uso da glucosamina e condroitina no tratamento da osteoartrose

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uso da glucosamina e condroitina no tratamento da osteoartrose
rev bras ortop. 2013;48(4):300-306
www.rbo.org.br
Artigo de Revisão
Uso de glucosamina e condroitina no tratamento da
osteoartrose: uma revisão da literatura
Osmar Valadão Lopes Júnior,a,* e André Manoel Ináciob
aMédico
Ortopedista e Traumatologista. Preceptor do Serviço de Cirurgia do Joelho do Instituto de Ortopedia e Traumatologia de Passo
Fundo e Hospital São Vicente de Paulo, Passo Fundo, RS, Brasil.
bMédico Ortopedista e Traumatologista. Residente (R4) do Serviço de Cirurgia do Joelho do Instituto de Ortopedia e Traumatologia de Passo
Fundo, Passo Fundo, RS, Brasil.
Trabalho realizado no Instituto de Ortopedia e Traumatologia de Passo Fundo, RS, Brasil.
informações sobre o artigo
r e s u m o
Histórico do artigo:
Avaliar evidências que apoiem ou refutem o uso de glucosamina e condroitina no
Recebido em 28 de agosto de 2012
tratamento de pacientes com osteoartrose. Foi feita uma revisão da literatura com o uso
Aceito em 17 de dezembro de 2012
dos bancos de dados Medline, Pubmed e Cochrane Controlled Trial Register e Cochrane
Databases Systematic Reviews (Cochrane Library). Foram considerados apenas estudos com
Palavras-chave:
elevado nível de evidências. O estudo incluiu a análise de ensaios clínicos randomizados
Condroitina
que incluíram pelo menos 100 pacientes em cada grupo de intervenção, metanálises e
Glucosamina
revisões sistemáticas. Sete metanálises, uma revisão sistemática e cinco ensaios clínicos
Osteoartrose
randomizados preencheram os critérios de inclusão desta revisão. Frente às melhores
Revisão
evidências existentes até o momento, o uso da glucosamina sulfatada/hidroclorídrica e da
condroitina não produz benefícios clinicamente relevantes em pacientes com osteoartrose
do joelho e do quadril (nível de evidência I e grau de recomendação A). Futuros estudos com
metodologia adequada são necessários para elucidação dessa questão.
© 2013 Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Publicado pela Elsevier Editora
Ltda. Todos os direitos reservados.
*Autor para correspondência: Rua Uruguai, 2050, Passo Fundo, RS, Brasil. CEP 99010-112.
E-mail: [email protected]; [email protected] (O.V. Lopes Júnior)
0102-3616/$–see front matter © 2013 Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Publicado pela Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
doi: 10.1016/j.rbo.2012.09.007
rev bras ortop. 2013;48(4):300-306
301
Use of glucosamine and chondroitin in the treatment of osteoarthritis: a
literature review
a b s t r a c t
Keywords:
To evaluate the current evidence that support or disprove the use of glucosamine and
Chondroitin
chondroitin in the treatment of patients with osteoarthritis. We performed a literature
Glucosamine
review using the databases of Medline, PubMed and the Cochrane Controlled Trial
Osteoarthritis
Register and Cochrane Databases Systematic Reviews (Cochrane Library). We considered
Review
only studies with high level of evidence. The study included analysis of randomized
controlled trials that included at least 100 patients in each intervention group, metaanalyzes and systematic reviews. Seven meta-analysis, one systematic review and
five randomized clinical trials fit inclusion criteria of this review. Considering the
best evidences until now, the use of glucosamine and chondroitin does not provide
clinical relevant benefits to patients with osteoarthritis of the knee or hip (Level I of
evidence and grade A of recommendation). Further trials with adequate technology are
necessaries to elucidate this question.
© 2013 Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Published by Elsevier Editora
Ltda. All rights reserved.
