Ler arquivo - PDF - Instituto Nacional de Moda e Design

Transcrição

Ler arquivo - PDF - Instituto Nacional de Moda e Design
O SÃO PAULO FASHION WEEK REUNIU
33 ESPECIALISTAS PARA DISCUTIR OS NOVOS DESAFIOS
DO BRASIL E REGISTRA AQUI ESTA INICIATIVA
UM CAMINHO DE DESENVOLVIMENTO
PARA O PAÍS ATRAVÉS DA MODA E DO DESIGN
Adélia Borges • Alfredo Bonduki • Altair Assumpção •
Ana Carla Fonseca Reis • Andrea Ciaffone • Andrea Matarazzo •
Angela Tamiko Hirata • Aurílio Caiado • Branislav Kontic •
Carlos Américo Pacheco • Carlos Jereissati Filho • Celso Marcondes •
Cledorvino Bellini • Clovis de Barros Carvalho • Eduardo Rabinovich •
Eduardo Rath Fingerl • Eliana Simonetti • Fabio Barbosa •
Fernando Pimentel • Francisco Simplício • Graça Cabral •
João Alfredo Meirelles • João Marcello Bôscoli • Lala Deheinzelin •
Lídia Goldenstein • Marcio Utsch • Maria Luiza de Oliveira Pinto •
Pedro Passos • Ricardo Guimarães • Ricardo Weiss •
Rogério Massaro Suriani • Rosa Alegria • Rose Carmona • Ruy Porto
Índice
Aproximar os Brasis e lançar o país no mundo como sinônimo de inovação • GRAÇA CABRAL
04
A Economia Criativa e a sustentabilidade do crescimento • LÍDIA GOLDENSTEIN
06
Economia Criativa, desenvolvimento e cooperação cultural no século 21 • LALA DEHEINZELIN
08
Como se constrói o intangível • RICARDO GUIMARÃES
10
Pensar grande, começar pequeno e andar rápido • FABIO BARBOSA
12
Papel do design e da alta escala de produção • CLEDORVINO BELLINI
13
Fortalecer um sistema portador do futuro • BRANISLAV KONTIC
14
A sustentabilidade como verdade e diferencial de marca • MARIA LUIZA DE OLIVEIRA PINTO
18
Inovação de processos, sistemas e usos • ROSA ALEGRIA
20
Estudos e criação de metodologias voltadas para o intangível • EDUARDO RATH FINGERL
22
Aspectos-chave para implementar ações em Economia Criativa • FRANCISCO SIMPLÍCIO
24
Criatividade e conceitos não são copiáveis • ANGELA TAMIKO HIRATA
26
Gestão criativa e competitividade internacional • MARCIO UTSCH
27
Transgressão e eficiência • CARLOS JEREISSATI FILHO
28
A importância da convergência nas políticas públicas • CARLOS AMÉRICO PACHECO
29
A busca da excelência e da qualidade • PEDRO PASSOS
30
Proposta de bairro “criativo” • ROSE CARMONA
32
Bem intangível como oferta do setor público• CLOVIS DE BARROS CARVALHO
33
Estratégias para se valer de um mercado rico em oportunidades • EDUARDO RABINOVICH
34
Panorama da Economia Criativa • ELIANA SIMONETTI
36
A cultura do medo promovida pela mídia – JOÃO ALFREDO MEIRELLES
38
Exportar marca, e não produto • RUY PORTO
39
Formar um grupo forte de articulação • ALTAIR ASSUMPÇÃO
40
Qualidade para concorrer com o “basicão” chinês • RICARDO WEISS
41
Criatividade, emoção e experiência • ANDREA CIAFFONE
42
Ênfase na valorização do talento • ANDREA MATARAZZO
43
Investindo em criatividade: riscos e oportunidades • JOÃO MARCELLO BÔSCOLI
44
Foco no micro, na formação e na sustentabilidade • FERNANDO PIMENTEL
46
Mais atenção ao criativo • ADÉLIA BORGES
48
Desprezo aos meios de produção • ALFREDO BONDUKI
49
Designers e indústria • ROGÉRIO MASSARO SURIANI
50
Interação entre o setor e o BNDES • CELSO MARCONDES
51
Cidades criativas: da teoria à prática em uma volta pelo mundo • ANA CARLA FONSECA REIS
52
União entre criação e negócio • AURÍLIO CAIADO
56
PARTICIPANTE DA PLATÉIA
EXPEDIENTE
Edição - BELL KRANZ • Fotos - AGÊNCIA FOTOSITE • Projeto gráfico - AG_407
Uma publicação do IN-MOD (Instituto Nacional de Moda e Design), braço institucional do SPFW (São Paulo Fashion Week)
IN-MOD - Rua Tavares Cabral, 102, conj. 84, CEP 05423-030, São Paulo, SP • Tel.: (11) 3094-2880
JUNHO DE 2007
Convidados discutem Economia Criativa no lounge oficial do SPFW, na Bienal; encontros aconteceram durante seis dias do evento, em junho de 2007
APRESENTAÇÃO
Negócios
na passarela
Enquanto uma movimentação frenética tomava conta da Bienal, com
gente circulando pelas rampas, corredores e salas de desfiles, um grupo de empresários, economistas e profissionais
de diferentes segmentos discutiam o desenvolvimento econômico do país e o
universo que fervilhava naquele prédio.
Acontecia a semana de desfiles do
verão 2007/2008, e o São Paulo Fashion
Week, por meio de seu braço institucional, o IN-MOD (Instituto Nacional de
Moda e Design), se lançava no desafio
de promover um debate sobre uma nova estratégia de crescimento, a chamada
Economia Criativa _ tida como o toque
de Midas de economias desenvolvidas
_, e o papel da moda e do design como
condutores desse processo.
Nos dias 13, 14, 15, 16, 18 e 19 de junho,
o IN-MOD levou à Bienal representantes
do setor público, da moda, do design e
da mídia, economistas, empresários, especialistas em Economia Criativa e profissionais ligados à chamada indústria
criativa. Cada um recebeu da organização do evento uma proposta de abordagem para ser desenvolvida – muitos,
talvez levados pela criatividade, não se
detiveram a ela, o que não representou
nenhuma perda; ao contrário, como você vai conferir. Entretanto os três desafios sugeridos para nortear as conversas
foram mantidos: qualidade, sustentabilidade e convergência.
02
ECONOMIA CRIATIVA
A organização convidou ainda uma
seleta platéia, na verdade, uma falsa platéia, porque dela esperava-se mais do
que simplesmente assistir. E, felizmente,
foi o que aconteceu.
Nessa publicação, você encontra os
trechos mais significativos das falas de
todos que estiveram reunidos nos seis
dias de encontro. Algumas participações se deram na forma de diálogos e intervenções, mas, para facilitar a leitura
e simplificar o entendimento, os textos
foram editados separadamente.
As inovações promovidas pela sustentabilidade adotada como vetor estratégico no Banco Real são descritas
pela sua diretora de desenvolvimento
sustentável, Maria Luiza de Oliveira Pinto: clientes antigos e bastante rentáveis,
mas que não se alinharam ao conceito,
tiveram o relacionamento encerrado.
“Só existimos em contexto, em relacionamento. É a economia do hífen, daquilo que está ‘entre’”, afirma o
consultor Ricardo Guimarães em sua
apresentação sobre a construção do intangível.
O debate sobre métricas e metodologias de avaliação de ativos intangíveis é
aprofundado por Eduardo Rath Fingerl,
do BNDES.
Para Rosa Alegria, pesquisadora
do Núcleo de Pesquisas do Futuro da
PUC-SP, o mundo pede mais do que
inovação: “Não basta criar novas coisas,
vendáveis, precisamos criar sistema de
reinvenção a partir dos sistemas que
nos restam, aprender a reutilizar, a restaurar, a reciclar”.
O segmento de moda como um sistema portador do futuro, que representa
bom negócio, de preço baixo e grande
retorno, é a tese do sociólogo Branislav
Kontic. Da ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção),
Eduardo Rabinovitch alerta para a informalidade do mercado como fator
que inviabiliza o possível investidor de
analisar um negócio. “Não há números,
as marcas surgem sem projetos, sem saber aonde querem chegar. Falta planejamento”. Para combater os asiáticos, é
determinante a existência de uma grande escala de produção, destaca Cledorvino Bellini, presidente da Fiat.
São diferentes análises, enfoques e
experiências em 34 textos que convergem para um mesmo ponto: a construção de uma visão de futuro.
Este é apenas o registro do primeiro
de uma série de Encontros IN-MOD/
SPFW de Economia Criativa. Na próxima estação tem mais.
Bell Kranz
Editora
03
Aproximar os Brasis
e lançar o país no
mundo como sinônimo
de inovação
Graça Cabral
Vice-presidente do IN-MOD e
diretora de relações corporativas do SPFW
O SPFW entra na segunda década de
vida e inicia mais um ciclo de transformação, em que novos desafios se colocam dentro de um projeto de 30 anos
– até agora, conseguimos estabelecer
um calendário de moda para o país e
consolidar um espaço para o design e a
criatividade dentro e fora do Brasil. Um
processo de longo prazo, dinâmico, de
construção coletiva, algo até então inimaginável no país do imediatismo e da
falta de planejamento.
Está cada vez mais claro que a grande estratégia de desenvolvimento para
o século 21 está nos negócios criativos.
Moda e design desempenham um papel
fundamental neste processo, inovando,
abrindo portas, adicionando valor aos
negócios, gerando empregos, sintetizando tendências, criando redes não só de
negócios como de saber e cultura.
Quando paramos para pensar o que
queremos projetar para os próximos 10
anos, imediatamente pensamos em uma
série de encontros, onde pudéssemos ter
a oportunidade de conversar e discutir
caminhos para a inserção definitiva do
Brasil no mundo como país criador de
moda e design, sinônimos de inovação
e tecnologia. Uma oportunidade única
para abrir novas possibilidades, multiplicar nossas imaginações e compartilhar conhecimentos.
Vivemos um momento importante
na moda brasileira. Estamos aprendendo a trabalhar juntos de forma contínua,
preservando diferenças e fortalecendo
o que temos em comum. Começamos
a enxergar com mais clareza as mudanças necessárias para continuar crescendo e atendendo às novas necessidades
04
ECONOMIA CRIATIVA
do mercado. A intenção é aprofundar
o conhecimento do setor e determinar
níveis reais de crescimento interno e
externo, capazes de promover políticas
públicas de Estado e gerar atratividade
e investimentos que possam garantir a
sua sobrevivência.
Fundamentalmente, temos em mente a idéia de começar a construir uma
visão de futuro em torno de princípios
já bem estabelecidos da Economia Criativa voltada para o desenvolvimento.
Chamo isso de “aproximar os Brasis”.
O Brasil do design, da inovação, da tecnologia com o Brasil da vocação, do talento, da diversidade. Estabelecer novos
vínculos com base no reconhecimento,
auto-estima e confiança.
DE SUSTENTADA A SUSTENTÁVEL
O São Paulo Fashion Week é, antes
de mais nada, um espaço de relações,
um ponto de convergência de redes
criativas diversas. Quando falamos em
redes, falamos em sustentabilidade. Redes interdependentes com capacidade
para trocar, ampliar, disseminar conhecimentos e experiências e inovar. Falamos em sair da condição de criatividade
sustentada para sustentável, trabalhando de forma integrada, onde cada ponto individual agrega valor e potencial
ao todo, e todos podem compartilhar
e usufruir de seus produtos. Falamos de
inclusão, de gerar oportunidades para
somar e construir. Para isso é preciso conhecer, conversar, prestar atenção, fazer
contato de verdade.
A moda como comportamento e
estilo de vida está inserida em quase todos os negócios. São poucas as áreas em
que a imagem de moda não é utilizada
como alicerce de comunicação, venda e
posicionamento de marca, ancorando
as grandes estratégias de marketing em
torno dos chamados objetos de desejo.
Tudo isto gera bilhões de dólares em negócios extremamente variados.
MODA LANÇA CONCEITOS
O Brasil tem várias caras, inúmeras
identidades e muitas vocações. Moda
brasileira é a moda que leva a marca
dessa diversidade. Se moda é comportamento, e comportamento é atitude
e comunicação, a moda não lança só
roupa, lança conceitos. Logo uma plataforma como o SPFW tem a obrigação
de propor novos olhares, dentro de um
processo de construção de uma cultura
de moda num país tão rico e diverso e
tão avesso à reflexão.
Inventar novas possibilidades é um
desafio tremendo porque não depende de uma única cabeça solitária. É no
meio dos inúmeros encontros entre
pessoas, idéias, coisas que isso acontece. É por isso que a moda no Brasil é tão
fascinante, porque é movida pelo desejo de muitos, o desejo que resulta dos
inúmeros cruzamentos e geram uma
multiplicidade fantástica. Esse desejo
é contagiante, ele provoca novos desejos e possibilidades que podem ganhar
consistência, desencadear novas maneiras de cooperar e de se associar, novos
caminhos. Um trabalho contínuo que
requer cuidado e atenção, que requer
tempo de maturação e avaliação. Um
processo de e em construção.
Até onde podemos ir?
O novo está em cada conexão que
fazemos. E o futuro chega cada vez mais
rápido, o que faz com que tenhamos que
nos reinventar com igual agilidade. Em
setores maiores e tradicionais, como a
indústria automobilística, já se tem uma
compreensão do papel fundamental que
o design exerce como diferencial competitivo capaz de reinventar o negócio.
No caso das empresas menores, a inovação e a tecnologia aliadas à criatividade são vitais. Tudo isso custa tempo e
dinheiro. Que tipo de atenção e investimento estamos atraindo? De que forma
abrir espaço para discutir questões intangíveis no âmbito da economia? Como gerar uma percepção positiva de um
segmento que, muitas vezes, parece só se
lamentar e não ter projeto de futuro?
A intenção deste ciclo de encontros
é exatamente iniciar uma conversa com
setores que normalmente não se conhecem e pouco se falam. Abrir um espaço
de diálogo entre economia e criatividade. Um novo ciclo que possa pautar e
convergir esforços públicos e privados
em torno de um planejamento de médio e longo prazo para a moda e o design
brasileiros. A revisão de todos os processos é só o início de um movimento mais
amplo de qualidade, convergência e sustentabilidade. Isso inclui analisar nossos
modelos de gestão, níveis de eficiência,
meios de produção, nossos critérios de
qualidade e inovação, nossas fontes de
financiamento.
Como valorar o intangível? Como
mapear esse mercado de tamanhos diferentes, que vai desde o micro e pequeno
empresário que tem uma confecção até
o pequeno e médio industrial, e entender quais são as necessidades desse mercado? Como beneficiar uma camada
maior da população que vive à margem
do processo, porque ainda está tentando
copiar ou fazer a mesma coisa que todo
mundo faz? Como impulsionar tudo isso e trazer inovação, tecnologia?
Como reunir inteligências para acelerar o salto qualitativo necessário? Esse
é o foco do Instituto Nacional de Moda
e Design (IN-MOD), braço institucional
do SPFW.
Nesse segundo ciclo de inovação,
é importante ouvir e aprender com
exemplos de empresas brasileiras que já
trabalham com o conceito integral de
globalização, investindo dentro e fora
do país para ganhar mercado e competitividade e acesso a novas tecnologias.
Tudo isso demanda reflexão e investimento. É isso que estamos tentando
construir. Uma visão de futuro para
atrair novos investimentos e estabelecer uma interlocução eficiente entre as
empresas criativas – e a moda e o design
estão inseridos nisso – e a indústria e os
setores econômicos e financeiros, públicos e privados. Queremos estabelecer
novas conexões. Relações que nos ajudem a crescer, e crescer é aceitar mudanças, transformações. E por que não?
Estamos juntando “cabeças” para
pensar como gerar uma nova percepção de mercado. É uma segunda etapa
crucial para a consolidação do espaço
que foi conseguido nesses primeiros dez
anos e que precisa ser aprofundado. Isto
quer dizer investir em pesquisas e estudos que possam mostrar qual é a realidade do setor e apresentar oportunidades
e riscos, gerando atratividade.
A moda tem a liberdade de sempre
poder olhar de maneira inesperada para
o óbvio e dizer de outros jeitos, múltiplos e complexos. A sua universalidade
reside exatamente nessa capacidade de
ser única e diversa ao mesmo tempo.
À moda cabe propor mudanças, transformações, derrubar padrões e criar novos hábitos. A responsabilidade de nos
reinventarmos dia a dia é um pressupos-
to da moda. É essa irreverência que produz um novo olhar.
Ao inovar e integrar meios culturais
e criativos da economia, o SPFW é visto,
em vários lugares do mundo, como um
caso referência de Economia Criativa.
Talvez por ter se utilizado de questões
intangíveis, como articulação, marca,
idéias e estratégias, para transformar o
tangível.
Tem uma visão de futuro que vem
da ordem e do progresso inseridos em
nossa bandeira; e tem o futuro que vem
da transgressão, do não aceitar fórmulas
prontas, de ultrapassar limites, de deixar o caminho desimpedido, aberto ao
desconhecido, que também faz parte
do nosso DNA. Precisamos tomar posse
dessas duas forças e levá-las até o limite
do que podem produzir.
ESPAÇO DE CRIAÇÃO COLETIVA
Mais do que nunca o futuro é uma
experimentação, uma aventura, uma invenção. O São Paulo Fashion Week é um
espaço para esse exercício. Um espaço
ampliado de criação coletiva, onde empreendemos, divergimos, inventamos,
experimentamos, criamos, administramos, modificamos, aperfeiçoamos,
lideramos, inovamos, compartilhamos,
trocamos semelhanças e diferenças. Seu
maior mérito, ao longo destes anos, tem
sido o de promover bons encontros.
Encontros que geram acontecimentos,
que provocam mudanças, que abrem
perspectivas, que criam novas soluções.
Encontros que dá vontade de repetir.
05
A Economia Criativa
e a sustentabilidade
do crescimento
Lídia Goldenstein
Economista, consultora, membro da Agência
de Desenvolvimento da Prefeitura de São Paulo
e membro do Conselho do IN-MOD
Pode-se dizer, sem dúvida, que o Brasil hoje vive um cenário macroeconômico bastante positivo tanto do ponto
de vista das contas externas, quanto internamente, especialmente se comparado aos quase vinte anos de sucessivas
crises, com baixo crescimento, elevada
inflação e recorrentes problemas no Balanço de Pagamentos.
Os indicadores de solvência externa
revelam uma situação muito confortável: um superávit comercial projetado
de U$ 43 bilhões para o final de 2007, reservas internacionais líquidas projetadas
para cerca de U$ 190 bilhões e uma dívida externa decrescente. Conseguimos
uma importante redução estrutural da
nossa vulnerabilidade externa, com o
financiamento do Balanço de Pagamentos deixando de ser um problema.
Internamente, a inflação não só foi
controlada, mas permanece em um nível baixo, permitindo a redução da taxa
de juros, a qual, apesar de ainda elevada
e uma das mais altas do mundo, já caiu
significativamente, situando-se no menor nível desde os anos 80.
Com tudo isso, resultado de mais
de duas décadas de ajustes difíceis, finalmente a economia voltou a crescer. E, exatamente por isso, temos uma
oportunidade única para pensarmos o
futuro do país sem o peso das sucessivas crises que nos abateram por longos
anos. É o momento, quando os mais
variados indicadores macroeconômicos mostram-se excelentes, ou no mínimo razoáveis, de fortalecer as bases para
que a economia brasileira consolide a
atual fase de crescimento e, finalmente,
entre em uma trajetória de crescimento
sustentável.
06
ECONOMIA CRIATIVA
Na atual conjuntura internacional,
extremamente favorável, crescer a taxas elevadas por um ou dois anos está
se revelando muito possível. Porém não
se pode contar para sempre com um cenário tão positivo. Ciclos e crises sempre
existiram e continuarão a existir.
Ou seja, apesar da nítida redução da
vulnerabilidade externa brasileira, não
Neste contexto, a questão mais premente e simultaneamente mais difícil
que se coloca hoje para o Brasil é como
construir um caminho de sustentabilidade do crescimento. Como aproveitar
o atual “bom momento” e não só consolidá-lo, mas ampliá-lo, ousando, rasgando fronteiras, colocando o Brasil no
mapa do mundo de forma diferenciada,
se pode esquecer que ela é fruto, de um
lado, da imensa liquidez no mercado
financeiro internacional e, de outro,
da elevação dos preços das commodities
em decorrência da demanda chinesa. A
reversão deste cenário poderá não trazer o nível de stress ao qual estávamos
acostumados, mas, sem a menor dúvida, imporá limites às nossas taxas de
crescimento.
No mundo atual, no qual a intensificação do processo de globalização
graças às novas tecnologias continua
provocando impactos profundos na
distribuição geográfica mundial da produção, a China, juntamente com outros
pequenos países da Ásia, vem se trans-
garantindo uma inserção internacional
privilegiada num mundo cada vez mais
competitivo e complexo.
formando no grande supridor internacional de manufaturados, ameaçando
não só as estruturas produtivas dos
países emergentes, como a de tradicionais produtores.
A forma como os diferentes países
vêm enfrentando este novo cenário internacional não é única. Muitos, principalmente os chamados emergentes,
quer por dificuldades na sua estrutura
produtiva, quer por dificuldades políticas, muitas vezes por ambas, têm conseguido, a duras penas, agir apenas defensivamente.
MENTALIDADE INOVADORA
A indústria brasileira tem conseguido sobreviver, mas sempre com um projeto defensivo, driblando as sucessivas
crises. Entretanto, para competir com
a China com suas escalas de produção
e mão-de-obra barata, é preciso muito
mais. Para enfrentar este desafio precisamos de empresas com uma mentalidade
inovadora, capazes de construir marcas
fortes, produtos com design, desenvolver tecnologia e inovar, gerando maior
valor agregado para seus produtos.
