A Previdência Social como Direito Fundamental

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A Previdência Social como Direito Fundamental
A Previdência Social como Direito Fundamental
Fábio Zambitte Ibrahim
1. INTRODUÇÃO
O debate sobre a previdência social tem encontrado cada vez mais abertura no meio
acadêmico. Antes restrito a tecnocratas, esse sistema de proteção social finalmente tem
guarida na seara jurídica, decorrência natural de sua expressa previsão como direito social
no art. 6º da Constituição de 1988, aliada ao reconhecimento de sua jusfundamentalidade.
Tal avanço é perceptível pelo aumento da produção jurídica sobre a matéria nos últimos
anos, pois o estudo do direito previdenciário era algo limitado a poucos especialistas e de
escasso desenvolvimento. Um evidente reflexo desse passado inglório é o fato de essa
disciplina, até os dias de hoje, ainda não se encontrar entre as matérias obrigatórias na
maioria das faculdades de direito.
O debate previdenciário, quando limitado a questões puramente econômicas, acaba
deixando de lado um aspecto relevantíssimo da previdência social, que é sua função
protetora, capaz de garantir a vida digna dos trabalhadores e seus dependentes. Ademais, a
fixação de prestações previdenciárias, em razão das necessidades sociais, permite aos seus
beneficiários uma efetiva atuação no regime democrático, sendo ainda mecanismo concreto
para a garantia da liberdade real1.
1
Como aponta Peces-Barba Martinez, el primer argumento pues para defender su inclusión en la categoría
genérica de los derechos fundamentales, pasa por este reconocimiento de la conexión de los derechos
económicos, sociales y culturales, con la generalización de los derechos políticos. Su objetivo era la
igualdad a través de la satisfacción de necesidades básicas, sin las cuales muchas personas no podían
alcanzar los niveles de humanidad necesarios para disfrutar de los derechos individuales, civiles y
políticos, para participar en plenitud en la vida política y para disfrutar de sus beneficios. (Los derechos
econômicos, sociales y culturales: su génesis y su concepto. Revista Derechos e Libertades, del Instituto
Bartolomé de las Casas, p. 25). Também afirma o mesmo autor, em outra obra, que los derechos sociales
no séran sólo un remedio para la satisfacción de necesidades básicas, serán también un instrumento
imprescindible para convertir en real ese tenor generalizador, y para que todos puedan gozar de hecho de
los derechos individuales y civiles y participar, en igualdad de condiciones, en los derechos políticos.
(Derechos sociales y positivismo jurídico, p. 17).
Tais questões, por mais óbvias que possam nos parecer hoje, eram frequentemente
deixadas de lado, dadas as análises puramente econômicas do gasto previdenciário. É certo,
como se verá, que as questões financeiras e atuariais são relevantes e devem ser
consideradas, até por expressa previsão constitucional (art. 201, caput), mas o efetivo
reconhecimento da eficácia normativa da Constituição impõe uma visão mais abrangente.
De início, é mister uma digressão sobre a previdência social, expondo suas origens e
principais características, permitindo, assim, a exclusão de pré-compreensões equivocadas
sobre o tema.
2. PREVIDÊNCIA SOCIAL: SURGIMENTO E EVOLUÇÃO
Como usualmente reconhecido, o surgimento da proteção social foi propiciado pela
sociedade industrial, na qual a classe trabalhadora era dizimada pelos acidentes do trabalho,
a vulnerabilidade da mão de obra infantil, o alcoolismo, etc. Há uma insegurança
econômica excepcional pelo fato de a renda desses trabalhadores ser exclusivamente obtida
pelos seus salários. Ademais, a lei da oferta e da procura mostra-se, neste estágio, perversa,
haja vista a enorme afluência de pessoas da área rural para as cidades2.
A previdência social origina-se, então, das lutas por melhores condições de trabalho, as
quais resultaram em diferentes sistemas protetivos, de acordo com as situações de cada país
envolvido. Alguns limitaram a proteção ao necessário à sobrevivência, enquanto outros
foram além, buscando implementar até a substituição plena da remuneração. Tais variações
colocam em destaque as diferentes estruturas dos sistemas de proteção. Basicamente, todos
buscavam uma previdência social como garantia, ao menos, do mínimo vital, de modo
viável financeiramente3.
Tal sistema de proteção social germina na concepção de socialismo de Estado4, de
modo a provocar uma linha de resistência às concepções socialistas que cresciam no século
2
Cf. DUPEYROUX, Jean-Jacques. Droit de la sécurité sociale, p. 16-17. Cf., também, BONAVIDES, Paulo.
Do estado liberal ao estado social, p. 186.
3
Cf. KORPI, Walter. Contentious institutions: an augmented rational-action analysis of the origins and path
dependency of welfare state institutions in the western countries. Rationality and Society, p. 3. Disponível
em http://www.sofi.su.se/4-2000.pdf. Acesso em: 11 maio 2005.
4
Cf. DURANT, Paul. La política contemporánea de seguridad social, p. 105.
XIX, mediante a cooperação entre empregados e empregadores. Nesse contexto surgiu,
inicialmente, o modelo bismarkiano de previdência social, o qual adotara técnicas
semelhantes aos seguros comerciais e atividades mutualistas, mas com melhoramentos5.
A reforma de Bismark, na Alemanha, iniciou-se com o famoso projeto enviado ao
Reichtag em 17 de novembro de 1881, criando uma nova concepção de Estado, o qual
também passaria a deter a missão de promover positivamente o bem-estar, ainda que de
modo limitado – inicialmente, os benefícios eram restritos aos trabalhadores da indústria
que recebiam valores inferiores a determinado piso6. Longe de refletir uma preocupação
governamental com os mais desprovidos, veio como freio ao crescimento das doutrinas
socialistas. Sem embargo, aqui, efetivamente, o Estado passou a ter também obrigações
positivas, exigindo cotizações forçadas dos trabalhadores da indústria e fixando o benefício
previdenciário como direito subjetivo. No período entre guerras, em razão da diversidade
de problemas sociais, novas ações foram criadas, como a ampliação das pessoas protegidas,
maior financiamento e até mesmo maior participação do Estado.
Posteriormente, surgiu o Social Security Act, em 1935 nos Estados Unidos, com
abrangência mais ampla que os antigos sistemas de seguro social7, maior cobertura de
pessoas e necessidades sociais. Logo após há o conhecido Plano Beveridge, na Inglaterra de
5
Cf. NEVES, Ilídio das. Direito da segurança social, p. 150. Como também explica Paul Durant, em maiores
detalhes, os sistemas de seguro social tiveram como precedente o alemão, criado a partir de 1883. A
Alemanha iniciou a evolução por diversos motivos, tais como: a ampliação da população com grande
concentração nos centros urbanos, derivativo da incipiente industrialização. Ademais, há precedentes
históricos que facilitavam a criação do seguro social, pois a Prússia, desde 1810, já previa o ônus protetivo
dos empregadores. Por fim, o rápido crescimento do proletariado, com cada vez mais representantes
comunistas eleitos no Parlamento, produziu razoável inquietação em Bismark, que iniciou o processo de
criação e expansão dos direitos sociais (La política contemporánea de seguridad social, p. 104). Conforme
lembra Dupeyroux, o ambiente era favorável na Alemanha ao surgimento do seguro social, em razão de
motivos econômicos (migração elevada para a área urbana), jurídicos (precedentes prussianos do seguro
contra acidentes), ideológicos e políticos (Droit de la sécurité sociale, p. 23).
6
Cf. DUPEYROUX, Jean-Jacques. Droit de la sécurité sociale, p. 23.
7
No Brasil, as expressões “seguro social” e “previdência social” são usadas comumente como sinônimas,
muito embora a previdência social seja uma forma de seguro social mais evoluída, em razão da maior
abrangência de proteção, com maior clientela e mais ampla gama de riscos sociais cobertos, que permitem a
inclusão de eventos venturosos, como encargos familiares. Todavia, aqui não se fará tal distinção, pois o
seguro social moderno já demanda essa compreensão alargada. Convém ressaltar, também, que
mecanismos protetivos mais restritos já existiam desde épocas remotas, como as leis dos pobres (poor laws)
no Reino Unido e seguros compulsórios na Prússia (cf. HENNOCK, E. P. The origin of the welfare state in
England and Germany, 1850-1914. New York: Cambridge, 2007, p. 3). Também são frequentemente
citadas as sociedades mutualistas existentes desde a Antiguidade, como as associações na Grécia e Roma,
denominadas de collegia ou sadalitia, formadas por pequenos produtores e artesãos livres, com no mínimo
três indivíduos, os quais contribuíam para um fundo comum, cuja destinação principal estava voltada para
os custos dos funerais de seus associados (cf. ALMANSA PASTOR, Jose Manuel . Derecho de la
seguridad social, p. 111-112).
1942, com a proposta de universalização, integração das prestações de previdência e
assistência, uniformização das prestações, organização autônoma da saúde, maior
financiamento, incluindo do Estado, além da criação de regimes complementares8. No
regime inglês, até pela menor influência da Igreja Católica, houve a preponderância da
liberdade de mercado e a ênfase na autoproteção, com uma cobertura mínima para todos os
cidadãos9.
No Pós-Guerra, surgiu uma tendência universalizadora do seguro social, com base
nas premissas teóricas do Plano Beveridge10. As maiores taxas de natalidade e crescimento
econômico geraram a euforia protetora, com a consequente universalização da clientela,
8
Cf. NEVES, Ilídio das. Direito da segurança social, p. 150. Paul Durant, também com relação ao Plano
Beveridge, parte da premissa de dois defeitos da legislação: insuficiência e complexidade. A realidade
inglesa, por ocasião do relatório, era que significativa parte da população encontrava-se em dificuldade, em
especial devido ao desemprego ou incapacidade para o trabalho, e aliado ao fato de ausência de um seguro
desemprego eficaz e benefícios acidentários adequados. O plano pretendia a extensão da proteção para
todos, incluindo trabalhadores por conta própria, que eram excluídos do sistema vigente. Visava assim a
generalização do sistema. Da mesma forma, colimava atender a todos os riscos sociais e a exclusão de toda
e qualquer carência para benefícios por incapacidade e desemprego. Todavia, como reconhece este Autor, a
iniciativa estatal não deve suprimir a responsabilidade individual sobre a proteção social (La política
contemporánea de seguridad social, p. 159).
9
Cf. KORPI, Walter. Contentious institutions: an augmented rational-action analysis of the origins and path
dependency of welfare state institutions in the western countries. Rationality and Society, cit., p. 3.
10
O Plano Beveridge foi elaborado por comissão interministerial de seguro social e serviços afins, nomeada
em julho de 1941, com o objetivo de trazer alternativas para os problemas da reconstrução no período pósguerra. O término do trabalho deu-se em novembro de 1942. O plano teve grande mérito por tratar-se do
primeiro estudo amplo e minucioso de todo o universo do seguro social e serviços conexos. É nesse
relatório que se questiona a proteção do seguro social restrita aos empregados, pois todo e qualquer
trabalhador deve ser objeto de proteção. O trabalho desenvolvido por Beveridge continha alguns princípios,
sendo os principais: 1. Inovação total do trabalho, com o rompimento de conceitos passados, a partir da
experiência – o plano deveria deixar de lado os paradigmas existentes e buscar novos horizontes para a
proteção social. 2. Amplificar a relevância do seguro social como fator de evolução social – para o
relatório, os avanços tão desejados pela sociedade somente seriam possíveis com a melhoria do sistema
previdenciário, por ser este verdadeiro arcabouço de todo o sistema protetivo de um Estado. 3. Cooperação
entre indivíduo e Estado – as pessoas que se utilizam do sistema são as principais interessadas em seu
perfeito funcionamento e, por isso, devem sempre participar da administração deste e da formulação de
novas estratégias sociais. 4. Novas idades para a aposentadoria – em virtude do aumento generalizado da
expectativa de vida, o Estado deveria conceder aposentadorias com idades mais avançadas, de modo a
manter a estabilidade do sistema. 5. Plano de alcance universal – a rede protetiva formulada pelo Estado
deveria ser dotada de alcance amplíssimo, isto é, atender toda a sociedade e protegê-la contra todo tipo de
infortúnio. Daí vem a ideia de proteção from the cradle to the grave, ou seja, do nascimento à morte. 6.
