido, entender as relações conflituosas existentes na
transitoriedade e nos fragmentos de suas identidades, será, sem dúvida, um importante
passo.
Para início de conversa: as contribuições dos Estudos Culturais sobre diferença e
diferencialismo.
A discussão conceitual tem feito parte dos de conteúdos presentes na educação
inclusiva. Sabe-se que a polissemia dos termos carrega conotações e explicações
históricas e culturais, que não devem nem podem ser desconsideradas, afinal:
Inspiradas
nos
binômios
normalidade/deficiência
ou
normalidade/anormalidade originam-se inúmeras outras oposições,
igualmente
binárias,
tais
como:
igualdade/diferença;
diversidade/homogeneidade e que têm ocultado os entrelugares da
polissemia dos termos e os interesses subjacentes, camuflando o
conceito de diferença e... da diferença dentro da diferença!
(CARVALHO, 2008, p.18).
Por isso, é oportuna a reflexão, de que nem sempre quando se fala do respeito à
diferença, pensa-se na diferença que é engendrada, na relação com o exterior e com
muitas formas de dominação. Muitas vezes, o discurso da alteridade e da tolerância,
esconde em si mesmo as dificuldades em aceitar o outro da forma que é.
Nesse sentido, Stuart Hall, ao apresentar a conceituação de différance – signo
caracterizado pela síntese do adiamento da presença e pela diferença – do autor Derrida,
pontua que:
O significado aqui não possui origem nem destino final, não pode ser
fixado, está sempre em processo e “posicionado” ao longo de um
espectro. Seu valor político não pode ser essencializado, apenas
determinado em termos relacionais. (HALL, 2003, p. 58).
Portanto, o respeito à diferença não pode se constituir um slogan convincente da
educação inclusiva. Sua roupagem não pode ser transplantada, apropriada por quem diz
se preocupar com a diferença apenas. Diferença não pode ser sinônimo de fixidez, assim
como identidade também não o é. De igual modo, as pessoas não podem ser
caracterizadas de uma mesma forma por possuírem uma mesma deficiência. O equívoco
Márcia Torres Neri Soares
5460
Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares
de categorizar as pessoas com deficiência como marcadamente iguais pelos seus
déficits, retrata a maneira como rotula-se e limita-se as capacidades individuais de cada
um, cada uma, atribuindo-lhes condições de aprendizagem e perspectivas sócioculturais calcadas em princípios que elegemos como ideais.
Através de binarismos - normal/patológico, eficiente/deficiente, dão-se razões
suficientes para a própria razão humana, a fim de acomodarem-se dificuldades em
compreender os distanciamentos daquilo que em alguns momentos, mais parece ser uma
fuga íntima de um pedaço de cada um, cada uma.
Então deve-se entender a diferença, como as marcas, características étnicas,
físicas e culturais que cada ser humano carrega, acabando-se por definir a sua
identidade? Deve-se lutar para que pessoas com deficiência e em alguns casos, a mulher
com deficiência, negra e de baixa condição econômica (...) seja entendida em seus
déficits que lhe marcam uniformemente? Teriam elas e eles as mesmas necessidades e a
todos deveriam ser apresentadas iguais formas de desenvolvimento? Falar-se-ia em uma
cultura da deficiência?
Segundo a autora Rosita Edler de Carvalho (2008), a diferença tal como a
identidade, não tem recebido os devidos encaminhamentos para a sua transitoriedade.
Não é difícil deduzir, que numa sociedade marcada por um suposto padrão de
normalidade, pessoas com deficiência tenham seus déficits como demarcadores de sua
identidade, acarretando segregações e constantes discriminações.
Isso acontece, porque ainda é comum a idéia de que as identidades sejam fixas e
imutáveis. Por isso, muito embora a proposição de políticas inclusivas seja algo bastante
propagado no cenário brasileiro e mundial, ainda se constata a negligência do direito à
diferença e à igualdade na diferença, através de práticas que penalizam as pessoas ao
pagamento do “ônus” decorrente de suas próprias deficiências. É urgente e necessário
entender que:
A identidade e a diferença não são entidades preexistentes, que estão
aí desde sempre ou que passaram a estar aí a partir de algum momento
fundador, elas não são elementos passivos da cultura, mas têm que ser
constantemente criadas e recriadas. A identidade e a diferença têm a
ver com a atribuição de sentido ao mundo social e com disputa e luta
em torno dessa atribuição. (SILVA, 2000, p. 96).
Márcia Torres Neri Soares
5461
Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares
Como se pode ver, o caráter mutável da identidade e da diferença exige uma
tomada de atitudes e posicionamentos, sobretudo na escola que precisa estar aberta às
diferenças. Tais atitudes devem romper com os estereótipos e com os pseudolugares
atribuídos a inúmeros estudantes que por diferentes razões, sentem-se constrangidos a
ocupá-los, se distanciando de suas reais necessidades e vontades.
Por outro lado, quando se discursa a favor da igualdade na diferença, não se quer
dizer que tais diferenças não precisem ser consideradas, pois com CARVALHO (2008)
acredita-se que não se trata de negar as diferenças, enquanto condição singular de cada
pessoa e, sim de analisar os “novos” modos de reconhecimento da diferença, em termos
políticos e sociais.
Não se trata, portanto, de normalizar a deficiência, outro mecanismo de
obliteração das diferenças, que institui o engodo de que todos são deficientes, não
necessitando consequentemente de uma política ou ações que valorizem e oportunizem
condições de vida a todas as pessoas, inclusive aquelas que possuam alguma
deficiência. Trata-se de abordar a questão, partindo-se inclusive do princípio de que
todos e todas apresentam diferenças e que diferentes devem ser as oportunidades, as
formas de respeito às singularidades de cada um, cada uma.
Esta deve ser a forma de abordar a diferença: A diferença que precisa ser
compreendida em seu sentido amplo e não de uma maneira irresponsável e
desrespeitosa, como acontece na prática do diferencialismo. (Skliar, 2006). Para o autor,
normalizar significa escolher uma identidade e fazer dela a única identidade verdadeira.
Contrariamente a normalização, a diferença não pode ser explicada em termos de
melhor ou pior, ela apenas é. O seu uso indevido que até substantiva o “estranho” como
o diferente, numa atitude preconceituosa de rotulação e diminuição das marcas de
algumas pessoas, acaba traduzindo de maneira altamente pejorativa, a identidade de
muitos. Por isso o autor enfatiza que:
É necessário dizer que o mesmo processo de diferencialismo tem
acontecido com outras diferenças, não mais apenas aquelas diferenças
de corpo, de aprendizagem, de língua etc., e sim as raciais, sexuais,
etárias, de gênero, de geração, de classe social, etc. Estabelece-se
assim um processo de “diferencialismo” que consiste em separar, em
distinguir da diferença algumas marcas “diferentes” e em fazê-lo
sempre a partir de uma conotação pejorativa. E é esse diferencialismo
o que faz, por exemplo, que a mulher seja considerada o problema na
Márcia Torres Neri Soares
5462
Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares
diferença de gênero, que o negro seja considerado o problema na
diferença racial, que a criança ou o velho sejam considerados o
problema da diferença etária, que o jovem seja o problema na
diferença de geração, que os surdos sejam o problema na diferença de
língua etc. (SKLIAR, 2006, pp. 23-24).
Ademais, o autor prossegue afirmando que “não lhe parece excessivo dizer que a
escola atual não se preocupa com a questão do outro, mas que tem se tornado obsessiva
ante todo resquício de alteridade, ante cada fragmento de diferença em relação à
mesmice.” (SKLIAR, 2006. p.24).
A denúncia atinge em cheio algumas propostas educacionais, ao tempo em que
remete a um repensar das atuais práticas pedagógicas e curriculares, das pesquisas até
então desenvolvidas na área da educação inclusiva e do tão conclamado respeito às
diferenças.
Nesse sentido, a autora Inês Oliveira ao versar sobre a regulação e emancipação
nos currículos praticados, alerta para a necessidade em se atentar para a produção das
desigualdades no interior de práticas e políticas curriculares, já que nestas pode ocorrer
à valorização de princípios em detrimento de outros, assim como são criados
preconceitos e hierarquizados sujeitos e culturas. (OLIVEIRA, 2005)
Este é um problema ético e político, que precisa ser considerado por todos
aqueles que se intitulam capazes de falar pelo outro. Por todos que dizem advogar a
causa dos excluídos, exteriorizando em suas produções o que eles precisam e como
devem ser chamados, tratados e incluídos, pois:
Falar sobre os sujeitos das escolas a despeito de se falar com eles
implica, quase sempre, em um discurso vazio, em uma retórica sobre
um sujeito, no singular, desencarnado, atemporal, personagem de uma
ficção idealizada pelo autor ou autora que escreveu sobre aquele
sujeito. (FERRAÇO, 2004, 77.).
É, portanto, um desafio porque o que deve ser pensado sobre a pessoa com
deficiência, não é o que lhe marca ou diferencia, como se fosse preciso vários
compartimentos e manuais sobre como tratar o deficiente mental, o físico, etc. A
diferença não pode subtrair a essência, ou o próprio ser. Ela é a diferença, não aquilo
que sentencia o destino de cada um, cada uma.
Márcia Torres Neri Soares
5463
Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares
Então, como pensar em práticas curriculares numa escola e sociedade que se
pretendem inclusivas? A luta é pelo direito a ser igual ou diferente? Estes
questionamentos nortearão as próximas considerações, para que se pense na inclusão e
se aponte novos caminhos para Políticas e Práticas Curriculares.
(RE) Pensando a inclusão da pessoa com deficiência: Caminhos para Políticas e
Práticas Curriculares.
O direito à diferença ou o direito à igualdade tem sido para alguns, peças
destoantes de um grande quebra-cabeça. Contudo, há uma lógica que faz com estas
sejam necessárias e absolutamente indispensáveis, pois a diferença obriga a existência
de políticas de reconhecimento das especificidades e necessidade de cada pessoa e a
igualdade exige a equiparação de oportunidades a todas estas pessoas.
A garantia desses direitos, algo que deve ser concretizado através de políticas
públicas que de fato respeitem e reconheçam a legitimidade e autonomia do outro, pode
superar muitos dos discursos que ainda permanecem tal como descrito abaixo:
Politicamente correto, como mencionei, enquanto estratégia discursiva
de assimilação do outro, enquanto assunção de eufemismos para
denominar os outros, deixando incólumes as assimetrias de
representações e relações de saber e poder – aquilo de não chame o
deficiente de deficiente (ou o negro de negro etc.), mas continue
praticando-o massacrando-o, continue fazendo-o deficiente (ou negro
etc). (SKLIAR, 2003, p. 125).
O autor que em suas produções busca superar o uso mecânico e moralizante da
palavra outro, traz à tona a necessidade de representações e práticas verdadeiramente
inclusivas. Entender esta fluidez é também reconhecer que as identidades não são fixas.
Que o outro é sempre alguém e alguém em mudança, pois:
A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma
fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação
e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma
multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis,
com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos
temporariamente. (HALL, 2006, p. 13).
Márcia Torres Neri Soares
5464
Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares
Como processo em andamento, inacabado a identidade do outro não pode ser
tratada como algo estanque. Por sua vez, a deficiência também não pode ser entendida
apenas como uma lesão, como comumente acontece. Tendenciosamente é-se levado a
identificar aquilo que se considera a falta do outro e por muitas vezes se estacionam
expectativas, na compreensão imóvel do que se convenciona sobre o que ele é capaz de
fazer. Assim, não conseguindo ver suas capacidades se geram atitudes assistencialistas
movidas por uma íntima compaixão pelas “pobres almas”.
Essa é uma das grandes armadilhas sutilmente engendradas no cotidiano e em
muitas práticas pedagógicas. Superam-se os modelos excludentes dos primórdios da
civilização caracterizados por atos de atrocidades e extermínios, para numa atitude
vergonhosa, banir dos limites da normalidade, todo aquele que se considera disforme,
incômodo e destoante. Não seria esta uma forma de exclusão muito mais severa do que
as que cometeram os antepassados?
Compreendendo-se essa problemática, o movimento em busca da garantia de
direitos promovido pelas próprias pessoas com deficiência, busca o reconhecimento de
que a deficiência não pode continuar sendo compreendida sob o ponto de vista
patológico, pois:
[...] deficiência não é mais uma simples expressão de uma lesão que
impõe restrições à participação social de uma pessoa. Deficiência é
um conceito complexo que reconhece o corpo com lesão, mas que
também denuncia a estrutura social que oprime a pessoa deficiente.
Assim como outras formas de opressão pelo corpo, como o sexismo
ou o racismo, os estudos sobre deficiência descortinaram uma das
ideologias mais opressoras de nossa vida social: a que humilha e
segrega o corpo deficiente. (DINIZ, 2007, p. 9.)
Este é um argumento e também um fato que precisa ser considerado ao idealizarse a tão sonhada escola inclusiva. Porque muitas vezes se pensa e se decide por pessoas
que sequer são reconhecidas em seus gostos, preferências e aptidões. Postulam-se suas
habilidades para as artes, culinária, esportes, limitam-se suas aprendizagens,
negligenciando-se por diversas vezes seus reais interesses e possibilidades.
Nesse sentido, por vezes ouve-se falar de uma inclusão que é apenas física, de
pessoas que, ao seu modo, dizem: continuo de fora! Este descompasso se reflete nas
Márcia Torres Neri Soares
5465
Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares
relações estabelecidas na cultura e nas práticas curriculares circunscritas no interior de
escola que ainda não aprendeu a conviver com as diferenças.
Muitas vezes, presos a questões terminológicas e a busca incessante por uma
formação para a diversidade – não que esses aspectos também não sejam importantes –
a pessoa com deficiência é vista como pertencente a um grupo negativamente marcado
pela ausência de órgãos, ou estímulos sensórios-motores e para ela são traçados planos
infalíveis de como incluí-la no meio sócio-educacional.
Apesar de todos os esforços e dos grandes avanços até aqui conquistados, ainda
são freqüentes os apelos e a constatação de uma escola que precisa abrir-se para:
A escola como uma instituição fundamental na construção da
cidadania deve necessariamente servir de modelo social e criar
culturas que celebrem a diversidade, sejam inclusivas e não alimentem
o preconceito e a discriminação contra qualquer grupo social.
(FERREIRA, 2006, p.222).
Torna-se cada vez mais comum e latente o movimento em prol do direito de
“todos” à educação. Aos poucos pessoas excluídas desde os primórdios da civilização
passam a constituir os lugares e posições antes vedadas a sua participação.
Um processo, e como tal, sujeito a alterações e muitas tentativas, já que é preciso
desorganizar, desagradar, desmontar a suposta fixidez e referência que muitos dos ditos
normais haviam conquistado. Chega a ser desconcertante, constrangedor, por isso,
choca, inibe, atinge os limiares da tão instituída normalidade.
Assim, a escola muitas vezes alega o despreparo como impedimento para a
inclusão de pessoas com deficiência e através desse argumento esconde-se em suas
dificuldades de lidar com toda e qualquer diferença. Sim! Porque ainda não aprendeu a
conviver com as escolhas sexuais, religiões, disparidades sócio-econômicas e tantos
outros aspectos que compõem a natureza humana. Esconde-se, procura subterfúgios e
demonstra suas estranhezas até para com o deficiente físico, para quem na maioria das
vezes não são necessários ajustes do ponto de vista pedagógico.
Nesse sentido, pensando-se na pessoa com deficiência e, sabendo-se das
diferenças pertencentes a este grupo minoritário, visto muitas vezes apenas como um
corpo lesado, inútil para o atual modelo econômico-social e ainda somando-se a outros
aspectos como etnia, condição social, gênero que acabam por demarcar os seus traços
Márcia Torres Neri Soares
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Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares
identitários de maneira pejorativa e altamente preconceituosa, chega-se a compreensão
de que, para estes, as discussões e ações curriculares precisam debruçar-se sobre a
subjetividade existente, transcendendo muitas práticas abusivas presentes na realidade
atual.
As formas com as quais a escola exorciza ou inferioriza as diferenças são as
mais variadas e sutis possíveis. Em seu currículo, nomeia aquilo que considera
imprescindível a formação de todos e todas, mas nem sempre o que é fundamental para
a formação de seres humanos mais justos, éticos e cidadãos.
Eis a grande nuance do processo educacional inclusivo. A diferença, o que se
arrisca acrescentar: a convivência com a deficiência, certamente proporciona
experiências salutares para todos os estudantes, tenham eles deficiência ou não, afinal:
“o direito à diferença nas escolas desconstrói, o sistema atual de significação escolar
excludente, normativo, elitista, com suas medidas e mecanismos de produção da
identidade e da diferença.”. (MANTOAN, 2006, p. 192).
Acredita-se que apenas desestabilizando enxerga-se o outro, pensa-se nele não
como alguém menor, mas como um ser pleno em suas vontades, preferências e escolhas.
Desse movimento e das práticas curriculares subseqüentes acredita-se poder constituir
novas e ricas experiências para todos que participam do processo educacional.
Não se trata, contudo, de pensar numa relação pacífica entre tantos e tantas, pois
isso seria também normalizar o que não é igual. É banalizar as ações e condições
ofertadas a todas as pessoas independentemente de suas especificidades. No paradoxo,
não há respostas prontas, mas indícios da necessidade de mudança no rumo das políticas
públicas e da (re) organização da escola e de suas práticas curriculares.
A vasta produção bibliográfica sobre a inclusão de pessoas com deficiência,
ajuda a refletir sobre os erros e acertos. Também já é possível constatar a presença de
autores que auxiliam na reflexão sobre o lugar ocupado pelas pessoas com deficiência
de acordo com as normalizações a que são submetidas.
Adotar um olhar vigilante, que ajude a acompanhar o espaço destinado as
pessoas com deficiência, deve ser lugar de primazia em qualquer proposta curricular e,
portanto deve ser redimensionado, não para o lugar destinado, mas para os lugares que
cada pessoa puder com toda sua intensidade e transitoriedade ocupar.
Márcia Torres Neri Soares
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Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares
E assim, poder-se-á contemplar a diversidade humana em toda sua riqueza e
singularidade. Quanto à pessoa com deficiência, aprender-se-á que:
O importante seria que nós não limitássemos a vida humana a essa
relação normal/patológico, pois é preciso olhar para além do corpo,
além da doença, além da diferença, para além da deficiência.
(PADILHA, 2001, p. 3).
Olhar para o ser em sua plenitude, reconhecê-lo em seus gostos, preferências e
divergências, deve ser um exercício contínuo nas práticas curriculares que primem pela
valorização da diversidade em seus conteúdos e proposições didáticas.
Tais premissas dão indícios da constituição de novos caminhos a serem
seguidos, descortiná-los, desbravá-los, deve ser um constante devir para a educação.
Conclusões
Segundo Tomaz Tadeu (2000), diferença e identidade são produções sociais e
culturais. Para ele, na perspectiva da diversidade, elas tendem a ser naturalizadas,
cristalizadas, essencializadas. Afirmações de identidade só fazem sentido, portanto, a
partir das diferenças e as afirmações de diferença só podem ser compreendidas em suas
relações com as afirmações de identidade sendo assim, inseparáveis.
Mais uma vez, a inevitabilidade do tema se anuncia como indispensável à escola
e o currículo que precisam tornar-se verdadeiramente inclusivos. Para tanto, salienta-se
que “As políticas curriculares resultam de complexas decisões que derivam tanto do
poder político oficialmente instituído quanto dos atores com capacidade para intervir,
direta ou indiretamente, nos campos de poder em que estão inseridos.” (PACHECO,
2005, p.110). Dessa forma, a tarefa de redefinir os rumos das políticas curriculares é
uma tarefa coletiva que não pode atribuir à instância política a imutabilidade e a
conformação de práticas homogeneizadoras, mas que precisa convergir para a
incessante busca para a construção de novas práticas curriculares.
Desta última afirmação pode-se deduzir que é necessário atentar para a
complexidade e riqueza de toda e qualquer prática, afinal: apelos e a constatação de uma
escola que precisa abrir-se para:
Márcia Torres Neri Soares
5468
Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares
É preciso perceber, no entanto, que o processo educativo não se dá de
forma linear e progressiva, mas numa relação complexa entre
processos singulares. As pessoas, de fato, são desafiadas por
diferentes problemas. Cada uma enfrenta em sua prática quotidiana
situações muito variadas, elaborando entendimentos a partir de
referenciais culturais e teóricos diferentes, por vezes incronguentes
entre si, e assumindo opções e ações diversas, por vezes divergentes e
conflitantes. (FLEURI, 2005, p. 145).
Da mesma forma, do ponto de vista discente, é importante considerar que
diferentes formas de compreensão das atividades propostas devem ser oportunizadas a
todos os alunos e alunas, pois existem formas diferentes de aprender. Nesse sentido, é
oportuna a reflexão de que os pressupostos da educação inclusiva e o respeito à
diversidade, serão salutares para todo e qualquer aluno/aluna tenha ele/ela ou não uma
deficiência.
As propostas governamentais têm disseminado conteúdos acerca da Educação
Inclusiva que são regulamentados através da atual Política de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008). Em todo o país nos Eventos e nas
próprias salas de aula, se veiculam experiências advindas do trabalho com crianças com
deficiência em classes regulares, sob diferentes óticas que ao seu modo, dizem respeito
às estratégias curriculares utilizadas no alcance de todos os alunos e alunas.
Essa constatação é evidente, já que receber um estudante com deficiência em
uma classe regular, oportuniza o olhar para as diferenças muitas vezes negligenciado ou
distorcido no contexto escolar. Há ainda a possibilidade de perceber que tais diferenças
já existiam e que nem sempre foram consideradas pelas práticas curriculares ao:
selecionar conteúdos, privilegiar determinadas formas de produções em detrimento de
outras, eleger os melhores alunos, estabelecer critérios de formação de grupos de acordo
com os mesmos níveis de desenvolvimento, enfim, nem sempre foram contempladas
nas formas elitistas e hierárquicas que muitas vezes a escola priorizou ao instituir as
suas normas.
De todas as contribuições teóricas aqui elencadas, pode-se deduzir que a
inclusão em muito contribuirá através de sua complexidade, dilemas e campo fértil de
conteúdos à construção de novas Políticas e Práticas Curriculares numa reafirmação do
respeito a todas as pessoas independentemente de suas condições ou opções físicas,
étnicas, culturais e ou sociais.
Márcia Torres Neri Soares
5469
Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares
Tais Políticas e Práticas serão engendradas através do constante repensar da
própria existência humana que é inerentemente diversa. Do reconhecimento e
entendimento de que pessoas com deficiência são antes de tudo, pessoas, e como tais
possuem nomes, vontades, opções, trajetórias, memórias, poder-se-á avançar na visão
não mais do que lhes falta, mas de suas inúmeras possibilidades as quais denominadas
de potencialidades. Trabalhar com essas potencialidades, será sem dúvida, um rico e
incomparável desafio. Ressignificá-las no interior de Práticas Curriculares trará
importantes produções e experiências.
REFERÊNCIAS
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Porto Alegre: Mediação, 2008.
DINIZ, Débora. O que é deficiência. São Paulo: Brasiliense, 2007. (Coleção Primeiros
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docente dez anos após Salamanca. In: RODRIGUES, David. (Org.). Inclusão e
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Márcia Torres Neri Soares
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Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares
OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Currículos Praticados: Entre a regulação e a
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PACHECO, José Augusto. Escritos Curriculares. São Paulo, Cortez, 2005.
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SKLIAR, Carlos. Pedagogia (improvável) da diferença: e se o outro não estivesse aí?
Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
Márcia Torres Neri Soares
5471
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES DO CURRÍCULO NO
PROCESSO DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO EM
EDUCAÇÃO
Mônica Pereira dos Santos
Mylene Cristina Santiago
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação
AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES DO CURRÍCULO NO PROCESSO DE
INCLUSÃO E EXCLUSÃO EM EDUCAÇÃO
Mônica Pereira dos Santos1
Mylene Cristina Santiago2
RESUMO: Pretendemos nesse ensaio estabelecer diálogos entre teorias curriculares e o
processo de inclusão e exclusão em educação, sob a perspectiva dos estudos culturais.
Usaremos uma estrutura explicativa que vem sendo elaborada desde o final dos anos 80
(BOOTH, 1981), referente à compreensão dos processos de inclusão/exclusão, que se
manifestam por meio de três dimensões: a da criação de culturas, a do desenvolvimento
de políticas e a da orquestração das práticas de inclusão/exclusão no interior das
instituições e sistemas. Nesse trabalho procuraremos articular a relação entre currículo,
cultura e poder com os processos de exclusão vinculados às barreiras à aprendizagem e
à não-participação no processo de escolarização.
PALAVRAS-CHAVE: inclusão/exclusão, currículo, estudos culturais, poder.
Introdução
Buscaremos nesse ensaio articular possíveis diálogos entre as teorias curriculares
e o processo de inclusão e exclusão em educação, sob a perspectiva dos estudos
culturais. Entendemos que o currículo pode apresentar dimensões compatíveis com o
referencial conceitual que vem sendo elaborado desde os anos 1980 (BOOTH, 1981,
1983; SANTOS, 2009), referente à inclusão em educação, segundo o qual: a inclusão
constitui-se (ou deveria constituir-se) em fundamento básico à democratização da escola
e de práticas educacionais em geral, e as análises a respeito dos processos de exclusão
1
Professora Adjunta dos programas de graduação e pós-graduação em Educação da Faculdade de
Educação da UFRJ. Fundadora e Coordenadora do LaPEADE - Laboratório de Pesquisa, Estudos e Apoio
à Participação e à Diversidade em Educação. Chefe do Departamento de Fundamentos da Educação da
Faculdade de Educação da UFRJ. Pesquisadora em Inclusão em Educação.
2
Doutoranda em Educação pela UFRJ, Mestre em Educação / UFJF, Pedagoga da Secretaria de Educação
do município de Juiz de Fora/MG. Pesquisadora do LaPEADE - Laboratório de Pesquisa, Estudos e
Apoio à Participação e à Diversidade em Educação – Faculdade de Educação – UFRJ.
Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago
5475
As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação
que justificam as preocupações com (e a defesa da) inclusão em educação podem ser
obtidas por meio da consideração de três dimensões de análise e intervenção,
concomitantemente: a da criação de culturas, do desenvolvimento de políticas e da
orquestração de práticas de inclusão.
Em nossas pesquisas (“Ressignificando a formação de professores para uma
educação inclusiva” e “Culturas, políticas e práticas de inclusão em Universidades”),
temos observado, ao considerarmos tais dimensões na compreensão dos processos de
exclusão/inclusão na escola, que uma categoria relevante, se não central, ao
entendimento, sempre complexo, de tais processos, é a de identidade. A Psicologia, em
geral, e a Psicologia Social, em particular, há décadas dedicam-se a compreender e
explicar os fenômenos relativos à constituição das identidades, assim como também a
Antropologia e a Sociologia. No campo da Educação, a questão da identidade tem sido
igualmente premente, tanto como objeto de estudo, quanto como fenômenos
observáveis e intimamente ligados aos processos de exclusão e inclusão. Isto porque,
quando tomada em seu efeito demarcador de grupos, pessoas e culturas, percebe-se,
também, seu efeito demarcador de diferenças. Por isso, julgamos importante argumentar
que o conceito de identidade possui estreita relação com o conceito de diferença. A
identidade não é o oposto da diferença, ela depende da diferença. (SILVA e
WOODWARD, 2000)
A identidade e a diferença são fabricadas no contexto de relações psicológicas,
culturais e sociais. Nesse sentido, Silva (2000) esclarece que estão sujeitas a vetores de
força, a relações de poder. Não são simplesmente definidas, elas são impostas. Elas não
convivem harmoniosamente, elas são disputadas. O autor acrescenta que:
A identidade e a diferença se traduzem, assim, em declarações sobre
quem pertence sobre quem não pertence, sobre quem está incluído e
quem está excluído. Afirmar a identidade significa demarcar
fronteiras, significa fazer distinções entre o que fica dentro e o que
fica fora. A identidade está sempre ligada a uma forte separação entre
“nós” e “eles”. Essa demarcação de fronteiras, essa separação e
distinção, supõem e, ao mesmo tempo, afirmam e reafirmam relações
de poder. (SILVA, 2000, p.82)
Assim como identidade e diferença, os processos de inclusão e exclusão são
interligados e coexistem numa relação dialética que gesta subjetividades específicas,
Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago
5476
As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação
que vão desde o sentir-se incluído ao sentir-se discriminado. Sawaia (2008, p.9) indica
que:
a exclusão é processo complexo e multifacetado, uma configuração
de dimensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas. É processo
sutil e dialético, pois só existe em relação à inclusão como parte
constitutiva dela. Não é uma coisa ou um estado, é processo que
envolve o homem por inteiro e suas relações com os outros. Não tem
uma única forma e não é falha do sistema; ao contrário, é produto de
seu funcionamento.