Mas esta mentalidade não floresce espontaneamente, necessita de um “caldo
de cultura” gerado com o fortalecimento do que pode ser chamado Economia
Criativa, um complexo de atividades
profundamente ancoradas nas economias urbanas e que são propulsoras de
inovação e da ampliação da capacidade
produtiva do conjunto da economia
nacional, inclusive dos setores considerados mais tradicionais.
Trata-se de criar um ambiente no
qual a chamada economia do conhecimento não se restrinja apenas à ciência e
tecnologia, mas amplie a capacidade de
utilização dos benefícios da inovação
através do conhecimento em todos os
setores. Um ambiente no qual os ativos
intangíveis, a geração de valores através
do capital intelectual, se disseminem e
impulsionem os mais diferentes setores da economia, capacitando-a para
enfrentar os novos desafios que forem
aparecendo.
No Reino Unido, um dos países que
mais tem investido na chamada Economia Criativa, a redução de sua estrutura produtiva tradicional para a China e
Índia foi “compensada” pela geração de
empregos e capacidade de exportação
deste conjunto de setores que, depois do
mercado financeiro, é o maior do país e
atualmente o que mais cresce: propaganda, arquitetura, mercados de arte e antiguidades, crafts, design, design fashion,
filme e vídeo, software interativos de lazer, música, performing arts, publishing,
software e computer services, televisão e
rádio, entre outros.
São setores dinâmicos, que mais têm
capacidade de criar empregos, principalmente entre os jovens, e que, se bem
articulados e apoiados, tornam-se propulsores de inovação e da ampliação da
capacidade produtiva do conjunto da
economia nacional.
O Brasil, dadas as características de
sua população – tamanho, escolaridade, faixas etárias – e sua desigualdade na
distribuição de renda, não pode se dar
ao luxo de prescindir de um setor manufatureiro, tanto por sua capacidade
de gerar empregos, muito superior ao
setor agrícola e aos setores produtores
de commodities em geral, como por sua
capacidade de amortecer os ciclos decorrentes das vicissitudes do comércio
internacional.
Portanto a garantia não só de maior
sustentabilidade, mas de maior equidade do crescimento atual, passa necessariamente pelo fortalecimento da Economia Criativa. É a Economia Criativa que
pode garantir a geração de um ambiente
inovador robusto, que se espraie para
todos os setores da economia, criando
e alavancando os instrumentos necessários para o fortalecimento do setor manufatureiro brasileiro, o qual tem perdido espaço quer internamente, para as
importações, quer no mercado internacional, para outros países exportadores.
INTANGÍVEIS NA COMPETIÇÃO
Setores considerados tradicionais,
como o têxtil, por exemplo, articulados
As características culturais do Brasil
representam uma imensa oportunidade
de desenvolver suas indústrias criativas
e, com elas, elevar o valor agregado do
setor de serviços e segmentos do setor
industrial. Mas, para isso, é fundamental ter um projeto proativo que envolva
governos, agências de governo, setor privado, empresários dos mais diferentes
setores, economistas e representantes
dos setores criativos e culturais.
É pensando nisso que nós nos propusemos o desafio de realizar durante o
SPFW uma série de encontros que ajudassem a pensar este futuro. É um desafio
que se impõe a todos nós, de construir as
rotas que permitam sairmos de trajetórias defensivas para uma trajetória proa-
e “vitaminados” pela Economia Criativa, passam a assumir a construção de
ativos intangíveis como forma de competição, inovando, quer em design, quer
em produtos, quer em processos e ou
materiais, tornando-se setores dinâmicos, com capacidade de exportar, atrair
investimentos, gerar empregos e sobreviver à violência da atual concorrência
internacional. Indústrias tradicionais
deixam de ser tradicionais quando incorporam ao seu cotidiano o desenvolvimento de novos processos e produtos,
novos materiais e design.
tiva, de construção de um futuro.
E o sucesso dos encontros deixou
claro não só a importância da nossa proposta, mas a sua viabilidade. Setores tão
diversos, como o financeiro, o automobilístico, o de cosméticos, o calçadista e
o têxtil têm, na Economia Criativa, um
mínimo denominador em comum que,
se trabalhado conjuntamente, tem o poder de alavancar a capacidade de criação
de bens intangíveis, os únicos, em um
mundo cada vez mais “commoditizado”, capazes de, através da diferenciação,
criar riqueza e garantir crescimento.
07
Economia Criativa,
desenvolvimento e
cooperação cultural
no século 21
Lala Deheinzelin
Assessora em Economia Criativa da Unidade Especial de
Cooperação Sul-Sul da ONU, superintendente de cultura do Núcleo
de Estudos do Futuro da PUC-SP e membro do Conselho do IN-MOD
De acordo com várias unidades do
sistema ONU, a Economia Criativa é a
grande estratégia de desenvolvimento
para o século 21. Assim, nosso trabalho
tem sido o de mostrar às lideranças governamentais e empresariais o seu papel
estratégico, já que trabalhar com desenvolvimento pressupõe a capacidade de
enxergar além do presente, construindo
visões de futuro.
De maneira simplificada, a Economia Criativa é um guarda-chuva que
abrange as atividades que têm a criatividade e os recursos culturais como
matéria-prima. Agrupá-las como um
setor permite a formulação de políticas
e a criação de ambiente adequado. Ela
é constituída por um núcleo de artes
(artes cênicas, visuais etc.); um núcleo
de geração de conteúdo (mercado editorial e fonográfico, rádio, TV etc.); um
núcleo de serviços criativos (moda, design, arquitetura, publicidade etc.), um
núcleo importantíssimo originado a
partir do popular e tradicional (artesanato, festas populares, cultura popular
etc.) e um núcleo ligado ao espaço público (equipamentos culturais, revitalização e qualificação de espaços públicos, atividades de massa etc.).
Economia Criativa é um conceito
amplo o suficiente para incluir nossa
diversidade, tanto de linguagem quanto de modelos de negócios, englobando
uma vasta gama que vai do indivíduo
que trabalha educação complementar
através de música a uma grife de luxo.
Distingue-se da indústria criativa pelo foco em desenvolvimento, e não em
crescimento econômico, por gerar mer08
ECONOMIA CRIATIVA
cado ao trabalhar com inclusão social e
produtiva, por incluir a economia informal, pela ênfase na preservação da diversidade cultural, pela inclusão de saberes
e fazeres tradicionais, pela interface com
economia solidária e pela sustentabilidade originada por modelos de negócios
de pequenas empresas articuladas.
É considerada estratégica, por exemplo, por lidar com o único recurso que
não se esgota com o uso, mas, ao contrário, se renova e multiplica: criatividade e conhecimento. Gera renda com
postos de trabalho com baixo custo e
melhor remunerados. Qualifica o capital humano e fortalece o capital social.
É um setor que cresce duas vezes mais
que a indústria e quatro vezes mais que
a manufatura.
ECOLOGIA CULTURAL
Na nossa história, tivemos fases em
que o motor da economia foi sucessivamente matérias-primas, produtos, serviços. Nesta época de passagem do tangível para o intangível, do mecânico para
o virtual, o novo motor da economia é
a experiência, a qualificação e a diferenciação através de valores culturais e simbólicos agregados. Este século também
se caracteriza pela percepção da nossa
interdependência. Já fomos dependentes da natureza, já tivemos a ilusão de
independência e agora começamos a
ter noção de nossa interdependência. A
inter-relação dos mercados mundiais é
um exemplo disso.
A percepção da interdependência fica clara no que diz respeito ao ambiente.
Por risco de destruição, fomos forçados,
na primeira metade do século 20, a adotar uma visão sistêmica e integrada das
disciplinas que lidam com o ambiente.
Hoje, nossos maiores desafios são de
ordem cultural, interpessoal e precisamos passar pelo mesmo processo no
que diz respeito às disciplinas que lidam
com o intangível. Acho que vivemos o
momento da constituição de uma nova
disciplina: a ecologia cultural, que trata
de forma sistêmica as disciplinas que lidam com o humano, como economia,
cultura, direito. O interessante da Economia Criativa é que ela atua de forma
interdependente com os dois ecossistemas: economia para o ecossistema
tangível, ambiental, e criativa para o
ecossistema intangível, cultural. O ecossistema cultural tem quatro dimensões,
que coincidem com aquelas ligadas à
sustentabilidade.
1. A dimensão simbólica, ou cultural,
é aquela onde estão inseridos os valores. É trabalhada por meio do conhecimento e tem como principais desafios o
acesso democrático e a visibilidade. As
formas de capital a ela relacionadas são
o capital humano e o cultural.
2. A dimensão social abarca o setor
público e o privado e a sociedade civil
organizada e é trabalhada por meio de
redes. Tem como desafio a ação articulada e transdisciplinar e está ligada
àquilo que é nossa grande carência: capital social.
3. A dimensão ambiental inclui o
ambiente natural e o ambiente tecnológico (infra-estrutura e equipamento
disponíveis). É trabalhada por meio do
design (no conceito de Bruce Mau: o
design como ferramenta para redesenhar o mundo) e tem como principais
desafios a sustentabilidade e o planejamento (outro ponto fraco no Brasil). As
formas de capital relacionadas a ela são
o capital natural e o tecnológico.
4. A dimensão econômica atua como
mediadora das outras. É trabalhada por
meio do mercado e de sua regulação.
Seus principais desafios são a distribuição eqüitativa e a regulação dos fluxos
(de capital, de bens, de direitos de propriedade). E a forma de capital a ela relacionada é o capital financeiro.
DE PRODUTOS A PROCESSOS
Como atuar com Economia Criativa
levando em consideração os dois ecossistemas interdependentes (o ambiental
e o cultural) e essas quatro dimensões?
Precisamos mudar nossa política de
atuação através de produtos (eventos e
ações isoladas e imediatistas) para uma
política de processos (ações integradas
e em médio e longo prazo). Processos
que, para terem sucesso, devem ser multissetoriais, transversais e multidimencionais. Temos uma grande dificuldade
aqui, pois nossas instituições, do ensino
ao setor governamental, são compartimentalizadas e despreparadas para isso.
É preciso também contemplar as
quatro dimensões, pois a ênfase dada
exclusivamente à dimensão econômica
não propicia o desenvolvimento sustentável. O São Paulo Fashion Week é
um exemplo de sucesso: não se trata de
um evento, mas de um processo que integrou o setor e criou redes (dimensão
social); reforçou o papel da identidade
e do design, mudou a imagem do Brasil
(dimensão simbólica); tem visão de longo prazo e sustentável e gera inovação
tecnológica (dimensão ambiental) e cria
mercado e novas formas de distribuição
(dimensão econômica).
SER OU ESTAR, EIS A QUESTÃO
Neste século 21, a nova ciência nos
apresenta uma visão de mundo onde
existe constante mudança de estado
entre matéria e energia, tangível e intangível. A física quântica dá um novo
sentido à celebre frase de Shakespeare:
“To be or not to be, this is the question”.
Nas línguas latinas, a frase ganha o que
acredito ser seu sentido original: “Ser ou
estar, eis a questão”. As coisas são, mas
também estão. Mudam de estado, como
a água, que é gelo, rio ou nuvem. Se as
1. Criar conectores. Conectividade e
convergência são as grandes características deste século. Precisamos de conectores que integrem e articulem poder
público, privado e sociedade civil. É
preciso formar profissionais modem, ou
conectores, com perfil transdisciplinar e
aptos, por exemplo, a desenvolver projetos que incluam as quatro dimensões da
coisas não apenas são, mas estão, podem
estar de outro jeito. Promover mudança
de estado – através de processos integrados – seria então nosso papel. Por exemplo: acredito que o Brasil é o país mais rico do mundo, pois não temos desertos,
inverno, terremotos, conflitos étnicos/
religiosos e temos auto-suficiência energética e recursos hídricos, naturais e culturais incomparáveis. Se somos, por que
não estamos?
Pela incompetência em ter ação articulada entre os setores público e privado e a sociedade civil; pela falta de continuidade nos governos, que leva a um
descrédito; pela nossa dificuldade em
nos organizarmos como um setor – trabalhamos baseados nas nossas diferenças, e não nas nossas semelhanças –; pela
falta de planejamento e visão de longo
prazo. E, principalmente, por termos
feito “canja da galinha de ovos de ouro”
ao não reconhecer o papel estratégico
de nossa cultura e criatividade, que deveriam ter centralidade na formulação
de políticas de desenvolvimento.
ESTRATÉGIAS
Há dois fatores que considero estratégicos na atuação em Economia Criati-
Economia Criativa. Precisamos ainda de
ferramentas conectoras que sirvam, por
exemplo, para difundir as melhores práticas, dar-lhes visibilidade e promover a
conexão entre elas. Finalmente, necessitamos de instituições conectoras, que
desempenhem o tão necessário papel. O
IN-MOD é uma delas.
2. Preparar terreno. Geralmente acreditamos que boas sementes são garantia
de bons frutos, porém nossas sementes
(idéias, inovações) morrem porque o terreno não está preparado. Por isso temos
o papel de garantir futuros possíveis e desejados, preparando o terreno e fomentando o ambiente favorável por meio da
sensibilização e da instrumentalização
das lideranças sobre o papel estratégico
da Economia Criativa. E, finalmente, a
base de tudo: ética. A falta de ética é o
que devasta o ecossistema cultural e seu
efeito nefasto corresponde ao efeito do
aquecimento global sobre o ecossistema
ambiental.
Com esses elementos, estaremos mais
aptos a tomar em nossas mãos a tarefa
de mudar o mundo, mudando nossas
mentalidades e hábitos: não mais uma
relação de usufruto, mas uma relação de
cuidado, criando um mundo que deseja-
va e desenvolvimento.
mos e merecemos.
09
Como se constrói
o intangível
Ricardo Guimarães
Fundador e presidente da Thymus Branding
Desfile da grife do Grupo Cultural AfroReggae
O intangível de maior valor econômico hoje é o futuro, a certeza do futuro – justamente porque ele é incerto. Se
fizermos uma busca na internet, vamos
encontrar mais de 150 livros sobre a “era
da insegurança” ou “era da incerteza”
lançados nos últimos anos, porque estamos vivendo essa era.
O futuro ainda não existe, não é um
resultado tangível, passível de contabilização e de registro. Quando o futuro é
incerto, a certeza sobre o futuro passa a
valer muito.
Onde a economia atribui valor ao
futuro? Nas bolsas de valores. Além do
valor contabilizável, definido pelos
ativos tangíveis, o ‘book value’, – o investidor avalia também que resultado
futuro uma empresa pode lhe garantir
se ele comprar suas ações; e assim chega
ao seu valor de mercado.
De uma forma bem simples a história conta que nos primeiros anos da
década de 1990, no início da popularização da internet, a Microsoft começou
a valer mais do que a GM. Isso porque
as garantias de resultado futuro da
Microsoft eram melhores do que as da
GM. Seja pelo mercado seja pelos ativos,
as garantias que a GM oferece eram mais
tangíveis: seus prédios, seus estoques etc.
Já as garantias de resultado futuro da
Microsoft são o conhecimento que
reside em seus funcionários, que é intangível. Empresas como a Microsoft
possuem uma flexibilidade, uma adaptabilidade para se adequar a situações
novas, não previstas, que quem está
apoiado em ativos tangíveis não tem.
Em síntese, quanto mais incerto e
turbulento o futuro, mais valem os ativos flexíveis e adaptáveis.
INFORMAÇÃO EM TEMPO REAL
Está cada vez mais difícil fazer previsões. A tecnologia da informação
disponível na nossa sociedade conecta
pessoas, empresas, governos e mercados
numa velocidade tão grande que as informações circulam numa simultaneidade tal que não se consegue mais fazer
previsões seguras.
Tradicionalmente, quando se vive
num ambiente incerto, turbulento, e
há necessidade de garantir resultados
futuros, as pessoas começam a investir
na ferramenta que todo gestor usa até
hoje: controle. É o modelo mental de
gestão: vou olhar aquilo que eu posso
controlar; aquilo que não consigo controlar, não levo nem em conta.
Hoje não temos mais variáveis controláveis por causa da tecnologia da
informação, que acelera o tempo histórico. O setor da economia que mais usa
essa tecnologia é o sistema financeiro
internacional. Nele, é possível observar
eventos e fenômenos que surpreendem
o modelo mental de previsão de ocorrências. Em outubro de 1998, por exemplo, com a crise da Rússia, todas as bolsas do planeta caíram em 13 segundos.
O investidor George Soros é uma figura muito interessante que nos ajuda
a entender este momento. Com a crise
russa, ele perdeu U$ 2 bilhões e declarou: “Precisamos criar um organismo
internacional de natureza política para
controlar o mercado financeiro”. Ele sabia que, sem mecanismos de controle,
ele não teria como receber informações
antecipadamente e, assim, se preparar
para evitar prejuízo. Sem controle, não
há possibilidade de manipulação ou de
usufruir de informações privilegiadas.
Hoje, o sistema financeiro trabalha
em tempo real, como o tempo biológico: se eu pisar no pé de alguém, o cérebro
da pessoa recebe a informação imediatamente, desencadeando uma reação.
Foi o que aconteceu na crise da Rússia:
em apenas 13 segundos, o mercado reagiu. Com a tecnologia, o sistema financeiro internacional ganhou a dinâmica
de um organismo vivo, portanto extremamente plástico, extremamente adaptável, extremamente imprevisível. Ele
não é uma máquina, não é controlável,
não é previsível e não segue o modelo
de gestão que adotamos até ontem para
gerenciar as empresas.
ECONOMIA INTERATIVA
Pensando nessa nova dinâmica, podemos falar em economia interativa
como uma contribuição à economia
criativa. A economia interativa é uma
economia em rede, em que nada está
pronto e o valor está na relação, na capacidade de se conectar e se adaptar. É
saber usar os recursos para produzir um
bem ou um serviço e, simultaneamente,
gerar feedback para ter melhores condições para reformular o projeto com outros parceiros e recursos.
Essa dinâmica de desenvolvimento,
de evolução em tempo real pelas conexões e relações é que vai determinar a
sobrevivência e a garantia de resultado
futuro. É uma economia de acolhimento, de vínculo.
Por exemplo, quando uma pessoa
vai trabalhar na GM, ela é contratada
para fazer carros. O operário é como
uma máquina, programada com um
chip para fazer carros da maneira como sempre foram feitos. Já na Toyota, a pessoa é contratada para melhorar o jeito de fazer carros. Existe uma
valorização do indivíduo e de seu senso
crítico que enriquece a cultura da empresa porque nada, nunca, está pronto.
Isso é intangível, é o processo.
A Chrysler resolveu fazer um carro
que fosse o paradigma da qualidade e
pelo qual todo consumidor tivesse respeito absoluto. A empresa fez pesquisa
de mercado para saber qual era o carro
ideal? Claro que não! Consumidor não
entende de automóvel, só sabe dirigir.
A Chrysler deu carta branca para os engenheiros projetarem o automóvel dos
sonhos – deles mesmos. Nasceu o Dodge
Viper, que é absoluto sucesso nos Estados
Unidos, uma referência de qualidade.
Isso é branding: ir além do que o
mercado quer. Além de ouvir o mercado, avaliando os hábitos e costumes da
sociedade e as expectativas do consumidor, a empresa deve usar o conhecimento, o senso crítico, os valores e as crenças
de seus funcionários. Fazer aquilo que
acha que deve ser feito, e não apenas o
que o povo quer. É dessa forma que uma
empresa sai na frente das outras, apostando em aspectos que ainda não são
constatáveis pelos instrumentos da pesquisa convencional.
Por que estou falando dos valores e
das crenças individuais? Porque a sociedade não se estrutura mais por países e
instituições. Faz tempo que as economias são interdependentes em um nível
tal que as fronteiras nacionais são obstáculos para o fluxo de riqueza e de competência entre as pessoas.
Soberania nacional é um valor datado do século 20, quando acreditávamos
que bom era ser independente. Maturidade é o reconhecimento da interdependência. Só existimos em contexto,
em relacionamento. É a economia do
hífen, daquilo que está “entre”.
10
ECONOMIA CRIATIVA
VALORES E CONVERGÊNCIA
O que está impactando nosso futuro,
nossa competência, nossa dificuldade de
criar riquezas de forma sustentável é não
saber fazer a gestão do “entre”, da interatividade, do relacionamento. Pessoas,
empresas, produtos são tangíveis, mas as
relações – o hífen – são intangíveis.
No lugar de United Nations, devemos criar a United People: fragmentar
mais o mundo não em nações e instituições, mas em pessoas, porque são as
pessoas que têm emoções, vêem significado e se ligam umas às outras.
Países e empresas têm interesses, mas
as pessoas desses países e dessas empresas possuem valores e crenças. O que
coloca uma empresa na vanguarda da
economia não é o plano de marketing, é
a crença e a visão das pessoas que fazem
essa empresa, que conseguem ver aquilo
que os outros não vêem.
As empresas são estruturas fechadas.
Já as pessoas são estruturas abertas. O ser
humano aprende, interage. Os conflitos
de interesse entre os indivíduos existem,
mas, quando se trabalha no plano das
crenças, existe a possibilidade de convergência. Quando as pessoas se unem
em torno de um projeto grande, existe
mais tolerância. Com convergência de
crenças e de visão de mundo, é mais fácil administrar conflitos de interesse.
VÍNCULO COM AS MARCAS
Esse raciocínio é aplicável também
ao relacionamento do consumidor com
as marcas, que, como as pessoas, são estruturas abertas, permanentemente criativas em todos os seus processos. Se ele
tem um vínculo com os valores da marca, é mais tolerante para os eventuais
erros da empresa que detém aquela
marca. Esse consumidor acredita que a
empresa quer acertar e, por causa disso,
dá uma segunda chance. Se não há esse
vínculo, ele troca a marca por uma da
concorrência.