Assistência social completando as lacunas do seguro social – este princípio vem evidenciar a evolução
então adotada. A previdência social, por si só mais evoluída que o seguro social, teria ainda mais
componentes assistenciais, de modo a atender parcelas excluídas da sociedade, como as pessoas carentes e
desempregadas. Após a exposição de seus princípios, Beveridge explicita as conclusões. Entre as mais
importantes, pode-se citar a necessidade do seguro social compulsório e a adoção da tríplice fonte de
custeio, com contribuições de empresas, trabalhadores e governo. (Cf. BEVERIDGE, Lord William. O
Plano Beveridge: relatório sobre o seguro social e serviços afins. Tradução de Almir de Andrade. Rio de
Janeiro: José Olympio, 1943)
sem maiores distinções em razão das atividades econômicas, privilegiando a solidariedade.
O financiamento distanciou-se da técnica de capitalização, com a repartição simples,
trazendo evidente enfraquecimento do aspecto atuarial do sistema protetivo11. No sistema
beveridgiano, as prestações pagas pelo sistema são desvinculadas da real remuneração do
trabalhador, ao contrário do sistema bismarkiano, no qual a prestação é relacionada à
cotização.
Esses são, em apertada síntese, os pressupostos históricos que permitiram a
formação teórica plena do Welfare State, que se iniciara com Bismarck, e tem íntima
ligação com a previdência social. Todavia, em razão do excessivo crescimento do sistema,
é com alguma perplexidade que o mundo assiste um retorno aos modelos bismarckianos de
seguro social, haja vista seu maior comprometimento com o equilíbrio financeiro e atuarial.
Ou seja, com a crise do Welfare State12, o que se constata, em âmbito mundial, é
uma mescla dos sistemas bismarkiano e beveridgiano, com a adoção recíproca de
características até então estranhas, como a securitização do esquema beveridgiano13, ou
seja, a fixação de benefícios calculados também em relação às contribuições individuais.
Tem-se o exemplo da Suécia, que migrou de um sistema original beveridgiano para um
modelo híbrido, adotando um segundo pilar estatal compulsório, de repartição e
relacionado às remunerações, reduzindo a importância do primeiro pilar, que se limita,
desde então, à garantia do mínimo existencial14.
Isso é de especial importância para que se possa entender o motivo de alguns países
adotarem um sistema complementar de previdência compulsório – são, em verdade,
Estados que adotavam o esquema beveridgiano de proteção social, mas acabaram por
migrar, em parte, para o sistema bismarkiano (que seria o 2º pilar), mantendo o primeiro
11
Cf. NEVES, Ilídio das. Direito da segurança social, p. 150. Ressalte-se que a questão do regime de
financiamento da previdência pública é problemática, pois há quem entenda, com alguma razão, que o
Estado, por ser, em regra, um mau alocador de recursos, dificilmente administraria de modo competente um
sistema capitalizado, justificando a primazia da sistemática de repartição simples, em que há o pacto
intergeracional – a geração presente contribui e sustenta a geração passada, já aposentada. Nesse sentido, cf.
http://www.bresserpereira.org.br/papers/1995/98. ReformaAparelhoEstado&Constituicao.pdf. Acesso em:
em 30 out. 2007. Da mesma forma, os benefícios financiados por repartição simples são de extrema
relevância para a concessão de benefícios de risco, como incapacidades derivadas de doenças ou acidentes.
12
Por todos, cf. a clássica obra de Pierre Rosanvallon, A crise do Estado-Providência (Goiânia: UnB, 1997).
13
HINRICHS, Karl. Ageing and public pension reforms in western Europe and North America: patterns and
politics. In: CLASEN, Jochens (Org.). What future for social security? Debates and reforms in national and
cross-national perspective, p. 158.
14
Sobre o tema cf. SWEDISH SOCIAL INSURANCE AGENCY. Social insurance. Disponível em
<http://www.forsakringskassan.se/sprak/eng/engelska.pdf> Acesso em: 5 out. 2007..
pilar como valor mínimo assegurado a todos. Até mesmo o Reino Unido, berço da
concepção beveridgiana de proteção social, fez tal mutação, sendo, todavia, dada maior
ênfase ao sistema privado de previdência complementar15.
Por isso a análise de um sistema protetivo qualquer deve ser feita de acordo com o
aspecto histórico que propiciou sua criação e, também, tendo em conta que as alterações
sempre são feitas de modo extremamente lento, em razão da grande estima desses sistemas
perante os cidadãos. Daí serem inadequadas e simplórias as meras análises de gastos do
sistema diante do PIB, já que isso não leva em consideração as origens históricas dos
diferentes regimes16. Não obstante, são frequentes as análises da questão previdenciária
sobre quesitos eminentemente financeiros, em especial a proporção do gasto previdenciário
diante do produto interno bruto do país, como se a questão econômica fosse a única
envolvida17.
Países com antiga tradição de seguro social, como o Brasil, encontram, como era de
se esperar, grande dificuldade em migrar para um sistema capitalizado e individual de
previdência, especialmente em razão do encargo das gerações passadas, sendo por isso
impossível aplicar as teorias tão conhecidas do Banco Mundial18. Ademais, tal migração
não condiz com benefícios cujo evento determinante seja imprevisível, como doenças e
acidentes, os quais demandam um grau de solidariedade maior do sistema.
Pela experiência internacional, percebe-se que reformas bem-sucedidas em
contenção de gastos não se originam de cópias de modelos adotados alhures, mas, sim, de
acordo com as possibilidades políticas existentes, de acordo com o consenso formado. Esse
consenso pode ser alcançado por meio de uma comissão de reforma, como feito nos
15
Sobre o tema, cf. THE PENSION SERVICE: a guide to your pension options. Disponível em:
<www.thepensionservice.gov.uk>. Acesso em: 13 ago. 2005.
16
Cf. HINRICHS, Karl. Ageing and public pension reforms in western Europe and North America: patterns
and politics. In: CLASEN, Jochens (Org.). What future for social security? Debates and reforms in national
and cross-national perspective, p. 161. No mesmo sentido, apontando o necessário cuidado diante dos
diferentes regimes protetivos, cf. MERRIEN, François-Xavier; PARCHET Raphael; KERNEN, Antoine.
L’état social: une perspective internacionale. Paris: Dalloz, 2005. p. 254.
17
Ironicamente, mesmo nessa abordagem restrita e incompleta, os autores não parecem chegar a um acordo,
ora apontando uma desproporção na relação gasto versus receita, ora visualizando uma situação de
equilíbrio. Sobre a primeira concepção cf. GIAMBIAGI, Fábio. Reforma da previdência. Rio de Janeiro:
Campus, 2007. Em sentido diverso, GENTIL, Denise Lobato. A falsa crise do sistema de seguridade social
no Brasil. 2007. Tese (Doutorado em Economia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de
Janeiro, 2007.
18
As teorias e os diversos textos no BIRD não cabem nesse curto texto. São diversas obras de variados
autores, em geral defendendo uma participação mínima do Estado. Para uma ideia geral, cf. HOLZMANN,
Robert; PALMER, Edward (Org.). Pension reform. Washington: The World Bank, 2006.
Estados Unidos (1983), Alemanha (1992) e Suécia (1990), dentre outros – permitindo o
debate técnico, e não meramente político da reforma19. Essa é uma das questões usualmente
mal abordadas nos debates pátrios sobre previdência social, pois qualquer formação
previdenciária duradoura carece de um consenso formado democraticamente, de modo a
legitimá-lo.
Em resumo, na concepção atualmente dominante, pode-se vislumbrar a previdência
social como um seguro sui generis, pois impõe, em regra, a filiação compulsória, além de
possuir natureza coletiva e contributiva, equilibrada do ponto de vista financeiro e atuarial,
amparando seus beneficiários contra as necessidades sociais mediante a repartição dos
riscos no grupo de segurados, em uma sistemática de solidariedade forçada.
A previdência social, na acepção bismarkiana, tem uma evidente correlação com a
técnica do seguro, pois cabe ao interessado, em regra, efetuar o pagamento do prêmio à
seguradora visando a eventual indenização. Evidentemente, o seguro social apresenta
algumas especificidades, como a cotização forçada e a existência de riscos previsíveis (e.g.,
idade avançada) entre as necessidades sociais cobertas.
As necessidades sociais refletem os riscos cobertos pelos regimes protetivos, como as
incapacidades para o trabalho relacionadas a eventos imprevisíveis (doenças e acidentes);
ou previsíveis, como a idade avançada. Ademais, ainda abrange outras situações estranhas à
ideia de infortúnio, como a maternidade, por isso criticável a tradicional concepção de
riscos sociais, sendo mais abrangente o termo necessidade social20. Outros, como Paul
Durant, atendo-se à terminologia tradicional, afirmam que o qualificativo de risco pode ser
utilizado também para acontecimentos venturosos21.
19
A importância do consenso democrático tem sido bem-desenvolvida na doutrina pátria, como se percebe
em SOUZA NETO, Cláudio Pereira: A teoria constitucional e democracia deliberativa: um estudo sobre o
papel do direito na garantia das condições para a cooperação na deliberação democrática. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006. No mesmo sentido, HINRICHS, Karl. Ageing and public pension reforms in western
Europe and North America: patterns and politics. In: CLASEN, Jochens (Org.). What future for social
security? Debates and reforms in national and cross-national perspective, p. 173-175.
20
Cf. ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma concepção moderna de risco social. Revista de Direito
Social, São Paulo, n. 14, 2005.
21
Cf. DURANT, Paul. La política contemporánea de seguridad social, p. 55.
3. A JUSFUNDAMENTALIDADE DA PREVIDÊNCIA SOCIAL E A RESERVA DO
POSSÍVEL ATUARIAL
Como se sabe, a questão do alcance dos direitos fundamentais sempre trouxe e ainda
traz alguma celeuma, seja quanto à inclusão de direitos prestacionais, seja quanto à
amplitude desses direitos, não somente em razão da possível sinonímia com os direitos
sociais, mas também, especialmente, das limitações orçamentárias do Estado.
Nesse debate se situa a previdência social, tradicional mecanismo de proteção diante
das adversidades da vida. A previdência social, no direito positivo brasileiro, é fixada como
componente da seguridade social, haja vista a previsão do art. 194 da Constituição. Da
mesma forma, é tradicionalmente apontada como direito humano de 2ª geração22,
configurando garantia positiva típica do Estado Social. Ainda, é direito social fixado no art.
6º da Constituição brasileira, geograficamente localizado no Título Dos Direitos e
Garantias Fundamentais.
A fixação constitucional do tema é relevante, pois, não obstante os ideais propalados de
liberdade, igualdade e fraternidade, a preponderância do primeiro no constitucionalismo
moderno foi quase que absoluta, até pelo fato de a Revolução Francesa ter sido
marcadamente burguesa. Por óbvio, pressões sociais determinaram uma mudança na
concepção vigente, trazendo a necessidade da participação mais ativa do Estado,
especialmente com o advento da sociedade industrial, na qual o salário passa a ser a
principal (quando não exclusiva) fonte de subsistência do trabalhador e sua família. A
previsão normativa é reflexo dessa evolução histórica.
