Camarim 35 - Cooperativa Paulista de Teatro

Transcrição

Camarim 35 - Cooperativa Paulista de Teatro
uma publicação da cooperativa paulista de teatro • ano 8 • nº 35 • jul/ago/set 2005
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SERVIÇOS
PALAVRA DA COOPERATIVA
A Hora da Cultura – Manifesto
POLÍTICA CULTURAL
Políticas de Estado Para a Cultura em Compasso de Espera
Ney Piacentini
Mobilização Permanente
Renata de Albuquerque
Sobre o Fundo
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TADEUZ KANTOR
O Trabalho de Kantor
Michal Kobialka
Manifesto O Teatro da Morte
Tadeusz Kantor
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ENTREVISTA
SESC Aposta no Valor da Cultura
Com Danilo Santos Miranda
REPORTAGEM
Arte no Quintal
Renata de Albuquerque
COOPERATIVA EM NOTÍCIAS
Apresentação de Camarim
EXPEDIENTE
O teatro, como é de sua natureza, resiste ao arquivo e ao
museu.
Assim, as páginas de Camarim pautam-se pelo
movimento, sofrem seus avanços e refluxos e, como a cena,
denunciam o nível de consciência que temos de nosso trabalho
em seu momento atual, flagrando os vínculos que lhe
conferem relevância.
Se o momento é de organização e luta, radicalização de
um processo cujos contornos se definem pelo confronto
direto com a pasmaceira institucional e a norma da
acomodação, as páginas de nossa revista reclamam também
seu momento de reflexão e elaboração dessa experiência,
abrindo-se para além da perplexidade e da paralisia,
esposando o que há de mais radical nas tentativas de
superação de nossas condições atuais de produção e criação –
condições não apenas da arte, mas de nossa sociedade cada
vez mais dependente e sua sociabilidade rarefeita.
Camarim, portanto, quer abarcar toda a cena, e além da
cena. A autonomia de suas páginas reflete a autonomia de
nosso teatro, e essa é a condição de sua existência.
Camarim é uma publicação da Cooperativa Paulista de Teatro – Ano 8 – Número 35 – Julho/
Agosto/Setembro 2005 • Editor: José Fernando Peixoto de Azevedo • Jornalista Responsável:
Renata de Albuquerque (Mtb 30.228/SP) • Conselho Editorial: Ney Piacentini (Diretoria) •
Diagramação: Pedro Penafiel • Impressão: Hanabi • Foto de Capa: A Classe Morta, (Manequins
de Crianças), de Tadeusz Kantor, 1975 • Tiragem: 3000 exemplares • Distribuição Gratuita
Praça Roosevelt, 82 • Consolação • CEP 01303-020 • São Paulo • SP
Telefone: (11) 3258-7457 • Fax: (11) 3151-5655 • [email protected]
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serviços
Carlos Biaggiolli, Alexandre Terreri,
Roberto Rosa, Cenne Gotts (da nova
diretoria) e Luiz Amorim, ex-presidente da
Cooperativa (ao centro), durante posse da
nova diretoria no prédio da nova sede
Nova sede
◗ A SEDE PRÓPRIA DA COOPERATIVA já é uma realidade. Depois
de meses de procura, o novo endereço da CPT já está confirmado: Praça Dom José Gaspar, 30 – 4º andar. As reformas no
local já estão sendo feitas e, em breve, a mudança será anunciada. Fique atento!
Atualização cadastral
◗ A COOPERATIVA está promovendo uma atualização no cadastro
dos cooperados, para facilitar o atendimento. Por isso, não deixe
de entrar em contato com a Thaís, no telefone 3258-7457, ramal
204 para informar dados como seu e-mail, endereço e telefone.
Biblioteca da CPT
◗ A NOVA SEDE DA CPT vai contar com uma biblioteca, para que
os cooperados possam realizar consultas a livros e outras publicações relacionadas a teatro. Por isso, se você quiser doar algum
material para fazer parte do novo acervo, entre em contato com a
Mayra. São aceitos livros sobre artes cênicas, revistas, textos teatrais e publicações em geral.
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MANIFESTO
◗ HÁ DOIS ANOS o Presidente Luiz Inácio
Lula da Silva foi eleito portador e representante da esperança e dos sonhos dos milhões
de cidadãs e cidadãos brasileiros que acreditavam ter chegado a hora de verem concretizadas as lutas empreendidas pela sociedade
civil, desde os anos da ditadura militar, por
uma sociedade justa e democrática. Papel
importante e singular teve a área cultural e,
em particular, o Teatro nas lutas sócio-políticas pela democratização.
Hoje assistimos, estarrecidos, à incompreensão por parte dos responsáveis e gestores executivos da Política e do Orçamento Público, que
tratam a área cultural como se nenhuma importância tivesse para a Sociedade. A exemplo
das políticas gestadas em governos anteriores,
os trabalhadores e trabalhadoras da cultura ainda são vistos como criadores de Mercadorias.
Continuamos entregues às regras injustas e discricionárias do Mercado. Continuam a imperar
os guichês que, em sua tradição secular, favorecem apenas aqueles que têm acesso ao poder e
aos que administram a “coisa” pública. A censura política, outrora responsável pela tutela e
pela definição do que era ou não cultura, tornou-se obsoleta diante da censura econômica
existente e exercida através das Leis de Incentivos, que proliferam pelo país. A conseqüência
mais visível é a permanência do recorte de classe, que define o verdadeiro apartheid cultural
em que vivemos, e que divide a sociedade entre
os brasileiros e brasileiras que podem usufruir
da produção artística e aqueles – ampla maioria – que não o podem.
Quando são agitadas as bandeiras das reivindicações populares do DIREITO À CULTURA, nos acenam com as promessas de um porvir. No entanto, exercendo o ofício da arte, sabemos não haver futuro se não trabalharmos
com a matéria presente. Por isso, tendo exercido a paciência e a compreensão que nos exigiu
o tempo histórico, é chegada a hora de virmos a
público expor à sociedade o descaso com a área
cultural e, em particular, com as Artes Cênicas.
Para reverter este quadro exigimos:
✔ Lançamento e execução imediata dos editais para os programas “Myriam Muniz” e
“Klaus Viana” de fomento às Artes Cênicas,
já articulados pela Funarte.
✔ Implementação e manutenção de ações públicas que possam reverter a crise pela qual atravessam as Artes Cênicas, com programas de fomento à criação, fruição e circulação, para além
da perspectiva mercadológica, e que se destinem
ao usufruto da maioria da população brasileira.
✔ Abertura do Fundo Nacional de Cultura,
de forma transparente e democrática, propiciando o acesso da sociedade civil ao FNC.
✔ Estímulo às Políticas Públicas para a área
cultural que permitam de fato o acesso universal de todos aqueles que criam o “bem simbólico” nacional, e não apenas da elite que
vem se beneficiando das ações pontuais e
discriminatórias do Estado.
✔ Neste sentido: reformulação das Leis de
Incentivo para que cumpram o fim determinado para o qual foram criadas.
✔ Democratização do acesso aos mecanismos de apoio e patrocínio das ESTATAIS e
estímulo à criação de editais com comissões
públicas e compartilhadas de julgamento, por
mérito, dos projetos.
✔ Concretização das ações em discussão no
Ministério da Cultura, com o envolvimento
do Congresso Nacional, transformando-as em
Leis que regulamentem a ação governamental no âmbito da União, do Estado e dos Municípios, tendo em consideração a diversidade e pluralidade da realidaCONVOCAÇÃO
de brasileira.
O texto desse manifesto circula em todo país, seguido de um abaixo✔ Ampliação e aplicação
assinado reivindicando o imediato descongelamento e o aumento para
real do orçamento do Minis2% do orçamento da União para Cultura. Grupos e artistas devem
tério da Cultura, que possa
retirar cópia na sede da Cooperativa. Maiores informações 3258-7457.
atender às demandas do país.
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palavra da cooperativa
A hora da cultura
política cultural
Políticas de Estado para a cultura
em compasso de espera
A nova diretoria da Cooperativa Paulista de Teatro tomou posse em
maio. Leia a seguir o discurso de posse do novo presidente, em
que faz uma análise do atual panorama da política cultural
“Não apenas a rotinização da cultura,
mas a tentativa consciente de arrancá-la
dos grupos privilegiados para transformála em fator de humanização da maioria,
através de instituições planejadas”.
Antonio Candido, no prefácio de
Mário de Andrade por ele mesmo, de
Paulo Duarte
◗ A ANOTAÇÃO DE ANTONIO CANDIDO a respeito do projeto de Mário de Andrade à frente do Departamento de Cultura na São Paulo dos anos 30 permanece como indicativo
de uma tarefa insuperada. Nesta síntese
exemplar, Candido aponta as idéias mestras
de um plano de gestão que alinhava a um só
tempo a clara posição política e a visada estratégica que ainda hoje o Estado insiste em
ignorar. Setenta anos depois, Governo federal, Estados e Municípios assumem francamente o lavar as mãos diante da tarefa constitucional de tratar os bens culturais, sua criação, fruição e difusão como direito da sociedade inteira. A arte, a formação artística e a participação na discussão do pensamento permanecem como latifúndios
simbólicos exclusivos das elites.
A exemplo do processo social brasileiro visto integralmente, o momento atual só confirma, no campo da
produção artística, os enormes
contrastes criados com a mercantilização que se
Chico Cabreira
estende por todas transfere o cargo a
as áreas do fazer.
Ney Piacentini, na
No caso específico cerimônia de posse
das políticas de inda nova diretoria
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cremento à criação, sofisticou-se e legitimouse a desigualdade, através de um instrumento jurídico que legaliza a transferência dos
deveres do Estado para a iniciativa privada.
As Leis de Incentivo, cujo modelo é a Lei
Sarney, criada em meados dos anos 80, multiplicam nas diversas legislações regionais
Brasil adentro um paradigma que não só perpetua a injustiça no uso do dinheiro público
como normaliza certa visão elitista e privilegiada do que seja a cultura.
O que se pode ver com a maior clareza é o
desvio, devidamente legitimado, do recurso
público, para atividades quase sempre de
apelo midiático e de promoção das marcas
empresariais. Essa dinâmica só tem reforçado o verdadeiro apartheid entre os que podem vivenciar – como criadores ou fruidores – os bens artísticos e culturais e os que
permanecem, como sempre estiveram, à
margem do processo da invenção e do investimento nas potencialidades criativas.
O governo Lula, rendido ao modelo descrito acima, anuncia que a captação de recursos via Lei Rouanet cresceu em 2004 cer-
ca de dez por cento em comparação com o
ano anterior. Não interessa discutir o modelo, apenas apontar os resultados. Por outro lado o governo federal, na mais acertada intenção de criar canais mistos de discussão, convoca fóruns e seminários, cria
as câmaras setoriais para organizar e debater demandas. Mas a macro-política cuida
de inutilizar estas ações. É que na paralela
o Minc trabalha com a perspectiva de acomodar-se ao contingenciamento de recursos do já minguadíssimo orçamento.
Na esfera estadual o problema se acentua.
