Discurso Socioambiental da Vale no MA
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Discurso Socioambiental da Vale no MA
16 1 APRESENTAÇÃO Este trabalho monográfico integra os objetivos do projeto de pesquisa ―Projetos de Desenvolvimento e Conflitos Socioambientais no Maranhão‖, realizado no âmbito do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), que tem como coordenadores os Professores Horácio Antunes de Sant‘Ana Júnior, Elio de Jesus Pantoja Alves, Madian de Jesus Frazão Pereira e Bartolomeu Rodrigues Mendonça. Tendo como sustentáculo o projeto supracitado, o trabalho aqui apresentado é resultado de análises acerca das diversas estratégias discursivas e práticas que a Companhia Vale do Rio Doce1 tem investido buscando consolidar sua imagem de responsável socialmente e sustentável ambientalmente. Não obstante, grupos sociais são atingidos pelos discursos da Vale (povos indígenas, quilombolas, camponeses, trabalhadores), cujas práticas agressivas deflagraram rápidos processos de apropriação de territórios e culturas, levando a reelaborar identidades, qualificando-as como subdesenvolvidas, e fazendo, portanto, com que seus significantes e significados, suas cosmologias sejam inferiorizadas e ditas atrasadas. Esse discurso tem sido naturalizado via conhecimento científico, por mecanismos de internalização como o marketing ambiental e empresarial da Companhia, cujo ancoradouro são os ideais de modernidade e progresso. A articulação entre mineração e siderurgia tem imposto aos referidos grupos sociais deslocamentos, realocações, desestruturação do modo de vida, supressão da diversidade biológica e social. Lembro que o alcance deste trabalho monográfico ―restringe-se‖ à Vale e que, a partir dela, argumentamos que suas investidas modernas, desenvolvimentistas e progressistas têm produzido uma verdadeira cadeia produtiva de conflitos ambientais, na medida em que as estratégias relacionais e discursivas tanto da Vale, quanto dos atingidos, opõe-se contundentemente, em especial na Amazônia Maranhense. Com o fito de obter êxito em tal empreitada, e atendendo a critérios estéticos/metodológicos de organização do trabalho, dividi a monografia em três eixos temáticos: 1) Crise ambiental e as sevícias do capital; 2) Territorialização da Vale ao longo da história; e 3) a discussão dos documentos oficiais da empresa. Os três eixos temáticos são compostos de sete capítulos, no qual faço, em cada um, diversas discussões de ordem teórica e contraposições com casos concretos de injustiça ambiental, o que me permitiu conectar as formações discursivas da Vale com os conflitos ambientais aqui compendiados. 1 Desde 2007, utiliza o nome fantasia Vale. 17 No primeiro eixo temático, de forma sintética, analiso o cenário do surgimento da crise ambiental, pois, é nesse que a reprodução das relações capitalistas encontram limites ecológicos bem postos para o seu projeto de crescimento infinito. A meu ver, a crise ambiental é, na verdade, uma crise da civilização burguesa/ocidental que construiu uma ideia de Natureza antagônica à Sociedade. Se antes, boa parte do mundo ocidental achava que a raça humana desapareceria por conta de Deus e seu regresso para o ―Juízo Final‖, a partir da década de 1960, a raça humana, em especial as sociedades ocidentais/ocidentalizadas ―viram‖ em si próprias o inimigo. É claro não faço aqui uma ecologia burguesa que aponta o Homem como destruidor da Natureza: para mim o homem que destrói a natureza e que se vê inimigo dela é o homem moderno/desenvolvido, um projeto de homem semeado por Bacon, lapidado por Descartes, conduzido através das luzes para o abismo. Enfim, este eixo temático é fundamental para compreender os seguintes. No segundo eixo promovo a recuperação histórica e territorial da Companhia Vale do Rio Doce: desde a fundação da Estrada de Ferro Vitória-Minas, passando pela criação da estatal no Governo de Getúlio Vargas, bem como sua transição para o regime de privatização que culminou numa política econômica extremamente agressiva, principalmente a partir da escolha do Diretor-Presidente Roger Agnelli, hoje ex-presidente. Por fim, no terceiro eixo, trago para a discussão reflexões de minha análise sobre os Relatórios de Sustentabilidade, a