Camilo Pessanha é um - Assis

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Camilo Pessanha é um - Assis
X SEL – Seminário de Estudos Literários
UNESP – Campus de Assis
ISSN: 2179-4871
www.assis.unesp.br/sel
[email protected]
CAMILO PESSANHA E O FIN-DE-SIÉCLE
Paulo de Tarso Cabrini Júnior (Doutorando – UNESP/Assis – CAPES)
RESUMO: A proposta desta comunicação é lembrar o poeta português Camilo Pessanha (1867-1926) em
suas relações com três personagens da história literária francesa: Paul Verlaine (1844-1896), Arthur
Rimbaud (1854-1891) e Stéphane Mallarmé (1842-1898). A sua ligação com esses três ícones do fin-desiécle europeu se dá, não somente por aspectos formais, identificados em sua obra poética ou ensaística,
mas, também, pelo trabalho empreendido por Pessanha no sentido de fazer de sua vida uma verdadeira
“obra de arte” decadente.
PALAVRAS-CHAVE: Simbolismo; influência; Camilo Pessanha; poesia francesa.
Camilo Pessanha é um poeta bastante polêmico. E essa polêmica se deve a uma vida
desregrada passada quase que inteiramente na colônia portuguesa de Macau, na China. Muito
dessa polêmica, porém, é fruto de exageros propagados, tanto pelo próprio poeta, quanto por
seus adversários. Uma reabilitação de Camilo Pessanha começou a tomar forma, na década de
1980, e ganhou uma grande legitimidade, na década de 1990, principalmente em razão dos
esforços empreendidos por Paulo Franchetti, professor da Unicamp, e autor de uma importante
edição crítica do único livro publicado, em vida, por Pessanha: a Clepsydra, de 1920. No entanto,
ainda permanece, a esvair-se, a imagem de Pessanha como poeta desregrado, professor
relapso, misantropo, misógino, opiômano e, enfim, “suicida”. Vejamos com mais cuidado a
construção desta “lenda” simbolista, ou, para empregar um termo mais apropriado: desta lenda
fin-de-siécle.
Pessanha nasceu em Coimbra, em 1867, filho de um estudante de Direito e de uma
empregada doméstica. A diferença social entre seus pais jamais foi dirimida pelo casamento
civil, gerando uma situação bastante humilhante, que certamente marcou a psicologia do futuro
poeta, embora o fato tenha sido continuamente exagerado, ou acentuado, pela crítica.
Pessanha, em nenhuma circunstância, pareceu odiar o pai, por ter negado à sua mãe a
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dignidade do casamento, ou a si e a seus irmãos o reconhecimento da paternidade – o que só
ocorreu, no caso do poeta, aos 17 anos de idade, por ocasião de sua entrada na Universidade
de Coimbra. O pai – também, um “filho natural” da família Pessanha – era juiz de Direito, que,
em começo de carreira, via-se obrigado a constantes transferências, transformando a família em
algo sem raízes, pois estas só se criam pela longa permanência num lugar. O fato também deve
ter contribuído grandemente para a construção da psicologia de Pessanha, embora também
tenha sido um fato exagerado pela crítica – assim como certa paralisia no olho, da qual o poeta
nunca se queixou, em nenhum de seus escritos...
Em 1894, Pessanha parte para Macau, na China, onde assumiria as aulas de Filosofia,
no recém-criado Liceu daquela cidade. A crítica, sempre pelo viés biográfico, viu nessa viagem
(e nesse “exílio”) uma reação ao pedido de casamento, negado por Ana de Castro Osório, irmã
de seu melhor amigo, Alberto Osório de Castro. Uma cena “romântica” estava, assim, preparada:
Camilo Pessanha interna-se nos “confins” da Terra, em razão de um amor não correspondido...
E torna-se misantropo, por força desse mesmo “amor” malogrado... Acontece que, de acordo
com Paulo Franchetti, essa viagem teve motivos muito mais financeiros do que de qualquer outra
ordem: Pessanha simplesmente não via meios de ganhar a vida em Portugal como advogado de
província – profissão que tentou exercer, por algum tempo. E, certamente, não via com muita
satisfação o fato de permanecer em Portugal, tendo as vistas alargadas pelo horizonte colonial
que se descobria então...