Até o momento, a Secretaria de Estado da
Cultura não lançou nenhum programa público para a área teatral, contentando-se em
manter apenas dois projetos dirigidos ao teatro não profissional. Para emoldurar o quadro já lastimável a Secretaria vem criando
contratos com Organizações Sociais para a
gerência dos teatros do Estado. Como nos
melhores exemplos da administração privada, a escolha dos parceiros não passou por
editais ou concorrência – o que até pode ser
permitido por Lei, mas denuncia uma política centralizadora e anti-democrática na condução da coisa pública. Enquanto a sociedade civil luta pela implantação do Fundo Estadual de Cultura, elaborado e discutido por
dezenas de entidades de classe de todo o Estado, a Secretaria continua apoiando-se em
um ou outro evento, sem a organicidade de
um projeto, necessário e até aqui inexistente,
que defina uma verdadeira política cultural.
A esta altura ações ainda muito isoladas,
estruturadas em programas como a Lei de
Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, criam paradigmas alternativos de incremento à produção. Devolvem ao poder público a responsabilidade por mediar as relações, assimilam o fenômeno dos coletivos de
trabalho e da pesquisa como foco de investimento, democratizam as instâncias de decisão e oportunizam o acesso da população à
matéria artística. Aos olhos da nova gestão
municipal o programa soou como um escândalo, a ponto de ser colocado, ilegalmente,
em suspensão, para agora ser inseguramente
retomado, sob a pressão dos artistas.
O fato é que se em geral qualquer plano
de ação precisa eleger prioridades, em um
país com demandas sócio-culturais tão extraordinárias como o Brasil a prioridade é
uma exigência. No teatro ou em outras áreas da expressão artística e cultural o Estado tem que assumir com firmeza aquela tarefa civilizatória de rotinizar a cultura na
perspectiva da justiça social. Planejar ações
para desconcentrar privilégios e disseminar
as oportunidades que vão definir, por fim, a
democratização verdadeira da arte. Por enquanto avançamos devagar e permanecemos quase em compasso de espera.
Ney Piacentini é ator da Companhia do
Latão, presidente da Cooperativa Paulista de
Teatro, vice-presidente do Conselho
Municipal de Cultura de São Paulo e
representante paulista na Câmara Setorial de
Teatro do Ministério da Cultura
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política cultural
Mobilização Permanente
A luta continua face à indefinição do governo
Por Renata de Albuquerque
◗ MAIS UMA VEZ, no último dia 21 de junho, artistas de diversas áreas estiveram reunidos na Assembléia na expectativa de votação do Projeto de Lei para o Fundo Estadual de Arte e Cultura. A votação não ocorreu. Por conta de um indicativo do Secretário de Cultura do Estado, João Batista de
Andrade, adiou-se a votação, no esforço de
mais um acordo. Em resposta à mobilização,
os artistas saíram com a promessa de que na
semana seguinte, dia 28, o Secretário, em
audiência na Assembléia, apresentaria proposta de lei do governo – um misto de lei de
incentivo e fundo público, ainda indefinido.
Até o início de junho, parecia possível
ver um horizonte mais claro para o pro-
Ocupação artística do Plenário da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, em 11 de abril
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jeto do Fundo Estadual de Arte e Cultura. Em 11 de abril, o plenário da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo
ficou lotado por causa da “Ocupação Cultural” feita pela “classe” artística, que homenageou Danilo Miranda, José Renato
e Raul Cortês. Na ocasião, estavam presentes representantes de 42 municípios
paulistas, demonstrando que a aprovação
do Fundo não é uma demanda apenas da
capital, mas que é apoiada por diversas
esferas do Poder Público. Afinal, o projeto do Fundo é suprapartidário, foi assinado por 67 deputados, incluindo lideranças da Assembléia, e contempla todas as
áreas artísticas.
Uma amostra de que a preocupação vai
além dos limites da capital paulista são as
Audiências Públicas que começaram a ser
feitas em maio, em diversas cidades do interior do Estado. As prefeituras das cidades convidam e membros da Comissão PróFundo vão até os locais, discutir o projeto
e falar sobre ele com o poder público e com
outras pessoas que têm interesse no assunto. Bauru, Campinas e São Carlos são
exemplos de cidades que abriram suas portas para essa discussão. “A idéia é conscientizar a respeito do Fundo, que vai servir
a todos”, afirma Alexandre Terreri, membro da Comissão Pró-Fundo, presidente do
Cepetij e segundo tesoureiro da Cooperativa Paulista de Teatro. “O Fundo vai promover uma descentralização de recursos,
que serão destinados ao interior”, completa Luiz Carlos Moreira, também membro
da Comissão Pró-Fundo.
Outro indício de que a situação era favorável era que o Presidente da Assembléia,
deputado Rodrigo Garcia (PFL-SP), recebeu representantes da Comissão e comprometeu-se a colocar o projeto em votação.
“Basta o governador não vetar”, ressaltou
Terreri na ocasião.
Um novo Secretário de Cultura do Estado de São Paulo, o cineasta João Batista de
Andrade, assumiu o cargo, e acreditava-se
que ele fosse favorável ao Fundo e que pudesse auxiliar para que o projeto fosse aprovado. “Não sou porta-voz de ninguém, mas
pelo que conheço do novo secretário, acredito que temos um interlocutor honesto e
lúcido, que vai defender o mesmo que nós”,
afirmou Moreira na ocasião.
Apesar dos indícios de boas notícias,
já o primeiro prazo para que a votação
acontecesse, no mês de maio, foi adiado. A data foi prorrogada para junho. E,
em Junho, diante das manobras internas
à Assembléia e sua bancada ligada ao
executivo, mais uma vez viu-se o adiamento da votação e a evidência de que
é cada vez mais urgente a discussão so bre o que seja um programa público re almente distinto de um projeto desse ou
daquele governo.
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política cultural
Leia a seguir um texto, contendo as
linhas gerais do projeto de lei
apresentado pelas diversas entidades.
SOBRE O FUNDO
A exemplo da lei de Fomento ao Teatro, votada na Câmara Municipal de São Paulo, tratase de um projeto de lei apresentado à Assembléia Legislativa, para todo o Estado, por intermédio de 67 deputados de todos os partidos.
O Fundo se articula com uma proposta
de organizar a política pública de arte e
cultura sobre três colunas:
1) Projetos de governo.
2) Programas públicos estabelecidos em
lei, como as leis de incentivo ou o Programa Municipal de Fomento ao Teatro.
3) Fundos municipais, estaduais e federal. Em complemento aos programas, o Fundo surge como uma base de sustentação
mais abrangente, mais aberta e flexível,
voltado para todas as áreas e sempre com
recursos para aqueles que criam e produzem, sem intermediários.
I. SOBRE OS RECURSOS
O FUNDO deverá ter um pouco mais de
100 milhões de reais consignados no orçamento da Secretaria de Estado da Cultura,
corrigidos anualmente (o artigo 2 fala em
8.700.000 UFESPs). Há outras fontes de
recursos no artigo 3.
II. PARA ONDE VAI O DINHEIRO
DO FUNDO
O FUNDO destina recursos para a pesquisa, criação e circulação de obras e atividades artísticas e/ou culturais através de:
a) Projetos de artistas e produtores culturais, pessoas físicas ou jurídicas, com ou
sem fins lucrativos, que ficam com 81%
dos recursos.
b) Incentivo às Prefeituras para investir
em cultura através de programas públicos
municipais, estabelecidos através de leis que
também se destinam a artistas e produtores
locais, que podem ficar com até 10% dos
recursos do FUNDO.
c) Ações estratégicas, que podem ser projetos da sociedade, programas públicos, ações
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ou projetos de governos municipais, estadual ou federal, da administração direta ou indireta, que ficam com 07% dos recursos.
d) Os 2% restantes vão para a própria
administração e manutenção do FUNDO.
SOBRE OS PROJETOS
Os interessados devem se inscrever através de editais públicos, em janeiro e julho
de cada ano (cada interessado concorre
com os outros interessados da sua Região
Administrativa, área e edital). Assim, os
editais serão criados (ou repetidos) duas
vezes por ano. Quem cria os editais é o
CONSELHO DE ARTE E CULTURA DO
FUNDO (ver mais à frente). Quem julga
são COMISSÕES JULGADORAS (ver
mais à frente). Haverá editais para as áreas
abaixo, com a seguinte distribuição dos 81%
dos recursos do FUNDO:
1. Artes Visuais: 8%;
2. Áudio-visual: 20%;
3. Circo: 6%;
4. Cultura Popular: 8%;
5. Dança: 6%;
6. Literatura: 8%;
7. Música: 11%;
8. Hip-Hop: 3%;
9. Teatro: 11%.
Esse dinheiro será distribuído para todas
as Regiões Administrativas do Estado de
forma proporcional à quantidade da população em cada uma. Se o dinheiro de uma
área não for usado por uma região, será alocado para a mesma área de outra região.
O FUNDO prevê alternativas para projetos que não se encaixam, especificamente, em uma área e para projetos que envolvam mais de uma área.
SOBRE O INCENTIVO ÀS
PREFEITURAS
O FUNDO pode aplicar, anualmente, até
10% de seus recursos em parcerias entre o
Estado e as Prefeituras. Para receber apoio financeiro, o Município também tem que investir em artistas e produtores locais através
de editais ou semelhantes, estabelecidos em
programas públicos criados por lei, além de
criar um Conselho Municipal de Cultura.
Quem decide sobre esses recursos é o
CONSELHO DE ARTE E CULTURA DO
FUNDO (a cada semestre). Não havendo
interesse das Prefeituras, ou por decisão do
CONSELHO, essa verba vai, no todo ou
parcialmente, para os editais de projetos ou
para as ações estratégicas.
SOBRE AS AÇÕES
ESTRATÉGICAS
Anualmente, 07% dos
recursos do FUNDO vão
para ações estratégicas,
que também serão definidas e decididas pelo
CONSELHO em função do início e do meio
do ano.
É um dinheiro que
pode ser aplicado em
projetos do governo
(municipal, estadual,
federal, administração
direta ou indireta), em
projetos da sociedade,
editais ou ações que o
próprio CONSELHO criar.
Trata-se de alocar recursos em uma ou
mais áreas, regiões ou propostas consideradas fundamentais ou emergenciais em cada
momento.
III. AS DECISÕES FUNDAMENTAIS
Todas as decisões são tomadas pelo CONSELHO DE ARTE E CULTURA DO
FUNDO, onde o Governo tem maioria. O
CONSELHO é formado por:
1) Secretário de Estado da Cultura ou seu
representante, que é o Presidente e tem o
voto de desempate.
2) 9 membros indicados pelo Secretário.
3) 9 membros eleitos por entidades.
Cada membro indicado pelo Secretário
tem que ser pessoa de notório saber em uma
das áreas e o mesmo vale para os membros
eleitos pelas entidades.
Cada entidade representativa, de caráter regional, estadual ou nacional, com
sede ou seccional no Estado de São Paulo
há mais de três anos na data da indicação,
pode indicar um nome para cada área que
representar. Todas as entidades, de todas
as áreas, podem votar em até dois nomes
indicados para cada área. O nome mais
votado por área e que tenha, pelo menos,
os votos de metade mais uma de todas as
entidades que votaram, vai para o CONSELHO junto com
os representantes
do Secretário.
IV. AS COMISSÕES JULGADORAS DOS EDITAIS
Cada edital terá
uma COMISSÃO
JULGADORA composta de cinco membros de notório saber
na área:
1) 03 membros nomeados pelo Secretário
de Estado da Cultura,
que indicará, dentre
eles, o Presidente, que só
terá direito ao voto de
desempate.
2) 02 membros eleitos a partir de indicação de entidades.