Política de Desenvolvimento Sustentável e o Desempenho da Vale, todos documentos oficiais da Companhia. Nesses documentos, pude constatar que a Vale deseja a internalização do seu discurso como uma verdade objetiva, sem espaço para questionamentos ou subjetividades. Paralelamente a isso, busco sempre arrostar com aquilo que é alegado pela Companhia com exemplos de injustiça ambiental. Também analiso a luz dos conceitos de campo, habitus e governamentalidade, o discurso e as práticas espaciais da Vale e suas ações, reações e relações com os agentes sociais envolvidos (Estado, setor privado, sociedade civil). O conceito de habitus foi fundamental para me ajudar a entender como as estruturas dos discursos e das práticas se forjam, conduzem representações do espaço e inserem-se em diversos campos (político, econômico, simbólico, material, epistêmico, cultural) se intra-articulando e inter-articulando de maneira heterogênea numa verdadeira disputa pelo poder. Enfim, todas as análises e críticas aqui promovidas foram construídas e alicerçadas na base teórica das ciências humanas, de maneira geral, com destaque epistêmico para Filosofia, mas procurando a todo instante como cada agente social deixa as suas marcas no espaço, ou seja, como fazem Geografia. 18 2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS: Trabalhadores Explorados, Famílias Despejadas, Natureza Destruída... Isso Vale? Desde 1930, o Estado brasileiro vem assumindo a missão nada fácil de encarregar-se do desenvolvimento de certos aspectos relativos ao crescimento econômico do país. As obras necessárias para tanto eram altamente custosas e englobavam desde a infraestrutura necessária à industrialização até as indústrias pesadas, ou de base, como é o caso da siderurgia. O desenvolvimento industrial de grande porte que o Brasil começou a experimentar nas décadas de 1930 a 1950 intensificou-se na década de 1970, em pleno Regime Militar, precisamente no governo do general Garrastazu Médici, quando se vivia o ―milagre econômico‖2. O Estado brasileiro interferia maciçamente na economia nacional, pois os governos militares estavam determinados a transformar o Brasil num país desenvolvido e numa ―potência emergente‖. O milagre econômico possibilitou pesados investimentos em ferrovias, portos, rodovias, hidrelétricas, telecomunicações, indústria de transformação e mineração. No setor de mineração, destaca-se a, então, Companhia Vale do Rio Doce-CVRD, criada no governo de Getúlio Vargas, em decorrência dos Acordos de Washington3, precisamente no dia 1º de junho de 1942, através do decreto-lei nº 4.352. Essa companhia foi, durante 55 (cinqüenta e cinco) anos, controlada pelo Estado brasileiro, todavia, no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), foi privatizada, uma vez que o então presidente lançou mão de uma política econômica em que se inseriam as reformas constitucionais que visavam à atração do capital estrangeiro para o Brasil. A Vale é uma das maiores transnacionais e uma das maiores mineradoras do mundo. Seu grupo empresarial é composto por pelo menos 27 empresas coligadas, controladas ou 2 A rigor, a intensa e generalizada internacionalização do capital ocorreu no âmbito da intensa e generalizada internacionalização do processo produtivo. Os ―milagres econômicos‖ que se sucedem ao longo da Guerra Fria e depois dela são também momentos mais ou menos notáveis dessa internacionalização (IANNI, 2007, p. 62). 3 ―A empresa surgiu de um acordo assinado em Washington entre Estados Unidos, Inglaterra e Brasil, em plena Segunda Guerra Mundial. Estados Unidos e Inglaterra, dedicados ao esforço de guerra contra Hitler, necessitavam que o Brasil fornecesse minério de ferro para sua indústria de armamentos. Daí surge a proposta de construção da CVRD. Os Estados Unidos entrariam com um empréstimo e com a tecnologia para montar tanto a mineradora quanto a siderúrgica, CSN (Companhia Siderúrgica Nacional). A Inglaterra não se oporia a encampação das empresas, pagando-se uma indenização, e o governo de Getúlio entraria com a matéria-prima, os trabalhadores e toda a infra-estrutura para o negócio‖ (GODEIRO et al. 2007, pp.10-11). Mais uma vez tomamos ciência de até onde podem ir as sevícias do capital: do minério de ferro do nosso país saía a matériaprima que se transformaria em armamentos contra os nazistas. A construção da Vale já é ―agressiva‖. Repare-se também na colonialidade do negócio: os EUA fazem empréstimos e a tecnologia; A Inglaterra indenizada; e o Brasil entra com os trabalhadores, a infraestrutura e a matéria-prima. Um legítimo comércio colonial com as metrópoles. 