Introdução
A osteoartrose (OA), artrose ou osteoartrite é a forma mais
frequente de artrite e é uma das principais causas de restrição
e redução da qualidade de vida da população acima dos 50
anos. A necessidade de recursos financeiros direcionados
ao tratamento da OA cresce anualmente por causa do aumento
da prevalência da osteoartrose. Esse aumento é causado
principalmente pela maior expectativa de vida da população,
o que acarreta uma maior incidência de doenças degenerativas
articulares.1
Estima-se que mais de 75% das pessoas acima de 65 anos
apresentem osteoartrose em uma ou mais articulações. 2
Estudos americanos mostram que 12,1% dos indivíduos
acima de 25 anos apresentam sinais e sintomas clínicos
de osteoartrite e que 6% e 3% dos indivíduos acima dos
30 anos apresentam sintomatologia de osteoartrose nos
joelhos e quadris, respectivamente.3 Atualmente, no Brasil,
não há estudos epidemiológicos que retratem a prevalência
da osteoartrose nem tampouco a quantidade de recursos
públicos empregados para o tratamento da patologia. Mesmo
assim, com uma proporção de idosos acima dos 60 anos em
torno de 9,9% e com uma expectativa de vida em torno de 21,3
anos, devemos considerar a osteoartrose como uma doença
de interesse em saúde pública no Brasil.4
A osteoartrose é caracterizada pela degradação da
cartilagem articular. O quadro clínico é composto por dor,
rigidez, efusão e deformidades articulares. Fatores biológicos,
genéticos, bioquímicos, nutricionais e mecânicos contribuem
para a etiologia da osteoartrose.3,5
A osteoartrose causa destruição da cartilagem com
subsequente perda do espaço articular. Entretanto, a
osteoartrose deve ser considerada como uma doença de toda
articulação envolvendo cartilagem, ligamentos, sinóvia e
osso. Sob um suposto componente genético, acredita-se que
a osteoartrose primária é desencadeada por uma sobrecarga
mecânica na cartilagem que ocasiona um ciclo vicioso
inflamatório e degradação da cartilagem articular. Essa via
inflamatória tem como agentes primários a interleucina-1
(IL-1) e o fator de necrose tumoral (TNF) que induzem uma
maior expressão de metaloproteases e óxidos nítricos (NO),
os principais agentes catabólicos envolvidos na lesão da
cartilagem articular.5,6,7
Atualmente, não há consenso a respeito do tratamento
ideal da osteoartrose. Vários métodos de tratamento têm
sido usados visando à melhoria da dor e do padrão funcional
dos pacientes. Dentre esses métodos destacam-se os
farmacológicos, os não farmacológicos (fisioterapia, terapia
ocupacional, perda ponderal e exercícios), os agentes
físicos, os de terapia alternativa (homeopatia, acupuntura e
medicamentos fitoterápicos) e os cirúrgicos.
Os anti-inflamatórios não esteroidais (AINES) são
considerados por muitos autores os medicamentos de
primeira escolha para o tratamento medicamentoso da
OA.8,9 O uso dos AINES tem se mostrado eficaz no alívio da
dor e na melhora da função em pacientes com osteoartrose.
Entretanto, devemos considerar que os AINES são medicações
sintomáticas que não estão associadas com a modificação
da história natural da OA. Ainda, a principal limitação do
uso crônico dos AINES é decorrente dos potenciais efeitos
adversos ao sistema gastrointestinal e cardiovascular
encontrados principalmente em pacientes idosos.10
Recentemente, novos medicamentos têm sido considerados
no tratamento da osteoartrose. Dentro desse novo contexto,
a glucosamina e a condroitina surgiram como opções
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biológicas para o tratamento medicamentoso. Mesmo sem
evidências científicas fortes, ambos os medicamentos têm
sido considerados como modificadores da história natural da
osteoartrose.11
Acredita-se que a glucosamina participe como substrato
na síntese de glicosaminoglicanos (GAGs), proteoglicanos
e hialuronato da cartilagem articular. Ela ainda age no
condrócito ao estimular a síntese de proteoglicanos e inibir a
síntese de metaloproteases. O uso da glucosamina é baseado
em estudos feitos em modelos animais e estudos in vitro que
evidenciaram normalização do metabolismo articular durante
a cicatrização de lesões condrais, além de discreta ação antiinflamatória.12,13 Há três tipos de glucosaminas disponíveis
no mercado: a glucosamina hidroclorídrica (retirada da casca
de caranguejo), a glucosamina sulfatada (retirada da casca
de camarão) e a glucosamina sintética (sulfatada). Alguns
estudos mostraram que a glucosamina é mais eficiente do
que o placebo na melhoria sintomática e ainda pode diminuir
a velocidade de progressão do estreitamento articular na
osteoartrose.14-19
A condroitina é um glicosaminoglicano (GAG) encontrado
em vários tecidos, inclusive na cartilagem hialina. Estudos
recentes concluíram que a condroitina estimula a síntese
de cartilagem, além de atuar na inibição da IL-1 e das
metaloproteases.20 Há também evidências que indicam que
a condroitina é melhor que placebo no alívio dos sintomas,
mas não se mostrou eficaz na diminuição da progressão do
estreitamento articular.