A devida tutela aos trabalhadores em face dos riscos sociais, como velhice, doenças e
acidentes, em conjunto com os encargos familiares, ganha corpo. Nesse novo contexto,
ganham evidência os direitos prestacionais, que se mostram necessários para a efetiva
22
Sabe-se da conhecida a inadequação dessa subdivisão dos direitos fundamentais ou humanos em gerações
ou dimensões não somente pela necessidade de convivência conjunta destes, mas, especialmente, pelo fato
de os direitos de solidariedade partirem da premissa de um novo contrato social entre desiguais, visando à
garantia de igual oportunidades para todos, enquanto os direitos clássicos relativos à liberdade formal são
oriundos de um contrato social entre iguais. Ademais, no plano internacional, os mal chamados direitos de
2ª geração foram fixados em primeiro lugar, bastando lembrar a ação da OIT no sentido da implementação
de direitos sociais desde 1919. (Nesse sentido, cf. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção
internacional dos direitos humanos, p. 41; e QUINTANA, Fernando. La ONU y la exégesis de los derechos
humanos: una discusión teórica de la noción, p. 263).
implementação da liberdade real. Essa evolução foi indicada supra, na esteira do progresso
da previdência social.
Os direitos sociais devem ser necessariamente coligados aos direitos clássicos de 1ª
geração, visando à isonomia e à própria liberdade. Ninguém teria efetiva liberdade de
expressão e pensamento se o Estado não patrocinasse a educação básica para todos.
Igualmente, o direito à vida seria uma fantasia sem um atendimento médico universal
mínimo. Da mesma forma, a imposição constitucional de amparo aos idosos (art. 230) seria
uma falácia sem um sistema viável de previdência social.
No entanto, em posição contrária à jusfundamentalidade dos direitos sociais, há quem
entenda que esses direitos, não tendo status negativus e dependendo de concretização
legislativa, se afastariam da noção de direitos fundamentais, não gerando, por si sós,
direitos a prestações positivas do Estado. Seriam princípios de justiça, normas
programáticas, dependendo da disponibilidade orçamentária do Estado e encontrando-se
sob a reserva do possível23.
Todavia, apesar de a questão do financiamento ser um elemento a ser sopesado na
aplicabilidade desses direitos, não há como vincular sua jusfundamentalidade à boa vontade
do Legislador Ordinário, que poderia fixar recursos a seu bel-prazer, com base em uma
argumentação pseudodemocrática. Como bem aponta J. J. Canotilho, “a reserva dos cofres
do Estado coloca problemas de financiamento, mas não implica o grau zero de
vinculatividade jurídica dos preceitos consagradores de direitos fundamentais sociais”.24
23
Nesse sentido, cf. TORRES, Ricardo Lobo (Org.). Legitimação dos direitos humanos, p. 269. O mesmo O
autor analisa três posicionamentos relativos à fundamentalidade dos direitos sociais: a) a tese do primado
dos direitos sociais; b) a tese da indivisibilidade dos direitos humanos; c) as teses da redução dos Direitos
Fundamentais Sociais ao Mínimo Existencial. Para o autor, “a jusfundamentalidade dos direitos sociais se
reduz ao mínimo existencial, em seu duplo aspecto de proteção negativa contra incidência de tributos sobre
os direitos sociais mínimos de todas as pessoas e de proteção positiva consubstanciada na entrega de
prestações estatais materiais em favor dos pobres. Os direitos sociais máximos devem ser obtidos na via do
exercício da cidadania reivindicatória e da prática orçamentária, a partir do processo democrático.” (A
jusfundamentalidade dos direitos sociais. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo
Estado do Rio de Janeiro, p. 349-374).
24
CANOTILHO, J. J. Metodologia “Fuzzy” e “Camaleões Normativos” na problemática actual dos direitos
econômicos, sociais e culturais. In: _____. Estudos de direitos constitucionais , p. 109. Aponta também
esse autor a questão sempre omitida dos custos gerados pelos direitos clássicos de liberdade, pretensamente
negativos. Comentando o assunto, Ingo Sarlet lembra que “a Corte Constitucional alemã firmou
jurisprudência no sentido de que a prestação reclamada deve responder ao que o indivíduo pode
razoavelmente exigir da sociedade, de tal sorte que, mesmo em dispondo o Estado dos recursos e tendo o
poder de disposição não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do
razoável. Assim, poder-se-ia sustentar que não haveria como impor ao Estado a prestação de assistência
social a alguém que efetivamente não faça jus ao benefício, por dispor, ele próprio, de recursos suficientes
Ademais, todos os direitos trazem encargos ao Estado e por isso já seria discutível tal
constatação. Ou seja, apesar da limitação orçamentária ser um evidente vetor de
aplicabilidade dos direitos sociais, o são como em qualquer outro direito, mesmo nos
direitos pretensamente negativos, que não demandariam financiamento25. Igualmente válida
é a constatação que os direitos sociais também possuem dimensão de defesa, impedindo,
por exemplo, a exclusão de direitos já assegurados, dentro da concepção plenamente aceita
da vedação do retrocesso.
Por isso Robert Alexy aponta para a diferença estrutural entre os direitos a prestações,
que consistiriam em mandados, enquanto os direitos de defesa seriam proibições. Estes,
como direitos negativos, teriam fácil configuração, já que vedam qualquer conduta
violadora do direito, mas aqueles já seriam mais complexos, haja vista ser impossível
admitir-se a exigibilidade de toda e qualquer conduta que se atinge o fim proposto26. Ou
seja, ainda que haja maior margem de manobra política para ação necessária à
implementação do direito à prestação, isso não significa, por certo, excluir sua
jusfundamentalidade. Aliás, isso explica o fato de diversos direitos sociais serem
explicitados por meio de princípios. Negar a jusfundamentalidade dos direitos sociais seria
o mesmo que recusar a eficácia normativa dos princípios jurídicos.
Como aponta Felipe Derbli, a necessidade de reconhecimento pelo Legislador dos
direitos sociais, incluindo a previdência social, não afasta a jusfundamentalidade dos
mesmos, sob pena de concluir-se pela prerrogativa do Legislador em determinar e delimitar
as intenções do Constituinte Originário27. A necessidade genérica de regulamentação
infraconstitucional deve ser reconhecida como dever do Legislador para com o Poder
Constituinte, e não como delimitador da jusfundamentalidade dos direitos sociais.
para seu sustento. O que, contudo, corresponde ao razoável, também depende – de acordo com a decisão
referida e boa parte da doutrina alemã - da ponderação por parte do legislador”. (A eficácia dos direitos
fundamentais, p. 261).
25
Sobre o tema, cabe menção ao clássico The cost of rights: why liberty depends on taxes de Stephen Holmes
e Cass R. Sunstein (WW Norton, 1999). Da mesma forma, cf., também, MURPHY Liam; Nagel, Thomas.
O mito da propriedade. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2005, e
GALDINO, Flávio. O custo dos direitos. In: TORRES, Ricardo Lobo (Coord.). Legitimação dos direitos
humanos, p. 201 et seq.
26
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos, p. 429, 447.
27
DERBLI, Felipe. O princípio da proibição de retrocesso social na Constituição de 1988, p. 105. Apesar da
vedação de retrocesso social também aplicar-se a matéria previdenciária, como reconhece o autor, lembra
este que esse princípio pode ser ponderado com outros, como o da universalidade de cobertura e
atendimento, haja vista não existir pretensão de definitividade nesse tipo de norma (p. 280).
Por qualquer setor dogmático, desde o liberalismo libertário até as versões
comunitaristas da sociedade, passando mesmo pelo procedimentalismo habermasiano, os
direitos sociais e a previdência social, em particular, ocupam lugar de relevo como
instrumentos de garantia da liberdade real, da vida ordenada e da democracia. O seguro
social é meio capaz de materializar a necessária e possível integração entre liberdade e
igualdade.
Ademais, cumpre observar a previdência social desempenha sua função protetora em
superioridade diante dos demais mecanismos protetivos, pois a cotização forçada aqui tem
sistemática própria e estritamente vinculada ao equilíbrio financeiro e atuarial, atendendo
ao desiderato da vida digna em respeito às limitações econômicas inerentes ao Estado PósSocial.
Admitir a previdência social como direito fundamental é uma necessidade. Muitos
criticam o enquadramento, mas poucos conseguiriam viver em uma sociedade sem essa. O
seguro social é meio necessário e eficaz de garantia da vida digna, firmando sua posição em
todas as sociedades desenvolvidas. Indo além, pode-se dizer que a previdência social, na
sua dimensão objetiva, seria uma garantia institucional, pois supera a solidão
individualista da concepção clássica dos direitos fundamentais, nas palavras de Paulo
Bonavides28, já que as diretrizes do aparelho previdenciário e sua própria existência são
também resguardadas de alterações pelo Legislador Ordinário, em uma realidade mais
abrangente e eficaz na valoração da pessoa humana.
Assim, não seria correto divisar a existência de um direito fundamental à aposentadoria
por invalidez, ou um direito fundamental ao salário-maternidade. A jusfundamentalidade é
da previdência social como garantia institucional. Isso é de extrema importância, pois a
alteração do rol de prestações é possível, com redução ou mesmo exclusão de algumas,
desde que o conjunto ainda atenda às necessidades sociais existentes, capaz de assegurar a
vida digna. Somente com tais garantias é que a sociedade brasileira poderá estabelecer uma
ativa isonomia e a liberdade real, na qual as pessoas possam, efetivamente, implementar
seus projetos de vida29.
28
29
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 565-566.
Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 185. No mesmo sentido, BOBBIO,
Norberto. A era dos direitos, p. 21.
Igualmente, a jusfundamentalidade dos direitos sociais é consequência inequívoca da
elevação da dignidade da pessoa humana à centralidade do ordenamento. Não haveria como
o Estado excluir-se da garantia do mínimo existencial sem atuação concreta na seara
protetiva. É até difícil aceitar que ainda haja tamanha vacilação quanto à aceitação dos
direitos sociais como direitos fundamentais. Não há motivo para empreendermos vasta
couraça do cidadão diante do poder político e nada fazer diante do poder econômico30.
Mais do que um bônus, a garantia necessária da vida digna é um ônus social, já que a
dignidade da pessoa humana é também um dever de todos para com todos. A dignidade da
pessoa humana não é somente uma prerrogativa dos particulares perante o Estado, mas
também um dever daqueles para com o próximo31. As indiscutíveis vantagens trazidas pelo
reconhecimento da primazia e inviolabilidade da pessoa humana, conquistadas a muito
custo, trazem também pesados encargos, dentre os quais a cotização forçada para a
manutenção da malha protetiva. Daí justifica-se a exação coercitivamente aplicada pelo
Estado para fins de garantia da vida digna, impondo não somente contribuições
compulsórias da sociedade, mas também o ingresso forçado no sistema protetivo.
Uma efetiva guarida à dignidade da pessoa humana impõe a aceitação dos encargos daí
derivados, como a necessidade de amparo aos necessitados e a todos aqueles que estão a
sucumbir aos revezes da vida. Exige do corpo social os meios necessários à manutenção de
um padrão mínimo de vida, mesmo para aqueles que não demonstrem a menor simpatia ao
próximo – esse é o desafio da sociedade atual. A dignidade existe não somente para os que
atendem aos requisitos de sociabilidade impostos pela maioria, mas é direito de todo aquele
que possa ser qualificado como ser humano.