Desde modo, podemos afirmar que identidade e diferença estão estreitamente
relacionadas aos processos de inclusão e exclusão, pois estão vinculadas aos processos
pelos quais a sociedade produz e utiliza classificações. As classificações são feitas a
partir do ponto de vista da identidade. Nas palavras de Silva (2000, p. 82) dividir e
classificar significa, nesse caso, também hierarquizar. Deter o privilégio de classificar
significa também deter o privilégio de atribuir diferentes valores aos grupos assim
classificados, o que gera desigualdade, o que, por sua vez, constitui uma prática de
poder, em particular quando o desigual tem um valor negativo
Assim, as relações de identidade e diferença ordenam-se em torno de oposições
(valorizações) binárias: mais/menos, bom/mau/, bem/mal, bonito/feio, alto/baixo,
capaz/incapaz, rico/probre... Deste modo, ao questionarmos a identidade e a diferença
como embutidas em relações desiguais de poder que geram exclusões, somos
impulsionados a problematizar os binarismos em torno dos quais elas se organizam.
Fixar determinada identidade como a norma é uma das formas de promoção de
hierarquização das identidades e das diferenças e, consequentemente, de exclusão.
(SILVA, 2000)
A normalização é um dos processos mais sutis pelos quais o poder se manifesta
no campo da identidade e da diferença; significa eleger uma identidade específica como
o parâmetro em relação ao qual as outras identidades são avaliadas, hierarquizadas e
postas em situação potencial ou efetiva de exclusão. Na rotina pedagógica e curricular
das escolas essa hierarquização se reflete através de processos homegeneizadores, que
consideram a identidade normal como “natural”, desejável e única.
O processo de inclusão envolve a reestruturação das políticas, culturas e práticas
nas escolas, de forma a reduzir barreiras à aprendizagem e à participação para todos os
Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago
5477
As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação
estudantes, problematizando os processos de produção das diferenças e identidades no
interior de cada instituição (BOOTH, 2002). O currículo, aqui considerado como
elemento central da atividade educacional, torna-se destaque de nossas reflexões. Desse
modo, buscaremos relacionar as dimensões culturais, políticas e sociais do currículo
com as dimensões de culturas, políticas e práticas de inclusão e exclusão em educação.
Dimensões culturais do currículo: criando culturas inclusivas
Compreendendo a importância que a cultura tem assumido frente à estrutura e à
organização da sociedade nos dias atuais, propomos breves reflexões sobre as
dimensões culturais do currículo e sua influência na proposição de culturas inclusivas.
Entendemos por culturas inclusivas, princípios e valores que buscam ampliar a
participação dos sujeitos nos processos decisórios do cotidiano das instituições por que
circulam, negar a hegemonia cultural, tendo por base o reconhecimento do direito à
diferença e a luta contra todas as formas de desigualdade e discriminação em nossa
sociedade.
Posicionar a cultura como eixo central do currículo é um desafio para nossas
escolas. Moreira e Candau (2003) ressaltam que construir o currículo nessa perspectiva
irá requerer do professor nova postura, novos saberes, novos objetivos, novos
conteúdos, novas estratégias e novas formas de avaliação. Estamos convictos de que tais
mudanças não se referem apenas aos professores, mas a toda a comunidade escolar. Tais
valores inclusivos orientam as decisões sobre as políticas e as práticas diárias em sala de
aula e na escola como um todo.
Na dimensão da criação de culturas inclusivas, apresentamos princípios, sem a
pretensão de oferecermos prescrições, que estimulam à construção de uma comunidade
escolar que valorize o acolhimento de todos, a ajuda mútua entre os alunos, a
colaboração entre os profissionais, pais/responsáveis e gestores e o envolvimento com a
comunidade local. E que desenvolva valores inclusivos expressos pelas altas
expectativas e valorização de todos os alunos e membros da comunidade escolar, assim
como pela preocupação constante com a remoção de barreiras à aprendizagem e à
participação de todos, em todos os aspectos da escola.
Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago
5478
As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação
Salientamos que tais proposições vão além do diálogo e do respeito à diferença,
elas sugerem a análise, o desvelamento e o desafio dos efeitos de assujeitamento e
exclusão que as relações de poder existentes em situações de coexistência de diferentes
culturas no mesmo espaço costumam gerar. Em nossa perspectiva, tais processos de
assujeitamento e exclusão estão intimamente relacionados à produção do fracasso
escolar, ao mesmo tempo causa e efeito de variadas exclusões (e, portanto, merecedor
de especial atenção), e aqui entendido como processos por meio dos quais a escola
deixa de cumprir seus papéis (ou ainda: ela os pseudo-cumpre): o de ensinar, o de
possibilitar a aprendizagem, o de fazê-lo por meio do exercício de uma práxis
renovadora, reflexiva, crítica e potencialmente transformadora, porque dialética e
constantemente questionadora das cristalizações das idéias, das “verdades”, das práticas
que “sempre deram certo”, de um conceito disciplinar, fragmentado e hierarquizado da
escola e seus saberes. Some-se a isso, o providencial “esquecimento” de que tais papéis
só têm sentido porque se dão na e para a interrelação entre sujeitos e para a construção
de sociedades democráticas, em que os processos participatórios não sejam somente
promovidos, mas também exercidos por cada sujeito, individualmente e em suas
coletividades.
As explicações para o fracasso escolar têm variado no decorrer do tempo, de
acordo com as concepções vigentes em cada período histórico. Patto et alii (2004)
destacam diferentes concepções de fracasso escolar que implicam em estratégias
diferenciadas de intervenções e práticas educacionais e na culpabilização de
determinados atores. A concepção do fracasso escolar como problema psíquico implica
na culpabilização das crianças e de seus pais. Nas palavras de Patto et alii (2004)
[...] nessa abordagem entende-se que a criança é portadora (sic) de
uma organização psíquica imatura, que resulta em ansiedade,
dificuldade de atenção, dependência, agressividade, etc., que causam,
por sua vez, problemas psicomotores e inibição intelectual que
prejudicam a aprendizagem escolar. Não se trata da tese tradicional
de que as crianças das classes populares têm rendimento intelectual
baixo por carência cultural, mas de afirmar uma inibição intelectual
causada por dificuldades emocionais adquiridas em relações
familiares patologizantes. (p.60)
Outra concepção vigente associa o fracasso escolar como um problema técnico
que culpabiliza o professor, afirmando que o fracasso escolar é produzido na e pela
Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago
5479
As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação
escola. Nessa concepção de fracasso escolar fica patente a preocupação com a eficácia
da prática pedagógica, todavia os casos que contradizem a hipótese do professor ter
formação técnica adequada; refletir sobre a prática e/ou planejar as intervenções são
considerados como indicativos de deficiências individuais, que necessitam de
acompanhamento especial, e não como hipótese de que o simples emprego da técnica é
suficiente para reverter às dificuldades de escolarização.
A abordagem do fracasso escolar como questão institucional traz à tona a lógica
excludente da educação escolar, compreendendo a escola como instituição social
inserida em uma sociedade de classes regida pelos interesses do capital, sendo que as
próprias políticas educacionais encontram-se entre os determinantes do fracasso escolar.
Para Patto et alii (2004), esta concepção retoma o tecnicismo ao admitir a possibilidade
de pôr sob controle o fracasso escolar por meio da adequada implementação de políticas
educacionais “progressistas”. Nesse sentido as pesquisadoras acrescentam que:
O insucesso de reformas e projetos nesta direção encontra explicação
no conservadorismo dos professores que, pela resistência à inovação,
prejudicam a sua implementação. A saída apontada é o investimento
na formação intensiva dos professores, de modo a levá-los a conhecer
em profundidade as propostas governamentais e, assim, garantir a
realização do objetivo final de reformas e projetos oficiais: a reversão
do fracasso escolar. (PATTO et alii, 2004, p. 62)
Finalmente, as autoras nos apresentam a concepção do fracasso escolar como
questão política relacionada à cultura escolar, cultura popular e relações de poder. Essa
vertente enfatiza a dimensão política da escola, incidindo nas relações de poder
estabelecidas no interior da instituição escolar, mais especificamente na violência
praticada pela escola ao estruturar-se com base na cultura dominante e não reconhecer a
cultura popular.
Hall (1997) argumenta que toda prática social depende do significado e com ele
tem relação. A cultura é uma das condições constitutivas de existência dessa prática,
fazendo com que toda prática social tenha uma dimensão cultural e estabelecendo
relações entre as práticas escolares e a(s) cultura(s). Para Moreira e Candau (2003) a
escola é, sem dúvida, uma instituição cultural. Os autores consideram que:
Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago
5480
As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação
As relações entre escola e cultura não podem ser concebidas como
entre dois pólos independentes, mas sim como universos
entrelaçados, como uma teia tecida no cotidiano e com fios e nós
profundamente articulados. (p. 160)
No entanto, denunciam que,
O que caracteriza o universo escolar é a relação entre as culturas,
relação essa atravessada por tensões e conflitos. [...] A escola sempre
teve dificuldade em lidar com a pluralidade e a diferença. Tende a
silenciá-las. Sente-se mais confortável com a homogeneização e a
padronização. (p. 161)
Em nossa análise, tal dificuldade com o trato da diferença e da pluralidade
reflete as heranças de um conceito de educação profundamente pautado no ideário
iluminista, que, em nome da “cientifização” do conhecimento e da fundação da
racionalidade científica como fonte única de explicação confiável sobre os fenômenos
da natureza e sociais, gerou mitos que a escola, até hoje, não consegue quebrar e ainda
enxerga como verdades, como por exemplo, o da homogeneidade e o da normalidade.
Assim, buscar novos sentidos que questionem e desnaturalizem essas concepções de
realidade constitui um passo fundamental no processo de reinvenção da cultura escolar e
de promoção de culturas inclusivas. A transformação da cultura escolar está
intimamente ligada aos profissionais que atuam nas instituições e que produzem
currículos, políticas e práticas pedagógicas. Reiterando que todas as práticas sociais são
práticas de significação, e, portanto, são culturais, buscaremos compreender as políticas
curriculares como políticas culturais, e nesse contexto, refletiremos sobre a produção de
políticas inclusivas.
Políticas culturais: produzindo políticas inclusivas
Compreender o currículo escolar como um campo em que estão em jogo
múltiplos elementos, implicados em relações de poder, compondo um terreno
privilegiado da política cultural, é uma tarefa que busca analisar as escolas e seus
currículos como territórios de produção, circulação e consolidação de significados.
(COSTA, 1998)
O currículo escolar tem sido considerado como um texto que pode contar
histórias sobre indivíduos, grupos, sociedades, culturas, tradições; tais histórias têm a
Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago
5481
As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação
pretensão de nos relatar com as coisas são ou como deveriam ser. Costa (1998) assinala
que na política cultural, essas representações construídas pelos discursos posicionam os
indivíduos numa certa geografia e economia do poder cujo objetivo é o governo, a
regulação social.
Na perspectiva de redefinir o currículo como cultura, Macedo (2006) propõe
pensar as relações entre cultura e currículo para além das distinções binárias entre
produção e reprodução cultural, entendendo a necessidade de criar formas que permitam
dialogar com o poder numa perspectiva menos hierárquica. Desse modo, esclarece:
Não vejo o currículo como um cenário em que as culturas lutam por
legitimidade, um território contestado, mas como uma prática cultural
que envolve, ela mesma, a negociação de posições ambivalentes de
controle e resistência. O cultural não pode, na perspectiva que
defendo, ser visto como fonte de conflito entre diversas culturas, mas
como práticas discriminatórias em que a diferença é produzida. [...] o
currículo é ele mesmo um híbrido, em que as culturas negociam coma-diferença. (Macedo, 2006, p. 105)
A autora posiciona-se de forma favorável à negociação com a diferença cultural
e critica os projetos que não consideram a historicidade dessas diferenças, visando
domesticá-las e reduzi-las à iniciativas de discriminação positiva ou programas
assistenciais e/ou compensatórios, que tendem a fixar as diferenças transformando-as
em diversidade3. De acordo com Maués (2005),
[...] o deslocamento da discussão curricular para o eixo da diferença,
encontra-se centralmente impactado pela teoria cultural e social pósestruturalista ao assumir a linguagem a partir de sua materialidade e
operatividade discursiva. As diferenças, assim, são entendidas
predominantemente, do ponto de vista de sua criação lingüística,
vistas no interior de sistemas discursivos e simbólicos que as
engendram.
Reconhecemos a legitimidade da opção epistemológica pela discussão curricular
no eixo da diferença, no entanto ressaltamos que nos estudos voltados para inclusão em
3
Silva (2000, p.73) critica a idéia de diversidade adotada no “multiculturalismo” por considerar que esta
se apóia em um vago e benevolente apelo à tolerância e ao respeito para com a diversidade e a diferença.
Na perspectiva da diversidade, a diferença e a identidade tendem a ser naturalizadas, cristalizadas,
essencializadas.
Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago
5482
As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação
educação, usamos o termo diversidade, não com o propósito de minimizar as relações
de poder subjacentes aos processos de identidade e diferença, mas como princípio de
problematização em relação:
às dificuldades que as pessoas possam encontrar em sua trajetória de
aprendizagem em função de suas próprias diferenças ou em função
das dificuldades causadas pelo preconceito que a sociedade lhes
impõe, quando identificados como diferentes, quando tentam
apropriar-se dos instrumentos de leitura do mundo, exercitar seus
papéis sociais e efetivar sua ação no mundo. (SANTOS, 2009, p. 11)
Entendemos inclusão como um processo, que reitera princípios democráticos de
participação social plena. Para Santos (2009), inclusão não é a proposta de um estado
final ao qual se quer chegar. Também não se resume na simples inserção de grupos
excluídos, em espaços sociais dos quais são privados. Nos contextos educacionais, há
educandos que necessitam de procedimentos, recursos ou auxílios mais específicos para
participarem mais ativamente (com poder de decisão) das atividades propostas no
ambiente educacional. Assim, quando nos referimos ao termo diversidade, estamos
preocupados em garantir o atendimento às necessidades de todo e qualquer educando.
Neste sentido:
[...] as atitudes de uma escola cuja orientação seja inclusiva enfatizam
uma postura não só dos educadores, mas de toda a comunidade
educacional e de todo o sistema educacional. Uma escola com
orientação inclusiva é aquela que se preocupa com a modificação da
estrutura, do funcionamento e da resposta educativa que se deve dar a
todas as diferenças individuais, em qualquer instituição de ensino, de
qualquer nível educacional. (SANTOS, 2009, p. 14)
Pensar um projeto alternativo para atender a diferença se aproxima do que
propomos como políticas de inclusão. Essa dimensão se traduz no campo educacional
como o direito de todos à educação, esse direito assegura a participação (como poder de
decisão e ação) de todos os membros da comunidade escolar desde seu acesso e garante
a permanência, através da minimização de pressões excludentes no cotidiano escolar.
As políticas de inclusão estão relacionadas à formulação diretrizes com vistas a
orientar ações oficiais tanto no campo do cotidiano da escola quanto no das redes e
sistemas de ensino, estando diretamente vinculadas às políticas públicas em educação
Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago
5483
As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação
que buscam efetivar a universalização da educação básica, no cenário internacional e
nacional.
Em 1990, foi realizada em Jomtien (Tailândia) uma Conferência Mundial sobre
Educação para Todos que aprovou a Declaração Mundial sobre Educação para Todos e
o Plano de Ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem. Nesse
documento, o direito à educação, proclamado pela Declaração dos Direitos Humanos,
foi reafirmado.
Diante de um quadro de profundas desigualdades sociais, os países signatários
dessa Conferência se comprometeram a garantir a cada pessoa (criança, jovem ou
adulto) condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para atender suas
necessidades básicas de aprendizagem. Nesse sentido, torna-se urgente pensar medidas
que possibilitem a universalização da educação básica, a melhoria de sua qualidade e a
redução das desigualdades, através da superação de todos os obstáculos que impedem a
participação (como poder de decisão e ação) no processo educativo e na eliminação de
preconceitos e estereótipos de qualquer natureza quanto aos grupos excluídos4.
Para a promoção da educação para todos, essa Declaração pressupõe, entre os
requisitos necessários, o desenvolvimento de políticas contextualizadas de apoio nos
setores social, cultural e econômico. A educação básica para todos depende de um
compromisso político, respaldado por medidas fiscais adequadas e ratificado por
reformas na política educacional e pelo fortalecimento institucional.
A Declaração Mundial sobre Educação para Todos representou um marco no
processo de universalização da educação básica e na compreensão do paradigma de
inclusão em educação que emergia na década de 1990.
Em 1994, ocorreu a Conferência Mundial de Educação Especial na Espanha, em
Salamanca, que culminou na elaboração de uma declaração sobre princípios, políticas e
práticas na área das necessidades educativas especiais. Embora essa Conferência
estivesse vinculada à Educação Especial, ela não se limitou apenas a discutir a
4
No texto da Declaração Mundial sobre Educação para Todos são considerados grupos excluídos: os
pobres; os meninos e meninas de rua ou trabalhadores; as populações das periferias urbanas e zonas
rurais; os nômades e os trabalhadores migrantes; os povos indígenas; as minorias étnicas, raciais e
lingüísticas; os refugiados; os deslocados pela guerra; os povos submetidos a um regime de ocupação; as
pessoas com deficiência.
Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago
5484
As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação
problemática das pessoas com deficiência, acreditamos que por influência da
Conferência de Jomtien (1990). A Declaração de Salamanca preceitua:
[...] que escolas deveriam acomodar todas as crianças
independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais,
emocionais, lingüísticas ou outras. Aquelas deveriam incluir crianças
deficientes e super-dotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças
de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a
minorias lingüísticas, étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos
desavantajados ou marginalizados. (p. 3)
Pela primeira vez o termo inclusão é usado em um documento oficial de
abrangência internacional e a partir de então são traçadas diretrizes e princípios
nacionais que buscam desenvolver sistemas inclusivos de educação e pensar sociedades
sob a ótica desse paradigma.
Os princípios salientados nessa Declaração implicam numa mudança cultural
nos ambientes educativos, que pressupõe o desenvolvimento de uma pedagogia centrada
na criança, modificação de atitudes discriminatórias e criação de comunidades
acolhedoras. Portanto, as políticas e práticas institucionais tornam-se dimensões
interdependentes às culturas, que deverão ser articuladas de modo a promover
ambientes inclusivos e/ou permitir o debate sobre os processos de exclusão que
precisam ser revelados e combatidos.
Nesse panorama, em 2000, ocorreu a Cúpula Mundial de Dakar (Senegal) que
elaborou a Declaração de Dakar, que reafirma a visão da Declaração Mundial de
Educação Para Todos (Jomtien, 1990), apoiada pela Declaração Universal de Direitos
Humanos (1948), de que toda criança, jovem e adulto têm o direito humano de
beneficiar-se de uma educação que satisfaça suas necessidades básicas de
aprendizagem, no melhor e mais pleno sentido do termo, e que inclua aprender a
aprender, a fazer, a conviver e a ser.
Nessa Declaração os signatários assumem o compromisso de atingir, até o ano
de 2015, os seguintes objetivos:
a) expandir e melhorar o cuidado e a educação da criança pequena,
especialmente para as crianças mais vulneráveis e em maior
desvantagem; b) assegurar que todas as crianças, com ênfase especial
nas meninas e crianças em circunstâncias difíceis, tenham acesso à
educação primária, obrigatória, gratuita e de boa qualidade até o ano
Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago
5485
As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação
2015; c) assegurar que as necessidades de aprendizagem de todos os
jovens e adultos sejam atendidas pelo acesso eqüitativo à
aprendizagem apropriada, a habilidades para a vida e a programas de
formação para a cidadania; d) alcançar uma melhoria de 50% nos
níveis de alfabetização de adultos até 2015, especialmente para as
mulheres, e acesso eqüitativo à educação básica e continuada para
todos os adultos; e) eliminar disparidades de gênero na educação
primária e secundária até 2005 e alcançar a igualdade de gênero na
educação até 2015, com enfoque na garantia ao acesso e o
desempenho pleno e eqüitativo de meninas na educação básica de boa
qualidade; f) melhorar todos os aspectos da qualidade da educação e
assegurar excelência para todos, de forma a garantir a todos
resultados reconhecidos e mensuráveis, especialmente na
alfabetização, matemática e habilidades essenciais à vida. (UNESCO,
2007, n/p)
Assim como nos momentos anteriores, mais uma vez a formulação de políticas
públicas em educação para a promoção da inclusão é destacada no sentido de
desenvolver planos de ação nacionais e ampliar de forma significativa os investimentos
em educação básica.
Desse modo, paralelo às políticas internacionais, o Brasil, na condição de
signatário das três conferências supramencionadas, desenvolve reformas e medidas em
consonância com as políticas de inclusão, buscando estender a escolarização pública,
obrigatória e gratuita a todos os membros da comunidade e intencionando transformar
as instituições escolares em ambientes que privilegiem o acesso, permanência com
qualidade, participação e sucesso de todos.
Todavia, ainda estamos distantes de obtermos o almejado sucesso escolar de
todos, no que tange às políticas curriculares. Estudos denunciam que o fracasso escolar
persiste porque tais políticas têm sido prescritivas, homogeneizantes e centradas no
Estado, porque demonstram distanciamento entre avanços teóricos e avanços práticos e
porque apresentam sintomas da globalização das políticas educacionais. (OLIVEIRA E
DESTRO, 1998)
Embora tais denúncias sejam indispensáveis para a análise crítica do currículo,
Oliveira e Destro (1998) consideram que não sejam mais suficientes por conta do
predomínio de uma perspectiva hierárquica de controle sobre os currículos em um
contexto que requer a adoção de uma postura contra-hegemônica, dessa forma,
entendem a necessidade de avançarmos na compreensão e na implementação de
políticas curriculares com a perspectiva de enfrentamento dos resultados insatisfatórios
Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago
5486
As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação
da escolarização; isso significa buscarmos estudos que façam um deslocamento até
então hegemônico, com o intuito de se retirar o foco no controle vertical, para
visualizarmos o movimento de contra hegemonia nas relações de poder estruturadoras
de tais políticas.
Esse movimento pressupõe, nas palavras de Oliveira e Destro (1998, p. 148)
que as relações de poder não são fixas, mas resultam da disputa por
significações culturais, e que o espaço dessas disputas não está
demarcado por posições binárias fixas ou dicotômicas, mas são frutos
de construções históricas.
Compreender o currículo como espaço de negociação com a diferença, nos
remete à redefinição de nossos papéis, enquanto intelectuais, produtores de saberes e
práticas que favorecem uma orientação inclusiva no processo de aprendizagem.
Saberes e práticas inclusivas: orquestrando a aprendizagem para todos
Uma possível maneira de repensar e reestruturar a natureza do trabalho docente é
considerar os professores como intelectuais, como atores reflexivos. Ao se compreender
os professores como intelectuais torna-se possível, como assinala Giroux (1992), a
elaboração de uma severa crítica àquelas ideologias que legitimam as práticas sociais
que separam conceitualização, projeto e planejamento dos processos de implementação
e execução. Nessa perspectiva os professores são responsáveis por levantar questões
sérias sobre o que ensinam, como devem ensinar e quais os objetivos mais amplos por
que lutam.
Para Giroux (1992), o conceito de intelectual fornece a base teórica para o
questionamento das condições ideológicas e econômicas sob as quais os intelectuais,
como um grupo social, precisam trabalhar a fim de funcionarem como seres humanos
críticos, reflexivos e criativos. Ao se considerar o professor como um intelectual, tornase possível repensar e reformular condições e tradições históricas que dimensionam a
relação entre conhecimento e poder. O autor sustenta que a tarefa central para os
intelectuais transformadores é tornar o pedagógico mais político e o político mais
pedagógico, justifica que:
Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago
5487
As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação
No primeiro caso, isto significa inserir a educação diretamente na
esfera política, afirmando que a escolarização representa tanto uma
disputa por significado, como uma luta a respeito das relações de
poder. [...] Por outro lado, tornar o político mais pedagógico significa
utilizar formas de pedagogias que: tratem os estudantes como agentes
críticos, problematizem o conhecimento, utilizem o diálogo e tornem
o conhecimento significativo de tal modo a fazê-lo crítico para que
seja emancipatório. (GIROUX, 1992, p. 32-3)
Deste modo, o ponto de partida para tais intelectuais não é o aluno isolado, mas
os estudantes como atores coletivos em suas características de classe, culturais, raciais e
de sexo. Uma tarefa pedagógica relevante, que emerge dessa perspectiva, é questionar
como a dinâmica da linguagem e do poder funcionam nos currículos de modo a silenciar
ou privilegiar determinados grupos e determinados estudantes.
Como valorizamos saberes e práticas? Que saberes? Que práticas? Essas
indagações podem ser pontos de partida para entendermos a experiência dos professores
que se tornam intelectuais ao teorizarem suas práticas, transformando-as através da
argumentação, fundamentação e questionamento.
Construir saberes e práticas voltadas para uma orientação inclusiva vai requerer
que o docente reformule sua prática com base nas perspectivas, necessidades e
identidades de classes e grupos subalternizados. Moreira e Candau (2003) consideram a
necessidade de propiciar aos estudantes a compreensão das conexões entre as culturas,
das relações de poder envolvidas na hierarquização das diferentes manifestações
culturais, assim como das diversas leituras que se fazem quando distintos olhares são
privilegiados. Acrescentam que:
Uma das questões fundamentais de serem trabalhadas no cotidiano
escolar, na perspectiva da promoção de uma educação atenta à
diversidade cultural e à diferença, diz respeito ao combate à
discriminação e ao preconceito, tão presentes na nossa sociedade e
nas nossas escolas. (MOREIRA e CANDAU, 2003, p. 163)
Os autores sustentam que a discriminação pode adquirir múltiplas formas e que
talvez seja possível afirmar que estamos imersos em uma cultura de discriminação.
Preconceitos e diferentes formas de discriminação estão presentes no cotidiano escolar e
precisam ser desnaturalizados, caso contrário, a escola estará a serviço da reprodução de
condutas que reforçam os processos discriminatórios presentes na sociedade.
Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago
5488
As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação
Espaços educacionais que possuem práticas orientadas para a inclusão em
educação tendem a reconhecer o direito à diferença e o combate às diversas formas
discriminação e desigualdade social. Buscam superar as barreiras à aprendizagem e à
participação, trabalhar conflitos resultantes das relações entre grupos e pessoas
pertencentes a universos culturais diferentes, sem ignorar as relações de poder presentes
nas relações sociais e interpessoais.
A inclusão trata-se de um processo contínuo, sempre inacabado, marcado pela
intencionalidade de promover uma relação democrática no processo de aprendizagem
que encoraja o sucesso de todos os alunos e da comunidade escolar como um todo.
Ambivalências no processo de inclusão e exclusão em educação: caminhos a
percorrer
Para concluir, buscamos nesse ensaio relacionar as dimensões de culturas,
políticas e práticas de inclusão e exclusão com as teorias curriculares. Julgamos que
esse diálogo pode ser profícuo para ambos os campos de conhecimento, e com o
propósito de desenvolvermos a conceituação inclusão e exclusão, para além de um
processo que expressa contradição, propomos operar com o conceito de ambivalência
(BHABHA apud MACEDO, 2006).
Segundo o dicionário Aurélio, a palavra ambivalência tem origem nas palavras
latinas ambi ([Do lat. ambi- < ambo, ae, o.] Elemento de composição. = ‘ambos’:
ambiesquerdo, ambivalente.) e valentia, ([Do lat. pl. neutro de valens, tis,] ‘que tem
força’, validade. Substantivo feminino. Validade). Assim sendo, e de acordo com Ceia
(2009) o conceito de ambivalência nos remete para os termos ou enunciados que tenham
sentidos opostos, sendo ambos válidos. Trata-se de uma forma particular de
ambigüidade e distancia-se completamente de uma análise binária, conforme criticamos
nas seções anteriores. O termo foi proposto pelo psicanalista Eugen Bleuler (Vortrag
über Ambivalenz, 1910) e foi depois redefinido por Freud. Está ligado na origem às
atitudes e comportamentos humanos. Ocorre na atribuição de sentimentos opostos ao
mesmo indivíduo. Casos comuns são os da ambivalência da aceitação e da rejeição, em
nosso caso, inclusão e exclusão.
Para Matos e Paiva (2007, p. 197),
Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago
5489
As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação
A ambivalência aponta a necessidade de superação das concepções
binárias de identidade e de diferença do estruturalismo, dada a
simultaneidade das múltiplas categorias do ser. A expressão
ambivalência pode ser vista como uma forma de escape da
dominação classificatória.
Esse conceito nos favorece lidar com as dimensões de culturas, políticas e
práticas presentes nos processos de inclusão/exclusão em educação, na medida em que
permite compreendermos fenômenos que aos olhos desavisados de alguns podem
parecer idiossincráticos, como por exemplo, o aspecto subjetivo da exclusão (quando
nos sentimos excluídos, independentemente das intenções alheias de nos excluírem ou
não), o fato de que uma mesma ação ou atitude pode ser ofensiva e discriminatória para
uns, e ao mesmo tempo nada ofensivas ou excludentes para outros sujeitos que
convivem em um mesmo contexto, na mesma hora, dia, atividade e apresentam histórias
semelhantes de vida (como acontece frequentemente na escola).