O uso da associação entre glucosamina e condroitina
apresenta um pico plasmático inicial em torno de duas
horas após a ingestão do medicamento e um segundo
pico após 18 horas, o que indica a existência de circulação
êntero-hepática. O uso de glucosamina via oral na dose
única de 1.500 mg produz uma concentração plasmática de
aproximadamente 10 μMol, enquanto que o uso de 500 mg
tomadas três vezes ao dia gera uma concentração de apenas
3 μMol. A dose recomendada de condroitina é de 1.200 mg
por dia. Adicionalmente, acredita-se que a associação de
glucosamina/condroitina é absorvida satisfatoriamente por
via oral por mecanismo saturável, o que é importante na
prática clínica.21
Os potenciais efeitos sinérgicos da associação de
glucosamina e condroitina ainda estão sendo estudados.
Recente estudo não encontrou evidências de que a associação
dos medicamentos promova melhoria dos sintomas quando
comparada ao placebo no tratamento de pacientes com
osteoartrose.22
A presente revisão tem como objetivo avaliar as evidências
atuais que apoiem ou refutem o uso de glucosamina e
condroitina no tratamento de pacientes com osteoartrose.
incluídos apenas estudos definidos com alta qualidade de
evidências (Nível A – segundo Oxford Centre for Evidence Based
Medicine),23 como revisões sistemáticas, metanálises e ensaios
clínicos controlados randomizados (ECR). A população de
interesse incluiu pacientes com osteoartrose do joelho e/
ou quadril em tratamento não cirúrgico para osteoartrose
dolorosa.
Critérios de inclusão dos artigos
Foram incluídos apenas estudos definidos como de alta
qualidade de evidência (Nível A – segundo Oxford Centre for
Evidence Based Medicine):23
- Revisões sistemáticas ou metanálises de ensaios clínicos
randomizados que avaliam o uso de glucosamina/condroitina
em humanos com osteoartrose no joelho e/ou quadril;
- Ensaios clínicos randomizados (ECR) controlados que
comparam o uso de glucosamina/condroitina com placebo
ou outro medicamento com no mínimo 24 semanas de
seguimento;
- Estudos adequadamente desenhados e que incluam pelo
menos 100 pacientes em cada intervenção (glucosamina,
condroitina, glucosamina/condroitina e placebo).
- Estudos que apresentam como desfecho primário a
avaliação da intensidade da dor e como desfecho secundário
a diminuição do espaço articular avaliado por meio de
radiografias do joelho.
Critérios de exclusão dos artigos
- Estudos em animais;
- Estudos que avaliaram a articulação têmporo-mandibular.
Resultados
Dos 413 estudos potencialmente elegíveis pesquisados
na Medline e no Pubmed (palavras-chaves: glucosamine
AND chondroitin), apenas 13 estudos incluíam a palavra
meta-analysis. Das 13 metanálises detalhadamente
avaliadas, apenas oito estudos, inclusive uma revisão
sistemática da Cochrane Collaboration, preenchiam os
critérios de inclusão com elevada qualidade das evidências
apresentadas. 15,17,18,24-27 Ainda, dos 58 potencialmente
elegíveis ensaios clínicos randomizados, apenas cinco
estudos preencheram os critérios de inclusão e foram
Materiais e métodos
Foi feita uma revisão da literatura com o uso dos bancos de
dados Medline, Pubmed e Cochrane Controlled Trial Register e
Cochrane Databases Systematic Reviews (Cochrane Library). A
pesquisa usou como palavras-chaves glucosamine, chondroitin,
osteoarthritis, randomised, controlled e meta-analysis. Foram
selecionados para elaboração desta revisão.19,22,28-31 Todos
os ECR incluídos apresentavam um adequado delineamento
e elevada qualidade das evidências apresentadas. No
fim, 11 estudos preencheram os critérios de inclusão
para a elaboração da revisão sistemática. Os resumos e
comentários dos estudos avaliados estão inseridos nos
tabelas 1 e 2.