Uma vez que a dogmática dos direitos fundamentais já avança até sobre as relações
privadas, dada sua natureza também objetiva, discutir a jusfundamentalidade dos direitos
30
Cf. PASSOS, J. J. Calmon de. A constitucionalização dos direitos sociais. Revista Diálogo Jurídico, p. 5.
Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 1° out. 2007. Aduz esse autor que, “assim
como se limitara o poder político, exigindo-se o seu exercício em termos de competência predeterminada e
como serviço à coletividade (povo titular da soberania), impunha-se limitar o poder econômico – o reino do
direito de propriedade, um privilégio também desigualador –, a reclamar disciplina de seu exercício, com
retorno em termos de serviços, o que se logrou com atribuição de um fim social ao direito de propriedade”
(p. 5).
31
Sobre a questão dos deveres fundamentais, inclusive quanto ao custo social para a manutenção dos mesmos
e o enfoque excessivo somente nos direitos, cf. NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos
fundamentais:
os
deveres
e
os
custos
dos
direitos.
Disponível
em
<
https://www.agu.gov.br/publicacoes/Artigos/05042002JoseCasaltaAfaceocultadireitos_01.pdf>.
Acesso
em: 11 out. 2007.
sociais é insustentável32. Isso é especialmente verdadeiro no que diz respeito à previdência
social, pois é sistema protetivo que possui grandes vantagens diante dos programas
assistenciais, já que detém plano de custeio próprio, o qual, devidamente gerido, permite a
manutenção de uma rede ampla de proteção autossustentável, sem depender tanto de
incertezas arrecadatórias e da boa vontade do Legislador Ordinário. Da mesma forma, tal
característica também reduz muito a problemática da atuação do Judiciário na concessão de
prestações, auxiliando a superação da conhecida dificuldade contramajoritária.
4. A PREVIDÊNCIA SOCIAL NO ESTADO PÓS-SOCIAL
A Crise do Estado Providência, no plano demográfico-financeiro, evoca a derrocada
do Estado Social em razão da evolução demográfica; no domínio jurídico-administrativo, o
problema é o excessivo garantismo do sistema. Enfim, os elevados gastos sociais
demonstram que o modelo atingiu seus limites33.
A necessidade de melhor competitividade no mercado global impõe não somente
estruturas mais enxutas e funcionais, mas também mão de obra cada vez mais qualificada, o
que gera aumento de desemprego, o qual, por sua vez, demanda maiores gastos no sistema
de proteção social, criando uma verdadeira armadilha de pobreza34.
32
Isso é de especial evidência quando se trata dos direitos sociais negativos, que não exigem a efetiva
prestação do Estado, no conceito tradicional, como a liberdade sindical e o direito de greve. Sobre o tema,
cf. ANDRADE, Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976, p. 58. No mesmo
sentido, cf. Jorge Miranda. Manual de direito constitucional, p. 112. Mesmo J. J. Canotilho, no seu
multicitado prefácio à 2ª edição da Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a
compreensão das normas constitucionais programáticas (p. 20-21), afirma que a positivação dos direitos
sociais é uma necessidade ética e jurídica, de modo a assegurar a dignidade da pessoa humana, sem
naturalmente, gerar a ingovernabilidade. Sobre o tema também cf., do mesmo autor, Metodologia “Fuzzy”
e “Camaleões Normativos”, p. 97 et seq. Sobre a eficácia objetiva dos direitos sociais, como direitos de
dupla-face, cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 540, 585.
33
Cf. PIERSON. Paul. The new politics of the welfare state. Oxford: Oxford University Press, 2001. O autor
aponta os “suspeitos de sempre”, em suas palavras: globalização, política interna e mudanças estruturais,
como o envelhecimento da população. Alia a esses a questão das pressões pós-industriais, com o
crescimento do setor de serviços, aumento de demanda por mão de obra qualificada e a derrocada do
modelo fordista de produção. Isso também traz como consequência o comprometimento do modelo
bismarkiano de custeio previdenciário. Sobre o tema, cf., também, MERRIEN, François-Xavier;
PARCHET Raphael; KERNEN, Antoine. L’état social: une perspective internacionale, p. 272.
34
A expressão é de Bill Jordan e Simon James et al. (Cf. Trapped in poverty? Labour market decisions in low
income households. London: Routledge, 1992)
Daí observou-se que, de acordo com as medidas adotadas mundialmente, surgiu a
ideia, supracitada, de desaceleração da influência dos modelos beveridgianos, tendentes à
universalização da proteção. Por outro lado, torna-se perceptível certo incremento, quase
em tom de retorno, da influência dos modelos bismarckianos, que adaptam a proteção
social aos estatutos sócio-profissionais dos interessados e as particularidades das atividades
econômicas, em articulação com os modelos assistenciais ou solidaristas35.
É pouco provável que a sociedade venha a abrir mão dos direitos sociais tão
arduamente erguidos, pois, como se sabe, os direitos humanos são derivados de uma
construção histórica36, e a volta a uma acepção liberal, com a garantia da mera liberdade
formal, seria não somente inviável, mas um verdadeiro erro dialético.
O cenário que se avizinha, do Estado Pós-Social, busca uma situação de equilíbrio,
não mantendo ampla gama de ações, mas somente aquelas necessárias à manutenção do
mínimo existencial, aqui entendido, evidentemente, não como o mínimo necessário à
sobrevivência (mínimo vital), mas, sim, aquele que traga todas as condições necessárias à
vida digna (mínimo existencial).
Nesse contexto, a previdência social tem amplas chances de sucesso, pois é o único
sistema de proteção social que, por definição, deve buscar o equilíbrio financeiro e atuarial,
tendo, portanto, fonte de custeio inerente ao próprio sistema, usualmente derivada das
cotizações de empresas e trabalhadores, como verdadeiro salário socialmente diferido.
O mundo ocidental tem adotado, de modo contundente, a predileção pelo modelo de
seguro social, estabelecendo um custeio específico, com base nas remunerações e
benefícios fixados com base naquelas, limitando-se a ação governamental à manutenção da
vida digna.
À medida que aumentam as causas de exclusão social, mais eficaz deve ser a ação
protetiva, de modo a atingir suas finalidades, especialmente em um Estado que tem como
diretriz, na área protetiva, a busca pela universalidade de cobertura e atendimento (art. 194,
parágrafo único, I, CRFB/88), que é, aliás, perfeitamente compatível e adequada ao mundo
35
36
Cf. NEVES, Ilídio das. Direito da segurança social, p. 166.
Cf. Norberto Bobbio. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. Sem embargo, criticável a posição
desse autor ao desprezar a necessidade de legitimação desses direitos (p. 24-25), especialmente dados os
efeitos hermenêuticos desta, que permitem a busca do alcance dos direitos humanos, assim como sua
validade e eficácia. Sobre o tema, cf. Legitimação dos direitos humanos. TORRES, Ricardo Lobo (Org.).
Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
atual37. Não há sentido na formação de um Estado subsidiário em um contexto de risco
crescente.
Um sistema previdenciário eficaz, em conjunto com outras ações sociais, não deve
limitar-se à garantia do mínimo vital, mas atender aos riscos sociais crescentes em uma
sociedade pós-moderna, com a garantia de uma remuneração compatível e inclusão social
efetiva. O sistema previdenciário, repita-se, não busca tão somente a manutenção de um
mínimo de sobrevivência, mas algum valor que permita ao segurado uma vida digna.
O Welfare State tem, de fato, limitações próprias de sua estrutura grande e onerosa.
O Estado, em muitos casos, assumiu uma posição demasiadamente paternalista, excluindo
as necessárias possibilidades de opção entre consumo presente ou futuro, entre poupança e
dispêndio38. Esta é a crítica correta ao Estado Social, mas frequentemente mal formulada.
Todo ser humano, como pessoa dotada de dignidade e liberdade, deve ter a seu
alcance a prerrogativa de optar por despender maiores recursos, hoje, na busca de seus
projetos de vida ou poupar visando ao consumo futuro. A miopia individual39 somente
justifica a imposição de cotização necessária para que se garanta o mínimo existencial em
virtude de incapacidades futuras.
Esses equívocos são visíveis no sistema brasileiro, que não somente trouxe um
sistema perdulário, mas também impõe cotização visando a aposentadorias antecipadas, por
tempo de contribuição, quando a opção pelo retiro precoce deveria ficar ao alvedrio de cada
um.
A previdência social deve restringir-se às necessidades sociais, que, em matéria de
aposentadorias, limitam-se à idade avançada e à invalidez. Se determinado trabalhador
deseja aposentar-se antecipadamente, é encargo único e exclusivo deste a cotização extra,
necessária para atingir seu desiderato, seja perante a entidade privada de previdência, seja
37
Cf. GARCÍA, Bonilla; GRUAT, J. V. Social protection: a life cycle continuum investment for social
justice, poverty reduction and development, p 22.
38
Até mesmo Lord Beveridge já afirmara que seu famoso relatório não se destinava a criar um Estado
paternalista, no qual o cidadão obteria do Estado todo o bem-estar social que desejasse, sem nada contribuir
ou prever por conta própria. Afirmou, ainda, que o Estado deixa ao cidadão a responsabilidade e a liberdade
de cuidar de si mesmo e dos seus, alicerçado na segurança mínima dada pelo Estado. (Prefácio. In:
SCHOTTLAND, Charles I. Previdência social e democracia, p. 10).
39
A miopia individual é apontada como a dificuldade que a pessoa média tem em perceber a importância e a
necessidade da cotização previdenciária visando à sua proteção futura. Sobre o tema, cf. THOMPSON,
Lawrence. Mais velha e mais sábia: a economia das aposentadorias públicas. Washington, DC: Ed. do
Instituto Urbano, 1998
por opções de investimento individual, como poupança, ações, imóveis, etc. A cotização
compulsória em um estado democrático de direito somente se justifica em razão do mínimo
existencial.
Tal paternalismo previdenciário ainda traz sequelas nefastas, pois as pessoas não
admitem que a previdência social venha a extinguir benefícios precoces, como a conhecida
aposentadoria por tempo de contribuição. Alega-se, em geral, que se houve contribuição
durante tantos anos, é correta a percepção do benefício, como se não existissem outros
riscos a cobrir, como doença e acidentes, que, para alguns, seriam um extra na proteção
social40, demonstrando evidente desconhecimento e amadorismo no trato do assunto.
Em verdade, quando esses sistemas perdulários e superdimensionados entram em
desequilíbrio, dificilmente há uma ação imediata para a sua correção, em decorrência,
especialmente, do descompromisso com a realidade financeira, já que sempre haverá a
possibilidade de reduzir ou extinguir justamente os benefícios secundários, gerando o
descontentamento que não existiria se o plano de benefícios fosse restrito à cobertura das
necessidades reais, pois qualquer desequilíbrio demandaria ação sem demora.
O modelo bismarkiano, direcionado à proteção das necessidades sociais reais, tem
adequação perfeita às novas imposições do Estado Pós-Social, pois somente admite a
existência do benefício com o custeio respectivo, o qual é vertido, em regra, por
trabalhadores e empresas, que são, respectivamente, beneficiários diretos e indiretos do
sistema protetivo.
A previdência social, de acordo com o modelo pós-social, poderá gerenciar ampla
cobertura aos trabalhadores e atender, mediante rigoroso controle atuarial, às demandas
sociais necessárias à vida digna, em compasso com a atuação do Estado no sentido de
incrementar a atividade econômica, premissa necessária para maior inclusão previdenciária,
pois um sistema contributivo demanda que seus participantes tenham meios de arcar com
seus custos.