Dono de um temperamento ferino, consta que teve muitos desafetos, mas, talvez, seja
muito exagerado dizer que fosse misantropo, já que teve, também, amigos fiéis. Vivendo com
uma mulher chinesa, de quem teve um único filho, não reconheceu civilmente nenhuma das
duas ligações, repetindo a “maldição” de sua família. Mas, ainda assim, nada consta que
corrobore a sua fama de misoginia... Várias excentricidades, ainda, constam a respeito do
professor Pessanha, em depoimentos de colegas e alunos, mas, nada que o faça detestável a
quem não o tenha conhecido pessoalmente: ler, por exemplo, que o professor levava,
constantemente, o seu cachorro, o Arminho, às aulas, e que o mesmo ficava aos pés da mesa,
não é propriamente uma coisa antipática; muito pelo contrário: depõe a favor de um “à vontade”
que Pessanha sentia em seu novo “lar” – embora essa palavra jamais tenha sido usada por
Pessanha para se referir a Macau... Ler que o professor, constantemente, perdia-se nos
horários, atrasando-se ou avançando o tempo das aulas de outros professores, comentando
assuntos que tomavam dias e meses, sem cuidar da cronologia necessária às suas exposições,
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é construir, do mesmo modo, a imagem de um professor à vontade em sua profissão – ainda que
tais atitudes não sejam, de nenhum modo, aconselháveis. Dizer, portanto, que Camilo Pessanha
tenha sido um professor “relapso” é um exagero que pode facilmente ser combatido pelos
depoimentos de ex-alunos, todos corroborando a idéia de um professor realmente admirável.
Enfim, os exemplos poderiam seguir indefinidamente. É certo dizer, com Franchetti,
que havia em Pessanha uma vontade de construir imagens de si mesmo à maneira
decadentista, o que se nota, principalmente, pelas fotografias que nos deixou. Em muitas delas
aparece como digno professor e juiz de direito. Em outras, porém, veste-se como dândi. Há
algumas, mesmo, em que aparece como um próprio “performático” do Decadentismo. E outras
em que surge “fantasiado” de mandarim chinês; mas, nada há que se compare ao verdadeiro
“teatro” das fotos tiradas na Chácara do Leitão, em 1921: nessas fotos, Camilo Pessanha
aparece em andrajos, semelhante a um mendigo, acompanhado de seus cães, e exprimindo um
sorriso de satisfação com a blague, ou querendo comunicar, com esse sorriso, algo de
misterioso, como uma Mona Lisa moderna: que “personagem”, afinal, seria esse “mendigo”?...
Um filósofo chinês?... Um monge mendicante?... Poeta “exilado”, numa praia deserta?... Um
Robinson Crusoe, talvez?...
Pessanha contribuía, e muito, para a construção de seu “mito” decadentista. É tarefa
dos investigadores separar o fingimento da verdade, ou, já que o fingimento e a verdade são por
demais indissociáveis, é nossa tarefa distinguir os aspectos da realidade. Isso evitará que
caiamos em partidarismos e em leituras muito parciais de sua biografia e, por que não dizer, de
sua obra poética.
Em um poema de 1895, Pessanha insere uma epígrafe de Verlaine: “Il pleure dans
mon coeur / Comme il pleure sur la ville.” O poema em questão é aquele freqüentemente
intitulado “Água morrente”. Isso não bastaria para apontar uma influência do poeta francês sobre
sua obra – quando muito, sobre um único poema. Na verdade, a influência de Verlaine sobre
Pessanha é muito maior, tendo sido estudada, já, por pesquisadores como Maria de Lourdes
Belchior e Jacinto do Prado Coelho (v. Referências Bibliográficas). Haveria, porém, uma
influência verlaineana no fato de Pessanha propagar uma imagem escandalosa de si mesmo?
Talvez. Haveria, talvez, uma “vontade” a mover seus críticos mais ferozes na direção de uma
comparação “biográfica” entre Pessanha e Verlaine? Isso é bem possível. Por bem ou por mal,
teria havido, com muita probabilidade, essa vontade de aproximar o poeta português do poeta
francês. Por bem ou por mal, repetimos.
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Nos Poèmes saturniens, de Verlaine (1866), lemos as peças “Uma dália” e “Crepúsculo
da tarde mística”, que tanto nos lembram a “dália” de Camilo Pessanha, no soneto “Foi um dia
de inúteis agonias”. Começamos a sair dessa aproximação “biográfica” que não leva a nada, e
vamos para a poesia, que é o que nos interessa.