As entidades representativas na área, de
caráter regional, estadual ou nacional, com
sede ou seccional no Estado de São Paulo
há mais de três anos na data da indicação,
poderão indicar até quatro nomes para a
COMISSÃO.
Os interessados inscritos no edital votam
em até dois nomes das listas indicadas pelas entidades. O nome mais votado vai para
a COMISSÃO junto com os representantes do Secretário.
TANTO PARA O CONSELHO
COMO PARA AS COMISSÕES:
Em caso de vacância, não havendo indicação de entidade, em caso de empate ou
na falta de nome que obtenha o apoio das
entidades, cabe ao Secretário decidir e escolher o nome que ocupará a vaga.
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tadeusz kantor
O trabalho de Kantor
Tadeusz Kantor (1915-1990)
Kantor em cena no espetáculo
Wielopole-Wielopole, 1980
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Por Michal Kobialka
Tradução de Jorge Will
◗ TADEUSZ KANTOR, artista plástico polonês, teórico e diretor teatral, fundador (com
Maria Jarema) da companhia teatral CRICOT 2 (1955), nasceu em Wielopole, Polônia. Foi educado em Tarnóvia e Cracóvia.
Quando estudou pintura e cenografia na
Academia de Belas Artes de Cracóvia (1933
-1939), Kantor conheceu o simbolismo, o
construtivismo e Bauhaus. Em 1938, ele
fundou o Teatro Ephemeric (Mecânico),
onde apresentou A Morte de Tintagiles de
Maurice Materlinck. Em 1942, com um
grupo de pintores jovens, Kantor organizou o Teatro Independente, clandestino e
experimental, durante a ocupação nazista,
onde ele dirigiu Balladyna de Juliusz Slowacki (1942) e O Retorno de Ulisses de Stanislow Wyspianski. Como citado por Kantor em sua “Lição 1” de As Lições Milanesas, esta produção foi fundamental para a
elaboração dos seus conceitos sobre espaço
autônomo de performance, objeto pobre,
ator-objeto, e “realidade da vida” (“realidade do mais baixo calão”):
1944. CRACÓVIA. TEATRO CLANDESTINO. O RETORNO DE ULISSES DO SÍTIO DE ESTALINGRADO.
O abstracionismo, que existiu na Polônia até o inicio da II Guerra Mundial, de sapareceu no período do genocídio em
massa. [...]
A arte perdeu seu poder.
A re-produção estética perdeu seu poder.
O ódio de um ser humano apoiado por outras bestas humanas amaldiçoou a A R T E.
Só tínhamos força para agarrar o que estava mais próximo,
O OBJETO REAL
e chamá-lo de obra de arte!
No entanto, era um objeto P O B R E, incapaz de realizar qualquer função na vida real,
um objeto a ser descartado.
Um objeto que foi desprovido de uma função vital que o salvaria.
Um objeto despojado, sem função,
a r t í s t i c o! [...]
Uma cadeira de cozinha …
Um objeto, que foi esvaziado de qualquer
função vital, veio à tona pela primeira vez
na história.
Este objeto era vazio.
Tinha que justificar sua existência a si
mesmo e não às coisas que o cercavam e
lhe eram estranhas.
[E o fazendo, o objeto] revelava sua própria
existência.
E quando sua função era imposta a ele, essa
ação era vista como se isso tivesse acontecido
pela primeira vez desde o momento da criação.
Em O Retorno de Ulisses, Penélope, sentada
em uma cadeira de cozinha, representou o
ato de estar “sentada” como um ato humano acontecendo pela primeira vez. O objeto [físico] adquiriu sua função histórica, filosófica e a r t í s t i c a ! 1
Os experimentos de 1944 e 1963 fecham
o período no qual Kantor questiona as convenções de criação ou exibição artística vigentes, e, devido à experiência da II Guerra Mundial, modifica a função de uma vanguarda artística numa sociedade.
Estes experimentos colocam em xeque as
narrativas históricas oficiais que encontram
um modo efetivo de desprezar o questionamento de Adorno sobre o que significa representar depois de Auschwitz. Assim, por
exemplo, em O Retorno de Ulisses, em 1944,
“Ulisses se recusa categoricamente a ser apenas uma imagem, uma representação. [...]
em tempos de loucura gerada pelos homens,
em tempos de guerra, a morte e suas trupes
tenebrosas, que se recusaram a ser impedidas pelos sentidos humanos e racionais, iniciando e confundindo-se com a esfera da
vida”2. A emoção do drama e seu caráter
mitológico foram atirados e fundidos com a
vida contemporânea. A peça foi representada não em um teatro, mas sim em uma sala
que “estava destruída. Havia guerra e havia
milhares de salas assim. Todas se pareciam:
tijolos sem reboco por trás de uma camada
de tinta, gesso caindo do teto, piso faltando
tacos, pacotes abandonados cobertos de poeira, entulho espalhado por todos os lados,
pranchas remanescentes de um convés de
navio foram dispensadas ao horizonte dessa
decoração, um tambor de revólver apoiado
num monte de pedaços de ferro, um megafone militar pendurado por um cabo de aço
enferrujado. A figura inclinada de um soldado com capacete usando um sobretudo
surrado [de um soldado alemão] em pé con13
tadeusz kantor
tra a parede. Nesse dia, seis de junho de 1944,
ele se tornou parte dessa sala”3. Em 1963, os
objetos exibidos tornaram irrelevante qualquer tentativa classificatória de localizá-los
no espaço ou seqüência temporal sistematizando-os em uma unificadora totalidade. Ao
contrário, os objetos rearticularam suas funções nas relações, que aconteceram acidentalmente, e que não poderiam ser previstas
por nenhuma norma – “a ditadura da utilidade” é vencida; o objeto que estava despido da segurança da sua estrutura original a
que pertence, “começa uma discreta relação
possível com seus semelhantes”4.
Para conseguir isso, Kantor explora o processo de incorporação na atividade artística de objetos encontrados, ou seja, os objetos, os eventos e o ambiente. Esta realidade não subjugada à modelagem artística ou
necessidades formais. Não funciona como
modelo, que existe anterior à obra de arte,
e, conseqüentemente, não corresponde a
nenhuma convenção de representação.
Conforme Kantor observou:
Realidade pode apenas ser
“u s a d a”
“Usada” é o único termo apropriado
fazer uso da realidade
na a r t e
significa
uma apropriação da realidade. [...]
Durante esse processo
a realidade
transgride
sua própria b a r r e i r a
e caminha na direção do
“i m p o s s í v e l”
A realidade apropriada contem em si mesma
objetos reais
situações
e um ambiente descrito
pelo tempo e lugar.
Suas r e a ç õ e s entre si,
as i n t e r c o n e x õ e s entres eles
a apropriação g e s t u a l
do (como se, encantando a realidade)
ritual
são substituídos
pelo processo de modelagem
que está fora de questão aqui 5.
A estratégia da apropriação da realidade
significa o processo de arrancar os objetos da
realidade para explorar sua qualidade de ob14
jeto no meio onde eles adquiriram suas funções na relação com outros elementos colocados nesse espaço6. Portanto, os objetos são
descaracterizados e não conceituais no entender de Adorno sobre os princípios que regem
as obras de arte autônomas7. O foco está em
suas estruturas inerentes, ao invés de na totalidade dos efeitos; num processo manual de
significação, ao invés da soberania visual do
olhar produzindo a imagem representacional
num espaço clássico, tridimensional; nos processos não-representativo, não-ilustrativo, e
não-figurativo, nos quais o olhar não desempenha uma função visual de ordenação, mas
segue as relações que organizam seus campos
de percepção; no irrepresentável na representação em si mesma; naquilo que “recusa o
consolo das formas corretas, recusa o consenso do gosto permitindo uma experiência comum de nostalgia pelo impossível, e questiona novas apresentações.”8.
Levando em consideração a importância
e a direção das transformações na arte em
geral no século XX e no Dadaísmo, Surrealismo, Abstracionismo, Arte Informal em
particular, Kantor enfatizou sua partida
pelas formas geométricas ou abstratas, que
tinham que eliminar ou transcender os dois
eventos históricos, como a I e II Guerras
Mundiais, co-modificação das artes, em direção à realidade degradada ou à realidade
do mais baixo calão, destituída de seus aspectos marcantes pelos eventos da guerra.
A realidade degradada ou a “realidade do
mais baixo calão” não funciona como uma
estratégia artística, mas sim como uma indução tática, que permitirá ao artista ser
“surpreendido, acidentalmente ou de forma inesperada, pela esfera desconhecida e
ignorada da realidade que intervem na
arte.”9. Na produção de Kantor de O Polvo
(1956) de Stanislaw Ignacy Witkiewicz
(Wtkacy’s), ambiente, objeto e atores fo ram engajados num processo complexo de
constituição de formações espaciais diversas criando choques, escândalos e tensões
com o objetivo de desbloquear a imaginação e esmagar a casca empregnável do drama. Isto quer dizer, ambientes, objetos e
atores, e mais seus atributos, não ilustra-
vam, interpretavam ou teciam comentários sobre o drama, mais que isso, eles criaram um sistema de relações para depreciar
o valor da realidade por explorar seu aspecto cotidiano desconhecido, escondido.
Esta exploração foi diferente em momentos distintos nos anos 60. No “Teatro Informal”(1961), Kantor explorou a matéria
[um aspecto desconhecido da REALIDADE ou do seu estado elementar], que não
precisa obedecer as leis da realidade,
está sempre mudando e fluindo;
escapa da escravidão das definições racionais,
faz todas as tentativas para comprimi-lo em
uma forma sólida ridícula, desnecessária e vã;
é destruidora perene de todas as formas,
e nada mais que uma manifestação,
é acessível apenas pelas
forças de destruição,
por vontade e risco da COINCIDÊNCIA,
e por uma ação rápida e violenta 10.
No “Teatro Zero” (1963) Kantor lidou
com objetos marginalizados e emoções para
desmembrar o desenvolvimento da trama
lógica, construindo cenas por referência
textual para revelar a individualidade de um
ator descartando a ilusão:
A técnica tradicional de desenvolver trama
fez uso da vida humana como um trampolim
para se impulsionar em direção ao
reino das paixões crescentes e intensas do heroísmo, do conflito
e das reações violentas. Quando surgiu pela primeira vez, essa
idéia de “crescer” significou a
expansão trágica do homem, ou
uma batalha heróica para transcender as dimensões humanas e
seus destinos. Com o passar do
tempo, se transformou em um mero show,
exigindo potentes elementos de espetáculo
e a aceitação da ilusão violenta e irresponsável – figuras convincentes e uma procriação
impensada de formas 11.
No “Teatro do Happening” (1967), Kantor deu atenção à verdade cotidiana e sua
potencialidade para ser objeto não-conceitual médio ou “objeto-encontrado”, objeto
“que fora encontrado: um objeto cuja estrutura [era] densa e sua identidade [era]
delineada por sua própria ficção, ilusão, e
dimensão físico-psicológica”12. Fazendo uso
de objetos pobres, matéria, objetos marginalizados, objetos deteriorados, que são
colocados dentro de uma estrutura aberta
de realidade fluida, dinâmica, Kantor modificou um modelo de cultura ou atividade artística baseado na restrição, negação, transformação da imagem/objeto. Os
experimentos teatrais de Kantor, que, no
período de 1965 até 1969, tomaram forma
de Happenings, mais adiante desenvolveram
estes conceitos13.