Um sistema explicitamente contributivo traz, também, a vantagem de estimular
maior controle e participação na gestão do sistema, externando melhor acompanhamento do
40
Nesse sentido, apontando os riscos de doença e acidentes como anomalias do sistema (sic), cf.
GIAMBIAGI, Fábio. Reforma da previdência, p. 120. Ignoram esses autores que o seguro social surgiu
justamente para atender tais riscos, como o seguro-doença bismarkiano de 1883, que são imprevisíveis e,
portanto, de difícil administração pelos indivíduos isoladamente.
gasto previdenciário (accountability), pois o fato de o Estado administrar tais valores não
significa que sejam recursos públicos, no sentido exato do termo, mas, sim, reservas para
pagamentos de benefícios em situações cobertas.
5. PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL – SITUAÇÃO ATUAL E ALGUMAS
PROPOSTAS DE MUDANÇA
5.1 Panorama do sistema vigente
O sistema previdenciário brasileiro é dotado de dois Regimes Básicos, de ingresso
compulsório [Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e Regimes Próprios de
Previdência de Servidores Públicos e Militares (RPPS)] e dois Regimes Complementares
de Previdência (privado, aberto ou fechado, no RGPS; e público fechado, nos RPPS).
O RGPS é o mais amplo, responsável pela proteção da grande massa de
trabalhadores brasileiros. É organizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS),
autarquia vinculada ao Ministério da Previdência Social. Os Regimes Próprios de
Previdência são os mantidos pela União, pelos Estados e por alguns Municípios em favor
de seus servidores públicos e militares. Nesses entes federativos, os servidores ocupantes de
cargos públicos efetivos não são vinculados ao RGPS, mas, sim, a regime próprio de
previdência, desde que existentes.
A organização dos regimes próprios de previdência deve seguir as regras gerais da
Lei n° 9.717/1998, com as alterações da MP n° 2.187-13/2001 e Lei n° 10.887/2004,
enquanto o funcionamento do regime previdenciário dos militares segue as diretrizes da Lei
n° 6.880/1980, com as alterações da Lei n° 10.416/2002, e da MP n° 2.215-10/2001. O
fundamento constitucional dos regimes próprios de servidores está no art. 40 da
Constituição, enquanto o dos militares é previsto no art. 142, X, da Constituição. O RGPS
consta do art. 201.
Acredito que nem seria correto falar em regime previdenciário dos militares, pois
estes simplesmente seguem a inatividade remunerada, custeada integralmente pelo Tesouro,
sem perder a condição de militar, salvo quando da reforma. A atividade militar impõe
requisitos mais gravosos de aptidão física e intelectual que dificilmente seriam adequados a
um sistema estritamente contributivo. Basta imaginarmos um piloto de caça que venha a
ficar míope na meia-idade, sem condições de readaptação para outra atividade.
Também não se mostra adequado, com a nova redação constitucional, concluir-se
pela necessária criação de RPPS em todos os Entes Federativos, inclusive Municípios. Essa
constatação seria, a priori, consectário da atual redação do art. 40 da Constituição, que
assegura ao servidor regime previdenciário contributivo e solidário. Não obstante, a mesma
Constituição prevê a necessidade de equilíbrio financeiro e atuarial desses regimes, que não
seria viável sem a massa crítica necessária, isto é, sem um número mínimo de pessoas. A
mesma necessidade é prevista no art. 1º, IV, da Lei nº 9.717/199841.
A criação de consórcios previdenciários entre Municípios, com o fim de atender a
essa meta, é igualmente vedada pela Lei nº 9.717/1998 (art. 1º, V), pois a gestão,
certamente, seria problemática, haja vista a autonomia constitucional desses entes, que
dificilmente teriam a capacidade gerencial para compatibilizar e administrar um sistema
complexo, no qual seria necessária a fixação de critérios legais semelhantes, o que se
mostraria, muitas vezes, inviável42. Na verdade, a própria manutenção de regimes
previdenciários diferenciados para servidores se mostra hoje anacrônica43.
41
“Art. 1º Os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal deverão ser organizados,
baseados em normas gerais de contabilidade e atuária, de modo a garantir o seu equilíbrio financeiro e
atuarial, observados os seguintes critérios:
[...]
IV – cobertura de um número mínimo de segurados, de modo que os regimes possam garantir diretamente a
totalidade dos riscos cobertos no plano de benefícios, preservando o equilíbrio atuarial sem necessidade de
resseguro, conforme parâmetros gerais;
[...].”
42
Exemplo gritante da inépcia administrativo-previdenciária dos municípios é a enésima prorrogação do
prazo para que seus regimes apresentem dados relativos aos benefícios em manutenção para fins de
compensação previdenciária (Lei nº 11.531/2007, art. 1º).
43
A unificação dos regimes básicos de previdência no Brasil (RGPS e RPPS) é algo necessário. Ainda que,
no passado, tenha existido alguma justificativa para esse tratamento diferenciado, especialmente dada a
natureza não contributiva dos benefícios devidos aos servidores, essa realidade deixa de existir por
completo com a Emenda Constitucional nº 41/2003. A previdência social dos servidores submete-se
igualmente a uma sistemática contributiva e deve, do mesmo modo, perquirir o equilíbrio financeiro e
atuarial. A proliferação de RPPS, especialmente nos municípios, somente serviu, na maioria das vezes, para
que estes pudessem excluir-se de suas obrigações previdenciárias presentes, empurrando para as
O Regime Complementar possui caráter facultativo, já que o ingresso é voluntário; e
autônomo, pois a obtenção do benefício complementar independe da concessão da
prestação pelos regimes básicos (daí sua verdadeira natureza implementar). O regime
complementar ao RGPS tem natureza privada, regulado em lei complementar (LC n° 108 e
109, ambas de 2001). Já o regime complementar dos servidores públicos, nos termos do art.
40, § 15, da Constituição, teria natureza pública.
O regime complementar ao RGPS possui o segmento aberto e fechado. O segmento
aberto de previdência complementar é mantido pelas entidades abertas (EAPC), que são
constituídas sob a forma de sociedades anônimas e têm por objetivo instituir e operar
planos de benefícios de caráter previdenciário, acessíveis a quaisquer pessoas físicas. Esta é
a principal característica deste segmento – ser aberto a qualquer pessoa física,
independentemente de profissão, residência ou idade.
Tais entidades abertas de previdência complementar também podem ser sociedades
seguradoras do ramo vida, desde que autorizadas, outrossim, a operar os planos de
benefícios complementar. Já as entidades fechadas de previdência complementar (EFPC),
ao contrário das abertas, são somente acessíveis aos empregados de uma empresa ou grupo
de empresas, ou, ainda, aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter
profissional, classista ou setorial. No primeiro caso, relativo aos empregados e servidores,
as empresas que instituem plano de benefício de caráter previdenciário recebem o nome de
patrocinadoras, enquanto no segundo caso, referente aos associados de pessoas jurídicas de
caráter profissional, a denominação é instituidora. A instituidora poderá ser, inclusive, uma
entidade de classe, como um sindicato.
Já para os Regimes Próprios de Previdência de Servidores, a previdência
complementar, quando criada, de acordo com a literalidade da Constituição, teria, como
visto, natureza pública (em divergência ao RGPS) e seria exclusivamente fechada, já que o
ingresso, naturalmente, seria restrito a servidores vinculados a determinado RPPS. Aqui, há
exclusivamente a EFPC de natureza pública.
Tal previsão relativa aos servidores é problemática, pois traz uma diferenciação de
tratamento diante do RGPS que não se justifica. Já que tais fundos de pensão serão, em
administrações futuras o custo da manutenção do sistema. O resultado é o que se vê hoje: a maior parte dos
RPPS em situação deplorável, tendo de manter-se com aportes vultosos que comprometem o investimento
em outros setores.
tese, públicos, poderão beneficiar-se da imunidade recíproca, em detrimento das entidades
privadas? Terão de seguir os ditames da lei de licitação ao terceirizar as atividades de
investimento? É certo que tal inclusão teve o intuito de tranquilizar os servidores, pois,
tendo tal entidade natureza pública, não estaria submetida às mesmas intempéries do
mercado que as privadas, mas flagrantemente viola a isonomia e pretende criar uma
absurda entidade pública administrando recursos privados, já que a cotização do servidor
não é receita pública, e a contribuição do ente também se vincula ao patrimônio futuro do
servidor44.
De qualquer forma, pela literalidade do texto constitucional vigente, seria
inadequado falar em previdência pública e privada como sinônimo de regimes básicos e
complementares de previdência, respectivamente. Ademais, qualificar um regime
previdenciário pela natureza pública ou privada é impreciso, pois existem regimes básicos
compulsórios de natureza privada, como no Chile, e regimes complementares públicos
facultativos, como no Reino Unido45.
5.2 Equilíbrio financeiro e atuarial
Dispõe a Constituição (e não poderia ser diferente), que o sistema previdenciário
brasileiro deve buscar o equilíbrio financeiro e atuarial (art. 201, caput). Infelizmente, a
realidade das últimas décadas tem sido algo bastante diverso.
Como se vê nos noticiários, a Administração limita-se a buscar o equilíbrio
financeiro, na constante tentativa de compatibilizar as receitas com as despesas na
manutenção do sistema protetivo, em especial o Regime Geral de Previdência Social
(RGPS). Quase nada se fala do equilíbrio atuarial, até mesmo em razão da ausência de um
plano de custeio efetivo no sistema brasileiro. Foi-se o tempo em que a previdência
brasileira possuía efetiva distribuição de custeio específico para a manutenção de
prestações determinadas. Com isso, simplifica-se a legislação à custa da consciência
44
O Projeto de Lei nº 1.992/2007, do Poder Executivo, que institui o regime de previdência complementar
para os servidores públicos federais, prevê a criação da Fundação de Previdência Complementar do
Servidor Público (Funpresp), que teria natureza privada, em contrariedade à literalidade do texto
constitucional.
45
Para uma visão mais abrangente, cf. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário, 10. ed.
Niterói: Impetus, 2007.
atuarial, o que acaba por gerar frequentes alterações no custeio e/ou benefício sem o menor
pudor de, ao menos, justificá-lo atuarialmente. Quero dizer o seguinte: no equilíbrio
atuarial, há um delicado balanceamento em longo prazo entre o financiamento
dimensionado inicialmente e as prestações a serem concedidas, com base na sinistralidade
esperada. Se o gestor do sistema altera alguma parte dessa equação, seja aumentando e/ou
diminuindo contribuições e/ou benefícios, a outra parte deveria sofrer consequências. Por
exemplo, se há aumento de alguma contribuição, deveria haver aumento do benefício
correlato ou, ao menos, a justificativa atuarial para seu aumento sem elevação das
prestações, em razão, por exemplo, do aumento da expectativa de vida. Nada disso existe
na realidade brasileira.
Por pura ficção, sempre que há aumento de contribuição sem alteração no plano de
benefícios, somos obrigados a nos utilizar do artifício da presunção de legitimidade da lei,
partindo da premissa de que se houve aumento contributivo é porque o sistema assim
demandava, em razão de alguma alteração das premissas atuariais iniciais. Se assim não
fosse, chegaríamos à impraticável conclusão de rotular como inconstitucionais todos os
incrementos contributivos das últimas décadas.
Lamentavelmente,
mesmo
o
equilíbrio
financeiro
é
extremamente
mal
dimensionado, pois a maioria dos benefícios da previdência social, que são fixados no valor
de um salário mínimo, tem sofrido reajustes em índices superiores à inflação. Em uma
abordagem leiga, afirma-se que tal correção é justíssima, especialmente em razão do valor
precário do salário mínimo no Brasil, que não chega nem perto de atender a todas as
necessidades constitucionais.