O identificador fundamental do intangível é a atratividade. O mercado de
capitais trabalha com isso: quanto maior
a atratividade, menor o custo de capital.
A atratividade, o magnetismo de uma
marca é mensurável. Quanto tempo a
mais o consumidor está disposto a esperar pelo que ele quer? Quanto a mais ele
está disposto a pagar por aquela marca?
O mundo está se organizando em
partes cada vez maiores, mas a partir da
menor parte. A menor parte é o indivíduo, que tem no marketing e na customização a possibilidade de ser atendido
em suas mais ínfimas peculiaridades. As
partes maiores são os blocos econômicos, que se organizam pela competitividade, pelo que podem oferecer com
qualidade e baixo custo. É preciso determinar a identidade, a vocação de uma
região para formar esses blocos.
Com a tecnologia disponível hoje,
o conhecimento já não tem fronteiras,
então não podemos continuar falando
de limites territoriais e políticos. Devemos falar do vínculo, dessa identidade
que viabiliza produtos e serviços com
melhor qualidade e melhor preço.
11
Papel do design e
da alta escala de
produção
Detalhe da Biblioteca Real, montada na Casa SPFW, na Bienal, onde ocorreram os Encontros IN-MOD de Economia Criativa
Pensar grande,
começar pequeno
e andar rápido
Fabio Barbosa
Presidente do Banco Real ABN AMRO e presidente
da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos)
O Brasil vai ocupar um espaço diferenciado no mundo. Essa é uma constatação importante de ser feita. Estive
nas Nações Unidas recentemente e, na
questão do meio ambiente, o Brasil apareceu como peça fundamental. E qual
a razão? Porque o país é grande? Não,
porque o Brasil tem sido inovador, o
país que mais novidades tem trazido
nessa área. Está se voltando para a questão do combustível, do biodiesel, do etanol, do combate à devastação da Amazônia... Está totalmente conectado com
as tendências mundiais no que se refere
a meio ambiente, assim como nós, como organização, no Banco Real.
Isso coloca o Brasil perante o mundo
como um país que tem, de fato, algo a
agregar, não pelo seu tamanho nem
apenas pelo volume de negócios que
pode gerar, mas pela inovação, pela nossa visão diferenciada.
O banco tem tido uma proposta
muito inovadora no sentido de olhar
para o todo, promovendo impacto nos
vários públicos com os quais se relaciona. Provocamos nas pessoas reflexões
com relação àquilo que tem sido feito,
se aquela é a maneira de fazer, se existe
outra, e notamos que isso está gerando
uma mudança. Entendemos que, por
estarmos no pelotão de frente desse movimento, temos que dar respaldo a tudo
aquilo que quer seguir nessa mesma direção, como é o caso do SPFW.
12
ECONOMIA CRIATIVA
É muito gratificante mostrar não para a indústria em si, mas para todo o país
que é possível seguir um outro modelo
de negócios, um modelo que estimula
a criatividade, o design, valoriza as pessoas, estimula os pequenos produtores e
abre portas para o mercado internacional. E tudo isso sem causar danos nem
ao meio ambiente, nem à sociedade.
Mas isso só vai se realizar se formos
capazes de articular os vários aspectos e
segmentos que devem estar envolvidos:
do projeto de educação até a questão do
suporte que pequenas empresas podem
dar às grandes e o tipo de comunicação
a ser usado dentro e fora do país para
que, de fato, o nosso posicionamento
seja diferenciado.
SEM IMPROVISAÇÃO
Ser criativo e focar no design não
quer dizer improvisar. A minha resposta
ao Brazil investment grade, termo usado
quando o Brasil é aceito como um lugar
bom para se investir, passa por essa necessidade de planejamento. Olhar dez
anos à frente, e não ficar na base da improvisação. É o que temos que mostrar
para o mercado externo e, assim, transmitir credibilidade.
Também acredito que as coisas começam dentro de casa. A imagem do Brasil
como um país bagunçado estava ligado
à inflação e à idéia de que nada se planeja. Hoje a situação do país, até em termos
de inflação, permite um planejamento.
Então cabe a nós fazermos o trabalho
aqui dentro e, com isso, despertarmos o
interesse de quem vem de fora.
Eu acho que no passado o Brasil pecou por querer, às vezes, tirar uma vantagem num curto prazo, com alguns atos
de esperteza. Acho que essa cultura está
mudando. A valorização desse tipo de
empresário está ficando para trás. Agora a valorização é daquele que constrói
algo que se sustente, que estabeleça relacionamentos não apenas com eventuais
compradores ou consumidores finais,
mas também com seus parceiros. O que
ele faz com seus fornecedores, o que ele
faz com a comunidade com a qual ele se
relaciona? Quer dizer, ele está montando
alguma coisa que seja sustentável? Essa é
a direção para onde estamos seguindo.
Eu gosto muito de dizer que a gente
tem que pensar grande, começar pequeno e andar rápido. Não existe um pulo
do gato, e sim bastante trabalho de base,
uma visão de longo prazo de onde você
quer chegar e mostrar um diferencial,
que pode ser o design, pode ser a flexibilidade, pode ser a confiabilidade, mas
todos eles respaldados por um profissionalismo que passa para a outra pessoa a
noção de que aquilo é duradouro e que,
portanto, um relacionamento de longo
prazo pode ser estabelecido.
Cledorvino Bellini
Presidente da Fiat
No modelo brasileiro, temos que lidar com algumas questões básicas, fundamentalmente começar pela preparação dos recursos humanos. Nós temos
uma grande experiência nesse setor.
Mantemos um centro de estilo aqui, no
Brasil, pois o design de um automóvel
é fundamental. A grande atração está
sempre muito ligada à modernidade, às
linhas que mostram o futuro, à beleza
do produto.
Pensando no futuro, o que temos
que fazer nesse campo é investir mais
na capacitação, na preparação dos nossos jovens. O Brasil está realmente caminhando e temos que pensar como
vamos ser competitivos, como vamos
enfrentar a competição asiática.
Nosso grande diferencial é a capacidade de criar de forma diferente dos
orientais, talvez fruto da nossa latinidade. Além disso, a evolução tecnológica
– nanotecnologia, biotecnologia, novos
tecidos que vão surgir – vai influenciar a
moda e dar um novo impulso.
Mas todos esses avanços, seja no design, nos produtos ou nas tecnologias,
devem ser suportados pela consciência
ambiental. É absolutamente necessário
ter como base a ecologia.
BRASIL DÁ EXEMPLO
A ONU mostra que o Brasil tem dado
um exemplo para o mundo. Em debate
recente, Bill Clinton e George Bush pai
elogiaram o Brasil abertamente, pois
hoje temos 95%, 97% de carros flex. Os
americanos são responsáveis por 25%
do gás carbônico do mundo, e nós, do
Brasil, conseguimos um equilíbrio com
o carro a álcool. Ele polui também, mas,
com o crescimento da produção de
cana-de-açúcar, a fotossíntese seqüestra o gás carbônico do meio ambiente
e, conseqüentemente, fecha a zero. O
mundo está reconhecendo, mas nós
não estamos tendo esse reconhecimento no Brasil. São estes saltos tecnológicos que, aliados a design e criatividade,
sem dúvida nenhuma vão fortalecer
nossa economia.
Por outro lado, se não tivermos políticas que garantam um crescimento
sustentável, corremos um risco muito
sério. Para criar condições de competitividade, devemos investir e gerar tecnologia aqui dentro. Um exemplo: quando
você importa tecnologia, você paga altas taxas. A MP do Bem criou condições
para você importar máquinas e equipamentos sem grandes taxas, mas, quando
você importa tecnologia de ponta, que é
necessária para gerar avanços tecnológicos, ainda temos custos altos, que precisariam ser modificados.
O Brasil é um celeiro enorme de capacidade. O nosso setor é um exemplo.
No mês de maio [de 2007], bateu o recorde histórico de todos os tempos:
mais de 200 mil veículos vendidos no
mercado brasileiro, todos produtos de
alta tecnologia e do design mais moderno que existe no mundo inteiro, que
está no Brasil.
FORÇA DO DESIGN CRIATIVO
Quero dar um depoimento sobre
economia criativa que considero muito
importante neste momento. O exemplo
começou com a Fiat, com um design especial, o da linha Adventure, copiado
hoje por todas as montadoras brasileiras.
Um fato que revela o alcance da criatividade: criou-se um novo segmento de
mercado, o segmento adventure. Isso
mostra a capacidade criativa do Brasil,
a qual deve ser explorada, trabalhada,
valorizada.
Em relação às exportações, eu diria
que os juros ainda são altos, existe demasiado capital especulativo, que aproveita essas taxas. No nosso setor, ainda
temos o PIS como problema, e a conseqüência é que não vemos horizonte de
estimulo à exportação.
ESCALA DE PRODUÇÃO
O que é capaz de mudar efetivamente o cenário brasileiro é a existência de
um grande mercado, de uma grande escala de produção. Assim, teremos competitividade para combater os asiáticos.
Passamos por períodos de estagnação e
agora vivemos um novo momento. Se
tivermos um crescimento sustentável
e se, dentro de quatro a cinco anos, o
Brasil conseguir ter um mercado interno de 4 milhões de automóveis, ganharemos competitividade.
Nós temos criatividade, design, capacidade, recursos minerais e temos uma
energia renovável, o álcool. Todos estes
são fatores de competitividade, mas o
determinante é ter uma alta escala de
produção.
Detalhe da exposição Fashion Innovation Attitude, da Fiat, instalada no prédio da Bienal durante o evento
13
Fortalecer um
sistema portador
do futuro
É PRECISO PROVAR PARA
BANCOS E MERCADOS DE
CAPITAIS QUE AQUI HÁ UM
BOM NEGÓCIO, DE PREÇO
BAIXO E COM GRANDE
RETORNO NO FUTURO
Branislav Kontic
Sociólogo e membro do Conselho do IN-MOD
Queria me apresentar como sociólogo e pesquisador desse sistema de moda,
coisa mal definida pela economia, pela
pesquisa e pelas estatísticas. Minha tentativa é superar os limites dos dados e
buscar entender melhor como funciona esse sistema produtivo que mistura
indústria, serviços, arte, cultura, design,
vários tipos de conhecimento.
Hoje há um consenso entre pesquisadores, empresários e estudiosos de que
existe uma interdependência forte entre
crescimento e inovação, entre produção
e conhecimento. Isso tem uma conseqüência enorme para a indústria e para
os segmentos econômicos de uma forma geral. Significa, sob o ponto de vista
da competição global interna e externa, que não há saída se regiões, parques
industriais e empresas não migrarem
para produtos com maior conteúdo de
conhecimento.
Conhecimento pode ser tecnologia,
tecnologia embarcada em máquinas,
tecnologia de materiais. Pode ser design e estilo. Dentro da abordagem da
moda e do que se discute na economia
criativa, o foco maior é desenvolver a
idéia de que aquilo que a biotecnologia
significa para a indústria farmacêutica,
aquilo que a física e estudos de materiais significam para a microeletrônica,
aquilo que a matemática avançada significa para os softwares equivale ao que
o design significa para a indústria tradicional da moda. Portanto isso deve ser
valorado de uma forma igual.
Se não apresentarmos essa realidade,
a indústria da moda vai ser vista como parte de uma economia em atraso,
porque, como ela não incorpora diretamente nenhuma tecnologia de ponta,
não é inovadora. Você analisa estilistas,
pesquisas de inovação no Brasil e no
mundo e não consegue identificar empresas muito inovadoras.
Desfile Alexandre Herchcovitch
Assim, chegamos à grande questão:
como mostrar para governos, bancos
e financiadores que falamos de um
sistema alta e diretamente gerador de
empregos no futuro, que é um sistema
importante, mas que não crescerá se a
indústria como um todo não entender
como possível competir com base no
design e no conhecimento?
REDES X CADEIA PRODUTIVA
Gostaria de colocar um desafio para
nossa discussão. Eu acho que tratamos a
indústria da moda de uma forma esquizofrênica. Porque as entidades de classe,
os governos e parte dos estudos de pesquisadores acadêmicos olham o segmento que compõe a indústria do vestuário,
a indústria têxtil e de calçados como um
setor atrasado, porque só reclama dos
juros, do câmbio, da importância da China, dos empregos que são ruins... Lógico
que ninguém vai colocar dinheiro em
uma coisa que não tem futuro.
Por isso eu tento mostrar aqui a
certeza no Brasil. Em primeiro lugar,
olhamos a moda não como a soma da
indústria do vestuário, têxtil, de calçados e acessórios, mas como um sistema
que envolve vários tipos de serviço. O
SPFW, por exemplo, não está em nenhum tipo de classificação, mas é um
serviço ligado à moda, ao emprego dos
estilistas, à engenharia de produção, aos
bureaux, aos fotógrafos, às agências de
modelo e de publicidade e a toda a mídia. Gera emprego em função da moda e
não faz parte da cadeia da moda.
Temos que sair da visão de cadeia
produtiva e enxergar redes que fazem
essa rede de conhecimento funcionar.
São redes mais complexas e, por isso,
mais difíceis de serem percebidas.
O papel que o SPFW vem criando é
uma ponte entre esses vários mundos,
entre vários tipos de serviço e indústria,
entre a moda local e a moda no exterior
e gera uma compreensão de que existe
uma plataforma avançada de criação e
produção de design e de moda no Brasil.
IBGE: AUMENTO DE EMPREGO
Alguns números rapidamente: se
analisarmos os dados da pesquisa nacional de amostra domiciliar do IBGE,
que pergunta ao indivíduo no que trabalha e qual a sua função, percebemos
que a indústria da moda gera emprego.
De 2004 para 2005, ela agregou 40 mil
vagas no país. Na região metropolitana,
onde em tese o emprego deveria cair, ele
sobe de 2000 para cá, segundo dados do
PNAD, que inclui o estilista, o modelista, o engenheiro e gerente de produção.
Na mesma pesquisa, se observarmos
a estrutura ocupacional do setor, percebemos 10,5% dos empregos voltados
para atividades de criação e desenvolvimento de produto. Para ter uma idéia
disso, na indústria de software, que é a
mais inovadora, intelligence intensive,
são 13,5%, na têxtil são 7%. Vemos então
que uma indústria tida como atrasada
tem um crescimento de emprego significativo no setor de inteligência.
O emprego formal na indústria têxtil cresce sistematicamente desde 2000
e acentuadamente de 2003 para cá. Portanto não podemos falar de aumento
de crise no setor.
Esta é a parte que precisamos ressaltar e apresentar ao governo, porque,
importar insumos mais ricos, de maior
qualidade. Devemos importar as coisas
para as quais o Brasil não tem competência e exportar o que o Brasil produz
com competência.
do contrário, temo caminharmos para
uma direção ruim, e aqui merece um
comentário: embora eu defenda o atual
governo, achei muito ruim aumentar a
tarifa de importação. Por quê? Porque a
moda depende de internacionalização,
ela não existe sem escala global. A Santista se internacionalizou não apenas
para ampliar a escala, mas para ter acesso à inteligência no exterior e desenvolver um produto avançado.
Então, temos que globalizar nossas
empresas e permitir que elas possam
fluenciam a rede de varejo e toda a rede produtiva (têxtil, varejo, vestuário)
para as tendências da próxima estação:
materiais, tecidos, cores, padrões etc.,
como ocorre na Europa com os grandes
estilistas.
Temos uma segunda camada que são
os difusores, as marcas que difundem a
moda, que não são os imitadores, mas
aqueles que adaptam o tecido a um preço mais médio. Muitos criadores estão
nessa camada, como o Giorgio Armani
e seu Empório Armani.
Muitas vezes, estão nas duas camadas, que não se restringem ao vestuário.
Esses criadores, em geral, são multiprodutos, desenvolvem design para roupas,
MUDANDO O DISCURSO
Para concluir, o primeiro desafio é sair
desta esquizofrenia: ter bons números e fazer maus discursos. Temos que
fazer um discurso mais justo, que ajude
o setor público e o setor privado a alavancar esta indústria nascente no Brasil. O que significa alavancar? Significa
olhar esse sistema como uma pirâmide.
Uma pirâmide de três camadas a grosso
modo.
O topo da pirâmide são os criadores.
Chamo de criadores as empresas que
detêm os valores do mercado, que in-
Espaço do salão de negócios FWHouse no SPFW
14
ECONOMIA CRIATIVA
15
sobretudo, mas também para calçados,
acessórios, jóias, perfumes etc. Estas empresas são muito mais empresas de marcas de moda, de produto, do que uma
cadeia produtiva.
Depois tem a base da pirâmide: aqueles que se apropriam destas idéias e as
transformam em produtos de difusão e
massa.
Faço esta divisão esquemática para dizer que eu gostaria que as políticas públicas estivessem voltadas, sobretudo, para
o topo da pirâmide. Por quê? Por que é
onde está a geração do conhecimento
essencial. O pico da pirâmide tem de ser
olhado como um sistema de insumos
que pode ser criado pelas marcas.
SPFW: COORDENAÇÃO
A grande contribuição do SPFW é
ter conseguido trazer para um único
lugar e para um calendário essas realidades do país: as confecções que transitavam da imitação para a criação; a arte e
a cultura nacional com sua identidade
e este sistema voltado para os serviços
(bureaux, comunicação, publicidade,
modelos) e deu para isso um espaço de
coordenação.
O SPFW também deu para as marcas
brasileiras influência, autoridade, mercado interno e mercado externo inicialmente, mas, por ser um salão de moda,
passou a ser olhado internacionalmente como um elemento diferencial. Um
lugar onde as pessoas podem vir – jornalistas, empresas – para influenciar seus
produtos.
Qual o desafio deste setor? Se esse
topo da pirâmide, a segunda camada
também, mas sobretudo o pico, não
crescer, se suas empresas não ganharem
escalas, musculatura, não se globalizarem, a tendência pode ser a regressão.
Ou seja, o governo e o mercado de básico deveriam fazer uma grande aposta
no topo desta pirâmide.
Como os recursos públicos e privados são escassos, a minha idéia é que
devemos vender esse sistema como
portador do futuro. Algo que contribui
para o crescimento do país, dos segmentos envolvidos na produção (têxtil,
vestuários, calçados) e, sobretudo, algo
que também vai expandir influência
para outras indústrias e segmentos. Não
é à toa que Fiat, ABN e Motorola vêm
buscar inspiração nos valores da moda
e do design para poder diferenciar os
seus produtos.
DIFERENCIAL BRASILEIRO
Acho que um dos aspectos importantes da indústria da moda no Brasil,
talvez um diferencial em relação ao
que aconteceu com a indústria inglesa
e a americana e, em grau muito menor,
com a indústria italiana e a francesa, é a
possibilidade de construir aqui uma indústria de moda forte, poderosa e competitiva global e comercialmente sem
romper o nexo do conhecimento com
a manufatura. Ou seja, ter uma indústria que é intensiva em conhecimento,
incorpora tecnologia, incorpora design,
que é a sua matéria-prima básica, e ao
mesmo tempo consegue manter uma
estrutura produtiva importante, gerando empregos em quantidade e, sobretudo, em qualidade.
Acho que as políticas públicas e
financiadores – bancos e mercados de
capitais – não conseguem enxergar o setor porque vêem cadeias, e o que existe
aqui não são cadeias, são redes. E dentro
das redes existem sistemas de articulação que são empresas, não são pessoas, são um coletivo que chamamos de
empresas.
Elas carregam consigo um acúmulo
de conhecimento e é fundamental preservá-lo e estimulá-lo para que cheguem
mais às fronteiras do setor.
É preciso muito dinheiro para obter
uma pesquisa de produto e um produto
interno forte. A Santista que o diga, mas
que o digam os estilistas, os lançadores
de coleção. Quanto custa uma coleção?
Quantas equipes são necessárias? Viagens? Fornecedores? Quanto tempo e
energia se mobilizam nisso?
Então, para esse segundo ciclo de
transformação, o debate com a política pública deve deixar claro que esse é
um setor que precisa de P&D [pesquisa
e desenvolvimento], de financiamento
pesado de capital, que só baratear bem
de capital não vai resolver o problema.
PREÇO BAIXO E RETORNO ALTO
Do ponto de vista do setor privado, é
preciso provar para bancos e mercados
de capitais que aqui há um bom negócio, de preço baixo e com grande retorno no futuro. Vender a imagem de um
setor diferente, que não está em atraso,
mas, ao contrário, sobreviveu, está firme, forte, com problemas, mas com potencial para ser muito maior e crescer
muito mais. Este é o momento para o
segundo ciclo.
Acho que as instituições do mercado
financeiro se movimentam com muito
mais agilidade do que as instituições
públicas e têm uma percepção de futuro, de risco. Eu daria, então, mais importância a abordar o mercado de capitais.
Isso não é uma panacéia, mas aproveitar
um momento muito feliz da economia
brasileira, em que há disponibilidade de
capital para o investimento produtivo.
Quem sabe esteja aí uma possibilidade forte para alavancar, globalizar, dar
musculatura, peso, internacionalizar
as empresas de moda e aquelas que a
servem, como já começou a acontecer
com a Santista, a Alpargatas e assim por
diante. Aí tem um conjunto de políti-
TEMOS QUE SAIR DA VISÃO
DE CADEIA PRODUTIVA E
ENXERGAR REDES QUE FAZEM
ESSA REDE DE CONHECIMENTO
FUNCIONAR. SÃO REDES MAIS
COMPLEXAS E, POR ISSO, MAIS
DIFÍCEIS DE SEREM PERCEBIDAS
cas que, associadas, podem dar um bom
futuro. A pulverização do crédito para
financiar P&D e inovação em pequenas
e médias empresas, que são o grosso do
setor, e o investimento, a aposta em empresas que são portadoras de criatividade, conhecimento e estilo.