Neste sentido é que temos avançado em direção à adoção do conceito de
trialética inclusão/exclusão (SANTOS e SANTIAGO, 2009). Inspiramo-nos aqui nas
idéias de GREGORY, 2005, segundo o qual “ aderir à trialética é um procedimento de
inclusivismo, de inter e translateralidade” (p.38) e ALOUAT (2002), para quem “a
«trialética» é melhor adaptada à noção de complexidade que, por natureza, é irredutível
a um modelo binário ou unívoco; favorece a manutenção de paradoxos pela aceitação da
coexistência de antagonismos. » (apud CORTELAZZO, 2000, p. 187).
Entendemos que a adoção de uma postura trialética redimensiona as relações
educativas, possibilitando-nos múltiplos sentidos para as dimensões de culturas,
políticas e práticas de inclusão/exclusão que atravessam o cotidiano escolar. Para além
de determinismos, normatizações e homogeneidades da escola e da vida escolar, a
subversão se instala a partir da multiplicidade de valores, culturas, orientações,
linguagens que constituem e são constituídos pelos diferentes indivíduos e grupos que
estão presentes no universo escolar.
Sabemos que o processo de inclusão/exclusão em educação está permeado por
tensões que nos desafiam a problematizar posições dicotômicas e naturalizadas em
torno de argumentações que legitimam determinados prestígios e privilégios sociais e
culturais, produzindo identidades ou diferenças. Nesse contexto, reconhecemos e
defendemos que o currículo, compreendido nesta perspectiva trialética que abrange as
Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago
5490
As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação
dimensões de culturas, políticas e práticas para a compreensão dos processos de
exclusão/inclusão, é elemento central na elaboração de outras possibilidades e sentidos
que envolvem a (re)negociação com a diferença para além de estereótipos
hierarquizantes, homogeneizadores e essencialistas.
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Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago
5492
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
DESVELANDO AS PRÁTICAS CURRICULARES
NO CONTEXTO ESCOLAR DITO INCLUSIVO
Niédja Maria Ferreira de Lima
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo
DESVELANDO AS PRÁTICAS CURRICULARES NO CONTEXTO
ESCOLAR DITO INCLUSIVO
Niédja Maria Ferreira de Lima
(UFPB/PPGE-UFCG)
RESUMO: O texto apresenta um recorte dos resultados do trabalho de tese intitulado:
Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade no Município-Pólo de Campina
Grande/PB – da Política Oficial à Prática Explicitada. Nele, buscamos problematizar a
seguinte questão: para quê (m) adaptar e flexibilizar o currículo no contexto da escola
dita inclusiva? Para tanto, focamos a discussão sobre a categoria currículo, discutindo o
tema
no contexto do debate educativo geral e suas conexões com os processos
ideológicos da globalização neoliberal (SANTOS; 2002; DALE; 2004). A pesquisa foi
embasada na abordagem qualitativa e se realizou nas Secretarias de Educação de
Campina Grande e Puxinanã e em escolas que atendiam a alunos diferentes. No
processo metodológico, recorremos à pesquisa documental e à entrevistas com os
professores. Seus depoimentos se mostraram contraditórios com as recomendações dos
documentos oficiais, apontando dificuldades existentes nas relações aluno diferenteprofessor-conhecimento num ambiente em que o aluno diferente está inserido. Diante
das reflexões, reconhecemos com Silva (2000) que pensar num processo de
escolarização desses sujeitos pressupõe assumir os fundamentos de uma pedagogia e um
currículo que não se limite a celebrar a identidade e a diferença mas que busquem
problematizá-las.
PALAVRAS-CHAVE: Política de Inclusão - currículo - alunos diferentes.
I SITUANDO A PROBLEMÁTICA
A ideia de Educação para todos foi implementada no âmbito mundial e instituída por
todos os governos como parte do que tem sido denominada como Política de Inclusão.
Problematizar a política de inclusão escolar, a nosso ver, deve ser um compromisso que
cabe a todos que estamos inseridos na Educação, particularmente na Educação Especial,
desenvolvendo pesquisas na área, vivendo seus problemas e transformações ante os
processos de globalização hegemônica (SANTOS, 2002).
Niédja Maria Ferreira de Lima
5496
Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo
Assim, norteadas por uma perspectiva crítica da política de inclusão, que discute o tema
da inclusão no contexto do debate educativo geral e suas conexões com os processos
ideológicos da globalização neoliberal, apresentamos algumas considerações do nosso
trabalho de tese1 intitulado: Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade no
Município-Pólo de Campina Grande/PB – da Política Oficial à Prática Explicitada.
Esse Programa vem sendo implementado nos municípios brasileiros, os considerados
municípios-pólo, que atuam como multiplicadores da formação para os municípios da
área de abrangência com vistas a apoiar o processo de implementação e disseminação
da política de inclusão dos “alunos com necessidades educacionais especiais” na rede
pública de ensino.
Para o presente texto, elegemos um recorte dos resultados que trata da categoria
currículo, tomando como referência o documento norteador do Projeto Educar na
Diversidade: material de formação docente (DUK, 2005) e os depoimentos dos
professores. Portanto, é fundamental indagarmos sobre o que efetivamente acontece em
um contexto de sala de aula dita inclusiva; como são estabelecidas as relações
professor-aluno diferente, aluno-aluno, professor-conhecimento, aluno diferente2conhecimento no processo educacional. Isso porque as interações professor-aluno
diferente e, consequentemente, a aprendizagem desses alunos vão depender basicamente
das concepções que os diversos segmentos envolvidos no processo educacional têm
sobre eles. Assim, urge buscar apreendermos a compreensão dos professores sobre o
currículo escolar para as diferenças, pois os depoimentos apresentados podem
desvendar concepções curriculares subjacentes ao projeto educativo e às práticas
pedagógicas das instituições escolares que contribuem para manter e preservar as
relações de poder e desigualdade presentes na sociedade.
1
O trabalho de tese buscou analisar a implementação do Programa Educação Inclusiva: direito à
diversidade no Município –Pólo de Campina Grande-Pb e sua disseminação em um dos municípios de sua
área de abrangência, Puxinanã, no período de 2004 a 2006. Foi orientado pela Profª Drª Ana Dorziat
Barbosa de Mélo do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal da
Paraíba (UFPB).
2
Optamos pelo uso do termo diferente, por considerarmos que é necessário inverter a lógica centrada no
biológico e investir numa perspectiva política, em que as diferenças não são uma obviedade cultural nem
uma marca de pluralidade. Pelo contrário, elas se constroem histórica, social e politicamente (SKLIAR,
1999).
Niédja Maria Ferreira de Lima
5497
Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo
II INCLUSÃO ESCOLAR E CURRÍCULO: o discurso oficial
A difusão das visões que buscam dar impulso ao processo de globalização interfere
também nos campos da cultura e da educação, como afirma a grande maioria dos
autores contemporâneos, a exemplo de Boaventura Santos (2002); Roger Dale (2004);
Sacristán (2003); entre outros. O fenômeno globalizador não se reduz somente ao
campo econômico, ele exerce influência sobre todas as estruturas sociais, sobretudo
sobre aquelas formadoras de opinião, como é o caso da Educação. Em outras palavras,
estamos perante um fenômeno multifacetado com dimensões econômicas, sociais,
políticas, culturais, educacionais, religiosas e jurídicas interligadas de modo complexo.
Por essa razão, Santos (2002), um dos autores que tem se dedicado de forma mais
aprofundada à reflexão da temática da globalização, diz que uma revisão dos estudos
sobre este fenômeno se faz necessário, haja vista que as explicações monocausais e as
interpretações monolíticas parecem pouco adequadas e podem dar a ideia falsa de que a
globalização é um fenômeno linear, monolítico e inequívoco. Esta ideia, longe de ser
inocente, deve ser considerada como um dispositivo ideológico e político dotado de
intencionalidade específica.
Outro exame da relação globalização-educação é feita por Roger Dale (2004). Ele
contrasta duas abordagens dessa relação: uma denominada Cultura Educacional
Mundial Comum (CEMC), que foi desenvolvida pelo professor John Meyer e seus
colegas da Universidade de Stanford (Califórnia), e outra que é desenvolvida pelo
próprio autor (Dale), designada como Agenda Globalmente Estruturada para a
Educação
(AGEE).
Esse
autor
defende
que
as duas
abordagens
diferem
consideravelmente em cada uma das dimensões-chave da relação entre globalização e
educação; diferem também na adequação das explicações que propiciam para o
fenômeno da globalização. Argumenta que a CEMC explicita uma teoria muito bem
estabelecida sobre o efeito da globalização sobre a educação. Essencialmente, os
proponentes dessa perspectiva “defendem que o desenvolvimento dos sistemas
educativos nacionais e as categorias curriculares se explicam através de modelos
universais de educação, de estado e de sociedade, mais do que através de fatores
nacionais distintivos” (2004, p.425). Já a abordagem desenvolvida por Dale, a AGEE:
Niédja Maria Ferreira de Lima
5498
Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo
Baseia-se em trabalhos recentes sobre economia política internacional
[...] que encaram a mudança de natureza da economia capitalista
mundial como a força diretora da globalização e procuram estabelecer
os seus efeitos, ainda que intensamente mediados pelo local, sobre os
sistemas educativos (idem, p.436).
No contexto brasileiro, o entendimento sobre a complexidade que envolve a relação
globalização-educação, na última década de século XX, reveste-se de grande
importância, de modo a desvelar a disparidade de interesses nela envolvidos. Nesse
período, quando o papel do Estado foi minimizado, reorientando as políticas públicas
educacionais, foi firmado o princípio de educação inclusiva. As reformas curriculares
decorrentes dessas novas demandas da contemporaneidade foram marcadas pelas
adaptações e flexibilizações quanto aos conteúdos a serem trabalhados com os alunos
diferentes, assim como aos processos de avaliação adequados ao desenvolvimento
desses alunos.
Uma análise mais minuciosa dessas reformas no Brasil torna evidente a interferência de
agências internacionais como principalmente o Banco Mundial (BM), o Fundo
Monetário Internacional (FMI), a Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e a Cultura (UNESCO), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), que desempenham um papel crucial enquanto veículos de difusão da
globalização capitalista e das políticas neoliberais no campo da educação. Um exemplo
disso é o pacote proposto pelo BM para a reforma da educação de primeiro grau nos
países em desenvolvimento, incluindo a América Latina.
Uma lição importante que merece ser também destacada, nos campos pedagógico e
curricular, diz respeito à própria noção de currículo que subjaz às propostas de política
do BM, mostrando-se ser incoerente com as perspectivas atuais do campo curricular.
Esse Banco recomenda enfaticamente a elaboração e desenvolvimento do currículo
como uma tarefa restrita ao poder central ou regional, sem participação local e sem
formar parte do pacote de funções delegadas pela descentralização. Esse Banco,
apresenta uma visão estreita de currículo, concebendo-o basicamente como conteúdos;
ele define as matérias a serem ensinadas e fornece um guia geral em torno da freqüência
e duração da instrução. Em contrapartida, as visões mais amplas de currículo entendemno como um todo, uma vez que não separam o que se ensina e aprende, o como se
Niédja Maria Ferreira de Lima
5499
Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo
ensina e se aprende, o para que se ensina e se aprende e o que e como se mede aquilo
que se aprende (TORRES, 2003).
Com efeito, pode-se dizer que na reforma educacional brasileira dos anos de 1990, o
pacote de propostas do BM expressou-se documento intitulado “Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs): Adaptações Curriculares: Estratégias para Educação de
Alunos com Necessidades Educativas Especiais”. Segue as diretrizes instituídas na
política curricular nacional, que incorporaram a Pluralidade Cultural3 como um dos
temas transversais, recomendando progressivas adaptações no currículo, como
possibilidade de atender às necessidades particulares dos alunos. Baseia-se, dessa
forma, em uma concepção curricular sugerida pelo BM e UNESCO, com destaque para
o discurso da diversidade cultural.
Esclarecemos por meio do estudo realizado por Garcia (2007), o porquê da presença de
duas palavras –chave, flexibilidade e adaptação, no campo da educação especial, enfim,
no contexto das políticas públicas de inclusão educacional. Ao analisar algumas fontes
documentais nacionais e internacionais, publicadas entre os anos de 1994 a 2005, a
autora nos mostra a sucessão de menções e ideias referenciadas nos documentos acerca
do conceito flexibilização curricular, que surge como uma nova proposta ao longo dos
anos de 1990. Cita como exemplo, o documento “PCNs: Adaptações Curriculares:
Estratégias para Educação de Alunos com Necessidades Educativas Especiais”, que
passa a adotar no debate curricular a expressão flexibilidade curricular, sem abandonar a
sua ideia de adaptação curricular, já desenvolvida no documento “Política Nacional de
Educação Especial” de 1994.
Esses termos estão presentes também nas proposições do Projeto Educar na
Diversidade: material de formação docente (BRASIL, 2006), especificamente no
Módulo 4- “A aula como contexto de desenvolvimento do estudante”, o qual apresenta a
flexibilização curricular como estratégia de responder aos estilos de aprendizagem.
Embora os currículos oficiais reconheçam os diferentes e fale de suas diferenças,
CORAZZA (2002) alerta sobre o fato de que eles fundamentam-se no princípio de uma
totalizadora identidade-diferença nacional para tratá-los como desvios e ameaças. De
3
O contexto internacional que justifica a origem e a presença de um discurso da pluralidade cultural está
associado a diversos fenômenos de violência, conflitos étnicos e religiosos, evidências cotidianas de
racismos e múltiplos preconceitos, que afloraram com maior intensidade após o término do chamado
período da Guerra Fria (FRANCO, 1999, p.213).
Niédja Maria Ferreira de Lima
5500
Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo
fato, essas políticas estão em consonância com os imperativos globais de “administar a
pluralidade, a diversidade e a alteridade, por meio da transformação de cada diferença e
de cada diferente em objeto curricular –estatal a ser corrigido ou eliminado” (p.105).
Atualmente, há uma nova corrente no campo do currículo de estudos, inspirada nas
teorias pós-críticas de educação, que defende um currículo que coloque em relevo a
necessidade de ver/ouvir/sentir as diferentes formas de ser e estar no mundo,
comprometida com a educação pública, gratuita e de qualidade para todos os homens,
mulheres e crianças, ou seja, um currículo da diferença. Esse currículo, segundo
Corazza (2002, p.104-107):
Repudia as políticas sociais e educacionais dos governos neoliberais
do mundo, que mundializam o capital e a exclusão, distribuem
desigualmente recursos simbólicos e materiais, privatizam e
mercantilizam a educação [...] Não aceita conviver com nenhum dos
currículos oficiais desses governos neoliberais [...] pois constata que
tais currículos fundamentam-se no princípio de uma totalizadora
identidade-diferença nacional [...] Em função disso, esse currículo
combativo assinala a premência de discutir e produzir políticas e
práticas curriculares contra-hegemônicas às dimensões utilitárias,
instrumentais e econômicas da educação neoliberal.
Assim, um currículo da diferença traz para o centro do processo o outro que sempre foi
excluído dos processos educacionais e se propõe a escutar e a incorporar o que os
diferentes têm a dizer. Por isso, parte do pressuposto de que as diferenças não devem ser
consideradas como mercadorias de consumo, nem como vítimas, a quem é preciso
diagnosticar e registrar, incluir e dominar, controlar e regular, hegemonizar e
normalizar. Se considerarmos essa perspectiva, é possível vermos que os padrões
unificadores, norteadores das políticas educacionais, “operam como perversos
instrumentos para conceder ou negar recursos, recompensar ou castigar instituições,
aprofundar divisões existentes, reforçar as desigualdades, discriminar ou suprir as vozes
e histórias dos diferentes” (Idem, p.106).
Nesse contexto, a inclusão é vista como uma temática complexa, porque envolve mais
do que o ingresso e a garantia de critérios para o ensino dos diferentes. É necessário
desenvolver o debate em dois níveis: o geral, que inclui a discussão sobre a escola
pública brasileira, como o fazem Souza e Góes (1999), sobretudo sobre as visões de
currículo, subjacentes às práticas no seu interior aos que já estavam supostamente
Niédja Maria Ferreira de Lima
5501
Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo
incluídos; e o específico, relativo ao entendimento do que significa, para o processo
pedagógico como um todo, possuir particularidades diferentes. Portanto, para que
aconteça a inclusão dos indivíduos, é importante que as discussões específicas e
pontuais sejam incluídas também numa discussão sistêmica, que envolve as reformas
curriculares que vêm sendo implementadas na contemporaneidade.
II CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
Embasamos o estudo na abordagem qualitativa, paradigma de pesquisa que, segundo
Minayo (1993) corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e
dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis O lócus
foi a Secretaria de Educação, Esporte e Cultura, (SEDUC) do Município-Pólo de
Campina Grande-PB; a Secretaria de Educação, Esporte e Cultura de Puxinanã,
Município da área de abrangência que aderiu ao Programa; e escolas da Rede Pública
Municipal desses Municípios que tinham
alunos diferentes.
Constituíram-se
participantes da pesquisa os Secretários de Educação de Campina Grande e de
Puxinanã, a coordenadora do Programa, a formadora do Programa e a equipe técnicopedagógica da rede municipal que desenvolvia trabalho pedagógico junto aos alunos
diferentes, nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para identificação dos
profissionais atribuímos nomes fictícios iniciados com a letra C (Município-Pólo) e a
letra P (Município de Abrangência) e a função que ocupavam. Os demais segmentos
foram identificados somente com a função que ocupavam e a instituição a que estavam
vinculados.
Para a realização da investigação, recorremos à pesquisa documental com o intuito de
levantarmos o acervo documental referente ao Programa, produzido no período de
2004-2006, no contexto nacional e local e as informações nele contidas, para posterior
análise. Esses documentos se constituíram uma rica fonte de dados, sobretudo, porque
registraram conteúdos e experiências educacionais inclusivas, possibilitando uma
reflexão acerca dos discursos oficiais da política de inclusão e a realização de
comparações possíveis entre esses discursos e a sua materialização no locus das escolas
públicas regulares municipais. Concluída essa etapa da pesquisa, prosseguimos com a
segunda etapa, em que utilizamos a entrevista semi-estruturada, para obtenção dos
Niédja Maria Ferreira de Lima
5502
Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo
dados com os sujeitos envolvidos no processo de implementação do Programa no
Município-Pólo e área de abrangência.
De posse de todos os dados documentais e das entrevistas, procedemos com a
classificação dos dados a partir do entrelaçamento das questões teoricamente elaboradas
e do quadro empírico delineado pelas informações obtidas nos documentos. Isso foi
possível a partir da leitura exaustiva e repetida dos textos, isto é, de uma “leitura
flutuante”, no dizer de Minayo (1993). Por fim, analisamos os dados, procurando
estabelecer conexões entre os referenciais teóricos da pesquisa, os dados documentais e
depoimentos dos participantes, respondendo às questões da pesquisa com base em seus
objetivos e na tese apresentada. Para tanto, trabalhamos com a análise de conteúdo
(BARDIN apud TRIVIÑOS, 1987).
III ADAPTAR E FLEXIBILIZAR O CURRÍCULO PARA QUÊ (M)?
3.1 O que revelaram os documentos norteadores?
O objetivo central do Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, expresso
nos documentos orientadores analisados, era a formação continuada de gestores e
educadores para efetivar a transformação dos sistemas educacionais em sistemas
educacionais inclusivos nos municípios brasileiros, através da realização de cursos nos
Municípios-Pólo e aqueles da sua área de abrangência. Para consolidar esse Programa, o
MEC/SEESP disponibilizou para os educadores das escolas públicas estaduais e
municipais de várias regiões do país, o Material de Formação Docente Educar na
Diversidade. As formações ocorreram no formato de Seminários, oficinas e semana
pedagógica, e foram dirigidas a gestores e educadores.
O Projeto Educar na Diversidade foi iniciado em 2005, sendo realizado numa ação
conjunta entre o governo federal, estadual e municipal, que desenvolvem ações de
formação de 15.000 docentes nas escolas que aderiram ao projeto. O material de
formação do ano de 2005 é um texto de 251 (duzentos e cinqüenta e uma) páginas e o
de 2006 é composto por 265 (duzentos e sessenta e cinco) páginas e, são frutos do maior
“Educar na Diversidade nos Países do Mercosul”, que foi coordenado pela SEESP/MEC
e envolveu os Ministérios da Educação da Argentina, no Brasil, Chile, Paraguai e
Uruguai.
Niédja Maria Ferreira de Lima
5503
Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo
A metodologia adotada no projeto foi a da “pesquisa-ação em que o formador, o grupo
coordenador do projeto na escola e o docente se tornam também investigadores da
própria prática e, juntos, buscam identificar ‘problemas’ a serem eliminados e encontrar
colaborativamente formas para abordá-lo” (DUK, 2005, p.15). O conteúdo do material
chama a atenção pelo formato de organização de cada unidade didática de estudo dos
módulos, que representa a estrutura de uma aula, abrangendo os seguintes aspectos: o
tema da aula (conteúdo curricular); o objetivo da aula (o que o estudante deve
aprender/desenvolver/demonstrar); as atividades que devem ser realizadas durante as
aulas; e as questões de avaliação
Foi possível observar no documento do Projeto Educar na Diversidade que seus
módulos estão permeados por princípios que deverão nortear as políticas e práticas de
ensino inclusivo no campo da gestão, da formação de professores e do currículo,
expressos em algumas ideias como: respeito à diversidade, formação docente,
adaptação/flexibilização curricular, gestão escolar- trabalho colaborativo- aprendizagem
significativa-avaliação. Há indícios de que tais noções, estão eivadas dos pressupostos
do multiculturalismo, cujo significado está em consonância com as proposições da
UNESCO. Como nos disse Garcia (2008), a noção de diversidade cultural está
vinculada a uma concepção liberal que fala da importância das sociedades plurais, mas
administradas por grupos hegemônicos. Sob o slogan da inclusão educacional de todos
os alunos, são forjados processos de organização do sistema educacional que se pautam
nas diferenças culturais e individuais, anunciando que a diversidade deveria ser uma
bandeira do campo educacional.
Por isso, é fundamental atentarmos para as estratégias subjacentes a tais políticas,
porque estão atreladas aos processos da globalização hegemônica, que contribuem para
manter as relações de poder -saber no campo educacional. Ao contemplarem legalmente
o discurso das diferenças, objetivam mascarar a permanência de uma lógica unilateral,
que burocratiza as lógicas de alteridade e continua ocultando, sob nova roupagem, o
outro nas suas diferentes possibilidades de ser. (DORZIAT, 2009).
Ao examinarmos o conteúdo das duas versões do Projeto, notamos a adoção dos termos
adaptação e flexibilização curricular para contemplar as especificidades dos alunos que
apresentam necessidades educacionais especiais. Garcia (2007), ao analisar o conceito
de flexibilização curricular nas políticas de inclusão educacional, tendo como referência
Niédja Maria Ferreira de Lima
5504
Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo
um corpus documental composto por fontes internacionais e nacionais, afirma que a
presença desse conceito nos discursos políticos está relacionada, entre outras premissas,
a duas ideias centrais: 1) a defesa de que os currículos sejam adaptados às crianças e
suas necessidades de aprendizagem; 2) a defesa da necessidade de flexibilizar a
organização e funcionamento da escola para atender à demanda diversificada dos
alunos.
A mesma autora, explica que o termo adaptação curricular tem relação com o modelo
clínico-psicológico de organizar as atividades educacionais aos diagnósticos e
prognósticos clínicos sobre o desenvolvimento dos sujeitos, a partir as categorias de
deficiência: surdo, cego, deficiente físico, mental, múltiplo, etc. Já a flexibilidade
curricular, está relacionada “ao significado prático e instrumental dos conteúdos
básicos, favorecendo uma interpretação de hierarquização do acesso aos conhecimentos
a partir das diferenças individuais” (GARCIA, 2007, p.15).
Tais esclarecimentos são bastante significativos, porque mostram a necessidade de um
olhar cauteloso sobre concepções enunciadas nos documentos acerca da flexibilização
curricular que estão apoiadas em bases psicológicas e sociológicas. Sobre esse aspecto,
concordamos com a autora, quando diz as propostas curriculares em curso no Brasil,
podem submeter os alunos a processos desiguais de acesso ao currículo, contribuindo
para manter a seletividade e fortalecer ainda mais o processo de hierarquização do
acesso ao conhecimento no interior do sistema de ensino.
3.2 O que revelaram os depoimentos dos professores?
Com o objetivo de conhecermos as práticas pedagógicas curriculares dos professores
que tinham alunos diferentes, perguntamos como eles trabalhavam os conteúdos em sala
de aula para atender às particularidades desses alunos. Uma parte dos professores do
Município-Pólo e de abrangência afirmou que o trabalho não era diferenciado, ou seja, o
conteúdo era o mesmo para todos os alunos da sala. Somente quando esses alunos
precisam de uma assistência mais emergente, era dada uma orientação individualizada,
mas que não chamasse a atenção da turma, ou se solicitava que outro colega ajudasse.
Porém, essa iniciativa, muitas vezes era inviabilizada devido ao fator tempo e ao
Niédja Maria Ferreira de Lima
5505
Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo
número de alunos na sala. Um professor justificou que o trabalho não era diferenciado
para não excluir os alunos. Eles assim se posicionaram:
Não diferencio os conteúdos, para não excluí-los dos demais, para não
ficarem socialmente à parte então faço, só um acompanhamento mais
adequado sem ninguém notar (PROFESSOR CÉSAR).
Eu trabalho normal. Com T. ela faz atividades. Quando ela não
entende, eu explico individual, digo o que eu quero. Com L. já é mais
diferente, ela não escreve, pois tem muita dificuldade de coordenação
motora quando era pequena (PROFESSORA CLAUDIA).
Com esses alunos, temos o conteúdo normal e duas ou três vezes por
semana temos aquelas duas alunas em mesinhas separadas com
diversos jogos para que elas possam desenvolver [...] Essa orientação
é nossa, o que a gente já leu, o que a gente vem trabalhando. È
iniciativa nossa. Pegar o cantinho isolado e trabalhar os joguinhos, as
atividades diferentes dos demais (PROFESSORA CARMEM).
Para ser sincera eu trabalho de uma forma geral. Eu preciso de um
tempo exclusivo para eles, mas eu não consigo esse tempo assim, por
a turma ser muito numerosa, como já falei. Eu sei que preciso de uma
assistência bem maior, mas aí me preocupa assim, enquanto eu estou
lá com ele que precisa de um tempo bem maior e os demais? Até as
atividades são iguais. Só que ele não realiza, tenho certeza que
precisaria de atividades diferentes, diversificadas para o nível dele
(PROFESSORA CÍCERA).
Normal, eu trato ele como uma criança normal. Claro que assistência
que a gente dá é maior como eu falei a gente junta os alunos que estão
ao seu redor para auxiliá-lo (PROFESSOR CAETANO).
[...] é normal só que eu tenho que parar muito para atendê-lo porque,
como ele não acompanha então eu tenho que dar assistência
individual, coisa que é muito difícil. São 24 alunos na turma e eu
tenho dificuldade de trabalhar com ele pois ele ainda não está lendo é
preciso ter acompanhamento individual. Ele chama para ler
associando a figura às letrinhas e como a turma é muito difícil e o
conteúdo mesmo, ele ainda não acompanha (PROFESSORA
CLEMENTINA).
De início trabalho de uma forma geral, então quando o restante da
turma está adiantado nos outros conteúdos, e me aproximo vou
explicar com outro vocabulário, com desenho, com outros termos. Até
ele conseguir aprender pelo menos o básico daquele conteúdo. Isso no
caso do portador de Down, mas os outros que são deficientes físicos,
trabalho normal (PROFESSORA PÉROLA).
Igual aos dos outros alunos, só que o professor tem que se dedicar
mais, não mostrando para os outros alunos, mas sentando mais com
esse aluno, perguntar mais (PROFESSORA PERPÉTUA).
Niédja Maria Ferreira de Lima
5506
Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo
Outros
professores
informaram
que
utilizavam
procedimentos
pedagógicos
diversificados como jogos, brincadeiras e, no caso do aluno o surdo, recorriam ao apoio
não-verbal, como mostram seus depoimentos:
[...] Trabalho muito com jogos e iniciei o ano trabalhando com o jogo
da memória que é um jogo que exige que você respeite a vez do outro,
as regras. Exige que a criança use a mente, tem que respeitar, ficar
esperto, estimulando a questão da mente (PROFESSORA CÁTIA).
Os conteúdos são trabalhados através de jogos, alfabeto móvel e
ilustrados. São conteúdos diferenciados e, mesmo assim, eles têm
dificuldades. Trabalho individualmente um a um.
(PROFESSORA CATARINA)
Pelo fato de talvez até ele não entender o que é que eu estou falando,
no conteúdo propriamente dito, eu vou mais pela parte lúdica, mas a
linguagem não verbal, como eu percebo que ele sabe ler, muita coisa
dá pra ele entender o que é que está sendo ministrado na sala de aula.
(PROFESSOR CARLOS).
É difícil, porque eles têm paralisia. A idade mental deles não é a idade
mental de acordo com a série. E a gente tenta trabalhar de uma forma
mais diversificada, cantando, brincando, tentando acompanhar
(PROFESSORA PAULA).
Como é possível observar, os conteúdos trabalhados pela maioria dos professores eram
abordados de forma homogênea com os alunos ditos normais e os alunos com
deficiência.
