A Flor bonita dos incensatos - Portal de Artes Plásticas Paulo Garcia

Transcrição

A Flor bonita dos incensatos - Portal de Artes Plásticas Paulo Garcia
“A FLOR BONITA DOS INSENSATOS”
By Paulo Garcia
1
Índice
Ferry Fausto...................................................................................................pág 10
Navios..........................................................................................................pág 23
A Manuel Bandeira.............................................................................................pág 23
Inútil...........................................................................................................................................................................................pág 24
Mulheres Bah............................................................................................................................................................................pág 25
My mother.................................................................................................................................................................................pág 26
A lua sozinha..............................................................................................................................................................................pág 26
Dos cartazes da lorca ao amarelo de Van goch.................................................................................................................pág 27
Alegra-te ao ler teus versos Carol........................................................................................................................................pág 28
Os Ossos servidos.....................................................................................................................................................................pág 29
O oftamologista de Pequim .....................................................................................................................................................pág 31
Ana das crianças.........................................................................................................................................................................pág 32
ADEUS SIMONE A ... VOCÊ SEU VESTIDO ESTAMPADO, SUA BOLSINHA, SUAS IDÉIAS E SUAS SANDÁLIAS DE
COURO.........................................................................................................................................................................................pág 34
O Teu e o Meu Batom................................................................................................................................................................pág 35
A prisão do Sentido...................................................................................................................................................................pág 36
As lições do Abismo...................................................................................................................................................................pág 37
Linda...............................................................................................................................................................................................pág 38
Poeminha ridículo e cretino.......................................................................................................................................................pág 40
Trouxe............................................................................................................................................................................................pág 42
O sétimo grau...............................................................................................................................................................................pág 43
Sina.................................................................................................................................................................................................pág 44
Saudade.........................................................................................................................................................................................pág 45
Menina Palestina..........................................................................................................................................................................pág 48
A simetria dos teus lábios e teus dentes de Marfin..........................................................................................................pág 50
É Raul na Garganta de Roberto Frejah..................................................................................................................................pág 51
Saudade é Madeira de Lei.........................................................................................................................................................pág 52
Francisco e Sofia........................................................................................................................................................................pág 53
Casa Astral....................................................................................................................................................................................pág 54
Uma canção fácil de guardar: Recheada de nada, caos e lágrimas............................................................................................................pág 55
À Mário de e Oswald de Andrade de bobeira...........................................................................................................................................pág 56
Tempo de tédio (ou por quais pessoas respondo ou quantas)..........................................................................................................................................pág 57
O diabo na terra do sol..............................................................................................................................................................pág 59
Breve Biografia............................................................................................................................................................................pág 60
Nada mais......................................................................................................................................................................................pág 60
Olho em volta e você não está mais aqui................................................................................................................................pág 61
Quando o verde o vermelho e o branco são cores afins.....................................................................................................pág 63
Os urubus.......................................................................................................................................................................................pág64
Antígona na praça........................................................................................................................................................................pág 65
Basquete em cadeira de rodas.................................................................................................................................................pág 67
O íntimo do ser, a porta da rua escancarada........................................................................................................................pág 71
Três meninas do brasil, três corações zombeteiros e um mesmo triste fim................................................................pág 73
Jimi Hendrix e Beatrix..............................................................................................................................................................pág 75
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A ARTE É A FLOR BONITA DOS INCENSATOS
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Este livro foi possível graças ao incentivo do meu tio:
UM GRANDE CARA.
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Agradecimentos: a Arion (O único amigo que deixei em Pedra Azul), a Marina ,ao Prof. Haroldo;
a Simone Pessoa, a minha amiga e incentivadora rô , Marilha e ao povo do bairro de Santa
Efigênia. Em especial aos meus dois amigos cachaceiros Evaldo e Bacana.
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Epígrafe
“Dias sim; Dias não
Eu vou vivendo sem um arranhão
Da caridade de quem me detesta
A tua piscina tá cheia de ratos
Tuas idéias não correspondem aos fatos
O tempo não pára”
Cazuza / “O Tempo não Pára”
PREFÁCIO DO AUTOR
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Já que não aparece ninguém para escrever a merda deste prefácio, escrevo eu mesmo Phôdàz!
Este é um livro de adolescente. Nasceu há mais de 21 anos atrás numa pensão muquifa na
Rua São Paulo, perto da Zona. Na época me caiu nas mãos o livro de um poeta tuberculoso (uma
antologia poética editada pela José Olympio): nada mais adolescente! O poeta tinha um ouvido
muito afinado para as composições outonais que brotam dos becos. A única coisa que eu vejo é o
beco. Naqueles dias, de chinelas de couro e casaco de linho branco roubados de tio Giovane, batas
azuis e um Maiacoviski de bolso debaixo do sovaco, decidi ser poeta.
Era um adolescente de voos altos e tombos acrobáticos. Um adolescente que não sabia
que era uma viração de mercado. Esperando a saída de uma geração mais antiga para entrar. Uma
cria maldita de Dean, Brando, Elvis, Beetles e Bruce Lee. Mas atenção, que ele vai entrar na
história: Glauber Rocha! Eu conhecia Glauber desde os 15 anos, que foi quando ouvi falar dele
pela primeira vez. Cursando a 7a Série do Colégio Arnaldo, numa segunda-feira eu estava em
estado de graça. No domingo à noite tinha assistido Glauber no Abertura.
CARA, O CARA ERA TUDO!!! Eu tinha a impressão de ter entendido tudo! Tava tudo ali:
política, poesia, cultura, sexo... tudo! Se quando conheci Bandeira, eu passei a querer uma morte
wetheriana, descobri que aquele homem com mais alguns meses ou, mesmo, 2 ou 3 anos de vida,
aos dezoito anos, encontrou força e motivos na poesia para viver o caos até os 80 anos. Um
jovem que só conhecia as prostitutas, escrevia com aquela sensualidade toda. Ao conhecer
Glauber, eu que nos meus tempos de Albert Einstein já conhecia Drummond (lia os poemas dele
no quarto e achava fácil escrever tudo aquilo com tamanha genialidade e corria para a sala ouvir
Jetro Tull no headphone, sentava na máquina de escrever e queria escrever tudo, com tamanha
simplicidade e só conhecia a impotência poética), resolvi: vou ser glauber!
Aí, cara, se vão bem uns 20 anos.
Da saída da casa de minha mãe para uma pensão na Rua São Paulo - já se vai um monte de
tempo. Um montão de tempo!
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Não consegui ser cineasta. Minha tentativa de ser no mundo do cinema durou pouco tempo, a
morte de Glauber, assassinado vergonhosamente a pau na praça pública pêlos seus próprios amigos
(AMIGOS???). A decepção foi tão grande. A irresponsabilidade, incompetência e displicência de
meu analista me jogou numa depressão que durou 10 anos. Que que eu tenho para contar dos meus
20 anos? Que fui funcionário público por dois anos, que amei Bia. E que fiz terapia com Zélia
Nascimento, que me enfiou um pouco de juízo na cabeça.(que para quem não tinha nenhum, foi
lucro). Isso foi, será tudo que eu terei para dizer dos meus 20 anos. Só.
Aos trinta, as coisas começaram a se acertar. Descobri, por puro acaso, Renata Peters.
Cansado de beber, fui fazer terapia ocupacional num hospício de luxo. Antes de entrar
para conhecer as instalações da terapia ocupacional, e era um lugar lindo, li uma frase de
Millor Fernandes: Há males que vêm para pior. Se volto dali para a porta de entrada, jamais
conheceria a Pintura, Renata Peters, a professor de pintura, minha auto-estima recuperada,
minha auto-estima refeita. (Afinal, pela primeira vez fazia uma coisa que as pessoas realmente
gostavam e, por tabela, eu poderia ser amado por elas - eu que, dois anos antes, tinha ido parar
no André Luiz, por tentativa de suicídio, se tivesse da frase de Millor voltado para trás, estaria
morto.)
Nem sei por que publicar este livro. E daí? É mais um livro pior ou na média, mais ou menos,
não vai fazer diferença nenhuma. Publico em homenagem àquele adolescente de casaco de linho
branco, batas azuis, chinelas de couro e Maiakovski debaixo do braço, que a imensa mediocridade
que imperava naqueles dias quase matou. Publico este livro para o adolescente que quis ser
Glauber Rocha e não conseguiu.
Escrevo este Prefácio em homenagem ao cara genial e generoso que já fui um dia. A bem da
verdade - um adolescente como outro glauber.
Escrevo este Prefácio em homenagem a Raul Seixas. E aí, Raul?
Belo Horizonte, setembro de 2002.
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Fery Fausto
(O Herói Moderno)
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”Seu problema não são os seus quinze minutos de fama, mas o que você vai fazer da sua
vida, depois deles”
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Belo Horizonte, 19 de agosto de 1998. Quinta-feira.
Hotel Serraninha
- Eu merda! Eu cu! Eu bosta! Eu cu! Comigo foi sempre assim! Bosta! O que eu estou fazendo
na porra deste hotel de Quinta categoria? Este pardieiro que ousa se chamar de hotel. Pensão
com quatros separados e olha lá. B u c e t a! E esse Cu de hotel que não me deixa Ter nem uma
porcaria de fogareiro. Como é que eu vou esquentar a porra dessa marmitex ? Eu! Jerry Fausto!
Um pop-star. Um astro dos palcos cariocas! Eu que já comi nos melhores restaurantes do Rio de
São Paulo... Nessa posição vexatória! C a r a l h o! O marmitex no chão... C u!
-C h e g a! B a s t a! Chega de Humilhação! E u v o u m e m a t a r!
- Eu vou cortar os pulsos!
Jerry corre para o banheiro. O mundo acabava ali, para o ex-pop-star. A dor da derrota
total, não lhe dava outra saída.
Jerry entra no banheiro. Cada segundo explodia. O sangue queimava suas faces. Jerry cada
vez mais fora de si, cara dois prestobarbas, jogados no chão do banheiro. Senta-se do lado do
vaso e estoura num choro compulsivo. Naquele momento, percebeu uma música que vinha do
basculante do banheiro.
“Meu bem, meu bem
Aqui está o doutor do seu coração,
Um cometa tirando do céu a ilusão.
É o doutor do seu coração!”
A música vinha de um carro na esquina. Quando a música acabou, vieram as chamadas para os
comerciais, mas antes o locutor falou: “E aí minha gente, esse foi o doutor Jerry fausto. Gente
como ele anda sumidaço! Aonde andará o doutor Jerry fausto?
Onde?”
Jerry no vaso, encosta o rosto molhado de lágrimas e suor e balbucia:
- Aqui... aqui...aqui...
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Sentado no vaso, com a cabeça entre as mãos, Jerry tenta Descobrir aonde cometeu o erro
principal – o primeiro erro.
a Pensão de Bangú!
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Rio de Janeiro, 26 de abril de 1998. Domingo.
Pensão de Bangú
Podia não ser ao certo o primeiro erro. Mas ali tinha sido o seu fundo do poço. Ou melhor,
o fundo do fundo do poço. Quando mais nada pudesse dar errado, houve um episódio de sonho.