O manifesto “O Teatro da Morte”(1975)
significou uma mudança nas pesquisas de
Kantor. As produções, que seguiram, exploraram as noções de memória, história, mito,
criação artística, e a função do artista como
cronista do século XX: A Classe Morta
(1975: a exploração de memórias acontecia num espaço ante uma barreira intransponível); Wielopole, Wielopole (1980: introdução da idéia de espaço da memória); Que
Morram os Artistas (1985: introdução à teoria de negativos que modificaram a noção
de espaço da memória–agora, era denominado depósito de memória, ou seja, um lugar onde lembranças são sobrepostas umas
às outras); Aqui Não Volto Mais (1988: introdução da idéia de pousada da memória,
que existia além dos confins
do tempo e espaço, onde
Kantor encontrou suas próprias criações passadas); e
Hoje é Meu Aniversário
(1990: exploração do ultrapassar o limiar entre o
mundo da Ilusão e o mundo da
Desenho de Kantor para “A gaiola e a mulher”;
“Sofia na gaiola”, foto acima.
15
tadeusz kantor
Desenho e foto da “Máquina
Fotográfica-metralhadora”, do
espetáculo Wielopole-Wielopole, 1980
Realidade, que provocou a desintegração
da própria ilusão)14.
As experiências teatrais de Kantor e sua
versão oficial e não-oficial da história do
século XX são testemunhas de sua crença de que o teatro é uma resposta para a
realidade, ao invés de representação da
realidade. Mais importante, como ele observou, Teatro “é uma atividade que
acontece se a vida é levada ás últimas
conseqüências, onde todas as categorias
e concepções perdem seus significados e
direitos de existir; onde loucura, febre,
histeria e alucinações são o último estágio da vida diante da chegada da TRUPE
DA MORTE e do ESPLÊNDIDO ESPETÁCULO da morte”15.
Michal Kobialka é tradutor e ensaísta, é
professor do Departamento de Teatro e
Dança da Universidade de Minnesota/EUA.
16
Fontes Adicionais
A Journey Through Other Spaces: Essays and
Manifestos: 1944-1990, editado, traduzido e
com análise crítica do teatro de Tadeusz Kantor por Michal Kobialka (Berkeley, 1993)
Ein Reisender, ed. Piotr Nawrocki and Peter Kamphel (Nürnberg, 1988)
Hommage á Tadeusz Kantor, ed. Krzysztof Pleœ-
niarowicz (Cracóvia, 1999)
Kantor, l’artiste á la fin du XXé siécle, ed. Georges
Banu (Paris, 1990)
Dennis Bablet, Tadeusz Kantor (Paris, 1983)
Wiesaw Borowski, Tadeusz Kantor, (Warszawa, 1982)
Krzysztof Pleœniarowicz, The Dead Memory
Machine: Tadeusz Kantor’s Theatre of Death
(Londres, 2000)
7
Notas
1
2
3
4
5
6
Tadeusz Kantor, “Milano Lessons: Lesson 1,”
A Journey Through Other Spaces: Essays and
Manifestos, 1944-1990, translated and with
the critical commentary by Michal Kobialka
(Berkeley: University of California Press,
1993), 211-12.
A Journey, 274.
A Journey, 272.
Walter Benjamin cited in Douglas Crimp,
“This is not a Museum of Art,” Marcel Broodthaers (Minneapolis: Walker Art Center,
1989), 72.
A Journey, 96-7.
In 1963, Kantor presents the Popular Exhibition, also known as the Anti-Exhibition, at Galeria Krzysztofory in Kraków. It comprised of
the objects, which were usually removed to the
margins of the creative activity, glossed over
by the traditional conventions, and discarded
as irrelevant. “It was an inventory [of facts,
theatrical objects, drawings, sketches, prescrip-
8
9
10
11
12
13
14
15
tions, letters, stamps, tram and bus tickets, etc.]
without any chronology, hierarchy, and locality. I found myself in the middle of all that, without a role of my own” (Kantor, “Zero,”
Ambala¿e (Warszawa: Galeria Foksal, 1976),
21). The objects, like laundry pieces, were hanging clipped to the ropes running through the
vaulted space of the Gallery (A Journey, 23-5).
Theodor Adorno, “Commitment,” The Essential Frankfurt School Reader, eds. Andrew Arato and Eike Gebhardt (Oxford: Basil Blackwell, 1978), 317.
Jean-François Lyotard, The Postmodern Explained, trans. Don Barry, Bernadette Maher, Julian Pefanis, Virginia Spate, and Morgan Thomas (Minneapolis: University of Minnesota
Press, 1993), 15.
Wiesaw Borowski, Tadeusz Kantor (Warszawa:
Wydawnictwa Artystyczne i Filmowe, 1982), 76.
A Journey, 51.
A Journey, 59.
A Journey, 85.
In: “Tadeusz Kantor’s Happenings: Reality,
Mediality, and History,” Theatre Survey 43, 1
(May 2002): 59-79.
In: A Journey, Part 2, “The Quest for the Self/
Other: A Critical Study of Tadeusz Kantor’s
Theatre” for a detailed discussion of the concept of memory in Kantor’s production from
the period between 1975 and 1990.
A Journey, 149.
Espetáculo Hoje é meu aniversário (1990)
17
tadeusz kantor
MANIFESTO O
MORTE
◗ 1. Craig afirma: a marionete deve retornar; o ator vivo deve desaparecer. O homem, criado pela natureza, é uma ingerência estranha na estrutura abstrata de uma
obra de arte.
De acordo com Gordon Craig, em algum lugar às margens do Ganges, duas mulheres invadiram o templo da Divina Marionete, que
conservava com vigilância o segredo do verdadeiro TEATRO. Essas duas mulheres tinham
inveja desse SER perfeito e almejavam seu PAPEL, que era iluminar o espírito dos homens
pelo sentimento sagrado da existência de Deus;
elas almejavam sua GLÓRIA. Apropriaramse de seus movimentos e de seus gestos, de suas
vestimentas maravilhosas, e, pelo recurso de uma
medíocre paródia, admiraram-se satisfazendo os
gostos vulgares da plebe. Quando enfim elas fizeram construir um templo à imagem do outro,
o teatro moderno – o que conhecemos muito
bem e que ainda permanece – havia nascido: a
ruidosa Instituição de utilidade pública. Ao
mesmo tempo que ela, surgiu o ATOR. Em
apoio à sua tese Craig invoca a opinião de Eleonora Duse: “Para salvar o teatro, é preciso destruí-lo; é preciso que todos os comediantes e todas as comediantes morram de peste... são eles
que levantam obstáculos à arte...”
derão novamente venerar a felicidade da existência e render uma divina e alegre homenagem à MORTE.”
De acordo com a estética SIMBOLISTA,
Craig considerava o homem submetido a
paixões diversas, a emoções incontroláveis
e, por conseguinte, casuais como um elemento absolutamente estranho à natureza
homogênea e à estrutura de uma obra de
arte, como um elemento destruidor do seu
caráter fundamental: a coesão. Craig – assim como os simbolistas cujo programa, em
seu tempo, teve um desenvolvimento notável – tinha atrás de si os fenômenos isolados mais extraordinários que, no século
XIX, anunciavam uma época nova assim
como uma arte nova: Heinrich von Kleist,
Ernst Theodor Hoffmann, Edgar Allan
Poe... Cem anos antes, e por razões idênticas às de Craig, Kleist tinha exigido que o
ator fosse substituído por uma marionete,
pensando que o organismo humano, submetido às leis da NATUREZA, constituía
uma ingerência estranha na ficção artística
nascida de uma construção do intelecto. As
outras censuras de Kleist faziam-se sobre
os limites das possibilidades físicas do homem e ele denunciava além disso o papel
nefasto do controle permanente da consciência, incompatível com os conceitos de
encantamento e de beleza.
◗ 2. Teoria de Craig: o homem-ator suplanta a marionete e toma seu lugar, causando
assim o declínio do teatro. Há algo de imponente na atitude desse grande utopista quando
ele afirma: “Exijo com toda a seriedade o retorno do conceito da supermarionete ao teatro... e desde que ela reapareça, as pessoas po-
◗ 3. Da mística romântica dos manequins
e das criações artificiais do homem do século XIV ao racionalismo abstrato do século XX.
Ao longo do caminho que se pensava seguro e que foi tomado ao homem do Século
das luzes e do racionalismo, eis que avan-
De Tadeusz Kantor
Tradução de Roberto Mallet
18
TEATRO DA
Paradoxalmente, é dessas tentativas românticas e diabólicas ao ponto de negar à
natureza seu direito à criação que nasce e
se desenvolve o movimento RACIONALISTA ou mesmo MATERIALISTA – sempre mais independente e sempre mais perigosamente distanciado da NATUREZA –
a corrida para um “MUNDO SEM OBJETO”, para o CONSTRUTIVISMO, o
FUNCIONALISMO, o MAQUINISMO, a
ABSTRAÇÃO e, finalmente, o VISUALISMO PURISTA que reconhece simplesmente a “presença física” de uma obra de
arte. Esta hipótese arriscada que tende a
estabelecer a gênese pouco gloriosa do século do cientismo e da técnica engaja apenas minha própria consciência e serve unicamente à minha satisfação pessoal.
Espetáculo A Classe Morta (1975) com a mulher/
homem na janela
çam, saindo repentinamente das trevas, sempre mais numerosos, os SÓSIAS, os MANEQUINS, os AUTÔMATOS, os
HOMÚNCULOS – criações artificiais que
são várias injúrias às criações próprias da
NATUREZA e que carregam em si todo o
menosprezo, todos os sonhos da humanidade, a morte, o horror e o terror. Assiste-se
ao aparecimento da fé nas forças misteriosas
do MOVIMENTO MECÂNICO, ao nascimento de uma paixão maníaca de inventar
um MECANISMO que sobrepujasse em
perfeição, em implacabilidade, o tão vulnerável organismo humano. A tudo isto em um
clima de satanismo, no limite do charlatanismo, das práticas ilegais, da magia, do crime, do pesadelo. É a CIÊNCIA-FICÇÃO
da época, na qual um cérebro humano demoníaco criava o HOMEM ARTIFICIAL.
Isto significava simultaneamente uma crise
de confiança súbita em relação à NATUREZA e a esses domínios da atividade dos homens que lhe estão intimamente associados.
◗ 4. O dadaísmo, introduzindo a “realidade já pronta” (os elementos da vida), destruiu os conceitos de homogeneidade e de
coerência da uma obra de arte postulados
pelo simbolismo, a Arte nova e por Craig
Mas retornemos à marionete de Craig. Sua
idéia de substituir um ator vivo por um manequim, por uma criação artificial e mecânica, em nome da conservação perfeita da
homogeneidade e da coerência da obra de
arte, não tem mais sentido hoje. Experiências ulteriores que destruíram a homogeneidade da estrutura de uma obra de arte introduziram nela elementos ESTRANHOS,
através de colagens e de montagens; a aceitação da realidade “já pronta”; o pleno reconhecimento do acaso; a localização da
obra de arte na estreita fronteira entre REALIDADE DA VIDA e FICÇÃO ARTÍSTICA – tudo isto tornou negligenciáveis os
escrúpulos do início de nosso século, do período do simbolismo e do “Art nouveau”. A
alternativa “arte autônoma de estrutura cerebral ou perigo de naturalismo” deixou de
ser a única possibilidade.
