naiana da rosa a suplementação de ácido graxo
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naiana da rosa a suplementação de ácido graxo
NAIANA DA ROSA A SUPLEMENTAÇÃO DE ÁCIDO GRAXO POLIINSATURADO ÔMEGA-3 E OS EFEITOS SOBRE A ATIVAÇÃO IMUNE MATERNA EM UM MODELO EXPERIMENTAL DE AUTISMO TUBARÃO 2015 NAIANA DA ROSA A SUPLEMENTAÇÃO DE ÁCIDO GRAXO POLIINSATURADO ÔMEGA-3 E OS EFEITOS SOBRE A ATIVAÇÃO IMUNE MATERNA EM UM MODELO EXPERIMENTAL DE AUTISMO Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde como requisito para obtenção do título de Mestre em Ciências da Saúde. Orientadora: Profa. Jucélia Jeremias Fortunato, Dra. TUBARÃO 2015 NAIANA DA ROSA A SUPLEMENTAÇÃO DE ÁCIDO GRAXO POLIINSATURADO ÔMEGA-3 E OS EFEITOS SOBRE A ATIVAÇÃO IMUNE MATERNA EM UM MODELO EXPERIMENTAL DE AUTISMO Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde como requisito para obtenção do título de Mestre em Ciências da Saúde. Tubarão, 01 de outubro de 2015. _______________________________________________________ Orientadora: Profa Jucélia Jeremias Fortunato, Dra. Universidade do Sul de Santa Catarina _______________________________________________________ Profa. Gislaine Tezza Rezin, Dra. Universidade do Sul de Santa Catarina _______________________________________________________ Prof. Fabricio Pagani Possamai, Dr. Faculdades Esucri Dedico este trabalho, especialmente a minha mãe in memoriam, pelo exemplo de pessoa e por me incentivar sempre. Estaremos sempre juntas, mesmo não estando perto, te amo. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por me acompanhar nessa jornada, iluminar meus caminhos e ser meu refúgio e fortaleza nos momentos mais difíceis. À Profa. Dra. Jucélia Jeremias Fortunato, pela orientação, ensinamentos, pela dedicação e acima de tudo, pela pessoa magnifica que és, que nos faz ter amor pela pesquisa, muito obrigada pelo carinho, amizade e poder me deixar participar da sua vida e fazer com que eu me tornasse uma pessoa melhor. À Profa. Dra. Patrícia Alves Reis e ao Laboratório de Imunofarmacologia IOC - Fundação Oswaldo (FIOCRUZ), pela realização das análises neuroquímicas. Aos Professores do PPGCS da UNISUL, em especial à Prof.ª Dr.ª Gislaine Tezza Rezin pela amizade, auxílio e pelos conhecimentos repassados. Aos professores que atuaram como membros das bancas em que o projeto de pesquisa foi apresentado e qualificado, pelas boas arguições e pelos direcionamentos propostos. As colaboradoras da UNISUL, responsáveis pela secretária do PPGCS Silvane e Francieli, pela atenção com os alunos, dedicação, pelo carinho, amizade. Aos meus colegas e parceiros de experimentos por toda a colaboração e dedicação, em especial a Ana Olívia Martins, Marina Goulart e Camila Michalak, vocês foram uns anjos, e contribuíram para que meu sonho se tornar-se realidade, vocês tem um futuro brilhante pela frente. E ao mestre Evandro Cittadin, por dedicar um pouco do seu tempo para nos ensinar práticas no laboratório. A minha turma do mestrado em especial a minha grande amiga Lidiane Borges Pinto que o mestrado me proporcionou, muito obrigada pela sua amizade. A minha família que sempre me apoiou em todas as minhas decisões, que me deram carinho, amor e sempre acreditou em mim, amo vocês. A todas as pessoas não mencionadas, mais que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho. E por fim, a uma pessoa muito importante em minha vida, Daniel Arent Wensing, que cuida de mim e me faz muito feliz, o meu eterno namorado, muito obrigada por partilhar comigo os grandes momentos de nossas vidas. A todos vocês... Muito Obrigada! Já experimentou acreditar em você? Tente... Você não faz ideia do que você é capaz. (Rogério Stankevicz) RESUMO O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um distúrbio neurocomportamental complexo desenvolvido na infância precoce, caracterizado por vários graus de deficiência, incluindo prejuízo nas áreas do desenvolvimento pertinentes à interação social, comunicação, comportamento e interesse. O TEA apresenta uma prevalência global estimada de 1 para cada 68 crianças, seu diagnóstico se concentra basicamente nas avaliações comportamentais, não havendo até o momento biomarcadores para identificá-lo. Tanto fatores genéticos quanto ambientais, vêm sendo ligados diretamente ao TEA. A heterogeneidade de suas manifestações faz com que os tratamentos tornam-se ineficazes. Novas alternativas terapêuticas têm sido sugeridas para melhorar os sintomas, entre eles o ácido graxo poliinsaturado (AGP) ômega 3 (ω-3), tem apresentado resultados positivos no tratamento de doenças neurológicas e psiquiátricas. O objetivo deste estudo foi avaliar os efeitos da suplementação de AGP ω-3, sobre os parâmetros comportamentais e bioquímicos em um modelo experimental de autismo induzido por lipopolissacarídeo (LPS) a partir da ativação imune materna. A suplementação AGP ω-3 ou solução salina foi administrada na prole a partir do dia pós-natal (PND) 30, na dose de 0,8 g/kg, via oral. No PND 52 os animais realizaram testes comportamentais, após foram eutanasiados e as estruturas do encéfalo dissecado e analisado em níveis de: enolase específica do neurônio (NSE), fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) e fator de transformação do crescimento beta (TGF-β). Os resultados deste estudo indicaram que a ativação imune materna causou na prole alterações comportamentais e neuroquímicas condizentes com o TEA, e a suplementação com o AGP ω-3 apresentou resultados positivos, tanto comportamentais como neuroquímicos. Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista, Ômega-3, Enolase Específica do Neurônio, Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro, Fator de Transformação do Crescimento Beta. ABSTRACT The Autism Spectrum Disorder (ASD) is a complex neurodevelopmental disorder developed in early childhood, characterized by several degrees of deficiency, including deficits in the areas of the development relevant to social interaction, communication, behavior and interest. The ASD has an estimated global prevalence of 1 per 68 children , its diagnosis focuses basically on behavioral assessments, and there is no biomarkers to identify it so far. Both genetic and environmental factors, have been linked directly to the ASD. The heterogeneity of its manifestations causes the treatments to become ineffective. New therapeutic approaches have been suggested to improve symptoms, including polyunsaturated fatty acid (PUFA) omega-3 (ω-3), has shown positive results in the treatment of neurological and psychiatric diseases. The objective of this study was to evaluate the effects of PUFA ω-3 supplementation on the behavioral and biochemical parameters in an experimental model of autism induced by lipopolysaccharide (LPS) from the maternal immune activation. The PUFA ω-3 supplementation or saline solution was administered in offspring from postnatal day (PND) 30, at a dose of 0.8 g/kg, orally. At PND 52, animals underwent behavioral tests, were euthanized after and the brain structures dissected and analyzed for levels: neuron specific enolase (NSE) , brainderived neurotrophic factor (BDNF) and transforming growth factor beta (TGF-β). The results of this study indicate that maternal immune activation caused behavioral and neurochemical changes in the offspring consistent with the ASD, and supplementation with PUFA ω-3 showed positive results, both behavioral and neurochemical. Keywords: Autistic spectrum disorder , Omega-3 , Neuron Specific Enolase, Brain Derived Neurotrophic Factor , Transforming Growth Factor Beta LISTAS Lista de Abreviaturas ADDM – Monitoramento das deficiências do autismo e desenvolvimento (do inglês, Autism and Developmental Disabilities Monitoring) AGE – Ácido Graxo Essencial AGP – Ácido Graxo Poliinsaturado ALA – Alfa-Linolênico AMPc – 3’5’ Monofosfato de Adenosina APA – Associação Americana de Pediatria (do inglês, American Psychiatric Association) Bcl-2 – B-cell Lymphoma 2 BDNF – Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro (do inglês, Brain Derived Neurotrophic Factor) CaMKII – Proteína Cinase Dependente de Cálcio/Calmudolina tipo 2 (do inglês, Ca2+/Calmodulin-Dependent Protein Kinase II) CDC – Centro de controle e prevenção de doenças (do inglês, Centers for Disease Control and Prevention) CEUA – Comissão de Ética no Uso de Animais CID-10 – Classificação Estatística de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde 10ª Revisão CREB – Proteína Ligante ao Elemento de Resposta ao AMPc (do inglês, cAMP Response Element-Binding) DG – Dia de Gestação DHA – Ácido Docosaexaenóico DSM – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (do inglês, Diagnostic and Statistical Manual) ELISA – ensaio de imunoadsorção ligado à enzima (do inglês, Enzime Linked Immunosorbent Assay) EPA – Ácido Eicosapentaenóico IgG – Imunoglobulina G IL – Interleucina ip – Intraperitonial IP3 – Trifosfato de Inositol (do inglês, Inositol Triphosphate) LPS – Lipopolissacarídeo MAPK – Proteína Cinase Ativada por Mitogênos (do inglês, Mitogen-Activated Protein Kinase) MCP-1 – Proteína Quimiotática de Monócitos-1 MEK – Proteína Cinase Ativada por Mitógeno / Proteína Cinase Regulada por Sinais Extracelulares (do inglês, Mitogen-Activated Protein Kinase / Extracellular SignalRegulated Kinase) MIA – Morte Indolor Assistida NaCl – Cloreto de Sódio NSE – Enolase Específica do Neurônio (do inglês, Neuron Specific Enolase) OMS – Organização Mundial da Saúde P75 (NTR) – Receptor de Neurotrofina p75 (do inglês, p75 Neurotrophin Receptor) PI3K – Fosfatidilinositol 3-Cinase (do inglês, Phosphoinositide 3-Kinase) PLC-γ – Fosfolipase\C-γ (do inglês, Phospholipase C, Gamma) PND – Dia pós-natal SNC – Sistema Nervoso Central SNP – Sistema Nervoso Periférico SPSS – Statistical Packege for the Sciences TEA – Transtorno do Espectro Autista TGF-β – Fator de Transformação do Crescimento Beta (do inglês, Transforming Growth Factor Beta) TID – Transtorno Invasivo do Desenvolvimento TNF-α – Fator de Necrose Tumoral Alfa (do inglês, Tumor Necrosis Factor - Alpha) Trk – Tirosina Cinase TrkB – Tirosina Cinase Tipo B ω-3 – Ômega 3 Lista de figuras Figura 1 – Biossíntese dos ácidos graxos ω-3 .......................................................... 18 Figura 2 – Tipos de receptores tirosina cinase (Trk) e suas distintas afinidades para as neurotrofinas ......................................................................................................... 23 Figura 3 – Visão geral do BDNF a sinalização através de receptores de TrkB ......... 