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Tabela 1 - Resumo dos estudos de metanálise e RS avaliados
Estudo (ref#)
Nível de evidência
Tipo de estudo
Parâmetros avaliados
Resultados e conclusões
1A
Metanálise (10 ECR)
N = 3.803
GS/GH, CS vs placebo
Dor (VAS)
[24]
GS/ GH e CS não reduzem dor e não têm
impacto no estreitamento do espaço articular.
[15]
1A
Revisão sistemática
(25 ECR)
GS vs placebo
Dor/Função
Efeitos estruturais
Os estudos sem conflitos de interesse não
demonstram benefícios com o uso de GS.
[25]
1A
Metanálise
15 estudos
GH, GS
Dor
Estudos heterogêneos.
Conflitos de interesse.
Efeitos maiores em estudos com conflitos de
interesse.
[31]
1A
Metanálise
6 revisões sistemáticas
01 Guideline GS/GH, CS
Dor
Espaço articular
Custo-efetividade
GS apresenta melhores resultados clínicos.
Custo-efetividade não detalhado claramente.
[26]
1A
Metanálise (6 ECR)
N = 1.502
GS e CS
Espaço articular
GS e CS retardam a progressão da osteoartrose
após 2-3 anos. Efeitos discretos.
[27]
1A
Metanálise 20 ECR
N = 3.846
CS vs placebo
Dor
Maioria dos estudos apresentou erros de
delineamento.
CS não apresenta benefícios.
[18]
1A
Dor/Diferentes
parâmetros avaliados
Apenas um estudo apresentou clareza na
alocação. Maioria dos estudos apresentava
conflitos de interesse. GS/CS eficaz no controle
da dor e melhoria da função.
[17]
1A
Espaço articular
Escores funcionais
GS eficaz em todos os parâmetros avaliados;
CS não mostrou eficácia no retardo da evolução
radiológica. Futuros estudos são necessários.
Metanálise
15 ECR
GS e CS
Metanálise
GS e CS
CS: sulfato de condroitina; **ECR: Ensaio Clínico Randomizado; GH: glucosamina hidroclorídrica; *GS: sulfato de glicosamina; ***VAS: avaliação
da dor pela escala visual analógica.
#Cochrane: revisão publicada na The Cochrane Library ## Aine: anti-inflamaório não esteroide.
Tabela 2 - Resumo dos ECR avaliados
Estudo (ref#)
[22]
[19]
[19]
[29]
[30]
Nível de evidência
1A
1A
1A
1A
1A
Tipo de estudo
ECR, controlado, DB
N =.1583
GH, CS, GH+CS,
celecoxib, placebo
Efeito esperado de
melhora
ECR, controlado, DB
N = 212
GS 1.500 mg/dia/3
anos vs placebo
Alocação não
detalhada
Parâmetros avaliados
WOMAC c/ dor
Avaliação em 4, 8,16 e 24
meses
Espaço articular medial
WOMAC
Resultados e conclusões
GH, CS ou GH+CS não reduzem dor em
pacientes com osteoartrose.
GH+CS pode diminuir a dor em pacientes com
artrose moderada a severa.
GS menor perda de espaço articular (p = 0,043).
Discreta melhora clínica (p = 0,020).
Diferença clínica irrelevante.
Conflitos de interesse
ECR, controlado, DB
N = 202
GS 1.500 mg/dia/3
anos vs placebo
Espaço articular medial
WOMAC
Lequesne
GS menor perda de espaço articular (p = 0,001).
Discreta melhora clínica 20-25%.
Diferença clínica irrelevante.
Conflitos de interesse.
ECR, controlado, DB
N = 186
GS 1.500 mg/dia/12
sem vs placebo
WOMAC
Dor e rigidez
Escore funcional
GS e placebo sem diferença.
Seguimento curto.