Desfile André Lima
16
ECONOMIA CRIATIVA
17
A sustentabilidade
como verdade e
diferencial de marca
Maria Luiza de Oliveira Pinto
Diretora executiva de desenvolvimento
sustentável do Banco Real ABN AMRO
SEMPRE PROCURAMOS MOSTRAR QUE
NÃO É UMA RELAÇÃO EM QUE QUEREMOS
SER BONZINHOS, MAS ESTABELECER
UMA RELAÇÃO DE GANHA-GANHA-GANHA.
GANHA O BANCO, GANHAM A EMPRESA E
O CLIENTE E GANHA A SOCIEDADE
Detalhe de tapetes que decoraram a Casa SPFW, feitos com aparas de papel jornal por ex-moradores de rua da Oficina de Arte Boracea
Desde que nós nos associamos à sustentabilidade como um vetor estratégico, descobrimos um dos maiores fatores
de inovação da organização. E, quando
se assume a sustentabilidade como parte integral estratégica, é preciso assumir
e acatar a complexidade da gestão da
organização.
No primeiro momento, nós pensávamos só na dimensão econômica. Era
assim que tomávamos as decisões em
relação aos clientes na concessão de empréstimos, nas condições de pagamento. Nunca perguntávamos a eles se em
seus projetos de financiamento existia
algum impacto ambiental ou deslocamento de grupo de pessoas de alguma
comunidade social. Só pensávamos na
questão econômica.
A partir do momento em que o vetor sustentabilidade passou a integrar a
estratégia de como fazemos negócios,
de como tratamos as pessoas e de todo
o relacionamento do banco, abrimos os
olhos para coisas que não víamos. Aí entra o lado criativo.
NOVA FONTE DE LUCRO
Percebemos que a questão ambiental
do cliente era, na realidade, um potencial
18
ECONOMIA CRIATIVA
enorme de negócios para nós. Podíamos
financiar desde as mudanças nas fábricas até os processos produtivos e acabava
sendo muito melhor para o cliente –no
começo, ele investia mais, mas no fim
reduzia o custo de produção. Também
era bom para o banco, que gera negócios, lucros – não podemos deixar de ser
lucrativos – e bom para a sociedade, que
tem como benefício a redução do uso de
recursos naturais.
Enquanto organização financeira,
nos últimos seis, sete anos, o que estamos fazendo é ampliar o nosso escopo
de atuação. Onde antes não víamos
negócios nem relacionamento, hoje
não têm, tentamos que demonstrem
pelo menos uma atitude para conseguilo. Se a empresa tiver essa postura, estaremos junto com ela nesse processo, que
é demorado.
Com aqueles antigos clientes bastante rentáveis, mas que não têm esse interesse, procuramos encerrar o
relacionamento. Há outros que não têm
essa consciência, e para eles mostramos
que não é somente uma questão de proteger o ambiente, mas o futuro de seu
negócio. Mostramos que hoje é possível
exportar, mas que amanhã não. Mostramos que o consumidor está mais
consciente, que a velocidade do proces-
não só estamos vendo e fazendo como
procurando convencer aqueles que
ainda não vêem que esse é o caminho a
ser seguido.
Hoje temos muito claro em quais
segmentos queremos atuar, quais políticas queremos financiar e compartilhar
e quais não queremos. Por exemplo:
um modelo simples como as madeireiras. Hoje só nos interessa trabalhar com
aquelas que possuem um selo verde de
manejo ambiental. Com as que ainda
so muda e que amanhã talvez não consiga vender o seu produto nem mesmo
dentro do seu país.
Sempre procuramos mostrar que
não é uma relação em que queremos ser
bonzinhos, mas estabelecer uma relação
de ganha-ganha-ganha. Ganha o banco,
ganham a empresa e o cliente e ganha a
sociedade.
Falamos muito das empresas, mas
temos falado muito pouco de seus indivíduos. Uma coisa que deve estar
sendo sempre fortalecida e para a qual a
empresa tem que colocar foco é a
consciência dos profissionais para o tema da sustentabilidade.
FUNCIONÁRIO/CIDADÃO
A maneira de despertar essa consciência nos nossos 30 mil funcionários
é conscientizá-los em todas nossas ações
referentes à sustentabilidade e olhar para eles como cidadãos que trabalham
também na organização. É fazer com
que entendam que, antes de serem funcionários, eles fazem parte da sociedade
e têm um papel para desenvolver na sociedade e no banco.
Despertar as pessoas para que entendam que o trabalho no banco está
impactando e abrangendo um espaço
maior; que, a partir de diferentes direções, seja quando você contrata seja
quando você fornece, você está passando por uma avaliação de suas práticas
ambientais. Entender que o consumidor
tem uma força maior. Se ele decidir hoje
que tal empresa não é boa, tem o poder
de acabar com ela – ou fortalecer as que
estão compromissadas com o futuro.
Para participar do desenvolvimento
das pessoas, temos que valorizar as universidades, o setor produtivo, o terceiro
setor, o governo, ou seja, uma convivência que perpassa por vários papéis.
A sustentabilidade para nós é um valor
intangível transversal à organização.
Foi nesse processo de associação e
alianças para o futuro que nós nos associamos com o grupo que dirige o
SPFW, quando descobrimos uma visão
compartilhada de futuro. Acho que o
sucesso e a construção do futuro estão
muito ligados a perceber e assumir que
vivemos numa trama.
SUSTENTABILIDADE VALORIZA
Hoje, quando olhamos o mercado financeiro, não somos os únicos que trabalhamos com talões de cheque [com
papel reciclado], mas fomos os primeiros. Quando começamos, em 2001, fomos taxados de loucos, que a iniciativa
não traria dinheiro, que era insana e seria vista como uma tentativa de mudar
a imagem do banco porque ela era ruim.
Ou seja, que seria vista como um bom
e grande trabalho de marketing, e não
uma mudança de fato.
Nos últimos anos, nossos resultados
só aumentaram. O banco saiu de sexto
e quinto lugar e está hoje lá em cima
em termos de atratividade, não só junto
aos clientes, mas também em termos de
retenção de funcionários. Nos dois últimos anos, a marca que mais valorizou
foi a nossa. Valorizamos mais de 300%
por conta da sustentabilidade.
19
Então reinventar é a solução, o que
hoje é consumo de produtos poderá
ser consumo de serviços. Temos que ter
tecnologia e criatividade para desenvolver a área de reparos dos produtos
duráveis e investir menos em produtos
descartáveis. A indústria de hoje celebra
o descarte, temos que trabalhar com
produtos duráveis e recicláveis.
Painel na entrada da Bienal, que registrou diariamente o número de árvores a serem plantadas para “neutralizar” o SPFW
Inovação de
processos,
sistemas e usos
Rosa Alegria
Futurista e diretora de pesquisa do Nef
(Núcleo de Estudos do Futuro da PUC-SP)
Nós não aprendemos a pensar no
futuro. Estudamos todos os detalhes do
passado, mas raramente ouvimos questionamento ou somos estimulados a
pensar no futuro, a criar alguma coisa
daquilo que desejamos ou queremos.
O que quero dizer com isso é que
tenho ficado assustada com a sobrevivência do planeta e da civilização.
E inserir nessa discussão o aspecto da
cultura e da indústria, principalmente
tratando de economia criativa, é muito
importante.
Não há mais como restaurar aquilo
que foi perdido, não podemos partir
para outro planeta e começar de novo. Não há outro caminho a não ser o
da Economia Criativa. Portanto temos
duas formas para lidar com essa situação: adaptar aquilo que nos restou ou
partir para o caminho da reinvenção,
criar tudo de novo.
O Brasil é hoje o maior reservatório
de água do mundo, somos detentores
da maior biodiversidade do planeta, ou
seja, um ponto de luz neste momento. E
vivemos um momento mágico, em que
somos referência daquilo que sustenta
a economia mundial, a energia. Isso se
deve a um dos raros momentos em que
o Brasil pensou no futuro, resolvendo
investir em energia limpa. Então é evidente que, se nós perdermos este momento, não haverá outro século.
INVENÇÃO E INOVAÇÃO
Quando falo em reinvenção, penso que temos em nosso DNA cultural
a capacidade de criar, inventar, recriar
processos, idéias etc. O planeta precisa
reinventar tudo, o trabalho, o consumo,
o vestir... Então, acredito que a melhor
estratégia é gerar um sistema de valores
que seja pautado na criatividade.
Nós somos muito inventivos, mas
existe uma grande diferença entre invenção e inovação.
A inovação acontece quando essa invenção gera algo novo na economia, gera um impacto no sistema econômico
como um todo, e para que isso aconteça
é preciso ter medidas em longo prazo,
planejamento estratégico. O que nos
falta é planejamento. Quando conse-
guirmos fazer a ponte entre invenção e
inovação, poderemos mostrar ao mundo todo o potencial criativo do Brasil.
Quando falamos em exportar, mostrar, gerar criatividade, estamos falando
em criar uma economia criativa não
pautada nos sistemas de valores do século passado. Não basta criar novas coisas, vendáveis, precisamos criar formas
de sobrevivência, sistema de reinvenção, a partir dos sistemas que nos restam, aprender a reutilizar, a restaurar, a
reciclar.
Falando da inovação dos processos
e dos usos, temos ainda que lembrar
da nova frente para os serviços, o que
o IBGE chama de bônus demográfico.
Em 2025, o Brasil estará entre os seis
países com maior índice de população
idosa do mundo e, ao mesmo tempo, com uma estabilidade ou até uma
descendência dos mais jovens. Teremos
uma gigantesca massa de mão-de-obra
madura, capacitada profissionalmente
e esperando possibilidades de geração
de renda.
MÉTRICAS PARA O INTANGÍVEL
As macrotendências apontam para várias direções, mas o que mais me
preocupa no momento é a questão da
sustentabilidade, não apenas no que
diz respeito aos recursos naturais, mas a
relação sistêmica que existe entre esses
recursos, a economia e a sociedade.
Precisamos criar novos métodos e
métricas que permitam que indicadores intangíveis, como a criatividade, as
alegrias e a brasilidade, sejam traduzidos
em valores. Hoje nossas métricas e valores são traduções de produtos tangíveis,
e nossas maiores riquezas não são contabilizadas como divisas para o país. Isso não pode mais ser assim. Mudar essas
métricas e torná-las legítimas é uma atitude possível e que levaria o país a uma
posição real em relação à sua própria
sustentabilidade.
O futuro não existe, nós criamos o
futuro. Então, por que não criar um futuro com Economia Criativa, com valores diferentes, revolucionários, em que a
criatividade está pautada na sustentabilidade? Planejamento, continuidade e
identidade são as chaves para que essas
mudanças aconteçam.
Precisamos encontrar nossa identidade e nossa auto-estima, perceber que
temos pontos fortes que nos dão força e
trazem oportunidades. Como? Através
de nossa biodiversidade, nossos recursos
naturais, criar uma moda que reutiliza,
recicla e restaura e levá-la para o mercado externo. Acredito que essa moda sustentável já existe: fibras naturais, moda
que gera receita nas comunidades indígenas, moda orgânica... Tudo isso como
uma marca Brasil. A moda tem um enorme potencial para alavancar as mudanças necessárias.
Vivemos em uma sociedade democrática, a mídia é tanto um poder
concentrado quanto um campo de liberdade. Uma outra tendência é que
as pessoas estão se apoderando do conteúdo da mídia, e a mídia do século 21
vai nos oferecer uma via de duas mãos.
Existe um estudo da IBM que afirma
que em 2010 todo conteúdo gerado
pelo sistema da mídia será criado por
pessoas comuns, nós!
Esse processo eu considero um grande desafio e o que proponho às empresas é abrir canais para a criatividade em
conjunto com os consumidores. Abrir
esses canais não significa apenas criar
canais de escuta ou para sugestões e
idéias, mas, sim, canais de co-produção
com seus consumidores, utilizar profissionalmente o consumidor-produtor.
Para nós, consumidores, não basta
mais engolir coisas produzidas por sistemas econômicos, queremos produzir, e
a Economia Criativa pode ser a desencadeadora desse processo.
ÉTICA E BELEZA
Voltando à idéia de sustentabilidade,
uma coisa que a maioria das pessoas e
empresas ignora é que sustentabilidade
não é só meio ambiente, é a inter-relação entre os sistemas econômico, social
e ambiental.
E existe também um outro pilar do
qual tenho falado muito: o ético, que
traz uma oportunidade para a indústria
da moda. Hoje, infelizmente, ainda existe uma submissão a um padrão ditatorial de beleza. Sei que houve iniciativas
muito interessantes em relação a isso,
muitas delas aqui no SPFW, mas acredito que ainda precisamos mudar muitas
coisas nesse sentido.
É muito importante o compromisso
sustentável que o SPFW assumiu, o Brasil
precisar incorporar essa cultura e os valores de inclusão. Isso, sim, é o conceito
de beleza. Se trouxermos novos padrões
de beleza, dentro dessa sustentabilidade da moda, o Brasil vai fazer diferença,
pode ser uma revolução. O brasileiro é o
povo mais vaidoso do mundo, estamos
preocupados com nossa estética, porém
isso não pode extrapolar fronteiras da
sustentabilidade.
Detalhe da parede de papelão
20
ECONOMIA CRIATIVA
21
O BRASIL CRIA A
INTELIGÊNCIA,
MAS, SE VOCÊ NÃO
SEDIMENTA A
INTELIGÊNCIA NO
PAÍS, O BRAIN DRAIN
É INEVITÁVEL
Estudos e criação de
metodologias voltadas
para o intangível
Eduardo Rath Fingerl
Diretor de mercado de capitais e de tecnologia
da informação e processos do BNDES
(Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)
O papel do Banco de Desenvolvimento é obviamente olhar para o
futuro. Temos a obrigação de ter metas, metodologia e analistas com técnicas modernas de olhar para a frente. A
minha tese de mestrado foi Avaliação
de Ativos e Intangíveis, sua importância
para o Brasil e para o BNDES. Um dos setores que analisei, e apresento freqüentemente, é o setor têxtil. Nós, no banco,
ainda caímos na armadilha de considerar que este é um setor tradicional, mas
é um setor onde há uma revolução permanente de materiais e tecnologia.
Quando nós falamos da indústria
têxtil, estamos falando de eletrônica
embarcada, nanotecnologia, tecnologia
do setor agrícola, muita coisa na área de
petroquímica, na área de especialidades
químicas, sem falar em estilo, nas nossas
modelos. Se tudo isso faz parte da cadeia
têxtil, como podemos dizer que é um
setor tradicional?
Empresas sobrevivem e competem
no mundo se elas tiverem capacidade
de inovação, e não apenas inovação tecnológica, mas inovação vista de uma
maneira muito mais global. São diversos fatores que determinam o valor das
companhias e, digamos, o valor do país:
design, tecnologia, rede de relaciona-
22
ECONOMIA CRIATIVA
mentos, relação com universidade, relação com consumidor, câmbio. Se um
país não investe nesses fatores, está fadado ao atraso.
Dando um breve panorama do Brasil: o país possui, aproximadamente, 300
incubadoras, das quais de 10% a 20%
são adequadas ao apoio financeiro. Se
considerarmos que cada uma delas incuba dez empresas, nós temos de 300 a
400 empresas de pessoas, que geralmente vêm de escolas e universidades públicas, apoiadas por incubadoras também
públicas. Falta o passo que transforma
todo esse investimento público em renda: falta o capital empreendedor, “capital-semente”, sem risco.
“SEGURAR” OS CÉREBROS
Então nós, no BNDES, descemos
na cadeia da inovação e enfatizamos
venture capital, pois no Brasil existem
muitas empresas de pequeno e médio
porte de base inovadora (não especificamente tecnológicas). Estamos com dez
fundos de venture capital, um total de
R$ 260 milhões, que estão alavancando
R$ 1 milhão de investimentos para o
fundo de capital-semente, justamente
para apoiar essas empresas que estão nas
incubadoras.
Desfile Ronaldo Fraga
Razão para isso: evitar a evasão de cérebros, pois o Brasil cria a inteligência,
mas, se você não sedimenta a inteligência no país, o brain drain é inevitável:
uma quantidade de brasileiros vão para
o exterior e não voltam. É necessário
criar uma rede de aproveitamento dessa
inteligência, e o que nós estamos procurando fazer é justamente a fixação de
inteligência no Brasil através de participação acionária de empresas nascentes
de base inovadora.
Existe uma enorme dificuldade em
avaliar intangíveis, e eu faço parte de
um grupo mundial que estuda isso. O
que vemos é a utilização de métricas e
metodologias do passado para avaliar
empresas que têm nos ativos intangíveis a sua essência, a sua criação e manutenção de valor. Isso passa por uma
discussão de natureza contábil, que,
aliás, é comandada pelo Zamboni, da
Universidade de Ferrara.
Existem diversas perplexidades no
sentido do que fazer, do ponto de vista da taxonomia, da metodologia e das
métricas, mas esse debate está avançando. O Brasil, representado pelo BNDES,
faz parte desse grupo de debate, que
tem como objetivos olhar para o futuro, a redução de subjetividade e da volatilidade e a observação de uma maneira
mais apurada.
GRUPOS DE AÇÃO
Nós fizemos três grupos e contratamos
a Coope-UFRJ para nos ajudar. O primeiro é dedicado à conscientização –
“awareness”. Temos que conscientizar
órgãos de controle, por exemplo, de que
trabalhar nesse nível de venture capital
é risco mesmo, é assim que acontece
em qualquer lugar no mundo. Algumas
empresas se transformam num Google,
outras quebram. Mas as empresas que
crescem ultrapassam de longe as que
quebram. Então, temos que conscientizar também a imprensa, os empresários
e o próprio BNDES de que é um outro
mundo que estamos vivendo.
O segundo grupo se dedica ao rate de
capital intelectual, métricas e metodologia de avaliação, contando com apoio
de diversos especialistas no mundo, para que nossas metodologias de avaliação
de empreendimentos e de empreendedores seja compatível com um mundo
que muda a cada dia.
E o terceiro grupo é o Criatec, que são
instrumentos financeiros adequados a
esse novo mundo. Estamos procurando
romper paradigmas, é difícil, mas nós
temos que romper esse tipo de barreira
para que o Banco de Desenvolvimento
possa ter um papel importante numa sociedade em mutação e numa sociedade
inteligente, extremamente inteligente.
Recentemente, nos Estados Unidos,
o presidente da American Venture Capital Association me disse: “Adoro o Brasil,
porque o Brasil é um país extremamente inteligente e muito barato e...”. Nós
temos que trabalhar para levantar o preço e, além disso, estamos participando
de diversas empresas de pequeno porte,
discutindo taxas, apoio, engenharia.
A complementação do que o Banco
de Desenvolvimento faz hoje é partir
cada vez mais para o intangível. Como
diretor da área de mercado de capitais,
procuro coordenar dentro do banco
esse trabalho de avaliação dos ativos
intangíveis e de introdução dessas métricas e metodologias. Acho que vai ser
uma contribuição que o banco pode
dar, junto com a imprensa, com a academia e com empresários no sentido de
nos colocar no rumo do futuro.
23
Aspectos-chave para
implementar ações em
Economia Criativa
Francisco Simplício
Coordenador do Programa de Economia Criativa da
Unidade Especial de Cooperação Sul-Sul da ONU
A Unctad identificou que havia um
certo conjunto de atividades econômicas que crescia mais que os outros nos
países desenvolvidos e os chamou de
setores dinâmicos. Esses setores dinâmicos, que cresciam mais de 10% em
média nos países desenvolvidos, também podiam ser observados nos países
em desenvolvimento. Para surpresa de
todos, em alguns anos, esse conjunto de
atividades, as chamadas indústrias criativas, passou a ser o segundo segmento
econômico mais importante dos países
desenvolvidos, principalmente Estados
Unidos, França, Inglaterra e Alemanha.
A Unesco fez uma estatística de dez
anos de comércio de bens e serviços de
base cultural e descobriu que há um
crescimento acentuado desse comércio
nos países desenvolvidos em relação ao
resto do mundo. O mundo em desenvolvimento está perdendo de uma forma acentuada nesse comércio.
Quando observamos o comércio
da América Latina na área de bens e
serviços na área cultural, incluindo todas as expressões culturais importantes,
seja o reggae, a música colombiana, a
cubana e música brasileira, isso dá menos de 4% da economia mundial. Isso
assusta, pois está diminuindo, não está
crescendo. Há um processo que nós, do
mundo em desenvolvimento, não estamos entendendo.
A Unidade Especial de Cooperação
Sul-Sul, preocupada com os países em desenvolvimento, está tentando compreender este processo. Estamos discutindo
principalmente três aspectos: geração
de riqueza, sustentabilidade e transição
do financiamento público para o privado, já que os produtos de base cultural
são fortemente financiados pelo Estado
em todas as economias. Começamos a
observar, fizemos uma série de fóruns
e discussões e, feliz ou infelizmente, a
China é um dos líderes nessa discussão.
dos direitos dos trabalhadores. E esses
limites estão próximos. É aí que entra
essa outra visão, a Economia Criativa.
Essa é a resposta, apesar de não sabermos
exatamente como. Os chineses também
não sabem, mas eles já perceberam que
existe um jogo diferente, querem participar dele também e nos perguntam o
que existe nesse novo jogo.
Nós sabemos que existem marcas, patentes, proteção dos nomes e, acima de
tudo, um processo de cadeia de criação
de valor. É um processo onde, a partir
de um produto que tem um custo que
eventualmente vai ser mínimo, há uma
LIMITES DE PRODUÇÃO
Como o atual sistema nos leva ao
limite? O que chamamos hoje de cadeia
produtiva nos leva a produzir cada vez
mais barato, mais rápido e com mais
qualidade. Para onde esse processo vai
nos levar? A produzir de graça? A China
se pergunta isso também: onde vamos
parar?