25 Figura 4 – Diagrama esquemático das etapas do delineamento experimental proposto no estudo. ................................................................................................... 33 Figura 5 – Teste de interação social recíproca.......................................................... 35 Figura 6 – Número (Figura 6A) e tempo (Figura 6B) de episódios de movimentos estereotipados (grooming) realizados pelos grupos: Salina, LPS, Salina + AGP ω-3, LPS + AGP ω-3 ......................................................................................................... 40 Figura 7 – Tempo (em segundos) da interação social apresentado pelos grupos: Salina, LPS, Salina + AGP ω-3 e LPS + AGP ω-3. ................................................... 41 Figura 8 – Níveis proteicos de NSE nas estruturas encefálicas do hipocampo (Figura 8A) e cerebelo (Figura 8B) nos grupos: Salina, LPS, Salina + AGP ω-3 e LPS + AGP ω-3 ............................................................................................................................ 42 Figura 9 – Níveis proteicos de BDNF nas estruturas encefálicas do hipocampo (Figura 9A) e cerebelo (Figura 9B) nos grupos: Salina, LPS, Salina + AGP ω-3 e LPS + AGP ω-3 ................................................................................................................. 43 Figura 10 – Níveis de TGF-β nas estruturas encefálicas do hipocampo (Figura 10A) e cerebelo (Figura 10B) nos grupos: Salina, LPS, Salina + AGP ω-3 e LPS + AGP ω3. ............................................................................................................................... 44 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 13 1.1 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA ........................................................ 14 1.1.1 Prevalência do TEA ........................................................................................ 15 1.1.2 Hipóteses Etiológicas .................................................................................... 16 1.2 ÁCIDOS GRAXOS POLIINSATURADO ω-3 ....................................................... 18 1.2.1 AGP ω-3 e TEA ............................................................................................... 20 1.3 BIOMARCADORES............................................................................................. 20 1.3.1 Enolase Específica do Neurônio (NSE) ........................................................ 21 1.3.2 NSE e TEA ....................................................................................................... 22 1.4 FATORES NEUROTRÓFICOS ........................................................................... 22 1.4.1 Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro (BDNF) ........................................ 24 1.4.2 BDNF e TEA .................................................................................................... 25 1.5 FATOR DE TRANSFORMAÇÃO DO CRESCIMENTO BETA (TGF-β)............... 26 1.5.1 TGF-β e TEA.................................................................................................... 27 1.6 MODELO ANIMAL DE TEA ................................................................................. 27 2. OBJETIVOS .......................................................................................................... 29 2.1 OBJETIVO GERAL.............................................................................................. 29 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................................... 29 3. MÉTODOS ............................................................................................................ 30 3.1 TIPO DE ESTUDO .............................................................................................. 30 3.2 ANIMAIS .............................................................................................................. 30 3.3 ACASALAMENTO ............................................................................................... 30 3.4 ATIVAÇÃO IMUNE MATERNA ........................................................................... 31 3.5 PADRONIZAÇÃO DA NINHADA ......................................................................... 31 3.6 MEDIDAS DO PESO CORPORAL ...................................................................... 32 3.7 TESTES COMPORTAMENTAIS ......................................................................... 34 3.7.1 Comportamento Estereotipado ..................................................................... 34 3.7.2 Interação Social Recíproca ............................................................................ 34 3.8 ANÁLISES BIOQUÍMICAS .................................................................................. 35 3.8.1 Quantificação do BDNF por Western Blotting ............................................. 35 3.8.2 Quantificação da NSE por Western Blotting ................................................ 36 3.8.3 Quantificação do TGF-β por ELISA............................................................... 37 3.9 ANÁLISE DE DADOS.......................................................................................... 37 3.10 ASPECTOS ÉTICOS......................................................................................... 38 4 RESULTADOS ....................................................................................................... 39 4.1 TESTES COMPORTAMENTAIS ......................................................................... 39 4.1.1 Comportamento Estereotipado ..................................................................... 39 4.1.2 Teste de interação social recíproca .............................................................. 40 4.2 ANÁLISES BIOQUÍMICAS .................................................................................. 41 4.2.1 Quantificação de NSE .................................................................................... 41 4.2.2 Quantificação de BDNF.................................................................................. 42 4.2.3 Quantificação de TGF-β ................................................................................. 43 5 DISCUSSÃO .......................................................................................................... 45 6 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 50 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 51 ANEXO...................................................................................................................... 66 ANEXO A- Parecer Aprovação do Comitê de Ética .............................................. 66 13 1. INTRODUÇÃO O Transtorno do Espectro Autista (TEA) compreende diferentes síndromes de perturbação do desenvolvimento neurológico1 que pode se manifestar em conjunto ou isoladamente 2. As características fundamentais da TEA incluem: dificuldade de comunicação por deficiência no domínio da linguagem e no uso da imaginação para lidar com situações e jogos simbólicos, dificuldade de socialização e padrão de comportamento restritivo e repetitivo3. O TEA apresenta uma etiologia bastante complexa e avanços científicos sobre sua origem têm demonstrado que tanto fatores genéticos como ambientais colaboram para a manifestação do transtorno4. A heterogeneidade das manifestações clínicas faz com que os tratamentos, na maioria das vezes, tornam-se ineficazes5. Novas alternativas terapêuticas têm sido sugeridas para melhorar os sintomas nucleares deste transtorno, entre elas, a mudança nos hábitos alimentares tem mostrado resultados positivos e melhor qualidade de vida para indivíduos portadores do TEA6. Entre os tratamentos, o ácido graxo poliinsaturado (AGP) ômega 3 (ω-3) tem apresentado resultados positivos na terapêutica de doenças neurológicas7,8 e psiquiátricas9,10, como componente restaurador de membranas celulares neuronais11 e ainda como agente antioxidante10 e anti-inflamatório7. Considerando que o TEA possa estar relacionado a uma alteração no desenvolvimento do sistema nervoso central (SNC) decorrente de um processo neuroinflamatório12, é possível que a administração contínua e prolongada de uma dieta suplementada de AGP ω-3, possa reverter condições neuroquímicas e comportamentais associadas a um modelo pré-clínico de autismo baseado em uma infecção bacteriana pré-natal a partir da exposição ao lipopolissacarídeo (LPS). Resultados positivos podem representar dessa uma nova abordagem terapêutica nutracêutica que contribui para o progresso das condições clínicas apresentadas por pacientes autistas e, consequentemente, a melhoria na qualidade de vida desses pacientes e seus familiares. 14 1.1 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA Foi em 1911, pelo psiquiatra suíço Bleuler, que o termo autismo foi utilizado pela primeira vez, para descrever crianças que apresentavam características diferentes das demais, essas não tinham contato com a realidade, gerando assim inabilidade em se comunicar13,14. No entanto, o autismo ficou conhecido somente a partir de 1943 quando Leo Kanner, após estudar um grupo de onze crianças, identificou anormalidades na fala, isolamento social, respostas impróprias para o ambiente físico e outras alterações comportamentais diferentes de doenças já conhecidas15,16. Kanner acreditava que o autismo era provavelmente raro, e o mesmo era confundido com debilidade mental ou esquizofrenia 15. Somente entre os anos de 1950 e 1960 a causa biológica do autismo começou a ser discutida17. Até então, acreditava-se que a doença era resultado da falta de proximidade dos pais com seus filhos17. Essa compreensão contribuiu para o surgimento do termo “mães-geladeira”, que expressava a falta de afeto e a frieza dos pais17. O autismo apareceu pela primeira vez somente na terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-III-R), revisado em 198918. No ano de 1994, com a atualização do DSM, em sua quarta edição (DSMIV)19 e com a Classificação Estatística de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10ª Revisão20, o autismo foi classificado como um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID) cujo portador poderia atingir níveis severos no desempenho de atividades como: redução do contato visual, restrição em mostrar, pegar ou utilizar objetos, movimentação atividades ou torção repetitivas de mãos e comportamentos e dedos, agitação