19 joint-ventures distribuídas em mais de 30 países, dentre eles Brasil, Angola, Austrália, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Indonésia, Moçambique, Nova Caledônia e Peru, nos quais desenvolve atividades de prospecção e pesquisa mineral, mineração, operações industriais e logística. Os segmentos de atuação da Vale são: minerais ferrosos; alumínio e sua cadeia produtiva (bauxita, alumina e alumínio primário); minerais não ferrosos (minério de cobre, cloreto de potássio, caulim); siderurgia; e carvão. A empresa investe também no setor logístico, infraestrutura portuária e transporte ferroviário. Entre os clientes da Vale, encontram-se os maiores grupos de siderurgia mundial: as italianas Ilva e Lucchini (grupo russo Severstal); Corus (grupo indiano Tata); ArcelorMittal (França e Holanda); Taiwan China Steel Corporation; Baosteel (maior grupo de siderurgia chinês); ThyssenKrupp (Alemanha), Nisshin Steel, Sumitomo, Kobe Steel, JFE Steel, Nippon Steel (Japão); POSCO (Coréia); Erdemir (Turquia). Os minerais ferrosos respondem por 61,6% de sua receita, seguidos de níquel (13,6%), alumina (5%), cobre (4,7%), serviços de logística (4,6%) e alumínio (3,6%). Desde sua privatização a empresa teve lucros de US$ 49,2 bilhões, sendo que US$ 13,4 bilhões foram distribuídos a seus acionistas. Nos últimos 10 anos, a Vale foi a quarta empresa mais rentável entre as grandes companhias (Boston Consulting Group). A Vale qualifica-se como uma empresa que transforma recursos minerais em utensílios necessários para o cotidiano das pessoas. Reflexo da internacionalização do capital, ela é uma empresa multinacional sediada no Brasil que conta com mais de 100 mil empregados, entre terceirizados e próprios. No seu discurso, a referida empresa qualifica-se também como sendo socioambientalmente responsável, considerando-se corresponsável no desenvolvimento dos empregados e na sustentabilidade do ambiente, sempre levando em consideração as comunidades em que atua. Essa breve descrição da Companhia Vale do Rio Doce – CVRD – permite ter uma noção sintética da grandeza da Vale, bem como, torna apto extrair informações basilares que servirão de questionamento: 1) é possível pensar em ―desenvolvimento sustentável‖ no seio de uma empresa cuja atividade é extremamente agressiva ao ambiente? 2) Será que a Vale preza pela responsabilidade socioambiental ou trata-se apenas de mais uma tática de marketing de sua Política Ambiental? 3) A apropriação do discurso moderno de responsabilidade socioambiental e, por conseguinte, desenvolvimento sustentável, são apenas mecanismos que visam legitimação ou são perfeitamente conexos com a realidade? 20 A partir dessas três perguntas pode-se analisar de forma crítica4 e radical5 a temática da Política Ambiental contemporânea, notadamente, enfocando a referida empresa através de aspectos teóricos, mas também práticos e pontuais, que permitem averiguar a veracidade dos discursos, uma vez que os fatos não existem por si só e, destarte, devem ser questionados. Esta obra tem como intuito investigar o discurso de responsabilidade socioambiental empregado pela Vale no período pós-privatização (1997-2010), principalmente em sua atuação no município de São Luís – MA. Para tanto, a monografia foi dividida em 8 (oito) seções. Na primeira parte, contextualiza-se historicamente a crise ambiental tendo como referencial as conferências promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU). Partindo para analisar o desenvolvimento da companhia de estatal a privada, a territorialização da Vale na tessitura histórica é abordada na segunda seção. Os Relatórios de Sustentabilidade de 2007 e 2008 - documentos oficiais disponíveis no sítio da empresa, www.vale.com - são analisados na terceira e quarta parte respectivamente. Através do documento oficial Desempenho da Vale em 2009, apresentado