ECR, controlado, DB
N = 622
CS 800 mg/dia/24
sem vs placebo
Dor
Espaço articular medial
CS promoveu melhora da dor e menor perda do
espaço articular medial.
CS: sulfato de condroitina; ***DB: Estudo com cegamento duplo; **ECR: Ensaio Clínico Randomizado; GH: glucosamina hidroclorídrica;
*GS: sulfato de glicosamina; ****WOMAC: Western Ontario and McMaster Universities Osteoarthritis Index. Lequesne; Escores usados para
avaliação funcional em pacientes com osteoartrose.
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Discussão
A osteoartrose é a forma mais comum de artrite e uma das
mais frequentes causas de morbidade na população acima
dos 50 anos. As articulações do joelho e do quadril estão
entre as articulações mais afetadas e, certamente, por serem
consideradas articulações de carga, o seu envolvimento
acarreta elevado grau de limitação funcional dos membros
inferior. Com o aumento da expectativa de vida da população
brasileira, o tratamento das doenças degenerativas articulares
deve ser considerado assunto de interesse em saúde pública.
No Brasil, não há dados precisos a respeito da prevalência da
osteoartrose e nem tampouco o custo estimado do tratamento
e das despesas previdenciárias decorrentes de complicações
da osteoartrose. Nos Estados Unidos, em 2004, US$ 86 bilhões
foram destinados ao tratamento da osteoartrite. A venda de
medicamentos/suplementos para osteoartrose movimentou
US$ 760 milhões.32
O tratamento clínico da osteoartrose ainda é motivo de
debate. Mesmo após vários anos de pesquisa e investimento,
ainda existem dúvidas a respeito da eficácia do uso da
glucosamina e condroitina como medicamentos modificadores
da história natural da osteoartrose. A maioria dos estudos
publicados até o momento carece de melhor delineamento
para que se extraiam conclusões seguras.
McAlindon et al. 18 avaliaram 15 ensaios clínicos
randomizados (ECR) que analisaram o benefício do uso de
glucosamina e condroitina no tratamento da osteoartrose
de joelho e quadril. O estudo concluiu que a glucosamina e a
condroitina produzem efeitos no mínimo moderados, mas a
qualidade das publicações é inadequada e a quantificação do
efeito apresentado é geralmente exagerada. Apenas um dos
estudos incluídos tinha descrição adequada dos métodos de
randomização e apenas dois incluíram a análise por intenção
de tratar. Em outro aspecto interessante, a maioria dos
estudos foi financiada pela indústria farmacêutica. O efeito
da medicação foi menor somente quando foram considerados
apenas os grandes ensaios bem delineados.
Lee et al.26 avaliaram 1.502 pacientes em uma metanálise.
O estudo teve como desfecho primário a diminuição do espaço
articular medial do joelho. Concluiu-se que o sulfato de
glucosamina e o sulfato de condroitina retardam a progressão
da gonartrose pela menor perda do espaço articular após três
anos de uso da medicação. O efeito encontrado foi menor com
o uso da condroitina. Devemos salientar que, neste estudo, não
foi avaliada a melhora funcional e a diminuição da dor. Em
uma interpretação crítica, lembramos que mesmo com uma
diferença estatisticamente significativa em favor do uso da
medicação, considerando a progressão radiológica da artrose,
isso pode não estar relacionado com um desfecho clinicamente
relevante.
Reichenbach et al. 27 avaliaram o uso do sulfato de
condroitina isolado em 20 estudos, que totalizaram 3.846
pacientes. Concluiu que o uso da condroitina isolada não está
associado com diminuição da dor e melhoria funcional. Ainda,
grande parte dos estudos apresenta falhas metodológicas.
Vlad et al. 25 demonstraram que a maioria dos estudos
apresenta conflitos de interesse e são heterogêneos para que
possam ser avaliados em conjunto. Os efeitos positivos foram
maiores nos estudos financiados pela indústria farmacêutica.
Richy et al. 17 mostraram que o sulfato de glucosamina e
o sulfato de condroitina melhoram a função e retardam
a progressão da artrose, mas afirmam que novos estudos
metodologicamente qualificados são necessários para a
confirmação dos resultados.