estereotipados, corporal ou dificuldade/ausência de fala21,22. Nessa mesma edição, o diagnóstico de TID foi baseado em um sistema multicategórico, que incluía o Transtorno Autista, Transtorno de Asperger, Transtorno Invasivo do Desenvolvimento sem outra especificação, Transtorno Desintegrativo da Infância e o Transtorno de Rett 21,23. Na quinta edição do DSM1, lançada em 2013, o autismo passou a ser definido como um distúrbio neurocomportamental complexo, caracterizado por vários graus de deficiência incluindo interação social, agilidade de pensamento, mudanças peculiares de linguagem e/ou percepção atrasada, prejuízo na comunicação verbal e 15 não verbal e inabilidade em responder a certos estímulos apresentando um comportamento restrito e repetitivo 12. A partir desta atualização, o DSM-V substituiu o sistema multicategórico usado anteriormente por uma única dimensão do diagnóstico – Transtorno do Espectro Autista1,24. O diagnóstico no TEA ainda se concentra basicamente nas avaliações comportamentais devido à ausência de marcadores biológicos para identificá-lo25,26. Mesmo com os avanços recentes na capacidade de diagnosticar o transtorno precocemente, na maioria dos casos esse diagnóstico acontece depois dos três anos de idade27. A Associação Americana de Pediatria (APA) sugere realizar o acompanhamento do desenvolvimento de todas as crianças até 24 meses, pois é a partir do segundo ano de vida que os comportamentos característicos do TEA surgem e esses são capazes de auxiliar no diagnóstico 28. Estudos sobre a base neurológica do TEA antes dos três anos de idade é decisivo para o tratamento, pois é nessa fase que ocorrem os cuidados primários da infância e é nesse período que os resultados do tratamento podem ser melhores28. 1.1.1 Prevalência do TEA O TEA tem aumentado consideravelmente sua prevalência nos últimos 29 anos . Pesquisas realizadas nos Estados Unidos pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) e Autism and Developmental Disabilities Monitoring (ADDM) nos anos de 2011-2012, estimou a prevalência global do TEA como sendo 1:68 crianças com até oito anos de idade, representando um aumento de 23% na prevalência de TEA comparado ao período de 2006-200830. Nos Estados Unidos a prevalência estimada pelos mesmos centros de pesquisa mostrou que 2% das crianças entre 6 e 17 anos apresentam sintomas de TEA, isso representa 1 a cada 50 crianças americanas29-32. No Brasil, um estudo transversal estimou uma frequência de 27,2 casos de TEA a cada 10.000 habitantes33. No estado de Santa Catarina, a prevalência de casos diagnosticados, de acordo com as bases de dados das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), da Associação de Amigos dos Autistas (AMA) e da Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE), apresentou um indíce menor em relação ao Brasil, indicando 1,31 casos para cada 10.000 habitantes, no entanto, esse estudo realizado em Santa Catarina apresentou limitações, devido ao 16 fato dos dados serem secundários, retrospectivos e adquiridos via e-mail, ligação telefônica e instituição, pois na obtenção dessas informações pode ter ocorrido subnotificação, uma vez que os dados não eram informatizados e não havia orgão ou instituição responsável em armazenar essas informações, outra limitação encontrada foi que a população-alvo constituiu somente pelos indivíduos com evidências diagnósticas que frequentavam as instituições, porém nem todos os autistas estão inseridos nestas instituições34,35. Em relação ao sexo, estudos tem demonstrado que o sexo masculino apresenta cerca de três a quatro vezes mais chances de ser afetado pelo TEA do que indivíduos do sexo feminino36,37. No entanto, esse valor pode sofrer alterações de acordo com o grau de desenvolvimento intelectual, sendo que quando avaliados indivíduos autistas com deficiência intelectual as proporções chegaram a 6% mais presentes no sexo feminino do que no sexo masculino 31. Ainda não existem estudos conclusivos que esclareçam porque o sexo feminino apresenta menores incidências de TEA sem deficiência intelectual 38. Contudo, alguns autores sugerem que possa estar relacionado a uma condição genética ligada ao cromossomo X, com isso tornando homens mais propensos ao desenvolvimento da síndrome38. Outra hipótese sugere que o hormônio estradiol atue como um agente neuroprotetor, reduzindo a expressão de várias citocinas e quimiocinas pró-inflamatórias, desta forma atenuando os sintomas do TEA e diminuindo as manifestações clínicas no sexo feminino39. 1.1.2 Hipóteses Etiológicas A etiologia do TEA é bastante complexa e na maioria dos casos o processo patológico é desconhecido5. Estudos mostram que o TEA está diretamente ligado a fatores genéticos, condições ambientais, neurobiológicas, neuroanatômicas, metabólicas e imunológicas37,40-43. Atualmente o TEA é considerado um distúrbio do desenvolvimento neurológico44 que pode estar associado a um processo de neuroinflamação45,46. A neuroinflamação, neste caso, está relacionada à ativação da micróglia que aumenta a liberação de citocinas e quimiocinas pró-inflamatórias no SNC, causando ativação de moléculas do sistema imunológico que, por sua vez, quando ativadas, atravessam a barreira hematoencefálica, originando um feedback positivo e 17 acarretando uma tempestade de citocinas no SNC41. Quando a ativação acontece em período pré-natal, o desenvolvimento encefálico do feto é comprometido podendo ser a causa dos déficits de comunicação e movimentos estereotipados que caracterizam o TEA ou ainda contribuindo para a perda de sinapses e a morte neuronal47,48. Alguns estudos mostram que indivíduos diagnosticados com TEA eram filhos de mães que sofreram perturbações durante o período gestacional incluindo infecções49, traumatismos50 ou exposição a toxinas ambientais51. Alterações nos circuitos neurais de diversas áreas encefálicas têm sido envolvidas na etiologia do TEA, incluindo o sistema límbico 42 e o cerebelo52. Por isso, as pesquisas seguem o foco nas regiões encefálicas associadas às respostas emocionais, entre elas, o córtex pré-frontal, córtex temporal, córtex cingulado anterior, giro fusiforme e amígdala53. Além disso, estudos de neuroimagem indicam um padrão anormal do desenvolvimento encefálico, com um crescimento acelerado durante os primeiros anos de vida, seguindo pela desaceleração em algumas áreas encefálicas, enquanto em outras áreas podem ocorrer parada no crescimento54. A grande maioria dos tratamentos farmacológicos utilizados para o TEA não são direcionados para os mecanismos moleculares e celulares envolvidos na fisiopatologia desse transtorno, isto porque eles ainda não estão totalmente esclarecidos55. Além disso, um dos grandes problemas enfrentados pela terapia farmacológica é o risco de baixa adesão dos pacientes aos medicamentos, devido principalmente à demora da resposta terapêutica e aos efeitos colaterais 55. Neste sentido, a busca por alternativas não-farmacológicas que sejam capazes de atrasar o início e a progressão dos sintomas do TEA e de suas complicações são prementes9. Nos últimos anos a nutrição tem adquirido cada vez mais um papel relevante, tanto no desenvolvimento, como na alteração do percurso de doenças neurológicas e psiquiátricas56,57. O AGP ω-3 tem sido estudado nessas doenças, devido seus efeitos: antioxidantes, anti-inflamatórios, atuação na formação da bainha de mielina, no desempenho cognitivo da atividade encefálica e comunicação entre as células neuronais, apresentando também ação vasodilatadora e por isso aumenta o aporte de oxigênio e nutrientes para o SNC58-60. Estudos recentes apontam que a suplementação de AGP ω-3 pode contribuir positivamente para o desenvolvimento neurológico de crianças diagnosticadas com TEA 6,61-63. 18 1.2 ÁCIDOS GRAXOS POLIINSATURADO ω-3 Os ácidos graxos essenciais (AGE), embora não sejam sintetizados endogenamente, são essenciais para o desenvolvimento e funcionamento normal do SNC e do sistema imunológico67. Entre os AGE está o AGP ω-3 que desempenha um papel importante na patogênese de muitas doenças crônicas60. Os AGE adquiridos da dieta, na maioria das vezes, se apresentam em suas formas primárias como ácido α-linolênico (ALA) que pode sofrer uma dessaturação de enzimas e sistema de alongamento de cadeias modicando-se em ácido eicosapentaenóico (EPA) e ácido docosaexaenóico (DHA) originados do AGP ω-367 (Figura 1). Figura 1 – Biossíntese dos ácidos graxos ω-3 (Levant, 2011) 65 Em fontes de origem vegetal como óleos extraídos de soja, de girassol, de milho, linhaça, nozes e em alguns vegetais verdes, como brócolis, rúcula, couve, espinafre, pode-se encontrar AGP ω-3 na forma de ALA 64 que pode ser metabolizado em EPA e DHA pela ação de enzimas alongase e dessaturase 66. Devido ao fato dessas enzimas serem influenciadas por inúmeros aspectos como tabagismo, consumo de álcool, diabetes e envelhecimento, os seres humanos se tornam relativamente ineficientes em realizar esta síntese (≤ 6% de conversão) a 19 partir do ALA, portanto, o ALA pode não ser bem convertido em algumas pessoas67,68. Em algumas espécies de peixes é possível encontrar AGP ω-3 na forma de EPA e DHA69, entre as opções estão: anchovas, arenque atlântico, salmão, truta e sardinha 70-73. O EPA e o DHA encontrados nesses alimentos são importantes para a estrutura e função encefálica e têm sido defendidas para o tratamento de vários distúrbios neurológicos e psiquiátricos, incluindo transtornos de humor 9, esquizofrenia74, Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH)75 e TEA60. Os eicosanóides sintetizados a partir dos AGP ω-3 exibem propriedades anti-inflamatórias, atuando diretamente na membrana celular 76. O DHA, em especial, é o elemento de maior fluidificação em membranas celulares, neste sentido, é essencial para desenvolvimento dos sistemas neurais sensoriais, perceptivos, cognitivos e motores, durante esse período de maior crescimento do encéfalo que compreende o último terço da vida fetal e os dois primeiros anos de vida 59,60. Além disso, o DHA desempenha papel neuroprotetor contra o estresse oxidativo em astrócitos, em oligodendrócitos, em células ganglionares da retina e em linfócitos humanos74,77,78. O AGP ω-3 tem sido sugerido como um complemento eficaz para a prevenção de doenças neurodegenerativas que estão associados com o estresse oxidativo, este resultado está relacionado ao melhor desempenho cognitivo em animais de laboratório que receberam dieta rica em AGP ω-3 por 12 semanas consecutivas79. O EPA está presente no colostro e leite materno e desempenha um papel chave na regulação do sistema endócrino, imunitário, função cardiovascular tem ação anti-inflamatórias 60,80 e 59,60,81 . Considerando que vários estudos apontam dano oxidativo e processo inflamatório associados a transtornos do neurodesenvolvimento, incluindo TEA, resultados sugerem que as manifestações clínicas apresentadas por pacientes autistas podem estar relacionadas, em parte, pela deficiência ou desequilíbrio de AGP ω-3, e que a suplementação possa representar uma alternativa terapêutica para a melhoria dos sintomas 64,82. 