durante a Assembleia Ordinária de Acionistas ocorrida no Rio de Janeiro (RJ), sede mundial da Vale, no dia 27 de abril de 2010, a quinta seção, objetiva avaliar a performance econômica da Vale no ano de 2009, contrapondo com casos concretos de injustiça socioambiental. Partindo da categoria governamentalidade, do filósofo Michel Foucault, a sexta parte propõe enfatizar os reflexos da ―governamentalidade valiana‖ no campo socioambiental no ano de 2010. Procurando identificar como a Vale se posiciona diante da questão socioambiental e analisando de maneira crítica o discurso, a sétima seção tem como desígnio avaliar a Política de Desenvolvimento Sustentável (documento oficial também disponível no sítio eletrônico da empresa). Finalmente a oitava seção propõe investigar os elementos do campo discursivo pari passu a formação de um habitus ecológico da empresa, por meio da apropriação do discurso contemporâneo de desenvolvimento sustentável, da responsabilidade social empresarial e o marketing ambiental, para obter legitimidade social, jurídica, política e pública de uma empresa que se apresenta como comprometida com o ambiente. 4 De acordo com Japiassu e Marcondes (1990) apud Spósito (2004, p. 66) ―a palavra vem do grego kritiké, que significa a ‗arte de julgar‘‖. 5 Segundo Japiassu e Marcondes (1990, p. 209) apud Spósito (2004, p. 65) o termo é proveniente do latim tardio radicalis, e ―diz respeito à raiz das coisas, à sua natureza mais profunda, sem admitir restrição ou limite‖. 21 3 METODOLOGIA Na construção da monografia, a metodologia ocupa um lugar de destaque uma vez que o método, de certa forma, é quem vai mediar a relação entre o que quer conhecer e aquilo que vai ser reconhecido. Por isso, o método escolhido para servir de ―caminho‖ foi o dialético, pois ele permite uma maior interação com o objeto estudado, escapa do objetivismo positivista, da rigidez matemática, permitindo que entendamos o problema problematizando-o e, assim, criando hipóteses e enfrentando os problemas. O método dialético tem como base o movimento e a mudança (POLITZER, 1986). A realidade é mutável, a história não é estática. Até mesmo o mundo, hoje, tal qual como o conhecemos e concebemos está destinado a desaparecer, pois nenhuma sociedade é imóvel, tudo é transformado porque ―o que vemos por toda a parte, na natureza, na história, no pensamento, é a mudança e o movimento. É por esta constatação que começa a dialética‖ (POLITZER, 1986, p. 119). Dessa forma, a dialética nos permitirá encontrar diferenças de pensamento, perspectivas, teorias e análises, assim como uma necessidade de investigar o discurso de responsabilidade socioambiental que a Vale emprega, com ênfase no município de São Luís, no período pós-privatização (1997-2010). As concepções presentes neste trabalho são frutos da noção de realidade espaço-temporal vigente na contemporaneidade: uma ―geografia das frases-feitas‖, onde se discursa demasiadamente, mas as práticas produtivas concretas são extremamente dissonantes do discurso proferido. A concretização da monografia somente foi possível, também, primeiramente porque o ―caminho‖ traçado permitiu a todo instante sermos incomodados pelo objeto de pesquisa: situações novas surgiam, atores sociais remodelavam seus hábitos, o cenário econômico mundial favorecia as mudanças e os movimentos. Além disso, a escolha dos procedimentos permitiram o aprofundamento do conteúdo; identificar erros e acertos, suscitou mais questionamentos, nem todavia, com mais respostas. Sendo assim, podem-se avaliar as ações e atividades desenvolvidas pela empresa no que tange às políticas de responsabilidade ambiental e social. Para tanto, se utilizará como base o modelo cronológico disponível no site da empresa, www.vale.com, que atesta apenas os fatos ―politicamente benéficos‖ ou que não ―mancham‖ a imagem da referida empresa. 