Discurso do Prof. Severino Fonseca da Silva Neto – Patrono da

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Discurso do Prof. Severino Fonseca da Silva Neto – Patrono da
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Discurso do Prof. Severino Fonseca da Silva Neto – Patrono da Colação de Grau em 15/05/2013
Queridos amigos formandos,
Como poderei sintetizar em quinze minutos todas as palavras que tenham o significado do que eu estou
sentindo nesse momento, escolhido como padrinho da turma? É inevitável que, após um convívio de cerca de
cinco anos, eu repita uma série de histórias e citações que foram marcantes em minha vida pessoal e
profissional, que tive a oportunidade de contar nas aulas e encontros com vocês e os demais professores. Mas
não posso deixar de escolher como tema de meu discurso o episódio mais marcante da minha vida como
docente. Aconteceu em 1987, quando comecei a exercer a função de professor no mestrado da COPPE em
Engenharia Oceânica e na graduação em Engenharia Naval na UFRJ. Um grande amigo, que concluiu o
doutorado comigo, disse-me então: “Severino, quer dizer que agora você passou para o outro lado?” Esta
pequena brincadeira me fez refletir sobre três pontos: o verdadeiro papel de um professor, de uma
universidade e de um cidadão.
Em primeiro lugar, sobre o professor, acredito que seu papel não seja o de transmitir ou dar conhecimento,
mas sim o de “compartilhar” o conhecimento. Ao compartilhar com meus alunos, eu poderia ensinar tudo o
que eu sei e ainda continuaria a saber tudo o que sei. O livro “A Criança Mágica” compara o cérebro humano
a um fragmento holográfico do universo, que precisa ficar exposto e interagir com o holograma terrestre para
atingir clareza, a fim de que a imagem cerebral entre em foco. O autor afirma que a inteligência, assim como
o corpo, pode ser lesada ou protegida, estimulada ou aniquilada. As barreiras à inteligência já foram há muito
tempo removidas pela natureza porque ela não programa para o fracasso. A natureza programa para o sucesso,
e para isso constitui um vasto e espantoso plano em nossos genes. A natureza também programa os pais para
responderem com os cuidados necessários. O que ela não pode programar é o fracasso destes na proteção dos
filhos. Nem o fracasso dos professores, que precisam dosar a conquista do respeito pela dor e pelo amor,
evitando as armadilhas do autoritarismo e distanciamento por um lado e do narcisismo estéril pelo outro.
Na busca da resposta a “O que é educar?” concordo com Rousseau que, uma vez que a educação é uma arte, é
quase impossível que ela tenha êxito. Tudo que podemos fazer é nos aproximar mais ou menos do alvo, que é
o mesmo da natureza. Moldam-se as plantas pela cultura, e os homens pela educação. Nascemos fracos,
precisamos de força; nascemos carentes de tudo, precisamos de assistência; nascemos estúpidos, precisamos
de juízo. Tudo o que não temos ao nascer e de que precisamos quando grandes nos é dado pela educação.
Essa educação vem-nos da natureza, ou dos homens ou das coisas. É com essas disposições primitivas que
deveríamos relacionar tudo, e isso seria possível se nossas três educações fossem apenas diferentes. Que
fazer, porém, se são opostas, se, em vez de educar o homem para si mesmo, queremos educá-lo para os
outros? Este acordo necessita, então, de um ponto ótimo. Forçado a combater a natureza ou as instituições
sociais, é preciso encontrar um ponto de equilíbrio entre a formação de um homem ou a de um cidadão, pela
complexidade de se fazer os dois ao mesmo tempo.
Em segundo lugar, sobre a universidade, acredito que seu papel seja associar o diploma que confere à maior e
mais duradoura formação e estimular o aluno a desenvolver seu potencial. Outra difícil missão comentada por
Leo Buscaglia numa história em pedagogia chamada "A Escola de Animais”. Os educadores acham graça
nela há muito tempo, mas poucos fazem algo a respeito. Um dia, os animais se reuniram na floresta e
resolveram abrir uma escola. Havia um coelho, um pássaro, um esquilo, um peixe e uma enguia, que
formaram um Conselho de Educação. Para o coelho, correr deveria fazer parte do currículo. Para o pássaro,
voar. Para o peixe, nadar. Para a enguia, cavar. E para o esquilo, subir em árvores perpendiculares ao chão.