O clima despertado pelo poema “Em surdina”, das Fêtes galantes (1869), lembra o “Se
andava no jardim”, de Camilo Pessanha.
“E no sempre igual”, de Romances sans paroles (1874), é um poema que nos lembra
todo o clima de “Branco e vermelho”, de Pessanha:
E no sempre igual
Tédio do deserto
O nevoeiro incerto
Luz como o areal.
[...]
“A hora do pastor”, dos Poèmes saturniens, lembra o “Fonógrafo”, de Pessanha, e as
“Arietas esquecidas”, do Romances sans paroles, lembra “Crepuscular”. “As conchas”, de Fêtes
galantes, e o “Voto final”, de La bonne chanson (1870), lembram o soneto “Esvelta surge!”. “Sub
urbe”, de Poèmes saturniens, remete-nos ao “Violoncelo”, de Pessanha. Mas, de todos os seus
poemas, aqueles que mais parecem provir de Verlaine são os sonetos “Quando se erguerão as
seteiras”, “Floriram por engano as rosas bravas”, “Depois da luta e depois da conquista” e
“Desce em folhedos tenros a colina”.
Vejamos, primeiramente, “Quando se erguerão as seteiras”: o poema ecoa nas
seguintes peças de Verlaine: “Sub urbe” (já citado), “Voando, agora, vai, canção...” e,
principalmente, em “Ah! Uma Santa em sua auréola...” (de A boa canção, 1870).
Une Sainte en son auréole,
Une Châtelaine en sa tour,
Tout ce que contient la parole
Humaine de grâce et d'amour;
La note d'or que fait entendre
Un cor dans le lointain des bois,
Mariée à la fierté tendre
Des nobles Dames d'autrefois ;
Avec cela le charme insigne
D'un frais sourire triomphant
Éclos dans des candeurs de cygne
Et des rougeurs de femme-enfant ;
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Des aspects nacrés, blancs et roses,
Un doux accord patricien :
Je vois, j'entends toutes ces choses
Dans son nom Carlovingien.
Em “Desce em folhedos tenros a colina”, temos uma “influência” dos poemas de
Verlaine: “Voando, agora, vai, canção...”, “Em seu vestido gris”, “E bem antes de partires” (todos
de A boa canção). Em “Depois da luta e depois da conquista”, notamos o eco de “Sub urbe” e
“Será por tarde” (também de A boa canção, 1870). E, em “Floriram por engano as rosas bravas”,
temos o eco de “Será por tarde”, “A despeito dos maus...” (A boa canção) e “Colóquio
sentimental” (das Fêtes galantes).
Donde concluímos que o livro de Verlaine onde mais se ouve ressoar a “voz” de
Camilo Pessanha é La bonne chanson, de 1870, embora o poema que mais apareça “ecoado”
em Pessanha seja “Sub urbe”, dos Poèmes saturniens.
Cabe ao estudante interessado averiguar e rechaçar, se for o caso, os apontamentos
que imprimimos aqui. Seria desconsideração com o leitor poupar-lhe o prazer de procurar e
descobrir, por si mesmo, a procedência do que afirmamos. Terá o prazer de descobrir, por
exemplo, que a “desarticulação sintática”, que muitos críticos atribuem ao contato de Camilo
Pessanha com a poesia chinesa, pode muito bem ser atribuível ao Verlaine das “Paysages
belges”. E concluirá, talvez, conosco, que ambas as influências devem ter se juntado a outras, a
fim de produzir, no psiquismo de Pessanha, a novidade formal de sua poesia.
Vejamos agora, como essa poesia se articula em relação a uma outra influência,
embora menos provável: a de Stéphane Mallarmé. O que nos moveu a procurar essa influência,
em primeiro lugar, foi a grande atenção dada por Camilo Pessanha aos aspectos visuais do
poema, tais como a ortografia e a disposição gráfica das peças. Poemas como “Se andava no
jardim” e a versão de 1920 para o poema “Quando se erguerão as seteiras”, sugerem algo que
Verlaine não antecipou: o papel das marcas gráficas na construção da poesia. Em ambos os
poemas, Pessanha se utiliza da pontuação para construir verdadeiras estrofes de silêncio, ou de
expectação, que, uma vez pensadas no contexto da declamação, adquirem um sentido muito
profundo. De onde lhe terá vindo a idéia de construir, ou de incorporar esses espaços “em
branco”?...