Towheed et al. 15 publicaram uma importante revisão
sistemática na The Cochrane Library em 2009. A revisão
avaliou 25 estudos que compararam o uso de glucosamina
com placebo no tratamento da osteoartrose e concluíram
que, até o momento da publicação, não havia evidências
fortes que justificassem o uso da glucosamina no tratamento
da osteoartrose. A revisão incluiu estudos que avaliaram
dor global, função, mobilidade, redução do espaço articular
e satisfação do paciente com o tratamento. Neste trabalho,
56% dos estudos tinham alguma relação com a indústria
farmacêutica. Os autores salientam que se forem avaliados
apenas os estudos sem conflitos de interesse com a indústria
farmacêutica, não há benefícios clinicamente relevantes com
o uso da glucosamina no tratamento da osteoartrose.
Black et al.,31 em uma revisão sistemática, chegaram a
conclusões inconsistentes quanto à melhoria clínica dos
pacientes em uso de sulfato de glicosamina e condroitina, com
apenas efeitos modestos na dor e função. Quando avaliou a
redução do espaço articular, esse dado foi mais consistente,
mas sem relevância cínica. Ao analisar somente o sulfato de
glicosamina, observou melhoria significativa na dor, função e
redução do espaço articular, mas o significado clínico desse
dado não pode ser definido com clareza. Ainda nesse mesmo
estudo a relação de custo-efetividade do tratamento não pôde
ser demonstrada claramente.
Recentemente, Wandel et al.24 publicaram no British Medical
Journal uma metanálise que incluiu 3.803 pacientes distribuídos
em 10 grandes ensaios clínicos randomizados controlados.
Todos os estudos incluídos apresentavam pelo menos 100
pacientes em cada intervenção (glucosamina sulfatada/
hidroclorídrica, condroitina, glucosamina e condroitina
associadas e placebo). Comparadas com placebo, a glucosamina
e a condroitina usadas isoladamente ou associadas não foram
capazes de diminuir a dor e a progressão radiológica da artrose.
As diferenças encontradas foram pequenas e clinicamente
irrelevantes. Os autores concluíram que os gestores da
saúde pública e também os planos de saúde não devem se
responsabilizar pelos custos do uso de tais medicações. Ainda,
os autores afirmam que as novas prescrições de glucosamina e
condroitina devam ser desencorajadas na prática clínica.
Dentre os ensaios clínicos, Clegg et al.22 publicaram um
estudo randomizado, controlado e multicêntrico, denominado
GAIT, que comparou o uso de glucosamina, condroitina,
glucosamina e condroitina associados, celecoxib e placebo no
tratamento clínico de pacientes com osteoartrose do joelho.
O ensaio clínico avaliou 1.583 pacientes em 13 centros de
pesquisa nos Estados Unidos. Como desfecho primário, o
estudo encontrou uma diminuição de 20% da dor no Western
Ontario and McMaster Universities Osteoarthritis Index (WOMAC)
e OMERACT-OARSI. O resultado geral após 24 semanas de
seguimento mostrou que a glucosamina e a condroitina
isoladas ou em associação não diferiram do placebo ou do
rev bras ortop. 2013;48(4):300-306
celecoxib no controle global da dor. Entretanto, na análise
dos subgrupos, a associação da glucosamina e condroitina
se mostrou eficaz na diminuição da dor em pacientes com
gonartrose moderada a severa. Mas sabendo que os dados
não foram gerados para análise de determinado subgrupo,
os resultados extraídos de um subgrupo devem servir apenas
como geradores de hipótese para futuras pesquisas. Alguns
autores questionam os resultados desse estudo e argumentam
que nos EUA a glucosamina e a condroitina são substâncias
consideradas como suplementos alimentares e não passariam
por um controle rígido de qualidade. Contudo, para o estudo
GAIT, o controle de qualidade foi feito pela Food and Drug
Administration (FDA).
Considerações finais
Concluímos que, frente às melhores evidências existentes até
o momento, o uso da glucosamina sulfatada/hidroclorídrica e
da condroitina não produz benefícios clinicamente relevantes
em pacientes com osteoartrose do joelho e do quadril (nível
de evidência I e grau de recomendação A). Futuros estudos
com metodologia adequada são necessários para elucidação
dessa questão.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
R E F E R Ê N C I A S
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