Edição n°1193/1194: Índia - a maldição dos BRICS

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Edição n°1193/1194: Índia - a maldição dos BRICS
Núcleo de Educação Popular 13 de Maio - São Paulo, SP
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CRÍTICA SEMANAL DA ECONOMIA
www.criticadaeconomia.com.br
EDIÇÃO Nº 1194/5– Ano 28; 1ª e 2ª Semanas Junho 2014.
Índia: a maldição dos BRICS
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JOSÉ MARTINS.
Apenas alguns anos depois de a Índia ser exaltada como uma potência
econômica em ascensão destinada a alcançar, ou mesmo ultrapassar, a
China, o crescimento da economia desacelerou para um ritmo não visto
nos últimos dez anos. As consequências já começam a aparecer na
paisagem social.
Ocorre atualmente na Índia, o segundo país mais populoso do mundo, um
estranho fenômeno demográfico: massas imensas de trabalhadores urbanos
retornam para o campo porque não encontram mais condições de vida nas
grandes cidades industriais do país. A Índia sofre neste momento a mesma
síndrome de travamento dos demais parceiros dos BRICs e outras outrora
“economias emergentes”, como Turquia, México, Argentina, etc. Apenas alguns
anos depois de a Índia ser exaltada como uma potência econômica em ascensão
destinada a alcançar, ou mesmo ultrapassar, a China, o crescimento da economia
desacelerou para um ritmo não visto nos últimos dez anos.
A economia indiana se expandiu a uma taxa anualizada de 4,7% no quarto
trimestre de 2013, o que pode parecer grande para outras economias mais
industrializadas, mas é um recuo drástico para um país que chegou a crescer
11,4% em 2010. A inflação está elevada, trabalhadores não encontram emprego,
a industrialização e a urbanização emperraram. Para os indianos que acreditavam
na ilusão de melhorar de vida com o crescimento econômico da primeira década
do século, a desaceleração atual causou uma reviravolta quase total no seu
destino, levando-os de volta ao campo, a empregos e a uma forma de vida que
eles pensavam ter deixado para trás. Entre 2005 e 2012, os setores industriais e
de serviços da Índia decolaram e o emprego rural encolheu em 37 milhões de
trabalhadores. Economistas indianos agora projetam que o processo vai se
inverter e que, até 2015, haverá 12 milhões de pessoas a mais trabalhando na
agricultura do que havia em 2012.
GRANDE DEMAIS PARA CRESCER
– Fluxos populacionais em direção ao campo
cercado pelo capital é uma direção perigosa que os capitalistas indianos precisam
reverter para abortar grandes turbulências sociais. O mais recente plano
econômico quinquenal do governo, que cobre o período de 2012 a 2017, diz que
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a proporção de trabalhadores indianos no campo ainda é "grande demais" e
enfatiza a necessidade de estimular a criação de empregos fora da agricultura.
Caso contrário, segundo o diagnostico oficial, o país correria um enorme risco
político e econômico, à medida que a população em idade de trabalhar continua
aumentando. A Índia precisa criar empregos para as 90 milhões de pessoas que
vão entrar na força de trabalho nos próximos 15 anos.
Mas um crescimento econômico baseado na mais-valia absoluta e baixa
composição orgânica do capital (predominância do capital variável sobre o
capital constante) seria um problema maior e não uma solução. Os economistas
indianos mais esclarecidos dizem que um verdadeiro processo de industrialização
não pode ocorrer se os jovens trabalhadores ficarem condenados a empregos
relativamente improdutivos na agricultura, nos serviços e outras atividades
manufatureiras semi-manuais.
O regime capitalista indiano está na encruzilhada: continuar a lucrar com o
boom demográfico dos últimos vinte anos ou ser engolido por ele. Um retorno
em grande escala ao campo, como ocorre neste momento, é uma reviravolta
catastroficamente inviável para um país cuja história econômica parecia, até
recentemente, a de uma potência emergente no setor de tecnologia da
informação. Tratava-se, de fato, de uma equação desequilibrada: a agricultura
responde por 20% do PIB e 50% do emprego. Por outro lado, os alardeados
setores indianos de TI, finanças e outros serviços representam 50% da economia,
mas empregam apenas 25% da força de trabalho.
CONTRADIÇÃO IMPERMEÁVEL
– O ingrediente estratégico que está faltando é a
grande manufatura. Mesmo tratando-se de uma estratégia imperialista de
integração às cadeias produtivas globais. Como fizeram seus vizinhos asiáticos.
Na Ásia, fábricas espaçosas e reluzentes atraíram centenas de milhões de pessoas
do campo para as cidades. Mas a indústria indiana há anos gera apenas 15% do
PIB, sendo que a maior parte da produção vem de fábricas pequenas e de
baixíssima produtividade do trabalho. A Coreia do Sul e a Tailândia
ultrapassaram esse nível de industrialização em meados dos anos 70. Em ambos
os países, do mesmo modo que na China, a indústria hoje responde por quase
33% do PIB.
Por que a Índia não consegue ser um país predominantemente
industrializado, como seus parceiros dos BRICs, é uma coisa intrigante entre
economistas. Os liberais, com a ladainha de sempre e para qualquer lugar,
culpam os obstáculos que as empresas enfrentam na Índia, desde oscilações no
fornecimento de energia até leis trabalhistas rígidas e estradas esburacadas.
Bobagem. Outros menos repetitivos apontam para os privilégios oferecidos às
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grandes companhias em detrimento das pequenas e médias empresas. Mas não
são exatamente essas grandes empresas globais que faz falta?
Sobre as consequências deste processo truncado, porém, há quase um
consenso: enquanto a economia indiana não for capaz de criar os tipos de
empregos fabris que proporcionem produtividade e rendimentos adequados para
trabalhadores rurais de baixa qualificação, a maioria dos camponeses vai
continuar amplamente marginalizada das rotas do crescimento econômico. Em
1990, segundo o Banco Mundial, a fatia da população vivendo nas cidades da
Índia era a mesma que na China: pouco acima de 25%. Em 2012, a proporção era
de 32% na Índia e de 52% na China.
Entretanto, as condições miseráveis do crescimento econômico nas
grandes cidades já pesam na decisão dos migrantes de retornar para o campo. É
uma contradição impermeável a qualquer receita capitalista. O governo tenta
remediar. As famílias pobres indianas também têm direito a planos
assistencialistas de grande sucesso como no Brasil e demais países miseráveis do
mundo: compras mensais de alimentos a preços reduzidos e, desde 2008, todas as
famílias rurais têm garantidos cem dias de trabalho assalariado não agrícola,
geralmente na construção, obras de drenagem e outras atividades manuais.
Analistas dizem, cinicamente, que essa rede de assistencialismo social
reprime a urbanização ao prender os camponeses pobres a empregos de baixa
qualificação. De fato, há poucas razões para que a modernização do campo
aconteça sem o surgimento da grande indústria e se, simultaneamente, a
agricultura indiana não se tornar mais produtiva, quer dizer, mais mecanizada. A
produção da Índia por hectare é cerca de 30% a da China, que já é baixíssima, e
fica também bem atrás da produtividade das demais economias do Sudeste
Asiático. É por isso que a volta ao passado de uma podre estrutura agrícola de
massas imensas de trabalhadores urbanos, como ocorre atualmente, é
absolutamente inviável. Socialmente explosiva, pois as engrenagens materiais
não podem ser impunimente giradas para trás.
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