19
tadeusz kantor
Espetáculo
WielopoleWielopole
(1980) com a
maquina
fotográfica/
metralhadora
Se o teatro, em seus momentos de fraqueza, sucumbiu ao organismo humano
vivo e a suas leis, é porque aceitou, automática e logicamente, esta forma de imitação da vida que constituem sua representação e sua re-criação.
Ao contrário, nos momentos em que o
teatro era suficientemente forte e independente para permitir-se libertar-se dos constrangimentos da vida e do homem, produzia os equivalentes artificiais da vida que,
sujeitando-se à abstração do espaço e do
tempo, eram ainda mais vivos e mais aptos
a atingir a absoluta coesão.
Em nossos dias essa alternativa na escolha perdeu tanto seu significado quanto seu
caráter exclusivo. Pois criou-se uma nova
situação no domínio da arte e existem novos quadros de expressão.
O surgimento do conceito de REALIDADE “JÁ PRONTA” retirada do contexto da
existência tornou possíveis sua ANEXAÇÃO,
sua INTEGRAÇÃO na obra de arte através
da DECISÃO, do GESTO e do RITUAL. E
isto é presentemente muito mais fascinante e
mais poderosamente inserido no real que
qualquer entidade abstrata ou artificialmente elaborada, ou que esse mundo surrealista
do “MARAVILHOSO” de André Breton.
Happenings, “eventos” e “instalações” reabilitaram impetuosamente regiões inteiras da
20
REALIDADE até então desprezadas, desembaraçando-as do peso de suas destinações terra a terra. Esse DESLOCAMENTO da realidade pragmática – essa “suspensão” para fora
das fronteiras da prática cotidiana – puseram
em movimento a imaginação dos homens
muito mais profundamente que a realidade
surrealista do sonho onírico.
Foi isto que finalmente fez desaparecer
toda importância aos temores de ver o homem e sua vida interferir no plano da arte.
◗ 5. Da “ realidade imediata” do happening
à desmaterialização dos elementos da obra
de arte.
Portanto, como toda fascinação, também
esta tornou-se, depois de certo tempo, CONVENÇÃO pura – universalmente, tolamente, vulgarmente utilizada. Essas manipulações quase rituais da realidade, ligadas à contestação do ESTADO ARTÍSTICO e do
LIGAR reservado à arte, começaram, pouco a pouco, a tomar um sentido e um significado diferentes. A PRESENÇA material,
física do objeto e o TEMPO PRESENTE no
qual podem figurar unicamente a atividade
e a ação aparentemente atingiram seus limites e tornaram-se um entrave. ULTRAPASSÁ-las significava privar essas relações de sua
IMPORTÂNCIA material e funcional, ou
seja, de sua possível APREENSÃO.
(Dado que se trata aqui de um período
muito
recente, ainda não terminado, fluido, as
considerações seguintes referem-se e ligam-se a
minhas próprias atividades criativas.)
O objeto (A Cadeira, Oslo, 1970) tornavase vazio, desprovido de expressão, de encadeamentos, de pontos de referência, de sinais
de uma intercomunicação voluntária, de sua
mensagem; ele estava orientado para nenhum
lugar e tornava-se um engodo. Situações e
ações permaneciam encerradas em seu próprio CIRCUITO, ENIGMÁTICAS (O Teatro impossível, 1973). Em minha manifestação
intitulada Cambriolage (Furto) deu-se uma
INVASÃO ilegítima sobre o terreno em que
a realidade tangível encontrava seus prolongamentos INVISÍVEIS. Cada vez mais distintamente se precisa o papel do PENSAMENTO, da MEMÓRIA e do TEMPO.
◗ 6. Recusa da ortodoxia do conceptualismo e da “vanguarda oficial das massas”.
Impõe-se a mim cada vez com mais força
a convicção de que o conceito de VIDA
não pode ser reintroduzido em arte senão
pela AUSÊNCIA DE VIDA no sentido
convencional (ainda Craig e os simbolistas). Esse processo de DESMATERIALIZAÇÃO instalou-se em minha atividade
criativa, evitando-se entretanto toda a panóplia ortodoxa da lingüística e do conceptualismo. É certo que essa escolha foi em
parte influenciada pelo gigantesco engarrafamento que emporcalhou esse caminho
agora oficial e que constitui, infelizmente,
o último trecho da grande estrada DADAÍSTA coberta de cartazes com seus slogans
ARTE TOTAL, TUDO É ARTE, TODO
MUNDO É ARTISTA, A ARTE ESTÁ
NA VOSSA CABEÇA etc.
Eu não gosto dos engarrafamentos. Em
1973 escrevi o esboço de um novo manifesto, que leva em conta essa falsa situação. Eis o seu começo:
“Depois de Verdun, do Cabaret Voltaire e
da Privada de Marcel Duchamp, quando o
“fato artístico” foi encoberto pelo estrondo
da Gorda Bertha, a DECISÃO tornou-se a
única oportunidade que resta ao homem de
ousar qualquer coisa recentemente ou ainda
hoje inconcebível. Ela tem sido há muito tempo o estimulante primeiro da criação, uma
condição e uma definição da arte. Nestes últimos tempos milhares de indivíduos medíocres tomam, sem escrúpulos nem reticências
de nenhuma espécie, decisões. A decisão tornou-se um fato banal e convencional. O que
era um caminho perigoso tornou-se agora
uma auto-estrada cômoda – segurança e sinalização hipermelhoradas. Guias, manuais,
placas de sinalização, cartazes, centros, corporações artísticas – eis o que garante a perfeita criação artística. Somos testemunhas de
um LEVANTE EM MASSA de comandos
de artistas, de combatentes de rua, de artistas
de choque, de artistas operários, de escrevinhadores, de caixeiros viajantes, de saltimbancos, de chefes de escritórios e de agências. Nesta auto-estrada já oficial, o tráfico, que
ameaça afogar-nos sob uma onda de garatujas insignificantes e de pretensos coups de
théâtre, vai crescendo a cada dia. É preciso
abandoná-la o quanto antes. Mas isto não é
tão fácil! Ainda mais que está no seu apogeu
– cega e avalizada pelo altíssimo prestígio do
INTELECTO, recobrindo tanto os sábios
quanto os tolos – a ONIPRESENTE VANGUARDA...”
◗ 7. Sobre os caminhos secundários da vanguarda oficial. Os MANEQUINS fazem sua
aparição.
Minha recusa obstinada em não aceitar
as soluções do conceptualismo, embora elas
me parecessem a única saída para o caminho encetado, conduziu-me a colocar, tentando circunscrevê-los, os acontecimentos
relatados acima e que marcaram a última
fase de minha atividade criativa sobre caminhos secundários suscetíveis de me oferecer maiores oportunidades de desembocar no DESCONHECIDO!
Uma tal situação, mais que qualquer outra, deu-me confiança. Todo período novo,
sempre, começa por tentativas sem grande significação, pouco notáveis, como que em surdina, não tendo grande coisas em comum com
o caminho já traçado; tentativas privadas,
21
tadeusz kantor
íntimas, eu diria mesmo pouco confessáveis. Obscuras
em todo caso. E difíceis! Tais
são os momentos mais fascinantes e mais carregados de
sentido da criação artística.
E subitamente me senti
interessado pela natureza
dos MANEQUINS. O manequim em minha encenação de La Poule d’eau, de
Witkacy (1967) e os manequins em Les Cordonniers
(Os Sapateiros), de Witkacy (1970) tinham um papel
bem específico; constituíam
uma espécie de prolongamento imaterial, alguma
coisa como um ÓRGÃO
COMPLEMENTAR do
ator que era seu “proprietário”. Quanto aos que utilizei em grande número na
encenação da Balladyna, de
Slowacki, eles constituíam
os DUPLOS das personagens vivas, como se fossem
Espetáculo Hoje é meu aniversário (1990)
dotados de uma CONSCIÊNCIA superior, atingida “depois da con- tiram, mas como que mantidos à distância
sumação de sua própria vida”. Esses mane- à margem da cultura aceita, nas bancas dos
quins já estavam visivelmente marcados mercados, nas barracas duvidosas dos ancom o selo da MORTE.
darilhos, longe dos esplêndidos templos da
arte, vistos como curiosidades desprezíveis,
◗ 8. O manequim como manifestação da boas apenas para abastecer o gosto da ralé.
“realidade” mais trivial. Como um proce- Mas por esta razão são eles – muito mais
dimento de transcendência, um objeto va- que as acadêmicas peças de museu – que
zio, um engodo, uma mensagem de morte, podem, no tempo de um breve olhar, leum modelo para o ator.
vantar uma ponta do véu.
O manequim que utilizei em 1967 no teaOs manequins têm também um odor de
tro Cricot 2 (La Poule d’eau) foi, depois d’O pecado – de transgressão delituosa. A exisPeregrino Eterno e das Embalagens Huma- tência dessas criaturas configuradas à imanas, o próximo dos meus personagens a en- gem do homem de uma forma quase sacríletrar de maneira absolutamente natural em mi- ga e quase clandestina, fruto de procedimennha Coleção como outro fenômeno a apoiar tos heréticos, traz a marca desse lado obscuesta convicção ancorada em mim há muito ro, noturno, sedicioso da trajetória humatempo de que somente a realidade mais trivi- na, o cunho do crime e dos estigmas da moral, os objetos mais modestos e os mais despre- te enquanto fonte de conhecimento. A imzados são capazes de revelar em uma obra de pressão confusa, inexplicada, de que é pelo
arte seu caráter específico de objeto.
artifício de uma criatura com falaciosos asManequins e figuras de cera sempre exis- pectos da vida, mas privada de consciência
22
creção material do mundo, nessa trapaça das
aparências, que representam o mais baixo
nível da existência.
Não acho que um MANEQUIM (ou uma
FIGURA DE CERA) possa substituir, como
queriam Kleist e Craig, o ATOR VIVO. Isto
seria fácil e excessivamente ingênuo. Esforço-me por determinar os motivos e a destinação dessa entidade insólita surgida inopinadamente em meus pensamentos e em minhas
idéias. Sua aparição concorda com esta convicção cada vez mais forte em mim de que a
vida não pode ser exprimida em arte senão
pela falta de vida e pelo recurso à morte, através das aparências, da vacuidade, da ausência de qualquer mensagem. Em meu teatro
um manequim deve tornar-se um MODELO
que encarna e transmite um profundo sentimento da morte e da condição dos mortos –
um modelo para o ATOR VIVO.
e de destino, que a morte e o nada transmitem sua inquietante mensagem – é isto que
causa em nós esse sentimento de transgressão, ao mesmo tempo recusa e atração. Inclusão no index e fascinação.
O ato de acusação esgotou todos os argumentos. O primeiro a prestar as costas aos
ataques foi o próprio mecanismo dessa ação,
considerada levianamente como um fim em
si mesma e depois relegada entre as formas
medíocres da criação artística, no mesmo
saco que a imitação, a ilusão enganosa destinada a abusar do espectador como os truques do manipulador de feira, a utilização
de ingênuos artifícios que escapam aos conceitos da estética, o uso fraudulento das aparências, as práticas de charlatão. E ainda por
cima acrescentaram-se ao processo as acusações de uma filosofia que, desde Platão e
com freqüência ainda hoje em dia, designa
como finalidade da arte revelar o Ser e sua
espiritualidade ao invés de patinhar na con-
◗ 9. Minha interpretação da situação descrita por Craig. A aparição do ator vivo,
momento revolucionário. A descoberta da
imagem do homem.