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Juntaram tudo e escreveram um guia curricular. E fizeram questão que todos os animais cursassem todas as
matérias. O coelho tinha bom desempenho na corrida, mas subir em árvores era um problema. Sempre caía de
costas. Teve uma lesão cerebral que não permitiu mais que corresse bem. Descobriu então que o
aproveitamento na corrida tinha caído e não conseguia subir em árvores. O pássaro era ótimo para voar, mas
quando vinha cavar o chão não conseguia. Quebrava o bico e as asas. Logo não conseguia mais voar direito e
não aprendia a cavar o chão nem a subir em árvores. Mas os educadores ficaram felizes, pois todos estavam
cursando todas as disciplinas, o que era chamado de educação de base. Isto corresponde à realidade. Sempre
queremos fazer com que todos sejam iguais e logo aprendemos que a capacidade de submeter é a base do
sucesso no campo educacional. E a submissão continua na universidade. Nós, educadores universitários,
somos tão culpados como todas as pessoas. Deveríamos fornecer as ferramentas e deixar a criação por conta
dos alunos. Certamente acharemos alunos mais criativos que nós mesmos.
Em três ocasiões de minha vida profissional fiz parte de um grupo responsável justamente pela “utópica”
reforma curricular: duas vezes na Engenharia Naval da UFRJ e uma vez na Escola de Formação de Oficiais
da Marinha Mercante. Podemos entender utopia como a linha do horizonte que, ao caminhar em sua direção,
ela se afasta. Mas é ela que nos faz andar. Mesmo conhecendo a história da Escola de Animais, nosso grupo
optou claramente por fornecer a melhor ferramenta para a formação de nossos alunos: a Matemática. Não
apenas pela necessidade de descrever fenômenos físicos de geometrias complexas em sólidos e fluidos, como
em navios, plataformas, refinarias, siderúrgicas e pontes. Mas para pensar melhor. Engenheiros precisam de
formação ao mesmo tempo ampla e profunda para os desafios do futuro, que não se torne logo obsoleta e que
os dê a capacidade de aprender ainda mais e melhor. A matemática é também um importante instrumento de
convencimento, quando estão em jogo opiniões conflitantes, que podemos aplicar em nossas vidas pessoais e
profissionais. Numa palestra proferida por mim em 2003 sobre a contextualização da teoria de Álgebra Linear
na aplicação em navios, fui questionado sobre a utilidade da matemática no dia a dia de oficiais de náutica e
de máquinas. Minha resposta se baseou em Freud, citando os três estágios da cura em psicanálise: Recordar,
Repetir e Elaborar. Recordar ferramentas matemáticas do século XVII. Repetir verificando sua validade e
limitação em diversos problemas. Elaborar no nosso dia a dia tomando decisões ótimas para preservar
sistemas de engenharia, o meio ambiente e vidas humanas. Em relação ao diploma que vocês estão prestes a
conquistar arduamente, quando acusamos que diploma não é tudo, devemos lembrar que é, sem dúvida, uma
condição Necessária, mas Não Suficiente, sem confundir com Não Necessária. O diploma que vocês estão
conquistando atesta, da melhor forma possível, a competência adquirida em cerca de 5 anos, para que vocês
desempenhem suas atividades profissionais evitando erros indicados pela experiência acumulada anterior,
exercitando no presente, para elaborar o sonho do futuro. Isto não ocorre espontaneamente, mas sim pelo
trabalho de coordenadores, professores, funcionários e alunos unidos pelo mesmo fim. Tentamos fazer com
que a UFRJ se torne um gigante na frase de Isaac Newton: “Se pude enxergar mais longe, foi por me erguer
sobre os ombros de gigantes”.
Em terceiro lugar, sobre o cidadão, prefiro não concordar com a opinião do admirável escritor Fausto Wolff,
que “O mundo é uma surpresa que dói – depois, com o tempo, só dói”, preferindo a comparação de Woody
Allen da vida com a comida de um hotel para idosos, considerada por duas senhoras como ruim e, ao mesmo
tempo, pouca. Mesmo julgando ruim, queremos mais. Estamos vivendo uma época de cobertores curtos.