22 3.1 Procedimentos Metodológicos Para a realização do presente trabalho lançamos mão de alguns procedimentos metodológicos, a saber: Levantamento e análise de material bibliográfico; Revisão bibliográfica enfocando temas como responsabilidade ambiental, desenvolvimento, modernidade, responsabilidade social, desenvolvimento sustentável, política ambiental e discurso; Documentação fotográfica, para ilustrar as informações estudadas bem como para validação científica do trabalho; Obras de consulta relacionadas ao tema de forma geral na Biblioteca Central da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e no Núcleo de Documentação, Pesquisa e Extensão Geográfica (NDPEG); Jornadas de campo para registro fotográfico no bairro Alto da Esperança, localizado na área Itaqui-Bacanga, São Luís-MA. Realização de entrevistas dirigidas junto a atores sociais. Realização de pesquisa na página eletrônica da empresa; Por conseguinte, interpretação, análise e tabulação dos dados brutos e informações obtidas. 23 4 A CRISE AMBIENTAL E AS SEVÍCIAS DO CAPITAL Antes de entrar diretamente no mérito da questão, é de suma importância anotar que um dos mais importantes agentes sociais - o Estado - está atravessando, desde a década de 1990, um processo de transformação gradual no que tange às ações diretas na esfera econômica, fruto de uma ampliação das táticas e estratégias liberais que alavancariam o neoliberalismo. Os anos 1990, no mundo, marcam o fim da Guerra Fria e o começo de uma nova ordem política e econômica. A queda do Muro de Berlim, autorizada pelo governo comunista, é um marco histórico que simboliza o novo momento do mundo. As transformações mundiais observadas não se resumiam à liderança dos Estados Unidos, mas também são o resultado de um conjunto de idéias econômicas e políticas que defendiam o livre mercado6 a nível global, ou seja, o Neoliberalismo. ―Mundo Neoliberal‖ é uma das muitas metáforas que podem ser utilizadas para se entender os anos 1990. Investimentos estrangeiros diretos, não-protecionismo, liberalização econômica-comercial-financeira e diminuição da participação do Estado na economia, são algumas das características desse sistema político-econômico. Essa remodelagem do Estado (de controlador para regulador) permite uma maior gerência e autonomia do setor privado na economia, que se processa metodologicamente pelos programas de privatização. No Brasil, os anos 1990 começam com o governo Collor de Mello, eleito presidente em 1989. Collor apresentava como sendo seu programa de governo erradicar a inflação, diminuir a influência do Estado (movimento este internacional) na economia e moralizar a política. Na economia, Collor lançou um plano homônimo que tinha dentre outras funções estabilizar a economia e conter a inflação. Em tese, os motivos do Plano Collor eram justificáveis, mas as medidas tomadas para o atendimento dos objetivos do Plano foram catastróficas, uma vez que o governo lançou mão do confisco monetário (de contas-correntes e poupanças) e congelamento de salários e preços. Após um breve período de relativo apoio popular, o Governo Collor passou por crescente desgaste em sua imagem e, sob fortes acusações de corrupção. No final das contas, Collor sofreu processo de impeachment e foi afastado da presidência da República. Itamar Franco assumiu o cargo interinamente. 6 Em outras palavras É como se fora do mercado, que possui suas próprias regras de funcionamento, não houvesse possibilidade de existência socioeconômica. Logo ele se absolutiza como única dimensão econômica possível e pensável, o que nos leva a deduzir que, de um ponto de vista externo do mercado, ou seja, fora do sistema, exista apenas a exclusão (MORENO, 2005). 24 Os governos de Itamar Franco e, principalmente, de Fernando Henrique Cardoso, serão avaliados num outro momento. Importante notar que, entre os anos 1930 e 1990, indubitavelmente, uma das características do Estado brasileiro foi, e continua sendo, os investimentos no setor de indústria e infraestrutura. Penteado (2006, p. 01) escreve que: Historicamente a participação do Estado em atividades econômicas privadas pode ser identificada com a criação do Banco do Brasil S/A, primeira sociedade de economia mista fundada pelo Alvará de 12.10.1808, do Príncipe Regente [...] Com o início da industrialização, e sob a égide da Carta de 1937, começaram a ser criadas uma série de sociedades de economia mista, voltadas a atividades econômicas básicas ou de infra-estrutura industrial e de serviços, como [...] a Companhia Vale do Rio Doce (Decreto-Lei n.