Busco minhas considerações nas origens
do teatro; mas elas aplicam-se de fato ao
conjunto da arte atual. Pode-se muito bem
pensar que a descrição, imaginada por Craig,
das circunstâncias nas quais surgiu o ator, e
que traz em si mesma uma análise terrivelmente acusadora, deveria servir a seu autor
de ponto de partida para suas idéias concernentes à “SUPER-MARIONETE”. Embora
eu seja um admirador do soberbo desprezo
professado por Craig e de suas diatribes apaixonadas – sobretudo quando estamos confrontados com o total declínio do teatro contemporâneo – devo entretanto, ao mesmo
tempo que faço minha a primeira parte de
seu credo, na qual ele nega ao teatro institucional qualquer razão de existir no plano da
arte, tomar outra posição frente às bem conhecidas soluções a que chegou a respeito
do ator. Pois o momento em que um ATOR
surgiu pela primeira vez perante uma PLATÉIA (para empregar o vocabulário atual)
parece-me ser, bem ao contrário, um momento revolucionário e de vanguarda. Vou
mesmo tentar compor e fazer “entrar na his23
tadeusz kantor
tória” uma imagem oposta, na qual os acontecimentos terão uma significação inversa.
Eis que do círculo comum dos costumes
e dos ritos religiosos, das cerimônias e das
atividades lúdicas sai ALGUÉM, tendo tomado a decisão temerária de destacar-se da
comunidade cultural. Não era movido nem
pelo orgulho (como em Craig) nem pelo
desejo de atrair sobre si a atenção de todos.
Solução excessivamente simples. Eu o vejo
antes como um rebelde, um objetor, um
herético, livre e trágico, por ter ousado permanecer só com sua sorte e seu destino. E
se acrescentamos “com seu PAPEL”, teremos diante de nós o ATOR. A revolta aconteceu sobre o terreno da arte. Este acontecimento, ou antes esta manifestação, provavelmente provocou uma grande perturbação nos espíritos e suscitou opiniões contraditórias. Com toda certeza este ATO foi
julgado como uma traição às antigas tradições e às práticas do culto; viu-se nele uma
manifestação de orgulho profano, de ateísmo, de perigosas tendências subversivas;
aos gritos falou-se em escândalo, em amoralidade, em indecência; olhou-se o homem
com desprezo como a um bufão grosseiro,
um cabotino, um exibicionista, um depravado. O próprio ator, relegado para fora da
sociedade, terá feito tanto inimigos cruéis
quanto fanáticos admiradores. Opróbrio e
glória conjugados.
Seria um formalismo ridículo e superficial
querer explicar esse ato de RUPTURA através do egoísmo, do apetite de glória ou de
uma queda inata para o exibicionismo. Deve
ter sido uma questão mais considerável, uma
COMUNICAÇÃO de importância capital.
Tentemos imaginar esta situação fascinante:
FACE àqueles que tinham permanecido
deste lado, um HOMEM postou-se EXATAMENTE semelhante a cada um deles e
entretanto (em virtude de alguma “operação” misteriosa e admirável) infinitamente
DISTANTE, terrivelmente ESTRANGEIRO, como que habitado pela morte, separado deles por uma BARREIRA que por ser
invisível não deixava de ser apavorante e
inconcebível, assim como o sentido verdadeiro e a HONRA não podem nos ser revelados senão pelo SONHO.
E é assim que sob a luz deslumbrante de
um clarão eles percebem subitamente a
IMAGEM DO HOMEM, aguda, tragicamente clownesca, como se o vissem pela
PRIMEIRA VEZ, como se acabassem de
ver a SI MESMOS. Este foi seguramente
um conhecimento que se poderia qualificar de metafísico.
Essa imagem viva do HOMEM saindo das
trevas, levando sua trajetória adiante, constituía um MANIFESTO, irradiante, de sua
nova CONDIÇÃO HUMANA, somente
HUMANA, com sua RESPONSABILIDADE e sua CONSCIÊNCIA trágica, avaliando seu DESTINO com uma escala implacável e definitiva, a escala da MORTE.
Foi dos espaços da MORTE que veio esse
MANIFESTO revelador que provocou no
público (utilizemos um termo atual) esse conhecimento metafísico. Os instrumentos e
a arte desse homem, o ATOR (para empregar ainda nosso próprio vocabulário), ligavam-se também à MORTE, a sua trágica
e horrífica beleza.
Devemos dar à relação ESPECTADOR/
ATOR sua significação essencial. Devemos
fazer renascer esse impacto original do instante em que um homem (ator) surgiu pela
primeira vez perante outros homens (espectadores), exatamente semelhante a cada um
de nós e entretanto infinitamente estrangeiro, além dessa barreira que não pode ser
ultrapassada.
SERVIÇO
Tadeusz Kantor
No Teatro Fábrica. Projeção dos cinco espetáculos do Teatro da Morte, seguidos de
conferências de Michal Kobialka. Curadoria: Márcia de Barros
de 27 de junho a 1º de julho de 2005, às 19h30
Rua da Consolação, 1623 • www.fabricasaopaulo.com.br
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Embora se possa levantar suspeitas, e mesmo
acusar-nos de nutrir escrúpulos fora de propósito
expulsaremos nossos preconceitos e nossos medos inatos
e, a fim de melhor definir a imagem
no interesse de eventuais conclusões
assentaremos as balizas dessa fronteira
que tem um nome:
A CONDIÇÃO DA MORTE
porque ele constitui o ponto de referência mais avançado
que jamais foi ameaçado por nenhum conformismo
da CONDIÇÃO DO ARTISTA E DA ARTE
...essa relação particular
desorientadora e sedutora a um só tempo
entre os vivos e os mortos
que, há pouco, quando eles ainda estavam vivos
não dava nenhum lugar
a inesperados espetáculos
a inúteis divisões, à desordem
Eles não eram diferentes
e não tomavam grandes ares
e em razão desta característica aparentemente banal
mas, como veremos, muito importante
eles eram simplesmente, normalmente, respeitosamente
não perceptíveis
E eis que agora, subitamente
do outro lado, perante nós
eles despertam a surpresa
como se nós os víssemos pela primeira vez
expostos em exibição, em uma cerimônia ambígua:
honrados e rejeitados a um só tempo
irremediavelmente outros
e infinitamente estrangeiros, e ainda:
desprovidos, de alguma forma, de toda significação
não sendo mais levados em conta
sem a menor esperança de ocupar um lugar
inteiramente à parte das texturas de nossa vida
que não são acessíveis, familiares, inteligíveis
senão para nós mesmos
mas para eles desprovidas de sentido
Se estamos de acordo em que o traço dominante
dos homens vivos
é sua aptidão e sua facilidade
de estabelecer entre si múltiplas relações vitais
é somente perante os mortos
que surge em nós
a tomada de consciência súbita e surpreendente
que essa característica essencial dos vivos
torna-se possível
por sua falta total de diferenças
por sua banalidade, por sua identificação universal
que destrói impiedosamente
toda ilusão diferente ou contrária
por sua qualidade comum, aprovada
sempre em vigor
de permanecer indiscerníveis
Somente os mortos se tornam
perceptíveis (para os vivos)
obtendo assim, por este alto preço
seu estatuto próprio
sua singularidade
sua SILHUETA radiosa
quase como no circo.
Kantor, 1975
In “Le Théâtre de la Mort”. Editions L’Age d’Homme, Lausanne, 1977, p. 215-224.
Desenho de Kantor para o Leito-máquina da morte
◗ 10. Recapitulação
25
Em entrevista à revista Camarim, Danilo Santos de Miranda afirma
que o SESC privilegia debate, discussão e difusão de cultura
Divulgação
entrevista
SESC aposta no valor da cultura
◗ DANILO SANTOS DE
MIRANDA tem formação
em filosofia, ciências
sociais e administração.
Desde 1984 é diretor do
SESC de São Paulo,
período em que ampliou a
atuação cultural da
entidade, afirmando ali
projetos como o CPT
Centro de Pesquisa Teatral.
Durante sua gestão foram
incentivadas pesquisas de
novas linguagens nas artes
cênicas, artes plásticas, em
música, dança e vídeo arte.
Nesse período, também
foram trazidos ao SESC
grupos artísticos,
intelectuais, diretores,
músicos, coreógrafos e
vídeomakers, fazendo da
instituição um dos mais
importantes centros
difusores de cultura para a
população de São Paulo.
Miranda concedeu à
Revista Camarim uma
entrevista, na qual fala
sobre a importância da
cultura e de como o SESC
trata essa questão.
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Revista Camarim: Na origem do “servi- buem ao tempo livre um caráter funcionaço social” há uma discussão sobre a relação lista, ferramental. A utilização criativa do
trabalho e tempo livre. Nesse campo, lazer e tempo livre, quando as pessoas estão desocultura ganham mesmo estatuto, e talvez o brigadas de suas tarefas rotineiras e obrigaSESC seja expressão disso. O senhor poderia tórias, tende a aprimorá-las em múltiplas dinos falar um pouco sobre o modo como essas mensões: na capacidade de interação, na elequestões determinam o funcionamento do vação da auto-estima, no desenvolvimento
SESC e seus projetos?
da criatividade e do pensamento, na melhoDanilo Santos Miranda: A cultura pode ria da qualidade de vida com a prática de
transformar as pessoas, tornando-as melho- atividades físicas e esportivas. Isso as torna
res, mais solidárias, mais participativas, mais melhores como pessoas e, melhores, serão
críticas. Capazes de sonhar e de romper li- mais críticas e, mais criativas, mais particimites. A cultura subverte o cotidiano e nos pativas. Disso se beneficiam, de forma direlança - prazerosa e espontaneamente –, ao ta, como conseqüência natural, as relações
conflito. O tempo livre é potencialmente na família, na comunidade e no trabalho. Isso
rico para isso, pois estamos desimpedidos ocorre, portanto, de forma natural, e nunca
de qualquer obrigação, seja junto à escola a partir de um projeto que instrumentaliza o
ou ao trabalho. É o momenuso do tempo livre para obUtilizar as formas de
to da experimentação e da
ter este ou aquele resultado
descoberta. Entretanto, não
expressão cultural como mais imediato. Uma outra
devemos “instrumentalizar”
questão na relação entre traferramenta a serviço
o tempo livre, ou tratar as
balho e tempo livre, é que
deste ou aquele projeto
ações culturais didaticanem sempre as pessoas estão
mente. Utilizar as formas de de transformação social é preparadas para usufruir o
expressão cultural como feragir contra a natureza da momento de lazer. O filósoramenta a serviço deste ou
fo alemão Dietmar Kamper
aquele projeto de transfor- própria cultura, que em si certa vez comentou sobre o
mação social é agir contra a
“ritmo desmedido do trabaencerra multiplicidade,
natureza da própria cultulho”, ou seja, as pessoas,
originalidade e
ra, que em si encerra multimesmo fora de sua rotina
diversidade
plicidade, originalidade e
profissional, não conseguem
diversidade. A grande quespensar diferente, agir difetão é proporcionar fluidez à cultura, enfren- rente, sentir diferente. Agem em situações
tando a panacéia e a mesmice do que ten- de lazer tal qual nas situações de trabalho:
de a reduzir a realidade a poucos referenci- criam regras, medidas e padrões, competem
ais, a parcas perspectivas.
e denigrem a dimensão prazerosa e descompromissada dos relacionamentos e das ativiRC: Há certa crítica que vê no trabalho do dades de seu lazer.