20 1.2.1 AGP ω-3 e TEA O uso de terapias comportamentais e medicamentosas têm-se apresentado como insuficientes para o tratamento do TEA e doenças associadas83. Estudos recomendam mudanças nos fatores nutricionais e ambientais como um tratamento alternativo nestes casos83,84. Atualmente sabe-se que o TEA não é uma doença única, na verdade se trata de um distúrbio associado a diversas etiologias e a vários graus de severidade, onde pode ser caracterizado por alterações comportamentais, de linguagem e de cognição, com deficiência intelectual em 70% dos casos e crises epiléticas em 30%85. A associação entre o TEA e a epilepsia é bastante conhecida 85. Um estudo realizado no ano de 2013 relatou que a epilepsia esteve presente em 58 dos 206 indivíduos avaliados, representando um total de 28,2% da amostra total, apresentando um índice bem maior quando comparado com a prevalência da epilepsia na população em geral que apresentou um indicativo de 0,5 à 1% da população afetada85. Estudo realizado em modelos animais de epilepsia com suplementação de EPA e DHA permitiu que as doses do tratamento farmacológico fossem reduzidas na fase de manutenção da doença, atenuando as convulsões hipocampais86. Considerando a proximidade entre epilepsia e TEA, a suplementação de AGP ω-3 na dieta destes últimos pode conduzir a uma melhoria dos sintomas desta síndrome58. Organizações governamentais e de saúde em todo mundo, vem criando recomendações à população em geral, sobre a importância do consumo de peixe ou óleo de peixe, pelo menos duas vezes por semana em função dos grandes benefícios previstos pelo AGP ω-3 relacionados às doenças crônicas87. No geral, os níveis recomendados para prevenção de doenças são inferiores ao recomendado para tratamentos particulares, contudo mais estudos clínicos são importantes para determinar corretamente dosagens e fórmulas mais eficazes para doenças específicas88. 1.3 BIOMARCADORES Os biomarcadores são definidos como indicadores de processos biológicos normais, patológicos ou resposta farmacológica a uma intervenção 21 terapêutica89. Bioquimicamente, são moléculas sistêmicas que podem ser determinadas em laboratórios, como proteínas ou enzimas que representam, direta ou indiretamente, um ou mais processos biológicos ou patológicos ativos de um sistema definido ou um estado de doença 90. Essas moléculas têm sido utilizadas como alvos potenciais de terapia na prevenção e tratamento de doenças sistêmicas91 e do SNC92. Um biomarcador ideal para avaliar uma lesão encefálica precisa ser sensível e apresentar alta especificidade para o tecido encefálico, já que nem sempre o líquor é disponível93. Os biomarcadores encefálicos utilizados frequentemente são: adenilato cinase, creatina cinase, lactato, S100-β e Enolase Específica Neurônio (NSE). Esta última proteína é considerada um dos mais importantes marcadores de danos às células neuronais94,95. A avaliação dos níveis de NSE pode contribuir e proporcionar a oportunidade de investigar a função ou dano de estruturas neuronais em doenças psiquiátricas e neurológicas, incluindo o TEA96. 1.3.1 Enolase Específica do Neurônio (NSE) A NSE é utilizada como um marcador de soro específico para danos 97 neuronais , no entanto, um estudo post mortem com hipocampos de indivíduos com Alzheimer, mostrou que níveis de NSE podem também ser mensurados em regiões encefálicas distintas, pois foi identificado uma oxidação da NSE no encéfalo desses indivíduos98. A NSE é uma enzima glicolítica concentrada no citoplasma dos neurônios e células com diferenciação neuroendócrina, existindo em quantidades desprezíveis no sangue periférico99. A partir do momento em que a NSE não é excretada, ocorre um aumento em suas concentrações no líquor ou sangue significando, desta forma, uma associação com dano estrutural para células neuronais e, por isso, pode ser considerado um importante biomarcador para acompanhar a progressão de doenças neurológicas e/ou avaliar o grau de severidade de determinada doença97. 22 1.3.2 NSE e TEA A NSE representa 1,5% das proteínas solúveis totais do encéfalo, nos estágios de lesão encefálica elas podem ser utilizadas para sugerir o prognóstico100,101 a partir da quantificação do grau de lesão neuronal, ou seja, um aumento na expressão de NSE antes dos sinais clínicos permite detectar danos neuronais em estágios subclínicos e servir como referência para quantificar o grau de neurodegeneração101,102. Estudo realizado por Gelderblom e colaboradores101 com modelos animais de doenças neurológicas agudas e crônicas pareados por idade e sexo, mensurou níveis de NSE no plasma com o objetivo de avaliar a NSE como biomarcador para estimar grau de lesão neuronal nos modelos animais, e identificou aumento na expressão da NSE no modelo animal de doença neurológica aguda e crônica. No modelo de doença neurológica aguda, foi observado três horas após a lesão, um aumento nos níveis de NSE no plasma, sugerindo um dano neuronal precoce e generalizada. E no modelo de doença neurológica crônica, assim como o TEA, foi possível verificar no decorrer da doença níveis elevados de NSE no plasma, sendo possível também de detectar o aumento dos níveis de NSE antes do início dos sintomas clínicos, possibilitando estratégias de tratamentos neuroprotetores. 1.4 FATORES NEUROTRÓFICOS As neurotrofinas são formadas por proteínas que exercem importantes papéis na formação do SNC e do sistema nervoso periférico (SNP), atuando na modulação da transmissão e plasticidade sináptica, sobrevivência, morfologia e diferenciação neuronal 103-105. A família das neurotrofinas é constituída pelo fator de crescimento neural (NGF, do inglês nerve growth factor), o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF, do inglês Brain Derived Neurotrophic Factor), e neurotrofina-3 (NT-3), NT-4/5 e NT-6103-105. As sínteses dessas proteínas ocorrem no retículo endoplasmático e, a partir daí, são clivadas em moléculas menores que chegam até as vesículas secretoras. Há dois tipos diferentes de vias de secreção: a via Ca²+ dependente e exocitose de grânulos de secreção106. Os fatores neurotróficos intercedem em diversas funções celulares através da ativação de receptores, compreendendo a expressão dos genes 23 inteiramente envolvidos na regulação da neuroplasticidade e saúde celular 107. Grande parte dos papéis executados pelas neurotrofinas é compreendida pelo receptor tirosina cinase (Trk), que tem como membros da família o receptor neurotrófico tirosina cinase tipo A (TrkA) em conjunto com o receptor neurotrófico tirosina cinase tipo B (TrkB) e o receptor neurotrófico tirosina cinase tipo C (TrkC)108. As neurotrofinas ligam-se seletivamente a receptores específicos de Trk, ao passo que todas as neurotrofinas se ligam a p75. Receptores Trk contém a imunoglobulina G (IgG) para domínios extracelulares de ligação ao ligante e uma sequência de Trk catalítico no domínio intracelular. Cada receptor, ativa várias vias de transdução de sinal. A porção extracelular do p75 NTR (p75 (NTR), do inglês p75 neurotrophin receptor) contém quatro repetições ricas em cisteína e a parte intracelular contém um domínio de morte. A ligação ao receptor de neurotrofina p75 medeia à sobrevivência, a migração celular e a mielinização através de várias vias de sinalização. As interações entre os receptores Trk e p75 podem conduzir a alterações na afinidade de ligação para as neurotrofinas106,108,109 (Figura 2). Figura 2 – Tipos de receptores tirosina cinase (Trk) e suas distintas afinidades para as neurotrofinas (Chao, 2003) 109 O aumento das neurotrofinas tem como principal papel proteger os neurônios da excitotoxicidade, desta forma, tem sido apresentadas como moduladoras da plasticidade sináptica, com função na neuroproteção e 24 reorganização, operando como dispositivo de equilíbrio endógeno para originar regeneração e reparação no SNC e SNP110. 1.4.1 Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro (BDNF) O BDNF é uma proteína da família das neurotrofinas que se apresenta em grande quantidade e amplamente distribuída no SNC, exibe uma expressão significativa no hipocampo e córtex cerebral de crianças e adultos jovens e está envolvida nos processos de aprendizagem e memória 104,105. O BNDF tem uma participação fundamental no ajuste da atividade sináptica e plasticidade, tanto por meio de modificações funcionais como estruturais nos neurônios111,112. As ações celulares do BDNF ocorrem através da mediação do TrkB e pelo receptor de neurotrofina p75 (NTR) um membro da família do TNF 110. A transcrição de exons é dirigida por promotores diferentes, sendo então regulada por um conjunto de mecanismos de sinalização, incluindo Ca 2+, CREB (proteína ligante ao elemento de resposta ao AMPc [3’ 5’ monofosfato de adenosina] do inglês, cAMP response element-binding), MEK (proteína cinase ativada por mitógeno / proteína cinase regulada por sinais extracelulares, do inglês mitogen activated protein kinase / extracellular signal-regulated kinase), MeCP2 (proteína de ligação a CpG metilado 2, do inglês, methyl-CpG-binding protein 2), CaMKII (proteína cinase dependente de cálcio/calmudolina tipo 2, do inglês, Ca2+/Calmodulin-Dependent Protein Kinase II) e hormônios112-114. A ativação dos receptores estimula uma série de cascatas de transdução de sinais, incluindo a proteína cinase ativada por mitogênos (MAPK, do inglês, Mitogen-activated protein kinase), o fosfatidilinositol 3 cinase (PI3K, do inglês, Phosphoinositide 3-kinase) e a via da fosfolipase\C-γ (PLC-γ, do inglês, Phospholipase C, gamma), sendo também utilizada para acompanhar a liberação e ativação do receptor neurotrófico112,114. Após uma ligação do BDNF ao TrkB, ocorre uma dimerização e autofosforilação, e assim que fosforilados estes resíduos formam locais específicos de ligação para enzimas e proteínas “scaffolds”115,116, que são intermediários na ativação dos domínios intracelulares de três cascatas de sinalização: (1) a ativação intercedida por sch/Frs2 e Ras/Raf da via de MAPK que abrange MEK e ERK que leva ao crescimento e diferenciação celular; (2) a ativação mediada por sch/Frs2 e 25 GAB1 da via PI3K, e a jusante via de Akt, levando à sobrevivência celular e, por fim, a (3) última via de sinalização que é ativada diretamente pelo receptor PLCγ, que origina IP3 (Inositol triphosphate) e DAG (diaglycerol) aumentando os níveis de cálcio intracelular, originando em um aumento da atividade calmodulina cinase (CaMK), levando a plasticidade sináptica 112,115-117. Todas as três vias convergem no fator de transcrição CREB, sendo alvo posterior deste mecanismo, responsável pela transcrição de certa quantidade de genes que proporcionam a resistência celular, compreendendo a Bcl-2 (do inglês, B-cell lymphoma 2) que através da inibição da liberação do citocromo C protege o efeito anti-apoptótico112,116,118 (Figura 3). Figura 3 – Visão geral do BDNF a sinalização através de receptores de TrkB (adaptado de Autry e Monteggia, 2012) 116 1.4.2 BDNF e TEA No decorrer de diversas fases do desenvolvimento sináptico, plasticidade sináptica, sobrevivência neuronal e migração celular, a via de sinalização BDNF/TrkB está envolvida na transcrição e transdução de proteínas, por meio das três vias biológicas ativas. Devido à função que exercem, os genes que codificam as moléculas integrantes nestas três vias biológicas são possíveis candidatos na etiologia do TEA119. 