Acho que os países em desenvolvimento têm de se colocar: isso é um
jogo, mas não queremos continuar nele pelo resto da vida, senão um dia teremos de produzir de graça. Esse jogo
vai ter de parar em algum momento.
A efetividade do sistema produtivo
vai chegar ao seu limite, seja no limite dos recursos naturais, seja no limite
agregação de valor, cria-se valor para
acessar o mercado. Há diversos mecanismos para fazer isso acontecer. Gosto
de dizer que o São Paulo Fashion Week
é um excelente exemplo de grande processo, de uma grande cadeia de valor.
COLABORAÇÃO EMPRESARIAL
Há muitos desafios a serem enfrentados, muito a se aprender e é por isso
que as nossas propostas de trabalho
continuam a incentivar o debate, a
discussão, a formalização de idéias, a
documentação das lições aprendidas
e o intercâmbio. Entre os temas mais
importantes, porém, acho que o que
vem em primeiro lugar é a necessidade
da formação de um novo tipo de cooperação empresarial, uma nova forma
de colaborar. A questão a se observar é:
como essa colaboração entre empresas,
entre instituições que normalmente estão acostumadas a competir deve acontecer? Esse é um processo que temos de
aprender. Não é uma receita de bolo:
faça assim que vai dar certo. Temos de
descobrir.
A Pensilvânia, por exemplo, está tentando utilizar a Economia Criativa para
se renovar. Como não há mais indústrias,
estão tentando recuperar a economia do
Estado com esse novo discurso. Em Michigan, também estão tentando fazer o
mesmo esforço em alguns setores, não
há soluções individuais.
Além de um novo tipo de colaboração em diversos níveis, é necessário
um apoio à experimentação, que é um
pouco diferente da inovação. Há três
semanas, eu estava em Beijing num debate sobre esses temas e a conclusão a
que chegamos foi que a criatividade é
que vende inovação. A quantidade de
patentes, de desenhos que nós temos
registrado, na verdade não importa tanto. As inovações somente são vendidas
quando existe um processo criativo que
as coloca no mercado. Um exemplo na
área de tecnologia: são conteúdos que
vendem computadores, não computadores que vendem conteúdos. É conteúdo que vende música, não equipamento
de som. Temos de participar também do
processo de formação de conteúdo, que
exige experimentação, tentativas.
Acho que o mais importante, neste
momento, é dizer que não há uma resposta clara ainda. Sabemos que temos
de fazer alguma coisa, sabemos que as
tendências não nos são favoráveis. Se
não fizermos alguma coisa, a tendência
é piorar, não melhorar. Ao mesmo tempo, vemos oportunidades importantes.
É possível modificar essas tendências e
um exemplo claro dessa modificação é a
Irlanda, que, em poucos anos, saiu do estágio de país subdesenvolvido para país
desenvolvido, puramente baseado em
técnicas e trabalho principalmente na
área da Economia Criativa. Muita gente
diz que a saída é produzir computadores, mas não é, é produzir escritórios, ensaios, conteúdos, advogados de direitos
autorais, enfim, uma rede de serviços
em torno dessa linha de trabalho.
O que é Economia Criativa não está
claro e não vai estar claro, é importante entender isso, em algum momento próximo. Um dos nossos esforços
é trazer todas as agências da ONU, por
exemplo, para discutir esse tópico e ter
um pouco mais de clareza sobre quais
seriam as políticas públicas necessárias
para estimular a Economia Criativa. É
um desafio para o setor público entender o que é a Economia Criativa e como
medi-la.
AS INOVAÇÕES SOMENTE SÃO VENDIDAS
QUANDO EXISTE UM PROCESSO CRIATIVO
QUE AS COLOCA NO MERCADO. UM EXEMPLO
NA ÁREA DE TECNOLOGIA: SÃO CONTEÚDOS
QUE VENDEM COMPUTADORES, NÃO
COMPUTADORES QUE VENDEM CONTEÚDOS
Backstage do desfile de Lino Villaventura
24
ECONOMIA CRIATIVA
25
Criatividade e
conceitos não
são copiáveis
Gestão criativa e
competitividade
internacional
Angela Tamiko Hirata
Marcio Utsch
Consultora executiva de comércio
exterior da São Paulo Alpargatas
Quando assumi a direção, em 2001,
a Havaianas já havia reconquistado o
mercado brasileiro. Então, eu observei
que existia uma oportunidade, pois não
havia nenhuma marca de sandália de
dedo no mercado com posicionamento
como produto de valor agregado entrando para o high market. Não foi fácil,
mas procuramos os principais mercados e formadores de opinião, sempre
em busca de eventos que agregam valor
à marca.
Criar novamente um produto na
forma de apresentar e de comunicar é
importante também, fazer com que ele
se torne o desejo do consumidor. Essa
inovação é uma ferramenta que dificilmente o concorrente pode copiar da
gente, porque o produto é fácil de ser
copiado, mas o que nós temos dentro
da gente, como criatividade e conceitos,
não é copiável. Essa cultura está dentro
da empresa. Talvez esse tipo de criatividade e inovação constante seja a razão
do sucesso com a Havaianas e mantê-lo,
criando mais mercado, mais diferencial,
é um desafio bastante importante.
Eu vou para outro desafio grande,
que é a Amazon Life, e a Alpargatas está
junto. Trata-se de uma das empresas que
começou com materiais descartáveis
vindos da Amazônia, certificados, e ago-
ra incorpora conceitos de design e valor
agregado. Ser sustentável é importante,
mas não basta, é necessário gerar desejo
de compra.
Essa união de ecologia com moda
pode gerar economia de longo prazo, a
economia de escala, pois, se ela não existir, não existe sustentabilidade real. Nós
vamos pagar royalties para os desenhos
dos índios, outra condição para a sustentabilidade real.
EM OUTROS PAÍSES, HÁ MODELOS
DE MIGRAÇÃO E IMIGRAÇÃO
SIMILARES AO NOSSO, MAS NÃO
EXISTE SINERGIA. E ESSA HERANÇA
CULTURAL, NO BRASIL, SE TRANSFORMOU
EM UMA CRIATIVIDADE INCRÍVEL
Bancos de madeira certificada na Casa SPFW, o lounge oficial do evento
26
ECONOMIA CRIATIVA
Diretor presidente da Alpargatas
A palavra gestão sempre é relacionada a dinheiro – gestão financeira, gestão
de produtos, gestão de marcas etc. Gestão criativa é um termo bastante novo
e provocativo, que nos leva a refletir um
pouco mais.
No Brasil, 10% da população consegue demonstrar que pode ser criativa.
Quando nós tivermos 100% das mentes do nosso país podendo demonstrar
aquilo que sabe, o potencial e a criatividade que têm, teremos um salto quantitativo muito grande. Hoje, dadas as
deficiências que temos, nem todo mundo com uma boa idéia, um bom pensamento, uma boa capacidade de criar
consegue fazê-lo.
A Alpargatas é hoje uma empresa
essencialmente de marcas. A cada dia, é
menos relevante aquilo que fabricamos
e nos preocupa muito mais aquilo que é
intangível e que agregamos. Hoje, agregamos mais inovações, mais aspectos
intangíveis que elementos tangíveis. O
produto pode ser fabricado em qualquer lugar, mas as idéias, a inventividade, a capacidade de se diferenciar por algo que é agregado ao produto, isso tudo
é nosso.
Empresas como a Natura e a Alpargatas, que têm uma preocupação grande em desenvolver marcas e em levar
conceitos, deveriam ter um tipo de incentivo diferente. Hoje temos 12.850
funcionários, uma folha de pagamento
dantescamente grande para uma empresa do nosso tamanho. Não temos
crédito de ICM, PIS, COFINS, de nada. E
ainda há os encargos sociais. Na China,
o operário que fabrica calçados ganha
R$ 120 por mês. Aqui, o salário de um
operário da fábrica está em torno de
R$ 440, R$ 450. Já é uma diferença grande. Somando os encargos, o salário do
operário aqui quase dobra. Lá, os encargos variam entre 11% e 16%. Lá se trabalha dez horas por dia, seis dias por semana, o que dá 60 horas por semana. Aqui
se trabalha 44 horas por semana. Lá se
ganha 12 salários e se trabalha 11,5 meses;
aqui se ganha 13 salários e se trabalha
11 meses. A questão não é se está certo
ou errado. A questão é: como vamos lidar com essas diferenças?
A história mostra que empresas que
desenvolvem marcas têm um diferencial, são mais imunes às crises, às vulnerabilidades, à volatilidade dos países,
e acho que esse pode ser um caminho.
Acho o tema extremamente propício
e, confesso que, para nós, tratá-lo dessa
forma, como gestão criativa, é uma novidade, é uma abordagem diferente.
No setor de calçados, exportamos
empregos para a China. Existe um tipo
de couro, chamado red bull, que não é
tratado depois de retirado do curtume.
Esse couro hoje é exportado para a China com 7% de imposto. Se for tratado
no Brasil e utilizado no mercado doméstico, o imposto sobe para 18%.
Existe um centro na China chamado
Shoetown, com cerca de 70 mil pessoas
e todas fabricam calçados. Eles importaram 2 mil pessoas do Rio Grande do
Sul para ensiná-los a fazer calçados. Lá,
você fala português nos restaurantes,
tem churrascaria, tem um cara que toca
samba horrível, mas toca...
No ano passado, o mundo produziu
16,4 bilhões de pares de calçado. A China foi a maior produtora, com 65% da
produção, seguida pela Índia, que produziu em torno de 6%. O Brasil ficou em
terceiro, com 5,4%. Ou seja, o terceiro
maior produtor mundial responde por
menos de 10% da produção do maior.
Temos que pensar como a gestão criativa pode ajudar a reverter esse cenário.
Roupas expostas no FWHouse
27
A importância da
convergência nas
políticas públicas
Carlos Américo Pacheco
Secretário-adjunto da Secretaria de
Desenvolvimento do Estado de São Paulo
Desfile Gloria Coelho no Espaço Iguatemi São Paulo
Transgressão
e eficiência
O Brasil, que sempre conviveu com
dívida externa, está se tornando credor
de dívida internacional. O que vai acontecer nos próximos anos no país é algo
extraordinário do ponto de vista econômico: um ambiente muito interessante,
com um crescimento que provavelmente será a uma taxa que alcançará o dobro do que assistimos nos últimos anos.
Apesar de não ser tão expressivo quanto
poderia, esse crescimento vai gerar muitas oportunidades de novos negócios.
O curioso é que ele será acompanhado
por um câmbio estruturalmente organizado. Será um desafio, para todos os
setores da economia, conviver com esse câmbio em um momento em que a
Ásia é o que é.
O Brasil vai crescer, as vantagens serão enormes e dificilmente alguém irá
reclamar. A transformação, porém, vai
ser muito grande; muitos setores, muitas
atividades vão desaparecer. Em São Paulo, em particular, isso vai ser bastante
mais trágico do que em outros lugares.
É um contexto muito desafiador,
que exige estratégias que passam pela
questão da inovação, da capacidade de
se modificar como empresa e como negócio, e de desenvolver processos e produtos novos numa escala muito maior
do que temos feito. Devido às nossas
dificuldades institucionais, nossos arranjos econômicos e até à falta de con-
de serem absorvidas. Hoje, o mundo está mais complicado, a agenda ampliou,
há mais temas.
A grande nova questão em relação à
velha agenda da qualidade é o tema da
inovação. O debate, porém, não decola,
apesar de o país ter a mesma liderança
privada, de as grandes empresas estarem
envolvidas e de o Gerdau ser um grande condutor dessa discussão. O tema da
inovação é difícil de ser explicado para
as pessoas e para as empresas.
tinuidade política, o desafio é conseguir
mover esses fatores na velocidade em
que o mundo o faz.
A partir dos anos 1990, fomos desafiados enormemente: a abertura da economia foi concomitante com uma recessão e com o risco de uma hiperinflação.
Essas questões, porém, eram mais fáceis
O grande problema da Economia
Criativa é ser um objeto também intangível, complicado, multifacetado, heterogêneo. Temos de pensar sobre como
discutir esse tema de uma maneira mais
simples. A palavra central é talento, despertar talentos, seja nas empresas, seja
nos indivíduos.
Carlos Jereissati Filho
Superintendente do Grupo Iguatemi
Empresa de Shopping Centers
O Brasil é um mercado imperfeito,
pequeno, mas, sempre que há um salto
de qualidade, é possível ver como tudo melhora. As telecomunicações, por
exemplo. Depois da privatização, o mercado brasileiro deu um salto. Hoje, tudo
está mudando. O mercado está crescendo e precisa continuar crescendo para
que surjam novas oportunidades. O
Brasil precisa procurar o que é nosso, o
que é próprio – como foi a bossa nova
na década de 60, de que todo mundo se
orgulha até hoje.
Hoje, qualquer um pode transgredir.
O mundo cresceu e o Brasil se democratizou. Precisamos de educação de qualidade e levar qualidade também para os
negócios. Tem de ter pessoas analisando
e criando processos que dêem sustentação para novos negócios. Com isso, o
mercado de varejo também vai crescer.
Com novos produtos sendo feitos, com
novos espaços comerciais sendo lançados, haverá uma competição maior,
uma busca pela eficiência.
O GRANDE PROBLEMA DA
ECONOMIA CRIATIVA É SER UM
OBJETO TAMBÉM INTANGÍVEL,
COMPLICADO, MULTIFACETADO
Backstage do desfile de Reinaldo Lourenço
28
ECONOMIA CRIATIVA
29
A busca da excelência
e da qualidade
Pedro Passos
Co-presidente do Conselho de Administração da Natura e
presidente do Conselho Curador da Fundação Nacional da Qualidade
A primeira pergunta é: por que hoje
há tão poucas marcas brasileiras fora do
país? Quantas são de consumo? A Natura, um caso exemplar, está tentando,
mas, depois de um processo com muitos erros de mais de vinte anos, só 3%
ou 4% da nossa receita vem de receitas
do exterior.
É um exercício de humildade e de
muita persistência acreditar que temos
condições de criar ativos que podem
atravessar as fronteiras. O SPFW está
fazendo um esforço que, quando começou, não imaginei que pudesse ter
a dimensão que tem hoje. Não só dimensão como agregação, como hub de
conhecimento, que não só articula essa
rede toda de conhecimento e ação, como também inspira jovens empreendedores, dos quais alguns tiveram a coragem de também levar suas marcas para o
exterior e já estão tendo muito sucesso.
A internacionalização, para nós, é
um desafio. Não é levar um conceito,
porque talvez o conceito nós já tenhamos com algumas adaptações e aprimoramentos. O que faz uma empresa ser reconhecida internacionalmente é como
esse patrimônio – marca – viaja.
Será que essa dificuldade está relacionada ao fato de que não tínhamos
necessidade de buscar esse mercado externo? Éramos muito fechados? Acho
que faltam políticas públicas nessa direção. Política pública é para fazer saldo comercial, até hoje foi assim. Não é
para gerar dividendos, remessas, negócios. A Natura nunca conseguiu que o
BNDES financiasse suas operações no
exterior. Só conseguíamos financiamento em moeda estrangeira, mas, como gerávamos todos os nossos recursos
em moeda brasileira, tínhamos medo
de assumir uma dívida em dólar. Faltou
política pública de incentivo. Como
empresa pequena, que não tem acesso a
capital, tivemos muita dificuldade para montar uma operação fora do Brasil,
não foi fácil.
mesmo com esse câmbio. O problema
é como construir a marca Natura nos
Estados Unidos. Esse é o grande desafio
que temos pela frente e que está presente nas outras pequenas empresas que estão entrando agora no clube.
Para mim, o primeiro ingrediente
para se construir um empreendimento
é um sonho. Foi assim que a Natura nasceu. Ela não nasceu com capital, ela não
nasceu com uma análise de negócio,
nasceu fundamentalmente da paixão
que o Luiz Seabra [presidente e fundador da empresa] tinha pelos cosméticos
e da possibilidade que ele tinha de ser
um instrumento de autoconhecimen-
CONCEITO E MARCA
Pelas características do nosso negócio, não conseguimos exportar produtos. Exportamos marca e conceito. O
que a Natura exporta não é cimento.
O produto, se bem feito, pode ser feito
em qualquer lugar, levando os ingredientes ativos.
Vemos a diferenciação não no produto, na fabricação, mas no que ele carrega como conceito. Nossa vantagem
não é de custo. Podemos exportar para
os Estados Unidos, produzindo no Brasil
to, de permitir a relação do indivíduo
consigo próprio e com os demais. E o
capital de um Fusca – era o equivalente
a R$ 10 mil de hoje. Foi assim que a Natura nasceu. O resto é batalha de empreendedor. Então o primeiro ingrediente
é o empreendedorismo, a garra de quem
quer fazer.
Acho que um segundo fator determinante para a nossa história foi a determinação de propósitos, ou seja, o que
queremos mesmo ser, o que o coração
está nos dizendo para fazer, o nosso
propósito enquanto grupo empresarial.
Num determinado momento difícil da
nossa história, no início dos anos 1990,
depois do Plano Collor, foi um longo
processo de olhar para a empresa e estabelecer a razão de ser e as crenças fundamentais: qual é nosso jeito? Não era nada
quantitativo, não era planejamento ainda, era definir no que acreditávamos.
DEFININDO A MISSÃO
Em 1992, ano no qual tivemos um
grande prejuízo operacional, escrevemos nossa missão: queríamos ser uma
empresa, uma marca internacional,
reconhecida pelo comportamento empresarial, pela qualidade das relações
que estabelece com todos os seus públicos, pela qualidade de seus produtos e
serviços e fazendo parte de uma comunidade que quer ver o mundo melhor a
partir da relação do indivíduo consigo
mesmo e com o outro.
Naquele ano, apesar de já ter uma
história empresarial, voltamos para a
escola para estudar um pouquinho e
percebemos que começava um movimento forte de gestão e competitividade no Brasil. Tínhamos acabado de abrir
a economia e, naquele momento, teve
inicio o movimento da qualidade.
O Brasil foi buscar a tal da competitividade. Naquela época, não eram os
chineses que estavam nos ameaçando.
As barreiras de importação tinham caído e as empresas nacionais tinham de se
equipar para poder ter a gestão, as práticas das melhores empresas. Quando
fomos para o Insead [escola de negócios
internacional com sede na França], tivemos um choque ao perceber que as empresas brasileiras que começaram conosco estavam muito melhores em termos
de práticas de gestão, planejamento, tratamento de pessoas etc.
Foi nesse momento que tivemos
contato com o mundo da gestão e começamos a superar a época da guerra, só
da vontade, do empreendedorismo, da
inovação, e tivemos contato com a Fundação Nacional da Qualidade. Fizemos
então um diagnóstico, uma avaliação
da organização, para identificar quais
eram as nossas dificuldades e os pontos
em que podíamos melhorar.
Essa auto-avaliação, que é o modelo
de excelência em gestão que a Fundação
Nacional da Qualidade utiliza, ajuda as
empresas a fazerem um diagnóstico,
apontando quais são os pontos fracos,
quais são os pontos fortes e qual é a sua
pontuação de acordo com as referências
do setor, o que permite uma comparação com outras organizações.
Adotamos esse modelo em 1992 e
1993, junto com a profissionalização
forte da empresa, trazendo executivos
de diversas áreas, o que permitiu que,
crescimento a taxas bastante fortes, em
um modelo de desenvolvimento que
vai extraindo recursos naturais que são
finitos. Estamos diante de um impasse:
qualquer projeção expõe alguns limites
de recursos naturais, de inclusão social
com os quais vamos nos defrontar.
Temos um padrão de consumo absolutamente exacerbado, com as indústrias procurando entuchar mais produtos em cima de seus clientes de uma
forma absolutamente desnecessária e
com uma produção em detrimento da
qualidade de vida do mundo. Agora,
temos uma oportunidade de inovar, de
transformar as estratégias das empresas:
qual é o jogo que vamos jogar diante
dessa nova realidade.
em quatro ou cinco anos, a empresa
passasse de um conglomerado de quatro ou cinco fundos de quintal, empresas que faturavam, cada uma, R$ 10
milhões, R$ 15 milhões, para uma empresa já com faturamento na ordem de
US$ 600 milhões em 1999.
Esse modelo de olhar a gestão de
forma integrada permitiu um salto na
empresa, que, entretanto, continuava
tendo o empreendedorismo original,
continuava tendo a força da inovação
baseada em filosofia, crença, valores
muito fortes. Em 1998 a empresa passou
a ser reconhecida, ganhando um importante prêmio da revista “Exame”.
DESAFIO DA GESTÃO
Acho que a economia criativa não
prescinde nem prescindirá de uma gestão muito eficiente. Caso contrário,
vamos falar de conceito, marketing, divulgação, mas não vamos dar sustenta-
nova direção para esses limites. O Brasil
está perdendo uma oportunidade, está
deixando passar o bonde. O Brasil tem
condições privilegiadas para criar um
novo conceito, para inovar, para liderar,
porque isso não depende de capital, depende de cabeça, de determinação, de
filosofia, de conceito e de propósito e
vai gerar uma enorme oportunidade de
inclusão social.
O Brasil tem condições de não fazer
os mesmo erros que a China, por exemplo, está fazendo. A China está atropelando seu ambiente, já falta água.
O Estado brasileiro, em suas diversas
instâncias, tem de sinalizar. Não estou
falando de subsídio, estou falando de
prioridade, de articular o centro de São
Paulo para uma, duas ou três finalidades.
Subsídio, às vezes, é importante para determinados setores, mas estou falando
que, se não existir uma liderança, então
vão criar uma política para o que mes-
bilidade a esses processos.
Vivemos em um mundo que tem
um modelo, eu diria, preocupante, pois
exige das companhias e dos países um
mo? Só para ficar tapando passivo não
dá, tem de sinalizar o futuro. Parece que
falar do papel do indutor do Estado virou pecado.