SESC uma faceta da vida totalmente administrada do trabalhador, em que seu tempo livre
RC: Tais questões implicariam o reconheciseria totalmente regrado pela ideologia do “bem mento de um certo “caráter público” no trabaestar” para o trabalho. Como o senhor a vê?
lho do SESC? Em que medida isso se daria?
DSM: As relações entre o trabalho e o
DSM: Não há qualquer aproximação de
lazer são discutidas largamente em teóricos caráter público, quando nos referimos à forcomo o francês Joffre Dumazedier ou o itali- ma de custeio e administração do SESC,
ano Domenico de Masi. Ambos destacam a que é uma instituição de caráter privado,
importância do tempo livre para o desen- ainda que sem fins lucrativos. O SESC atenvolvimento das pessoas. Mas não falam em de a um público prioritário, que é o trabadesenvolvimento profissional como o prin- lhador na área de comércio e serviços e seus
cipal benefício, porque essas teorias não atri- familiares. Esse público prioritário usufrui
“
”
27
entrevista
uma série de atividades com exclusividade
ou vantagens especiais. Assim, do ponto de
vista de administração e custeio, o SESC
não possui caráter público. Entretanto, podemos afirmar o caráter público do SESC
na medida em que muitas de suas ações se
estendem a toda a comunidade, seja no
atendimento direto, seja por programas que
aqui são criados e depois reproduzidos por
outras empresas, instituições e organizações. Cursos, seminários e congressos promovidos pelo SESC difundem conhecimentos e técnicas pertinentes à nossa área de
atuação. Essa é uma forma de promover
intercâmbio permanente com a sociedade.
O SESC não segrega públicos. Na área de
expressão artística, os espetáculos são acessíveis a toda a população e, além disso, são
inúmeros os projetos desenvolvidos para
toda a comunidade.
RC: A escolha por manter, no caso do teatro, um “Centro de Pesquisa” faz irradiar, como
o senhor mesmo já chegou a afirmar em textos
de programas (como o que abre o programa
do The Wooster Group), questões “por toda
atividade desenvolvida pelo SESC com o teatro”. É evidente o trabalho do SESC nessa direção. A idéia de manutenção de trabalhos de
pesquisa de cunho permanente ganha novos
fóruns em São Paulo com a Lei de Fomento.
Cia. Théâtre du Radeau (França), em Coda (2005)
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No caso do SESC, como funciona esse trabalho de manutenção (quanto ao CPT)? Como
se determinam os critérios de sua manutenção? Existe uma verba destinada ao trabalho e
à manutenção dos artistas? Existe um modelo
seguido ou elaborado? Existem outros “Centros de Pesquisa” no país?
DSM: No final da década de 1970, o Teatro SESC Anchieta exibiu os espetáculos
Macunaíma e Nelson Rodrigues – O Eterno
Retorno, dirigidos por Antunes Filho, que
desenvolvia um método de trabalho inovador. Essa é a gênese do Centro de Pesquisa
Teatral do SESC que foi criado em 1982,
com o objetivo de aprimorar a pesquisa sobre a arte dramática com vistas à realidade
brasileira. O método implementado por
Antunes tem um fundamento teórico que
alia física quântica, psicologia, correntes
filosóficas orientais e obras primas do cinema, das artes plásticas e da literatura. Seu
método se aplica especialmente ao estudo
e desenvolvimento dos recursos da voz.
Antunes costuma dizer que ele não forma
atores, forma cidadãos. E isso coaduna perfeitamente com tudo o que o SESC faz. O
CPT, quanto à manutenção, está integrado
entre os vários programas desenvolvidos
pelo SESC. O Antunes é um funcionário
do SESC. É o primeiro a chegar diariamente e, antes disso, aproveita para praticar
atividades físicas nas salas de ginástica do
SESC Consolação. Quanto a outros centros de pesquisa, é importante ressaltar que
alguns grupos de teatro mantém seus núcleos de estudo.
RC: Como então se situa o SESC em relação ao teatro na Cidade?
DSM: São Paulo conta com excelentes
teatros, que adotam padrões de programação semelhantes ou diversos ao padrão que
o SESC tem. Mas existe uma diferença fundamental. É preciso considerar que o SESC
é um centro difusor de cultura e, assim, é
também um centro de debates, de aquisição e difusão de conhecimentos, de exaltação ao saber. Para o SESC, é importante
sublinhar tendências, valorizar a experimentação e romper paradigmas. Por isso,
nomes como Grotowski, Peter Brook, Isabelle Huppert, Suzuki, Therzopoulos, F.
Tanguy, Michel Dydim, Andreas Kriegenbuer estiveram presentes nos palcos do
SESC. La Fura Del Baus, da Espanha; Thêatre de Buffes du Nord, da França e Thalia
Theater, da Alemanha, também vieram ao
Brasil. Entre os brasileiros, praticamente
todos os diretores identificados a novas propostas e pesquisas passaram pelo SESC.
RC: Trata-se de um esforço de difusão?
DSM: A democratização do acesso aos
bens culturais é um dos objetivos do SESC.
Não tratamos a cultura como algo acessório ou mera opção de entretenimento em
oposição aos infortúnios do cotidiano. O
projeto que implementamos no SESC considera a capacidade transformadora da cultura, ou seja, a capacidade de desenvolver
o pensamento crítico, emancipar a criatividade, promover a solidariedade e o desejo de participação social. O SESC São Paulo possui uma rede de nove teatros na capital, com cerca de 4 mil lugares, e de oito no
Interior e Litoral, com cerca de 2100 lugares. Além disso, algumas apresentações são
feitas em espaços alternativos. Esse número é expressivo e, certamente, o maior número de salas vinculadas a uma única instituição, mas o que importa realmente, além
da quantidade, é saber que sua programação é harmônica e está orientada por um
projeto de ação cultural.
RC: Está implicado aí um projeto de “formação de público”?
DSM: O SESC forma públicos ao promover o que poderíamos chamar de alfabetização cultural, sem adotar cartilhas,
armar tutelas ou erguer protecionismos.
Como centro cultural, o SESC não promove apenas o encontro de diferentes formas
de expressão, contemplando a diversidade
e a multiplicidade próprias ao universo cultural. O SESC também reúne públicos diversos, de variadas faixas etárias e de diferentes níveis socioeconômicos. Somente
neste mês de junho, o SESC exibe mais de
40 espetáculos para adultos e crianças. O
Wooster Group (EUA), em Frank Dell’s The
Temptation of St. Antony (1995)
Centro de Pesquisa Teatral do SESC, criado em 1982, dirigido por Antunes Filho,
figura hoje na história do teatro brasileiro
pelas idéias que ali fortificam e pelos atores
que ali se formam. Além do CPT, são freqüentes os seminários, as palestras, os cursos e os workshops, além da publicação de
livros e relatos. Em São José do Rio Preto,
no interior paulista, a Prefeitura desenvolve um festival de teatro que, há cerca de
cinco anos passou a contar com a parceria
do SESC. O festival tornou-se assim internacional e, além da exibir espetáculos, tornou-se um importante evento de intercâmbio e aprimoramento.
RC: O que é levado em conta na seleção
dos trabalhos veiculados pelo SESC?
DSM: O cotidiano tende à rotina, o pensamento à normatização. O medo diante do
desconhecido nos leva ao conformismo, o
29
entrevista
olhar simplório e vago contempla apenas o
que é óbvio e imediato. A arte, se refletir
isso, for conivente ou cúmplice dessa realidade, o deixa de ser. A cultura cumpre o
papel de transgressão e rompimento com
essa realidade deformada e deformante.
Mas faz isso com um compromisso ético: o
da elevação dos sentimentos, do enaltecimento dos valores que edificam as pessoas
e aprimoram as relações entre elas. A transgressão sem esse componente ético nos leva
ao bizarro e ao sensacionalismo – coisas que
têm circulado intensamente, em especial,
na cultura de massas.
RC: E o público?
DSM: A primeira constatação é que o público confia na programação dos teatros do
SESC, identificando-a como uma programação de referência. O SESC, de uma forma
geral, tem uma imagem muito positiva junto
à opinião pública. É tido como o espaço da
excelência, do respeito e valorização das pessoas. Depois disso, vem a crítica especializada. A maioria dos espetáculos é sempre indicada, bem referenciada e premiada, seja pela
qualidade das montagens, pela importância
dos textos apresentados ou pelas propostas
que são desenvolvidas.
RC: Então, o que faz
a especificidade do
SESC?
DSM: O SESC não
é uma casa de espetáculos. É um centro de
estudos, pesquisas e
discussão, mas essa não
é a diferença essencial,
pois outros centros culturais de São Paulo
também atuam com essas características agregadas. As diferenças essenciais se explicam a
partir da própria gênese do SESC. Esta é uma
instituição de capital
privado, mantida pelo
empresariado do co 30
Ban’Yu Inryoku (Japão), em Suna Zôo do Deserto (1995)
mércio e serviços e que não se relaciona,
em hipótese alguma, a ações de marketing
cultural ou promoção institucional. Trata-se de um projeto de desenvolvimento
social e cultural que, para sua realização,
se vale de diversas linguagens e formas de
expressão, como o turismo, a expressão física e esportiva, a expressão artística, a relação com o meio ambiente e outras. Além
da diversidade de áreas, os centros culturais e desportivos do
SESC se caracterizam
também pela diversidade de públicos, seja
quanto à faixa etária,
seja quanto ao nível sócio -econômico. Essa
diversidade e comple xidade influenciam a
forma como nos relacionamos com teatro. O
público no SESC, por
exemplo, pode apreciar uma boa apresentação e, se quiser, desenvolver habilidades próprias em oficinas ou
cursos, que se destinam
tanto aos mais leigos
quanto àqueles que
formam tendências e
Attis Theatre (Grécia), em Persas (1994)
criam propostas.
Momento de apuração dos votos após improvisação.
público torna-se cúmplice não só do êxito
(da improvisação), mas do fracasso”, diz.