26 A via biológica PI3K atua nas funções de regulação do ciclo celular, sobrevivência, diferenciação e proliferação celular, a via Akt desempenha função na regulação de proteínas apoptóticas e fatores de transcrição. Associado ao TEA sindrómico (esclerose tuberosa, neurofibromatose e macrocefalia) é possível encontrar descrito na literatura mutações nos genes TSC1, TSC2, NF1 e PTEN, que participam na via biológica PI3K-Akt120,121. As vias de sinalização de MAPK assim como a via PI3K apresenta uma função essencial na síntese, tradução e/ou transporte de proteínas com funções sinápticas, a via de sinalização PLCγ regula o cálcio intracelular que conduz o processo de transcrição através de AMP cíclico e proteínas cinase C119. Modificações nos níveis de BDNF vêm sendo associadas à etiologia de doenças neuropsiquiátricas como esquizofrenia, depressão e doença bipolar 122,123 . Portanto, considerando a hipótese de que modificações ao nível da ligação BDNF/TrkB e/ou ao nível das três vias biológicas MAPK/MEK/ERK, PI3K-Akt e PLCγ, são capazes de ocasionar à disfunção dos mecanismos de desenvolvimento sináptico, é possível que uma alteração nestes níveis podem colaborar com fatores de sensibilidade na etiologia do TEA119,120. 1.5 FATOR DE TRANSFORMAÇÃO DO CRESCIMENTO BETA (TGF-β) O fator de transformação do crescimento (TGF-β, do inglês, transforming growth factor beta) é uma proteína que controla a proliferação, diferenciação celular, motilidade celular e apoptose celular, apresenta um importante papel como reguladores imunológicos, podendo de fato coordenar diversos aspectos da resposta imune124. O TGF-β exerce importante função em doenças autoimunes, como: esclerose múltipla, miastenia gravis relacionada oftalmoparesia e diabetes autoimune 125-128. Estudos têm sugerido que o TGF-β pode ser um regulador importante no processo de neurogênese e, desta forma, alterações nos níveis desta proteína podem estar relacionadas às doenças que comprometem o desenvolvimento do SNC, incluindo o TEA125,129-131. 27 1.5.1 TGF-β e TEA O controle inadequado da resposta imunitária em crianças autistas tem sido relacionada com baixos níveis plasmáticos de TGF-β125. Um estudo realizado por Ashwood e colaboradores125, sugere que existe uma correlação significativa entre os escores clínicos e níveis inferiores de TGF-β e esta condição pode estar associada com a diminuição nos comportamentos adaptativos observados nestas crianças. Devido à redução dos níveis de TGF-β, as respostas imunes em indivíduos com TEA pode ser inadequada e mudança no sistema imunológico pode predispor indivíduos para o desenvolvimento de possíveis respostas autoimunes e/ou interações adversas neuroimunes durante a fase de desenvolvimento do SNC125,131. A ativação imune materna em período pré-natal tem sido apontada como fator importante para o desenvolvimento de comportamento autista na prole 132. Níveis diminuídos de TGF-β no hipocampo de ratos, apresentados pelos estudos de Patterson132 e de Graciarena e colaboradores133, podem estar relacionadas com alterações no processo de diferenciação e migração de neurônios e, por isso, o TGF-β representa um papel importante na fisiopatologia de doenças neurológicas como TEA e esquizofrenia134. 1.6 MODELO ANIMAL DE TEA Entre diversas doenças humanas estudadas, a produção e a personalização de modelos animais é uma conexão importante entre o entendimento das propriedades moleculares da doença e o desenvolvimento de agentes terapêuticos135,136. Considerando a natureza complexa do TEA, especialmente devido a sua heterogeneidade e ampla sobreposição de manifestações clínicas, além da diversidade etiológica, realizar estudos utilizando unicamente modelos humanos para TEA é um fator limitante. Desta forma, a utilização de modelos animais de autismo permitem investigações controladas e prospectivas, assim como a utilização de intervenções e desdobramentos dos mecanismos envolvidos. Entre os modelos animais reproduzidos para mimetizar características comportamentais, neurais, imunes e genéticas encontrados no TEA, estão aqueles que utilizam agentes teratogênicos como ácido valpróico137 que afetam a migração 28 de diferenciação de neurônios serotoninérgicos, quando administrado em períodos críticos da embriogênese de roedores137. Evidências clínicas137,138 e experimentais132,139 têm apontado que as infecções pré-natais podem interferir no ambiente intra-uterino, promovendo anormalidades comportamentais com similaridades ao autismo137,140, inclusive com a ativação inadequada de citocinas pró-inflamatórias137,138,140 e alterações na resposta imune137,140,141. Neste sentido, um dos modelos experimentais de TEA estudados extensivamente nos últimos anos mostra que a ativação imune materna a partir da adiministração de LPS no 9,5 dia gestacional (9 dias e 12 horas), período antes do fechamento do tubo neural 142 é capaz de promover anormalidades comportamentais semelhantes aquelas encontradas em indivíduos autistas. A ativação imume materna permite caracterizar a exposição ao LPS como modelo adequado para o estudo do autismo, uma vez que os animais submetidos sistematicamente a esta endotoxina, conseguiram estabelecer as três características principais de um modelo animal de doença: (a) validade de face (sintomas semelhantes)132,143; (b) validade de constructo (causa semelhante)132,143 e (c) validade preditiva (resposta análoga a tratamentos para prevenir ou reverter os sintomas)132,143. 29 2. OBJETIVOS 2.1 OBJETIVO GERAL Avaliar os efeitos da suplementação de AGP ω-3, sobre os parâmetros comportamentais e bioquímicos em um modelo experimental de autismo. 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Avaliar os efeitos da suplementação de AGP ω-3 sobre parâmetros de comportamento estereotipado e interação social recíproca na prole de ratos machos em PND 52; Verificar o efeito da suplementação de AGP ω-3 nos níveis de NSE no cerebelo e hipocampo; Analisar o efeito da suplementação de AGP ω-3 nos níveis de BDNF no cerebelo e hipocampo; Avaliar o efeito da suplementação de AGP ω-3 nos níveis de TGF-β no cerebelo e hipocampo. 30 3. MÉTODOS 3.1 TIPO DE ESTUDO Estudo experimental utilizando o modelo da doença. 3.2 ANIMAIS Para realização do estudo foram utilizadas 12 ratos Wistar (Rattus norvegicus) fêmeas, virgens, pesando entre 250 e 300g, provenientes do biotério da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS, acasaladas com 6 machos da mesma linhagem e peso. Durante todo o experimento, os animais permaneceram em padrão sanitário controlado, onde foram mantidos em gaiolas de polipropileno (46 x 31 x 21cm) forradas com cama de maravalha. Os animais ficaram em temperatura controlada (22ºC+1ºC) e períodos de luz artificial (12 horas claro/escuro). Durante todo o período experimental os animais receberam ração comercial padronizada e água ad libitum. 3.3 ACASALAMENTO Para a efetivação do acasalamento, as fêmeas foram colocadas ao final do ciclo de luz (19 horas) nas gaiolas dos machos, sendo sempre introduzidas duas fêmeas para cada macho. No horário das 7 horas da manhã do dia seguinte, período inicial do ciclo de luz, foi verificado se ocorreu a prenhez, através do processo do lavado vaginal. Este procedimento seguiu as descrições de Held e colaboradores144 e consistiu na introdução de NaCl por meio de uma pipeta plástica na vagina da fêmea, onde foi coletado a secreção para análise em microscópio óptico e investigada a presença de espermatozoides junto ao material biológico do animal. Nas fêmeas que foram identificadas com a presença de espermatozoides considerou-se o dia gestacional zero (DG 0)145. Estas fêmeas, agora denominadas de matrizes, foram separadas aleatoriamente e colocadas em gaiolas moradias individualmente, permanecendo nas mesmas, durante todo o período de prenhez. 31 3.4 ATIVAÇÃO IMUNE MATERNA Para a caracterização do modelo animal de autismo a partir da ativação imune materna, as matrizes foram divididas aleatoriamente e dois grupos. Um dos grupos recebeu a administração intraperitoneal (ip) de uma única injeção de LPS adquirido por extração fenólica a partir de Escherichia coli, sorotipo 0127:B8 (Sigma®), na dose de 100 µg/Kg no DG 9.5, diluída em 50 µg/Kg de solução aquosa de NaCl 0,9% estéril 142,146, caracterizando o grupo experimental (LPS-tratados). O segundo grupo recebeu apenas solução NaCl 0,9% estéril ip no volume equivalente ao grupo experimental, caracterizando o grupo controle (Salina-tratados). A administração das substâncias ocorreu sempre no período vespertino (entre 15 – 17 horas). 