PERDENDO O BONDE
Às vezes, parece que existe uma certa anestesia no âmbito do privado e
também do público em enxergar uma
Redário instalado na Bienal para exibição de vídeos sobre sustentatibilidade
30
ECONOMIA CRIATIVA
31
Vista aérea de São Paulo
Proposta de
bairro “criativo”
Bem intangível como
oferta do setor público
Rose Carmona
Clovis de Barros Carvalho
Arquiteta e urbanista
Secretário de Governo da Prefeitura de São Paulo e
coordenador da Agência de Desenvolvimento da Cidade
Existe um movimento internacional de urbanistas trabalhando a questão de espaços para a Economia Criativa. Como a cidade acolhe esse tipo de economia? Como
ela provê esses espaços? Como ela pode participar desse processo? Como fazer o casamento do centro da cidade de São Paulo com todas essas idéias, por exemplo?
32
ECONOMIA CRIATIVA
FOTO CRISTIANO MASCARO
O centro de São Paulo tem tudo para abrigar essa economia. Acho que a prefeitura já tem instrumentos para isso, temos algumas leis de incentivo que estão meio adormecidas, mas que podemos
ressuscitar. A vida cultural no centro é riquíssima, com vários espaços como o Teatro Municipal, e
temos áreas vazias, prédios que podem tranqüilamente abrigar esse tipo de atividade.
Neste momento, o que falta é a tomada de consciência dos centros de decisão
pública e privada sobre o significado da
Economia Criativa ou da criatividade
como valor econômico. Esse conceito
precisa contaminar toda a sociedade,
incluindo o setor público, que tem um
papel importante enquanto indutor.
Um exemplo de intangível que
contamina a sociedade é o Cidade Limpa [programa que proíbe outdoors e
restringe a propaganda nas fachadas de
estabelecimentos comerciais na cidade
de São Paulo]. Para a maioria, é surpreendente o êxito e a aceitação desse programa. É uma das primeiras vezes que
a autoridade pública traz para a sociedade não um bem ou serviço material,
mas um bem intangível, que é a beleza,
a falta de sujeira, a estética, o reaparecimento da cidade.
33
Estratégias para se
valer de um mercado
rico em oportunidades
Eduardo Rabinovich
Presidente ER Gestão de Marcas e Participações, vice-presidente da Abit
(Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção) e diretor de
Relações Internacionais e Comércio Exterior da Derex-Fiesp
34
O Brasil vive um momento de estabilidade econômica, controle de inflação, superávit, ou seja, um momento
meio ou dois, o Brasil deve ter uma avalanche de dinheiro entrando no país.
Vivemos, portanto, num momento
ter talento para gestão? Talvez não se
deva exigir isso deles, pois em nenhum
lugar do mundo isso aconteceu. Lá fora,
extremamente positivo. Outro fator
que tem nos ajudado muito é a situação econômica externa, que está muito
bem, sem grande estresse econômico e
com muita liquidez.
Apesar deste cenário positivo, os números da Fiesp mostram que a indústria
tem enfrentado graves problemas de
“desindustrialização”. Nesse caso, não
podemos culpar somente o câmbio e os
juros, que têm afetado bastante o setor,
não favorecendo uma boa política industrial, tampouco podemos desconsiderar o “efeito China”.
Na verdade, temos dois fatores, que
devem ser separados: o “efeito China”,
que afeta o setor manufatureiro como
um todo, e a política brasileira, que não
tem beneficiado a indústria nos últimos anos.
Alguns setores no Brasil crescem a
“ritmo chinês”, 8,8%, mas são setores
extrativistas, da siderurgia, setor farmacêutico. Nos setores de mão-de-obra
intensiva, temos indústrias altamente
prejudicadas pelo “efeito China”, pelo
câmbio e pelos juros.
Por outro lado, temos uma situação
econômica extremamente favorável e
um fluxo de capital absurdo, e que tende a aumentar, porque, em um ano e
de oportunidade muito grande porque
existe capital no mercado, existe gente
disposta a investir na economia.
Como não temos controle sobre o
“efeito China” ou sobre o Estado, temos
que manter o foco nos fatores que podemos controlar. Analisando a cadeia como um todo, as oportunidades maiores
estão muito mais localizadas na ponta
do que na indústria. Evidentemente, essa ponta pode ajudar muito a indústria
no futuro.
as marcas se organizaram, juntaram esforços, formando grupos de marcas, e o
comando ficou por conta de grupos financeiros, que administram isso de uma
forma bastante profissional. Eu acredito
que no Brasil não vá ser diferente.
Aqui, o desafio dos investidores interessados em constituir um grupo de
marcas ou somente investir em uma
marca brasileira está na dificuldade de
analisar o negócio. Não há informação,
dados, números para analisar, por causa
da informalidade do nosso mercado,
que é um grande obstáculo.
ECONOMIA CRIATIVA
DESAFIOS DA INDÚSTRIA TÊXTIL
Mas, observando friamente o setor
têxtil e de confecção brasileiro, enxergamos uma série de empresas familiares de pequeno e médio porte e com
gestões muito pouco profissionais e extremamente informais. Talvez, o grande desafio da indústria têxtil hoje seja
inserir essas empresas na economia real
e adequá-las ao que elas precisam para
sobreviver.
Porém, como querer que estilistas,
profissionais mais ligados à arte, possam
FALTA DE PROJETOS
As marcas surgem sem projetos, sem
saber aonde querem chegar, que mercado querem atender. O que falta não é
produção e capital de giro, mas planejamento e projeto. Hoje eu sou um investidor, tenho uma empresa que investe
em marcas e as oportunidades são muito grandes, mas a dificuldade de analisar
uma empresa é tremenda por essa falta
de informação. As informações sobre o
mercado a que elas atendem, suas metas
e expectativas, seus planos de crescimento são dados que, se bem projetados, com certeza irão atrair o mercado
investidor.
ANALISANDO A CADEIA COMO
UM TODO, AS OPORTUNIDADES
MAIORES ESTÃO MUITO MAIS
LOCALIZADAS NA PONTA DO QUE
NA INDÚSTRIA. EVIDENTEMENTE,
ESSA PONTA PODE AJUDAR
MUITO A INDÚSTRIA NO FUTURO
Dispostos no pit, fotógrafos e câmeras registram os desfiles
Durante encontro com um grande
empresário italiano, cujo grupo na área
de confecção fatura 1 bilhão de euros,
não esperei nem um minuto para ouvilo dizer: “Sim, eu me interesso por marcas brasileiras”. Existe grande interesse
pelo país porque o Brasil tem essa aura
de alegria do povo, de meio ambiente,
que são aspectos extremamente ricos.
Do ponto de vista de marketing, isso
poderia ser muito aproveitado, mas
somente o marketing não é suficiente,
temos que enraizar esses aspectos no
mercado interno.
FORMALIZAÇÃO
A carga de impostos brasileiros penaliza o industrial e o incentiva a não se
formalizar e a sonegar. Mas, se ele não se
formaliza, não consegue investimento
externo, financiamentos ou outros investimentos de capital. Para captar esses
recursos, a formalização da indústria é
essencial.
Temos que ajudar, então, essas empresas a se formalizar, a ter ferramentas
efetivas de gestão e rentabilidade e atratividade para o investidor. As oportunidades existem e também muita gente
com talento, com extrema capacidade
criativa, mas pouca capacidade de gestão e quase nenhum capital. Precisamos
incluir esse talento no mundo formal
dos negócios. Uma marca, quando bem
soas não enxerguem negócio, porque
não está estruturado, mas é negócio. Essa capacidade de alavancar negócios pela comunicação nos mostra que temos
grande possibilidade de ajudar o Brasil,
de transformá-lo e criar uma imagem
melhor do que a atual.
Quando vemos um planejamento
de 30 anos [do SPFW], vemos o trabalho
de um visionário. A questão é que não
focada e administrada, tem potencial de
crescimento muito grande, e são poucos
que fazem isso no mercado.
Falando um pouco de economia e
usando o exemplo do SPFW: o poder de
comunicação que esse evento tem no
existe um visionário, existem muitos
visionários, e aqui, no SPFW, temos a
oportunidade de pôr em prática esses
planos. Uma proposta de atuação talvez
seja formar grupos de trabalho através,
por exemplo, de associações de classe,
Brasil, aparecendo durante uma semana, todos os dias, nas principais emissoras de televisão e nos principais jornais,
mostra que isso é negócio! Talvez as pes-
porque é uma maneira de englobar o
maior número de setores e empresas e se
comunicar com o maior número possível de empresas.
35
Panorama
da Economia
Criativa
AS INDÚSTRIAS
CRIATIVAS NO MUNDO
MOVIMENTAM U$ 1,2
TRILHÃO, MAIS QUE
O DOBRO DE TODO O
PIB BRASILEIRO
Backstage do desfile da Cavalera
Eliana Simonetti
Jornalista, historiadora e consultora do
PNUD (Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento) para assuntos editoriais
O que vou fazer aqui é um panorama rápido do que é Economia Criativa,
partindo do seguinte princípio: o capitalismo sempre encontra uma maneira
de sobreviver. Depois do paradigma da
sociedade do conhecimento, chegamos
a mais um novo paradigma, originado
pela percepção das empresas de que seu
mercado está esgotado.
Depois da aceleração da globalização, que aumentou a distância entre os
mais pobres e os mais ricos, temos alguns mercados limitados, cuja solução
é criar emprego e gerar riquezas, senão,
não se sobrevive.
Num mundo globalizado, as pessoas
querem se diferenciar, e isso abre uma
oportunidade para a empresa e para o
criador, por meio da criação de produtos ou serviços diferenciados. A Economia Criativa tem a vantagem de fazer
bem para todos: empresa, pessoas, o
país e o mundo, pois promove desenvolvimento ao gerar mercado através
da inclusão.
Ela engloba um mundo variado de
produtos e serviços, que vão do desenvolvimento de softwares até Havaianas
e, por isso, envolve muita gente, áreas
e habilidades. É uma oportunidade de
trabalho que inclui pessoas que hoje são
excluídas do mercado, do DJ às senhoDetalhe de trama de tecido
36
ECONOMIA CRIATIVA
ras que fazem renda de bilro no Ceará e
vendem para o estilista na SPFW. É um
universo de oportunidades em que ganha mais quem mais se diferencia.
PROVEITOS INTANGÍVEIS
Os ganhos no setor não são só pelo
volume de dinheiro, mas pela inclusão
de pessoas, pela movimentação, pelos
efeitos secundários. Quando acontece
um SPFW, por exemplo, o que se movimenta é muito mais do que dinheiro,
são idéias, contatos, a inovação, o intangível já mencionado.
As indústrias criativas no mundo
movimentam U$ 1,2 trilhão, mais que o
dobro de todo o PIB brasileiro. No Brasil,
os levantamentos ainda são poucos, mas
estima-se que gerem só 5% do PIB, U$ 25
bilhões – temos um espaço para crescer
nessa área. Esse é o setor que mais cresce,
mais exporta e melhor paga. Há números muito impressionantes.
Segundo o Banco Mundial, a cadeia
produtiva da cultura tem registrado
crescimento médio superior a 6% ao
ano, enquanto a economia está crescendo menos do que isso, e a previsão deles
é que, em 2010, essa indústria criativa
vai produzir 10% da riqueza de todo o
mundo. No Brasil, a riqueza gerada pelo
setor cultural responde por 53% do PIB
relativo ao fabrico de material elétrico
e eletrônico, e a 42% do PIB da indústria de material do transporte. É 5% do
PIB do país, sendo que não temos o mapeamento da Economia Criativa em seu
conceito mais abrangente.
Criatividade é um investimento
lucrativo, reduz a pobreza, reforma a auto-estima e ainda torna o mundo mais
atraente – e o Brasil é um celeiro de experiências bem sucedidas e ainda desconhecidas. Porém as empresas ainda
não enxergam com clareza o potencial
existente. Damos um enorme reforço à
crise ambiental, sem considerar que salvar o planeta e não dar oportunidades
ao homem não resolve o problema. A
economia criativa oferece uma alternativa: você salva o ambiente e também o
homem.
NEGÓCIO DA CHINA
Números apresentados pelo Ministério
da Cultura mostram que R$ 1 milhão
em investimentos na Economia Criativa geram 160 postos de trabalho. Isso significa que um emprego custa R$ 6.250.
No comércio, segundo a Associação
Comercial de São Paulo, ele custa quatro vezes mais e, na indústria siderúrgica, o emprego custa R$ 1.400. Estamos
preocupados com a China? Pois investir na Economia Criativa é um negócio
da China.
O rendimento médio do trabalhador
do setor cultural é mais ou menos 30%
maior que o do conjunto do mercado
brasileiro; eles trabalham menos horas
do que um trabalhador de fábrica e são
mais escolarizados e experientes. É uma
indústria com pessoal diferenciado.
Falando de cultura, pois é onde existem números, ela ocupa o primeiro lugar nas ações de comunicação e marketing das empresas públicas e privadas,
sendo que, na década de 90, o número
de projetos culturais patrocinados por
companhias privadas cresceu 80% e os
recursos cresceram 350%. Houve investimento em mais empresas, com menos
recursos para cada uma, o que significa
oportunidades para mais gente.
O cinema é uma das áreas em que,
tanto empresas públicas como privadas,
têm investido muito. No ano passado, o
cinema brasileiro comemorou 110 anos
de história, lançando 58 longas-metragens. Hollywood lança menos títulos
do que a Índia, mas ocupa 90% das salas
de cinema do planeta, o que mostra que
a chave está na distribuição.
A Nigéria é um exemplo interessante de inovação: seus filmes são semicaseiros, gravados em DVD e distribuídos
por uma rede de camelôs. Dessa forma,
fazem 1.200 títulos por ano, o dobro de
Hollywood. E isso porque não há uma
única sala de cinema, mas há produtores e consumidores, são criativos. Ou
seja, existem saídas.
O setor editorial reclama bastante,
mas tem cerca de 3 mil editoras, 15 mil
gráficas, 1.500 livrarias no Brasil. Em
1990, foram lançados 22.500 livros, com
faturamento de mais ou menos R$ 900
milhões; 15 anos depois, o número de
títulos dobrou e o faturamento foi 2,5
vezes maior.
O Brasil, por sua carência, oferece
inúmeras oportunidades para investimento futuro. Temos tudo: criatividade, consumidor e gente precisando
produzir. É preciso acreditar e investir,
principalmente porque o Brasil é sinônimo de diversidade, essa coisa de que o
mundo precisa cada vez mais.
37
NÃO TENHO PENA DAQUELES
QUE RECLAMAM MUITO COM
O GOVERNO, MAS EXPORTAM
UM CALÇADO, UMA MEIA, UMA
CALÇA, NÃO UMA MARCA
Sala de imprensa do SPFW
A cultura do medo
promovida pela mídia
Exportar marca,
e não produto
Ruy Porto
João Alfredo Meirelles
Consultor de comunicação
e mídia da Alpargatas
Psicoterapeuta sistêmico e coordenador
educacional do Projeto Treme Terra
Vivemos situações nas quais não podemos mais operar na lógica do “ou/ou” – é branco ou preto, rico ou
pobre. Temos que operar na lógica do “e” – brancos e negros, pobres e ricos, palmeirenses e corinthianos. E
para conviver com essa diversidade e complexidade é necessária uma base de auto-estima. Até o próprio
valor de marca começa a partir do valor que você dá a si, porque a identificação com a marca é a identificação que você tem com você mesmo.
Para se ver, para se perceber, para criar, a pessoa precisa romper a barreira do medo.
A auto-estima é fundamental para que a gente possa criar. E a cultura do medo é a cultura mais forte hoje, a qual é alavancada pela mídia.
Sinto que todas as forças empresariais, intelectuais, criativas têm que se juntar para denunciar
essa ditadura do medo. A mídia, principalmente aquela que escreve para ela própria, é extremamente excludente e não valoriza a imagem positiva e empreendedora do brasileiro.
38
ECONOMIA CRIATIVA
As Havaianas foram sucesso no mundo porque primeiro foram sucesso aqui.
É muito difícil você fazer sucesso lá fora
não tendo uma verdade dentro do país.
Importante dizer também que não se
pode querer exportar um simples produto, uma commoditie, devemos exportar uma marca.
Então a Havaianas sofre com dólar
baixo? Claro que sim, mas sofre muito
menos do que alguém que exporta um
calçado de couro para o italiano, o inglês
ou o francês botar a marquinha dele. Se
você não tem marca, vai ficar sujeito aos
ventos da valorização do capital.
Um exemplo: há cinco anos, a Zara
quis comprar da gente cinco milhões
de pares. Mesmo para Havaianas, é um
número considerável, mas, tirar a marca
Havaianas, a gente não quis _esse é um
“canto de sereia” que diuturnamente
cai na nossa mesa.
Hoje é até fácil dizer não, mas cinco,
dez anos atrás era muito mais difícil,
porque existe uma pressão por lucro,
por rentabilidade, produtividade, e nisso todas as empresas são absolutamente iguais. Exigiu coragem da empresa lá
atrás, por isso não tenho pena daqueles
que reclamam muito com o governo,
mas exportam um calçado, uma meia,
uma calça, não uma marca. Porque
fazer marca é complicado, exige selo
acadêmico, energia, muito trabalho e
investimento.
Não há país mais criativo que o Brasil.
Para a Havaianas não é possível ter um
designer que nunca viu um pôr-do-sol
na Bahia, que não conhece os Lençóis
Maranhenses e só a Serra Gaúcha. Não é
patriotada, a gente tem muitos problemas neste país, mas não somos um país
pobre, nós temos uma Espanha aqui
dentro, seus 40 milhões de habitantes
correspondem à nossa classe média.
Existe pobreza e existe também um país
civilizado e rico, com uma classe média
criativa e altamente consumista.
39
Formar um
grupo forte de
articulação
Calças jeans expostas no salão de negócios FWHouse
Altair Assumpção
Superintendente-executivo da área de
middle market do Banco Real ABN AMRO
Se estamos pensando em iniciativas para formar um grupo fixo de trabalho, acredito que o
Banco Real tem forças bem efetivas para realizar esse tipo de contato. O Fabio Barbosa, presidente do Banco Real, é também presidente da Febraban e, em conjunto com o presidente da Fiat,
com o presidente da Alpargatas, da Santista Têxtil e tantos outros, pode articular essa formação
a partir do que for produzido aqui.
É muito importante que essas discussões gerem documentos que possam ser acessados por outras pessoas estratégicas, como governos, ministros, até mesmo o presidente.
Enfim, ganhar importância com setores representativos da economia para conseguir
atrair parceiros, como, por exemplo, o presidente do BNDES.
É preciso agrupar-se, criar um denominador comum, ter força, “status quo”.
Precisamos dessa articulação, caso contrário, nós mudamos, a economia muda, e
certamente daqui a 10 anos teremos um problema.
Falar em uma marca Brasil também é muito interessante. Temos que utilizar isso
como um diferencial competitivo e como valor agregado.
Qualidade para
concorrer com o
“basicão” chinês
Ricardo Weiss
Presidente da Santista Têxtil e diretor
de operações da Tavex América do Sul
A Santista e parte da Tavex procuram diferenciação. Ao concorrer com
o chinês, procuramos evitar que eles
nos pressionem a concorrer com mais
velocidade e com o “basicão”, a massa,
aquela oferta de produto destinada a
uma pirâmide achatada, a necessidade
primária dos pólos em desenvolvimento. Desta concorrência, estamos fora!
Decidimos ir para segmentos superiores, estratificar, diferenciar, procurar, inovar. Como se define algo neste
sentido? Primeiro, tentando fazer rapidamente produtos novos, impedindo a
ação da velocidade de cópia. Para isso, a
empresa precisa pensar diferente – começa aí a importância da criatividade.
E o que estamos fazendo para pensar
diferente?
Temos uma gerência de inovação de
desenvolvimento. Damos importância
a ela ao fazer com que se reporte diretamente à presidência da empresa. As
novas idéias, os novos conceitos, eventos, produtos têxteis e pesquisas passam
por um núcleo composto de 30 pessoas, com formação de superior a média
e que se mantém constantemente trocando idéias com fornecedores, fazendo pesquisas técnicas, procurando um
olhar diferenciado.
Tudo isso também é fruto de um
outro setor de criatividade, que é a
Universidade Santista Têxtil, onde se
ensinam as melhores práticas de confecção, de lavanderia – um serviço de
suporte e informação aos nossos clientes e fornecedores.
EDUCAÇÃO INTERNA
Ensinamos para uma equipe de vendas o que é uma “cadeia jeans” na moda.
Temos cursos de estilo para quem quer
aprender como construir um novo negócio da melhor maneira possível. Fazemos não apenas capacitação básica
– costurar e lavar –, ensinamos também
como agregar valor ao produto e a se
destacar em relação aos demais.
Mais de 3 mil pessoas já passaram por
esses cursos. A demanda é surpreendentemente grande. Assim nós conseguimos concorrer com o “basicão” chinês.
Isso é parte de um contexto que
abarca desde um planejamento estratégico até a estrutura organizacional,
passando pela capacidade de acessar o
mercado para ter produtos diferentes,
de desenvolver técnicas de lavanderia e
de comunicação com estilistas, tentando abranger vários elementos da cadeia
para ter velocidade.
É neste contexto mais estratégico
que a Santista se fundiu com uma empresa européia para se tornar líder mundial em denim, tendo acesso muito mais
rápido ao que é desenvolvido no centro
da moda, a Europa.
Grandes marcas, como Diesel e Miss
Sixty, discutem com quem desenvolve
tecidos europeus para criar aquilo que,
seis meses depois, vai estar nas fashion
weeks de Milão, Paris e Londres e que
nossos concorrentes, ou mesmo clientes, vão encontrar em suas pesquisas um
ano depois. Nós já temos a ficha técnica
do produto um ano antes e a oferecemos para quem está perto de nós.