Naquela noite, Jerry Fausto na cama, fez um pacto com o tinhoso. Faria qualquer negócio se
voltasse a fazer sucesso de novo e ficasse muito, muito rico. Tudo parecia normal quando uma
luz amarela, pudesse até dizer, cor de ouro, surgiu e tomou conta do quarto. Foi quando uma
coisa esquisita, um senhor de meia idade, de bigodinho de capeta e cabelos pintados de preto,
virou-se e disse:
- Durma meu anjo, conversaremos no seu sonho, você não se lembrará de nada.
Jerry acordou do pesadelo tão assustado, com tanto sono que desmaiou na cama.
Jerry começou a sonhar rapidamente. Sonhos novos. Sonhos repetitivos. Quando a luz
dourada apareceu de novo. Mas agora ele via por trás das cortinas vermelhas, de um pequeno
escritório. Mas aí começaram a aparecer de todo lado patinhos fazendo coito anal com outros
patinhos.
- Jerry, você está aí? Pode me ouvir?
- Meu nome pouco me interessa, além do que é um nome em desuso, um nome muito velho.
aproxime-se. Me vê agora ?
Jerry fausto tentou abrir os olhos. Era o mesmo Bigodinho. Estava vestido de um robe
rosa e usava pantufas de pele de carneiro.
- O que você quer? Pôr que? Quer me dizer quem você é?
- Em Breve você saberá que sou! Antes, prove deste perfume. É a Água do esquecimento,
se você beber ficará louco.
Na madrugada, jerry fausto foi expulso do quarto por causa do cheiro horrível de leite de
rosas Davene que exalava de todo o corpo. Começou a sentir um aperto no peito.
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Sem Saber o que fazia, correu para o banheiro e pegou todas as pastas de dentes de
dentro do armarinho, voltou para a sala e fez um circulo mágico em volta de si.
Quando entrou no centro do círculo de pastas de dentes; sentiu cheiro de enxofre. O
cheiro vinha de uma figura de chifres de bode, metade gente, metade, carneiro vermelho.
A figura levitou até o teto da sala, olhou nos olhos de jerry e perguntou:
- Em definitivo, jerry fausto, você quer vender sua alma em troca do sucesso de volta?
Pense bem, Jerry Fausto!
- É o que eu mais quero na vida?!
- Alise meus cascos, a partir de agoira não existira mais o antigo Jerry Fausto, mas um
novo jerry fausto.
Uma fumaça branca envolveu a sala toda. As pastas de dentes começaram a pegar fogo,
havia gritos e almas gemendo pior todo o lado.
- Não se esqueça Jerry Fausto, Você se esquecerá de tudo isso, mas ainda hoje você
comerá do bom e do melhor, do mais caro. Hoje mesmo terá boa bebida e dormirá numa cama de
lençóis macios e limpos, hoje mesmo. Outra coisa, Jerry fausto, você não se lembrará de nada
disse, bem ninguém daqui. Vá para Copacabana às seis horas e ande de lá par cá, de lá par cá...
Jerry Fausto Teve a ilusão de levar um soco na cara. Mas era apenas sua mochila batendo
em seu rosto, depois de Ter sido atirada pela dona da pensão. A porrada na cara doeu. Mas a
sua cabeça, só uma vozinha: “Vá para Copacabana, Jerry Fausto... Vá para Copacabana, Jerry
fausto...”
Jerry não titubeou, foi para Copacana.
Duas horas Depois estava em Copacabana. A boca estava seca. Pensou em pedir um chopp,
mas naquela altura do campeonato ser preso por causa de um chopp era o fim da picada.
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Rio de Janeiro, 27 de abril de 1998. Segunda-feira.
Calçadão de Copacabana
Em Copacabana Jerry guarda a mochila debaixo dos pés e pede um chopp. A sede era
enorme, a boca permanecia seca. Parecia não Ter saliva. Quando se aproxima um senhor vestido
com mau gosto, baixinho, magro e com bigodinho preto. Combinava Dior com Calvin Klein, usava
Botinhas de vaqueiro, fumava Malboro, e cheirava a loção de barba Paco Rabane. A Brilhantina
Brilhava, reforçando a cor dos cabelos pretos pintados.
A peça dispara um Olá meio estuado. Quando jerry se assustou com algo que poderia ser
apenas um detalhe de mal gosto: a peça usava um colar de ouro, com dois patinhos, um
enrrabando o outro. Aquilo perturbou Jerry, sobremaneira. Quando deu por si a peça já estava
em sua mesa.
- Posso Saber a graça do amigo?
- Jerry. Jerry Fausto... Mas porque a pergunta, já não está sentado na minha mesa?
- Seria o amigo o grande cantor Jerry Fausto?
Jerry ficou mudo. Alguém o reconhecia.
( Menfestin e Jerry conversaram horas a fio. Jerry Fausto entregou o ouro. Quando
Menfestin foi no carro e buscou três CDs dele, que dizia estar sempre em sua coleção, fosse
aonde fosse. O que rolou entre Jerry Fausto e Menfestin fica reservado apenas para o autor,
mas garanto que a baixaria foi feia. O certo é que Menfestin conseguiu convencer Jerry a fazer
um trato com ele. Se Menfestin refizesse a carreira de jerry, esse seria sua mocinha por
quanto tempo ele quisesse.
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- Menfestin, como é Belo Horizonte? Perguntou Jerry Fausto, olhando de banda pela janela
do carro.
- Belo Horizonte é uma matrona, de calcinhas de renda azuis e brancas, nadando com
codorninhas, numa lagoa de lama.
- Não entendi nada!
- Você vai entender. Belo Horizonte é o inferno.
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Belo Horizonte, 3 de maio de 1998. segunda-feira.
Bar dos meninos. Jerry Fausto e Tavico. 15:58.
- Tavico, por que o cara chama Menfestin?
- Por que Jerry Fausto tem esse nome horroroso?
- Troquinha, troquinha?
- Troquinha. Pô que esse maldito nome?
- Mistura de Fausto Falsete com Jerry Adriano.
- Há, há, há ,há!
- Meu nome é Salvador Aquino ... Há,há, há! É engraçado demais.
- Agora que você já desopilou o fígado, pôr que o Menfestin chama Menfestin?
-Há, há! Salvador?
- Não enrola!
- Tá bom. Antes do seu protetor Ter esse puteiro que vocês têm, o Tim tinha uma casa de baile
de coroas. Mas ele que era chofer de praça antes disto, nunca teria juntado o dinheiro que
juntou se não tivesse se transformado no gigolô das coroas. O que ele ganhava com elas,
gastava com seus garotinhos , mas sempre sobrava um resto para ele juntar. Mas vamos ao que
interessa. Uma vez ele arranjou uma coroa, rapaz, a mulher que era o máximo, além de podre de
rica. Quando a gente perguntava para ele o que uma mulher linda daquelas tinha visto nele, ele
dizia que poucos sabiam fazer um “nigucinho” como ele. Aí pintou a maior sujeira. O marido veio
aqui, espalhou que ia matar o Menfestin, que ia fechar a boate, que chamava a polícia...
Menfestin sumiu. 15 dias , um mês, um mês e meio... Aí apareceu contando uma história maluca,
que tinha estado nos Estados Unidos, visitado o túmulo de Elvis Presley. Um dia o botequim
estava cheio e lá estava o Menfestin contando vantagem. No outro extremo, João Peão grita: “ô
zé da Glória, larga de ser mentiroso, você estava em Montes Claros, oh peão! Se você estava
mesmo nessa cidade de nome esquisito, Mênfis, né, me fala, quem nasceu em Mênfis o que é?
- Menfestin! A gargalhada foi geral e o apelido pegou.
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Belo Horizonte, 16 de junho de 1998. Terça-feira.
Bar dos meninos. Menfestin e Tavico. 16:24.
- Seu badboy anda meio arisco, diz que você desistiu de fazer o showzinho dele.
- Não enche o saco, Tavico! Oh Gil, traz meu campari Gelado!
- Que mania besta, Menfestin, de mandar colocar uma garrafa de Campari na geladeira.
- O campari é seu?
- Não.
- Então, fodas!
- Foda-se, você! Além do mais, você é a única pessoa que ninguém respeita no Bairro. O que
faz com essas garotas respeita a lei da grana fácil. Quer saber como é uma bosta? Tem que
pedir ao Gil ou ao Eduardo pra passar Lisoform na sua cadeira. Aliás, Menfestin, nem se você
beber toda a água benta do Vaticano, você ficaria redimido!
- Terminou? Aquele vale, no fim da semana, pode esquecer.
- Eu vou falar baixinho mas com todo o carinho: f i l h o d u m a p u t a.
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Belo Horizonte, 4 de julho de 1998, Quinta-feira.
Bar dos meninos. Jerry Fausto, Tavico e Duke. 14:00
- Se Paris é Linda?... Paris deve ser maravilhosa, exclamou Tavico. Mas é esse exatamente
o seu problema, Jerry Fausto. Tudo seu é nas Alturas. Você hoje canta duas músicas num
puteiro de luxo e vem me falar que seria uma boa uma carreira internacional? Homem, onde é
que se liga o desconfiômetro. Cai na real. Eu acho mesmo é que o Menfestin tá te enchendo a
cabeça de bobagens. Se você não sabe eu vou te contar como o Duke ganhou a vida de músico.
Pode Duke?
- À vontade, Tavico.
- Há uns trinta anos atrás, o Duke trabalhava numa sapataria, que nem existe mais. A
Sapataria Clark. Um belo dia apareceu um sujeito na loja, vendendo um sax soprano novinho em
folha. O duke endoidou e fez uma coisa que até então nunca havia feito na vida: uma loucura.
Juntou dinheiro de todo lado, pediu emprestado... o diabo. Mas comprou o sax. Daí veio o
apelido Duke – o pato. Tinha comprado gato por lebre. Como é que um criolo ia aprender música?
Mas o duke sabia que era aquilo que ele queria. Ele queria ser músico. Jerry Fausto, nem que
você viva mil anos você não vai entender isso – eu e o Duke amamos a música!
Que história Bonita. Em que século vocês vivem?
Duke, tira esse cara daqui, antes que eu dê uma porradas nele.
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Belo Horizonte, 13 de julho de 1998. Sexta-feira.
Bar dos Meninos. Tavico e Duke. 9:00
- Oh Duke, antes que o Jerry Fausto apareça, quem é a loura que o Menfestin trouxe de
Varginha Gente... seja qual for o nome que deus a chama, deve ser o primeiro anjo. Parece um
lençol de linho branco ornado por cabelos loiros, dourados... Chega, chega, chega, Que é ela,
Duke?
- Você não vai acreditar.
- Desembucha, Duke.
- O Menfestin brinca com o Jerry Fausto, e o Jerry Fausto brinca com a Gretchen.
- Nome muito bem escolhido, com aquela bunda.
- Eu só fico imaginando que o nome dela deve ser Aretusa.
- Há, há, hi, hi, rô, rô...Duke, você é mal, muito mal!
- Você ficou sabendo do show de estréia do Jerry em Varginha ?