3.5 PADRONIZAÇÃO DA NINHADA A realização dos partos aconteceu de forma natural e no dia pós-natal (PND) 1 e PND 2 não foi realizada nenhuma manipulação nos animais para evitar a possibilidade de rejeição da mãe em relação a prole. No PND 3 as ninhadas foram ajustadas em 4 fêmeas e 4 machos, totalizando 8 animais por ninhada. A distinção entre os gêneros foi obtida através da identificação da diferença visual relacionada à distância ano-genital, sendo maior em machos. Em PND 8-15 foi possível confirmar a distinção entre os gêneros a partir da presença de testículos nos machos e de mamas nas fêmeas147. Os filhotes foram distribuídos em dois grupos: Grupo Salina (n= 20): formado por ratos machos, procedentes de mães do grupo controle (Salina-tratados). Grupo LPS (n= 20): formado por ratos machos, procedentes de mães do grupo experimental (LPS-tratados). Todos os animais permaneceram com suas mães até PND 21, período final de aleitamento, onde foi realizado o desmame e tanto as mães quanto a prole de fêmeas foram submetidas ao procedimento de morte indolor assistida (MIA), que foi realizada pelo responsável técnico do biotério da UNISUL. A prole de machos permaneceu no biotério até o final dos procedimentos experimentais. 32 Cada um dos grupos experimentais foi subdivido em outros 2 grupos de acordo com o tratamento recebido: Grupo Salina + dieta padrão de laboratório + administração de salina (n=10) Grupo LPS + dieta padrão de laboratório + administração de salina (n=10) Grupo Salina + dieta padrão de laboratório + suplementação de AGP ω-3 (n=10) Grupo LPS + dieta padrão de laboratório + suplementação de AGP ω-3 (n=10) O AGP ω-3 foi administrado na dose de 0,8 g/kg, via oral*, uma vez ao dia, sempre no mesmo horário (às 12 horas), durante 21 dias consecutivos. A solução salina foi administrada no mesmo volume e mesma via. Os animais receberam suplementação de AGP ω-3 ou solução salina, de acordo com o grupo experimental, a partir de PND 30. A escolha da dose, horário de administração, tempo de tratamento e idade dos animais seguiu a descrição de Zugno e colaboradores74, que mostrou efeitos positivos do AGP ω-3 em respostas comportamentais de ratos em um modelo experimental de doença neurológica. As cápsulas de AGP ω-3 continham 1000mg de óleo de peixe, destas 10% eram de AGP EPA e 50% de AGP DHA. Foram escolhidas as cápsulas com uma maior porcentagem de DHA, devido sua ação na sinaptogênese148 e na fluidificação das membranas encefálicas59. O DHA interfere na atividade de proteínas da membrana (canais iônicos, receptores, transportadores, enzimas), modulando sistemas de neurotransmissores150. Estudos mostram sistemas dopaminérgicos78 e serotoninérgicos140 afetados pela deficiência de AGP ω-3. A suplementação de DHA até os 24 meses de idade, vem mostrando efeitos benéficos no desenvolvimento do encéfalo59,148,149. 3.6 MEDIDAS DO PESO CORPORAL O peso corporal foi avaliado em PND 30 para ajustar o volume das dosagens de AGP ω-3 indicada para cada animal. No decorrer do período de suplementação as medidas de peso corporal foram realizadas duas vezes por * Para a administração via oral foram utilizadas agulhas de gavagem para camundongos no início do tratamento (PND 30-PND 40) e substituídas por agulhas de gavagem para ratos a partir PND 41. A escolha das agulhas respeitou o tamanho e o peso dos animais nas diferentes idades, já que o tratamento iniciou-se com animais jovens seguindo até a idade adulta. 33 semana, para adequação da dose, de acordo com a descrição de Cysneiros e colaboradores151. A síntese das etapas do delineamento experimental está descritas na Figura 4. Figura 4 – Diagrama esquemático das etapas do delineamento experimental proposto no estudo. 34 3.7 TESTES COMPORTAMENTAIS Os testes comportamentais foram realizados 24 horas após a última administração de AGP ω-3, entre o período das 9:00 às 13:00 horas, em baixa iluminação e monitorados com câmera de vídeo. O pesquisador não permaneceu na sala de experimentação para evitar qualquer interferência na resposta comportamental dos animais. Antes de qualquer um dos procedimentos de avaliação comportamental os animais eram levados em suas gaiolas-moradia à sala de experimentação com 1 hora de antecedência – representando o período de habituação. Todos os equipamentos foram limpos com álcool 70% após o teste de cada animal, impedindo a permanência de odores. 3.7.1 Comportamento Estereotipado O teste de estereotipia foi realizado em ratos adultos (PND 52) e seguiu as descrições de Battisti e colaboradores152. A estereotipia foi considerado como a permanência do animal em posição estacionária exibindo movimentos rápidos e repetidos da cabeça e membros dianteiros, além disso, foi observado o comportamento de subidas e/ou descidas, conforme os vários graus de estereotipia. Os animais foram retirados de suas gaiolas-moradias, demarcados na cauda com caneta apropriada e colocados em um aparato de campo aberto (60 x 60 x 30 cm), com três paredes de madeira e uma parede de vidro transparente. O piso sólido foi dividido em 12 quadrantes iguais. Os animais foram acomodados no quadrante superior esquerdo do campo aberto, de modo que ficassem de costas para o centro do campo, onde foram avaliados durante 5 minutos. As imagens do comportamento do animal foram capturadas por uma webcam 2.0 megapixels fixada em um tripé e acoplada em um notebook e armazenadas para posterior análise dos vídeos. Após o termino de cada teste, os animais eram retirados do aparato de campo aberto e devolvidos à gaiola-moradia. 3.7.2 Interação Social Recíproca De Acordo com Schneider e Przewłocki 153, o teste para analisar a interação social nos animais foi baseado na tendência natural dos roedores em 35 investigar com maior dedicação um indivíduo intruso que lhe foi apresentado pela primeira vez. Neste teste os animais foram submetidos individualmente a interagir com outro animal desconhecido do mesmo sexo e mesma faixa etária, durante 10 minutos, em um aparato de campo aberto com as mesmas características descritas no teste de estereotipia. O teste de interação social foi conduzido posteriormente ao teste de estereotipia e o registro das imagens foi realizado da mesma forma descrita acima. Os parâmetros usados para avaliar o comportamento de interação social recíproca seguiu as descrições de Moreira154 e quantificou os tempos de grooming, de cheirar, de seguir, de chutar, de socar, de montar ou de permitir a monta pelo outro animal (Figura 5). Figura 5 – Teste de interação social recíproca entre dois ratos de mesmo sexo e idade, que não tiveram contato inicial (Pasciuto et al., 2015) 155 3.8 ANÁLISES BIOQUÍMICAS Após os testes comportamentais, os animais foram mortos, o encéfalo foi removido rapidamente e as áreas de interesse foram dissecadas (hipocampo e cerebelo) sobre superfície congelada e armazenados em freezer -80ºC para as análises bioquímicas, conforme descrito a seguir: 3.8.1 Quantificação do BDNF por Western Blotting Os tecidos encefálicos (hipocampo e cerebelo) obtidos dos animais foram armazenados a -80°C até a utilização; posteriormente foram homogeneizados com 400 ml de tampão RIPA [Tris 50 mM, pH 8,0, NaCl 150 mM, , 1% de Triton X-100, 36 0,5% de deoxicolato de sódio, 0,1% de SDS e inibidores de protease (Roche)] durante 30 min em banho de gelo. O homogeneizado dos tecidos foram então recolhidos, sonicados por 10 min, centrifugados a 13000 rpm por 10 min e preparados para transferência Western Blotting. As amostras foram sujeitos à eletroforese em gel de SDS-poliacrilamida a 15% e, posteriormente, transferidas para membrana de difluoreto de polivinilideno (PVDF) (Millipore, Bedford, MA, EUA). As membranas de PVDF foram bloqueadas saturadas e em solução salina tamponada com Tris Tween-20 (TTBS) contendo solução albumina bovina a 5%156, as membranas de PVDF bloqueadas foram então incubadas durante a noite com anticorpo de coelho anti-coelho a 4°C (1:1000, Cell Signalling, USA). Depois disso, as membranas de PVDF foram lavadas três vezes em TTBS e incubadas com IgG anti-rato conjugado com fluoróforo infravermelho (1:10000 Cell Signalling, USA), a 37°C durante 30 min. Na sequência, a membrana foi submetida a scan em fotodocumentador (Odyssey LI-COR Biosciences) e a densidometria realizada pelo programa Image Studio (LI-COR Biosciences). Os níveis de expressão da proteína foram normalizados para beta- actina (anti-rato, 1:1000, Cell Signalling, USA). O valor de densidade integrada (IDV) foi usado para representar o nível de proteínas. 3.8.2 Quantificação da NSE por Western Blotting As amostras dos tecidos encefálicos (hipocampo e cerebelo) dos animais foram preparadas e submetidas à eletroforese em dodecil-sulfato de sódio em gel de poliacrilamida (SDS-PAGE) e análise Western Blotting, conforme descrito por Fatemi e colaboradores157-160. Para NSE, foram utilizados 10% de resolução de géis. Após SDS-PAGE, as proteínas foram transferidas para membranas de nitrocelulose durante 2 horas a 300 mA. As transferências de Western Blotting foram bloqueadas durante 1 hora à temperatura ambiente, seguido por incubação durante a noite em anticorpos primários a 4°C. Os anticorpos primários utilizados foram anti-NSE (1: 2,000; Abcam Inc.) e anti-β-actina (1: 5000; Sigma-Aldrich). As membranas foram incubadas em anticorpos primários durante a noite a 4°C. Após uma lavagem de 30 minutos em solução salina tamponada com fosfato suplementada com 0,003% de Tween 20 (PBST), as manchas foram incubadas em anticorpos secundários durante 60 minutos à temperatura ambiente. Os anticorpos secundários utilizados foram 37 A9169 (anti-coelho de cabra de imunoglobulina G (IgG), 1: 80.000; Sigma-Aldrich) e A9044 (IgG anti-rato de coelho, 1: 80.000; Sigma-Aldrich). As manchas foram lavadas duas vezes em PBST, e as bandas visualizadas usando o sistema de detecção ECL Western Blotting Plus (GE Healthcare, Little Chalfont, Buckinghamshire, Reino Unido) e expostas a CL-XPosure Filme (Thermo Scientific, Rockford, IL, EUA). Bandas imunorreativas foram quantificadas usando subtração do fundo com um densitômetro de Bio-Rad e software multi-analista de Bio-Rad (BioRad, Hercules, CA, EUA) com o peso molecular aproximado de 46 kDa para NSE e 42 kDa para β-actina. Os resultados foram obtidos com base em pelo menos duas experiências independentes. 3.8.3 Quantificação do TGF-β por ELISA A quantificação de TGF-β foi realizada de acordo com método descrito por Zanirati e colaboradores161. O tecido encefálico foi usado para análise de TGF-β pelo ensaio adsorvente ligado a enzima (ELISA) utilizando duo set kit (R & D Systems, Minneapolis, MN, EUA). Os encéfalos foram homogeneizados em tampão PBS contendo triton 0,1% e inibidor de protéase (50mM - Roche AG, Basileia, Suíça) e, em seguida, centrifugados (13000 rpm a 4ºC durante 20 minutos). O sobrenadante foi recolhido e foi realizada quantificação de proteína pelo kit de ensaio de proteína BCA (Thermo Scientific, EUA). O ensaio de ELISA foi realizado de acordo com o as instruções do fabricante e a leitura foi realizada em 450 nm na leitora de microplacas (SPECTRAMAX, Molecular Devices, USA). Os níveis de proteína foram apresentados em pg/mg de proteína total. 