Comecei falando do micro, como
empresa, mas eu queria terminar falando do macro. Uma empresa de capital
aberto tem que pensar dois trimestres à
frente. Por mais estratégico que seja, se
não trouxer resultados com tal antecedência, os acionistas cobram.
A política econômica e o estímulo
a atividades inovadoras são fundamentais. O BNDES até tem linha para isso,
o difícil é conseguir e fazer com que
isso vá em frente. A qualidade do ensino também é fundamental. A Coréia,
por exemplo, que até anos atrás não
era conhecida, investiu maciçamente
em ensino e hoje tem aparelhos de TV,
DVDs, carros. O Brasil precisa investir
nessa educação e no estímulo a linhas
de crédito. Com um bom financiamento, esse negócio explode, porque há
inúmeras empresas muito pequenas.
Corredores do prédio da Bienal
40
ECONOMIA CRIATIVA
41
Criatividade
emoção e
experiência
Andrea Ciaffone
Jornalista
No inicio dos anos 90, as ações das
empresas de software começaram a
valer mais do que as ações de companhias
de outros setores, como do mercado automobilístico. A maioria das pessoas já
tinha carro, mas quase ninguém tinha
computador. As empresas de software
ofereciam produtos novos, criativos,
com potencial de atingir um público
consumidor maior e, na percepção dos
agentes econômicos, isso indicava que
as perspectivas de crescimento dessas
empresas eram maiores.
Acredito que esse seja um grande diferencial da indústria criativa. Ela sempre lança produtos que ninguém tem, o
que lhe dá um grande potencial de crescimento. Por isso essa indústria pode
Empresas que se preocupam mais
com processos têm melhores condições
de sobreviver em um ambiente extremamente truculento, veloz e competitivo. Começamos a perceber que o valor
de mercado de uma empresa é muito
maior que os valores tangíveis registrados e está diretamente ligado à garantia
de resultados futuros.
O que as empresas perceberam também é que ainda existe muito para investir no que se chama economia da ex-
alcançar um grande valor no mercado.
periência: agregar a experiência positiva
ao produto e fazer disso um diferencial.
Antigamente, se fabricavam produtos
pensando em detalhes, mas as empresas perceberam que ninguém compra
um carro, por exemplo, porque o banco
tem duas polegadas a mais ou a menos.
As pessoas compram carros pela emoção. Existe um componente emocional,
criativo, de experiência, que tem efeitos
muito claros naquilo que é contabilizável, no índice de vendas. Quem está
focado nesses aspectos tem melhores resultados na competição pelo mercado
consumidor.
Grafiteiro da Galeria Choque Cultural participa de ação realizada ao longo da semana do SPFW
Ênfase na
valorização
do talento
Andrea Matarazzo
Secretário de Coordenação das
Subprefeituras de São Paulo
Os donos do talento têm de agregar
valor à criatividade e têm de se organizar. Os grafiteiros de São Paulo, por
exemplo, possuem um potencial de
criação de valor imenso. Entre eles,
existem artistas fantásticos, mas eles estão desvalorizando o próprio talento.
Os estilistas e os designers de moda
também não se valorizam como deveriam se valorizar. Apenas uma meia dúzia é mais conhecida. Se vamos para a
periferia, encontramos muitas mulheres
que não têm a menor idéia de quanto
vale o trabalho que fazem.
No Brasil, o conceito do made in é
muito atrelado ao bem físico. Acredito
que devemos pensar em trabalhar de
maneira mais moderna, com o intangível. Como os italianos, que valorizam
muito mais o intangível do que o tangível. Para eles, o Pini Farina é muito mais
importante do que a Ferrari.
Peças criadas por alunos de design de moda com habilitação em modelagem, expostas na mostra Talentos Senac, na Bienal
42
ECONOMIA CRIATIVA
43
PARA OS ARTISTAS, AINDA É
IMPORTANTE TER UMA OBRA
TANGÍVEL, MAS HOJE, COM A
ECONOMIA DIGITAL, A MÚSICA
NÃO PODE ESTAR APOIADA
APENAS NESSE OBJETO
Show do grupo AfroReggae durante o SPFW
Investindo em
criatividade: riscos
e oportunidades
João Marcello Bôscoli
Presidente da gravadora Trama
Estamos vivendo uma mudança de
era no que diz respeito à música. No
mercado, existiam empresas que ganhavam dinheiro com a música ou imaginavam que faziam isso. Há seis grandes
gravadoras, as maiores, que documentam a raça humana inteira, e nunca se
viu o presidente de alguma delas se incomodar porque venderam 5 milhões
de cópias de um disco no qual ele não
acreditava musicalmente. Claro que essas gravadoras produzem discos muito
interessantes, mas, na verdade, elas vendem o suporte. Na minha opinião, fica
então muito claro que o produto que as
gravadoras desejam levar aos consumidores não é o artista, e sim o plástico.
A mudança que está acontecendo hoje parece simples, mas não é. A chegada
da internet assustou muito essas empresas, porque elas vivem dessa distribuição
e acham que ainda é possível viver disso.
Esse apego à venda do suporte fez com
que as gravadoras perdessem a grande
oportunidade de apresentar a internet
para o mundo. Com certeza, seria muito mais fácil para a música e as artes em
geral entrarem nesse universo que para a
44
ECONOMIA CRIATIVA
indústria automotiva ou os bancos, por
exemplo. Os bancos, os carros, enfim todo mundo chegou antes na internet, só
a indústria da música ainda não.
Como explicar para um jovem de 20
anos que o MP3 é proibido? Uma pesquisa feita para uma revista feminina jovem, para qual eu escrevia, questionava
as jovens sobre o que elas mais queriam
na vida. No primeiro ano, a resposta foi
MP3, sexo e música. No segundo ano,
foi música, sexo e MP3. Como falar para
essas meninas que as gravadoras grandes
são contra o MP3 até hoje?
NADANDO CONTRA A CORRENTE
Essas gravadoras estão tão preocupadas com a distribuição e a venda de
suportes que não percebem a chance
histórica que está vindo. A distribuição
nas mãos dessas seis gravadoras tornou
a indústria fonográfica um verdadeiro
curral eleitoral. É impressionante imaginar que essas grandes empresas acreditam que vão segurar a revolução digital. A revista “Billboard’, por exemplo,
que tem quase 120 anos, não traz mais
anúncios nem reportagens sobre discos
na capa.
A TV Globo, no final do ano passado,
realizou um especial sobre Elis Regina.
Fiquei surpreso com o fato de fazerem
um especial sobre ela no horário nobre
no final do ano, então perguntei aos
envolvidos no projeto por que tinham
escolhido a Elis. Eles me responderam
que foi resultado de uma pesquisa que
realizaram em todo o Brasil, que disse que a Elis é a única artista que dá
audiência. Fico muito feliz como filho,
mas me pergunto se não temos um
problema. Parece-me muito estranho
que uma pessoa que não se apresenta há
25 anos ainda seja a melhor opção para
um horário nobre.
É importante lembrar que boa parte da indústria da música é construí-
da a partir do que chamamos aqui, no
Brasil, de jabá e, nos Estados Unidos, de
payola, expressão que vem da junção de
de payment e victrola. Sei que não existe
payola na Rede Globo, mas ela se pauta
pelos tops de sucesso das rádios.
A Rede Globo é responsável por 76%
de tudo o que é veiculado no Brasil e isso traz uma série de responsabilidades
de que eles não poderiam abrir mão:
responsabilidade de oferecer música de
qualidade, não só o que mais toca nas
rádios, onde existe payola.
Até os pontos de venda estão sucateados. Richard Branson conseguiu fazer
a Virgin decolar quando montou uma
loja onde as pessoas podiam se sentar e
conversar enquanto curtiam a música.
Isso não existe mais. Afinal, se não precisamos convencer ninguém de nada,
se é mesmo um curral eleitoral, se apertamos um botão e soltamos um jingle
para o mundo inteiro por meio de uma
máquina de distribuição, para que precisamos nos preocupar com a experiência
de compra? O consumidor vai comprar
de qualquer maneira. Isso é uma loucura, porque não acho que exista outra razão para uma pessoa consumir música
senão a própria música. Não existe outra
razão que não seja emocional.
As grandes gravadoras esqueceram
o lado emocional e abraçaram aquele
pedaço de plástico. E a internet está indo muito à frente, fez com que muitas
gravadoras fechassem as portas. Só para
dar uma idéia do impacto da internet:
nos últimos três anos, 60% das receitas
da Trama não vêm da venda de CDs,
mas de DVDs. Colocamos músicas em
videogames, em celulares...
ALÉM DO CD
A solução para a música no mundo
digital não veio de uma gravadora, veio
da Apple, que pensou na cadeia por
inteiro. Hoje quase todo mundo tem
acesso a computador, temos mais tecnologia disponível para gravar um disco
que o Jonh Lennon, os Beatles ou o Pink
Floyd jamais tiveram. Tudo é mais simples, a revolução está caminhando e sinto que as grandes gravadoras perderam o
passo da história.
Antes de 1949, quando a RCA
criou o disco, a obra física tal qual a
conhecemos, fazia-se música. A maneira
como escutamos música, porém, vai se
modificando com o tempo. Não importa se é um vinil, um CD ou um DVD. Para os artistas, ainda é importante ter uma
obra tangível, mas hoje, com a economia
digital, a música não pode estar apoiada
apenas nesse objeto.
Ainda não se comenta sobre o quanto é poluente um CD, mas, a partir do
momento em que começarem a falar
disso, as vendas cairão ainda mais. Li no
“New York Times” que já existe um CD
feito de milho, mas ainda não existe interesse por essa tecnologia.
Quando criamos a Trama, eu recebia
muitas demos, as gravações de demonstração, e entre 80 e 100 telefonemas por
dia. Não era possível gravar tudo há oito anos, não era tão simples gravar um
disco como é hoje. Foi então que meu
sócio, André Szajman, deu duas sugestões: uma loja da Trama como um site
de download, em que você paga um valor bem baixo por música, e uma gravadora virtual.
Nós nos perguntamos como fazer
isso, então pensamos em um lugar onde as pessoas pudessem simplesmente
deixar sua obra disponível na internet.
Foi então que abrimos a Trama Virtual,
que é uma gravadora, onde qualquer
pessoa pode colocar músicas, tudo grátis. Tem de ser música própria, não pode
ser cover. Hoje temos 40 mil bandas e
100 mil músicas inéditas. Todo mês entram de 500 a 600 músicas novas. Registramos mais de 1 milhão de downloads
por mês.
PUBLICIDADE NA MÚSICA
Apesar de termos um resultado excelente, continuamos nos perguntando: como vamos viver? Como vamos
sustentar os músicos, os técnicos, os
engenheiros de som, a manutenção do
portal? Então criamos uma solução, o
download remunerado, que estamos
lançando agora. Cada vez que alguém
fizer um download, essa música será
paga por um patrocinador. Se tivermos
um ou mais patrocinadores que paguem, por download, um valor baixíssimo, de centavos, e associarmos a isso
a marca de 90 a 100 mil downloads que
temos por mês, poderemos resolver essa
questão. É uma ferramenta que já existe
em sites como o “You Tube”, por exemplo. Isso forma uma cadeia contínua,
porque o download é patrocinado por
uma marca.
Sempre penso que a música é o único setor que não tem publicidade como
fonte de sustentação. Até televisão a
cabo tem anúncios. Estamos tentando
trazer essa dinâmica para o mundo da
música.
Não cobraremos nada da pessoa que
fizer o download, porque, em uma loja
digital, você já faz isso. Se você quiser ir
ao cinema, por exemplo, você paga e assiste o filme, mas, se você quiser ver na
televisão aberta, apenas liga a TV e não
paga nada por isso. Você aluga seu tempo àquele patrocinador e assiste. É isso
que queremos na música.
45
Foco no micro, na
formação e na
sustentabilidade
Fernando Pimentel
Diretor-superintendente da Abit
(Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção)
Peça assinada por Fause Haten para a exposição do SPFW sobre moda sustentável
Desde o início da nossa gestão, tivemos duas preocupações claras. Primeiro,
combater os desequilíbrios concorrenciais a que são submetidos os produtores e trabalhadores brasileiros. Em segundo lugar, combater diuturnamente
a ilegalidade. Não há moda criativa e
design que vençam três, quatro anos de
contrabando. Temos uma visão maior
de internacionalização do Brasil, dos
grandes acordos preferenciais. Este é o
eixo da questão.
Quando falamos da indústria têxtil
e de confecção em todas as variáveis,
esta [o SPFW] é a variável mais visível e
glamourosa. Mas muita coisa existe na
cadeia produtiva, e a Santista é um exemplo disso, que incorpora tecnologia.
A visão sistêmica na cadeia produtiva demanda uma série de ações que
têm na moda, nestes eventos de moda,
no SPFW, o seu ápice, mas que possui
uma base no trabalho de sustentação,
no hard work do dia-a-dia.
Para dar uma pincelada: o Brasil
exporta 1 kg de algodão a U$ 1, em média, exporta 1 kg de vestuário a U$ 20 e
exporta 1 kg de moda a U$ 70, U$ 80. É 1
para 20, 1 para 80.
Santista, Coteminas e Marisol, empresas importantes do setor, através de
um processo conjunto, lançaram o Pure
Brazil Cotton. Mas começaram a perceber com muita clareza que tanto o algodão egípcio quanto o peruano têm
um espaço conquistado neste mercado
como um algodão de qualidade. Se fôssemos manter pela lógica a qualidade
neste espaço ocupado e lutar para desalojar [o algodão egípcio e o peruano]
da mente destas pessoas, seria uma tarefa hercúlea e de resultados reduzidos.
46
ECONOMIA CRIATIVA
Tivemos que buscar uma outra vertente, a da sustentabilidade: desde a lavoura
até o produto final com certificações.
Isto já esta rendendo negócios de U$ 60
a U$ 70 milhões. É o viés típico com o
qual você incrementa valor.
Todos nós sabemos o que é este incremento de valor. Vivemos numa época
onde o que é diferenciado hoje é commoditie amanhã. Vivemos uma situação em que a competição é total. Não
disputamos entre marcas ou indústrias,
mas onde o consumidor quer gastar.
No âmbito da tecnologia, estamos
trabalhando com a Finep [Financiadora
de Estudos e Projetos] e vamos receber
um curso para incrementar isso nas indústrias brasileiras. Porque este é um setor que tem um arco de conhecimento
interagindo desde a base da pirâmide,
com trabalhadores que estão sendo treinados e capacitados – são pesquisadores
da maior importância na percepção da
tendência de produtos, de química, de
biotecnologia etc.
TEX-BRASIL COMO DESAFIO
No nosso discurso e na nossa prática, o Brasil tem futuro, mas não será de
qualquer jeito, não nos iludamos. Há
necessidade, sim, de mudança estrutural, mas a posição da nossa entidade é
seguir esquecendo o macro. Dentro do
cenário “mezzo” e micro, temos que
trabalhar como se ele fosse permanecer.
E o que vamos projetar como desafio é a
Tex-Brasil, um programa desenvolvido
pela Abit.
Ele levou o país, juntamente com
algumas mudanças cambiais, a exportar e passar de U$ 1 bilhão em 1999 para
U$ 2 bilhões em 2005. Em 2006 e 2007,
nossa exportação estagnou e houve um
aumento vertiginoso da importação.
Lembro aqui que a entidade não tem
nada contra a importação, desde que
legal e equilibrada. Não acho graça nenhuma dar sustentação para o câmbio
desvalorizado chinês. Acho que a sociedade brasileira não tem que pagar por
isto e vamos brigar sempre.
DESAFIO DA APEX
Sob esta ótica e voltando para a sustentabilidade, a Apex (Agência de Promoção de Exportações e Investimentos)
tem um desafio fundamental: como
fazer para que as empresas que apostam
no comércio externo e desenvolvem
produtos, marcas, que participaram e
participam de eventos, possam continuar participando deste programa – já
que, infelizmente, por mais que você
coloque criatividade, uma calça jeans
brasileira para entrar nos EUA paga uma
taxa de 17%?
Nós estamos assistindo a uma série
de internacionalizações e anúncios de
internacionalizações de empresas nacionais que são impositivos. A única coisa que nós lamentamos é que elas estão
nesta busca não por esgotamento de um
potencial nacional, mas para ter acesso a
informações e linhas de mercado e por
condições de produção mais equilibradas em relação ao restante do mundo.
O Brasil está patinando no consumo
de fibras por habitante/ano há mais de
dez anos. Isto é fruto do baixo crescimento nos últimos 15, 20 anos. Neste
momento, temos que explorar esta visão de criatividade sem perder de vista
problemas sérios de competitividade e
de inserção futura. Não temos e não podemos competir com o modelo chinês,
não é este modelo e não será nunca.
Temos de 60 a 70 escolas de moda.
Não vou discutir se são boas ou não,
mas temos. Temos também 12 universidades formando profissionais em nível
superior no país. Temos um fórum ligado a estas universidades, onde discutimos não só a concorrência mais próxima, mas os mecanismos de formação de
pessoal necessários para esta indústria
criativa se desenvolver, porque é uma
ilusão achar que todos são estilistas.
Quantas profissões, neste caminho de
vasos comunicantes, estão atreladas a
este conceito de moda e design?
Junto ao BNDES, estamos discutindo
a questão da inovação tecnológica e a situação desta indústria, que é portadora
de inovações tecnológicas a setores variados – do agronegócio à indústria petroquímica, passando por criação e sustentabilidade –, para que o banco possa
entender a inovação incremental como
fator a ser apoiado.
A visão de competição dentro da nossa cadeia produtiva é de sustentabilidade, mote para estarmos aqui, e de
formação de pessoas, que não só podem
criar mais, mas também responder e
antecipar, pois a velocidade de transformação do que é micro para algo mais
básico é enorme.
A atual inserção é fruto de competência de nosso segmento. São os casos
da Alpargatas, que reposicionou tudo,
da Santista, que internacionalizou, e de
designers e estilistas que estão projetando essa imagem de criativos. Mas todo
mundo é criativo, não só o brasileiro.
Vamos adicionar valor.
CONSUMO EQUILIBRADO
Nós entendemos a política econômica para o setor como uma política emergencial, resultado da falta de trabalho
das questões macroestruturais. Uma política que possa fazer com que haja um
consumo mais equilibrado, porque, por
mais criativos que sejamos, existe uma
questão econômica de preços e custos
afetando principalmente uma sociedade como a nossa.
Nosso país tem que trabalhar com este conceito de sustentabilidade, mas nós
temos muita gente para empregar de forma produtiva, pois a indústria construiu
esse benefício sem nenhum planejamento, sem nenhum subsídio, sem nenhum
favor, sem nenhuma política específica.
De qualquer maneira, temos essa visão
de futuro através da educação, pelo conhecimento. A Universidade Santista é
um exemplo fortíssimo.
O Brasil está despertando para uma
realidade duríssima e só mesmo com
muita criatividade, dedicação e inteligência seremos capazes de provocar
uma inserção positiva no mercado, sob
o risco de voltarmos ao tempo das capitanias hereditárias, quando se exportava
matéria-prima. Nada contra, mas quando acabar acabou.
O nosso grande desafio na questão
de financiamento é como capitalizar o
conhecimento sem colocar em risco o
dinheiro público e privado, mas dando
acesso. O crédito consignado democratizou a chegada de uma série de cidadãos ao crédito. As Casas Bahia fazem
pelo crédito, através de bancos, o que
ninguém consegue fazer.
O crédito no Brasil é 33% do PIB do
país, enquanto em outros países ele é
120%. Então, como chegar nisso? Este é
o desafio.
Em sua área de mercado de capitais,
o BNDES continuará aplicando R$ 120
milhões, mas o setor fatura R$ 70 bilhões
ao ano. Um fundo que possa atingir
R$ 500 milhões não é nenhum absurdo.
Apesar de achar que temos que começar com R$ 50 milhões, R$ 60 milhões.
Então, proponho que o Banco Real se
reúna com a área de mercado de capitais
e lancemos no SPFW o primeiro Fidic
setorial, com selo Abit.
47
Desprezo aos
meios de produção
Alfredo Bonduki
Conselheiro da Abit (Associação Brasileira da Indústria
Têxtil e de Confecção) e diretor-tesoureiro do Sinditêxtil-SP
(Sindicato das Indústrias Téxteis do Estado de São Paulo)
Inspirada em pinturas de grafite, toy art feita de meia para a grife do Grupo Cultural AfroReggae
Mais atenção
ao criativo
Adélia Borges
Jornalista e curadora
especializada em design
Estamos falando de Economia Criativa, mas falando muito sobre o substantivo “economia” e pouco sobre o
adjetivo “criativa”. Temos de refletir sobre um comportamento que é nosso e
de vários outros países do hemisfério
sul, que é o complexo de inferioridade,
de povo colonizado. Segundo a expressão muito interessante de um antropólogo, somos caracterizados pelo torcicolo intelectual: ficamos sempre olhando
são exemplos de empresas que olharam
para o mercado. A Embraer, por exemplo, desistiu de tentar copiar as altíssimas tecnologias das empresas aeronáuticas estrangeiras, desenvolveu-se para
o mercado interno e acabou atendendo
ao externo também. A empresa teve a
capacidade de ver os problemas – por
exemplo, as pistas de pouso precários do
Brasil – e, a partir desse momento, foi fácil encontrar a solução.
lá fora para procurar as luzes, as chamadas tendências.
Todos os casos de sucesso, porém, que
foram citados neste debate – Havainas,
Natura, Embraer, H. Stern, Marco Pólo –,
Temos de prestar atenção quando falamos em criatividade, em formulação
de conteúdos, pois temos uma enorme
riqueza em nosso país, que é a inventividade do nosso povo.