- Fracasso Total!
- Fracasso retumbante!
- Dava para esperar outra coisa daqueles dois?, perguntou Tavico.
- Só podia dar nisso, disse Duke Balançando a cabeça de um lado pra outro.
- Como é que fica agora. Dizem que o trato dos dois ia ser até aí.
- Mas e a Loira? Tem dente de coelho aí.
21
Belo Horizonte, 20 de agosto de 1998. Sexta-feira.
Quarto de hotel. Jerry Fausto. 1:23
Eu sei onde o porteiro da noite guarda o revólver. Fodas, bala dói menos. Vou descer as
escadas bem devagar e pegar a arma dentro do balcão. Quando Jerry viu o que poderia ser a
arma, seu coração disparou. “Não posso fazer isso comigo mesmo! Claro que posso!”
- Seu Jerry, o senhor está procurando a correspondência que chegou para o senhor?
- Tô sim, seu Juraci.
Se Jerry já estava complemente fora de controle, agora só agia por instinto. A
correspôndencia era o seu exame de AIDOS da Hemominas.
Jerry foi para o banheiro, sentou-se no chão do chuveiro, deixou a água quente cair e
começou a cortar os pulsos. O sangue corria por todos os lados. (O exame foi positivo.)
Agora com vocês, ninguém menos, que o
maior ídolo do Brasil. O mais Bonito, o mais Lindo, ele o
doutor de seu coração – Jerry Fausto! Plac, Plac, Plac, Plac,
lindo , Plac.
FIM
22
Navios
Ao inferno com as velas
Quero todos os navios parados no meio do oceano
Aos infernos com as pequenas cautelas
Gestos sensatos
E preocupações ordinárias
Quadros de Miró com bosta
Custam mais caros.
A Manuel Bandeira
Mané bandeirinha
Mané Bandeirola
Destas de festa de São João
Mané Flâmula
Mané estandarte
Feito de um pedaço de pau
E um lençol vermelho de hospício
Entre todas as bandeiras verdes Azuis listradas e brancas
eis tu
Manuel Bandeira
23
INÚTIL
Eu quis seu peito.
E trouxe o fogo com que Deus
forjou a primeira lança
Mas foi inútil,
Seu peito era de gelo.
Então eu trouxe a primeira lança. E Cravei nos seus seios. Mas foi em vão. Seus seios era de gelo
Fios, frios.
Então desesperado eu trouxe Deus. E lhe supliquei que derretesse suas entranhas
Mas Deus nada pôde fazer. Seu coração era de gelo, do gelo mais frio que seus olhos já tinham
visto
Depois de tal visão, Deus horrorizado partiu.
Então não me restou nada
peguei um punhal
e quis cravá-lo no meu peito
Mas também foi inútil, meu peito tornou-se de gelo
Por isso a ti entrego meu último poema escrito com meu próprio sangue
Que bombardeado por um coração gelado tornou-se humano.
24
MULURES BAH
Duas Mulheres conversam
E isto fazem muito bem
E muito
Embora até hoje não conseguiram pensar
Mas duas mulheres conversam
E como não deixaria de ser
Falam sobre os homens
A primeira
Bonitinha
Mas muito metida
Diz que não gosta de homens que peguem no pé
A Segunda
Realmente feia
Além de baixinha
Nervosamente retruca
E afirma que as mulheres
Gostam de homens que
Peguem no pé
Eu cá escuto e penso
Que as mulheres tiveram
A incrível capacidade de
Transformar o amor
Num problema ortopédico.
25
MY MOTHER
Parto
E você fica sozinha
Na sua cama de viúva
Mas eu volto
Em silêncio igualzinho
Aquele
De quarto de criança
Quando ela dorme
Mas você pensa
Que eu não tenho mais nenhum sentimento.
E então me calo
E você fica a admirar
Minhas lágrimas azuis
A vida é madastra
Minha mãe também ( mas as vezes penso que não)
A LUA SOZINHA
Flavinha
Você era só minha
Você sozinha
Na lua sozinha
(só minha)
A lua virou cata-vento
O menino roubou o vento
E a Lua sozinha
E eu que pensei
Em você só minha
(fiquei sozinho)
Eu
E todos os peixinhos do mar.
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Dos cartazes de lorca aos amarelos de van gogh
Para Andreia S.
Vêm cá
E me empresta seus ouvidos
Vem
Que eu vou te contar
Sobre as rosas muçulmanas
Sobre as melancolias de Lorca
Sobre as pedras
Do caminho que levam
A medina, Abácua e Damasco
Onde Lawrence da Arábia
Conseguiu
Suas três primeiras vitórias
Sobre todos os amarelos
De Van Gogh
Que só ele próprio
Tentou ver.
Se me atenderes serei feliz
Se não me atenderes
Terminarei os meus dias
A contar
As voltas eternas
Dos moinhos da Holanda.
27
Alegra-te ao ler teus versos Carol
(eles têm gosto de café frito)
Alegra-te, vai, porque todo amor é mito
Posto
Que quieto é cinza
Mas é brasa
E não se importa com o tempo e se finge de morto
Mas vive
E é dado as artes do palhaco
Que aqui e ali
Vai tirando o riso das crianças
E o sono dos adultos
Mas vive
E ó fogo
E arte
E tudo perdoa
E só diz sim
E só promete a lua
E não se esquece
E beija dia sim
E dia sim
E não tem vaidade de si mesmo
E não tem ciúmes
E é só coração
E atrás dos óculos
Só tem o olhar
E só traz consolo
E é ombro amigo
Nas horas de desconforto
E é o pé de chinelo velho
Para um pé cansado
E nada teme
E não trai
E entende o sexo
E não se inveja dele
E compreende as distancias
E as diferenças
E nós das tripas
E as tripas do coração.
O amor é sim.
28
Os ossos servidos
Fiz de seus ossos
Um Dom quixote grotesco
E a mim um Sancho Pança
Feito de lingüiça
A recolher pelo chão
Os vermes e as ofensas
Que jogavam contra ti
De uma trouxa de roupas sujas
Fiz uma donzela
E a ela dei o nome de Ana Flávia de Arabouças
Singramos então o sertão
Eu, tu, Ana flávia, cada um na sua montaria.
Ana Flávia seguia numa égua Baia.
Tu num cavalo chamado nobremente
De Chinelo polimorfo
E eu num jegue Chamado Moby Dick.
Singramos então para o sertão
Onde tudo parece
Com a navegação do nada
Tudo é tudo
E tudo é nada.
E no sertão se aprende
Pouco a pouco
Ou de repente
Que a coragem é a dor do medo
E nasce dele
E que nada sobrevive no Sertão sem ela.
Ela enfrenta o mundo
Ela enfrenta o Sertão.
Ela enfrenta o mundo
Ela enfrenta o sertão.
Quando o Sertão chamou Sintra
Achamos que era apenas mais um moinho de vento do Sertão
(sendo que no Sertão não existem moinhos de vento)
Mas não foi
Quando apareceu o CAVALEIRO NEGRO DA MORTE
29
Achamos que era outro cavaleiro
Mas não foi
Morremos todos ali contigo
Sancho, Ana Flávia, Chileno Polimorfo, Moby Dick
Mas de seus ossos
juntos a milhares e milhares
de ossos de milhões
de heróis brasileiros
desconhecidos e anónimos
nascerá a maior civilização dos Trópicos.
Jamais vista
patacho, negra, alegre, branca, altaneira
mestiça, cabocla, malevolente, cordial
algo que até a História duvidará.
Seus ossos servidos serão parte desta semente.
30
O OFTAMOLOGISTA DE PEQUIM
Numa mão uma guirlanda de flores
Na outra um chicote
Meu capote de brim
Minhas botas de drag-queen
Fantasiado para um carnaval temporão
Passeio pelo fim da tarde
Com minha namorada
A oftalmologista de Pequim
E ela usa óculos
De fundo de garrafa
E quase não enxerga
(talvez por isso diga que sou lindo)
Mas à um mês
Que não vem ao meu encontro
E isso já começa a me preocupar
Não tenho notícias dela
Nem do estrangeiro
Não há telegramas no meu escaninho
E as piores coisas passam pela minha cabeça
(preciso urgente controlar minha ansiedade)
Fantasiado de escoteiro
E de patins
Saio novamente ao crepúsculo
Se não entra-la hoje
Estou decidido
Vagarei eternamente
À procura dela
Contra o peito
Levarei doze tulipas da Holanda.
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Ana das crianças
Para minha prima.
Uma canção
Frére jacques, frére jacques
Dorme-vouz? Dormez-vouz?
Sonnet les matines
Din, din, don.
Din, din, don.
19 de Agosto
Clínica São Geraldo
Paciente: Ana francisca de Assis
Relatório interno: A paciente dorme pouco e acorda aos gritos. Quase não se alimenta.
Passa os dias deitada na cama. Sai depois de uma insistência, para um passeio no pátio da
clínica, à tarde.
Visita: das 14 às 16 horas.
Ana, eu quis me matar. Cheguei até a escrever um bilhete. Era qualquer coisa assim, como,
adeus, mais nada. Nenhuma palavra ou lágrima. Entrarei na privada mais próxima e darei
descarga. Rolarei por esgotos de rios mais podres. Até morrer. Até me esquecer de mim. Então
acordarei. Acordarei sim, numa linda manhã de sol no paraíso.
26 de Agosto
Clínica São Geraldo
Paciente: Ana de Assis
Relatório interno: A paciente entrou em profunda melancolia e apresenta sinais de uma grave
depressão. Seu estado atual vem desde o dia em que recebeu a primeira visita, de um primo, o
qual ela não via desde a primeira adolescência. As visitas estão proibidas.
24 de setembro
Paciente: Ana de Assis
Relatório interno: Nos últimos dias a paciente se alimentou e dormiu por algumas horas. Não se
recusa a tomar banho e com freqüência tem ido ao pátio. Porém é visível a sua ansiedade. Age
todo o tempo como se esperasse por alguém.
Visita: das 14 às 16 horas.
Ana me perdoe. Eu não podia falar daquela maneira com você. Nem dizer o que eu disse Ai, sei
lá, eu queria me desculpar. Então eu escrevi um poema para você. O título é Por Aí. É assim: a
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muito que ando por aí. Visitei catedrais e falei chinês em albanês. Engravidei mulheres virgens,
que continuaram virgens e pariram virgens, como Nossa Senhora. Passei
Fome e me banqueteei com as inquiras mais finas. Andei de bicicleta com a morte, traí o amigo
mais fiel, enquanto dava fuga ao meu pior inimigo. Vi tudo. Só não conheci o amor.
E para dizer a verdade, nem quero. Dizem por aí que ele não usa desodorante.
Ana de Assis.
7 de outubro
Ana, todas as minhas lágrimas cabem numa ampola. E todos os meus gritos tem a idade do
mundo. E a noite eles saem pelas ruas virando latas e levantando os jornais dos mendigos.
Correm as avenidas e dobram as esquinas. Depois se perdem pela cidade, sem querer um ouvido
humano os ouça.