3.9 ANÁLISE DE DADOS Para os ensaios bioquímicos e comportamentais, os resultados foram apresentados como média ± desvio padrão da média (E.P.M., 95%). A análise dos dados bioquímicos entre os grupos foi realizada por meio de análise de variância (ANOVA) de uma ou duas vias, seguido de post hoc de Newman-Keuls. Para os testes comportamentais referentes à validação do modelo experimental foi utilizado o teste T-Student. A significância estatística foi considerada para valores de p<0,05. 38 As análises foram realizadas utilizando o programa Statistical Package for the Social Sciences 20.0 (SPSS). 3.10 ASPECTOS ÉTICOS Este estudo foi submetido à avaliação do Comitê de Ética no Uso de Animais (CEUA) da Universidade do Sul de Santa Catarina e aprovado sob número de protocolo 14.003.2.01.IV. A utilização dos animais seguiu a Diretriz Brasileira para Cuidado e a Utilização de Animais para Fins Científicos e Didáticos – DBCA do CONCEA (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal, Resolução Normativa nº 12, de 20 de setembro de 2013, publicado no Diário Oficial da União – Secão 1)162. Para que fosse minimizado o sofrimento dos animais, foi utilizado o tamanho de amostra mínimo e adequado para a realização da análise estatística. O número de animais em cada grupo foi baseado no estudo de Graciarena e colaboradores133 que avaliou parâmetros bioquímicos em um modelo animal de autismo através da administração subcutânea de LPS. 39 4 RESULTADOS Os resultados obtidos a partir das avaliações comportamentais e bioquímicas foram ordenados da seguinte maneira: 4.1 TESTES COMPORTAMENTAIS 4.1.1 Comportamento Estereotipado Uma das características do TEA é a presença de comportamento repetitivo e estereotipado e a avaliação da atividade de grooming (movimento de autolimpeza) têm sido amplamente utilizada como um índice de comportamento repetitivo em estudos pré-clínicos do TEA155,163. Os resultados deste estudo mostraram que a exposição pré-natal ao LPS foi capaz de aumentar significativamente o número (Figura 6A) e tempo (Figura 6B) de episódios de movimentos estereotipados (grooming) quando comparados aos animais do grupo Salina-tratados [(F = 4,830; P= 0,041); (F = 2,681; P= 0,009), respectivamente] (Figura 6). Considerando o parâmetro de grooming como referência como um dos critérios utilizados para a validação do modelo experimental proposto, os resultados mostraram que a suplementação de AGP ω-3 reverteu este parâmetro avaliado entre os animais LPS + AGP ω-3 comparados aos animais do grupo Salina+ AGP ω-3 [(F = 4,857; P= 0,005)]. O teste de estereotipia foi mensurado durante 5 minutos, os dados foram expressos em média ± desvio padrão, cada grupo apresentou um n= 10. 40 Figura 6 – Número (Figura 6A) e tempo (Figura 6B) de episódios de movimentos estereotipados (grooming) realizados pelos grupos: Salina, LPS, Salina + AGP ω-3, LPS + AGP ω-3.*Diferença significativa no número de grooming (nº de episódios) entre os grupos Salina e LPS. # Diferença significativa no tempo (segundos) entre os grupos LPS e LPS + AGP ω-3. P<0,05 (T. Student). 4.1.2 Teste de interação social recíproca A interação social é uma das características mais proeminentes do TEA, podendo se manifestar através do isolamento ou comportamento social anormal, incapacidade em participar de atividades em grupo, marasmo afetivo ou manifestações inadequadas de se relacionar e dificuldade em transmitir emoções ao outro2,155. O teste de interação social recíproca conduzido neste estudo foi avaliado por tempo (em segundos), mensurado durante 10 minutos, os resultados mostraram diferenças significativas nos parâmetros de cheirar, de seguir e de montar (Figura 7). O grupo LPS-tratados diminuiu significativamente o parâmetro de cheirar quando comparado ao grupo Salina-tratados [(F= 2,453; P= 0,001)] e reverteu esta condição após suplementação de AGP ω-3 [(F= 7,217; P= 0,013)]. Embora os valores não apresentaram-se significativos, foi possível observar uma tendência a menor tempo de interação social recíproca no parâmetro seguir entre os animais expostos ao LPS em período pré-natal, no entanto, quando comparados ao animais LPS e LPS+ AGP ω-3, os resultados mostraram que a suplementação de AGP ω-3 foi capaz de provocar alterações significativas neste parâmetro. O parâmetro de montar também foi significativamente menor entre os ratos LPS-tratados [(F= 13,957; P= 0,002)], no entanto, a suplementação de AGP ω-3 não apresentou resultados significativos para este parâmetro. Os dados do teste de interação social foram expressos em média ± desvio padrão, cada grupo foi composto por um n= 10. 41 Figura 7 – Tempo (em segundos) da interação social apresentado pelos grupos: Salina, LPS, Salina + AGP ω-3 e LPS + AGP ω-3. *Diferença significativa entre os grupos Salina e LPS. # Diferença significativa entre os grupos LPS e LPS + AGP ω-3. P<0,05 (T. Student). 4.2 ANÁLISES BIOQUÍMICAS 4.2.1 Quantificação de NSE A Figura (8) apresenta o resultado da densidometria da NSE de hipocampo e cerebelo. Os resultados demonstraram um aumento dos níveis proteicos da NSE significativamente maiores no hipocampo de animais LPStratados, quando comparados aos Salina-tratados e esta condição foi revertida pela suplementação de AGP ω-3, significativamente comparando os grupos LPS x LPS + AGP ω-3. Ao contrário do hipocampo, o cerebelo não apresentou diferença significativa para este marcador de dano neuronal. Os dados da quantificação de NSE foram expressos em média ± desvio padrão, cada grupo foi composto por um n= 6. 42 Figura 8 – Níveis proteicos de NSE nas estruturas encefálicas do hipocampo (Figura 8A) e cerebelo (Figura 8B) nos grupos: Salina, LPS, Salina + AGP ω-3 e LPS + AGP ω-3.*Diferença significativa entre os grupos: Salina, LPS, Salina + AGP ω-3 e LPS + AGP ω-3. P<0,05 (Newman-Keuls). 4.2.2 Quantificação de BDNF Apesar de os níveis proteicos de BDNF das estruturas encefálicas estudadas não apresentarem diferenças significativas em nenhum dos grupos experimentais, os resultados mostraram uma tendência ao aumento deste fator neurotrófico associado à suplementação de AGP ω-3 (Figura 9). Os dados da quantificação de BDNF foram expressos em média ± desvio padrão, cada grupo apresentou n= 6. 43 Figura 9 – Níveis proteicos de BDNF nas estruturas encefálicas do hipocampo (Figura 9A) e cerebelo (Figura 9B) nos grupos: Salina, LPS, Salina + AGP ω-3 e LPS + AGP ω-3. 4.2.3 Quantificação de TGF-β A expressão do TGF-β foi quantificada no hipocampo e cerebelo dos animais. A exposição pré-natal de LPS foi capaz de diminuir significativamente os níveis de TGF-β no hipocampo e esta condição foi revertida pela suplementação de AGP ω-3 (Figura 10). No cerebelo, embora os valores não tenham se mostrado significativos, foi possível observar uma tendência ao aumento na expressão de TGF-β após a suplementação de AGP ω-3. Os dados da quantificação de TGF-β foram expressos em média ± desvio padrão, cada grupo analisado apresentou um n= 6. 44 Figura 10 – Níveis de TGF-β nas estruturas encefálicas do hipocampo (Figura 10A) e cerebelo (Figura 10B) nos grupos: Salina, LPS, Salina + AGP ω-3 e LPS + AGP ω3.*Diferença significativa entre os grupos: Salina, LPS, Salina + AGP ω-3 e LPS + AGP ω-3. P<0,05 (Newman-Keuls). 45 5 DISCUSSÃO Os prejuízos persistentes na comunicação social recíproca, interação social, padrões restritos e repetitivos de comportamento, atividades e/ou interesses são evidenciados no TEA1. Sintomas assim estão presentes desde a infância, e se perpetuam no decorrer do desenvolvimento, acarretando numa limitação e/ou prejudicando as atividades do cotidiano155. Considerando o espectro de apresentações, normalmente as manifestações da síndrome variam bastante, dependendo da gravidade, do nível de desenvolvimento e da idade cronológica do paciente1. A etiologia e as características clínicas do TEA são complexas e extremamente heterogêneas. Diversos fatores de risco potenciais como influências genéticas164, epigenéticas165, ambientais e/ou fatores imunológicos 140,166, têm sido apontados como fatores causais para o desenvolvimento do TEA, considerando assim um transtorno multifatorial 167. Experiências vivenciadas durante o período pré-natal são determinantes para a saúde do feto132. A ocorrência de infecções maternas e a consequente ativação do sistema imune da mãe ocasionam uma série de alterações estruturais e funcionais no sistema nervoso da prole, podendo predispor o indivíduo a doenças neurológicas na vida pós-natal, incluindo o TEA132. Spencer e colaboradores146, em um estudo pré-clínico de TEA, mostraram que a administração intraperitoneal de LPS no período pré-natal induziu a um processo inflamatório no SNC dos fetos através do aumento da liberação de citocinas pró-inflamatórias que, por sua vez, após atravessarem a barreira hematoencefálica, conseguiram modular a atividade dos neurônios causando alteração na neurotransmissão e, consequentemente, desenvolvendo comportamentos semelhantes ao TEA em ratos Wistar. Os comportamentos atípicos associados à exposição pré-natal de LPS podem se manifestar em períodos de curto ou longo prazo168. A manifestação de comportamentos estereotipados apresentados pelos animais experimentais expostos ao LPS em período pré-natal e avaliados neste estudo foi semelhante aos resultados de Spencer e colaboradores146 e replicados por Kirsten e colaboradores142. Da mesma forma, os interesses limitados e prejuízo 46 na interação social recíproca foram confirmados neste estudo, especialmente, nos parâmetros cheirar e montar. Considerando que estes representam comportamento natural de roedores, uma alteração nas respostas dos testes de estereotipia e interação social recíproca permite caracterizar este como um modelo adequado com validade de face e de constructo, pelo menos. A etiologia do TEA é julgada complexa 5, tornando assim os tratamentos farmacológicos clássicos insuficientes ou inadequados e a busca por terapias complementares tem sido considerada uma alternativa interessante 84. Suplementos alimentares tem sido apontados como reguladores estruturais e funcionais do SNC e eficazes no tratamento de doenças neurológicas e psiquiátricas 9,10,59. O AGP ω-3, em especial, é capaz de