Eventualmente,
eram
realizadas
algumas
atividades
diversificadas/diferenciadas com o aluno diferente para que “ele não se sentisse
excluído” ou para que conseguisse “aprender pelos menos o básico dos conteúdos
trabalhados”, como disseram os Professores César e Pérola.
A nosso ver, as práticas pedagógicas expostas por esses professores revelam as
dificuldades existentes num ambiente (sala de aula) em que o aluno diferente está
inserido. As falas dão pistas de que as relações aluno diferente-professor-conhecimento
se mostram contraditórias com as recomendações dos documentos oficiais. Qual o
significado das atividades consideradas diferenciadas/diversificadas que alguns dos
professores realizaram individualmente com o aluno diferente? Podemos considerá-las
como adaptações e flexibilizações dos conteúdos curriculares? Se tomarmos como
referência as explicações de Garcia (2007) sobre tais conceitos, podemos inferir que há
marcas do modelo médico-psicológico na forma de organização das atividades. Embora
haja um aceno no discurso do reconhecimento da diversidade e da heterogeneidade na
Niédja Maria Ferreira de Lima
5507
Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo
escola, o modelo apoiado nas diferenças individuais continua sendo a referência. “A
consideração de que um aluno apresenta necessidades especiais acaba por ser
compreendida como diagnóstico, e as adaptações curriculares são desenvolvidas a partir
dos quadros identificados” (GARCIA, 2007, p.17).
Portanto, ficou evidenciado nesse contexto as limitações existentes no ambiente escolar
para lidar com as diferenças, sobretudo quando se tratam das peculiaridades de um
determinado tipo de diferença, trazendo à tona o desencontro de informações, quando
comparamos com as falas apresentadas na categoria formação e os documentos
analisados. Embora alguns professores e técnicos das instituições tenham dito que havia
participado dos seminários do Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, das
oficinas do Projeto Educar na Diversidade, no locus da escola, e as instituições
escolares tenham recebido os documentos subsidiários sobre a educação inclusiva entre
outros recursos (DVDs; TV, computador, CDs, Kits para deficiente visual, etc.), parece
que essas ações do processo formativo continuado têm se mostrado insuficientes para
atender às reais necessidades dos professores para escolarização desses educandos.
Concordamos com Ferreira e Ferreira (2004) sobre a ausência de um eixo capacitador
para educação na perspectiva da diversidade na formação inicial dos professores da
educação básica, o que acarretou práticas direcionadas para um conjunto idealizado de
alunos, excluindo desse processo um número cada vez maior de pessoas, entre elas as
diferentes. Por isso, faz-se necessário uma profunda reflexão dos profissionais da
educação, inclusive dos responsáveis pelos cursos de formação, sobre o fazer
pedagógico e a importância de atenção às peculiaridades individuais de seus alunos. No
entanto, há de se considerar que, independentemente do conhecimento prévio das
idiossincrasias dos alunos, devemos ter como premissa que:
[…] a educação a eles destinada deve revestir-se dos mesmos
significados e sentidos que ela tem para os alunos que não apresentam
deficiência; para eles, como para com qualquer outro aluno, deve ser
reconhecida a importância dos espaços de interação que o sistema
educacional pode promover de forma sistemática na apropriação do
conhecimento escolar e no desenvolvimento pessoal (FERREIRA E
FERREIRA, 2004, p.40).
Niédja Maria Ferreira de Lima
5508
Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo
IV CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora os textos legais tenham instituído a obrigatoriedade de inserção de todos os
alunos nas escolas e as condições e adaptações necessárias para acolhê-los,
representando uma iniciativa, sem dúvida, importante porque atende ao princípio do
direito de todos à educação, a visão da maior parte dos profissionais da educação foi a
de que a inclusão não estava sendo materializada adequadamente. Os dados
apresentados apontaram que se, por um lado, a proposta de formação nesses espaços
efetivou-se, por outro, existem indícios de que essa iniciativa deixou lacunas quanto à
forma como foi desenvolvida ou quanto à compreensão dos pressupostos conceituais
que subsidiam o material de formação docente Educar na Diversidade.
Reconhecemos com os autores a importância do papel que os educadores desempenham
nessa conjuntura, em particular no contexto da política de educação inclusiva, em que o
governo brasileiro, a partir do pressuposto pluricultural, procura difundir a ideia de
escola para todos.
Pensar num processo de escolarização dos sujeitos diferentes ancorado numa
perspectiva que considere as interações sociais, pressupõe assumir os fundamentos de
uma pedagogia e um currículo que estejam centrados não na diversidade, mas na
diferença, concebida como processo, uma pedagogia e um currículo que não se limite a
celebrar a identidade e a diferença mas que busquem problematizá-las (SILVA, 2000).
Diante das reflexões em torno dessa problemática, reconhecemos a necessidade de
suscitar reflexões sobre a política educacional brasileira em curso e os significados nela
ocultos, bem como as implicações de se aderir a programas homogeneizadores e
padronizados que se ancoram em orientações dos organismos internacionais para serem
executados localmente.
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Niédja Maria Ferreira de Lima
5511
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
LUTAS E CONQUISTAS NA INCLUSÃO DE
ALUNOS SURDOS NA EJA: PRODUÇÃO
AUDIOVISUAL SOBRE PETRÓLEO
Niely Silva de Souza
Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo
LUTAS E CONQUISTAS NA INCLUSÃO DE ALUNOS SURDOS NA EJA:
PRODUÇÃO AUDIOVISUAL SOBRE PETRÓLEO
Niely Silva de Souza (IFPB/UFPB)
Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo (IFPB)
RESUMO: Este trabalho descreve uma experiência vivenciada em sala de aula, que
teve como principal objetivo construir metodologias alternativas, que visavam
corroborar com o processo de ensino-aprendizagem de alunos surdos e ouvintes da
EJA (Educação de Jovens e Adultos) no ensino de Química. Participaram estudantes
da 2ª série do Ensino Médio da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Profª.
Mª Geny S. Timoteo, localizada no município de João Pessoa. Os educandos
produziram, durante o 1º semestre de 2009, materiais audiovisuais sobre diversos
temas da Química Orgânica, em formato multimídia. O intento de utilizar uma
ferramenta auxiliar alternativa focando o aspecto visual contribuiu de maneira eficaz
para a facilitação da aprendizagem de TODOS (ouvintes e surdos) os discentes.
Principalmente, para os que apresentam necessidades educacionais especiais, que
foram incluídos, de fato, na esfera educacional, participando ativamente desta. Este
resultado se torna mais real quando o tipo de alunado trabalhado é da EJA. Pois, diz
respeito a alunos de diferentes faixas etárias, carga horária reduzida e pouco tempo
disponível para o desenvolvimento de atividades extraclasse.
PALAVRAS-CHAVE: Metodologia Alternativa; Inclusão de Alunos Surdos;
Educação de Jovens e Adultos; Recurso Tecnológico.
INTRODUÇÃO
A inclusão social é um importante tema nas discussões atuais da Educação
Brasileira. Ainda mais se tratando dos alunos com necessidades educacionais especiais
que, de acordo com as legislações atuais, devem ser atendidos primordialmente em
escolas regulares.
Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo
5593
Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo
Porém, a escola continua perpetrando o mesmo modelo excludente de sociedade
na qual está inserida, gerando principalmente, uma grande evasão escolar e um alto
índice de reprovação entre os alunos. Este fato é mais agravante quando tratamos de
educandos da EJA (Educação de Jovens e Adultos) que apresentam alguma deficiência
auditiva.
Esta pesquisa propõe não só a interdisciplinaridade, as competências e
habilidades, mas também a contextualização ambiental (BRASIL, 1999, p. 20) com
vistas a um aprendizado de Química mais significativo e também motivador para as
pessoas que dão continuidade aos seus estudos na modalidade EJA (BRASIL, 1996,
Art. 37) (BRASIL, 2000, Art. 2).
Além disso, um contexto inclusivo com alunos surdos é de suma importância,
graças a promulgação das leis de acessibilidade e da LIBRAS (Língua Brasileira de
Sinais) (BRASIL, 2001) (id. 2002) (id. 2005), que vive uma expansão a cada Censo
Escolar. As pesquisas sobre o assunto têm fomentado amplas discussões e indicado
mudanças de postura diante da inserção dos supracitados estudantes em escolas ditas
‘normais’.
Estes discentes possuem diferenças linguísticas e cognitivas, pois sua língua
materna não é o português, e sim a língua de sinais, a LIBRAS. Considerada pela
linguística, ‘como um sistema linguístico legítimo e não como um problema do surdo
ou patologia da linguagem’ (QUADROS, 2004, p.30).
No tocante a cognição, a LIBRAS, ‘com suas características viso-espaciais,
encontra na imagem uma grande aliada junto às propostas educacionais’ para os
educandos surdos (CAMPELLO, 2007, p.113). Hoje, vivenciamos a fase do
Bilinguismo na educação dos surdos do Brasil, onde a escola deveria tornar acessível
duas línguas (português e sinais) e estruturar o plano educacional vigente (QUADROS
& KARNOPP, 2007, p.27).
Entretanto, a maioria das escolas ditas inclusivas tem dado uma leitura
metodológica à educação bilíngue, ‘sem problematizar nem os objetivos, nem o
Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo
5594
Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo
currículo, nem a caracterização do sujeito surdo na pedagogia’ (SKLIAR, 2001, p. 87,
88), além de estar reproduzindo as desigualdades sociais (KRUPPA, 2001, p. 25).
Portanto, uma abordagem sociointeracionista deve ser contemplada, que ao tratar
de linguagem e signos, se aproxima da perspectiva socioantropológica da surdez,
‘caracterizando o surdo e a comunidade surda por sua identidade específica,
manifestando aspectos culturais, cognitivos e linguísticos desse grupo social’
(MACHADO, 2008, p. 85).
Entende-se por perspectiva socioantropológica da surdez, um modelo
conceitual onde o surdo não é visto como um paciente a ser tratado e curado (modelo
clínico) e sim como sujeito diferente, com uma língua viso-espacial e experiência
visual própria ‘que envolve todo tipo de significações, representações e/ou produções,
seja no campo intelectual, linguístico, ético, estético, artístico, cognitivo, cultural e
etc.’ (SKLIAR, 2009, p.11).
Segundo Machado (2008, p. 46), é primordial uma profunda reflexão sobre a
manutenção da exclusão no contexto escolar ‘de um currículo que contempla os saberes
e valores de um grupo específico oriundo de um mundo estranho à realidade de vida dos
personagens que compõe a escola’. Dentro deste contexto
É necessário criar condições de os surdos se desenvolverem no mesmo
patamar do ouvinte, promovendo o desenvolvimento de um pensamento
mais elaborado. Para isso, a escola deve trabalhar com conteúdos culturais
vivos, atualizados, com os quais os alunos travem relação direta visando a
propiciar o acesso a todo tipo de conhecimento. (ipsis litteris DORZIAT,
2009, p.35)
Assim, tomou-se a iniciativa de realizar, para o ensino de Química, um trabalho
voltado à inserção de alunos ouvintes e surdos de uma escola pública de João Pessoa.
Desta forma, foi proposto uma série de seminários em que os estudantes, em grupos,
mostrassem os resultados das suas pesquisas para os colegas na forma de material
audiovisual.
Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo
5595
Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo
Nas apresentações, foi enfatizada concomitantemente à teoria do assunto, uma
abordagem ambiental. Para a realização dos seminários, teve-se o cuidado para que a
produção fosse a mais inédita, acessível e didática possível.
Como já foi elucidado anteriormente, o público alvo deste ensaio faz parte da
modalidade da Educação de Jovens e Adultos que, por si só,
É um espaço que permite a participação de um público tão heterogêneo,
diversificado e complexo, para a produção/ propagação/ emancipação do
saber, cujos elementos abarcam apodícticamente uma incomensurável gama
de multiplicidades de modos. (MARQUES, 2007, p.136)
METODOLOGIA
O estudo teve uma abordagem qualitativa, pois assim, pôde-se ‘descrever a
complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis,
compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais’
(RICHARDSON, 1999, p.80).
As técnicas de pesquisa-ação e pesquisa participante foram combinadas, já que ‘os
pesquisadores e participantes representativos da situação-problema estavam envolvidos
de modo cooperativo e participativo, se desenvolvendo a partir da interação entre
pesquisadores e membros das situações investigadas’ (MINAYO, 2007) (LAKATOS et
al, 1985).
O lócus deste ensaio ocorreu na Escola Estadual de Ensino Fundamental e
Médio Professora Maria Geny S. Timoteo, situada na cidade de João Pessoa-PB,
durante o primeiro semestre do ano letivo de 2009, na turma C da segunda série do
Ensino Médio. Esta continha oito alunos surdos e vinte e nove ouvintes, todos do
período da noite.
A turma dividiu-se em grupos, porém, a produção retratada neste trabalho
correspondeu ao grupo que possuía quatro discentes surdos. O assunto escolhido por
eles intitulou-se ‘Petróleo e Atualidade’.
Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo
5596
Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo
Para o desenvolvimento deste, fez-se uso de recursos tecnológicos e de
infraestrutura que a escola possui (TV e DVD, sala de aula e biblioteca,
respectivamente). Um determinado tempo foi disponibilizado para a coleta de
informações e para a confecção de materiais criativos e diferenciados, onde TODOS
(surdos e ouvintes) os alunos pudessem participar, ensinar e aprender.
Na intenção de dar continuidade a investigação de metodologias alternativas para
o ensino de Química, os educandos foram orientados a pesquisarem em fonte disponível
sobre o tema geral ‘Química Orgânica’, com os respectivos tópicos elencados em sala.
Assim, cada grupo escolheu seus componentes, conteúdo, a maneira de apresentar e que
material produzir.
A PESQUISA: DESAFIOS E RESULTADOS
Para a sequência dessas intervenções em prol de alternativas didáticas mais
estimulantes e significativas, nos baseamos nas idéias de Freire (2000) sobre a
(...) prática educativa libertadora: valorizando o exercício da vontade, da
decisão, da escolha; o papel das emoções, dos sentimentos, dos desejos, dos
limites; o sentido ético da presença humana no mundo; a história não como
determinação, mas como provocadora da esperança.
Durante a coordenação dos grupos, os mesmos foram direcionados apenas na
fase inicial de coleta de informações. Os estudantes tiveram o livre arbítrio para criar
seu recurso didático, escolher a forma de apresentação dos seminários, bem como,
definir as tecnologias que seriam aplicadas durante a aula.
Os alunos surdos examinaram artigos sobre o tema “Petróleo e Atualidade” em
periódicos específicos de ensino de Química, onde decidiram elaborar um vídeo. Os
próprios educandos programaram, gravaram e editaram uma compilação das
explicações em LIBRAS com as imagens e outros dados coletados, principalmente, na
internet.
Finalizando estas etapas, o grupo produziu um DVD temático, com o
imprescindível auxílio da profissional intérprete de LIBRAS. Este recurso tecnológico
Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo
5597
Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo
foi exibido durante a apresentação do seminário o qual foi exposto na biblioteca,
conforme ilustra a Figura 1.
Na supracitada explanação, os alunos surdos mostraram os conteúdos em
LIBRAS com fundo digital, valendo-se de animações, gráficos e vídeos relativos ao
tema. Além disso, gravou-se, em áudio, a tradução consecutiva em português das
informações sinalizadas para que os ouvintes compreendessem o que estava sendo
discorrido na aula.
Outro importante fator explorado, foi a encenação de situações reais
relacionadas aos conceitos tratados durante o cronograma que, apesar de possuir um
cunho informal, aproximou os espectadores do tema e provocou reflexões sobre nossas
atitudes no mau uso dos recursos naturais e dos combustíveis.
Foi evidente a desenvoltura na ‘fala’ de cada componente do grupo durante a
exibição do DVD. Eles souberam aproveitar cada recurso visual para contextualizar os
conteúdos de Química Orgânica e as consequências do uso indiscriminado de
combustíveis fósseis nas cidades brasileiras e no mundo, assim como, as implicações
negativas para a saúde e para o meio ambiente.
Uma das relações semânticas presentes na LIBRAS, foi de grande valia para o
bom uso de todos os recursos presentes no DVD temático: a iconicidade. Que, nas
palavras de Quadros & Karnopp (2004, p.32):
(...) reproduz a forma, o movimento e/ou a relação espacial do referente,
tornando o sinal transparente e permitindo que a compreensão do significado
seja mais facilmente apreendida. Assim, mesmo não conhecendo bem a
língua, há uma motivação do signo com relação ao referente.
Este resultado literalmente expressivo se deve, primeiramente, ao interesse dos
discentes em aceitar sugestões, em procurar fazer o melhor possível e ter contado com a
interpretação/tradução de LIBRAS/Português. Ato este, de particularidade e identidade
ainda em construção (PERLIN, 2006 apud MASSUTI & SANTOS, 2007) e deveras
relevante e sôfrego no contexto educacional.
Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo
5598
Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo
As pessoas presentes aprenderam que TODOS têm potencialidades, ao
vislumbrar que ‘a capacidade virtual do surdo não é menos nem mais do que a dos
outros, mas é diferente’ (STUMPF, 2008, p.25). Assim buscamos ensinar com a
aceitação do novo, rejeição de qualquer forma de discriminação e respeito à autonomia
do ser do educando (FREIRE, 2008), ver Figura 2.
Quadros (2003) denuncia que a educação deveria estar calcada em um plano que
atendesse de fato às diferenças no contexto brasileiro: diferenças sociais, políticas,
linguísticas e culturais. Infelizmente, a realidade reflete a inclusão massificadora,
visando atender interesses políticos que tem por base a homogeneidade.
Apesar da ínfima infraestrutura disponível (salas de aula lotadas, biblioteca
mediana, laboratório de informática em manutenção) e pouco tempo para a organização
e confecção dos materiais (carga horária reduzida, dificuldade de realizar encontros
extraclasse com os grupos). Bem como, da precariedade das condições de trabalho do
profissional intérprete de LIBRAS, a motivação dos alunos foi o fator determinante para
a superação das diversas barreiras.
Diante disto, recusamos o modelo inclusivo que o governo insiste em planificar,
a fim de cumprir metas internacionais e cortes de orçamento ao invés de corresponder as
pressões das demandas, que tem causado o surgimento de vários movimentos sociais.
De acordo com Franco (2009, p. 217), é uma
(...) Inclusão pura e simples, (...) por contato, por osmose. Como se oferecer o
mesmo espaço escolar, a mesma escola (...) fosse o mesmo que oferecer
igualdade de acesso aos saberes. Não há, portanto um reconhecimento
político das diferenças e sim uma mera aceitação da pluralidade sem que se
perca de vista a norma ideal [grifo do autor].
Segundo Silva (2008, p. 76), diferença é ‘uma criação linguística, ativamente
produzida no mundo cultural e social’. Esta definição, advinda dos Estudos Culturais,
reflete sobre ‘as questões do multiculturalismo que se apresentam até mesmo nas
pedagogias oficiais em vago apelo à tolerância e respeito à diversidade’(id. 2008, p.
73) [grifo nosso].
Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo
5599
Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo
O Estado apropria-se do discurso sem profunda teorização e pensamento crítico.
Pode-se observar isto num dos documentos basilares do nível médio de ensino do
Brasil, o PCNEM, quando afirma que
No processo coletivo da construção do conhecimento em sala de aula,
valores como respeito pela opinião dos colegas, pelo trabalho em grupo,
responsabilidade, lealdade e tolerância têm que ser enfatizados, de forma
a tornar o Ensino de Química mais eficaz e assim contribuir para o
desenvolvimento dos valores humanos que são objetivos concomitantes do
processo educativo (BRASIL, 1999, p. 67) [grifo nosso].
Desta forma, precisa-se notar a teoria e a práxis pedagógica, o discurso e a
atitude, as letras das legislações e a prática docente. Os educadores devem rever a
concepção de ‘humano’ e de escola. E, doravante, reconstruir a prática educativa,
reavaliar a tarefa humanizadora da escola (SILVA & TONIOLO, 2009, p. 195) e sua
visão sobre educação que é ‘vida e só tem sentido e significado se fazer servir à vida’
em toda sua plenitude (GADOTTI, 2005).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Independentemente da diversidade linguística, cultural, de identidade, de história,
cada ser humano tem seu potencial e seu saber. Neste trabalho, reiteramos o discurso do
movimento em prol de uma real inclusão de TODOS, sejam eles surdos, ouvintes, ricos,
pobres, mulheres, homens, crianças ou velhos. Assim, da resignação nasce o sonho; da
alienação, a crítica; da exclusão e dor, uma esperança realmente inclusiva.
É o fazer educação com eles, e não só para eles. Apoiamos a reformulação da
prática docente e de novos paradigmas nas políticas educacionais que procedam das
discussões dos educadores brasileiros e não dos organismos internacionais financiadores
das “reformas” educativas que temos assistido.
Vimos que, quando problematizamos o currículo e planejamos atividades
pedagógicas onde se considera o potencial cognitivo de TODOS, como a visualidade
dos educandos surdos, pode-se mudar o atual quadro de manutenção do fracasso escolar
dos alunos ditos ‘incluídos’.
Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo
5600
Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo
Desta maneira, ensinar para a vida obterá sentido completo, não só social, mas
também ecológico para que os atos dos seres humanos e suas implicações negativas
sejam arrazoados em sala de aula. Destarte, um despertar para a consciência ambiental,
algo intrínseco à sobrevivência da humanidade na Terra.
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Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo
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Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo
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Figura 1 - Exibição do DVD temático para a turma
Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo
5604
Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo
Figura 2 – Momentos de diálogo com TODOS os alunos
Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo
5605
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
INCLUSÃO, CURRÍCULO E
MULTICULTURALIDADE: UM OLHAR SOBRE A
PESSOA SURDA
Norma Maciel de Lemos Vasconcelos
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda
INCLUSÃO, CURRÍCULO E MULTICULTURALIDADE: UM OLHAR SOBRE
A PESSOA SURDA
Norma Maciel de Lemos Vasconcelos
Mestre em Educação pela UFPB
Professora da UFRPE - UAG - PE
RESUMO: No contexto contemporâneo surge a idéia de uma escola para todos que tem
como fundamento a abertura de suas portas para os excluídos; entretanto, essa mesma
escola ainda continua oferecendo condições precárias aos supostamente incluídos. À
discussão da inclusão de pessoas surdas em escolas regulares surge a necessidade de
entender e acompanhar as práticas curriculares existentes na escola pública brasileira.
Para tanto, buscamos inserir a discussão sobre inclusão, currículo e multiculturalidade
na educação escolar de pessoas surdas. Entendemos que a inclusão não se constitui um
estado permanente, nem uma mera inserção física de estudantes surdos na escola regular
e que o multiculturalismo fortalece e valoriza as diferenças lingüísticas e culturais
próprias. Enfatizamos desde a aplicação e desenvolvimento das atividades pedagógicas
curriculares, suas especificidades lingüísticas e culturais até as formas de participação
dos envolvidos no processo educativo. Foi possível concluir que os procedimentos
pedagógicos da professora de classe regular continuam inalterados quanto à presença
desses alunos. Isso indica que é necessário desenvolver um novo olhar sobre a inclusão,
o currículo e a multiculturalidade.
PALAVRAS-CHAVE: Surdo, Inclusão, Currículo e Multiculturalidade.
A pessoa surda comunica-se, normalmente, por meio da linguagem gestual. E,
para que isto ocorra, faz-se necessário inserir o surdo naquilo que o caracteriza cultural
e lingüisticamente, ou seja, sua língua natural que é a língua de sinais. No nosso caso, a
Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS.
O surdo se utiliza da visão para apreender o mundo. Dessa forma, utilizar
recursos visuais para o desenvolvimento da aprendizagem é um caminho perseguido por
muitos dos profissionais que trabalham com surdos.
A educação deve servir para proporcionar condições adequadas ao seu
desenvolvimento físico, motor, emocional, cognitivo e social, promovendo, assim, a
Norma Maciel de Lemos Vasconcelos
5515
Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda
ampliação de suas experiências e conhecimentos, estimulando interesse pelo processo
de transformação e pela convivência em sociedade.
Para tratar sobre as peculiaridades dos educandos surdos, prevalecemos-nos das
posições freireanas que sempre consideraram nas suas atividades pedagógicas o Outro,
não apenas como a imagem e semelhança do Eu, mas como possuidor de representações
próprias, inaugurando na educação brasileira a visão do educando como agente de seu
processo de aprendizagem, como um ser social.
Afirma Freire:
O eu antidialógico, dominador, transforma o tu dominado, conquistado, num
mero “isto”. O eu dialógico, pelo contrário, sabe que é exatamente o tu que o
constitui. Sabe também que, constituído por um tu – um não eu -, esse tu que
o constitui se constitui, por sua vez, como eu, ao ter no seu eu um tu. Desta
forma, o eu tu passam a ser nesta dialética destas relações constitutivas, dois
tu que se fazem dois eu (FREIRE, 1987, p. 166).
Embora entendamos e aceitemos a forte marca do fator biológico como
desencadeador das características da surdez, consideramos que esse fator não se encerra
nele mesmo, nem é passível de soluções reabilitadoras e/ou medicamentosas. Essa
peculiaridade tem gerado ao longo da história possibilidades alternativas de organização
intra e interpessoal, tendo a língua dos surdos (Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS)
como símbolo definidor de uma cultura própria: a cultura surda.
Aceitar culturalmente as pessoas Surdas é respeitar a luta historicamente
construída e socialmente estabelecida; é se opor à perversidade das ações
homogeneizadoras dos opressores que tentaram aniquilar, de forma discriminatória e
excludente, uma outra cultura que já se estabeleceu no cenário social: a Cultura Surda.
Segundo Perlin (1998, p. 57):
É preciso manter estratégias para que a cultura dominante não reforce as
posições de poder e privilégio. É necessário manter uma posição
intercultural mesmo que seja de riscos. A identidade surda se constrói dentro
de uma cultura visual. Essa diferença precisa ser entendida não como uma
construção isolada, mas como construção multicultural.
Nessa perspectiva, o multiculturalismo vem fortalecer a valorização dos sujeitos
sociais em suas diferenças, suas culturas específicas na busca da afirmação cultural,
servindo de lastro para a argumentação de que a pessoa surda é constituída por meio de
suas diferenças lingüísticas e culturais próprias, em sua ação e atuação visual.
Norma Maciel de Lemos Vasconcelos
5516
Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda
É necessário que o surdo mantenha uma posição intercultural, sem omitir o fato
de que a identidade surda se constrói dentro de uma cultura visual. Essa diferença
precisa ser entendida não como uma construção isolada, mas como uma construção
multicultural.
Podemos dizer que foi a desconsideração dessas questões que levou o educando
surdo a ser tratado como incompleto, necessitando ser reabilitado para que pudesse se
tornar normal.
Atualmente, existe o risco de, mesmo com a aceitação e valorização da LIBRAS
nas escolas, continuarmos privilegiando e colonizando o surdo, porque sua cultura e
formas próprias de elaboração de mundo continuam sendo sufocados no processo
pedagógico, uma vez que o currículo continua sendo direcionado para o ser considerado
normal, ouvinte. Entendemos que, embora a generalização do mundo ouvinte seja irreal,
hipotética, os currículos escolares teimam em fazê-la, excluindo também muitos
ouvintes de um processo pedagógico significante.
Nesse sentido, entendemos a necessidade premente de se pensar e redefinir a
educação como um todo, em particular das pessoas surdas, numa perspectiva
culturalmente engajada, tomando as premissas do pensamento freireano de que a
educação não é isenta, nem neutra. Na sua pretensa isenção, a Educação, ao que Freire
chama de educação “bancária”, esconde formas de dominação e poder, que coloniza e
submete o Outro.
Na medida em que esta visão “bancária” anula o poder criador dos educandos ou
os minimiza, estimulando sua ingenuidade e não a sua criticidade, satisfaz o interesse
dos opressores: para estes, o fundamental não é o desnudamento do mundo, a sua
transformação. O seu “humanitarismo” e não humanismo está em preservar a situação
de que são beneficiários (...) (FREIRE, 1987, p. 60).
Na visão Bancária de educação, o conhecimento é negado, enquanto um
processo de busca, sendo o educador considerado único sujeito do processo ensinoaprendizagem. Ele é visto como aquele que detém o saber que, por sua vez, é doado ao
educando por meio de um processo mecânico de memorização dos conteúdos narrados
de forma descontextualizada da realidade em que se encontra inserido.
Sendo assim, na concepção bancária existe uma constante contradição entre o
educador e o educando. Ambos se encontram uma relação que os desumaniza. O
Norma Maciel de Lemos Vasconcelos
5517
Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda
primeiro cumpre a função de interpretar o mundo e transmiti-lo, ao passo que o outro
vive uma situação silenciadora que o impede de dizer palavras próprias que nomeiem a
sua compreensão do mundo. Este processo educativo bancário constitui-se num
movimento contínuo entre forças contrárias que o incentiva e o mantém. Daí que nela:
O educador é o que pensa; os educandos, os pensados;
O educador é o que diz a palavra; os educandos os que a escutam
docilmente;
O educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados;
O educador é o que opta e prescreve a sua opção; os educandos os que
seguem a prescrição. (FREIRE, 1987, p.59).