12 de outubro
Ana de Assis
Ana, o vômito embolou nos pulmões. Meus olhos se tornaram de plástico e minhas mãos Inúteis.
20 de Dezembro
Ana, te colocarão num caixote e te encherão de flores e rezarão o Pai Nosso.
23 de Dezembro
Ana, do mesmo asfalto que são feitas as ruas que levam aos cemitérios, também são feitas as
ruas que levam às maternidades. As mulheres grávidas deviam fazer milagres. Amanhã é Natal.
Sabe o que isso significa? Que todos os seus mortos se levantarão e virão te buscar. Te levarão
de volta pra casa, um, lindo buick 48, vermelho de calotas amarelas e paralamas azuis.
24 de Dezembro
Clínica de Repouso São Geraldo
Comunicado: A paciente Ana Fransica de Assis faleceu às 2 horas da madrugada, após sofrer
um ataque cardíaco. O corpo será velado na capela no 3 do cemitério do Bom Fim. O enterro
será amanhã, dia 25, às 09 da manhã.
33
ADEUS SIMONE A. VOCÊ SEU VESTIDO ESTAMPADO, SUA BOLSINHA,
SUAS IDÉIAS E SUAS SANDÁLIAS DE COURO.
Te revi no inferno
E você batia as mãos para mim, e parecia estar bem à vontade
(uma chuva de esperma
caia do céu
provando a fecundidade dos Deuses
e Deusas)
Tudo isso ocorreu
ao ouvir a voz
de sua irmã
ao telefone
mas você está morta
e não dá pra fazer literatura com a morte
querer te ver agora
e enfiar meu olho cego
no buraco da fechadura
buscando ver
o que ninguém viu.
Saudades suas
Serão sempre
Saudades minhas
De nós dois nos beijando
Dançando
E correndo na chuva.
34
O TEU E O MEU BATOM
O teu batom
O meu batom
O teu batom, teu batom, o teu batom
O meu batom
O céu azul
O teu batom, o teu batom, o teu batom
Pórtico partido sete vezes
O meu batom o teu batom
Que não seja nunca o teu batom
“meu profundo suspiro de renúncia”
35
A PRISÃO DO SENTIDO
Poesia é a prisão do sentido.
É a apreensão do sentido
Em alguns casos
A loucura dos sentidos
Às vezes a poesia
É o anzol que fisga o sentido
Do que não mais fazia sentido.
Às vezes a poesia é ser ou fugir ser
Sônia
Certa vez Sônia
A propósito de alguns poemas meus
Disse que eles eram como meus olhos
Tristes, irônicos e instigantes
Nem que viva 10 mil anos de degredo
Vou esquecer isto.
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AS LIÇÕES DO ABISMO
Para Simone A.
Jamais fique a apenas um passo do abismo
Jamais fique a apenas dois passos do abismo
É sempre melhor não olhar para trás a três passos
Uma pequena esperança a quatro passos
Talvez você respire a cinco passos
Mais a direita no sexto passo
Mais para trás no sétimo passo
E quase no fim no oitavo
Contenha o grito de gol no nono.
No décimo
Dê as costas para o abismo e saia andando. E não Volte nunca mais, porque desta vez você teve
pura sorte.
37
LINDA
Para cornélia
O tempo passa
Outras canções vêm
E a gente promete
Que nunca mais vai lembrar
Que nunca mais vai beber
Que nunca mais vai amar
Teus lindos belos pés
Minhas sobrancelhas mouras
Que você falava tanto.
Te risco
Na mesa de mármore
Com a ponta dos dedos
Vou fazendo ruas imaginárias
Com espuma de chopp.
Olho a porta aberta
Vazia
Olho o sol
Olho a lua e o poste no meio da rua.
Quero olhar pela última vez
Seus olhos verdes palha
E digo ora mim mesmo
Baixinha- te amei bárbaras.
Fico com meu apartamento
Com minha cachorra coker-spanniel
Meus cinzeiros cheios
E a habitual falta de vontade
De tomar banho.
Ainda
O peito apertado
E na boca o gosto imperceptível
Do teu batom.
Você fica com você
38
Por ironia
A parte de mim.
Que mais me fará falta
Um instante
Eu não disse tudo
Podem abrir seu caixão
Que eu quero jogar a última rosa
O último poema
A última lágrima de adeus
E uma vontade louca
De me atirar contra o teu corpo
Contra o teu cadáver
Contra a tua alma morta
O meu silêncio eterno.
A noite depois da tua morte
E azul
Azul do mar
Azul do branco da lua.
Virar as costas da tua sepultura fresca
Incendiar teus retratos
Folgar o nó da forca
Moldar teus pés no meu sabonete
Contar mentiras
Mais ou menos tranquilizadoras
Como Deus
Como vida eterna
E eu que não te amo mais.
39
POEMINHA RIDÍCULO E CRETINO
Quando eu peguei na sua mão
Eu senti o mundo girar
E de fato ele gira
Mas foi a primeira vez que eu percebi.
MAS
Mas só o que recebo
É apenas teu silêncio eterno
E os deis dentes de ferro
A rasgar meu crânio
A dilacerar meu corpo
A despedaçar meus olhos
E meu coração.
E seus lábios frio, frios
A sussurrar no meus ouvidos
Já despesdiste dos seus.
40
TROUXE
(Glauber Rocha – 1939-81)
Trouxe consigo uma câmera
Como quem traz um rifle
Senhor de imaginário grande
( tamanho do oceano )
contou estórias
tiradas do embornal da história.
Trouxe a morte como dádiva as vida
E parecia tudo ver e enxergar
Com olhos que o sertão vai virar mar
E o mar virar sertão
Tinha olhos assemelhados a peixe
E dedos finos de enrolar cigarros de maconha
Trouxe consigo uma câmera, um rifle, um imaginário, um embornal.
O oceano, uma estória, a morte e a vida, olhos
O sertão
O mar, o peixe e o milagre dos peixes.
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O SÉTIMO DEGRAU
Uma carta estraviada a um destinatário incerto
Amo a vida de tal forma que acredito que nenhuma dor foi em vão. De olhos voltados para trás,
não acredito que nenhuma dor nuble meus olhos. Mesmo sabendo de outras existências, por si
tão mais fáceis.
Às Vezes, quase sempre acredito na vida como um Deus. Mas não um Deus paralítico.
Entrevado em sua cadeira de rodas. Cego, vacilante, caduco, coxo, surdo e mudo. Um deus
lavado em lágrimas alheias, para quem mãos vacilantes, tremulas e suadas, se apertam e se
erguem num ritual ridículo, soletrando palavras sem nexo, carcomidas pela repetição inútil.
Acredito, sim, em um deus que transborda em misericórdia, por mães transparentes, numa
sintaxe perfeita de compaixão e bondade. Nem espetáculo de beleza e clemência, abençoando
aqueles que cruzam a luz azulada, quase branca da cidade em que nasci. Por decisão puramente
saudosa e solitária, decido cantar um pedacinho, de milhares de cacos de vidro, história em
milhões de histórias. Como uma prece. Uma prece ao deus deles, que passam por mim, e ao meu
Deus que quem sabe são eles.
42
SINA
Eu viajo sozinho,
Por isso não tenho acompanhante.
Eu viajo sozinho,
Só levo no bolso
Um rinoceronte.
A bússola joguei no mar teus olhos joguei no mar
Meu corpo – fui viajar
Sozinho, sem mote
Trago de dote
Apenas a lua.
Mas viajo sozinho
Parto quando eu quero.
Nem levo
Mochila, sal ou vela.
Guardo comigo apenas
Uma mecha verde
De seus cabelos.
Parto sozinho
Porque parto sozinho.
É sina
Cumpro
Não pergunto
Não questiono
Cumpro.
Porque sina
Foi feita
Para cumprir-se.
43
SAUDADE
Uma música: Vento de maio
Elis, 1980
Para a Kika
Hoje acordei com uma saudade santa. Acordei como quem acordasse para contar uma
estória. Hoje acordei seguro e fiel a mim mesmo. Acordei cheio de lembranças. Hoje eu
acordei entre a verdade e a mentira. E, para ser justo, com minha memória e o meu coração,
escrevo esta estória.
Sou uma pessoa comum. Sempre levei uma vida comum. Bom filho. Aluno regular. Passei no
vestibular na 3° chamada. E formei-me em letras pela Fafich. Sempre me achei um zé. Um
comum. Nenhuma experiência anormal. Nem lá nem cá. Nunca tive um amigo ou conhecido
extraordinário. E isto sempre me chateou. Até o fim da vida, um zé. Um comum.
Depois da Fafich, fui trabalhar de caixa de banco. Destino, claro, de um zé. Mas nunca tive do que
reclamar da vida de bancário. Duzentas autenticações por dia e um porre na sexta. E só. Vida de
zé.
Fora do banco, me lembrava da Fafich. Principalmente das cadeiras de filosofia. Lia
Nietzsche. " É preciso ter o caos dentro de si para que nasça a estrela brilhante." Zaratustra e
Nietzsche sempre falava sobre o acaso. E um dia o acaso me aconteceu.
Foi numa segunda-feira. Era outono. E o céu era azul, azul.
Naquela segunda-feira a agência ganhou um novo funcionário.
Seu nome era Júlio. Veio para o primeiro dia de serviço com chinelos de couro. Banho ele não via
há uma semana. E a barba era de no mínimo 4 dias.
Passou a semana e Júlio foi ao show do chope na sexta. Falava de tudo. Tinha vivido de tudo.
Fumando de tudo. Injectava de tudo. Falava com propriedade de molho de cachorro-quente, da
última teoria sobre a criação do universo, de programas de rádio que tocavam música clássica.
Quase que aplaudiram de pé. Era um ator nato.
Em um mês éramos amigos do peito. O chope não era mais na sexta. Era todo dia e até as quatro
da madrugada. Chope, mesmo, era só pra mim. Para Júlio era vodka, de preferencia a mais
vagabunda. Vodka com gelo e licor de menta. Júlio dizia que dava a sensação de estar escovando os
dentes, em vez de estar bebendo. E bebia aos litros.
Contou milhões de casos. Principalmente viagens. Das de ônibus, as de heroína ou ácido lisérgico.
Mas um dia me falou de uma mulher. Estranhei Júlio que falava sobre tudo, jamais comentava
qualquer coisa sobre mulheres. E é claro devia as ter tido as dezenas.
Ele carinhosamente a chamou pelo apelido: Pat. A conheceu com dezessete para dezoito anos. Pat
estava com quinze para dezesseis anos. Se conheceram num colégio Israelita, embora nenhum dos
dois fosse judeu. Pat foi o grande amor de Júlio. E ele era categórico. Na vida só há um grande
amor. Nunca nasceu nem nascerá aquele que tiver dois. É a lei. A lei das cartas, dos búzios, dos
arcanos, das estrelas. É a lei. A lei suprema que dividirá o mundo em dois. O mundo dos que amam.
E o mundo dos que jamais conhecerão o amor. Para Júlio, Pat foi a mulher perfeita. A mulher mais
linda deste mundo de Deus. Sensível, inteligente, dotada de bom humor, um corpo divino e olhos
castanhos em tom de mel, mais doces e suaves, que qualquer humano tivesse visto. Para Júlio, Pat
não tinha defeito.
