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JORNAL DA ABI - O ENTERRO DO CORPO DO
JORNALISTA MOBILIZOU CERCA DE 200 MIL
PESSOAS QUE EXIGIAM MUDANÇAS NA CONDUÇÃO DO PAÍS. N OS DIAS DE HOJE O CRIME
TERIA A MESMA REPERCUSSÃO?
Roberto Sander - Hoje em dia haveria
também repercussão, mas não a ponto
de fazer a cidade parar. Infelizmente, a
violência está banalizada. O que aconteceu na época foi uma indignação generalizada, inimaginável nos dias de
hoje. Até os cinemas fizeram um minuto de silêncio. Além disso, um jogo do
Campeonato Carioca – Flamengo x América –, que se realizaria naquele dia, foi
adiado. Tudo isso mostra o quanto o caso
teve impacto. Dez por cento da população do Rio de Janeiro acompanharam o
cortejo de Nestor Moreira. Proporcionalmente, é como se hoje um milhão de
pessoas protestassem num caso semelhante. No máximo, umas 200 pessoas
comparecem atualmente a manifestações desse tipo. Como já disse, nos acostumamos com a violência.
JORNAL DA ABI - O QUE MUDOU NA IMPRENSA E NA POLÍTICA BRASILEIRA DESDE ENTÃO?
Roberto Sander - Atualmente, tudo é
mais discreto. Na época, os jornais manifestavam explicitamente sua posição
política. O papel de prestador de serviço dos jornais não existia. Eles eram
meros veículos que expressavam os interesses dos seus proprietários. É lógico
que isso permanece, mas de uma forma
muito menos escancarada. Politicamente, a coisa evidentemente também mudou. Mas os ataques pessoais que estão
caracterizando a atual campanha para a
Presidência da República lembram muito
aquela época.
JORNAL DA ABI - ESTE É O SEU OITAVO LIO QUE O DIFERENCIA DOS DEMAIS?
Roberto Sander - Meus livros são, em
última instância, grandes reportagens.
Procuro ser claro, objetivo e escrever de
forma enxuta. Nada de gordura. Cada
linha tem uma informação, tem uma
razão de ser. Tudo isso está apoiado em
pesquisa, em apuração incansável. Não
me considero um escritor ,e sim um repórter que escreve livros.
VRO.
JORNAL DA ABI - QUAIS SÃO OS SEUS PROJETOS LITERÁRIOS PARA O FUTURO?
Roberto Sander - Hoje em dia tenho
uma editora, a Maquinária, em parceria
com o amigo e também jornalista Paschoal Ambrósio Filho. É a realização de
um grande sonho. Trabalhar escrevendo e editando livros. Estou começando
a levantar dados para um livro sobre os
50 anos do golpe de 64. É só pra daqui a
uns três anos, mas já ando lendo muito
sobre o período.
Eco: Além das baleias,
temos de salvar os livros
POR RITA BRAGA
“Os livros nos deleitam quando a
prosperidade nos sorri, confortam-nos
durante as borrascas da vida. Robustecem os propósitos humanos, sustentam todo severo juízo. As artes e as ciências, cujas virtudes dificilmente se
pode conceber, baseiam-se nos livros.
Quão alto podemos estimar o admirável poder
dos livros, pois que através deles podemos considerar os extremos limites do mundo e do tempo, as coisas que são e as
que não são, quase fixando o olhar no espelho da eternidade.”
Estas palavras, com as
quais Richard de Bury
testemunha a bibliofilia
em 1345, são o início de
uma das citações apresentadas por Umberto Eco (foto no alto,
à direita) em seu livro A Memória Vegetal e Outros Escritos Sobre Bibliofilia (Editora Record, 2010). A obra reúne conferências e artigos do semiólogo, professor e escritor, com conteúdos que despertam reflexões sobre a nossa relação
com o livro e com a leitura em diferentes tempos, suportes e situações. Mas
bastariam essas primeiras palavras para
explicar as motivações de um bibliófilo?
Para alguns, sim. Porém, Umberto
Eco destaca a necessidade de distinguir
a bibliofilia da bibliomania e outras sutilezas do colecionismo. Há, neste conjunto de escritos, um conceito de humanidade – de ser humano como, antes de
tudo, “um fato de memória” – conforme
Valéry, também citado por Eco. Nossa
relação com o tempo e com o esquecimento faz parte da história deste objeto
que para muitos “é um meio de superar a morte”, mantendo no mundo presenças, idéias e individualidades.
Com um passeio pela História, Eco
discute a participação do livro na aquisição de uma memória coletiva, com
referenciais e conhecimentos transmitidos que nos transformam diariamente. O suporte desta memória também
teve sua estrutura transformada em diferentes contextos – tivemos uma memória mineral, em distintas escrituras
em pedra e argila; orgânica, registrada em
couro de animais; mas, mesmo em nossa contemporaneidade permeada pelo silício que garante o suporte digital, é no
papel que estão registradas, ainda hoje,
grande parte das informações.