Mas é aí que há a grande falha desse discurso panfletário e incongruente, típico de
quem desconhece a lógica previdenciária. Na criação de qualquer regime previdenciário, o
atuário responsável irá dimensionar um plano de custeio que deve ser compatível com o
plano de benefícios previamente definido. Assim, algumas premissas serão estabelecidas e
o custeio dimensionado. Nesse contexto, puramente matemático, se uma pessoa cotizou
sobre um valor baixo, seu benefício fatalmente será baixo. Se o administrador do sistema
concede benefícios superiores ou mesmo fornece correções muito acima das expectativas
inflacionárias (como ocorre), é evidente que o equilíbrio atuarial torna-se insustentável.
Nada impede que a Administração, com o aval do Legislador Ordinário, venha a
conceder benefícios a priori previdenciários em valores superiores à base contributiva,
mas, primeiro, isso demanda expressa fonte de custeio (art. 195, § 5°, CRFB/88), haja vista
a evidente inexistência de recursos do plano previdenciário original. Segundo, há de se
evidenciar que parcela desse benefício passa a ter, também, natureza assistencial, tornandose um híbrido, que deve possuir contabilização específica.
Para desespero dos especialistas, o que se vê é uma gestão que ignora o equilíbrio
atuarial e, no que diz respeito ao equilíbrio financeiro, aponta um déficit enorme que é
derivado, em verdade, de benefícios parcialmente previdenciários, que são majorados em
percentuais superiores à inflação (com verdadeira natureza assistencial, e deveriam ter
cotização específica), mas cotejados somente com as contribuições sociais sobre a folha
(art. 195, I, ”a”, e II, CRFB/88), como se fossem benefícios previdenciários puros.
Ademais, ainda com relação à fonte de custeio, a Administração Pública, quando da
fixação de índices de correção, no máximo, ocupa-se da existência de recursos
orçamentários naquele determinado exercício, sem a preocupação da criação da fonte de
custeio e da necessária manutenção da prestação majorada em exercícios futuros, já que a
previdência social é preponderantemente composta de benefícios de prestação continuada,
como aposentadorias e pensões.
Uma elevação das prestações previdenciárias passa, necessariamente, por uma
elevação da base exacional, a qual, por sua vez, demanda maior potencial contributivo dos
segurados e empresas, o qual somente poderia tomar lugar com um crescimento econômico
compatível. A previdência social, não obstante as reformas desejáveis e necessárias, nunca
alcançará o ponto ideal por si mesma. Sem um incremento da atividade produtiva que traga
melhoria da renda nacional, os benefícios previdenciários do futuro serão sempre o mesmo
reflexo da baixa remuneração do presente. Nesse aspecto, mais do que a velha discussão
sobre regimes públicos e privados, o que é preciso é uma atividade econômica sólida46.
46
De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), em
outubro de 2007, o salário mínimo necessário para atender o necessário à vida digna foi fixado em R$
1.797,56, bem acima dos atuais R$ 380,00 (Salário mínimo nominal e necessário. Disponível em:
http://www.dieese.org.br/rel/rac/salminnov07.xml). De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), as políticas assistenciais governamentais retiraram da miséria 881 mil brasileiros, que
representa, todavia, somente 15% daqueles que cruzaram a linha da pobreza (Disponível em:
http://oglobo.globo.com/pais/mat/2007/10/(29/326943431.asp). Ou seja, o crescimento econômico,
Alie-se a isso o fato de parcela considerável das demais contribuições sociais não
ser direcionada à manutenção da seguridade social, em flagrante desrespeito à Constituição
(art. 195, § 2º, in fine). Se houvesse uma vinculação efetiva das receitas das contribuições
sociais com os gastos da seguridade (previdência social, assistência social e saúde), o
sistema seria superavitário, o que, todavia, não exclui as necessárias mudanças. Aí está
parte do confuso e impreciso debate sobre previdência social no Brasil.
O contexto pós-social, que reconhece a jusfundamentalidade do seguro social, mas
impõe o sopesamento das limitações financeiras47, expõe a necessidade de a previdência
social ater-se ao que se pode chamar de reserva do possível atuarial, não somente por
expresso mandamento constitucional, no caso brasileiro (art. 201, caput), mas como meio
de superar as críticas supramencionadas. Por isso, no contexto do seguro social, a discussão
sobre a reserva do possível assume aspecto próprio, tridimensional, pois, além das clássicas
acepções fática ou financeira (recursos efetivamente existentes) e jurídica (previsão em
orçamento), deve-se aliar a percepção atuarial. Em um sistema equilibrado, o plano de
benefícios deve ater-se, rigorosamente, ao plano de custeio, o qual carece de revisões
periodicamente, com base nas premissas atuariais vigentes.
Na saúde, por exemplo, as questões relativas à reserva do possível são
problemáticas, pois demandam a análise da razoabilidade do gasto, o que, não obstante o
avanço da dogmática em estabelecer critérios sólidos e reduzir o voluntarismo judicial,
ainda trazem razoável incerteza48. No aspecto previdenciário, a questão acaba por ter
solução mais robusta, pois a visão tridimensional da reserva do possível, com o aspecto
atuarial aliado ao financeiro e orçamentário, impõe uma estrita vinculação entre custeio e
benefício. Paradoxalmente, a maior complexidade inicial da reserva do possível em matéria
indubitavelmente, é requisito elementar para qualquer país que almeja a garantia da vida digna. O Estado,
por meio de políticas previdenciárias e assistenciais, não tem como produzir esse resultado por si só.
47
Como também já afirmara Robert Alexy, direitos sociais não podem ser definidos no esquema tudo ou
nada. Como aponta esse autor, o principal argumento dos direitos sociais é a liberdade. Ou seja, a liberdade
jurídica para fazer algo deve ser acompanhada da liberdade fática para fazê-lo. A esse argumento, que
considera correto (mas insuficiente), aduz como real objetivo dos direitos sociais, como direitos
fundamentais, o desenvolvimento livre da personalidade humana. Acaba por concluir que os direitos sociais
efetivamente devidos dependem de ponderação entre princípios. (Teoría de los derechos fundamentales, p.
486-489).
48
Como coloca Gustavo Amaral, a escassez é inerente às pretensões positivas e, de modo ainda mais
acentuado, quanto à saúde. Ante a escassez, torna-se imperiosa a adoção de mecanismos alocativos. A
alocação, notadamente no que tange à saúde, tem natureza ética dupla: é a escolha de quem salvar, mas
também a escolha de quem danar. (Direito, escassez & escolha, p.180-181).
previdenciária acaba por trazer elevada segurança no estabelecimento de seus parâmetros.
O maior problema, novamente, é o adequado dimensionamento do sistema, e não de sua
jusfundamentalidade.
Ainda há grande divergência sobre a amplitude adequada do sistema previdenciário, e é
nesse ponto que reside o atual debate internacional sobre a matéria. Como visto, há
modelos que buscam a proteção ampla com substituição plena dos rendimentos, até aqueles
que buscam garantir somente o mínimo vital. Naturalmente, a experiência internacional tem
se situado em padrões intermediários, com base nos clássicos exemplos alemão e inglês.
A opção adotada, seja lá qual for, em um regime democrático, deve ser feita mediante a
deliberação coletiva da população, em um contexto adequado, mediante a prestação das
informações necessárias para que se faça a escolha, sempre em uma conjunção que obedeça
à reserva do possível tridimensional. A seguir, alguns itens são desenvolvidos como
subsídios a essa escolha.
5.3. Desemprego e incapacidade laborativa – Riscos semelhantes?
Ainda quanto à questão da malversação dos recursos securitários, há uma evidente
inconstitucionalidade na legislação vigente que delega o patrocínio do seguro-desemprego
ao Ministério do Trabalho (art. 9º, § 1º, Lei nº 8.213/1991), em flagrante desrespeito à
Constituição, que o prevê como típico benefício previdenciário (art. 201, III), o que acaba
por gerar o desvio dos recursos oriundos do PIS/PASEP (art. 239, CRFB/88), que não
alcançam a previdência social.
Isso pode parecer mera questão administrativa, pois o importante seria a concessão
do benefício. Em verdade, além da natural deficiência gerada pelo fato de um benefício
previdenciário ficar alheio ao sistema, esconde-se uma passagem que já deveria ter sido
abordada no Brasil – um sistema previdenciário ideal não deveria fazer distinções entre
benefícios por incapacidade laborativa ou desemprego49. Em ambas as hipóteses, a
49
Cf. BOLDERSON, Helen; MABBET, Deborah. Non-discriminating social policy? Policy scenarios for
meeting needs without categorization. In: CLASEN, Jochens (Org.) What future for social security?
Debates and reforms in national and cross-national perspective, p. 55.
prestação deveria ser concedida sem distinção. Se o trabalhador não ingressa no mercado de
trabalho pela dificuldade em obter ocupação ou por incapacidade, pouco importa, para fins
de beneficio.
A avaliação de incapacidade deveria ser menos individual e mais social, não
somente adiante da análise tradicional de perda de função da pessoa, mas levando também
em consideração outros elementos de supressão do mercado de trabalho. Nesse contexto,
mais abrangente, a incapacidade pode ser vista, também, como um problema de exclusão50.
Evidentemente, a averiguação da situação concreta é relevante para fixar diretrizes
de atuação ao gestor do sistema, mas não para a concessão do benefício. Isso elimina as
célebres discussões judiciais e administrativas e a burocracia inerente às perícias médicas,
que muitas vezes consideram apto um indivíduo que, não obstante a aparente aptidão
laboral, é um inválido funcional, dada a idade já adiantada e a formação educacional
deficiente.
5.4. Inclusão previdenciária
Por fim, em qualquer debate que envolva a previdência social brasileira, não se pode
deixar de lado a questão da inclusão previdenciária, tema tão relevante que mereceu
atenção do Constituinte Derivado, ao inserir regramento sobre a matéria na Constituição
(art. 201, §§ 12 e 13).
A última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), edição 2006, traz
dados relevantes51. Como se afirma no texto, entre os ocupados restritos do setor privado,
43% não contribuem para a previdência social, sendo que as maiores taxas de não
contribuição são dos trabalhadores por conta própria (78,5%) e dos empregados sem
carteira assinada (92%). Por isso, a agricultura e a construção civil são os setores de
atividade que possuem justamente as maiores taxa de evasão da previdência (68% e 66%,
50
Cf. BOLDERSON, Helen; MABBET, Deborah. Non-discriminating social policy? Policy scenarios for
meeting needs without categorization. In: CLASEN, Jochens (Org.) What future for social security?
Debates and reforms in national and cross-national perspective, p. 55.
51
PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS (PNAD), 2006, p. 28-30. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2006/comentarios2006.pdf.
Acesso em: 15 out. 2007.
respectivamente), haja vista esses setores concentrarem grande parte dos empregados na
informalidade.
No outro extremo, com maior grau de vinculação efetiva à previdência social,
encontram-se os trabalhadores com carteira assinada e os empregadores. O grupo
intermediário é constituído pelos empregados agrícolas e pelos empregados domésticos,
cujas taxas de não contribuição são, respectivamente, 55% e 61% (cerca de 30% acima da
média).
O estudo mostra a importância da educação previdenciária como sinônimo de
inclusão, pois a pesquisa conclui que, quanto maior o nível educacional, menor é a taxa de
não contribuição. Entre os trabalhadores com menos de quatro anos de estudo completos, a
taxa de evasão é, em média, 60%, enquanto no nível educacional acima de 12 anos
completos de estudo essa estatística corresponde a 23%. A matéria previdenciária deveria
ser de ensino obrigatório nas escolas, formando a consciência necessária para o futuro.