Júlio não conquistou Pat. Apesar de todo carnaval, de tudo, Júlio não conseguiu a coisa mais
simples. Dizer a Pat que ele a amava do amor mais puro e sincero, mais simples e
44
bom, que um homem pode sentir por uma mulher. Mas coisas simples sempre foram a maior
dificuldade para Júlio. Pobre Júlio.
Pat e Júlio dividiram suas vidas por um ano e meio. Pat se foi. Primeiro para os Estados Unidos.
Depois sua família mudou-se para Goiânia. Depois foram para outra capital e aí o rastro se perdia
para sempre.
Pat não era perfeita. Nós humanos temos o péssimo hábito de não sermos perfeitos. Memória,
saudade, imaginação fértil, idealizaram uma Pat que só existia no coração e na mente de Júlio, que
vivia de recordá-la e secretamente esperar sua volta, para ele ter enfim uma segunda e
derradeira chance. Pobre Júlio.
Um dia andando pela cidade, numa loja, Júlio encontrou Catarina, a irmã mais nova de Pat. Katty (
como ele a chamava), lhe dera a chance concreta de reencontrar Pat. Aconteceu então tudo ao
contrário. Júlio não ficou feliz. Pobre Júlio. Capaz de todos os grandes feitos, mas totalmente
incapaz para as coisas simples e comuns da vida. Coisas que eu conhecia tão bem, afinal jamais
passei de um Zé. De um comum. Mas Júlio não era um Zé. Era alguém diferente, raro, singular. Um
poeta louco, para quem as palavras não bastam, é preciso mais, sempre mais (mais o quê? ) um Zé
jamais saberá. Pobre Zé. Depois do encontro com Katty, começou a maior loucura de Júlio. Pouco a
pouco passou a viver envolto numa nuvem negríssima de angústia e desespero. Imagino que só eu
sabia como era difícil para ele se decidir entre reencontrar-se com Pat e perder pra sempre a
ideia de que existe algo perfeito neste mundo. Perder uma imagem, uma fantasia guardada a tanto
tempo e a sete chaves, num lugar tão fundo e tão secreto nele mesmo, que acho nem mesmo ele
mais sabia onde estava.
Saudade. Palavra que só existia em português. E do tamanho do mundo no coração de Júlio. Como
lutar contra a vontade de rever os olhos de Pat. Ver seus olhos só mais uma vez. O tom suave,
moreno de sua pele. Seus cabelos negros à altura dos ombros. Ouvir sua voz outra vez.
Pat estava em Belo Horizonte. Era quarta-feira. Iria embora no Sábado pela manhã. Com muito
custo o convenci a procurá-la. Mas os dias passavam e Júlio não se decidia. Não tomava qualquer
iniciativa. Só se angustiava mais e mais. Cada vez mais, como se não houvesse um limite para tanto
sofrimento.
Sexta bebemos até raiar o dia e nada. Ele definitivamente não sabia o que fazer. Dei minha
missão por comprida. E fui para casa dormir.
Sábado, oito horas o telefone toca. Decido que não vou atender. Mas o telefone não para. Com
muito custo levanto e atendo. Era Júlio. Ele iria ver Pat, mas eu teria que ir com ele. Tomei um
banho rápido e duas aspirinas. Foi a conta de Júlio chegar ao meu apartamento. Estava barbeado,
vestindo um terno cinza, camisa branca e uma bonita gravata vermelha.
Jamais poderia imaginar que ele tivesse um terno tão elegante. Nas mãos um enorme buque de
rosas vermelhas.
Peguei meu fusquinha amarelo, 78, em bom estado e fomos.
Dez horas estávamos em frente ao prédio. Mas Júlio pediu um minuto. Fomos para a calçada
oposta a portaria do edifício. Ficamos um bom tempo, quando Júlio começou a pedir de quinze em
quinze minutos, mais quinze minutos. Até que da portaria do prédio surgem um homem de meia
idade e duas garotas. Com malas. Júlio visivelmente transtornado vira-se para mim e diz:
- A da esquerda, a mais alta é a Pat. Mesmo a distancia era possível ver que Pat era uma morena
muito bonita e elegante.
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Júlio permaneceu imóvel.
As três pessoas tomaram um táxi e se foram.
Quando vi, Júlio começou a descer a rua. Fiquei aonde estava, vendo Júlio ir sumindo pela
rua de terno e com um buque de rosas vermelhas nas mãos.
Júlio sumiu. Não voltou ao banco. Mudou de endereço. De cidade. De estado.
Desapareceu. Nunca mais ouvi falar dele. Nunca tive sequer uma notícia do seu paradeiro.
Um pedaço do meu coração sumiu de terno e com um buque de rosas nas mãos. Sumiu
numa rua que dava para muitas outras ruas. Um pedaço do meu coração pegou uma rua
qualquer e partiu para sempre.
Hoje eu acordei, não me sentindo um Zé. Um comum.
Hoje eu acordei cheio de lembranças. Acordei para contar uma estória que alegrasse um
pouco meu coração.
Hoje eu acordei seguro e fiel a mim mesmo.
Hoje eu acordei com saudades.
46
MENINA PALESTINA
(OU PALESTINA A ANTI-GEOGRAFIA HUMANA)
Para SOMEAH HASSAN, morta na intefada de 2002, num Campo de refugiados, aos seis
anos de idade.
Se as coisas
Comportam certa lógica
Quem jogar com o negro
Trará para si o NEGRO.
Com um balde
Lotado de indignação
E de revolta
Sento na praça
E me deito no ódio que vem do estrangeiro.
Como quem deitasse numa cama de gasolina Com dez caixas de fósforos no bolso.
Tenho desde muito
A muito
( dos tempos de menino
de colégio Arnaldo )
Tenho um verdadeiro ódio
a todo tipo de covardia.
Trago comigo um ódio santo
A toda impunidade
A toda farsa de justiça
A toda intolerância
( a palavra em português que mais se parece com racismo )
a toda intransigência
( a segunda palavra em português
que mais se parece com racismo)
Às vezes rolo para lá e para cá
Na minha cama de gasolina
Com minhas caixas de fósforos
A pensar se o homem já não deu provas suficientes de covardia
Pra que elas bastassem ( e precisa lembrar de Auchivts, Dashal,
Treblinca, Hiroshima, 11 de Setembro? )
Será que a Israel de Ariel Sharon É o mesmo país de Shimom Peres?
Será que todos os palestinos são terroristas?
Será que existe guerra de adolescentes, paus e pedras
47
Contra metralhadoras, fuzis, aviões e tanques?
Me faltam respostas e há sangue na areia
Como falta poesia aos meus versos - perdoa menina Palestina
Perdoa
A muita gasolina e fósforo no ar
E poucas chances de paz.
48
A SIMETRIA DE TEUS LÁBIOS E TEUS DENTES DE
MARFIM
A tua boca me dói. A tua boca morena Que prenuncia Tua língua Morna e tépida.
Que esconde
Teus dentes
Claros, brancos, perfeitos e simétricos.
A tua boca me dói. Me dói de tesão Me dói de doer Doer de amor.
Morro de febre. Em pleno dia Em sol a pino Só pôr lembrar Da tua boca Da tua Boca Da tua boca.
De teus lábios carmim, De sua boca casta e singela Como a boca de uma noviça Vulgar e suja Como a
boca de uma vadia
Ouço assobios que não acredito.
Mas sei que apenas
Me amaria se meus lábios fossem verdes
E meus dentes de marfim.
Mas mesmo assim amo tua boca
(Misteriosa como a boca de uma fada descalça
com um trevo de sete folhas
cravados numa perfeita dentadura de ouro).
49
É RAUL NA GARGANTA DE ROBERTO FREJAT
Amar é sobreviver
a tempestade
que já vem.
O tempo passa.
Pudera,
os frutos que me destes
verdes
eu os devolvi podres.
(Sr.Dj
coloca Raul
na garganta de Frejat)
(13/07/2002)
,
(Sr. Dj
eu não quero o CD da Paula Toller
eu quero a Paula Toller)
(Sr. Dj
quer saber de uma coisa:
vá pró inferno!)
Só tenho paz
quando chega a noite
e eu bebo perfumes
que venhamos e convenhamos
é uma bebida como outra qualquer.
E eu deveria acreditar
em Deus e por quê?
Por que minha vida
deu toda errada
eu deveria entrar para um convento
se Deus não passa de uma super babá
com efeitos especiais?
Certeza mesmo
só as que os olhos mandam
e as coisas
tomam formas insuspeitas
à medida que a noite avança
e estrelas anãs
passeiam no teto
do meu quarto.
(Mas quando é dia elas desaparecem
juntas com todas as minhas certezas.)
50
SAUDADE E MADEIRA DE LEI
(É PARA A VIDA TODA)
Que agonia
O resto da vida
De tia.
Já não tinha alegria
já não tinha tio Giovane
nem Maria Inês
nem minha mãe e Eliane
que pouco tempo dispunham
para ir a Pedra Azul.
Tia estava só.
E não suportando vê-la
tão só
também eu a abandonei.
Tia não teve filhos
Deus não os deu
mas o Diabo, em contrapartida,
não tardou
em enchê-la de sobrinhos.
Só lhe restaram tio Albérico e tia Zezé
O único
que a acompanhou até o fim
foi Marcos
(que fez isto por mim).
E eu vou lhe dever isso pelo resto da vida.
Tia me faz falta até hoje.
E o que resta dizer ?
nada!
Restam apenas
Saudades eternas, tia Emília.
51
FRANCISCO E SOFIA
(Aos cuidados de papai Léo e mamãe Bia)
Caros Amigos:
Isto foi escrito há muito tempo.
Por ironia, a um tempo que quando se derem conta desta carta, eu não existo mais.
Vocês agora são bebés. E eu já me preparo para deixar a vida.
Mas escrevo para alertá-los que a vida é boa. E que vocês terão que ter muita sorte para descobrir
isto.
E de cara eu lhes aviso - não existe Deus dá, Deus tira. Aliás, sobre a Deus ( se é que ele existe),
Deus não dá nada. Deus só tira. Tira nossa força de vontade. ( se é que esta também existe). Não
dá não. Só tira. Tira nossos amigos. Tira nosso dinheiro. Que é tão difícil de ser ganho, que se dirá
de ser poupado. E ainda sobre Deus. Ele nos tira a saúde, beleza, arrojo, impetuosidade, alegria,
charme e juventude. Sobre todas essas coisas, a mais importante é a saúde. Não podemos perdê-la
de forma alguma. É o maior bem que possuímos. Como ela podemos reaver quase tudo, ou quase
tudo que perdemos. E reaver, talvez, um ganho inevitável - um tempo a mais para ludibriarmos a
morte.
Sobre a morte ( em tom mais grave ).
A morte é uma tolice! Existe, sim, a decadência de tudo que um dia foi belo, forte e novo. E isto
sim, é algo simples de ser encarado. Depois de alguns anos, vendo tudo que é vida (um prédio, uma
nuvem, uma árvore, um animal), tudo isso vai tornando-se, naturalmente, "quase tudo saudade".