Observando essas questões, vislumbramos fortes relações entre o que preconiza
Paulo Freire e os adeptos das atuais correntes denominadas “Estudos Culturais” e
Educação de Pessoas Surdas. Acreditamos que, por esse caminho, novas possibilidades
podem se abrir. Existem questões de fundo que estão presentes nas entrelinhas desta
trajetória, caminhos para avançar, que possibilitam o desenvolvimento de questões não
apenas didáticas, mas políticas e pedagógicas na busca de um novo cenário para uma
Educação de fato inclusiva.
Para se estabelecer uma educação democrática e inclusiva, é preciso oferecer
diferentes oportunidades de utilização das formas de representação em consonância com
a apropriação do acervo cultural produzido pela humanidade, o que até hoje tem sido
privilégio apenas das camadas sociais do poder. Só assim serão dadas oportunidades
para o desenvolvimento de potenciais e formação integral do sujeito em condições para
o exercício efetivo de sua cidadania.
Para Freire, educar é possibilitar a construção de opiniões, de tomadas de
decisões. Educação é para fortalecer o povo, em poder de decisão e em organização. A
Educação é aquela que tem de ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou
povo, na luta incessante de recuperação de sua humanidade. A Pedagogia deve fazer da
opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos, o que resultará no seu
engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e
refará (FREIRE, 1987).
Para que isso aconteça, há um requisito básico a ser considerado: a linguagem. A
capacidade humana de expressão por meio de diferentes falares, de externalização de
terminologias próprias, que expressam um mundo em particular, foi foco também das
Norma Maciel de Lemos Vasconcelos
5518
Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda
preocupações de Paulo Freire. Não há como pensar educação, no sentido colocado
anteriormente, sem o concurso da linguagem.
A linguagem afirma a pessoa humana e a humanidade, colocando-a como sujeito
de seu destino. É por meio da linguagem que, na condição de indivíduos,
dimensionamos o nosso mundo interior, o mundo ao nosso redor, o mundo com o qual
sonhamos. É, também, por meio da linguagem que a humanidade pode dimensionar
seus valores, suas relações sociais, suas aspirações de justiça e liberdade, enfim,
externalizar sua cultura.
Esse é outro ponto essencial de convergência entre as idéias de Freire e a
educação das pessoas surdas. Por vários anos, o surdo foi obrigado a falar uma palavra
que não era sua. Sua forma de “ouvir” e “falar” o mundo (a LIBRAS) que foram
engendradas pelas suas características biológicas, tendo a visão como ponto forte, não
era considerada. Ou seja, os surdos eram desnudados da sua humanidade, do que os
caracterizava cultural e lingüisticamente.
Segundo Dorziat (1999, p. 29):
É a língua de sinais que dará condições de os surdos tornarem-se seres humanos
em sua plenitude, através da apropriação dos conceitos científicos, disponíveis na
educação formal. No entanto, o uso dessa língua, como disse anteriormente, apesar de
critério básico, não deve ser visto como a solução de todos os problemas que se
apresentam no ensino. É preciso entender, além de fatores de ordem individual, os
desdobramentos da educação dessas pessoas, no âmbito das discussões da educação
como um todo, considerando as esferas mais amplas da sociedade, isto é, a viabilização
de um ensino democrático, no sentido de que seja proporcionada realmente igualdade de
condições de aprendizagem e atuação social.
Essa afirmação deixa claro que acreditar na importância da LIBRAS, como
condição básica de aprendizagem dos surdos, não é só usar o código lingüístico gestualvisual, mas ressignificar os conhecimentos para uma cultura, buscando a superação
efetiva de um saber sistematizado, neutro, e instalando um verdadeiro respeito à
cidadania.
Mesmo acreditando na importância desta língua, como condição básica de
aprendizagem, é preciso que haja conteúdos escolares culturalmente vinculados, com
devido respeito à cidadania. E é nesta cidadania e nesta busca da dignidade humana que
Norma Maciel de Lemos Vasconcelos
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Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda
voltamos nossa atenção para a escola que deverá buscar caminhos para se consolidar
nesse cenário de agente transformador para superação dos limites a ela impostos pelo
poder opressor, sobretudo sofridos pela escola pública, local onde a grande maioria dos
alunos surdos está inserida.
Não basta garantir o acesso, mas, dar ênfase à qualidade da oferta, que passa,
necessariamente, pela possibilidade de igualdade de atuação social, conseguida através
do respeito às diferenças.
Todo cidadão tem direito de saber melhor o que já sabe, ou conhecer o que não
sabe; é o saber social e o respeito ao saber individual. Todos têm direito de aprender, de
se sentirem desafiados, de se acharem em condições de contribuir para transformar o
país e o mundo; direito de participar da criação do conhecimento novo. De acordo com
Freire (1996), isso não é idealismo, mas a utopia necessária para se superar o limite da
intransigência, assumindo uma postura ético-política. Para ele, é necessário dar ao
educando condições de vida e ambiente cultural adequados aos conteúdos curriculares,
conscientização reflexiva e prática.
Para isso, cabe à escola apresentar-se como um espaço vivo, onde professores e
alunos construam juntos os processos de aprendizagem, confrontando saberes
necessários à construção de sua cidadania, elaborando propostas satisfatórias e
experiências significativas.
Um outro aspecto fundamental para a criação desse novo olhar sobre a educação
dos surdos, é entender o que afirma Kyle (apud SKLIAR, 1997, p. 20):
Os tópicos do currículo são expressos como questão de tradução - como certos
elementos podem ser apresentados na língua da minoria. Nunca houve um exame das
necessidades e habilidades da minoria como uma base para a definição do currículo. É
provável que as crianças surdas continuem a fracassar nesse currículo - mesmo se a
língua de sinais for usada.
Não se trata apenas da transmissão de conhecimentos dos intelectuais aos
populares, e muito menos da imposição de um saber social e historicamente construído.
Trata-se de (trans) formação de pessoas que irão, assim, construir novos saberes sejam
eles populares, científicos, religiosos ou técnicos. Em conseqüência, surgirá a
construção de outras representações sociais, de outros saberes e de alternativas de vida,
criando e recriando novas formas de fazer política e de agir e ver o mundo.
Norma Maciel de Lemos Vasconcelos
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Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda
Essa forma de aprendizagem não nega os processos de ensino-aprendizagem
vividos na prática escolar, mas os complementa, os supera. Apresenta novos elementos
que vão além dos processos escolares, incorporando-os numa síntese mais ampla tanto
em relação aos sujeitos e procedimentos, quanto aos seus objetivos e suas razões.
Essa concepção de educação lança um olhar diferente sobre o outro, um olhar sério e
profundo, acreditando em suas potencialidades cognitivas, afetivas e criativas, aberto a
possibilidades de diálogo com o mundo, conquistando seu espaço na efetivação de uma
sociedade mais justa e democrática.
A educação deve servir para proporcionar condições adequadas ao seu
desenvolvimento físico, motor, emocional, cognitivo e social, promovendo, assim, a
ampliação de experiências e conhecimentos, estimulando o interesse pelo processo de
transformação e convivência em sociedade.
Uma educação de qualidade para todos é a que tem por objetivo apoiar o
desenvolvimento da capacidade de contribuir ativamente com propósitos coletivos em
benefício das comunidades próximas e distantes em termos de tempo e de espaço.
A expressão “para todos” significa a acessibilidade não apenas física, mas de
aprendizagem, que o processo educativo deve oferecer a cada um dos cidadãos, não
importando a sua diversidade, a especificidade que cada um manifeste através de suas
características físicas, culturais, sociais, econômicas e raciais.
Não são os indivíduos que têm que se adaptar às condições de uma educação
planejada para uma elite conservadora e dominante da sociedade, mas é a organização
educacional e social que deve se adequar às necessidades particulares e as
características próprias que existem nas pessoas humanas, criando, de fato, espaço para
todos.
Portanto, a localização da deficiência não está nas pessoas, mas na forma como a
sociedade se apresenta. Isso persistirá enquanto não se apresentar saídas reais e dignas
para um modelo de organização humana justo, com espaço para todos e para cada um
com as suas especificidades.
É fato que tem havido conquistas sociais quanto aos direitos das pessoas surdas.
Entretanto, precisamos estar alerta para os engodos presentes nos discursos oficiais. Não
é a sociedade que, espontaneamente, abre as portas para essas pessoas. Ao contrário, são
elas que, enquanto cidadãos e cidadãs entram, rompendo barreiras desumanizadas,
Norma Maciel de Lemos Vasconcelos
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Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda
excludentes, e conseguem, com a sua presença, superar tabus, desfazer mitos e elevar o
patamar de humanidade social, buscando constituir um processo de forma articulada e
progressista que acompanhe suas mudanças físicas, biológicas, emocionais, intelectuais
e culturais ao longo de sua vida.
Para isso, urge pensarmos em uma sociedade do presente, onde seja viabilizada
uma série de medidas dentro das instituições, espaços e processos de educação que se
voltem para a inclusão de todos. Não há escola inclusiva se os jovens, os adultos e as
famílias não forem ouvidas e respeitadas em seus direitos. A acessibilidade na educação
passa pela acessibilidade em todos os outros setores e serviços, não é responsabilidade
somente dos educadores e nem das escolas, mas se constitui em responsabilidade social,
coletiva.
As comunidades surdas têm denunciado os prejuízos causados pelas propostas
de ensino desenvolvidas até então e têm lutado pela criação de novos espaços. Os
profissionais que trabalham com as comunidades surdas estão tendo, cada vez mais,
acesso a informações que são resultados de pesquisas e estudos sobre novas concepções
e movimentos desta comunidade, possibilitando uma retomada de conceitos
estruturados de surdez, de língua e dos seus Direitos.
Nesta trajetória, tem se disseminado o chamado bilingüismo como proposta de
ensino usada por escolas que se propõem a tornar acessível à língua oral e a gestual,
considerando a língua natural dos surdos, a LIBRAS, e, como segunda língua, a oficial
de seu país.
Embora os estudos tenham apontado para essa proposta como sendo a mais
adequada para o ensino de crianças surdas, autores como Skliar et al. (1999) defendem o
reconhecimento político da surdez. Nesse sentido, a proposta educacional, além de ser
bilíngüe, deve ser bicultural para permitir acesso rápido e natural do surdo à
comunidade ouvinte e para fazer com que ele se reconheça como parte de uma
comunidade surda.
Em termos de currículo escolar de uma escola bilíngüe, entendemos, então, que
é necessário haver um diálogo permanente entre os conteúdos desenvolvidos nas escolas
e as formas de pertencimento dos sujeitos a determinados grupos. Isso traz à tona a
importância do uso da língua nativa das crianças surdas, ou seja, de LIBRAS, e da
língua portuguesa, que deverá, para os surdos, ser ensinada como segunda língua.
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Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda
Portanto, a educação de Surdos, numa perspectiva freireana, deverá ainda
apresentar objetivos da educação bilíngüe e bicultural. Argumentando nessa mesma
direção, afirma Skliar (1999) que se deve: criar um ambiente lingüístico apropriado às
formas particulares de processamento cognitivo e lingüístico das crianças surdas;
assegurar o desenvolvimento sócio-emocional íntegro das crianças surdas, a partir da
identificação com surdos adultos; garantir a possibilidade de a criança construir uma
teoria de mundo; e oportunizar o acesso completo à formação curricular e cultural.
Para Souza (2001), as realidades sociais estão constituídas e configuradas de
acordo com a diversidade cultural. As exclusões e desigualdades, tanto políticas,
econômicas, culturais, étnicas, lingüísticas, religiosas, de gêneros, entre outras, são
expressas de maneira proporcionalmente maiores e mais intensas. Influencia as outras
situações sócio-culturais, indo de encontro às comunidades mais isoladas, de forma
social, percebidas a partir dos debates sobre a transculturação, fragilidades e
potencialidades da pluri/multi/inter-culturalidade.
Educar e educar-se, na prática da liberdade, não é estender algo desde a ‘sede do
saber’, até a ‘sede da ignorância’ para ‘salvar’, com este saber, os que habitam nesta. Ao
contrário, educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que sabem que
poucos sabem – por isto sabem que sabem algo e podem assim chegar a saber mais –
em diálogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem, para que estes,
transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam
igualmente saber mais (FREIRE, 1975, p. 25).
A pós-modernidade global é caracterizada pela diversidade cultural, sendo
identificada pelas situações de várias identidades, com riscos de fragmentação. Nesse
cenário, surge o debate sobre a multiculturalidade, que é constituída pelas relações
interculturais, que têm ocasionado uma gama de desafios para os processos
educacionais, provocando reflexões crítica permanente, consistente e rigorosa, devido à
fragmentação da responsabilidade da educação e dos educadores (SOUZA, 2001).
De acordo com Leite:
A emergência de um discurso de educação face à multiculturalidade, questão
até aí pouco (re) conhecida. No entanto, este discurso nem sempre foi
acompanhado pela ação prática e pelo exercício, por parte dos professores,
de processos que se enquadrem numa lógica de coexistencialismo e de
educação intercultural. De fato, nos princípios dos anos 90, as iniciativas de
intervenção nesta especificidade educativa correspondiam a pequenos
Norma Maciel de Lemos Vasconcelos
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Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda
grupos de acadêmicos e investigadores ou a grupos sociais que nos seus
quotidianos conviviam com a necessidade de agir face às situações de
exclusão a que eram votados membros das chamadas minorias presentes na
sociedade portuguesa (principalmente africanos das ex-colônias portuguesas
e populações de etnia cigana) (LEITE, 2000, p. 138-139).
Cilinda Leite (2000) esclarece que essas preocupações e debates dão lugar a
reforma do sistema educativo português (1980), com a concretização do projeto de
pesquisa e intervenção, coordenado pela Professora Luiza Cortesão, o PIC – Projecto de
Educação Inter/Multicultural, realizado no período de 1989 a 1992, e freqüentado por
várias crianças, provenientes de antigas colônias portuguesas.
Esse é um dos projetos que contribuiu para a construção de uma prática
pedagógica que possibilitasse tratar as situações culturais como potenciais capacidades
de aprendizagem dos alunos.
Foi ensinando o máximo de respeito às diferenças culturais com que tinha de
lidar, entre elas a língua, em que me esforcei tanto quanto pude para expressar-me com
clareza, que aprendi muito da realidade e com os nacionais o respeito às diferenças
culturais, o respeito ao contexto a que se chega à crítica à invasão cultural, a
sectarização e a defesa da radicalidade de que falo na Pedagogia do Oprimido, tudo isso
é algo que, tendo começado a ser experimentado, anos antes no Brasil e cujo saber
trouxera comigo para o exílio, na memória de meu próprio corpo, foi intensamente,
rigorosamente vivido por mim nos meus anos de Chile (FREIRE, 1992, p. 44).
Paulo Freire (1996) contribuiu muito para o debate sobre a multiculturalidade e a
interculturalidade crítica, principalmente a respeito das novas responsabilidades dos
processos educacionais, inclusive dos escolares.
É
obvio que
existe
a
emergência
de
uma
proposta da
educação
inter/multicultural crítica que denomina amplos processos sociais de luta contra as
desigualdades econômico-sociais e contra as exclusões histórico-culturais, em vistas a
construção de uma democracia representativa. A desigualdade e a exclusão manifestamse na sociedade de diferentes maneiras, principalmente em situações de desigualdades,
integração, através de decisões de afastamento ou de expulsão.
Portanto, Stoer (2001, p. 15) afirma que:
Norma Maciel de Lemos Vasconcelos
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Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda
Na luta pela ‘neutralização da lógica da exclusão’, luta essa, por sua vez,
central no contexto do ‘Estado, novíssimo movimento social’ que se
desenvolve, num momento de desestatização da regulação social, ‘pela
intensificação da cidadania activa’ e ‘pela experimentação institucional’.
Neste sentido, a educação inter/multicultural, tal como a defendemos, faz
parte do mesmo multiculturalismo que parece surgir como ‘uma forma
indispensável de rebelião contra os abusos do nosso actual sistemamundial’.
De acordo com Silva (2001), a multiculturalidade crítica também pode ser uma
saída humana para as transculturações, provocadas pelos processos atuais de
globalização. Nessa configuração, a educação escolar passa a ser desafiada por outros
papéis e outras exigências, sobretudo em termos de conteúdos e práticas pedagógicas.
Para que os conteúdos tenham uma vinculação cultural devem ser abordados e
compreendidos a partir da diversidade, visando o crescimento humano integral, por
meio do respeito, promoção, proteção e desenvolvimento dos direitos sociais e culturais.
As práticas pedagógicas, nos diferentes processos que proporcionem
experiências significativas, se forem vividas interculturalmente, configurarão situações
multirulturais que garantirão e devolverão (são prefigurativas) o desejo e a luta por
sociedades democráticas que, talvez, se pudesse denominar de pluri/inter/multiculturais
críticas. Tornam-se momentos da dimensão estratégica da ação humana. Práticas
pedagógicas assim configuradas e realizadas serão da maior relevância social, cultural e
pessoal, além de seu significado acadêmico, para a pós-modernidade/mundo (SOUZA,
2001, p. 213).
O multiculturalismo tem um conceito bastante vago e complexo, variando a
partir da visão dos autores que desenvolvem trabalhos sobre o tema. Ele emerge no
enfrentamento dos problemas e na tentativa de identificação do quadro teórico e
ideológico apropriado a análise dos desafios.
Na compreensão de Freire, a multiculturalidade é o resultado de um processo
respeitado, responsável e rigoroso de interculturalidade que responde ao desafio de
explicar o quadro teórico e o ideológico em que se movimenta. O conceito de Freire de
multiculturalidade revela-se como uma hipótese de trabalho, do ponto de vista teórico e
metodológico, movido por uma análise das situações sociais e pedagógicas, na
elaboração e utilização de dispositivos diferenciados da pedagogia.
Norma Maciel de Lemos Vasconcelos
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Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda
Com isso, podemos caracterizar o contexto da pós-modernidade global,
mantendo a noção de uma diversidade cultural menos comprometida com juízos de
valor e mais engajada na multiplicidade de culturas. Essas características podem ser
encontradas nas teorias e práticas de Paulo Freire.
A contribuição de Freire à educação está na maneira especial com que trata a
proposta pedagógica, dando possibilidades a que os processos educativos interfiram
positivamente na construção do ser humano.
Conforme Santos (1995), a característica distinta de qualquer atividade
educativa está na possibilidade de contribuir para o crescimento humano integral do ser
humano e de todos os seres humanos em todos os cantos do planeta, principalmente os
que tem sua humanidade roubada pelas condições desumanas da sociedade, da qual são
trabalhadores e trabalhadoras e na qual têm o direito de crescerem como seres humanos,
com garantias de desenvolvimento de suas competências intelectuais, visando à
transformação das relações sociais predominantes que provocam as desigualdades
sociais e as exclusões culturais.
Metas de visão crítica e de ampliação das capacidades humanas e possibilidades
sociais. Isso significa que o ensinar e o aprender devem estar associados aos objetivos
da educação do estudante: compreender por que as coisas são como são e como vieram
a se tornar assim; tornar o familiar estranho e o estanho familiar; correr riscos e lutar
contra as relações de poder vigentes, a partir de uma cultura moral que valoriza a vida;
assim como visualizar um mundo que ‘ainda’ não está em ordem, para ampliar as
possibilidades de melhoria das condições de vida (GIROUX, 1994. P. 99).
De acordo com Giroux (1994), existe uma boa perspectiva para formular e
propor uma pedagogia desafiadora, configurada com padrões e objetivos que possam
responder às necessidades da construção educacional.
Uma pedagogia que tem como princípio as culturas existentes, na tentativa de superar
suas negatividades e potencializar sua capacidade de construção da humanidade. A
cultura aqui entendida como processo e produto da ação dos seres humanos em suas
intra / inter /relações consigo mesmo e com os outros, com a natureza, com as
divindades, com a sociedade, para a construção de um sentido de existência positivo.
Paulo Freire (1992) revela-se um dos maiores pensadores da modernidade porque,
partindo de valores significativos da própria modernidade, consegue criticá-la,
Norma Maciel de Lemos Vasconcelos
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Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda
resgatando toda a dimensão da subjetividade humana e despertando o sentido da
história.
Assim, vê os seres humanos como um conjunto de características próprias,
comuns e variadas frente a todos os outros seres humanos, constituindo-se como grupos
específicos, diferenciados entre si, capazes de dialogarem. Nessa relação, a cultura vai
sendo constituída, num processo contínuo e inacabado, pelas diversas formas de vida e
de convivência humanas.
Para isso, é necessário que ocorra uma gestão flexível do currículo e da estrutura
escolar, com o envolvimento de toda a comunidade, na vivência de situações propícias
ao exercício de uma cidadania crítica, inovadora, facilitada pela promoção de uma
comunicação intercultural.
Fazer parte de um grupo não significa apenas estar fisicamente ao lado das
pessoas, significa compartilhar anseios necessidades e valores. Uma escola dita para
todos deve se propor a incluir de forma real todos, como parte do grupo, ou seja, deve
estar aberta a vivenciar tudo o que se relaciona com os envolvidos.
Uma escola que se propõe inclusiva pressupõe uma mudança, ou melhor, uma
troca na ordem social, econômica, política, afetiva e cultural. O estudante deverá ser
incentivado a trazer sua história de vida e construir, a partir dela, o seu processo de
aprendizagem, contribuindo e influenciando também na história de vida dos seus pares e
no processo de aprendizagem como um todo.
A semana da pessoa com deficiência é mais do que um momento comemorativo,
é um momento político, pois é quando esse segmento minoritário ganha visibilidade na
mídia e na sociedade. Embora entendamos que a participação das pessoas com todo tipo
de deficiência e também daquelas que são ditas “normais” em atividade conjuntas deve
acontecer durante todo o ano, sabemos que neste período as instituições e os
movimentos organizados de pessoas com deficiência concentram esforços para que
ocorram, de forma mais efetiva e visível, a divulgação dos anseios, necessidades,
vitórias e aspirações desse grupo, de modo a que toda a sociedade venha a discutir e
buscar caminhos adequados de convivência nos mais diversos locais.
O fato de as pessoas com deficiência serem ouvidas neste período pode
contribuir para a melhoraria da auto-estima, criar oportunidades de construir novos tipos
Norma Maciel de Lemos Vasconcelos
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Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda
de relações, bem como analisar situações delicadas do nosso dia-a-dia e desfazer
equívocos que podem ser gerados pela falta de informação.
A escola para todos, onde estão inseridos alunos com deficiência, deveria, ao
invés de aceitar apaticamente, contribuir para uma discussão mais consistente durante
todo o ano e, principalmente, nesse momento político. Não deveria vivenciá-lo de forma
superficial ou pouco significativa.
Os surdos são, antes de tudo, alunos que têm o direito de acesso ao
conhecimento na sua forma plena, e, como tais, merecem ser respeitados em seu tempo
e ritmo de aprendizagem. Uma escola que se propõe para todos deve buscar formas de
fazer com que este processo de aprendizagem se efetive, superando todas as
dificuldades de todos os alunos, e neste todos, estão os alunos surdos e ouvintes. Deve
incentivar a interação professor-aluno e aluno-aluno, abandonando esta postura
imperialista de levar um professor a decidir quem é capaz e quem não é capaz de
conseguir. Não caberá ao professor e muito menos ao intérprete esta decisão.
ALGUNS DOS FATOS OBSERVADOS NA SALA DE AULA
Fato 1:
Tema: Semana da pessoa com deficiência
CLASSE ESPECIAL
Durante a semana da pessoa com deficiência, os surdos da classe especial
promoveram uma atividade comemorativa e participaram de uma passeata,
suspendendo as aulas da sala.
CLASSE REGULAR
A escola estava muito envolvida na semana do folclore. Por isso, a única
atividade relacionada à pessoa com deficiência foi realizada através da
exibição de um filme relacionado com a pessoa cega pela professora da sala
para os alunos sem realizar nenhum tipo de comentário anterior ou
posterior ao filme.
Norma Maciel de Lemos Vasconcelos
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Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda
O fato citado aconteceu no período entre 21 e 28 de agosto, época quando ocorre
paralelamente a semana do folclore e da pessoa com deficiência. As duas professoras
eram muitos disponíveis para executar atividades extra-classe e, no período citado,
ambas promoveram atividades de desenho e leitura de textos relacionados com o
folclore. No entanto, na classe especial, estas atividades ocorreram de forma paralela à
participação do grupo de alunos em outras atividades, como: palestras, vídeo,
espetáculos teatrais, passeatas, visita a outras instituições relacionadas com a pessoa
com deficiência, bem como a visita de um grupo de pessoas ouvintes para realização de
uma oficina de LIBRAS, onde os alunos foram os monitores. Na classe regular, devido
à programação já definida para o folclore, foi realizado, por sugestão do intérprete, a
exibição de um filme sobre a pessoa cega. O filme era longo e o grupo, tanto de
ouvintes quanto de surdos, demonstrou-se disperso e desinteressado. Ao final do filme,
não houve qualquer análise e nem comentário sobre o objetivo da exibição e nem sobre
a semana da pessoa com deficiência, retomando as atividades relativas ao folclore.
Alguns alunos surdos desta turma participaram da passeata, mas não trouxeram nenhum
comentário para a sala de aula.
Fato 2:
Tema: O uso da língua de sinais e os conhecimentos escolares
CLASSE ESPECIAL
Vivenciando atividades em Língua Portuguesa, a professora explica em LIBRAS
o conceito de Verbo. Mesmo com todo esforço, o grupo de alunos não consegue
compreender o conteúdo. A professora regente solicita ajuda à instrutora que
tenta explicar, usando exemplos relacionados à cultura surda. Ao final da aula, o
grupo consegue compreender.
CLASSE REGULAR
Norma Maciel de Lemos Vasconcelos
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Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda
A professora vivencia um conteúdo em Língua Portuguesa (uso de pronome)
com toda turma. No momento inicial, todos compreendem com facilidade,
inclusive os alunos surdos através do intérprete de LIBRAS. À medida que a
complexidade aumenta, vários alunos apresentam dificuldades e são atendidos
individualmente pela professora. Em determinado momento, o intérprete
também tem dificuldade de compreender e repassar os conteúdos. Como a
professora não consegue fazê-lo compreender e nem aos surdos, ela solicita que
o intérprete marque nos seus materiais que conceitos o surdo é capaz de aprender
e selecionem juntos os conteúdos possíveis e os não possíveis para avaliação do
surdo. Enquanto isso, os surdos, à parte do diálogo entre professora e intérprete,
se esforçam, assim como os ouvintes, para tentar compreender, fazendo
inclusive atividades em conjunto. Ao final, são avisados pelo intérprete que
podem ficar calmos porque a prova deles será mais fácil do que a dos ouvintes.
É importante novamente destacar que a postura de transferência de
responsabilidade se apresenta neste fato, bem como a confusão de papéis no ambiente
escolar da classe regular e a falta de credibilidade nas potencialidades do surdo.
Na classe especial, o fato narrado demonstra outra nuance interessante da
convivência com esse segmento, os surdos, grupo que a escola se propõe a receber. Há
relação diferenciada com a língua e com o mundo que os fazem desenvolver uma
cultura própria e uma forma de percepção muito específica ficando, às vezes, difícil
para o ouvinte acompanhar e compreender, mesmo para aqueles que dominam a língua.
A escola pode ser para todos na medida em que ela reconhece o todo não como
uma homogeneidade, mas sim como uma pluralidade de heterogêneos com visões
muitos particulares.
Uma escola que reconhece essa pluralidade de diferentes reconhecerá a
diversidade e apontará caminhos e estratégias que contribuam para uma convivência
prazerosa e rica em possibilidades dentro da diversidade.
Uma Escola que se abre para todos, ao incluir o surdo, incluirá também a sua
cultura essencialmente viso-gestual, não como um entrave, mas como um espaço aberto
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Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda
de possibilidades a ser descoberto por gestores, professores, pais, alunos ouvintes e,
muitas vezes, os próprios surdo.
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Norma Maciel de Lemos Vasconcelos
5532
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
ANALISANDO AS CONTRIBUIÇÕES DO
PROJETO EDUCAR NA DIVERSIDADE NAS
PRÁTICAS CURRICULARES: UM OLHAR A
PARTIR DOS ESTUDOS CULTURAIS
Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos
estudos culturais
ANALISANDO AS CONTRIBUIÇÕES DO PROJETO EDUCAR NA
DIVERSIDADE NAS PRÁTICAS CURRICULARES: UM OLHAR A PARTIR
DOS ESTUDOS CULTURAIS
Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas - UFPB
[email protected]
RESUMO: Empiricamente, sabemos que as práticas docentes são, em geral,
tradicionais, isto é, os docentes tendem a utilizar metodologias de ensino do tipo papel e
texto, giz e lousa e aulas eminentemente expositivas. Essas aulas poderiam, grosso
modo, ser consideradas chatas para as crianças de hoje, as quais têm acesso a um
universo de possibilidades de aprendizagem no dia a dia, mesmo aquelas que vivem em
situação desprivilegiada. Nos dias atuais em que vivemos, onde as pessoas têm culturas
diferentes e identidade não fixas, a escola precisa ser uma instituição que acolha a
todo(a)s, que proporcione uma educação igual para todo(a)s, sem deixar de reconhecer
as diferenças culturais, a pluralidade das manifestações intelectuais, sociais e afetivas
(Mantoan, 2006). Nesse contexto, o presente artigo inicialmente apresentará o Projeto
Educar na Diversidade da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação,
pois ele é objeto de estudo da pesquisa em andamento intitulada: Inovação didática na
sala de aula regular: práticas pedagógicas no Projeto Educar na Diversidade. Em
seguida, trataremos da importância da referida pesquisa no contexto educacional
brasileiro. Por fim, apresentaremos o surgimento dos estudos culturais e suas
contribuições para a pesquisa em questão, pois verificaremos que uma das relações do
objeto de estudo em questão com os estudos culturais é que o princípio de inclusão e as
práticas pedagógicas inovadoras contidas no Educar na Diversidade possibilita que o(a)
aluno(a) construa sua própria identidade, que suas diferenças sejam celebradas no
processo de ensino de aprendizagem, que ele(a) faça parte do processo como agente
ativo, questionador.