º4.352/42). Todavia, caso queira-se entender os descompassos do modelo neoliberal com o meio ambiente e, por conseguinte, compreender a lógica dos discursos e a ―Geografia das frasesfeitas‖ é preciso recuar no tempo, antes mesmo do nascimento formal do Neoliberalismo. A partir do final dos anos 40 a integração mundial, pela expansão capitalista em novas bases, estabelece o tema do desenvolvimentismo como questão central, tendo em vista as necessidades de ampliação dos mercados e de superação da ordem anterior. Na América Latina a CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina - foi, na década de 50, o grande fórum de debates sobre o tema [desenvolvimentismo], colocando a nu as desvantagens dos países pobres no comércio internacional, e apontando a industrialização como solução para os problemas econômicos, sociais e políticos das regiões atrasadas (CASTRO, 1992, pp. 60-61). Sim, os países pobres tinham como matriz de explicação de sua pobreza o fato de serem pouco industrializados. Era preciso então fomentar a industrialização para que os países latino-americanos não tivessem tanta desvantagem em relação às nações européias e, principalmente, em relação aos Estados Unidos. Ou seja, era preciso deixar de ser um país do primeiro setor (exportador de matérias-primas) e adentrar ao mundo do segundo setor (a indústria). Como a adesão formal ao neoliberalismo se processou no Brasil apenas nos anos 1990, o grande condutor do desenvolvimento industrial era o Estado. Temos, então, aqui, o motor do desenvolvimento: a indústria, e o seu condutor: o Estado. Em termos mundiais, década de 1960 é o momento do nascimento de uma possível crise ambiental. A Europa e o Japão recuperavam-se da Segunda Grande Guerra e as tensões entre EUA e URSS começavam a intensificar-se. Industrialização, modernidade e progresso confundiam-se com desenvolvimento. Mas, esta década também marca o acirramento do duelo entre a Economia e a Ecologia, uma vez que se pode pensar em dois modelos de racionalidade diferentes, talvez até mesmo incompatíveis levando-se em consideração que 25 existe uma espécie de ―limite‖ entre as duas ciências, afinal o racionalismo econômico burguês desencadeou uma irracionalidade ecológica. La crisis ambiental se hace evidente en los años 60, reflejándose en la irracionalidad ecológica de los patrones dominantes de producción y consumo, y marcando los límites del crecimiento económico. De esta manera, se inicia el debate teórico y político para valorizar a la naturaleza e internalizar las externalidades socioambientales del proceso de desarrollo (LEFF, 2001, p. 150). Sendo assim, cresce a constatação de que é preciso respeitar a natureza caso se queira aproveitar de seus serviços/recursos ecossistêmicos/ambientais. Dessa forma, o ―mundo ocidental‖ ou ―ocidentalizado‖ investiga novas condições que possibilitassem recondicionar tanto de forma econômica, quanto de forma ecológica, a Natureza às vontades humanas7, agora inseridas em limites espaciais, temporais e ambientais. Todavia, enganou-se quem pensou que esta empreitada representaria uma inversão ou reversão na lógica do sistema: Leff (2001, p. 150) diz que: ―sin una nueva teoría capaz de orientar el desarrollo sustentable, las políticas ambientales siguen siendo subsidiarias de las políticas neoliberales‖. Sim, o grande fundamentalismo do Ocidente, como dissera Milton Santos, é o consumismo. Consequentemente, o que promove o consumismo é a produção (a recíproca é verdadeira também). Então, como pensar numa compatibilização entre capitalismo e Natureza se 1) o mecanismo que ―rege‖ essa relação é a lógica do mercado8, e 2) se a Natureza é construída ideologicamente no capitalismo industrial como uma fronteira (SMITH, 1988)? Por isso, Leff fala em buscar uma nova teoria: afinal, é necessário proteger o ambiente e questionar a matriz dos problemas ecológicos, que por sua vez, localizam-se na racionalidade econômica9 e filosófica10. Essa nova teoria estaria fundada no conceito de sustentabilidade11, e o seu embrião foi lançado no Clube de Roma. 7 Smith (1988), parte da noção de que além da natureza ser dominada, principalmente no capitalismo, ela também é produzida pelo homem. 8 Em seu livro: Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal, o geógrafo brasileiro Milton Santos (1926-2001) fala que o motor único do mundo é a mais-valia universal. 