O Bom Retiro é, para mim, o símbolo
do que é o Brasil. O Brasil é tolerância,
é a convivência entre raças, é exemplo.
O Brasil tem o potencial criativo e também os meios de produção, mas estamos
correndo o risco de não ficar nem com
um, nem com outro. Hoje, a estrutura
econômica não está voltada para o desenvolvimento dos meios de produção
do país. A mão-de-obra é tributada, o
trabalho é tributado. Neste cenário, vamos continuar crescendo 4%, 5%, mas
desempregando cem mil pessoas por
ano do setor de confecção, que é o segundo maior empregador do país.
O Brasil é um dos maiores fabricantes
de denim do mundo. Mas, por falta de
acordos com os grandes centros consumidores e divulgadores de moda, o país
exporta o seu denim, a linha de costura
e o zíper para a Colômbia. São os colombianos que criam as peças em jeans e
exportam para os Estados Unidos e para
a Europa. Então, nós estamos exportando a possibilidade de nos envolvermos
com a criatividade.
A educação é um aspecto importante. O Brasil é um dos países com mais
cursos de moda do mundo e que mais
criou desfiles nos últimos anos. Existe
uma busca grande por cursos de moda
porque há mercado de trabalho, mas
está sobrando vaga nos cursos de engenharia têxtil.
SUPORTE PARA A CRIAÇÃO
A nova geração não acredita no Brasil
como um país que produz. Eles querem
ir para a área criativa, para a arquitetura,
para a moda; não querem ir para a engenharia, para a produção. É uma distorção: se não houver ninguém desenvolvendo produtos e tecnologia, não
haverá suporte para quem cria.
O Brasil é um grande centro bordador no mundo e os maiores pólos de
bordado não estão nas grandes cidades.
Ibitinga (SP) e Tobias Barreto (SE) são
os maiores centros de bordado do país,
mas não há faculdades de moda e estilo
ou de engenharia têxtil próximas a essas cidades. Isso é um desperdício.
A função da nossa associação é tentar
sensibilizar os governos. Eles passam e a
indústria, a moda e os criadores ficam.
Não defendemos apenas a indústria têxtil, mas todo o conjunto em que a atividade têxtil está integrada. Em Americana (SP), por exemplo, havia mil fábricas
de tecido; hoje, são 400, muitas delas
encravadas em bairros residenciais. Foi
feita uma parceria com a Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento
Ambiental, ligada à Secretaria do Meio
Ambiente do Estado de São Paulo) para
controlar o nível de vibração dos teares,
para evitar que afetem as casas vizinhas.
Foi realizado um grande investimento de reestruturação das empresas do setor têxtil para torná-lo mais sustentável.
Uma boa parte dele foi feita em tratamento, em desenvolvimento de novos
materiais, em uso racional da água e de
energia. Hoje, produzindo o dobro, usamos metade da água que gastávamos há
dez anos.
Acho que está havendo uma revolução atualmente na América Latina,
que é a união entre design e artesanato.
Tenho visto iniciativas fantásticas de
requalificação de objetos, de inserção
de comunidades inteiras em condições
pelo menos razoáveis de vida, de desenvolvimento de capacidades criativas
locais, com base em matérias-primas locais, em patrimônios e técnicas de produção locais que, além de tudo, exigem
investimentos muito baixos.
Nessa questão do artesanato e do
design, a relação custo-benefício é altíssima e eu acho que deveríamos atentar
para essa riqueza que está explodindo
não só no Brasil, como em vários países
latino-americanos.
Oficina de customização no espaço do Banco Real, dentro da Casa SPFW
48
ECONOMIA CRIATIVA
49
Interação entre o
setor e o BNDES
Celso Marcondes
Assessor da presidência do BNDES
O caminho para competirmos com a
China é o da qualidade, e não da quantidade. Não há armas nem interesse em
combater a China no mesmo nível,
especialmente quando se pensa em
trabalho infantil, destruição do meio
ambiente, câmbio mantido artificialmente e regime repressor e ditatorial.
Acho que a marca do Brasil é a criatividade e, quando se leva a discussão
para a Economia Criativa, temos aí
uma chave de atuação, porque permite
unificação com cultura, com turismo,
com as próprias características do povo
brasileiro.
E é evidente que o Brasil tem esse diferencial também na indústria da moda. Mas é preciso transformar o sucesso
Cenografia feita com papelão
Designers
e indústria
semestral do SPFW em maior volume
de negócios e maior capacidade de exportação. Temos que traduzir essa marca Brasil, formada por excelentes estilistas, modelos de renome internacional,
por este evento, situado entre os cinco
maiores do mundo, em empregos, capital, geração de renda. Isso pode acontecer, fundamentalmente, através de uma
forte articulação entre os setores público e privado.
Acredito que os principais atores dos
dois setores já tenham uma visão diferente em relação à moda e isso deve, necessariamente, gerar alguma articulação
formal, um grupo de trabalho, uma comissão com bases, sede, pois senão esse
processo não tem continuidade.
Falando sobre linhas de crédito e financiamento, nós [do BNDES] criamos
uma linha de crédito, há sete anos, que
se chama Cartão BNDES. Voltado para o
pequeno e médio empresário, funciona
como um cartão de crédito pessoal, com
o qual você compra de fornecedores que
são credenciados através da internet.
O cartão tem atendido a feirantes, donos de padarias, de pequenos mercados,
papelarias e pequenas indústrias têxteis.
Com ele, o empresário faz compras parceladas em até 36 meses, pagando 0,3%
de juros ao mês.
CHAMADO AO SEBRAE
O mercado informal no Brasil cria algumas dificuldades para se encaixar nesse
tipo de política, por isso é fundamental
a presença do Sebrae. O órgão deveria
lançar campanhas de incentivo à formalização dessas empresas para ajudar
os pequenos e médios empresários a entrar no mercado formal e usufruir desse
tipo de sistema.
Hoje, temos uma media de 40 mil
produtos credenciados, operando atra-
vés de três bancos (Caixa Econômica
Federal, Banco do Brasil e Bradesco), e
mais de 600 produtos oferecidos para a
indústria têxtil, um dos poucos setores
atendidos que têm insumos. O cartão
visava atingir financiamentos para maquinário, mobiliário, informatização,
veículos, mas, no caso da indústria têxtil, é muito utilizado para compra de
insumos. Com o SPFW, começamos a
desenhar uma linha de crédito de duas
mãos, para quem quer vender e quem
quer comprar.
Para posicionar as linhas de crédito
para as questões intangíveis, precisamos
que os profissionais do setor nos dêem
informações e precisamos formar um
grupo de trabalho onde estivessem representados não só os setores interessados, mas também o Ministério da Indústria e do Desenvolvimento, o comércio,
o BNDES e o Ministério da Fazenda. Esse
é um momento apropriado para mobilizar uma força-tarefa.
O BNDES é uma instituição que nasceu lá atrás, para cuidar da infra-estrutura, não existia lei de financiamento para
micro e pequena. O olhar interno é para
grandes empreendimentos e tem resistência para lidar com o pequeno, então
esse tipo de iniciativa é importante para
nos auxiliar num reposicionamento, só
que é fundamental que haja continuidade para poder de fato articular os atores envolvidos.
Rogério Massaro Suriani
Reitor do Centro Universitário Senac-SP
A indústria é totalmente voltada para a produção do produto fechado, e não para
o processo. Já o designer pensa na essência da profissão, em todo o processo de desenvolvimento do produto. É preciso uma formação extremamente complexa para
colocar os designers no mercado, mas o mercado exterior é bem mais interessante
para eles que o nacional. Isso tem mudado gradualmente, com pequenas empresas
que conseguem inserir um valor diferenciado no seu produto, mas ainda é um movimento tímido.
Sala de desfile no MAM; nas laterais, banquinhos feitos de papelão reciclado
50
ECONOMIA CRIATIVA
51
Cidades criativas: da
teoria à prática em
uma volta pelo mundo
Ana Carla Fonseca Reis
Sócia-fundadora da Garimpo de Soluções - economia, cultura e
desenvolvimento e autora de “Economia da Cultura e Desenvolvimento
Sustentável - o Caleidoscópio da Cultura” (Prêmio Jabuti 2007)
Desfile Maria Bonita
A partir dos primeiros anos desta década, abordagens alternativas começaram a surgir, tentando contextualizar
esse conceito em uma realidade local.
Nos últimos dez anos, o conceito de
cidades criativas tem despertado o interesse crescente de urbanistas, arquitetos,
sociólogos e pessoas interessadas em
discutir o design do mundo em um diálogo íntimo, com uma ebulição de estudos e teorias econômicos abrangendo a
chamada Economia Criativa. Alimentando esse tema estão o acirramento da
competitividade mundial; a agilidade e
os entraves aos fluxos de idéias, talentos
e investimentos; a busca pela identidade individual e coletiva no contexto
urbano e o reconhecimento da necessidade de lançar sobre as cidades e a economia um olhar multidisciplinar como
única forma possível de lidar com sua
complexidade.
O QUE SÃO CIDADES CRIATIVAS
O conceito de cidades criativas
surgiu no bojo das discussões acerca
da Economia Criativa. Esta, por um
lado, bebe nas fontes da economia
do conhecimento, caracterizada pela
centralidade do conhecimento na geração de competitividade, pelo papel
primordial das novas tecnologias na
produção, distribuição e consumo de
conhecimento (inclusive de conteúdos
culturais) e na organização em redes.
52
ECONOMIA CRIATIVA
Acima de tudo, a nova economia revela
a prevalência do conhecimento e dos
ativos intangíveis sobre as formas tradicionais de organização econômicosocial, francamente apoiada em manufaturas e serviços tradicionais.
Por outro lado, a Economia Criativa
acrescenta novas respostas a um contexto geopolítico que, ao se deparar com a
queda do potencial diferenciador das
indústrias tradicionais, incorporou às
novas tecnologias um contraponto
fundamental de caráter cultural e de
entretenimento.
Conceito de contornos fluidos, ainda
em formação, a Economia Criativa surgiu de forma oficial na Austrália, em
1994, mas tem como seu maior expoente o Reino Unido, onde foi adotada pelos Trabalhistas de Blair, em 1997, como
base da estratégia nacional de recuperação econômica. Para estes, as indústrias
criativas têm por essência a criatividade individual, habilidades e talento,
capazes de gerar riqueza e empregos
por meio de direitos de propriedade intelectual.
CRIATIVIDADE GERENCIADA
As cidades criativas nascem, assim,
como locus dessa nova economia, cuja
representatividade chegaria a 7%, 8%
do PIB mundial (UNCTAD). Enquanto a
maioria dos autores que se dedicam ao
tema não apresenta uma definição clara
de cidade criativa, destaca-se a proposta
difundida pela Canadian Policy Research Networks: “Cidades criativas são locais de experimentação e inovação, onde novas idéias florescem e pessoas de
todas as áreas se unem para fazer de suas comunidades lugares melhores para
viver, trabalhar e se divertir. Baseiam-se
em tipos diferentes de conhecimento,
pensam holisticamente e agem sabendo da interdependência econômica,
social, ambiental e cultural; usam a participação pública para lidar com temas
complexos, (...) e problemas urbanos
perenes de habitação, inclusão, preservação e desenvolvimento.” Em suma, a
cidade ideal.
O que se reconhece, em última
instância, é a capacidade da criatividade
humana, quando bem gerenciada por
uma política pública abrangente, de
impulsionar o desenvolvimento socio-
À cultura é reconhecido um papel
crucial como processo (de criação
econômico e a qualidade de vida de um
local, fomentando fluxos de talentos,
investimentos e idéias.
Diante de um cenário tão vasto, não
é de estranhar que os autores que se
debruçam sobre o tema há mais de uma
década, como Charles Landry, elaborem
caracterizações igualmente amplas da
criatividade e, por decorrência, das cidades criativas. Tônica comum é a premência de considerar a criatividade de
modo multidisciplinar e transversal às
atividades econômicas: “São necessários tipos distintos de criatividade para
desenvolver e responder às complexidades da cidade mundial, que requer
continuamente que lidemos com interesses e objetivos conflitantes. Pode ser a
criatividade dos cientistas para resolver
problemas relacionados à poluição ou
a dos urbanistas para gerar novas políticas urbanas; a dos artistas, para ajudar
a fortalecer a identidade de um lugar ou
estimular a imaginação; a dos executivos, para gerar novos produtos ou serviços que incrementem as possibilidades
de criação de riqueza.”
estética e funcional) e como resultado (constituindo setor econômico).
Veremos como, a partir de dois exemplos emblemáticos de cidades criativas:
Barcelona e Londres.
BARCELONA: MAIOR EXEMPLO
Tida como um dos símbolos máximos das cidades criativas, Barcelona
utilizou o momento dos Jogos Olímpicos de 1992 e o financiamento europeu
oferecido à época para reformular sua
infra-estrutura e sustentar o desenvolvimento de uma nova base econômica,
ao mesmo tempo em que se mostrava
ao mundo com uma nova imagem urbana, ancorada em um ambiente cultural e criativo.
O sucesso da cidade, nesse sentido, é freqüentemente atribuído à concepção e
à execução de um plano estratégico de
dez anos, elaborado e levado a termo por
um grupo integrado de agentes públicos
e privados, dos setores cultural e criativo. Nele, o design urbano foi apontado
como prioritário, indo além da arte pública (mais de mil esculturas ao ar livre
foram distribuídas pela cidade desde então), abrangendo habitação, transportes,
patrimônio e espaços públicos.
53
Paralelamente, o investimento contemplou a vocação criativa e a identidade de cada região da cidade; nesse
desenho, Ciutat Vella e Sants-Montjuïc
possuem uma concentração de empresas
culturais, ao passo que em Sarrià-Sant
Gervasi e Les Corts predominam design,
decoração e demais criações artísticas
funcionais (“applied arts”).
Segundo a Câmara de Comércio de
Barcelona, entre 1993 e 2003 o crescimento populacional da região de Catalunha foi de 8,9%, superior à média espanhola, de 7,4% no período; na União
Européia, não passou de 3,1%.
A economia do conhecimento, entendida para a região como abrangendo
serviços culturais, de comunicação e
design, impulsionou o nível de emprego na região metropolitana de Barcelona. Mais de 80% da força de trabalho se
escora em serviços e tem dado mostras
de respaldar o título de uma das seis
áreas econômicas européias com maior
potencial de crescimento.
O crescimento a passos rápidos, porém, tem deixado pegadas pesadas no índice de assaltos (50% de crescimento entre 1996 e 2001) e no preço das moradias
(60% de acréscimo nesse qüinqüênio).
Não por menos a Economia Criativa tem recebido atenção privilegiada
como estratégia de desenvolvimento
regional. Dados de 2004 relevam que as
indústrias criativas representam de 6%
a 8% do PIB da cidade e, quando combinado com turismo, chega a 17%. A infra-estrutura hoteleira se expandiu 85%
desde 1990, voltando seus olhos para os
12 milhões de visitantes que visitaram
46 museus e 27 festivais de música. A
cultura passou a ser vista como geradora de inovação, talentos e criatividade,
geradora de empregos e riqueza e formadora do prestígio internacional da
cidade, criando espaços e processos de
socialização.
LONDRES: A PIONEIRA
Cidade símbolo da Economia Criativa, Londres tornou-se referência nos estudos de cidades criativas. Em 2003, 680
mil pessoas (20% da força de trabalho)
tinham ocupação nas indústrias criativas da cidade, que por sua vez representavam 15% da economia local. Com 12%
da população do Reino Unido, Londres
contava com 40% de sua infra-estrutura
artística, 90% das empresas de música,
70% da produção audiovisual, 85% dos
designers de moda e 27% dos projetos
arquitetônicos do país (Landry).
Como na maioria das cidades criativas, ícones arquitetônicos têm sido utilizados em proporções dramáticas nos
últimos dez anos. Vários deles serviram
de base para estudos de impacto econômico (como o da Tate Modern), dando
conta de que o investimento realizado
em sua construção e/ou requalificação
era inferior aos benefícios econômicos
gerados com a dinamização do entorno
e sua contribuição à reinserção local no
tecido socioeconômico e turístico da
cidade.
Para aprofundar o estudo do tema,
a Comissão Municipal para as Indústrias Criativas foi criada em 2003, envolvendo 16 representantes das indústrias criativas e dos setores empresarial,
educacional e de políticas municipais.
Segundo os dados divulgados, as indústrias criativas que apresentaram maior
crescimento na década anterior à pesquisa são intensivas em mão-de-obra
qualificada, como moda e design (71%);
atores, produtores e diretores (47%) e
autores, escritores e jornalistas (43%).
A partir desses levantamentos, foram
também indentificados os gargalos das
diferentes cadeias produtivas e de elevação da qualidade de vida na cidade.
O QUE MOSTRA A EXPERIÊNCIA
Ao analisar as veias mais salientes das
cidades criativas, destacam-se alguns traços recorrentes, como a presença de setores criativos fortemente ancorados em
conhecimento; a convivência de uma
diversidade étnica e conseqüentemente cultural, em especial com parcela expressiva de mão-de-obra qualificada ou
em formação; a concentração de equipamentos e espaços culturais voltados à
multiculturalidade e à geração de áreas
de convívio; forte apelo turístico, via de
regra respaldado e fomentado pela construção de ícones arquitetônicos; infraestrutura de comunicações e transportes
que sustente a economia de negócios e o
fluxo turístico gerado; e, invariavelmente, a presença de uma agência pública de
desenvolvimento, atuante localmente,
que escora e incentiva a franca participação da iniciativa privada na estratégia
e na execução de um plano de desenvolvimento da cidade.
São questões e premissas que revelam
o comprometimento com a continuidade de políticas públicas de longo prazo; a percepção da complexidade real
da dinâmica da cidade em um contexto
global de competitividade e agilidade
sem precedentes; o reconhecimento da
cultura como área prioritária para o desenvolvimento urbano, sendo os recursos aplicados tidos como investimento,
em oposição a despesas; e, por fim, a visão de que talentos só florescem onde a
vitalidade urbana oxigena a criatividade individual e coletiva, em uma conjunção saudável de símbolos estéticos e
infra-estrutura funcional.
EM LONDRES, COMO NA
MAIORIA DAS CIDADES
CRIATIVAS, ÍCONES
ARQUITETÔNICOS TÊM
SIDO UTILIZADOS EM
PROPORÇÕES DRAMÁTICAS
NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS
Cenografia em papelão assinada por Daniela Thomas e Felipe Tassara
54
ECONOMIA CRIATIVA
55
01
02
União entre
criação e
negócio
03
04
Aurílio Caiado
Pesquisador da Fundação Seade
05
A região metropolitana de São Paulo
tem em torno de 5% de seus empregos
formais em algum tipo de ocupação na
área da cultura. No Estado de São Paulo,
essa área movimenta um contingente de
pessoas e de renda que já é significativo.
Sabe-se que a chamada economia
criativa é bem mais ampla, porque contempla toda a economia da cultura.
Especula-se que envolva 5% a 7% dos
empregos na região metropolitana. Se a
região metropolitana de São Paulo tem
30% dos empregos formais do Brasil, dos
empregos criativos tem quase 40%.
Esse tema é muito novo, controverso, até a própria delimitação do termo.
Nem dentro da ONU há clareza sobre
isso: o que a Unesco chama de Economia Criativa é distinto do que a Unctad
diz. É um conceito em elaboração, em
delimitação e, mesmo que fosse delimitável, é muito amplo, pois engloba do
artesão tradicional do interior do Amazonas ao designer de móveis, de jóias e
de aviões, portanto é um setor muito
heterogêneo.
56
ECONOMIA CRIATIVA
É o momento de Brasil e de São Paulo
se mobilizarem, estimulando a discussão, se inserindo mais nesse debate e tentando incluí-lo na agenda das autoridades nacionais.
Criatividade nós temos, somos um
dos povos mais criativos do mundo. O
design brasileiro, por exemplo, se destaca. O que falta é a ligação entre a criação
e o negócio. Falta um elo que é vital na
economia. Faltam empreendimento,
sustentabilidade, capitalismo. Essa passagem da criatividade para o negócio é
muito complexa e requer muito esforço público e da sociedade.
Nosso esforço, na Fundação Seade,
tem sido nos dois sentidos: delimitar o
que é a Economia Criativa, do que se
trata, tentar mensurar e contribuir para
a formulação de políticas públicas.
06
01. Fabio Barbosa
02. Cledorvino Bellini
03. Branislav Kontic
04. Maria Luiza de Oliveira Pinto
05. Eduardo Rath Fingerl
06. Marcio Utsch
07. Graça Cabral
08. Angela Tamiko Hirata
09. Andrea Matarazzo
10. Lala Deheinzelin
07
08
09
10
11
13
14
15
21
25
11. Fernando Pimentel
12. Francisco Simplício
13. Eduardo Rabinovich
14. Ana Carla Fonseca Reis
15. Altair Assumpção
16. João Marcello Bôscoli
17. Ricardo Guimarães
18. Pedro Passos
19. Eliana Simonetti
20. Celso Marcondes
21. Andrea Ciaffone
22. Adélia Borges
23. João Alfredo Meirelles
23
27
24. Ricardo Weiss
25. Rosa Alegria
26. Carlos Jereissati Filho
27. Lídia Goldenstein
28. Clovis de Barros Carvalho
29. Alfredo Bonduki
30. Carlos Américo Pacheco
31. Graça Cabral e Rose Carmona
32. Aurílio Caiado
33. Rogério Massaro Suriani
34. Ruy Porto
28
29
22
26
18
20
ECONOMIA CRIATIVA
24
16
17
19
12
30
32
31
33
34
Apóia iniciativas de Economia Criativa
para o desenvolvimento do país.
ECONOMIA CRIATIVA