Escrevo mais perto da morte. Não tenho mais do que dois ou três anos de vida. As alucinações vêm
com muita frequência. Hoje alucinei pouco. Mas a esta hora da tarde, já tive meus três ou quatro
princípios de alucinação.
Se me pedissem um conselho sobre a felicidade, eu lhes diria: sejam sofredores, é tão mais
bonito!
Escrevo esta carta, na minha agenda, numa tarde de maio de 1998. A realidade não conseguiria ser
pior, nem que se esforçasse.
Esta carta é para ser lida, sujeita a todos os risos e galhofas, simplesmente para lhes desejar
toda sorte do mundo.
PS: FAÇAM PERFEITAMENTE O CAMINHO DO SOL.
52
CASA ASTRAL
Nasci em 2 de julho
No ano da graça de nosso senhor Jesus Cristo
De 1961.
No mesmo dia nasceu Franz Kafka E no meio exato do ano
( talvez daí a esquizofrenia, sei lá )
Sou Câncer
ascendente em Aquário
lua em peixes
tenho Netuno no meio do céu
e um trígono perfeito em água
No dia em que nasci
é feriado em Salvador
comemora-se o dia da independência na Bahia
Tudo isso me valeu
uma personalidade forte, mística e inconstante
e pouco dada a restrições e limites.
Minha mãe é ariana
e minha irmã é capricorniana
e Deus sabe lá por que
são bastante parecidas.
Meu pai
no seu pragmatismo virginiano
deu um belo NÃO
para a vida
numa tarde chuvosa
em fins de outubro
de 1974
enquanto eu pulava na chuva
guardado pela sorte
nos pátios do colégio Arnaldo
Eu morri metade ali.
Nnaquele dia todos os meus planetas
estavam em escorpião,
assim, sem que eu soubesse
debaixo da chuva.
Achando que a vida era bela.
53
UMA CANÇÃO FÁCIL DE GUARDAR: RECHEADA DE NADA,
CAOS E LÁGRIMAS
Minha Preta
escuta a canção que eu fiz
uma canção cifrada
bêbada de lágrimas
É uma canção de adeus
um recital para surdos
Uma canção de adeus
que cegou meus olhos
quando não mais vi os olhos seus
Sinto que agora Preta
somos dois pontos em inércia
apostos
perdidos no cosmos
No fundo no fundo
esta canção
é uma pauta de música cifrada
vermelha como a minha saudade
e preta
como a cor do lápis
que meus dedos suados
vão carregando no papel
junto com o menino que eu fui para você
Adeus Preta
PS: A Zeca não tomou o lugar que vai ser sempre seu,
Adeus.
CHICLETES CIGANOS
Para o Beré
Sei que darei voltas nos campos da morte pisoteando cogumelos e lírios alucinógenos de
óculos dourados com minha mochila cheia de margaridas amarelas. A trocar o sol pela noite e a
noite pelo dia, trôpego a balançar uma árvore de frutas várias tenho a perfeita lucidez da minha
loucura mas não troco uma cor de minhas frutas lisérgicas pela sua necessidade mórbida de
segurança Quero apenas lhe poupar de mascar meus chicletes ciganos.
54
A MÁRIO E OSWALD DE ANDRADE DE BOBEIRA
O mundo que se exploda!
eu só quero
terminar de dançar.
A juventude é uma banda
numa propaganda
de elefantes
e vocês querem cobrar coerência
justo de min?
A privacidade é burguesa,
abaixo todos os banheiros públicos!
Não sou o primeiro poeta
a admitir em público
que não sabe amar.
Às vezes desconfio
que só as baratas submarinas são felizes.
Outras horas
tudo parece tão confuso
e tão claro ao mesmo tempo.
Como dizia
o grande filósofo grego
Tonhão
abraçado na fotografia
com o super herói americano,
o Travesti Menstruado
- ávida é dose!
Me dá outra!
55
TEMPO DE TÉDIO (OU POR QUAIS PESSOAS
RESPONDO OU QUANTAS)
Para Marina
Não conquistei a França
não casei com Daniela M.
não joguei poker
de feijão
no hospício
e nem serei eu
quem descreverá
O viaduto de Santa Tereza.
Sinto piedade
E gosto do perdão
E talvez por isto
acho que não posso sentir amor
Entre outras coisas
não gosto de táxis
nem dos inevitáveis
choferes de táxi
Não tenho a menor saudade
de 1982
morro de saudade de
1977
e nem gosto de pensar
em 1974
Não conheço qualquer tristeza
Só conheço a tristeza
dos olhos castanhos
das minhas cachorras
E sabe lá Deus o que eu
penso sobre a luta de classes
56
"Mesmo que eu atravesse
o vale tenebroso"
estarei
durante muito tempo
na Tamóios com Afonso Pena
no ponto do 8901
Delá
para a comida simples e boa
de Marina
comida
de Marina
simples e boa
seria bom demais
se tudo acabasse aqui
mas o tempo findo
é infinito
Mas seja lá de que modo for
eu ainda corro o risco
de ficar louco
de tanto sentimento
para uma realidade
tão fajuta
Como queria pessoa
é terrível
" o tédio
das horas incertas"
é isso, hoje
nem Marina
me tiraria deste tédio.
57
O DIABO NA TERRA DO SOL
O caminhante errante
na terra errada
nada.
Terra minguada
Terra minada
Desterrada
Terra
Nada assim.
nada
assim
talvez.
Tudo
quase
nada.
Vela de barco breve
leve.
Posta sobre o horizonte
o mar
azul
o
mar
azul.
O sal
incondicionalmente
sal.
58
BREVE BIOGRAFIA
Valderez
músico e bardo espanhol da idade média.
Líder de revoltas camponesas.
Homossexual compulsivo
e pai do homossexualismo moderno
onde homem transa com homem
e mulher transa com mulher.
NADA MAIS
Eu não vou ficar com os olhos
deitados no nada
com o queixo apoiado nos antebraços
formando um belo quadro
no beiral da j anela
A vida pode ser bem mais
que um bom quadro
de bom gosto
bem composto
ordinário
A vida tem a obrigação
de ser mais
ou nada mais.
59
OLHO EM VOLTA E VOCÊ NÃO ESTÁ MAIS AQUI.
Pra Simone A
Baixinha por que partiu?
Como sinto sua falta
De ver você
Surgir do nada
Na minha frente, outra vez.
Baixinha
Eu vou te lembrar
Como aqueles
Cuja paixão
Pela morte
Foi maior
Que a paixão
Pela vida.
Mas baixinha
Por que aquela mania besta
De brincar com corda de enforcado
De se atirar
Em abismos
E precipícios
Por que nunca
Medir o próximo passo
Pra tudo acabar assim
“Uma noite longa
para uma vida curta”.
Mas eu não te recrimino.
Nem guardo culpa.
Quantas vezes
Trocamos nossos desesperos
E eles eram do mesmo tamanho!
E você se foi e eu fiquei
E continuo
- Mas não por dever
(aprendi isto
nas angústias
dos anos intermináveis
que vivi e vivo)
60
Mas não te recrimino
Nem guardo mágoa
Nem culpa
Aliás
Não façam cerimonia :
Os suicidas da frente
Queiram dar o primeiro passo
Por favor.
61
Quando o verde o vermelho e o branco são cores afins.
Aguardo com paciência
Seus olhos verdes
Outra vez
Nas minhas mãos
Para fazer ploft e estourá-los.
Assim quem sabe
Você cega olhe para a lua – branca
Como a cor branca de sua pele.
(E a túnica branca
que você vestia.)
E o branco da órbita
Que seus olhos verdes vestiam.
Teus olhos
Teus olhos verdes.
Trago em meu peito pacientemente a saudade do Rio Nilo a correr limpo entre tuas pernas brancas como
um lençol de linho roubado de uma sacada branca na cidade às claras de Cairo.
Pra mim a cor da saudade é branca.
Quando é muita:
É vermelha.
62
OS URUBUS
P/ o Prof. Haroldo
Hoje
Eu olhei no céu
E vi um urubu de alumínio
Eu cá comigo pensei:
- O que não é a tecnologia
Até os urubus foram cooptados.
63
ANTÍGONA NA PRAÇA
Para minha preta e p/ minha amiga rô
- Agora, conta para o tio Repórter, o que está acontecendo?
- O Prefeito quer matar a minha cachorra l (Dizia a pequena garotinha) com os olhos mareados
de lágrimas, com a cachorrinha coker-sapeniel apertada ao p eito. .
- Mas o prefeito não quer matar a sua cachorrinha. Ela está doente e pré cisa será
sacrificada.
- Não! Ela não está doente, o senhor pode ver, olha a preta aqui , ela não esta doente,
ela não está do ente!
- Mas está.
- Não está .Hão estai
- Nana por favor vamos embora, o papai quando souber disso vai matar agente.
- Quem organizou esse protesto?
- Eu.
- Forque?
- Porque a nana pediu, a Nana é muito forte sabe?
- Quem trouxe as caixas de som , fez a faixas?
- Eu.
- Como ela se chama?
- Antígana.
- V amos rodar o V.T. então»
-Pronto.
- Pronto.
- Então solta.
- Boa tarde senhores telespequitadores, estamos aqui ao vivo da praça da Liberdade,
aonde a pequena antigo na, de 11 anos, organiza o seu protesto' contra os agentes sanitários
da prefeitura, que querem sacrificar a sua pequena Prata, uma cadelinha de 6 anos, por
estar infequitada de Leshimaniose
- Nana, qual a razão do seu protesto?
- Querem matar a minha preta e eu não vou deixar. Pode olhar para ela , ela não esta
doente!
- Sim , mas você sabe que leximaniose é uma doença invisível; e que pode adoecer você Continua o repórter.
- O senhor já teve dor de dente invisível?
- Não.
- Então, não existe doença invisível!
- Você sabe o que significa seu nome?
- Sei. Era o nome de uma princesa, que queria enterrar o irmão, mas o R e i não deixava.
- Você se sente parecida com ela?
- Não sei... Acho que sim
- Como os senhores podem ver trata-se de uma criança muito inteligente.
- Ela e o irmão trouxeram para a praça da liberdade, caixas e aparelhos
de som, faixas e no momento estão recolhendo assinatura pra que bastem
os sacrifícios de cachorros contaminados. A pequena Nana, na ingenuidade
de dos seus 11 anos culpa diretamente o prefeito pelo sacrifício da sua
pequena preta. Daniel carvalho direto da praça da da liberdade para a
sua Tv.
- Olha eu acho tudo isso tocante, mais inútil. Acho que você como irmão mais velho e responsável
pôr tudo isso, deveria terminar este protesto e acalmar os animo s.
- Eu só saio daqui a hora que a Nana quiser!
- E você nana só sai daqui quando?
- Quando o prefeito vier conversar comigo!
- Mas nana o prefeito é uma pessoa muito ocupada, ele na vai vir aqui.
- Então eu continuo o protesto!