◗ COMO O PRÓPRIO NOME já denuncia, há
O espetáculo consiste em um jogo no qual
cerca de quatro anos a Companhia do dois times de três palhaços cada, mediados
Quintal escolheu essa área aberta como por um juiz, jogam uma bola que contém um
palco. O grupo tem, atualmente, 11 inte- tema escolhido pelo público, sobre o qual
grantes. Todos já trabalhavam com o uni- improvisam. Assim, a interação do público é
verso dos palhaços antes de chegar à Com- grande: vai desde a escolha do tema até a torpanhia – são artistas que vieram de grupos cida por um dos times, passando pela votacomo Sarau do Charles e Doutores da Ale- ção sobre qual dos times se saiu melhor nagria, por exemplo.
quela improvisação. “Cada
Eles se uniram na Compaapresentação é um espetácunhia do Quintal para pesquilo novo; o jogo muda”, diz
sar a linguagem de palhaços
Ballas, referindo-se à grande
e improvisação. O espetácuquantidade de variantes que
lo que resultou dessa pesquipermeiam a atividade.
sa, Jogando no Quintal – Jogo
A concepção do espetácude Improvisação de Palhaços,
lo é de Marcio Ballas e César
surgiu há cerca de três anos,
Gouvêa, mas a direção é cosempre apresentado em qui- Os “atletas” do espetáculo Jogando letiva, “resultado de uma
tais que foram crescendo no Quintal
pesquisa de grupo”, como saconforme aumentava o púlienta o primeiro. Um grupo
blico. Hoje, a Companhia se apresenta em um que, apesar de apresentar-se apenas no priquintal de uma escola pública onde cabem meiro final de semana que cada mês, ensaia
400 pessoas, no Butantã (SP).
três vezes por semana, para manter-se afiado
A escolha de manter uma relação mais di- na improvisação e aprofundar a pesquisa.
reta com o público, segundo Marcio Ballas,
JOGANDO NO QUINTAL – JOGO DE
integrante da Companhia, foi importante na IMPROVISAÇÃO DE PALHAÇOS. Primeiro final de
medida em que o palhaço precisa comparti- semana de cada mês (sextas, sábados e domingos).
lhar as sensações e emoções com o público. EMEF Desembargador Amorim Lima– Rua Prof Vicente
“O palhaço, mais que outros personagens, Peixoto, 50 – Butantã. Preço: R$15,00. Informações:
pode assumir publicamente um erro. E o (11) 3672-1553 ou www.jogandonoquintal.com.br
Renato Rebizzi
Por Renata de Albuquerque
31
reportagem
Grupo pesquisa linguagem de
palhaços e improvisação
Maura Carvalho
Arte no quintal
Atores do grupo se apresentam na rua com o
Farambulante ao fundo
◗ A FARÂNDOLA TROUPE acaba de fechar
uma parceria com a Eletropaulo. A empresa vai ceder espaço e estrutura para o grupo, a partir de um projeto de comodato que,
a princípio, não está ligado a nenhuma lei
de incentivo. Será cedida sala de ensaio,
França revê Hysteria
Luiz Fernando Marques
◗ O GRUPO XIX esteve, entre abril e junho, na
França, onde apresentou o espetáculo Hysteria. O grupo já havia apresentado o espetáculo
em Paris no ano de 2003, mas desta vez a turnê passou por Arles, Gap, Lyon, Auxerre, Aubusson, Malakoff/Paris, Romans e Petit Quevilly/Rouen, em um total de 26 apresentações
bilíngües (parte do espetáculo é apresentada
em francês e parte em português). A turnê fez
parte das comemorações do Ano do Brasil na
França e foi organizada pelo grupo em conjunto com Gilbert Langlois, diretor do Festival de
Pierrefonds, onde o grupo se apresentou pela
primeira vez há dois anos.
Da esquerda
para a direita:
Juliana
Sanches,
Janaína Leite,
Sara
Antunes,
Gisela Millás e Evelyn Klein em cena de Hysteria
32
espaço no almoxarifado e um escritório para
que todas as atividades do grupo sejam desenvolvidas ali, sem que isso implique interferência da empresa no trabalho da Farândola. Ou seja: a independência do trabalho será mantida e as apresentações continuarão a acontecer na rua.
Outro projeto é a turnê da Farândola pelo
interior de São Paulo, chamado Projeto Circular. O micro-ônibus da companhia, batizado de Farambulante, deve rodar por cerca de 15 cidades durante o mês de junho,
apresentando dois espetáculos diferentes:
Que Palhaçada e Julio e Aderaldo – Um dia
na Vida de dois Sobreviventes. Algumas cidades já estão confirmadas, como Sertãozinho, Jaboticabal, Matão e Monte Alto; outras serão incluídas no roteiro durante a
passagem do grupo.
Caixa de Imagens na
Europa
◗ O GRUPO
CAIXA
DE
IMAGENS s e
apresenta na
França e na
Rússia nos
próximos meses. Fazendo
parte da proEmília cultiva tulipas no
gramação da
espetáculo Ainda Luzia
Funarte, o
grupo apresenta o espetáculo O Fotógrafo no Carreau, dentro das comemorações
do Ano do Brasil na França, em junho.
Logo depois, entre 2 e 12 de julho, o grupo estará em Moscou (Rússia). Ali faz a
abertura da Estação Brasil, dentro do
Tchecov Festival, e permanece durante
todo o festival, apresentando os espetáculos O Fotógrafo, Por dentro de Otelo e
Ainda Luzia, que na Rússia recebe o nome
de A Luz de Lorca.
Berenice Farina da Rosa
Divulgação
cooperativa em notícias
Novos projetos da Farândola Troupe
Fábio Zerloti
Itália recebe Kafka
◗ O GRUPO TEATRO CÁUSTICO/Núcleo Tubo de
Ensaio fez a pré-estréia do espetáculo A Construção, de Franz Kafka, no Teatro Hop Altrove, em
Gênova (Itália). As apresentações do espetáculo
aconteceram no final
de maio. Em junho, o
grupo continua na Itália, realizando apresentações nas cidades de
Luggo e Dozza, a convite da Associazione
Teatrale Emilia Ro magna.
O ator Wilson Julião
em cena, no espetáculo
A Construção
Núcleo
Bartolomeu leva
espetáculo
reformulado à
Espanha
Divulgação
◗ NO DIA 3 DE
MAIO a Fraternal Cia. de Artes e Malas Artes apresentou
no Teatro Acadêmico Gil Vicente, em Co imbra (Portugal), o espetáculo Auto da
Paixão e da Alegria. O convite
para a apresentação partiu do
GEFAC – Grupo de Etnogra- Aiman Hammoud e Mirtes Nogueira
fia e Folclore da no espetáculo Auto da Paixão e da
Academia de Alegria
Coimbra –, que promoveu o 11º Encontro da Jornada da Cultura Popular, que teve como tema a
discussão do sagrado e do profano. A Fraternal
também participou de debates e mesas de discussão a respeito do tema.
Arnaldo Pereira
O sagrado e o profano em
Portugal
Cena do espetáculo, em que o
personagem Segismundo é libertado e
assume a revolução, entoando: “Ouve
o que a rua propõe, entra na
celebração, a cultura como espada pra
vencer a opressão”
◗ O NÚCLEO BARTOLOMEU de
Depoimentos foi à Espanha entre 1 e 11 de março, onde apresentou o espetáculo Acordei que
sonhava em Madri, Alcalá de Henares e Valladolid. Para essas
apresentações o espetáculo sofreu algumas alterações, como a
introdução de falas em diversos
idiomas, como o espanhol e o
francês. Além disso, na cena da
revolução, uma grande mudança aconteceu: retirou-se a alusão
a armas e foi incorporada à cena
uma coreografia, que representa
uma proposta artística e pacífica
de revolução. O resultado foi tão
positivo que essa modificação
agora passa a fazer parte do espetáculo em definitivo.
33
◗ O CEFAC (Centro de Formação Profissional em Artes Circenses), uma iniciativa sem
fins lucrativos que surgiu há um ano e meio
da parceria entre o Galpão do Circo e a
Central do Circo, está com as inscrições
abertas para o processo seletivo de sua terceira turma.
O curso, profissionalizante, é prático,
com aulas diárias de teatro, dança, preparação física, técnica aérea, técnica de manipulação, técnica de equilíbrio e técnica
acrobática. São quatro níveis que podem
ser concluídos em cerca de cinco anos se o
Divulgação
cooperativa em notícias
CEFAC abre inscrições
Alunos em aula no CEFAC
aluno já tiver experiência prévia.
Para mais informações, consulte o link que
está na página www.galpaodocirco.com.br, ou
por telefone: (11) 3812-1676 e 3815-6147.
Cooperados no Prêmio Shell
A revista Camarim cumprimenta os
cooperados vencedores da 17ª edição do
prêmio Shell, referente ao ano de 2004. Veja
a seguir a lista do cooperados vencedores:
Autor: Newton Moreno, por Agreste
Direção: Cristiane Paoli-Quito,
por Aldeotas
Ator: Luiz Damasceno,
por Mercador de Veneza
Cenário: Ilo Krugli, por Bodas de Sangue
Música: Wanderley Martins, Caíque
Botkay e João Poletto, por Bodas de
Sangue
Categoria especial: Cia. Livre, pelo
projeto Arena conta Arena 50 anos
Homenagem: José Renato, pela
contribuição constante ao teatro
brasileiro
Cooperados são destaque no Prêmio Coca-Cola/FEMSA
◗ A DIVULGAÇÃO do resultado do Prêmio
Coca-Cola Femsa no Teatro, a única premiação cultural voltada exclusivamente
para o teatro infantil, aconteceu em abril,
em São Paulo. Profissionais e espetáculos ligados à Cooperativa Paulista de Teatro foram os grandes vencedores da premiação. Veja a lista dos premiados:
Autor: As Meninas do Conto (As
Velhas Fiandeiras)
Diretor: Cris Lozano (Caixa Mágica)
Cenografia: Carlos Palma (20.000
Léguas Submarinas – Ufa!)
Ator: Guto Togniazollo (Caixa Mágica)
Atriz: Bia Seidl (O Mistério do
Fantasma Apavorado)
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Figurino: Marco Lima (Os Direitos da
Criança)
Iluminação: Fernando Anhê (Pedro e o
Lobo)
Revelação: Andréa Dupré (atriz, por A
Matéria dos Sonhos)
Trilha Sonora: As Meninas do Conto
com Guilherme Maximiano e Girlei
Miranda (As Velhas Fiandeiras)
Categoria Especial: Zôo-Ilógico, pelo
teatro de animação de objetos
Produção: Cia. Delas de Teatro e Mira
Haar (Cabine do Destino)
Melhor Espetáculo de 2004: As
Velhas Fiandeiras (As meninas do
Conto)
DIRETORIA:
Presidente
Vice-presidente
Secretário
Segundo Secretário
Tesoureiro
Segundo Tesoureiro
Vogal
Ney Piacentini
Cenne Gotts
Roberto Rosa
Fernanda Rapisarda
Aiman Hammoud
Alexandre Terreri
Carlos Biaggiolli
([email protected])
CONSELHO FISCAL:
Paulo Del Castro Rosy Farias
Amazyles Almeida Beth Rizzo
Carlos Colabone Emília Rinaldi
CONSELHO CONSULTIVO:
Bebê de Soares Fátima Ribeiro
Patrícia Barros Pedro Pires
Petrônio Nascimento Sérgio Santiago
Graça Berman
NO FRONT:
Administração Darcio Ranção Ricca ([email protected])
Secretária da Diretoria Mayra Rizzo Vieira ([email protected])
Financeiro Joyce Maria dos Santos ([email protected])
Luana Kavanji ([email protected])
Wladimir dos Santos Baptista ([email protected])
José Davi Souza Rafael
Contas a receber Vânia Longuinho de Souza ([email protected])
Faturas Rosana de Oliveira Maciel ([email protected])
Fiscal Mara Regina ([email protected])
Gestão de Cooperados Eliana Albieri da Silva ([email protected])
Banco de Dados e Cadastro Thaís Albieri ([email protected])
Atendimento Rodrigo Correa Braz ([email protected])
Fábia Fernanda Pinez
Ricardo Pereira Barroso
Auxiliar jurídico Thiago Fusco ([email protected])
Webmaster Demerson Silva Campos ([email protected])
Recepcionista Dayane Aparecida dos Santos
Office-boy Diego Geraldo Nunes
Faxineira Maria das Montanhas
Contabilidade Contabs Assessoria Empresarial
Andréia
Paula Romano
([email protected])
DEPARTAMENTO JURÍDICO:
Advogados Martha Macruz de Sá
Álvaro Paez Junqueira
([email protected])
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