O estudo mostra ainda que, na indústria – o setor que concentra empregados formais
em maior parte –, a não contribuição é baixa (29% e 25%, respectivamente). O setor
serviços está em uma posição intermediária, cuja taxa de evasão é 42%. Geograficamente, a
não contribuição é maior na Região Norte, onde 64% da população ocupada não contribui
para a previdência. Em seguida, em ordem de não contribuição, vêm as Regiões Nordeste e
Centro-Oeste, 58% e 56%, respectivamente. As Regiões Sul e Sudeste possuem as menores
taxas de evasão para a previdência (38% e 37%, respectivamente).
Entre as possíveis causas para tamanha evasão, apontadas pelo IBGE, encontram-se
as alíquotas de contribuição elevadas; o fato de o empregado não perceber o liame entre a
contribuição presente e benefícios a serem auferidos no futuro (o que pode ser resolvido
com a educação previdenciária); e o fato de os direitos trabalhistas serem, na prática,
independentes da formalização da relação de trabalho, pois o empregado poderia socorrerse da Justiça do Trabalho, o que nem sempre gera efeitos automáticos para fins
previdenciários, especialmente pela necessidade de prova material para essa finalidade (art.
55, § 3º da Lei nº 8.213/1991). Conclui o IBGE que a informalidade e a evasão
previdenciária vão permanecer altas no Brasil enquanto as leis trabalhistas continuarem
ambíguas e inexistirem programas de seguridade social equilibrados com relações estreitas
entre a magnitude dos benefícios e de contribuições percebidas, questão essa já abordada
supra.
A inclusão previdenciária depende, também, de fatores muitas vezes externos ao
sistema protetivo. Em um distante primeiro lugar, o trabalhador somente poderá abrir mão
de parcela de sua remuneração em prol da previdência quando atingir determinado patamar
mínimo de rendimento. Isto é, a melhor maneira de incluir o trabalhador de baixa renda na
previdência social é retirá-lo da situação de baixa renda.
Qualquer outra opção distinta da melhoria do status econômico dos trabalhadores é
fictícia, podendo, no máximo, acaçapar um beneficio assistencial como previdenciário, à
semelhança do que foi feito com a maioria dos benefícios da área rural concedidos antes da
Constituição de 1988. Tais expedientes somente têm o efeito de macular a credibilidade da
previdência, forçando um déficit que não existe, em razão da enorme massa de benefícios
claramente assistenciais pagos pelo caixa previdenciário.
Também não deve ser esquecida a completa reformulação da estrutura
administrativa do INSS, com a necessária melhoria do atendimento, de modo que os
beneficiários sejam efetivamente tratados como merecem.
Assim, basicamente, a inclusão previdenciária depende intimamente da melhoria
econômica dos trabalhadores, urgente aprimoramento da estrutura de atendimento à
população e, por fim, o ensino obrigatório, se possível já durante o período fundamental, da
importância da previdência social e seu papel na sociedade brasileira.
6. A NECESSÁRIA BUSCA DA EFICIÊNCIA E DA EQUIDADE NOS SISTEMAS
PREVIDENCIÁRIOS – ADEQUAÇÃO AO ESTADO PÓS-SOCIAL
Muito já foi dito sobre a importância do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema
previdenciário, especialmente no Estado Pós-Social. Todavia, algumas palavras são
igualmente necessárias no que diz respeito à redução das desigualdades. De nada adianta
possuirmos um sistema equilibrado que proporcione a ampliação das disparidades
econômicas em nosso país.
Algumas reformas na previdência social da América Latina têm apresentado claro
ganho no que diz respeito ao crescimento econômico, proporcionando ao Estado maior
possibilidade de atuação em infraestrutura. Todavia, as reformas pouco têm contribuído
para reduzir as desigualdades.
Isso é especialmente observado em países, como o Chile e Argentina, que migraram
para um sistema privado baseado em contribuição definida e capitalização, trazendo maior
eficiência, mas não resolvendo o problema da redução das desigualdades. Em vez de se
trocar eficiência por igualdade, melhor seria a garantia de ambos52.
Ou seja, os sistemas tradicionais, ainda que ineficientes, justificavam-se diante
sociedade por, ao menos, tentar reduzir as desigualdades sociais. Com as novas reformas, o
Estado Pós-Social avança na eficiência administrativa do sistema, alcançando maior
equilíbrio financeiro e atuarial (embora não seja exatamente o caso brasileiro). Mas o que
dizer da redução das desigualdades? Pouco tem sido obtido nessa área. A melhoria atuarial
e financeira do sistema previdenciário, por si só, não é suficiente.
É certo que os sistemas tradicionais carecem de reformas. A sistemática tradicional
do financiamento por repartição simples, com prestações concedidas sob regras de
benefício definido (BD), apresenta problemas dos mais diversos, como elevação das
contribuições sobre a folha de pagamento e consequente efeito negativo sobre a contratação
de mão de obra; incremento do setor informal dada a oneração da atividade econômica
regular; aparente redução da poupança interna, baixo retorno das reservas administradas
pelo Estado e má alocação de recursos pelo Estado53.
Além dessas ineficiências, a sistemática tradicional de custeio produz, também,
iniquidades que são bem menos conhecidas, tais como o melhor tratamento para pessoas de
renda elevada, seja pela possibilidade concreta de aposentadoria antecipada, em razão do
tempo de contribuição, seja pelo fato de tais pessoas viverem mais, o que, naturalmente,
lhes permite permanecer na condição de beneficiárias por mais tempo.
Outra iniquidade frequente nesses regimes é a redistribuição de receita em favor dos
primeiros grupos beneficiados em detrimento dos demais, já que aqueles nem sequer
52
Cf. JAMES, Estelle. Pension reform: is there a tradeoff between efficiency and equity? World Bank Policy
Research Working Paper, p. 1.
53
Cf. JAMES, Estelle. Pension reform: is there a tradeoff between efficiency and equity? World Bank Policy
Research Working Paper, p. 2. Usualmente, afirma-se que os benefícios de contribuição definida (CD) têm
o condão de desestimular a aposentadoria precoce, já que o benefício seria reduzido, especialmente se
elevada a previsão de recebimento da aposentadoria, permitindo a adequação do regime às novas
expectativas de vida sem grandes dificuldades para o Administrador Público.
contribuíram para o sistema – foram os primeiros beneficiados, com o custeio mantido
pelas gerações subsequentes.
Em suma, esses pactos intergeracionais, típicos dos sistemas de repartição simples,
acabam por favorecer os mais ricos. Dessa forma, ainda que a repartição encontre algum
espaço nos sistemas previdenciários, especialmente para o financiamento dos benefícios de
risco (doenças e acidentes), as reformas previdenciárias devem buscar um equilíbrio ótimo
que venha maximizar não somente a eficiência do sistema, mas também a redução das
desigualdades sociais.
Outra questão relevante, ainda no que diz respeito ao financiamento da previdência
social, referente aos trabalhadores, é que esse é baseado quase que exclusivamente na
incidência sobre salários, prejudicando as classes mais pobres em detrimento das mais
abastadas, que possuem outras fontes de renda. Ademais, a imposição de limite máximo
acaba por prejudicar novamente os mais pobres, pois o maior percentual de sua renda total
deverá ser revertido ao sistema previdenciário, tornando mais cruel a opção por consumo
futuro em detrimento do consumo presente – opção quase inexistente nos grupos menos
abastados.
Mesmo com relação à equidade do sistema, o sistema capitalizado, mediante
contribuição definida, parece ser mais adequado, pois reduz os privilégios entre os grupos
de gerações, embora a questão seja problemática, pois a ação do sistema previdenciário,
dependendo da concepção de cada país, será mais ou menos relacionada ao aspecto
redistributivo, devendo a opção adequada levar em consideração as realidades nacionais e
as expectativas da população.
O fato de o sistema previdenciário ser contributivo não significa dizer que a
mensuração da cotização será sempre feita no âmbito individual. O custeio necessário pode,
e deve, prioritariamente, ser analisado em termos gerais, isto é, cotejando todo o custeio
existente – contribuições de beneficiários diretos e indiretos (trabalhadores e empresas),
diante do plano de benefícios vigente. Tudo dependerá do grau de solidariedade desejado
no sistema, o qual deve ser eleito por meio do consenso democrático. Por isso não é
necessariamente correta a afirmação de Daniel Machado da Rocha ao dispor que “aqueles
que exercem atividade econômica na informalidade não são amparados pela previdência
social”54, pois tal concepção parte de uma visão do custeio estritamente individualista que
somente seria adequada aos antigos modelos de seguro social.
É inevitável que os sistemas de previdência sempre irão beneficiar alguns em
detrimento de outros. Isso é infalível e inerente a qualquer técnica de seguro. Daí a
importância de o sistema protetivo limitar-se à garantia da vida digna em situações de
necessidade social, excluindo benefícios desnecessários, como a aposentadoria por tempo
de contribuição no sistema brasileiro. Se uma pessoa deseja aposentar-se precocemente,
essa opção cabe ao indivíduo, de acordo com suas escolhas entre consumo presente e
futuro, e não ao Estado.
7. A PREVIDÊNCIA SOCIAL COMO REQUISITO AO DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO
A previdência social vai além da função protetiva. Pouco abordado é o papel
igualmente relevante de instrumento do desenvolvimento econômico e social, o que é
desejável em qualquer concepção de Estado no mundo ocidental55.
O trabalho decente é a aspiração básica de qualquer pessoa, de modo a permitir o
sustento próprio e o de sua família. Para os pobres, o trabalho é o caminho para fora da
pobreza56. Daí entende-se o motivo de a Constituição brasileira afirmar que a Ordem Social
tem como saber o primado do trabalho (art. 193, CRFB/88). Como afirma Amartya Sen, as
privações econômicas, assim como as sociais, trazem consequências nefastas. Daí o
desenvolvimento ser encarado como processo de expansão das liberdades substantivas
interligadas (considerações econômicas, sociais e políticas)57, o que naturalmente inclui a
garantia do trabalho.
54
ROCHA, Daniel Machado da. O direito fundamental à previdência social na perspectiva dos princípios
constitucionais diretivos do sistema previdenciário brasileiro, p. 114.
55
Sobre a enorme influência da previdência social sobre a economia dos municípios brasileiros, é de especial
importância a obra de Álvaro Sólon de França: A previdência social e a economia dos municípios (Brasília,
DF: ANFIP, 1999).
56
Cf. GARCÍA, Bonilla; GRUAT, J. V. Social protection: a life cycle continuum investment for social
justice, poverty reduction and development, p. 1.
57
SEN, Amartya Desenvolvimento como liberdade, p. 25. Ou seja, o desenvolvimento é apresentado como
processo de expansão das liberdades substantivas. Sua implementação abrange a adoção de regras éticas,
valorativas complexas, sujeitas à deliberação, mas que possui como princípio norteador a preocupação com
o processo de aumento das liberdades individuais e o comprometimento social de ajudar para que isso se
concretize.
Todavia, os governos têm falhado na manutenção desse direito básico. Em um
mundo globalizado, as disparidades aumentam e a insegurança atinge a todos, pois os
efeitos de políticas econômicas além-mar fazem sentir-se quase imediatamente em solo
pátrio. Não é por outro motivo que um terço da população economicamente ativa em
âmbito mundial (3 bilhões de pessoas) não consegue obter um mínimo para uma vida
digna58. O descaso com a saúde do trabalhador atinge patamares inaceitáveis, provocando a
morte de 2 milhões de pessoas por ano59.