PALAVRAS-CHAVE: Currículo – Educação Inclusiva – Estudos Culturais.
Introdução
O presente artigo inicialmente apresentará o Projeto Educar na Diversidade da
Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, pois ele é objeto de estudo
da pesquisa em andamento intitulada: Inovação didática na sala de aula regular:
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Mestranda em Educação da UFPB, Especialista em Direitos Humanos, Pedagoga com Área de
Aprofundamento em Educação Especial.
Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas
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Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos
estudos culturais
práticas pedagógicas no Projeto Educar na Diversidade. Em seguida, trataremos da
importância da referida pesquisa no contexto educacional brasileiro. Por fim,
apresentaremos o surgimento dos estudos culturais e suas contribuições para a pesquisa
em questão.
A questão central a ser investigada na pesquisa é: O que mudou (como mudou e
porque mudou) nas práticas pedagógicas, em termos de inovação, dos docentes que
participaram do Projeto Educar na Diversidade?
Ao falar de práticas de ensino do(a) professor(a) nos referimos a metodologia de
ensino utilizada pelo(a) mesmo(a) na sala de aula no processo de ensino aprendizagem
com o(a)s aluno(a)s. Essa metodologia de ensino são as diversas formas/ estratégias
como os conteúdos curriculares chegam até o aluno(a).
Empiricamente, sabemos que as práticas docentes são, em geral, tradicionais,
isto é, os docentes tendem a utilizar metodologias de ensino do tipo papel e texto, giz e
lousa e aulas eminentemente expositivas. Essas aulas poderiam, grosso modo, ser
consideradas chatas para as crianças de hoje, as quais têm acesso a um universo de
possibilidades de aprendizagem no dia a dia, mesmo aquelas que vivem em situação
desprivilegiada.
Em uma das reuniões da qual participamos na escola pública onde atuamos,
localizada em bairro de periferia, nos possibilitou levantar alguns dados com a
coordenadora pedagógica de extrema relevância para ilustrar a visão da experiência
educacional das crianças de hoje. Conforme suas palavras:
os aluno(a)s quando não estão na escola têm o mundo para explorar e, mesmo
sendo pobres, conseguem ter acesso a computador, playstation etc. Ao chegarem na
escola [entretanto] são obrigados a ficar sentados em carteiras enfileiradas, ouvindo
uma professora, sem ter a menor chance de participar e opinar. E, para completar a
chatice da sala de aula, a professora só planeja um tipo de aula para todos os
alunos, sem levar em consideração que cada um tem uma forma diferente de
aprender.
A citação acima é valiosa para nosso estudo, pois indica como alguns
educadore(a)s já manifestam uma compreensão acerca da ineficácia da metodologia
tradicional aplicada às crianças e jovens de hoje. É exatamente por isso que o nosso
sistema educacional atualmente
Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas
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Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos
estudos culturais
encontra-se em processo de intensa transformação: a escola mudou, os estudantes
mudaram, as comunidades exigem mais participação e a professora deve estar
preparada para enfrentar o novo cenário educacional. (Ferreira, 2006: p.230)
A problemática está no fato de que a maioria dos professores desconhece as
novas metodologias de ensino que possam responder a diversidade dos alunos, e quando
as conhecem, através das formações continuadas, não conseguem implementá-las na
prática, ou seja, na sala de aula. Mesmo sabendo que tais professores estão em constante
processo de formação continuada, a nossa experiência, enquanto formadora em diversos
espaços educativos, tem revelado que a formação continuada dos professores não está,
na maioria das vezes, chegando na sala de aula, no aluno, pois o grande desafio parece
estar na transposição da teoria para a prática.
Essa falta de resultados da formação continuada, conforme Ferreira (2006),
deve-se ao fato de que as mesmas são pensadas e executadas sem levar em consideração
a realidade dos professores, e sua participação, além de serem desarticuladas com o
contexto escolar. Caso essas formações fossem construídas levando em consideração
tais pontos “não estaríamos falando de uma ‘formação’, mas de uma ação de
desenvolvimento e aperfeiçoamento de práticas docentes” (Idem, Idem: p.229).
Neste contexto, o foco do estudo acima citado são os processos de mudança nas
práticas pedagógicas e o objetivo é explorar práticas didático-pedagógicas inovadoras
que promovem a participação de alunos(as) que enfrentam barreiras para aprender.
O que é o Projeto Educar na Diversidade?
O Projeto Educar na Diversidade é um projeto de formação docente, que está
inserido no Programa Nacional Educação Inclusiva: direito a diversidade da
SEESP/MEC. Ele é uma inovação do Projeto Educar na Diversidade nos Países do
MERCOSUL2 que foi coordenado pela SEESP entre 2000-2003 e financiado pela
Organização dos Estados Americanos (OEA), a partir do qual foi elaborado o material
de formação docente Educar na Diversidade. A construção desse material teve como
referência o Conjunto de Materiais Formação de Professores, Necessidades Especiais
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Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai.
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Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos
estudos culturais
na Sala de Aula publicado pela UNESCO em 1993, o qual impulsionou o princípio da
inclusão como um princípio norteador do desenvolvimento de escolas para todos.
O objetivo do Projeto Educar na Diversidade é qualificar educadore(a)s para
serem multiplicadore(a)s da metodologia de ensino inclusivo. Esses multiplicadores,
então, promovem oficinas de formação com o(a)s docentes para que os mesmos
adquiram habilidades, conhecimentos e competências sobre metodologia de ensino
inclusiva a fim de responder a diversidade de estilos e ritmos de aprendizagem do(a)s
aluno(a)s, com ênfase naquele(a)s com necessidades educativas diferenciadas.
No Brasil, este projeto foi implantado desde julho de 2005 nos municípios-pólos
que fazem parte do Programa Nacional Educação Inclusiva: direito a diversidade. O
Educar na Diversidade até agora já atingiu em torno de 300 municípios e mais de 5000
escolas em todo país. Resumidamente, o referido Projeto visa
contribuir para o processo de melhoria da qualidade de ensino e da eqüidade na
educação através do desenvolvimento de escolas inclusivas e da formação docente
para a inclusão com vistas a responder à diversidade educacional dos estudantes,
possibilitando a superação das barreiras à aprendizagem e a participação social.
(MEC,2005:p.13)
Quando tratamos de qualidade de educação estamos necessariamente falando de
formação docente e melhoria dos resultados acadêmicos do(a)s educando(a)s. As ações
governamentais no atual contexto da educação brasileira visam a melhoria na qualidade
da educação oferecidas em nossas escolas públicas, que constituem 86,7% das escolas
brasileiras. Desde a proclamação da Declaração Mundial de Educação para Todos
(UNESCO, 1990), que defende em seus princípios o direito a educação para todas as
crianças independentemente das diferenças individuais (Assis, 2004). Recentemente, no
ano 2000, 191 países da Organização das Nações Unidas (ONU) fixou a
universalização a educação básica de qualidade como uma das oito metas do milênio,
as quais devem ser atingidas até 2015.
Na seção, a seguir abordaremos a importância do estudo Inovação didática na
sala de aula regular: práticas pedagógicas no Projeto Educar na Diversidade no atual
contexto educacional brasileiro.
Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas
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Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos
estudos culturais
O contexto educacional brasileiro atual e a importância do estudo Inovação
didática na sala de aula regular: práticas pedagógicas no Projeto Educar na
Diversidade
A democratização do acesso a Educação Básica é sem dúvida uma das maiores
conquistas educacionais no Brasil, nos últimos trinta anos. De acordo com os dados do
Censo Escolar (MEC, 2002) em articulação com os dados do Censo Populacional
(IBGE, 2000), 97,2% das crianças com idade entre 07 e 14 anos estão matriculadas nas
escolas. Contudo, apesar de passado alguns anos, as taxas de evasão e fracasso escolar
no ensino básico ainda são desastrosas, principalmente nas escolas públicas: o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, de 2005 para 20073, revela que, apesar
do crescimento, as notas dos estudantes continuam abaixo da meta almejada de 6,0
pontos, conforme quadro abaixo:
2005
2007
Anos Iniciais do Ensino Fundamental
3,8
4,2
Anos Finais do Ensino Fundamental
3,5
3,8
Ensino Médio
3,4
3,5
Esses resultados nos levam a questionar não só o conceito de democratização da
educação, como também, e principalmente, as ações que vêm sendo desenvolvidas no
interior da escola pública para a solução dos problemas relacionados à permanência
dos/as alunos/as no ensino fundamental. Esse quadro compromete profundamente o
acesso aos outros níveis de ensino e mais ainda, compromete a inserção desses
estudantes numa sociedade que exige cada vez mais indivíduos competentes e
capacitados para lidar com circunstâncias históricas, sociais e políticas.
Com o objetivo de atingir a qualidade na educação, muitas diretrizes têm sido
propostas pelo governo federal para serem implementadas nas redes estaduais e
municipais, nos últimos anos: desde 2002, o governo Lula introduziu o princípio de
inclusão em todas as suas ações, dando ênfase aos grupos vulneráveis.
3
Fonte: SAEB e Censo Escolar. Disponível: http://ideb.gov.br/site
Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas
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Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos
estudos culturais
No âmbito da inclusão sócio-educacional criaram-se algumas secretarias ou
reforçou as ações de algumas nesta perspectiva, tais como: a Secretaria de Inclusão
Educacional – SECRIE, a qual foi extinta e criada a Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade – SECAD com foco na alfabetização e educação de jovens
e adultos, educação do campo, educação ambiental, educação escolar indígena, e
diversidade étnico-racial; a Secretaria de Educação Especial – SEESP, com foco na
pessoa com deficiência; a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial com foco na população negra e de outros segmentos étnicos discriminados; e a
Secretaria Especial de Direitos Humanos – SEDH, que cuida da articulação e
implementação de Políticas Públicas voltadas para a proteção e promoção dos direitos
humanos, a qual está diretamente ligada a Presidência da República.
De acordo com Ferreira(2007, p.22) “a inclusão diz respeito à promoção de
oportunidades igualitárias de participação”, e no contexto escolar está relacionado a
melhoria da escola para todos e ao combate de qualquer forma de exclusão, segregação
e discriminação. O Plano Nacional da Educação – PNE (Lei 10.171/2001) corrobora
com este princípio quando destaca que “o grande avanço que a década de educação
deveria produzir seria a construção de uma escola inclusiva que garanta o atendimento à
diversidade humana”.
Uma escola inclusiva é aquela na qual o ensino e a aprendizagem, as atitudes e o
bem estar dos estudantes são considerados importantes pelo(a) professor(a). Nessa
escola todos valorizam a diversidade humana como um recurso valioso e buscam
eliminar as barreiras à aprendizagem através do uso de metodologias de ensino
inovadoras (MEC, 2005). Essas metodologias têm como base os princípios orientadores
da prática de ensino inclusivo4, os quais são: aprendizagem ativa e significativa
(encorajam os participantes - docentes, estudantes, pais/mães - a envolver-se em
atividades de aprendizagem); negociações de objetivos (as atividades realizadas
consideram as motivações e interesses de cada participante); demonstração, prática e
feedback (propõem-se modelos práticos, demonstra-se a sua aplicação/uso e se
oferecem oportunidades para haver uma reflexão sobre as mesmas); avaliação
permanente (promovem a investigação e a reflexão como meios de revisão da
aprendizagem), e apoio e colaboração (ajudam os indivíduos a correrem risco, tentarem
4
Esses princípios estão contidos no Conjunto de Materiais Formação de Professores, Necessidades
Especiais na Sala de Aula (UNESCO, 1993).
Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas
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Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos
estudos culturais
alternativas que sejam mais efetivas ao processo de ensino e aprendizagem). (MEC,
2005)
No atual contexto de desafios da educação brasileira no combate à exclusão de
aluno(a)s oriundos de grupos em desvantagem social, estudo acima mencionado terá
uma relevância significativa porque se insere nesse contexto de melhoria da qualidade
da educação e construção de escolas inclusivas para todos. Avaliar os resultados do
Projeto Educar na Diversidade sobre as mudanças das práticas de ensino na sala de aula
das escolas regulares, portanto, é crucial para oferecer subsídios as políticas públicas em
andamento, porque vai oferecer exemplos das práticas pedagógicas existentes nas
escolas brasileiras. De acordo com Cunha (2006: p.01),
a avaliação pode subsidiar: o planejamento e formulação das intervenções
governamentais, o acompanhamento de sua implementação, suas reformulações e
ajustes, assim como as decisões sobre a manutenção ou interrupção das ações.
Considerando, ainda, o atual número de iniciativas governamentais no âmbito
federal, estadual e municipal para combater o fracasso escolar e exclusão nas escolas, o
referido estudo pode ser considerado de extrema importância para impulsionar a
educação inclusiva nacionalmente, uma vez que vai oferece dados relevantes sobre um
projeto de formação de professores. Os resultados do estudo também vão alimentar os
países do Mercosul que aderiram ao Projeto Educar na Diversidade.
Com base no exposto até o presente momento neste artigo, na seção a seguir
apresentaremos o surgimento dos estudos culturais e suas contribuições para a pesquisa
em questão.
Os Estudos Culturais e suas contribuições para pesquisa em questão
Os Estudos Culturais(EC) surgiram na Inglaterra nos meados da década de 1950
e passou a ser um campo de estudo organizado a partir de 1964 com a fundação do
Centro for Contemporary Cultural Studies(CCCS), da Universidade Birmingham, que
CCCS tinha como eixo principal de pesquisa:
As relações entre cultura contemporânea e a sociedade, isto é, suas formas
culturais, instituições e práticas culturais, assim como suas relações com a
sociedade e as mudanças sociais(...). (Escosteguy, 2000: p.138)
Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas
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Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos
estudos culturais
Entre 1964 e 1974, os EC se consolidaram, pois o CCCS foi dirigido por Stuart
Hall(Sovik, 2002)5, o qual é considerado um dos pais dos estudos culturais. Foi ele
quem assumiu os EC como projeto institucional na Open University, e continuou a
discutir, periodicamente, sobre os rumos de algo que se tornou um movimento
acadêmico-intelectual internacional.(Idem, idem)
Definimos os estudos culturais como “um campo de estudos onde diversas
disciplinas se intersecionam no estudo de aspectos culturais da sociedade
contemporânea.” (Escosteguy, 2000: p.137). De acordo com Costa(2002), os EC
constitui-se num campo instável, amplo e diversificado de análises culturais, o qual foi
“resultante de uma movimentação teórica e política que se articulou
contra as
concepções elitistas e hierárquicas de cultura (...).”(Idem, idem: p137)
(...) no Brasil, as contribuições mais importantes dos EC em educação
parecem ser aquelas que têm possibilitado a extensão das noções de
educação, pedagogia e currículo para além dos muros da escola; a
desnaturalização dos discursos de teorias e disciplinas instaladas no aparato
escolar; a visibilidade de dispositivos disciplinares em ação na escola e fora
dela; a ampliação e complexificação das discussões sobre identidade e
diferença e sobre os processos de subjetivação. (Costa, 2005: p.114)
Raymond Williams(Hall,2003), um dos grandes teóricos dos estudos culturais,
conceitua cultura de duas maneiras diferentes, uma relaciona-se à soma das descrições
disponíveis pelas quais as sociedades dão sentido e refletem as suas experiências
comuns, recorrendo à ênfase primitiva sobre as ‘idéias’. A outra maneira tem uma
ênfase mais antropológica, enfatizando o aspecto de ‘cultura’ que se refere às práticas
sociais. “É a partir dessa segunda ênfase que uma definição de certo modo simplificada
– ‘a cultura é um modo de vida global’ – tem sido abstraída de forma um tanto pura.”
(Idem, idem: p.127)
Já Thompson(Idem, idem), outro grande teórico dos EC, resistia entender a
cultura enquanto forma de vida global, preferia entendê-la enquanto uma luta entre
‘modos de vida diferentes’. Para Williams e Thompson(Escosteguy, 2000), “a cultura
era uma rede de práticas e relações que constituíam a vida cotidiana dentro do qual o
papel do indivíduo estava em primeiro plano.” (Idem, idem: p.141)
5
Comentário feito pela autora na apresentação do livro que organizou: “Da diáspora: Identidades e
mediações culturais” – Stuart Hall.
Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas
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Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos
estudos culturais
... a cultura, no sentido dos valores públicos, padronizados, de uma
comunidade, serve de intermediação para a experiência dos indivíduos. Ela
fornece, antecipadamente, algumas categorias básicas, um padrão positivo,
pelo qual as idéias e os valores são higienicamente ordenados. E, sobretudo,
ela tem autoridade, uma vez que cada um é induzido a concordar por causa
da concordância dos outros. (Douglas apud Woodward, 2000: p.42)
Faz-se necessário conhecer os diversos conceitos de cultura a partir dos Estudos
Culturais para melhor entendermos o conceito de cultura na perspectiva da escola, em
especial aquela que segue os princípios da inclusão, a qual compreende cultura como
(...) o conjunto de crenças e convicções básicas mantidas por professore(a)s
e comunidade escolar em relação ao ensino, à aprendizagem dos aluno(a)s e
ao funcionamento da escola. A cultura inclui os vínculos estabelecidos na
instituição escolar, as normas que afetam a comunidade escolar, os
processos de ensino e aprendizagem, os sistemas de comunicação e o tipo de
colaboração entre os membros da escola e o grupo da sala de aula
(professor(a) – aluno(a)s, aluno(a)s – aluno(a)s). (MEC, 2005: p.114)
Desta forma, a cultura de inclusão, proposta no Educar na Diversidade, exige
mudança na cultura escolar e pedagógica, opondo-se assim a cultura existente na escola
atual, a qual é excludente, pois segrega o aluno diferente, aquele que não se enquadra ao
modelo imposto por uma minoria da sociedade. A educação inclusiva surge para
desconstruir esta cultura da escola tradicional, de moldar e regular as pessoas, a qual foi
criada e mantida pela classe que detêm o poder.
De acordo com Hall (apud Costa, 2002) o cerne da questão está na relação entre
cultura e poder, quanto mais significativo e mais central se torna a cultura, tanto mais
importantes são as forças que a governam, moldam e regulam.
Nos dias atuais em que vivemos, onde as pessoas têm culturas diferentes e
identidade não fixas, a escola precisa ser uma instituição que acolha a todo(a)s, que
proporcione uma educação igual para todo(a)s, sem deixar de reconhecer as diferenças
culturais, a pluralidade das manifestações intelectuais, sociais e afetivas (Mantoan,
2006). Sendo assim, uma importante relação do objeto de estudo em questão com os
estudos culturais é que o princípio de inclusão e as práticas pedagógicas inovadoras
contidas no Educar na Diversidade possibilita que o(a) aluno(a) construa sua própria
identidade, que suas diferenças sejam celebradas no processo de ensino de
aprendizagem, que ele(a) faça parte do processo como agente ativo, questionador.
De acordo com Silva(2000), a identidade é simplesmente aquilo que se é, e a
diferença é aquilo que o outro é. A identidade e a diferença são inseparáveis, uma
Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas
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Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos
estudos culturais
depende da outra. A identidade, tal como a diferença, é uma relação social, ou seja, é o
resultado de um processo de produção simbólica e discursiva, por isso, tem uma estreita
relação com o poder, não são simplesmente definidas, são impostas.
“... a identidade marca o encontro de nosso passado com as relações sociais,
culturais e econômicas nas quais vivemos agora... a identidade é a
intersecção de nossas vidas cotidianas com as relações econômicas e
políticas de subordinação e dominação” (Rutherford apud Woordward,
2000: p. 19)
Ao expormos que a identidade é construída pela marcação da diferença, convém
lembrar que algumas diferenças podem ser obscurecidas. (Woordward, 2000) Por
exemplo, a escola tradicional ao impor um padrão de aluno, uma identidade específica,
ela obscurece aquele aluno que difere desse padrão, dessa identidade, excluindo assim,
o aluno que não aprende ou aprende devagar, que não se concentra, o aluno com
deficiência, que tem distorção idade-série, entre outros.
Conforme Mantoan(2006), o desejo de assegurar a homogeneidade nos grupos
sociais, e conseqüentemente nas escolas, destruiu muitas diferenças consideradas, hoje,
valiosas e importantes nas salas de aula e para além delas. Esse processo de
homogeneização está diretamente relacionado com o processo de normalização, o qual é
uma forma sutil do poder se manifestar no campo da identidade e da diferença. (Silva,
2000)
Na educação inclusiva a diversidade e as diferenças não são vistas como uma
forma de exclusão e discriminação, ao contrário, constituem uma riqueza de recursos
para a aprendizagem na sala de aula, na escola e na vida. Desta forma, os estudos
culturais surge exatamente para combater a exclusão e discriminação existente nos
diversos espaços da sociedade.
De acordo com Costa (2002), os Estudos Culturais emergiu num contexto de
mudanças radicais do mundo contemporâneo no que concerne à teoria cultural. Eles
discutem questões étnicas e raciais da nossa sociedade para que ela se torne menos
discriminatória e excludente, outra relação com o objeto de estudo em questão que
trabalha em prol da inclusão.
Portanto, compreendemos que a articulação entre os estudos culturais e a
educação inclusiva poderá alicerçar a construção de novas práticas pedagógicas que
Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas
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Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos
estudos culturais
valorizem a diversidade cultural existente na sala de aula, e ao mesmo tempo respeitem
a identidade e a diferença de cada aluno(a).
Referências Bibliográficas
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Direitos Humanos. João Pessoa/ PB: UFPB, 2004.
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contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002. – (Série cultura, memória e currículo, v.2)
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(org.). Cultura, poder e educação: um debate sobre estudos culturais em educação.
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Inclusão e Educação: doze olhares sobre a educação inclusiva. São Paulo: Summus,
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Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas
5546
Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos
estudos culturais
MEC/ SEESP. Educar na Diversidade. Material de Formação Docente. Ministério da
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Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas
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IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
OS ESTRANHOS NO NINHO ESCOLAR
Sandra Alves da Silva Santiago
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Os Estranhos no Ninho Escolar
OS ESTRANHOS NO NINHO ESCOLAR
Sandra Alves da Silva Santiago
RESUMO: O presente artigo discute a face oculta da tão debatida educação inclusiva,
destacando as condições de acessibilidade propostas por professores e professoras no
atendimento às necessidades específicas de alunos surdos matriculados em turmas
regulares do ensino fundamental da grande João Pessoa, Paraíba. Com este propósito,
parte inicialmente das idéias gerais sobre currículo escolar acessível, focalizando a
política de educação inclusiva, especialmente no que tange as adaptações curriculares de
acesso ao currículo formal. Em seguida, busca na prática pedagógica dos professores,
ações voltadas para colocar o aluno surdo em contato com o currículo escolar,
garantindo-lhe usufruto de direitos e uma preparação plena para o exercício da
cidadania. Os resultados deste estudo revelaram que os professores do ensino
fundamental que lecionam em classes ditas inclusivas não se sentem responsáveis pela
inclusão de alunos surdos nestes espaços e desconhecem o papel das adaptações
curriculares nesta direção. O reconhecimento do currículo como elemento integrante e
facilitador da inclusão está ainda longe das concepções e práticas dos professores, o que
revela a necessidade de maiores reflexões sobre a formação continuada destes agentes, e
aponta para a urgência de políticas públicas que tomem a escola como espaço de
investigação, pesquisa, reflexão constante, e aprendizagem.
PALAVRAS-CHAVE: acessibilidade, adaptações curriculares, surdez, educação
inclusiva.
Introdução
A educação enquanto direito inalienável é hoje consenso nas mais diferentes
esferas, para diferentes grupos e povos. Não se discute, portanto, que toda criança e
adolescente tenha direito a usufruir deste bem. Por isso, o acesso à escola não é hoje o
maior problema que enfrentamos. Entretanto, o mesmo não pode ser dito sobre a
permanência dos alunos e suas condições de aprendizagem, sobretudo quando estes são
marcados por diferenças pouco aceitas no cotidiano escolar.
Sandra Alves da Silva Santiago
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Os Estranhos no Ninho Escolar
Apesar do discurso e das políticas em favor da educação inclusiva, a
permanência dos alunos com deficiência nas escolas ainda é foco de preocupações de
diversos pesquisadores. Estas preocupações ficam maiores quando se percebe que,
apesar das inúmeras ações no sentido de garantir uma formação docente comprometida
com a diversidade, os professores ainda não conseguem assumir que sua prática pode
ser mais ou menos excludente, na medida em que os mesmos desconsideram a
necessidade de desenvolver adaptações curriculares. E mais: que estas são necessárias
para que alunos com comprometimentos físicos, mentais ou sensoriais tenham acesso ao
currículo escolar formal, tanto quanto outros colegas sem deficiências.
É certo que a escola não é o único espaço onde se educa, mas, não é menos
verdade que, ainda, é a principal instância formal de escolarização em diversas partes do
mundo. No Brasil não é diferente. E como muitas crianças e jovens apenas dispõem
deste espaço formal de educação, é essencial que possam usufruir do mesmo com a
qualidade necessária.
Neste estudo, focalizaremos especificamente a situação do aluno surdo, pois
para este, o dispositivo lingüístico está fortemente comprometido pela ausência de
audição, é evidente que sendo a língua a principal fonte de informação da sociedade
hodierna, os prejuízos causados a este grupo são enormes. Por isso, faz-se necessário
que atentemos para a necessidade inerente aos alunos surdos de adaptações curriculares
de acesso ao currículo escolar, ao mesmo tempo em que atentemos para o papel dos
professores neste sentido.
Diante disto, discutir as noções de currículo acessível às especificidades dos
sujeitos com surdez é de fundamental importância para que se compreenda a distância
que ainda existe entre o ideal de educação inclusiva e sua efetivação no chão da escola.
O Aluno Surdo e as Adaptações Curriculares de Acesso ao Currículo
A surdez compreende a perda total ou parcial da audição, variando de acordo
com o nível de acuidade auditiva e com a necessidade de formas de comunicação
diferenciadas. Como existem diferentes características que caracterizam o sujeito surdo,
é fundamental que se conheçam estes aspectos para que seja possível minimizar as
dificuldades que, geralmente, acometem os indivíduos com esta deficiência.
Sandra Alves da Silva Santiago
5552
Os Estranhos no Ninho Escolar
Além dos níveis de perda auditiva (leve, moderado, severo e profundo), medidos
em termos de decibéis, a causa da surdez, período em que a mesma foi instalada, além
do tipo de identidade assumida por determinado indivíduo são elementos que podem
ajudar na compreensão e na prática junto a este grupo.
Hoje existem inúmeras discussões a respeito da surdez, no entanto, o essencial é
que já se tem claro que os surdos são pessoas que apresentam não apenas limitações no
trato auditivo, mas, que motivadas por estas, possuem diferenças lingüísticas
importantes e, consequentemente, necessidades educacionais específicas.
Em conseqüência destas diferenças, o surdo é o indivíduo que, geralmente,
necessita de um olhar específico no que tangue ao processo educativo. Como esta
atenção normalmente é negada pelos professores (que desconhecem as especificidades
da surdez), o indivíduo surdo é vítima de inúmeras dificuldades que nada tem a ver com
sua deficiência, mas que são resultados de seu atraso lingüístico e do pouco ou nenhum
conhecimento de seus ensinantes sobre seu estilo de aprendizagem.
De início é preciso destacar que os surdos são diferentes dos ouvintes e
também diferentes entre si. Portanto, é preciso abolir a idéia de que as crianças surdas
constituem um grupo homogêneo, pois não é bem assim. Existem muitos subgrupos
dentro do grupo de crianças surdas e as diferenças entre eles são, na maioria das vezes,
maiores que as diferenças encontradas entre surdos e ouvintes. Essa é uma idéia básica
para compreendermos bem o surdo e suas peculiaridades.
É comum fixarmos o nosso olhar sobre o que falta ao surdo quando comparado
ao ouvinte. Sob esse ponto de vista, a surdez é considerada como “uma deficiência não
visível fisicamente e (que) se limita a atingir uma pequena parte da anatomia do
indivíduo”, ou, ainda, como a ausência, dificuldade ou inabilidade para ouvir, sons
específicos, ambientais e os sons da fala humana (FERNANDES, 1989, p. 38).