Estamos longe de sugerir que Camilo Pessanha tenha lido Mallarmé... Mas, não deixa
de ser curioso folhear os poemas do francês e descobrir semelhanças com os do português.
Senão, vejamos.
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Em “Apparition”, Mallarmé termina dizendo “laissant toujours de ses mains mal fermées
/ Neiger de blancs bouquets d´étoiles parfumées”, o que nos remete ao soneto “Floriram por
engano as rosas bravas”.
“Renouveau” lembra “Crepuscular”, de Pessanha, ainda que a expressão “hiver lucide”,
em “L´hiver, saison de l´art serein, l´hiver lucide”, nos remeta ao soneto “Foi um dia de inúteis
agonias”.
“Une negrésse”, com seu verso “Pâle et rouge comme un coquillage marin”, leva-nos a
“Esvelta surge!”, de Pessanha, ainda que o tema da “concha” seja relativamente comum, na
poesia do fim-de-século...
No mais, a complexidade vocabular de Mallarmé, e a sua complexidade sintática, estão
mais próximas de Pessanha do que os poemas de Verlaine, mais diretos, digamos assim, com a
exceção das “Paysages belges”. Os títulos referentes à música (Chanson bas, “petit air”, ...)
também nos levam a Pessanha, bem como a “glacialidade” mallarmeana, que ecoa em
praticamente todos os sonetos do poeta português.
Poderíamos dizer que “Tristesse d´été” e “L´azur” lembram, respectivamente, “Esvelta
surge!” e “Branco e vermelho”. Mas nenhuma dessas semelhanças se compara àquela
encontrada entre o poema “Quando se erguerão as seteiras” e os dois poemas de Mallarmé,
“Placet futile” e “Les fênetres”.
A fim de visualizarmos essas semelhanças, imprimimos as peças em questão:
Quando se erguerão as setteiras,
Outra vez, do castello em ruina,
E haverá gritos e bandeiras
Na fria aragem matutina?
Se ouvírá tocar a rebate
Sobre a planicie abandonada?
E sahiremos ao combate
De cota e elmo e a longa espada?
Quando iremos, tristes e sérios,
Nas prolixas e vãs contendas,
Soltando juras, improperios,
Pelas divisas e legendas?
E voltaremos, os antigos
E purissimos lidadores,
(Quantos trabalhos e perigos!)
Quasi mortos e vencedores?
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E quando, ó Dôce Infanta Real,
Nos sorrirás do belveder?
—Magra figura de vitral,
Por quem nós fomos combater...
(Placet futile)
Princesse! à jalouser le destin d'une Hébé
Qui point sur cette tasse au baiser de vos lèvres;
J'use mes feux mais n'ai rang discret que d'abbé
Et ne figurerai même nu sur le Sèvres.
Comme je ne suis pas ton bichon embarbé
Ni la pastille ni du rouge, ni jeux mièvres
Et que sur moi je sens ton regard clos tombé
Blonde dont les coiffeurs divins sont des orfèvres!
Nommez-nous... toi de qui tant de ris framboisés
Se joignent en troupeau d'agneaux apprivoisés
Chez tous broutant les voeux et bêlant aux délires,
Nommez-nous... pour qu'Amour ailé d'un éventail
M'y peigne flûte aux doigts endormant ce bercail,
Princesse, nommez-nous berger de vos sourires.
(Les fênetres)
Las du triste hôpital, et de l’encens fétide
Qui monte en la blancheur banale des rideaux
Vers le grand crucifix ennuyé du mur vide,
Le moribond surnois y redresse un vieux dos,
Se traîne et va, moins pour chauffer sa pourriture
Que pour voir du soleil sur les pierres, coller
Les poils blancs et les os de la maigre figure
Aux fenêtres qu’un beau rayon clair veut hâler,
Et la bouche, fiévreuse et d’azur bleu vorace,
Telle, jeune, elle alla respirer son trésor,
Une peau virginale et de jadis ! encrasse
D’un long baiser amer les tièdes carreaux d’or.
Ivre, il vit, oubliant l’horreur des saintes huiles,
Les tisanes, l’horloge et le lit infligé,
La toux ; et quand le soir saigne parmi les tuiles,
Son œil, à l’horizon de lumière gorgé,
Voit des galères d’or, belles comme des cygnes,
Sur un fleuve de pourpre et de parfums dormir
En berçant l’éclair fauve et riche de leurs lignes
Dans un grand nonchaloir chargé de souvenir !