É intuitivo que o risco faz parte da vida. Desde nosso nascimento, estamos em
constante risco de morrer. A questão é que na sociedade pós-moderna, em razão das
variáveis envolvidas, e do agravamento dos fatores de risco, não há como o indivíduo obter,
por si só, a proteção necessária.
Para essa percepção, é importante constatar dois tipos básicos de risco: o risco
individual, que atinge determinada pessoa ou grupo de pessoas; ou o risco agregado, que
atinge populações maiores, como os eventos da natureza60. A previdência social somente
ampara a pessoa diante dos riscos individuais. Os riscos agregados devem ser repartidos na
sociedade de acordo com a vulnerabilidade61 de cada um.
Ou seja, apesar de a previdência social não ser a solução para todos os riscos sociais
da pós-modernidade, ela certamente tem papel extremamente relevante na proteção da
pessoa. Todavia, o desafio dos tempos atuais é atuar de modo a amparar as pessoas mais
vulneráveis em um ambiente cada vez mais “arriscado”.
Não obstante as vantagens já visíveis da globalização, estas não produziram o
desenvolvimento sustentável ou a redução das desigualdades sociais. Em muitos casos, a
globalização somente serviu para extremar as desigualdades, especialmente entre
comunidades mais bem amparadas, em detrimento de países em desenvolvimento.
Ademais, as diferenças salariais em favor dos países desenvolvidos têm provocado um
58
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Global Employment Agenda: discussion
paper (Geneva, 2002) p. 2.
59
Cf. GARCÍA, Bonilla; GRUAT, J. V. Social protection: a life cycle continuum investment for social
justice, poverty reduction and development, p. 2.
60
Cf. GARCÍA, Bonilla; GRUAT, J. V. Social protection: a life cycle continuum investment for social
justice, poverty reduction and development, p. 2.
61
Vulnerabilidade, em matéria protetiva, é vista como um estado de alta exposição a certos riscos, combinada
com a reduzida habilidade de proteger-se contra os mesmos e lidar com suas consequências negativas (Cf.
GARCÍA, Bonilla; GRUAT, J. V. Social protection: a life cycle continuum investment for social justice,
poverty reduction and development., p. 6).
verdadeiro “dreno de cérebros” em favor desses países, excluindo mão de obra altamente
qualificada onde é mais necessária62. Ao contrário do que possa parecer, a situação mundial
está longe de atingir uma posição aceitável, uma vez que um quinto da população vive com
menos de um dólar por dia63. Antes de se cogitar em redimensionar o Estado, devemos
vislumbrar aqueles que morrem às centenas todos os dias, em razão de sua omissão.
A proteção social deve atender essas pessoas, cujas desgraças pessoais são
ampliadas pelo mercado global, sem o menor amparo estatal. Esses descontentes da
globalização64 devem ser a prioridade dos gestores da coisa pública, pois a vulnerabilidade
e os riscos somente aumentam com a globalização. Em verdade, no mundo atual, as
desgraças apontadas deixam de ser riscos e transformam-se em certezas.
Enfim, nesse contexto perverso, resulta evidente a importância da cobertura dos
riscos sociais não somente no âmbito individual, área de atuação da previdência social, mas
também no coletivo. No entanto, não há como partirmos para proteção do coletivo se nem
sequer atingimos o estágio ideal da proteção individual.
Tem se tornado óbvio que o desenvolvimento econômico demanda a cobertura dos
riscos sociais mais elementares, pois somente com essas condições atingiremos o
desenvolvimento sustentável. A proteção social estatal, em razão de sua omissão ou atuação
subsidiária, acaba por sabotar qualquer pretensão mais séria de desenvolvimento,
maculando os ideais do bem-estar da justiça social65.
Estudos mais recentes da OIT têm demonstrado claramente que o crescimento
econômico é retardado pela iniquidade social66. De tais observações conclui-se que somente
com o devido estímulo a políticas sociais é que o crescimento econômico sustentável será
62
Cf. GARCÍA, Bonilla; GRUAT, J. V. Social protection: a life cycle continuum investment for social
justice, poverty reduction and development, p. 6.
63
Cf. GARCÍA, Bonilla; GRUAT, J. V. Social protection: a life cycle continuum investment for social
justice, poverty reduction and development., cit. Como dispõem os autores, one-fifth of the world’s
population, or 1.2 billion people, is living on less than $1 per day, roughly the same situation as a decade
earlier. In less developed countries, the proportion of people living in poverty rises to 60, 70 and even 80%.
In terms of human poverty, which refers to the lack of essential human capabilities such as being literate or
adequately nourished, a quarter of the 4.5 billion people living in developing countries cannot fulfill their
most basic needs. […] The disease has become a poor people’s epidemic with 95% of all HIV affected
people living in developing countries (p. 6).
64
A expressão é de Joseph E. Stiglitz (Globalization and its discontents. New York: Norton, 2002).
65
A necessidade de priorizar a justiça social diante do desenvolvimento econômico, especialmente dada a
inépcia deste em impedir o preconceito é também a linha mestra de Cass R. Sunstein (Free markets and
social justice, p. 151 et seq.).
66
Cf. GARCÍA, Bonilla; GRUAT, J. V. Social protection: a life cycle continuum investment for social
justice, poverty reduction and development, p 10.
uma realidade. Da mesma forma, a OIT comprova que se houvéssemos aplicado nos dias de
hoje as regras de distribuição de renda do passado, um terço da pobreza mundial seria
eliminada67.
A política de proteção social deve deixar de ser vista como um estorvo ao
crescimento econômico, mas, sim, como verdadeiro pré-requisito à construção de uma
sociedade livre, justa e solidária. Como já apontado pela OIT em extensa pesquisa, o custo
da proteção é social é administrável e não tão grave quanto o custo de não ter um sistema
protetivo, haja vista o custo social mais elevado pago pela economia e consequente
restrição do crescimento econômico68.
Ao contrário do que possa parecer, o custo da não proteção é maior para a
sociedade, com maior pobreza e vulnerabilidade da população, resultando em perda de
consumidores com o desemprego, necessidade de maiores salários e maior gasto para o
Estado em longo prazo. Ademais, há ainda a perda de capital humano, em razão daqueles
que deixam o labor prematuramente, e os encargos exagerados sobre a família, com a
consequente perda da ideia de solidariedade entre o corpo social. Por último, a redução da
proteção social vulnera a legitimidade do regime, podendo fulminar o sistema democrático,
não havendo condições de participação ativa dos despossuídos.
Nesse contexto, diante do vasto material teórico e da grande quantidade de
informação concreta, pouco resta a dizer – a previdência social, mais do que nunca, é
necessária como instrumento de busca da vida digna.
8. CONCLUSÃO
O propósito com este texto foi, em linhas gerais, evidenciar a estrutura da previdência
social, suas origens, problemas atuais e perspectivas de mudança. Percebe-se que o debate
no Brasil ainda é muito superficial, contaminado, também, por pré-compreensões
equivocadas sobre o tema, associadas a interesses corporativos. A tentativa aqui
67
Cf. LÜBKER, Malte. Assessing the impact of past distributional shifts on global poverty levels. Geneva:
OIT, 2002.
68
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Conference on access to social rights:
Council of Europe, Malta, 14-15 Nov. 2002. Saint Julian’s, Malta e Costs of no social policy: towards an
economic
framework
of
quality
social.
Disponível
em
http://europa.eu.int/comm/employment_social/news/2003/jan/1041848954_en.html.
empreendida foi baseada em análise acadêmica do tema proposto, com base na centralidade
da Constituição no Ordenamento, conjugada com o exame da experiência internacional.
Afinal, devemos manter os olhos ao redor do mundo em busca de lições para nosso próprio
país69.
Apesar de a matéria certamente demandar maior aprofundamento, pode-se concluir que
a previdência social, dada sua natureza contributiva, produz superação das acertadas
críticas a teses panfletárias que divulgavam os direitos sociais como dotados de eficácia
plena e imediata. A reserva do possível previdenciária, em abordagem tridimensional
(fática, financeira e atuarial), permite a fixação de critérios sólidos para a preservação da
vida digna.
Tendo em vista que, na atualidade, defende-se até a máxima efetivação dos direitos
sociais via ponderação, deixando para trás as teorias que reconheciam os direitos sociais
como normas não aplicáveis ou programáticas, especialmente a partir do reconhecido
potencial emancipatório da Constituição, torna-se forçoso concluir pela inevitabilidade da
previdência social. Nesse contexto pós-positivista, desconhecer a jusfundamentalidade da
previdência social é, também, anacrônico.
Não obstante, a previdência social, como instrumento de proteção social coercitiva,
deve limitar-se à garantia do mínimo existencial, o que, nunca é demais lembrar, não se
confunde com o mínimo vital, mas, sim, com a garantia do necessário à vida digna. Como
proposta, pode-se afirmar que a vida digna existe quando há meios para que a pessoa atenda
a todas as demandas básicas enumeradas no art. 7°, IV, da Constituição, ou seja, moradia,
alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte, além, claro, dos demais
direitos fundamentais tradicionalmente reconhecidos e inerentes ao Estado de Direito.
As limitações econômicas – que não podem ser ignoradas – devem ser cotejadas
com as demais disposições constitucionais, pois é aí que se encontram as diretrizes da
sociedade brasileira, sob pena de transmutar os direitos sociais em uma espécie de aleluia
jurídico, na conhecida expressão de C. Schmitt. As opções fundamentais são fixadas neste
documento justamente como rumo para a atuação da Administração, incluindo a
69
Cf. HINRICHS, Karl. Ageing and public pension reforms in western Europe and North America: patterns
and politics. In: CLASEN, Jochens (Org.). What future for social security? Debates and reforms in national
and cross-national perspective, p. 157.
previdenciária, no intuito de preservar os direitos fundamentais e garantir o regime
democrático.
Enfim, previdência social é uma garantia institucional que visa manter seguro
compulsório diante das necessidades sociais, com o intuito de fornecer a seus beneficiários
algum rendimento que substitua sua remuneração, seja indenizatório de sequelas ou em
razão de encargos familiares. Todos os regimes supracitados cingem-se a essa definição,
havendo, como visto, variação perante o universo coberto de pessoas e a sistemática de
fixação das prestações.
A dimensão objetiva dos direitos fundamentais justifica o agir estatal, que deixa de ser
somente um potencial violador de direitos, mas especialmente seu promotor. Isso implica o
reconhecimento da jusfundamentalidade dos direitos sociais e a participação ativa do
Estado, o que impede um retrocesso a concepções estritamente liberais70. Destarte, em
razão da previsão geográfica da previdência social no art. 6º da Constituição, aliada às
considerações dogmáticas expostas supra, é forçoso concluir-se pela jusfundamentalidade
da previdência social, tanto no seu aspecto formal como material71.
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democracia. Tradução de Maria Heloísa de Souza Reis e Heloisa de Carvalho Tavares. Rio:
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70
Como lembra Gregório Peces-Barba Martinez, no hay derechos sociales sin intervención del Estado, y sin
la participación de los ciudadanos reclamando de éste, por un procedimiento jurídico, situado en la
democracia parlamentaria-representativa (Los derechos econômicos, sociales y culturales: su génesis y su
concepto. Revista Derechos e Libertades, del Instituto Bartolomé de las Casas, p. 34).
71
Sobre a distinção entre fundamentalidade formal e material, cf. SARLET, Ingo. A eficácia dos direitos
fundamentais, p. 78 et seq.
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