Nessa direção, os estudos sobre a pessoa surda se voltam basicamente para
compreender as perdas auditivas como características do surdo. Para esta corrente, os
aspectos fisiológicos da surdez são de grande importância no processo educacional e
social do surdo. Dependendo do tipo de problema se define o tipo de surdez. Os tipos de
surdez são, pois, um elemento bastante valorizado nos estudos sobre surdos.
Com relação a este aspecto, as perdas auditivas podem ser do tipo condutiva,
ou seja, determinada por patologias localizadas no ouvido externo e médio, tendo como
Sandra Alves da Silva Santiago
5553
Os Estranhos no Ninho Escolar
principais exemplos disso a introdução de corpos estranhos no ouvido, a má formação
da orelha ou perfurações da membrana que envolve o tímpano.
Podem ser ainda do tipo neurossensorial, portanto, determinada no nervo
coclear. Em geral, esse tipo de perda tem causas pré – natais ou infecções. Mas, a perda
pode ser também do tipo mista, ou seja, aquela que afeta ao mesmo tempo o ouvido
médio e o ouvido interno. (STROBEL & DIAS, 1995, p. 7-8).
Uma pessoa que ouve normalmente consegue captar as vibrações do som em
até aproximadamente 25 dB. A pessoa que ouve cima de 26 dB é considerada com
perda auditiva. No entanto, esse grau varia bastante. Quanto mais forte a intensidade
exigida para ouvir, mais forte a perda auditiva.
De acordo com o grau de perda auditiva, a surdez pode ser classificada em
leve, de 26 a 40 dB e caracteriza-se pelo fato do indivíduo não perceber os fonemas da
mesma forma, alterando assim, a compreensão das palavras. A voz também é
modificada, a aquisição da linguagem fica mais lente e as dificuldades da leitura e
escrita se fazem presentes.
Neste caso a atenção específica do professor através de adaptações curriculares
será de grande importância para o desempenho educacional do aluno surdo, mas, estas
adaptações não exigirão grandes mudanças metodológicas; apenas modificações simples
e ao alcance do educador, tais como: falar pausadamente e utilizando um tom mais alto
que de costume, além de oferecer recursos visuais que facilitem a compreensão do
aluno. A atenção no processo de alfabetização deste aluno é fundamental para seu
sucesso escolar posterior.
A surdez pode ser também de grau moderado, ou seja, com índices que variam
de 41 a 70 dB. Neste caso, há uma percepção de sons altos, mas o desenvolvimento é
marcado pelo atraso da linguagem e alterações articulatórias. Logo, as necessidades
adaptativas aumentam significativamente e cabe ao professor utilizar recursos que
facilitem o acesso deste aluno ao conhecimento. Além das atividades já elencadas para o
aluno com perda leve, o aumento de recursos visuais para facilitar a aprendizagem do
aluno surdo é de muita relevância.
O aluno surdo com perda severa, ou seja, que ouve entre 71 a 90 dB identifica
ruídos familiares, mas com predominância de sons graves. O aluno surdo com surdez
profunda ouve acima de 90 dB. Neste caso, não há percepção da voz humana,
Sandra Alves da Silva Santiago
5554
Os Estranhos no Ninho Escolar
necessitando de estímulos adequados às suas necessidades que são visuais e não
auditivos (ibdem).
Seu desenvolvimento é bastante comprometido e sua aptidão visual em
detrimento da auditiva é evidente. Nestes casos, a predominância da experiência visual é
inegável e a prática pedagógica exigirá a presença de estímulos essencialmente visuais
na condução da aprendizagem.
Da mesma forma, destaca-se o uso da língua natural do surdo, a língua de
sinais, como principal veículo comunicativo e de acesso ao conhecimento, cabendo ao
professor o domínio da mesma na interação com este aluno.
Pesquisas recentes revelam que a língua de sinais é comparável em
complexidade e expressividade a qualquer língua oral. É estruturada a partir de unidades
mínimas que formam unidades mais complexas, ou seja, possuem os níveis: fonológico,
morfológico, sintático e semântico. Como toda e qualquer língua, aumenta seu
vocabulário com novos sinais em resposta às mudanças sociais, culturais e tecnológicas.
E ainda, como as outras línguas variam de país para país, e sofrem também variações
regionais dentro do mesmo território. É composta de um alfabeto manual e de
expressões faciais e corporais que se combinam formando algo semelhante aos fonemas
e morfemas da língua portuguesa (SANTIAGO, 2009, p. 134).
É importante entender que a libras possui uma gramática própria e para cada
sinal realizado corresponde uma letra, uma palavra, ou até mesmo uma frase. Por isso,
executar com muita atenção cada sinal é fundamental para estabelecer uma perfeita
comunicação.
Para a realização de uma prática interessante com surdos, é importante que os
professores realizem aulas com uma metodologia de natureza essencialmente visual e
todo material utilizado também deve ser desse tipo.
Recursos como data - show, slides, transparências, cartazes, imagens, vídeos,
etc. além de oficinas, dinâmicas, atividades em grupo, exercícios corporais, priorizando
a expressão facial e corporal são de excelente ajuda para o surdo. No entanto, o m ais
importante é que o professor aprenda a Língua Brasileira de Sinais, porque ela é a
língua natural do surdo, e é com ela que o surdo tem condição plena de se desenvolver.
Sandra Alves da Silva Santiago
5555
Os Estranhos no Ninho Escolar
À medida que o professor vai conhecendo o universo do surdo, melhor vai
estabelecendo a comunicação com ele. Por isso, é tão importante conhecer a cultura dos
surdos, que em muitos aspectos é diferente da cultura ouvinte.
Sem uma formação específica sobre a libras é praticamente impossível aos
professores realizar a inclusão do surdo na sala de aula. Infelizmente, a maioria dos
mestres não possui informação e formação específica na área da surdez e não conhecem
a língua própria dos surdos – a Língua de Sinais – o que inviabiliza o processo de
comunicação e interação entre professor e aluno, surdo e ouvinte.
Nesse contexto, fica claro que para atender às necessidades e expectativas dos
surdos e contribuir para a formação de sua cidadania, o professor estar aberto à mudança,
à aprendizagem de uma nova língua.
Dessa forma, os educadores se descobrirão como agentes conscientizadores,
atuantes na resolução de problemas sociais, preocupados em garantir o respeito às
minorias estigmatizadas. Esta é uma forma de ultrapassar as barreiras que, muitas vezes,
se colocam entre a instituição de ensino e a sociedade, entre o aluno e o professor.
O período em que ocorreu a surdez é outro aspecto que também precisa ser
compreendido pelo professor como igualmente ilustrativo da surdez e da pessoa surda e,
igualmente relevante para que os professores saibam como atuar.
De acordo com o momento quando ocorreu a surdez, podemos entendê-la
como: pré – lingüística ou pós – lingüística. A surdez pré – lingüística caracteriza-se
pela ocorrência da perda auditiva antes que a criança tenha desenvolvido a linguagem
oral. A surdez pós – lingüística, caracteriza-se pela presença de desenvolvimento
lingüístico antes da perda auditiva.
É importante ressaltar que quanto mais tarde ocorre a perda auditiva maior o
desenvolvimento da linguagem oral. Nestes casos, a fala já construída fica consolidada
(GOLDFELD, 2002). Sendo assim, é fundamental que professores compreendam que
dependendo do período em que seu aluno ficou surdo, poderá ou não, usufruir deste
componente como instrumento de comunicação.
Além desses aspectos de cunho fisiológico, há outro aspecto que merece
consideração e que nos últimos anos vem assumindo lugar de destaque nos estudos
sobre a surdez. Trata-se das Identidades Surdas. É esse elemento que vem somar-se aos
Sandra Alves da Silva Santiago
5556
Os Estranhos no Ninho Escolar
demais dando mais possibilidades de compreensão da pessoa surda, sobretudo pela sua
natureza sócio - antropológica.
Estudiosos da área da surdez concordam que os surdos enfrentam diversas
dificuldades ao longo de sua trajetória educacional, sendo a principal delas originária de
sua limitação auditiva e, conseqüentemente, oral. Mas, isso não pode ser analisado sem
considerar os significados sociais que provoca. Autores como Brito (1995), Skliar
(1998) e Fernandes (1989) acreditam que ao sofrer atraso de linguagem, ocasionado
pela perda auditiva, o surdo terá como conseqüência problemas emocionais, sociais e
cognitivos e, estes problemas influenciarão diretamente todo o processo de
aprendizagem e sua identidade.
No caso da pessoa surda, os estudos feitos por Perlin apud Skliar (1998)
identificaram a existência de, pelo menos, cinco categorias diferentes de identidades
surdas, comprovando a presença da heterogeneidade na construção dos grupos. A autora
classificou as identidades surdas da seguinte forma: a) identidade surda política - há o
predomínio da experiência visual em detrimento da auditiva; b) identidade surda híbrida
- são surdos que usam identidades diferentes em momentos diferentes; c) identidade
surda de transição - é caracterizada por um momento específico da vida do surdo. É
exatamente aquele onde o surdo passa de um mundo ouvinte, onde sempre foi obrigado
a conviver, para uma nova experiência: com o mundo surdo; d) identidade surda
incompleta é aquela onde a pessoa surda sofre pressões de toda a espécie para não se
identificar com outros surdos; e) identidade surda flutuante - surdos que não aceitam a
própria surdez e faz de tudo para se enquadrar no mundo ouvinte.
De acordo com as idéias apresentadas até o momento é possível compreender
que os surdos não compõem um conjunto homogêneo com características comuns. Pelo
contrário, possuem tantas diferenças entre si quanto as existentes entre todos os grupos
humanos. Portanto, não é correto pensar numa metodologia de atendimentos aos surdos
que responda a todas as necessidades que os mesmos apresentam.
Por isso, não há que se forçar o surdo a utilizar-se de mecanismos
comunicativos aos quais ele manifesta aversão, pois estará correndo o risco de dificultar
a aprendizagem do surdo, muito mais que facilitar.
Sandra Alves da Silva Santiago
5557
Os Estranhos no Ninho Escolar
Considerações Finais
Considerando a inclusão como uma estratégia educacional que exige formas
de ação muito sérias, e tomando por base a premissa de que para que ocorra a inclusão
da pessoa surda, torna-se necessário o desenvolvimento de mecanismos específicos de
comunicação entre o professor e o aluno, a discussão sobre a Língua Brasileira de Sinais
é importante na formação de professores, especialmente os da rede pública de ensino,
que recebem crianças e jovens surdos com pouca ou nenhuma condição de atendimento
específico.
Cabe ressaltar, ainda, que a difusão da Libras atualmente, tem o intuito de
favorecer o processo inclusivo desses alunos na rede regular de ensino, conforme
política educacional adotada nos documentos oficiais brasileiros.
Nesse sentido, pretendeu-se incitar os professores a uma reflexão no que tange
a sua práxis, propiciando-lhes uma visão real das possibilidades de planejamento de
atividades pedagógicas que possam favorecer ao aluno surdo a aquisição de
conhecimentos e o desenvolvimento de seu potencial criativo.
Desta forma, a discussão sobre surdez e a pessoa surda, somada ao
entendimento da Libras como instrumento de aporte à prática pedagógica com surdos
sugere um suporte técnico e científico que habilita o educador a entender o universo
lingüístico, social e cultural do surdo como ponto de partida para incluí-lo na escola,
sem delegar esta função a outros profissionais, como supervisores, coordenadores,
intérpretes, etc.
Sem desmerecer o papel importante dos demais agentes educativos,
compreendemos que a comunicação e a relação entre professor e aluno surdo, bem
como o desenvolvimento de todo processo de aprendizagem só torna-se viável quando
se respeita a especificidade do aluno e quando suas necessidades reais são
compreendidas.
Para que um (a) professor (a) ouvinte possa comunicar-se com um aluno
surdo, alguns elementos são fundamentais. Entre eles os aspectos fisiológicos da surdez
como tipo, grau e período, mas, também sócio-culturais, como a identidade e a língua
utilizada pelo surdo no processo comunicativo e como estruturador do pensamento.
Sandra Alves da Silva Santiago
5558
Os Estranhos no Ninho Escolar
Somente de posse destes conhecimentos, o professor poderá pensar na sua práxis
vislumbrando a perspectiva inclusiva.
Para professores do ensino regular que atuam em escolas que se pretendem
inclusivas, aprender um pouco do universo do surdo e da Língua Brasileira de Sinais
significa não apenas despertar o interesse pela inclusão de alunos surdos, mas, chances
reais para que possam torná-la uma realidade.
Acreditamos que um processo de transformação social só é viável quando se
respeitam os sujeitos envolvidos e suas necessidades. Portanto, os professores têm um
papel decisivo nesse sentido, pois são instrumentos de inclusão social, capaz de fomentar
a construção de uma sociedade mais cidadã, portanto, mais justa e, menos segregativa,
que acolhe seus filhos, independente das diferenças que eles revelam ou dos limites que
parecem possuir.
Dessa forma, é fundamental que cada professor sinta-se estimulado a repensar
suas ações frente ao processo de ensino e aprendizagem. E que possa refletir se sua
postura em sala de aula pode ser traduzida como uma prática marcadamente inclusiva.
Referências
BRITO, Lucinda F. Por uma gramática de Língua de Sinais. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro: UFRJ, 1995, p 272.
FERNANDES, Eulália. Problemas lingüísticos e cognitivos do surdo. Rio de Janeiro:
Agir, 1989, 134 p.
GOLDFELD, Márcia. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva
sociointeracionista. São Paulo: Plexus editora, 2002, 172p.
SKLIAR, Carlos (org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre:
Mediação, 1998. 192p.
SANTIAGO, Sandra A. S. Exclusão Mundial da pessoa com deficiência: Educação
para quê?. Tese de doutorado. João Pessoa: UFPB, 2009, 255p.
STROBEL, Karin & DIAS, Silvania. M. S. Surdez: abordagem geral. Rio de Janeiro,
FENEIS, 1995, 86p.
Sandra Alves da Silva Santiago
5559
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
A INCLUSÃO ESCOLAR NO ENSINO
FUNDAMENTAL: UM DESAFIO PARA
EDUCAÇÃO NO BRASIL
Suziane de Santana Vasconcellos
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Inclusão Escolar no Ensino Fundamental: um desafio para educação no Brasil
A INCLUSÃO ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL: UM DESAFIO PARA
EDUCAÇÃO NO BRASIL
Suziane de Santana Vasconcellos
(Proped / UERJ)1
RESUMO: Desde o início do século XX estudos são realizados no intuito de entender a
exclusão escolar e seus efeitos, contudo este trabalho busca compreender a exclusão e a
inclusão escolar através da relação entre professor/aluno e o desempenho escolar de
alunos do Ensino Fundamental. Este estudo utiliza os resultados preliminares do
trabalho de campo, ainda em andamento, realizado em uma escola pública do Estado do
Rio de Janeiro pelo Grupo netEdu (composto por alunos, professores e pesquisadores)
com o referencial etnográfico. E para fundamentar teórico-epistemológicometologicamente os temas de investigação que articulamos neste texto utilizamos,
principalmente, os seguintes autores: exclusão escolar (FREITAS, 2007; BOURDIEU,
2007), Inclusão escolar (SENNA, 2006, 2007; DUBET, 2009). E apesar da pesquisa
ainda está em andamento ela nos indica que na relação o professor e a escola podem
desempenhar um papel fundamental na mediação e na motivação da aprendizagem de
alunos e alunas do Ensino Fundamental, pois os mesmos podem buscar compreender a
diversidade, possibilitando oportunidades para que seus alunos desenvolvam a
aprendizagem, além de respeitar as necessidades e dificuldades encontradas pelos
mesmos que trazem conhecimentos a partir de suas experiências e convívios. E a partir
destes pressupostos neste texto busca-se contribuir para a discussão do tema inclusão
em sala de aula assim como exclusão e fracasso escolar.
PALAVRAS-CHAVE: Inclusão, Exclusão, Fracasso escolar.
Introdução
Um número significativo de crianças que apresentam problemas de
aprendizagem, desempenho considerado baixo pelo sistema escolar vem aumentando,
pois, é possível perceber, na maioria dos casos, o ambiente escolar se torna excludente,
onde o conhecimento dos alunos, de forma geral, não é respeitado e suas experiências
1
Aluna do curso de Mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro.
Suziane de Santana Vasconcellos
5563
Inclusão Escolar no Ensino Fundamental: um desafio para educação no Brasil
não são consideradas conhecimentos adequados para escola. Além disso, as dificuldades
e ritmos de aprendizagem dos alunos não são levadas em consideração, como se todos
tivessem o mesmo ritmo e nível de aprendizagem. Neste sentido, a inclusão escolar tem
sido um desafio para a educação, pois tem como proposta transformar uma escola
preparada para lidar com a homogeneidade dos alunos. Tal transformação propõe que o
sistema escolar esteja preparado para lidar com as heterogeneidades dos alunos,
respeitando suas diferenças individuais. Sendo assim, este sistema necessita de uma
mudança no cotidiano da escola, através de um planejamento pedagógico que leve em
conta a diversidade dos alunos no ambiente escolar. Logo, tal mudança pode configurar
este ambiente e proporcionar uma relação menos excludente e mais integrada às
estratégias de inclusão.
A relação inclusão e exclusão escolar
A inclusão escolar ainda é um forte ponto de discussão, pois ela continua sendo
um desafio para a educação, visto que ela confronta um sistema escolar criado para
atender alunos supostamente homogêneos, ou seja, possuem a mesma faixa etária, o
mesmo nível e ritmo de aprendizagem, onde o ensino é comum para todos. No entanto,
é sabido que cada aluno tem um ritmo de aprendizagem que este deve ser respeitado e
não, ao contrário, ser “punido” por sua dificuldade em acompanhar o ritmo dos demais.
Sendo assim é possível afirmar que o processo de inclusão se mostra uma educação sem
bloqueios, pois é preciso perceber que as pessoas são diferentes entre si e que podem
aprender conforme suas habilidades. Neste sentido Melo (s/d) afirma que a inclusão
implica uma mudança de paradigma educacional, que gera uma reorganização das
práticas escolares: planejamentos, formação de turmas, currículo, avaliação, gestão do
processo educativo.
Neste sentido, Senna (2006) afirma que se o professor, assim como a escola
pararem de encarar o estranho inusitado do comportamento do aluno, como alguma
coisa que ele possa fazer para deixá-lo irritado, porque a primeira reação que se pode ter
é que o aluno vai todo dia à escola para irritar o professor, ele não consegue encontrar
outra explicação. E, além disso, o aluno não quer aprender nada, nem assistir aula, só
vai lá para brincar, conversar e/ou bagunçar. Não, ele vai procurando alguma coisa, e se
o professor e/ou a escola olhar aquele sinal com objetivo, de que não é bagunça, não é
Suziane de Santana Vasconcellos
5564
Inclusão Escolar no Ensino Fundamental: um desafio para educação no Brasil
hiperatividade, muito menos coisa de anormal, mas sim um sinal de normalidade
possível a investigar. Porque quando se vê a “anormalidade” do aluno, como uma
normalidade possível o professor começa a investigar. Por que ele enxerga a
“anormalidade” como um normal possível, o seu olho denuncia que o professor precisa
ser parceiro do aluno, e não ser seu avaliador e quando ele passa a estabelecer um
vínculo com este aluno ele percebe que não é mais tão difícil dar aula.
“... trabalhando com a idéia de que é justamente aquilo no estranho,
naquilo que possivelmente me incomoda no comportamento daquele
aluno que está a chave para desvendar o problema da exclusão.”
(SENNA, 2006)
Portanto, é possível perceber que a educação inclusiva dever ser muito bem
definida e adaptada para não descriminar o aluno que ela deve incluir na vida social da
escola. Pois, segundo Freitas (2007) estão surgindo novas formas de exclusão e estas
estão sendo implementadas nos sistemas escolares e sobre elas não se tem muito
controle e conhecimento. Além disso, o autor afirma que a repetência é uma antiga
forma de exclusão e que agora ela se mostra unida a outras formas de exclusão mais
recentes desenvolvidas pelo sistema. “As novas formas de exclusão atuam agora por
dentro da escola fundamental. Adiam a eliminação do aluno e internalizam o processo
de exclusão” (FREITAS, 2007)
Neste sentido, Castro (2006) afirma que a maioria das propostas realizadas no
sistema escolar brasileiro foram produzidas para as realidades de outros países e quando
tais propostas são utilizadas no nosso sistema educacional os resultados não tem um
saldo tão positivo e com isso acarreta mais dificuldades para o sistema, a escola, e todos
os envolvidos, principalmente para os professores e os alunos. “De um lado, os
professores que não compreendem a idéia central da proposta e de outro, os alunos que
se tornam vítimas de propostas que não modificam o processo de ensino –
aprendizagem em favor do aluno.” (p. 26). Sendo assim, o resultado das práticas
pedagógicas nas escolas públicas brasileiras se mostram cada vez mais autoritárias e
injustas, promovendo a exclusão e injustiça social.
Deste modo, Carvalho (2001) afirma que todos os brasileiros estão imersos em
uma sociedade que tem grandes desigualdades de raça, classe e gênero, por isso os
mesmos estão marcados por essas desigualdades. Corroborando esta idéia Dubet (2009)
Suziane de Santana Vasconcellos
5565
Inclusão Escolar no Ensino Fundamental: um desafio para educação no Brasil
afirma que a educação é uma grande máquina que produz a desigualdade, pois a
educação se tornou uma competição esportiva onde todos começam a mesma base
inicial, mas o sucesso ou fracasso recebido ao longo da escolarização é mérito do aluno.
Contudo, essa competição no qual alguns alunos não obtiveram o sucesso esperado pelo
sistema escolar, produz alunos desmotivados que preferem buscar outros meios de obter
sucesso, pois de acordo com Dubet (2009) a escola humilha os que não obtêm sucesso e
demonstram que os mesmos merecem estar no lugar onde só há insucesso e deste modo
muitos deles acreditam nesta demonstração de fracasso e muitas vezes tais alunos vão
para a marginalidade.
No entanto, conforme Dubet (2009) afirma os alunos que não seguem as normas
escolares enfrentam diversos problemas dentro da escola, mas o maior deles é a falta de
motivação, onde o mesmo não se sente motivado para ir à escola, e /ou para estar na
mesma , pois “a escola se parece com uma escola, tem gosto de escola, mas não é uma
escola” (DUBET, 2009) e sim uma fábrica de competidores. Por isso, o mesmo autor
afirma que uma boa escola só pode ser julgada a partir do que ela faz com seus maus
alunos. Entretanto, é possível perceber que muitas vezes a o sistema escolar não sabe
como lidar com estes maus alunos e os retêm na escola, pois o baixo rendimento escolar
do aluno não o deixa cumprir as etapas escolares conforme exige o sistema e que de
acordo com Freitas (2007) estão diretamente ligadas à exclusão, visto que, a reprovação
está conectada a deficiência do aluno dentro da sala de aula, onde algumas crianças são
tratadas como incapazes de aprender, não tendo o direito de se expressarem, cabendo ao
professor inserir-lhes o “real” conhecimento. A não adaptação a esse conhecimento é
um problema do aluno, que por razões pessoais, emocionais, culturais, familiares, não
consegue se sair bem..
Portanto, a forma como o professor vê o aluno com dificuldade de aprendizagem
acaba muitas vezes por determinar a sua interação com ele, influindo necessariamente
na sua auto-imagem e nas representações a respeito de si mesmo, de seu desempenho
como aluno e de suas possibilidades de aprendizagem. Tais representações são
conhecimentos construídos na experiência escolar, mas que não são tão facilmente
notadas pelo o professor quanto aquilo que o aluno está aprendendo em suas aulas.
Logo, o professor demonstra desinteresse pó este aluno e se distancia, pois acredita que
ele não conseguirá aprender.
Suziane de Santana Vasconcellos
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Inclusão Escolar no Ensino Fundamental: um desafio para educação no Brasil
Sendo assim, é possível perceber que muitas vezes o professor se mostra
cada vez mais perdido em sua prática, pois, o mesmo está desacreditado e sem
confiança na sua formação e inicia suas aulas pensando que não conseguirá
ensinar nada para seus alunos, visto que, não se sente devidamente preparado para
ensinar e muitas vezes, considera sua formação falha, pois não obtém uma
construção de conhecimento e sim algumas informações sobre como ensinar “...no
lugar da construção de conhecimentos, o professor em formação recebeu
informações sobre como ensinar, num movimento em que a metodologia do
ensino e a engenharia técnica da mente humana preponderaram.” (SENNA, 2007)
Além disso, sua formação, na maioria, não o prepara para lidar com as
diferenças dentro da sala de aula, logo ele percebe que não está apto para lidar
com aquele aluno que tem dificuldade de aprendizagem, que tem um ritmo
diferente dos demais alunos, por que ele não desenvolve o conhecimento de
acordo com o sistema escolar. Logo, o professor se mostra apreensivo e
impaciente e prefere cumprir com seu programa (plano de aula) que estimulam os
alunos que se adaptam a escolarização regular. Com isso, o aluno com dificuldade
se sente cada vez mais impotente e incompetente dentro da sala de aula. Além de
estar com baixa estima o aluno nota o distanciamento do professor, que prefere
dar maior atenção aos alunos com um maior ritmo de aprendizagem. Pois, o
professor não consegue acompanhar o ritmo daquele que tem dificuldade de
aprendizagem, mostrando desestímulo e desinteresse com relação a este aluno,
isto é, desestimulando e deixando de orientar o mesmo que poderia fazer de
acordo com seus conhecimentos e ritmo o mesmo exercício que os demais. Além
disso, o professor se mostra tão preocupado em ensinar que algumas vezes
demonstra não tem paciência suficiente para esperar que o aluno aprenda.
Dificilmente aguarda as respostas do mesmo, e perde a oportunidade de
acompanhar sua estrutura de raciocínio espontânea.
Portanto, o professor e/ou a escola podem exercer um importante papel no
desempenho do aluno, pois, a percepção do professor e da escola a respeito de um
aluno com dificuldade é acatada pelos demais em um processo que leva a
estigmatizar este aluno e a possível exclusão escolar do mesmo. Neste sentido
Goffman (apud Castro 2006) esclarece que a ação de estigmatizar vem dos Gregos
Suziane de Santana Vasconcellos
5567
Inclusão Escolar no Ensino Fundamental: um desafio para educação no Brasil
que marcavam a pele das pessoas que deveriam ficar à margem da sociedade por
terem um status inferior aos demais tais como: ladrões, escravos e traidores.
Portanto, tais marcas mantinham os marginalizados longe das pessoas com um
status “normal” perante a sociedade. Entretanto, atualmente não se é mais usado a
marca na pela, mas existem outras formas de marcar e marginalizar as pessoas que
a sociedade considera inferior. Castro (2006) corrobora com a idéia afirmando
que:
“Na contemporaneidade, esta marca possui outras características: são
marcas que advém do campo simbólico e consideram não somente a
diferença no corpo físico, mas as diferenças sociais de um modo geral.
Nesse sentido, o estigma se configura como um mecanismo de
exclusão.” (p.86)
Deste modo a mesma autora nos fala que a exclusão acontece quando há uma
delimitação do espaço onde o marginalizado deve ocupar e com isso torna as vítimas do
estigma em pessoas invisíveis para a sociedade. E a escola vista como uma sociedade
pode marcar os alunos que não tem o resultado esperado por esta sociedade, ou seja,
quando os alunos com dificuldade em aprendizagem não se encaixam nas normas
impostas pela mesma eles são marcados e muitas vezes excluídos dessa sociedade.
No entanto, muitas vezes é possível perceber que a escola não busca aceitar,
respeitar tais particularidades, visto que a mesma não busca desvelar o problema da
exclusão conhecendo melhor seu aluno e demonstrando que acredita na sua capacidade
para desenvolver seus conhecimentos, sem excluir e/ou rotular o aluno com dificuldade
de aprendizagem. O que, na maioria se presencia na escola são professores que não
procuram estar em contato com a diversidade presente na sala de aula e na escola e não
buscam promover neste espaço propostas voltadas para a superação das desigualdades
educacionais de alunos e alunas em risco sócio-educacional.
Entretanto, os professores e as escolas podem fazer a diferença, mas não toda a
diferença, pois esta se refere à construção identitária, a cidadania global, escolaridade
como um bem em si e de escolaridade como um bom posicionamento. Pois, de acordo
com Castro (2006) Qualquer profissional, tem necessidade de desempenhar bem suas
atividades, porém ao ter consciência de sua importância perante a sociedade ele deverá
proporcionar aos seus alunos uma pedagogia voltada para a inclusão. Portanto, o papel
Suziane de Santana Vasconcellos
5568
Inclusão Escolar no Ensino Fundamental: um desafio para educação no Brasil
do professor é fundamental no processo de aprendizagem, pois e ele será “o mediador
entre as experiências individuais, sociais e acadêmicas de seus alunos” (p. 102).