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Ainsi, pris du dégoût de l’homme à l’âme dure
Vautré dans le bonheur, où ses seuls appétits
Mangent, et qui s’entête à chercher cette ordure
Pour l’offrir à la femme allaitant ses petits,
Je fuis et je m’accroche à toutes les croisées
D’où l’on tourne l’épaule à la vie, et, béni,
Dans leur verre, lavé d’éternelles rosées,
Que dore le matin chaste de l’Infini
Je me mire et me vois ange ! et je meurs, et j’aime
— Que la vitre soit l’art, soit la mysticité —
À renaître, portant mon rêve en diadème,
Au ciel antérieur où fleurit la Beauté !
Mais, hélas ! Ici-bas est maître : sa hantise
Vient m’écœurer parfois jusqu’en cet abri sûr,
Et le vomissement impur de la Bêtise
Me force à me boucher le nez devant l’azur.
Est-il moyen, ô Moi qui connais l’amertume,
D’enfoncer le cristal par le monstre insulté
Et de m’enfuir, avec mes deux ailes sans plume
— Au risque de tomber pendant l’éternité ?
Isso sem dizer que a “magra figura de vitral” (ou a “maigre figure”, de “Les fênetres”)
também está presente em “Sainte”, um dos poemas mais admirados de Mallarmé.
À la fenêtre recelant
Le santal vieux qui se dédore
De sa viole étincelant
Jadis avec flûte ou mandore,
Est la Sainte pâle, étalant
Le livre vieux qui se déplie
Du Magnificat ruisselant
Jadis selon vêpre et complie :
À ce vitrage d’ostensoir
Que frôle une harpe par l’Ange
Formée avec son vol du soir
Pour la délicate phalange
Du doigt que, sans le vieux santal
Ni le vieux livre, elle balance
Sur le plumage instrumental,
Musicienne du silence.
Nossa breve comunicação não poderia deixar de lado um outro ícone do fin-de-sécle
europeu, com o qual Camilo Pessanha mantém uma certa afinidade. E uma afinidade, em certa
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medida, involuntária. Trata-se de Arthur Rimbaud, o poeta que, depois de implodir a poesia
ocidental, tratou de refugiar-se na vida prática, afastando-se de tudo o que pudesse dizer
respeito à literatura. Entre os livros que tinha em sua biblioteca, que, hoje, sabemos espoliada, e
cujos restos permanecem guardados, em Macau, Camilo Pessanha possuía, pelo menos, um
exemplar de Rimbaud, confirmadamente (v. PESSANHA, 2004, p. 202-30). A influência de
Rimbaud, porém, não se reflete propriamente na poesia, mas em suas fotografias. Naquelas
fotografias de um “exilado”, de um “retirado” da vida ocidental, no lado poseur de Camilo
Pessanha, Poseur de Rimbaud, nas fotografias da Chácara do Leitão. Poseur de um “suicida
social”, como o poeta francês, em roupas rústicas, fotografado numa rústica Abissínia.
Terminamos a nossa comunicação e surge um problema, de que gostaríamos de
tratar, a fim de preencher o espaço que ainda nos é destinado a escrever. Gostaríamos de tratar
da questão da “influência”, tão citada no corpo deste texto, e que merece, ou requer, algumas
considerações. A “influência” de que tratamos não se refere propriamente à influência de um
homem vivo sobre outro homem vivo, mas, também, à influência de um mesmo espírito, que
paira, freqüentemente, sobre os homens, e que move, muitas vezes, expressões semelhantes,
de pessoas absolutamente distintas. Assim, a influência de Verlaine sobre Pessanha, talvez,
possa ser mais tácita, respeitante a uma relação homem a homem. Entretanto, uma influência
mallarmeana, por menos documentada, pode ser atribuível ao mesmo “espírito”, tratando-se de
uma comunicação recebida por duas pessoas distintas. Um espírito de época, talvez, como
diriam os alemães. O mesmo “espírito” que faz evocar, nos versos de “Imagens que passais pela
retina” (“Flexão casual de meus dedos incertos”) o piano de Débussy, que Camilo Pessanha,
possivelmente, jamais terá ouvido.
Referências bibliográficas
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