Concordo com o Senador Cristóvão Buarque quando cita que não importa que o cobertor seja curto, o
importante é que o amor não seja curto. Presenciamos muito recentemente uma discussão sobre o
estacionamento do nosso Centro de Tecnologia. Assim como admirei a postura de alunos, funcionários e
professores, buscando uma solução ótima, fiquei decepcionado com a postura de outros alunos, funcionários e
professores, que passaram a se referir mutuamente no diminutivo: “funcionariozinho”, “professorzinho” e
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“aluninho”, rótulos que demonstram intransigência e intolerância de uma minoria preocupante. Lembrei de
um show de John Lennon em 1972, em que Yoko Onno lê um discurso de um famoso político do século
passado, sugerindo como solução para esse tipo de problema “Lei e Ordem”. O público ficou surpreso quando
soube que o autor era Adolf Hitler e o show termina com a música “Dê uma chance a Paz”. Na Divina
Comédia de Dante, encontra-se escrito que se deixe a esperança na porta do inferno e entre. Os abolicionistas
demoraram muitos anos para criar leis contra a forma mais abominável do comportamento humano: a
escravidão. Tenho esperança nos Educacionistas. Apenas dois e meio por cento de nossa população votou
num candidato a presidente com uma plataforma revolucionária baseada na Educação. Seus concorrentes
conseguiram destruir sua imagem, o que nos dias de hoje é muito fácil fazer contra qualquer um. Levam-se
anos para se defender de denúncias covardes, mas a opinião pública já condena, imediatamente, tanto
culpados quanto inocentes. Minha esperança de equilíbrio social, ciente que o cobertor sempre será curto, é a
Educação, única forma de gerar oportunidades menos desiguais.
A partir de todas essas reflexões, tento solidificar uma postura de amizade e respeito em minhas relações
pessoais e profissionais. Mas como saber se estou na direção certa do alvo? Com a homenagem que vocês
hoje fazem, ao me chamarem para Patrono, vocês me aprovaram. Uma aprovação maior e mais importante do
que eu pude dar a vocês nas disciplinas da UFRJ. E, também, me ensinaram muito mais. Minha formatura
ocorreu há 31 anos e, ainda hoje, minha juventude é reciclada pelo contato quase diário com vocês, que me
faz ter esperanças no futuro e que traz a lembrança de bons momentos, como a criação da opção do básico na
engenharia, que permitiu que a disciplina Mecânica I, que eu ministrava somente para Navais, pudesse ser
cursada, a partir de 2010, por alunos de outras habilitações, o que promoveu maior cooperação entre alunos e
minha maior convivência com as outras engenharias.
Nesse grande dia para vocês, familiares e amigos, só posso desejar que nunca esqueçam seus sonhos e os
persigam com muita garra. Não dêem importância a rótulos. Rótulos são fenômenos que distanciam. Eles nos
separam dos outros. Dizia o escritor e aviador francês Exupéry “Se você quer construir um navio, não reúna
as pessoas só para tarefas e trabalhos; ensine-as a almejar a infinita imensidão do mar”. E o façam com muita
simplicidade, que não é um fenômeno espontâneo. A simplicidade precisa ser criada. E que busquem a
felicidade seguindo o conselho dado a Fernando Sabino. O segredo para ser feliz se resumia em 3 palavras:
“Pense nos outros”. E para fazê-lo, todo o conhecimento é apenas mais uma condição necessária, como na
música “Daquilo que eu sei”, do Ivan Lins e Vitor Martins. Só não devemos lavar as mãos, para que nos
sintamos cada vez mais limpos.
E, para finalizar, podem contar com esse colega e amigo quando precisarem, pois nunca estive nem estarei
“do outro lado” de vocês nem de seus futuros colegas. Depois de estudar tanta matemática, a principal lição
estava na música "The End" do disco dos Beatles que comprei em 1970, que representa a equação matemática
principal de equilíbrio: “E no final, o amor que você recebe é igual ao amor que você dá”. Que Deus me
permita estar sempre do lado de alunos, professores, funcionários e cidadãos que lutem, através de seu
trabalho e solidariedade, por um Brasil e mundo com oportunidades para todos!
Muito obrigado!