proporcionar atividades neurobiológicas através da modulação da neuroplasticidade e formação da bainha de mielina, atuando no desenvolvimento dos sistemas neurais sensoriais, perceptivos, motores e cognitivos como aprendizagem e memória60. Além disso, apresenta ação anti-inflamatória59,64 e antioxidante10. A suplementação de AGP ω-3 durante as fases iniciais do desenvolvimento do SNC, conduzidas neste estudo, foi capaz de reverter à resposta comportamental de ratos expostos ao LPS em período pré-natal, exercendo, desta forma, efeito positivo para as manifestações clínicas típicas do TEA. Em uma metaanálise realizada por Lee e colaboradores e publicada em 201464, sugeriu que uma melhor fluidificação da membrana encefálica proporcionado pela administração de DHA na suplementação tenha uma participação importante na melhora no comportamento de estereotipia e interação social de animais. Embora não se tenha, até o momento, estudo conclusivo que apresente alteração em determinada via de neurotransmissão associada à fisiopatologia do TEA, é possível que o reestabelecimento de níveis de dopamina78 ou ainda a melhora na transmissão sináptica glutamatérgica169 proporcionados pela suplementação de AGP ω-3, tenham favorecido o desenvolvimento neuronal e auxiliado a redução dos sintomas autistas neste modelo experimental. Resultados semelhantes foram encontrados por Theije e colaboradores170 em um modelo de alergia alimentar. A segunda etapa deste estudo teve objetivo de avaliar a expressão de biomarcadores associados a alterações neurológicas. Os biomarcadores são indicadores de processos biológicos normais, patológicos ou de resposta farmacológica de uma intervenção terapêutica89. Embora não se tenha, até o 47 momento, um marcador biológico específico ou exame complementar para auxiliar o diagnóstico do TEA, alguns estudos têm apontado alteração em níveis de marcadores de danos às células neuronais como a NSE 96, de fatores neurotróficos como o BDNF171, além de alterações em fatores de crescimento como o TGF-β131. A NSE é um importante marcador de danos às células neuronais95 e, por ser uma enzima glicolítica, sua atividade metabólica pode refletir nos neurônios91. Estudos têm mostrado que a análise da sua expressão pode contribuir para a investigação de doenças neurológicas, como o TEA172. O aumento na expressão da NSE no hipocampo de animais LPS-tratados em período pré-natal, quantificado neste estudo, foi semelhante aos resultados encontrados por Ogundele e colaboradores173 em um modelo de neuroinflamação a partir da intoxicação por cianeto (20mg/kg). De modo geral, infecções maternas são capazes de provocar, na prole, ativação da micróglia, metabolismo neuronal anormal e estresse oxidativo durante o processo de neurogênese. É possível que uma ativação na micróglia e aumento de dano oxidativo47, parâmetros frequentemente apresentados em modelos pré-clínicos de TEA, estejam relacionados a um dano encefálico que trouxe como consequência o aumento na expressão da NSE no hipocampo com consequentes alterações neurológicas. A suplementação de AGP ω-3 foi capaz de reverter os níveis diminuídos de NSE no hipocampo. A deficiência de AGP ω-3 na alimentação, faz com que ocorra uma redução nas concentrações de DHA no encéfalo, associado aos menores índices de desenvolvimento neuronal 174. Estudos in vitro169 e in vivo169 mostraram que a suplementação de AGP ω-3, especialmente como maior teor de DHA, exerceu papel importante no neurodesenvolvimento, promovendo crescimento neuronal no hipocampo, sinaptogênese, diferenciação celular e ações antiapoptótica169. O BDNF é uma proteína que se apresenta naturalmente no SNC, colaborando para o desenvolvimento do encéfalo pré e pós-natal e está relacionado com os processos de aprendizagem e memória 104,105,116, participando nos ajustes das atividades sinápticas e na plasticidade neuronal 112,119. Apesar de os valores de expressão de BDNF não mostrarem-se significativos neste estudo, foi possível observar uma tendência à diminuição desta proteína no hipocampo e cerebelo dos animais expostos ao LPS em período pré-natal. Um estudo clínico conduzido por Abdallah e colaboradores175, mostrou que pacientes autistas apresentam alteração 48 nos níveis de BDNF e sugeriu que níveis diminuídos estejam relacionados com anormalidades na proliferação, migração e sobrevivência celular durante o desenvolvimento do SNC, acarretando em alterações neurológicas descritas no TEA, entre elas, comprometimento no processo de neuroplasticidade176. Estes dados fortalecem a relação entre fatores ambientais que provocam diminuição dos níveis de BDNF (nestes casos, ativação imune materna) e etiologia do TEA48,124,177. Além disso, níveis diminuídos de BDNF podem estar relacionados à regulação negativa de Akt cinase que regula, por sua vez, a Bcl2. Desta forma, a alteração na atividade da via de sinalização anti-apoptótica BDNF-Akt-Bcl2 pode representar um mecanismo implícito parcialmente responsável pela etiologia do TEA178. É possível que um aumento no tamanho da amostra possa atingir a significância estatística para este fator neurotrófico, em especial para o modelo experimental de escolha deste estudo. Um estudo de revisão conduzido por Das171 em 2013, mostrou que um processo de neuroinflamação durante o período intra-uterino pode levar a alterações no metabolismo de AGP e seus metabólitos. Os AGP ω-3 são conhecidos por elevar os níveis de BDNF no encéfalo, e tanto o AGP ω-3 quanto o BDNF apresentam papéis importantes no desenvolvimento do SNC e na função cognitiva171,179,180. Os resultados deste estudo mostraram que a suplementação de AGP ω-3 aumentou, embora com valores não significativos, a expressão dos níveis de BDNF no hipocampo e no cerebelo de animais expostos ao LPS em período pré-natal. Esses dados podem estar relacionados com capacidade dos metabólitos de AGP em aumentar os níveis dos receptores de BDNF171. Neste sentido, sugere-se que distúrbios neurocomportamentais na prole possam estar relacionados com a deficiência de AGP ω-3. O TGF-β é uma citocina que pode ser expressa no encéfalo e representa um regulador essencial das respostas à lesão e inflamação de estruturas do SNC181,182. O TGF-β é considerado uma citocina multifuncional e imunossupressora, crítica para a homeostase imune e que desempenha um papel importante no desenvolvimento em todo o processo de embriogênese175. A redução nos níveis de TGF-β no hipocampo de animais LPS-tratados em período pré-natal, apresentados neste estudo, foi semelhante aos resultados encontrados por Ashwood e colaboradores125 e, mais recentemente por Gohary e colaboradores183, quando demonstraram níveis diminuídos de TGF-β plasmático em 49 indivíduos autistas. A diminuição nos níveis de TGF-β pode estar relacionada com uma alteração no processo de migração celular, apoptose ou ainda, regulação do sistema imunitário do SNC. Além disso, o TGF-β, no hipocampo, desempenha uma função importante na programação e modulação da interação social e comportamento repetitivo131,133. Shen e colaboradores182, em um estudo utilizando modelo experimental de Alzheimer, mostraram que o TGF-β exerce um papel importante na manutenção da integridade neuronal e a sobrevivência dos neurônios do SNC, evidenciando envolvimento no desenvolvimento e plasticidade neuronal 182. Somando-se a isto, o TGF-β é capaz de controlar o processo inflamatório e exercer efeito neuroprotetor a partir de ações anti-inflamatórias e anti-apoptóticas184 e, por isso, pode representar um fator de crescimento com potencial atuação na etiologia do TEA185. A suplementação de AGP ω-3 foi capaz de aumentar os níveis de TGF-β no hipocampo. Esta condição pode estar relacionada à atenuação da ativação da micróglia, principalmente devido a maior proporção da suplementação de DHA que está envolvida na modulação de respostas inflamatórias186,187. O AGP ω-3, quando utilizado em período prolongado por pacientes com doenças neurológicas ou psiquiátricas, favorece a homeostasia e auxilia na redução das manifestações clínicas apresentadas por estes pacientes10,174,188. Por fim, em conjunto à crescente evidência de que a ativação imune materna é um dos mecanismos responsáveis pelo desenvolvimento do TEA (modelo animal e humanos), este estudo é a primeira evidência de que a suplementação de AGP ω-3 está associada a melhora no comportamento de estereotipia e interação social recíproca, além de diminuir os níveis de NSE e aumentar os de níveis de expressão de BDNF e TGF-β. Em conclusão, os resultados obtidos neste estudo auxiliam a compreensão do mecanismo neuroprotetor do AGP ω-3 e de seu potencial papel na terapia não-farmacológica para tratamento do TEA. 50 6 CONCLUSÃO Tomados em conjunto, os resultados do presente estudo indicam que a ativação imune materna provocada pela administração de LPS no DG 9,5 causou na prole adulta alterações comportamentais e neuroquímicas condizentes com o TEA, sendo elas: - Aumento de movimentos estereotipados e redução no comportamento social recíproco; - Aumento nos níveis de marcador de dano neuronal (NSE) e diminuição da expressão de TGF- β no hipocampo de ratos LPS-tratados. A suplementação de AGP ω-3 apresentou reversão do comportamento autista e exerceu efeito neuroprotetor, especificamente: - Diminuição de movimentos estereotipados e aumento no comportamento social recíproco; - Diminuição nos níveis de marcador de dano neuronal (NSE) e aumento da expressão de TGF- β no hipocampo de ratos LPS-tratados. Embora o AGP ω-3 tenha apresentado resultados positivos, tanto comportamentais como neuroquímicos, no modelo experimental de TEA, novos estudos são necessários para avaliar os efeitos da suplementação com este AGP em outras fases do desenvolvimento e em doses de administração diferentes para confirmar sua potencial ação como alternativa terapêutica para o tratamento do TEA. E, a partir desses resultados, propor estudos com uma abordagem clínica. 51 REFERÊNCIAS 1. American Psychiatric Association. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V). 5 ed. Porto Alegre: Artmed; 2013. 2. Lowe JK, Werling DM, Constantino JN, Cantor RM, Geschwind DH. Social responsiveness, an autism endophenotype: genomewide significant linkage to two regions on chromosome 8. Am J Psychiatry. 2015;172(3):266-75. 3. Napoli E, Dueñas N, Giulivi C. Potential therapeutic use of the ketogenic diet in autism spectrum disorders. Front Pediatr. 2014;2:69. 4. 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