Mas, os professores encontram cada vez mais dificuldade para ser este importante
mediador, pois o professor tem mostrado que existe uma grande dificuldade de
encontrar motivação para motivar os alunos e com isso muitas vezes há uma falta de
entendimento quanto à aplicabilidade da proposta da mediação na aprendizagem,
especialmente relacionada à retenção ou reprovação do aluno, e assim, na maioria,
acaba por contribuir com a exclusão no ambiente escolar, visto que o aluno muitas
vezes fica marcado pela retenção e repetência. Por tanto, muitas vezes para o aluno com
dificuldade estar na sala de aula implica apenas na sua presença física, pois o mesmo o
aluno não vê sentido na tarefa pedagógica, ou na real proposta da educação. Além disso,
a escola pode influenciá-los a diminuir suas pretensões e sem convicção e motivação,
pode acarretar em uma escolarização que os alunos acreditam não ter futuro. Sendo
assim, tais alunos não se sentem aptos para freqüentar a escola e muitas vezes a
abandona.
Por isso, se faz necessário uma proposta educacional onde a inclusão escolar não
signifique apenas perceber que o aluno se encontra desmotivado pelas barreiras que ele
se depara durante sua aprendizagem No entanto a escola e o próprio professor devem
buscar compreender a diversidade, possibilitando oportunidades para que seus alunos
desenvolvam a aprendizagem, além de respeitar as necessidades e dificuldades
encontradas pelos mesmos que trazem conhecimentos a partir de suas experiências e
convívios. Portanto, o professor e a escola que domina e procura respeitar tais condições
pode obter sucesso no desenvolvimento da competência de suas funções e também terão
possibilidade de refletir sobre sua própria prática, pois de acordo com Freire (1996) o
professor precisa ser reflexivo, ou seja, ele precisa refletir sobre a sua prática, sobre sua
formação e estratégias pedagógicas utilizadas dentro da sala de aula. Além disso, ele
também precisa ser humilde para admitir que é um ser humano que pode estar
equivocado em suas práticas e pode buscar problematizá-la afim de olhar a esta prática
criticamente. Além disso, a formação do professor necessita de enfoques nas dimensões
da cultura, política e práticas da inclusão escolar, visto que através da adequada
formação o professor pode buscar implementar dentro da sala de aula uma pedagogia
Suziane de Santana Vasconcellos
5569
Inclusão Escolar no Ensino Fundamental: um desafio para educação no Brasil
inclusiva, onde os alunos serão respeitados como indivíduos e avaliados de forma justa,
para que assim os mesmos encontrem a motivação de estar na escola.
Considerações finais
Neste trabalho foi possível perceber que a inclusão escolar continua sendo um
desafio para a educação, visto que ela confronta um sistema escolar criado para atender
alunos supostamente homogêneos. E com isso a inclusão pode gerar uma exclusão
contínua de alunos com ritmos de aprendizagem diferentes. Mas também, este trabalho
busca ampliar a discussão sobre a inclusão e a exclusão escolar tendo como principal
objetivo, alcançar uma reestruturação e configuração de um referencial conceitual de
estratégias inclusivas para a aplicação mais eficaz enquanto alternativa educativa, no
sentido de assistir ao processo de inclusão de alunos que se encontram em risco ou
situação de fracasso.
Referencias Bibliográficas:
BOURDIEU, Pierre. Escritos de educação. 9. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
CARVALHO, M. P. de. Estatísticas de desempenho escolar: o lado avesso. Educação
& sociedade, ano XXII, nº 77, 2001.
CASTRO, Paula A. Controlar para quê? Uma análise etnográfica da interação entre
professor e aluno na sala de aula. Rio de Janeiro, PROPEd/UERJ, 2006.
DUBET, F. I Encontro Nacional sobre Ensino de Sociologia – I ENESEB. Rio de
Janeiro, RJ, 2009.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo, SP: Paz e Terra, 1996.
FREITAS, L. C. de, Eliminação adiada: o caso das classes populares no interior da
escola e a ocultação da (má) qualidade do ensino. Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100
- Especial, p. 965-987, out. 2007.
MELO, Sandra Texto sobre o vídeo: A história das coisas. Tides Foundation Funders
Workgroup for Sustainable Production e Free Range Studios. The Story of Stuff. de
Annie Leonard (s/d).
Suziane de Santana Vasconcellos
5570
Inclusão Escolar no Ensino Fundamental: um desafio para educação no Brasil
NÓVOA, A. Entrevista com António Nóvoa – Professor pesquisador e reflexivo. TV
Brasil. 2001.
SENNA, L. A. G. II Colóquio Educação Cidadania e Exclusão – Rio de Janeiro. 2007.
SENNA, L. A. G.(org) Letramento Princípios e Processos. IBPEX – Rio de Janeiro.
2006.
Suziane de Santana Vasconcellos
5571
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
LEDOR/A QUALIFICADO/A DE PROVAS EM
TINTA PARA PESSOAS CEGAS (PC): UMA
PROPOSTA CURRICULAR INCLUSIVA
Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva
LEDOR/A QUALIFICADO/A DE PROVAS EM TINTA PARA PESSOAS
CEGAS (PC): UMA PROPOSTA CURRICULAR INCLUSIVA
Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães
Prof. Ms. do Instituto de Educação e Assistência aos Cegos do Nordeste-PB
RESUMO: Pesquisas sobre leitura voltam-se para a do aluno enquanto leitor
(KLEIMAN, 1989), descartando o/a professor/a ledor/a de prova para PC na escola
regular. Nossa experiência com PC campinenses mostra que instituições recrutam
leitor/a e não ledor/a. Embasada numa pesquisa qualitativa (MOREIRA, 2006) com
característica de microanálise (DENZIN, 2006), investigando a função de ledor das PC
e o seu atendimento especializado, registramos em áudio e vídeo a leitura de cinco
provas (transcritas) por duas ledoras. Entrevistamos-las de forma semiestruturada.
Assim, buscamos caracterizar a prova como um evento e salientar a função do/a ledor/a
com um currículo de ledor/a para um melhor atendimento às PC. Apoiamos-nos no
letramento (SOARES, 2000; STREET, 1984); na Sociolinguística - grade de fala de
Hymes (1972b apud SCHIFRRIN, 1994); em elementos da fala-em-interação, segundo
Drew/Heritage (1992 apud GARCEZ, 2006) e nas condições inclusivas (BEYER,
2005). Os dados mostram que, das ledoras, a detentora do currículo de ledora, atendia às
necessidades da PC, não só lendo, enquanto a outra, em desvio de função, as
comprometia.
PALAVRAS-CHAVE: Evento. Pessoa Cega. Currículo. Atendimento Especializado.
INTRODUÇÃO
Estudos na área da leitura têm voltado suas pesquisas para a prática de leitura do
aluno enquanto leitor que lê para si, (MARCUSCHI, 1989; KLEIMAN, 1989, 2004a,
2004b), não se voltando ao papel do/a professor ou outro profissional como um/a
ledor/a de prova para pessoas cegas (doravante PC). Estas pessoas estão sendo
admitidas na escola regular, no entanto, nossa experiência com elas no Instituto de
Educação e Assistência aos Cegos do Nordeste, situado em Campina Grande (PB),
mostra que não estão tendo o devido atendimento no que se refere à pessoa do/a ledor/a,
Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães
5575
Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva
vez que algumas instituições de ensino lhes dispõem de um/a mero/a leitor/a nos
momentos de avaliação escolar, ao invés de um/a ledor/a qualificado/a, ou seja, alguém
com o currículo de ledor/a para o trabalho da leitura.
Uma sociedade que atribui crime passível de punição quem impedir a matrícula
de uma pessoa com deficiência numa escola de sua comunidade, deve proporcionar uma
educação inclusiva - LDB 9.394/96 e a Resolução nº 2/2002 (BRASIL, 2004) - que
aponte um novo modelo de escola. Nesse modelo, merece atenção o tipo leitura e de
ledor/a proporcionados às PC, já que a prática de leitura em vigor é a do vidente 1 (não
em braile). Essas pessoas, ao se submeterem a provas (de ensino supletivo e de
universidade) planejadas para videntes, deparam-se, ora com ledores/as qualificados/as
para a função, ora com aqueles que, por falta de uma ledor/a qualificado/a, assumiram a
tal função (GUIIMARÃES, 2009). Enquanto no primeiro caso, tal prática atende às
necessidades educacionais da PC, sendo a leitura uma forma de inserção social
(PONTES, 2007), no segundo, não atende, pois a PC erra algumas questões em virtude
da má leitura efetuada.
Através de uma pesquisa2 qualitativa (MOREIRA; CALLEFFE, 2006) com
característica de microanálise (DENZIN; LINCOLN, 2006) com o objetivo de
investigar quem, no trabalho da leitura, exercia ou não a função de ledor/a das PC e o
tipo de inclusão a elas proporcionado, procedemos o registro em áudio e vídeo de
leituras de cinco provas (depois transcritas) realizadas por duas ledoras: ledora 03 (LD
03) – lia prova de Realidade Sócioeconômica e Política Brasileira; era estudante de
Comunicação Social com a função de ledora não só de provas, mas de livros e apostilas
para a PC - , e ledora 05 (LD 05) - lia provas de Português, Geografia, Ciências e
História; licenciada em geografia, inspetora da 3ª Região de Ensino do Estado da
Paraíba e sem a função de ledora da PC.
Após as leituras, realizamos entrevistas semiestruturadas (depois transcritas)
com as ledoras, cujas perguntas voltavam-se ao trabalho da leitura e as suas
inseguranças quanto ao fazê-lo. Para a transcrição das entrevistas, não seguimos
rigorosamente as normas de transcrição da conversa, conforme estudos da análise da
1
2
Termo utilizado para referir-se a pessoas com visão normal.
Este trabalho é parte de uma dissertação de mestrado intitulada “O desempenho do/a ledor/a em
situações de prova em tinta junto a pessoas cegas (PC)”, defendida na Universidade Federal de
Campina Grande, em 2009.
Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães
5576
Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva
conversação, porque nosso objetivo não era analisar características da conversa. Dessa
forma, seguimos a ortografia com indicação de pausas: as repetições eram registradas e
as pausas indicadas por três pontinhos.
Nesse contexto, o presente estudo busca caracterizar a prova como um evento
governado por regras, bem como salientar a função do/a ledor/a com um currículo de
ledor/a par o atendimento das necessidades da PC na escola regular. Os dados foram
analisados à luz de teorias do letramento (GUMPERZ, 1991; SOARES, 2000; VIEIRA,
2007; STREET, 1984); noções da Sociolinguística Interacional como a grade de fala de
Hymes (1972b apud SCHIFRRIN, 1994, p. 141-142) e dos elementos característicos de
uma fala-em-interação, segundo Drew e Heritage (1992 apud GARCEZ, 2006, p. 67) e
condições inclusivas (BEYER, 2005). São apresentadas a seguir: a caracterização da
prova como evento; a diferença entre leitor/a e ledor/a; o ledor/a; ledor/a coma função
de ledor/a e atendimento especializado; análise dos dados e considerações finais.
PROVA E EVENTO
A alfabetização, fenômeno antigo presente nos primeiros séculos após o
descobrimento do Brasil, limitava-se à alfabetização dos índios na cultura dos
portugueses. Nos anos pós-guerra do século XX, sendo o Brasil calcado numa estrutura
agrária, as propostas educacionais voltavam-se à alfabetização, processo suficiente no
ato da votação. Nessa situação, o texto era estudado apenas para assimilação do código
linguístico.
Uma crise neste tipo de alfabetização foi logo denunciada com a modernização
da sociedade tecnológica. Uma boa parcela daqueles que entram nas escolas, saem “sem
as habilidades de que precisam para garantirem um emprego regular e para lidarem com
seus próprios assuntos na sociedade (...)” (GUMPERZ, 1991, p. 62). Para o autor,
embora havendo mudança nos currículos para irem ao encontro das necessidades da
sociedade tecnológica, persiste a crise na alfabetização. As pessoas se alfabetizavam,
mas não estavam letradas para fazerem uso social da leitura, lendo uma conta de luz, ou
outro registro qualquer.
Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães
5577
Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva
O estudo desse novo fenômeno constitui as teorias de “letramento”3, (STREET,
1984) termo que circula no meio acadêmico a partir dos anos 80 do século XX. Há uma
diferença entre saber ler e escrever, ser alfabetizado, e viver na condição ou estado de
quem sabe ler ou escrever, ser letrado. Ser letrado não é só saber ler ou escrever, mas
fazer uso competente e frequente da leitura e da escrita. (SOARES, 2000, p. 36). Em
outras palavras, ler os textos nas várias situações de uso oral ou escrito (MARCUSCHI,
2001).
Tais situações de leitura variam, dependendo de quem lê e de elementos como:
objetivo da leitura que é dar acesso à PC a informação escrita na prova; conhecimento
do assunto (KLEIMAN, 1989), conhecimento do material a ser lido; tempo disponível
para leitura, de acordo com a instituição; formulação da resposta pela PC; e experiência
do/a ledor/a com aquele tipo de trabalho. Esse percurso era o responsável pela diferença
no evento, confirmando-se o fato de que a prova não se limitava a algo escrito, mas
constituía um evento que, segundo Vieira (2007, p. 71):
[..] é uma unidade básica que serve a propósitos descritivos e é
definida por Hymes (1986: 56) como atividades ou aspectos de
atividades, que são diretamente governadas por regras ou normas de
uso da fala.
Tais regras e normas que governam as atividades num evento nos levam a
estabelecer a diferença entre leitor/a e ledor/a.
LEITOR/A VERSUS LEDOR/A
Esclarecendo a noção de evento, Hymes propôs uma grade chamada Speaking
grid. Como o evento serve a propósitos e é definido por atividades ou aspectos de
atividades que o/a ledor/a vai pôr em prática, podemos distribuir, em um lado da
speaking grid (1972b, apud SCHIFRRIN, 1994, p. 141-142), os elementos constituintes
de um texto qualquer lido por um leitor, e, do outro lado, os elementos da prova
planejada para videntes e lida por um/a ledor/a para uma PC. Utilizando quatro
3
Na obra “Adultos não alfabetizados em uma sociedade letrada”, reedição modificada da publicação
anterior “Adultos não-alfabetizados: o avesso do avesso”, Tfouni (2006) considera que este termo
investiga não só quem é alfabetizado, mas também quem não o é.
Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães
5578
Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva
elementos dos oito que compõem a speaking grid: 1) circunstâncias; 2) participantes; 3)
propósitos; e 7) normas de interpretação, temos:
LEITOR/A
LEDOR/A
1) Leitor/a lê em qualquer lugar, de maneira
que não seja necessariamente institucional;
1) Ledor /a lê em locais institucionais, com
uma função específica;
2) Leitor/a lê para si;
2) Ledor/a lê para o outro/a;
3) Leitor/a lê com funções variadas;
3) Ledor/a lê para dar acesso à PC aquilo que
está escrito;
7) Interpreta o material a ser lido a partir de
seus conhecimentos prévios;
7) Ledor/a interpreta, levando em conta
normas institucionais ou lançando mão de
conhecimentos prévios (linguístico, textual e
de mundo).
Além da caracterização acima, Drew e Heritage (1992 apud GARCEZ, 2006, p.
67) argumentam que “a identidade institucional ou profissional dos participantes de
alguma forma se faz relevante para as atividades de trabalho nas quais eles estão
engajados”. Essa identidade se evidencia através dos elementos:
1) A interação institucional admite uma orientação de pelos menos um dos interactantes
para alguma meta;
2) Tal interação pode envolver limites particulares quanto ao que vão tratar;
3) A interação institucional pode associar-se a procedimentos típicos de contextos
institucionais.
A partir desses elementos, podemos perceber que o evento prova vai ''ser
influenciado pela relação que os/as ledores/as mantêm com as instituições para as quais
estão a serviço, ou seja, se estes/as têm o currículo de ledor/a ou não.
Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães
5579
Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva
LEDOR/A
COM
CURRÍCULO
DE
LEDOR/A
E
ATENDIMENTO
ESPECIALIZADO À PC
Levando-se em consideração que o currículo é “um dos ‘lugares‘ em que se
‘concede a palavra‘ ou se ‘toma a palavra‘ no jogo das forças políticas, sociais e
econômicas” (BERTICELLI, 2001, p. 168), o/a ledor/a com função de ledor/a, pode
fomentar a verdadeira inclusão em detrimento de uma falsa inclusão (CARVALHO,
2004). Segundo Orrico, Canejo e Fogli (2007, p. 133):
Há que se assegurar as condições de acessibilidade e adaptações
curriculares básicas para o processo de inclusão de educandos com
deficiência visual no ensino regular, com vistas ao seu sucesso no
desenvolvimento e aprendizagem.
Como “a avaliação do aluno cego pode ser feita, por exemplo, em Braille, [...]
com o auxílio de ledores [...], ou computador, com a utilização de softwares ledores de
tela” (ORRICO; CANEJO; FOGLI, 2007, p. 132), o que constitui uma atenção as suas
necessidades, apresentaremos, a seguir algumas condições necessárias à inclusão,
segundo Beyer (2005): a) individualização do ensino e b) educação subsidiária.
a) Individualização do ensino
À luz dessa condição, as PC são diferentes entre si, de maneira que o “ensino
deve ser organizado de forma que contemple as crianças em suas distintas necessidades”
(BEYER, 2005, p. 29). Isso é possível, segundo o autor, através da individualização dos
alvos, (ou seja, uma aula, num ambiente inclusivo, exige dos alunos exatamente o que
eles têm capacidade de demonstrar); a individualização da didática (de acordo com
Beyer, “é errado atender crianças em situação de diversidade da mesma maneira”); e
individualização da avaliação (princípio cuidadosamente praticado numa escola
inclusiva, pois não é admitida a comparação dos alunos).
Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães
5580
Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva
b) Educação subsidiária
Para Beyer (2005), trata-se de uma educação móvel, ou seja, aquela que não
existe senão como contraponto à escola regular. Tal existência orienta-se pelos
princípios da: a) comunalidade, (trata-se de educar, ao mesmo tempo, crianças com e
sem deficiência porque todas vivem numa sociedade em que todos nós temos tantas
coisas em comum); b) da necessidade (esse princípio orienta o educador a atender os
alunos de maneira que recebam uma educação apropriada às suas necessidades especiais
– esse direito não deve ser subestimado em prol da educação comum, ou seja, ele é mais
importante do que a educação comum); c) da proximidade (esse princípio é explicado
pela descentralização da ajuda especializada pedagógica, o que “pressupõe o apoio
pedagógico, e terapêutico, quando necessário, o mais próximo possível do espaço de
vida (escola, comunidade, família) da criança” (BEYER, 2001, p. 37).
ANÁLISE DOS DADOS
Considerando o componente “participantes”, constituinte da speaking grid como
necessários à realização do evento prova – que exige o cumprimento de regras e
procedimentos de aplicação - numa dada instituição de ensino, detectamos, por um lado,
ledor/a com a função de ledor/a e, por outro, ledora em desvio de função. A ledora 03
(LD 03) exercia a função de ledora da PC e já lia para ela não só provas, mas também
livros e apostilas:
P- Então, é sua função ler para D? Na prova de hoje tinha uma
citação e você não disse que era uma citação. Por quê?
LD 03- Não é só ler, porque além de ler, você...você tem que
estimular ele a escrever.[...]. LD 03- Esse tema a gente já vem
debatendo há muito tempo [...] a professora falou que a semana que
vem a gente vai fazer uma prova, a gente já é acostumado a fazer em
todo fechamento da sua matéria.
P - É tua função ler para D.?
Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães
5581
Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva
LD 03 - Não só ler..., mas estimular... ele a escrever... porque quando
você lê, você tá dando as pontuações, os parágrafos e isso na sua
cabeça você tem como memorizar. Para D. isso fica meio
fragmentado... [...].
(LD 03 – Entrevista realizada no dia 18/06/07).
Como sua função era ler para PC, a necessidade de ler ou não a citação contida
na prova de Realidade Sócioeconômica e Política Brasileira - “não existe país
desenvolvido nem subdesenvolvido, as atitudes individuais de cada cidadão determinam
o estágio de desenvolvimento de cada nação” - surgiu no momento da leitura. Isso
confirma o fato de que, como já era ledora (tinha essa função) e, portanto, consciente
desse trabalho, atendia às necessidades da PC, lendo estritamente o necessário numa
situação de prova.
Dessa forma, a ledora guiava a PC a tarefa-fim (DREW; HERITAGE, 1972
apud GARCEZ, 2006) de responder a prova, individualizando, conforme Beyer (2005),
seus alvos, sua didática, e sua avaliação. Conhecedora de que todo fechamento da
disciplina dava-se naqueles moldes, a ledora punha em prática uma educação
subsidiária, voltando-se exclusivamente a atender às necessidades da PC, qual seja a de
ganhar tempo numa situação de prova. Além disso, a ledora conhecedora das defasagens
da PC na escrita, estimulava-o a escrever (não só ler..mas estimular...a escrever...[...].
Isso mostra que a ledora qualificada atendia melhor as necessidades da PC na escola
regular.
Por outro lado, detectamos a ledora 05 (LD 05) em desvio de função e, portanto,
inexperiente no trabalho:
P- Quem indicou sua pessoa para ler as provas de hoje? Então é sua
função?
LD 05- [...] Como...como eu tenho que participar do processo de
provas porque o relatório final... tem que ter um inspetor... é
obrigatório ter um um inspetor [...] Então nesse caso, por falta de um
fiscal, eu estou aplicando... a... a prova especial.Não... não é minha
função.
P - Quando tem cegos inscritos vocês sabem antecipadamente?
Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães
5582
Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva
LD 05 - Olhe, é difícil... porque nós chegamos no no dia da
prova...mas
quando isso... acontece com antecedência, a própria
instituição é quem organiza este lado, uma sala .
(LD 05 – Entrevista realizada em 01/06/2008).
Nesse caso, percebemos que a ledora preencheu uma vaga não adequada a sua
função, qual seja a de inspecionar os trabalhos das provas do supletivo. Como não
exercia a função de ledora para PC, era destituída desse letramento, ou seja, era
alfabetizada, mas não letrada para fazer uso dessa prática de leitura emergente na
sociedade (“por falta de um fiscal, eu estou aplicando...a...prova especial”). A falta da
ledora qualificada demonstra um descaso por parte das autoridades educacionais com o
letramento das PC, mostrando que o currículo oficial toma a palavra das PC
(BERTICELLI, 2001) por ignorarem sua participação nas provas. Daí, conforme Drew
e Heritage, sua identidade profissional, comprometia o atendimento à PC, o que a
incapacitava de orientar o outro interactante (PC) a tarefa-fim de responder a prova
(GARCEZ, 2006), conforme seu papel na literatura especializada (ver nota de rodapé
1).
Dessa forma, diminuíam as chances da PC ser aprovada, pois a ledora, conforme
Beyer, nem individualizava o ensino, pois lia como se lesse para uma pessoa vidente,
nem praticava uma educação subsidiária através dos princípios: a) da comunalidade,
educando pessoas com e sem deficiência para uma sociedade em que todos nós temos
tantas coisas em comum; e b) da necessidade. Para Beyer, o atendimento à necessidade
da PC é um direito que não deve ser subestimado em prol da educação comum, ou seja,
ele é mais importante do que a educação comum. Tal direito é sonegado no momento
em a inspetoria ignora a existência de PC inscritas naqueles exames (P - Quando tem
cegos inscritos vocês sabem antecipadamente? LD 05 - Olhe, é difícil...).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebemos que, dos dois sujeitos da pesquisa, uma exercia a função de ledor/a
(LD 03), enquanto a outra (LD 05) ocupava função diversificada. Pelos dados
analisados, podemos afirmar que a função de ledor/a junto às PC de nossa pesquisa, não
Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães
5583
Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva
constitui uma função digna de atenção por parte das autoridades educacionais da região,
sobretudo aquelas responsáveis pelo ensino supletivo. Tal situação na Universidade
Estadual da Paraíba é mais favorável às PC, pois estas dispõem de ledores/as no mesmo
curso que lhes dão um certo atendimento.
A LD 03 com o currículo de ledora era consciente do trabalho que fazia, de
forma que atendia mais adequadamente às necessidades da PC, não se limitando a ler,
mas estimulando a PC a escrever, desenvolvendo melhor sua aprendizagem. Tal
comportamento não se repetia com LD 05, pois fazia às vêzes de uma leitora por falta
de um/a ledor/a qualificado. Esse procedimento pode ser interpretado como uma
demonstração de descaso em relação à escolaridade das PC, já que essa inspetoria tem o
controle do número de candidatos inscritos nas provas, inclusive os que têm
necessidades especiais.
É evidente que essa inspetoria de ensino, como órgão responsável pela
educação, deveria atentar para o currículo dos ledores/as que não se confunde com o de
um/a mero/a leitor/a. Fazendo às vêzes de um/a professor/a, o/a ledor/a - um dos três
elementos constituintes da didática (aluno, professor, conteúdo) – o/a ledor/a precisa ser
teórico-metodologicamente qualificado/a para a leitura junto à PC, o que aponta para
novas pesquisas voltadas ao seu letramento em detrimento do letramento hegemônico
em vigor na sociedade de videntes.
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Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães
5584
Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva
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APÊNDICE A
Entrevista realizada com a ledora 03 (LD 3) em 18/06/07
1 – Qual a sua vivência com a leitura?
Eu gosto de ler desde criança e gosto muito desde livros, jornais ... revistas. Desde que
eu comecei ficar com D. eu tenho que ler mesmo que não queira ler uma revista.... Isso
me estimula porque tenho quer passar os assuntos para ele.
2 – Porque você acha que lendo revistas vai ajudar a D.?
Porque ele faz comunicação... e ele trabalha numa rádio... comunitária e televisão... né,
mas os impressos eu acho que ela também precisa fazer parte na de revistas... os jornais
daqui... da região... na biblioteca a gente tem... Sempre que tem uma matéria
interessante... eu passo prá ele porque quando uma pessoa debate... pega um tema assim
ele não fica perdido e se entrosa no debate...
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8 – Quando ele já sabe o assunto, você acha melhor ler para ele?
Quando... ele sabe nos debatemos ali mesmo.Se a apostila for grande fica meio
cansativo porque ele vai ficar escutando quatro horas uma fita. Então entramos muna
conclusão que se a apostila for grande... e se o tema ele tiver um certo domínio... eu
leio, nos debatemos... e assim está dando resultado.
10 – É tua função ler para D.?
Não só ler... as estimular...ele a escrever...porque quando você lê...você tá dando as
pontuações... os parágrafos e isso na sua cabeça você tem como memorizar. Para D. isso
fica meio fragmentado... Ele não contextualiza às vêzes,então você precisa estimular...
ele a escrever a interpretar... Não é só o processo de leitura... às vêzes eu falo assim.”D.
não foi isso o que a professora explicou...mas foi exatamente isso... ai...eu explico
ajudo a ele a interpretar... tem que estimular.
13 – Na prova de hoje tinha uma citação, você não fez referência à mesma?
Esse tema agente já em debatendo há muito tempo... em todas as aulas...é uma coisa
muito repetida... e a professora fala ou que a semana que vem a gente vai fazer uma
prova a gente já está acostumado a fazer.. em todo o fechamento de sua matéria.
14 – Da forma como você lê ajuda a D. a responder?
Acredito que sim... né? Desde que a a gente começou...a trabalhar junto...teve uma
evolução...tanto da da parte dele com da minha... né? até porque como disse...prá
você...muitas vêzes eu não tenho como escapar de uma apostila... porque eu eu tenho
que ler prá poder passar prá ele. É um compromisso com ele... de qualquer... eu tenho
que estudar o conteúdo e da mesma forma ele.
APÊNDICE B
Entrevista realizada com a ledora 05 (LD 05) 01/06/08
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2 – Qual a sua formação?
Licenciatura Plena... em Geografia ...e tenho Especialização em Formação do Educador.
6 – Os professores específicos de que você fala se refere a cada disciplina?
Dependendo do caso.
7 – Que caso, por exemplo?
Olhe matemática... vamos dar um exemplo. Quando a prova de matemática é aplicada
pelo professor de matemática... ele lê com mais ênfase... os quesitos ... ele tem mais
uma.......quando É uma prova de Inglês... quando quem está aplicando é um professor de
Inglês...a prova fica mais...as perguntas ficam mais claras ...do que lido por uma
pessoa... que muito mal arranha... o Inglês... não é verdade?
10)Se você fosse ler uma prova de matemática?
Eu lia... o conteúdo...mas o entendimento...
12 – O entendimento ao qual se refere é da sua parte?
Da minha parte... de formular... a pergunta... De fazer mesmo que esteja lendo... mas às
vezes... nós precisamos ler com mais ênfase... de fazer uma leitura... digamos... com um
som... específico pra aquela pergunta... para aquela matéria.
13)Você recebeu alguma orientação para ler essas provas?
Não, não.
15 – Da forma como você lê acha que ajuda a PC a identificar a resposta?
Olha... o que posso fazer é o que fiz... que leio... uma...duas... às vêzes que ela ela
quiser... que ela precisar...para o entendimento dela...ela vai assimilando a pergunta...o
que posso fazer é ler prá prá que ela assimile... entenda para que ela dê a resposta.
16 – Em outras ocasiões você leu para PC.?
Já.
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19 – Quando tem cegos inscritos vocês sabem antecipadamente?
Olhe... é difícil... porque nós chegamos no no dia da prova...mas quando isso... acontece
com antecedência...a própria instituição é quem organiza este lado... uma sala .
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