Um tópico levantado de maneira breve, mas pertinente, é a posição de Platão acerca da escrita
como geradora de enfraquecimento da memória. A reflexão
nos conduz ao fato de que a
abundância de informação
muitas vezes gera ignorância, em vez de
conhecimento. Porém, por isso mesmo,
vê-se que em nosso apego à concretude do texto há ainda uma série de questões e mazelas entrelaçadas. Para começar, considera a situação dos analfabetos dentro deste contexto social, pois
os livros são hoje, mais do que nunca,
uma potencialização da memória que
insere e exclui historicamente dados e indivíduos. Claro que o assunto
entra em detalhes óbvios, mas nem sempre percebidos na pressa cotidiana da informação – por
exemplo, será tão evidente a todos o fato de
que ler “nos ajuda a não
acreditar nos livros”?
Então, como educar-se
para escolher, para distinguir o que merece e o
que não merece crédito?
Aliás, o livro traz também uma série
de considerações sobre os critérios adotados por colecionadores e bibliófilos, e
chega a expor algumas “esquisitices” intrínsecas a cada perfil de colecionador,
como o caso dos bibliômanos que chegam a roubar livros e muitas vezes mantê-los com as páginas intocadas apenas
pelo prazer de possuí-los secretamente.
Para Umberto Eco, o bibliômano que jamais lê sequer uma página de seus livros
não é diferente do bibliófobo ou biblioclasta, que os condena ao esquecimento ou os destrói. Enquanto isso, os bibliófilos são aqueles que os folheiam, que
os estudam, sem jamais cogitar a “completude” da coleção. Amam e cuidam dos
livros, mas nem por isso escapam da
angústia de não saber a quem mostrar
seus tesouros.
O leitor percebe o quanto Eco escreve mais uma vez com o gosto da própria
experiência. Ao discorrer sobre a forma,
a qualidade, a vida útil e as peculiaridades de cada exemplar, acumula argumentos para que cada livro seja “amado” por
muito mais que seu conteúdo. Ousa até
a conclusão de que a formação de uma
boa biblioteca denota um desejo pessoal que ultrapassa limites de propriedade. Trata-se de um ambiente vivo, autônomo, e em sua diversidade de livros é
até mesmo “um lugar que os lê por nós”.
As obras e autores brevemente comentados no texto incluem alguns “lou-
DIVULGAÇÃO
da imprensa, sempre tão ameaçada. Esse
é um dos grandes pilares de uma democracia. Nestor Moreira morreu porque
suas matérias incomodavam o poder.
Tentaram calá-lo, mas não conseguiram.
Ele se tornou um mártir. E isso não pode
ser esquecido. O seu martírio merecia ser
resgatado. Por isso, encarei esse livro
como uma missão. A missão de um repórter, que é o que sou. Apenas um repórter.
cos literários” – com suas edições sobre
“a possibilidade de abolição da morte”
e tratados sobre “a estatura de Adão”,
por exemplo.
Há também uma explanação sobre
os critérios remotos para que um texto merecesse ou não ser publicado, e
neste aspecto, destaca, inclusive com alguma curiosidade, a situação daqueles
a quem ele chama de autores e filósofos “de quarta dimensão” – que são mais
precisamente, “os autofinanciados”. A
classificação pode ser resumida em: primeira dimensão, os autores com trabalhos encontrados em manuscritos; de
segunda, os inúmeros publicados, muitas vezes, condenados ao anonimato; de
terceira, são os que fizeram algum sucesso e são reconhecidos ainda hoje.
Os de quarta dimensão, para Eco,
estão também entre aqueles que raramente alcançam um reconhecimento,
e acabam se perdendo na multidão. Porém, ao comentar casos emblemáticos
do passado, o autor nos aponta reflexões bastante contemporâneas, pois
afinal, o que serão dos milhões de impressos produzidos em nosso tempo?
O que ficará como referência para as
próximas gerações?
Além de tudo, vale lembrar, a linguagem de Eco é um prazer à parte. Ao expor seu nada secreto amor pelo livro, ele
aciona no leitor as mais diversas metáforas que aprofundam conceitos e significados. Como exemplo, pode-se citar passagens como aquela em que, ao
discutir a relação do leitor com o objeto livro, mostra que ler é ir muito além
do conteúdo, afinal: “jogar fora um livro depois de lê-lo é como não desejar
rever a pessoa com a qual acabamos de
ter uma relação sexual”. Outra passagem inusitada é seu comentário acerca
dos “belos rendados” produzidos por
brocas que ameaçam o texto.
Enfim, em A Memória Vegetal, Umberto Eco reafirma mais uma vez que não
tem medo de a onda tecnológica empurrar o livro para o aparentemente ilimitado mundo virtual. Em todo caso, ele
não deixa de apoiar e vivenciar a bibliofilia, reconhecendo nela “um ato de piedade e solicitude ecológica” – diz – “porque não devemos salvar apenas as baleias, o urso do Abruzzo, mas também
os livros”. Salvá-los do descuido, do
descaso, dos lugares inóspitos e também das mãos que os condenam aos
lugares inalcançáveis, longe dos leitores.
Jornal da ABI 359 Outubro de 2010
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