- Bom eu preciso fazer outras reportagens, espero que tudo isso acabe bem
64
O repórter e equipe de reportagem se afastam .Em pouco tempo estão de partida.
.Nana, a hora que papai souber disso ele vai me matar!
- Mas você prometeu que ia a—té o fim. E eu te prometi que se você fosse até o fim eu
deixaria matar a Preta.
- Não é matar Nana, á sacrificar, é diferente.
- Não matam a preta de qualquer jeito.
- Mata.
- Então é matar.
- Pelo amor de deus Nana olha quem tá vindo ali.
- O prefeito???
- Não, papai .Ele parece que está furioso.
- Nana pelo amor de Deus o que siguinifica isso. Eu não posso nem trabalhar em paz. Me
contaram que você estava na televisão.
- E você meu rapaz, que organizou tudo isso, valha me deus, seu irresponsável.
- Papai eu explico.
- Papai eu explico! Isso não tem explicação- Só pelo fato de vocês não terem mãe, acham
justificativa para tudo!
- Papai a Nana disse que se eu fizesse isso, e se o Prefeito viesse aqui o que eu achava
impossível, ela deixaria sacrificar a Preta.
- Isto explica, mas não justifica. Eu sempre falei para sua mãe que dar o nome a antígona
era externamente perigosa. Mas foi um dos últimos desejos de sua mãe. Vamos desmontar essa
coisa toda e vamos sair uns dias. Vamos fotografar a Preta. Filmar a preta, Vamos abraçar a
Preta, vamos beijar a preta. Mas depois voltamos e sacrificamos ela.
- mas papai...
- Antígona você já perdeu a mãe, você vai perder a preta eu sei que é mui to triste, Mas eu
te juro, o dia que existir vacina para esta porcaria de doença, eu te dou uma carochinha
nova.
Antígona baixou os olhos, pegou preta nos braços, e saiu em direção ao carro do pai. Parecia
completamente absorta de tudo que ocorria em volta. No seu coraçãozinnho começava pela
segunda vês na sua pequena vida da de onze anos, a ser obrigada de carregar no peit o uma
paçavara amarga como o fel.
- Resiguinação
65
BASQUETE EM CADEIRAS DE RODAS
(OU A ARTE DS QUEM PERDEU NA VIDA)
"Dedicado a todos que perderam na vida, como eu e que de alguma for
ma sobreviveram. Também é dedicado a todos aqueles, que lutam
quotidianamente, para tornar os manicómios e os sanatórios, em
lugares mais dignos para os pacientes, isto até, claro, quando esses
lugares forem existentes para sempre."
- Seu lacaniano de merda!
- vê como fala comigo rapazinho!
- Seu nazista, seu fascista!
- Não altere a voz comigo!
- Você vai liberar o paciente! Eu é que sou responsável por ele:
- A vinte anos, veja bem, a vinte anos, desde de 1-9-8-2, veja bem, 19-8-2, que este paciente é meu. Agora, não vai ser um merdinha, saído
de uma faculdade agora, com o diploma fedendo a papel novo, que vai
sair por aí dando alta para paciente meu! Negativo! N-e-g-a-t-i-v-o.
- Eu não vou dar a guerra por perdida! foi só uma batalha. Se eu não
puder dar alta nele amanhã de manhã, com a família esperando, dou
alta a tarde para ele sozinho.
- Vai a merda!
- E quer saber mais uma coisa, eu sempre achei esse lacanianos, principalmente, os tesoureiros de Cartel Lacaniano uns impostores
serviu carapuça, Dr. Carlos P. ?
- Vá pró inferno! Eu não permito a alta de paciente meu sem receber
meus honorários.
- Isto é um entrave burocrático. Algo que pode ser resolvido, sem
maiores problemas. O que você não suporta , e ver uma pessoa
passar vinte anos num sanatório, e sair pela porta da frente, com a
dignidade que ele sempre teve, mas que ficou escondida aqui, nestes
últimos vinte anos!
- Cala a boca. Não fique aí dizendo sandices” Vai, faço o que o Dr.
Quizer! Eu não me meto mais!
No corredor do hospital, a Rádio toca Paulinho Pedra Azul.
- D r . é briga entre pacientes?
- Não.
- Mas parece uma briga de médicos.
- Mas afinal, o que está acontecendo?
- É por causa do Vivalde.
- Quem é Vivalde?
- O paciente mais antigo de hospital . Mas vamos ao que interessa. Por que o senhor fez a besteira de tentar
suicídio, aos 29 anos de idade?
- Sei lá! Tava desesperado.
- Olha, eu acho que a história do Vivalde, vai lhe fazer bem, principalmente se tiver um final feliz.
Vivalde não é o nome dele. O apelido vem dos tempos que ele jogava futebol. Ele tinha uma basta
cabeleira vermelha. Alguém associou a sua cabeleira a do padre vermelho, o compositor Italiano
Vivalde. E o apelido pegou...Dizem que o sujeito era um génio nas quatro linhas. Dizem que foi o maior
artilheiro que o Atlético já teve. O sujeito era um craque nato.
- Não estou entendendo nada!
66
- Deixa eu contar a história?
- Deixo.
- Pois bem. Um belo dia o Vivalde foi jogar em Nova Lira, uma semi-final do
Campeonato Mineiro. A rádio Itatiaia era novinha, e ia transmitir o jogo. Vivalde era
o dono da festa. Eis que em um lance, logo no princípio do jogo, numa dividida, Vivalde
choca a cabeça com outro jogador. O outro jogador não sentiu nada. Mas Vivalde
ficou no chão e teve a sua vida completamente mudada a partir daquele momento. Não
se sabe bem ao certo o que aconteceu, mas Vivalde ficou meio tãntãn. Não conseguiu
mais jogar futebol, teve sua carreira encerrada e a vida completamente mudada.
- E aí?
. .
- Vivalde magoado com a própria estrela, deu para beber. E beber muito, cada vez
mais. Até se tornar um alcoólatra crónico. Isto foi a muitos anos, até que a
vinte anos atrás ele foi internado aqui, e nunca mais saiu, por que o quadro
progrediu, para uma demência precoce. Espere um pouco, que eu vou colocar este
soro mais rápido.
- E ai?
- Pronto, podemos voltar a história. A vinte anos a família colocou ele no
hospital e pelo correr da carruagem ele ia morrer aqui.
- Mas esta estória é deprimente! Cadê o final feliz? Por que a briga
dos médicos? Ele vai ter alta?
- Mais ou menos.
- Como assim?
- Isto aqui seria um campo de concentração, se não fossem uns caras como doutor
Fernando o da briga. Leu Nietzsche, Freud, Marx Literatura Clínica. E era. Humanista!
Estudou tudo a fundo e depois pôs um pé neste hospital. E revolucionou a casa!
Depois dele ninguém ficou aqui mais do que o necessário . E quando ficou, não
ficou ocioso. E é neste capitulo que começa o final feliz de Vivalde. O Dr.
Fernando montou varias oficinas no hospital. Pintura , artesanato, ou
simplesmente terapia ocupacional . Deus sabe lá onde que ele arrumava estas
coisas. Mas aí em belo dia Dr. Fernando arrumou uma ong que ensinava e dava
material, para pacientes fazerem bolas de futebol para cegos. São bolas de um
tamanho diferente e com guizos.. .E não é que o Vivalde tirou o negócio de fazer
bolas de letra. Foi quando o Dr. Fernando descobriu que o Vivaldi antes de ser
jogador de futebol, pra ficar mais perto da coisa, o futebol, fazia bolas de
futebol. Foi o Dr. Fernando saber disso e correu para os jornais. Sei lá porque
foi um sucesso a descoberta. Vieram os principais jornais de Minas fazer
matéria com o Vivalde. O Diário da Tarde trouxe mate ria na primeira páginas "LOUCO
BOM DE BOLA". Daí a fama e a l e m b r a n ç a d o grande jogador? que ele foi, o
reconhecimento foi geral. todo o primeiro, segundo, terceiro escalão do futebol mineiro,
para comprar uma bola feita por vivaldi. Resumo da Ópera –Vivaldi virou gente de novo!
Agora chega. Dr. Fernando vêm aí te ver. Ah! Ele vai te contar a piada do elefante, ele
conta pra todos!
No corredor do hospital, a rádio
toca Sá e Guarabira.
- Dr. . Fernando . ..
- Calma. Você esta muito ansioso. Vou te contar uma piada.
- A do elefante?
- O Mário já esteve por aqui, na certa
67
- Ele veio regular o soro. Ele me contou a história do Vivalde,ele r vai ter alta?
- É e vai ter alta a tarde. H o j e é o último almoço dele por aqui .Vai ter um
gosto diferente na certa. Ele esta aqui desde agosto de 1982, comendo todo o
dia a mesma comida- Vai ter sabor de vitoriai
- Eu vou te contar uma piada.
- É a do Elefante?
- Ela sim. A piada é a seguinte - Um rapaz se formou em medicina.Fê2 residência
em psiquiatria e foi trabalhar num hospício. No primeiro dia chegou e procurou
o médico chefe do plantão. O médico o recebeu muito bem mas só quis fazer
uma ressalva. Olha você vai ver muita coisa esquisita aqui. Muita coisa
estranha. Mas não se assuste. Com o tempo você se acostuma. O jovem
psiquiatra ficou furioso. Eu um médico um psiquiatra, vou1 me assustar cem o
que? Bem o jovem médico saiu pelo hospital passou pela enfermaria, os
ambulatórios, a cozinha. Tudo OK. Então foi para o pátio. Estaria tudo
normal, se não fosse aquele sujeito jogando os braços para cima, para os
lados. O jovem médico resolveu se aproximar.
- For favor, o amigo esta fazendo o que?
- Estou espantando elefante l
- Mas eu não estou vendo nenhum elefante por aqui l
- Tá vendo como está dando certo?
- Rá,rá,rá,rá!
- Eu sempre conto esta piada , para quem está chegando aqui pela primeira vez.
Exatamente para que ele deixe o seu conceito de estranho, lá fora, na porta de
entrada.
- O Vivaldi vai ter alta mesmo?
- Fique tranquilo, vai»
Na casa do Dr. Fernando a noite. O silencio era angustiante
Já eram nove horas da noite. E nada do telefone tocar. D r. Fernando'
pensava sozinho..
- Meu Deus l Eu vi aquele homem, i qual ao Vivaldi. Cabelos vermelhos ' são um tipo
raro. Ele passou rapidamente, mas meu deus, foi rápido mas ' deu para ver que
ele estava cambaleando, que ele estava bêbado Será que' era o Vivaldi. Eu
joguei todas as minhas fichas nele Se eu perder vai ' ser a vitória da truculência.
Do retrogrado. Do antigo. De velho que deve ria já estar sepultado a muito
tempo. Vai ser o fim, de qualquer chance * dada a esperança .Vou tomar um banho
.
- Fernando l
- O que?
- Telefonei
•
- Quem é?
- A irmã do Vivalde»
- Ele chegou em casa?
- São e salvo vêm falar com ela! Ele demorou a chegar, por que tinha vinte anos que
ele não pegava um ônibus. Não acertava qual era o ônibus. Até que uma boa alma
levou ele até em casa. Vem cá conversar com* ele, ele j á ' tá querendo procurar
emprego amanhai
68
Dr. Fernando encostou a cabeia no ladrilho do banheiro, estava nu . A água
descia morna, em dois filetes peias costas. Ele respirou fundo . Encheu os pulmões
e disse pausadamente para si mesmo:
—A humanidade, esta melhor hoje l
Eram 09:43 da noite. Ho silêncio
da empregada,
na cozinha.
da casa,
se ouvia Eives Fresley no
rádio
69
O íntimo do ser, a porta da rua escancarada.
A vida é como unia vela. A medida em que ela crepita, e queima de um1 lado para o
outro, vai comendo seu pavio, o que mais cedo ou mais taéde1 vai selar seu
destino; o fim. Ou como uma mosca e uma lâmpada. O inseto fascinado com a
luz da lâmpada, voa cada vez mais perto dela. O fim será ser grudada e morta,
presa ao- que a fascinava. Ou corno eu entrando na casa de laia e Luca. Ha
casa velha, que laia, herdara dos avós, as vezes eu voltava da viagem, antes de
luca, e via laia vindo lá do fim do corredor, lá do fundo da biblioteca a porta da
rua, que sempre viveu aberta, Escancarada, parava mundo— como do íntimo do ser
a porta da rua escancarada-. rada, E naquela noite, a cena se repetiu, só que
aquela era uma das noites, mais negras da minha vida.
- Que que você veio fazer aqui?
- Sei lá alguma coisa me chama para cá. Que que você está fazando aqui
e não x esta lá no hospital?
- Chegou a hora do Luca - As lágrimas desciam pelo rosto, procurando os
cantos da boca pequena e sem, baton.
- Mas o que você está fazendo aqui então?
- Vim buscar as roupas para o Luca ser enterrado,
- Meu Deus, desta vês não tem volta?
- Mão— as lágrimas já tomavam todo o rosto de laia»
- pode parecer leviano, mas me conta uma história engraçada?
- Mas você conhece todas as minhas estórias.
- Pode ser uma que eu já conheço- As mãos espalhavam pelo rosto
lagrimas- •
- Pode ser a estória da minha expulsão do Colégio Arnaldo?
- Pode.
- Então lá vai!
- EU e o Lilith...
- Espera aí, uma coisa que eu sempre quis saber, porque seu amigo chamava lilith?
- O lilith tinha olhos azuis, e o pai dele dizia que ele tinha olhos' de puta
de cabaré Francês. Cara de Lilith. Contou a estória tantas vezes que acabou
ficando com o apelido de Lilith.
- E aí?
- Eu e o Lilith já tínhamos aprontado o ano todo. O diretor do colégio só
estava esperando a próxima, para nos expulsar. A gente taba maneirando, pensando
que tinha jeito de passar de ano. Mas a gente tinha até
espiões E foi um desses espiões, que cantou a pedra que a gente ia tomar '
bomba e ser expulso. Já era Dezembro, quase nas recuperações . Aí quando a
gente descobriu isso resolvemos aprontar a última. E a gente nem sabia '
que era a penúltima. Mas isso não vêm ao caso. Mas aprontar o que. Lilitih
ficou me oleando com os olhos brilhando, por a gente sabia, que quem XX'
tinha as idéias era eu. Não demorou muito e veio o insight. "Uma missa, com a hóstia
e o vinho do padre, pra todo mundo, igual foi o dia do morcego.
a estória do morcego você conhece?
.
- Tadinha.
- Será que estas estórias vão te ajudar em alguma coisa?
- Me ajuda tirar um pouco a atenção do Luca.
- Se é assim eu continuo. Eu e o Lilith, sabíamos onde os padres
guardavam hóstias e o vinho . Foi moleza roubarmos. Não ficava ninguém na
70
capela do colégio Arnaldo. Olha ta duro numa situação
essas estórias bestas. Será que vale a pena continuar?
dessas ficar contando
- Sobre o que a gente vai falar?
- Apagar as luzes e fechar a casa para sempre. Eu não vou conseguir
viver aqui com as lembranças do Luca. Elas estão por toda a parte.
- O Luca não ia gostar disso. Essa casa esta cheia de vocês. Não dá
pra tachar fogo e jogar sal em cima... perdão, olha a besteira que eu disse. Mas
Iaia estou quase não me aquentando mais.
- Imagino. Vocês além de primos, começaram a andar juntos lá pêlos
anos oitenta,
- 82 para ser mais exato.
- Tá tudo revirado Carlos. Nada faz sentido.
- A vida não faz sentido laia.
- Nenhum. Um cara brilhante como o Luca, deixar a vida aos quarenta anos,
seta ter produzido nada de concreto. Só coisas escritas em cima de coisas
escritas, que ninguém vai saber organizar. É o fim.
- Eu nunca tive dúvidas, mas foram drogas Hipodérmicas. Picos? O Luca
nunca teve o menor cuidado. O menor limite.
- Foi pico. Foi pico si9« £ nem o tratamento ele se cuidou. Quando soube
que estava com a doença? Ele já chutou o balde. Se recusou a tomar o coquetel
direito, "e a doença progrediu. E agora fim. Fim, só isso,fim, fim, fim, fim...
- Qual o sentido de tudo isso?
- Sá continuando vivo para saber, por que nesse momento tudo me falta.
Assim somos nos Mariposas fascinadas pela luz. A vontade de deixar a literatura,
(a biblioteca) lá atrás e sairmos direto para a rua de encontro ao mundão. Bêbados
da própria cera que nos desce, a contar os minutos para o nosso fim. Do feto na
barriga da mãe, ao mundo que não vai nos devolver ao próprio ventre. Mal nascemos
e já somos arrastados para o nosso fim. Qual o sentido disso, é melhor pensármos
que somos eternos e essas perguntas vazias, sem conteúdo nenhum. É melhor
pensarmos que somos eternos e do que aguentamos o osso da existência. Por que a
existência no osso é insuportável.
71
TRÊS MENINAS DO BRASIL,
TRÊS CORAÇÕES ZOMBETEIROS E UM MESMO
TRISTE FIM
- Se você tivesse que tomar a porra daquele coquitel todo dia,
algo realmente para reclamar!
aí você tinha
- Quem te mandou ser puta em París?
- Quem mandou você ser unha de fome e vender a alma para o Diabo! Agora
agente. Naquele delicioso apartamento nos subúrbios de Nova York você deve ter
muitos motivos e tempo, para se sentir a coisa mais bonita que nasceu na
Civilização Ocidental nos últimos cinquenta anos)
- Meninas mo derem-se!
- Tá certo,
eu consegui muitas coisas matérias, mas não tive o homem
que eu amei na vida e não tive filhos. Agora aos 42, isto fica praticamente
impossível.
- Mas você ainda esta chorando por causa daquela bicha até hoje?
- Mas você rezou ele! Por que ele não se casou com você, mas pelo que eu
sei, não se casou com nenhuma outra.
- Mas eu ainda me lembro dele!
- Mas a quantos anos vocês nem se falara?
- Uns dez anos.
- E você ainda chora muié? Toma vergonha na cara!
- Mas se eu não tivesse ido para os Estados Unidos em 82. Se eu tivesse ficado
por aqui? Talvez...
- Chega de tanto mas e tanto ses. Que perspectiva nós tínhamos em Belo
Horizonte em 82? Todas três formadas em comunicação Social e sem horizonte
algum. Tínhamos mesmo que tentar a sorte, ou então sabe lá qual seria a nossa
chance aqui?
- Você pelo menos tinha aquela bicha chata, para achar que era o homem
da sua vida, e nós?
- Menina- s moderem— se!
- E você? Fica aí meninas moderem-se l Que merda maior você conseguiu? Picas!
Virou amante de cineasta alemão. Cara complicado, neurótico e chato e também
nunca te deu uma chance prá nada!
- Era o pedacinho brasileiro do pica branca, mais porra nenhuma!
- Meninas moderem-se ou eu vou embora!
- Meninas moderem-se. Não seja tão glamour senhora amante de cineasta
fudido! Pelo o que eu sei, sua glória foi chegar em Belo Horizonte e ter até
festas em sua homenagem. Depois báu, báu Todo mundo viu que você era a
mesma medíocre, que deixou Belo Horizonte em 82.
- Meninas moderem-se de vez ou eu vou embora mesmo!
- Me diz uma coisa. Você virou puta em Paris mesmo ou é intriga da
oposição?
- Mais ou menos.
- Mais ou menos como? Não existe perna mais ou menos quebrada, nem
mulher ligeiramente grávida! Foi ou não foi?
- Mais ou menos. O certo é que quando as coisas para estrangeiros foram
ficando cada vez mais difíceis e eu não queria dar o braço a torcer e voltar
para o Brasil, me apareceu um Basco que me agenciava em Paris.
- Como você não gostava de sexo!
72
- E daí? Sempre gostei de sexo. Foi unir o útil ao agradável .
- E a AIDS rolou quando?
- A um ano. Foi quando eu tive que jogar a toalha no chão e voltar para o
Brasil, onde o tratamento era de graça e tinha a cobertura da família.
- E como diz o samba - prá onde nós vamos agora?
- Eu para as minhas críticas de cinema, naquele jornal decadente e
ridículo. Você para o seu jornalzão de NY onde ninguém sabe quem é você. E
você fica nas nossas orações, para que apareçam drogas melhores e com menos
efeitos colaterais.
- Em outras palavras: Nós perdemos na vida e a existência é uma bosta!
- Hoje os ânimos estão mais exaltados, mas amanhã não parecera tão
ruim assim. Afinal essas donas de casa, horrorosas e balofas, cheias de filhos
problemas e maridos alcoólatras, sem tesão nenhum na vida, nunca fizeram uma
caminhada pelo Sena. Não conheceram Paris e nem canto nenhum podem ficar
tranquilas, a merda delas é muito maior que a nossa. Meninas, vamos pedir a
conta?
- Vamos, por que eu estou com a alma lavada.
- Eu também.
- E eu também.
.
Estoura uma gargalhada uníssona.
73
JIMI HENDRIX E BEATRIX
(UMA DUPLA DO BARULHO – PROS VIZINHOS NEM SE DIGA)
PARA LÚCIA GUIMARÃES
Beatrix
Que tomava via Mandrix
E via Matrix
E lia Asterix
E tinha paixão por obelix
(Ouvia nas suas tardes vazias
Jimi hendrix)
(Para ela,
Jimi Hendrix
Foi o criolo
mais fino e chic
que a América produziu
Depois é claro
De jean-Michel Basquiat
Que por sinal
Era Frânces)
Jimi Hendrix
É negro
Eu sou negro
Beatrix é negra
E a favela da rocinha
É negra também
Ps-Beatrix se pudesse
ouviria Jimi hendrix
de joelhos
mas as artrites
e
um resto de bom senso
e de juízo
não deixavam.
A propósito
-Viva Elza Soares também
(Que é negra
como todo mundo
na merda desse país)
74