9 O Liberalismo Econômico de Adam Smith (1723 - 1790). Este economista estava buscando entender a ―natureza‖ da economia capitalista. Visando o âmago do capitalismo, ele acreditava que as sucessivas inovações tecnológicas causariam o barateamento da produção e, consequentemente, promoveria condições de mercado para vencer os competidores. A força do seu pensamento deu embasamento moral e teórico para que a burguesia pudesse se expandir. Uma das informações mais interessantes da doutrina de Smith, e que nos interessa majoritariamente em nossa discussão, é tentar entender o que ele estipulava como ―preço natural‖. Uma possível resposta é entender que Smith interpreta como natural aquilo que é justo, portanto, se é justo é aceitável (RIBEIRO JUNIOR; OLIVEIRA; SANT‘ANA JÚNIOR, 2009). 10 A Filosofia de René Descartes (1596-1650): ―[...] é possível chegar a conhecimentos muito úteis para a vida e de achar, em substituição à filosofia especulativa ensinada nas escolas, uma prática pela qual, conhecendo a força e a ação do fogo, da água, do ar, dos astros, do céu e de todos os demais corpos que nos cercam, tão 26 4.1 Primícias de uma Teoria: O Clube de Roma O ano de 1968 é chave para se entender a problemática da questão relacional entre Homem e Natureza. O homo economicus começava a dar-se conta das agressões proferidas contra a ―Mãe Gentil‖, e questionava-se (mesmo que de forma incipiente) sobre os conceitos de desenvolvimento humano, crescimento econômico e qualidade de vida, uma vez que mesmo as grandes potências mundiais, como os EUA, exemplificavam corriqueiramente a discrepância existente entre progresso técnico e progresso social. Então, se for possível pensar em um grande marco histórico da política ambiental, este fora o Clube de Roma. Os estudiosos da área ambiental são unânimes em afirmar que o marco das preocupações do homem moderno com o meio ambiente, incorporando questões sociais, políticas, ecológicas e econômicas com uso racional dos recursos, deu-se em 1968, com o Clube de Roma. Essa foi uma reunião de notáveis de diversos países e de diversas áreas do conhecimento: biológica, econômica, social, política e industrial. Reuniram-se para discutir o uso dos recursos naturais e o futuro da humanidade. O relatório final chamado ―Limites de Crescimento‖ abalou as convicções da época sobre o valor do desenvolvimento econômico e a sociedade passou a fazer maior pressão sobre os governos acerca da questão ambiental (SANTOS, 2004, p. 17-18). O relatório ―Limites do Crescimento‖, expressa aquilo que, possivelmente, povoou a mente dos participantes do Clube de Roma: o que fazer para compatibilizar o modo de desenvolvimento capitalista com a proteção do ambiente? Como conjugar crescimento econômico com meio ambiente? Leff (2001, p. 151) argumenta que: En 1972 se publica Los límites del crecimiento (Meadows Et al., 1972). Este estudio plantea los límites físicos del planeta para proseguir la marcha acumulativa de la contaminación, la explotación de recursos y el crecimiento demográfico, haciendo sonar la alarma ecológica. Un año antes, Georgescu Roegen (1971) publicó La Ley de la Entropía y el Proceso Económico, mostrando los límites físicos que impone la segunda ley de la termodinámica a la expansión de la producción. Se advierte allí que el crecimiento económico se alimenta de la pérdida de productividad y la desorganización de los ecosistemas, enfrentándose a la ineluctable degradación entrópica de los procesos productivos. Sim, o título da obra deixa claro: Os Limites do Crescimento. Se limite pode significar restrição, deduz-se que o modo de produção capitalista necessitava de restrições para distintamente quanto conhecemos os diversos misteres dos nossos artífices, poderíamos empregá-los igualmente a todos os usos para os quais são próprios, e desse modo nos tornar como que senhores e possuidores da natureza” (DESCARTES, 2008, p. 60, os grifos são meus). 11 ―Sustentabilidade é um termo relativamente antigo, de origem no saber técnico na agricultura no século XIX. Entrou na rota do uso pelos ecologistas modernos nos anos 80, em cujo debate I. Sacks deu grande contribuição‖ (RUSCHEINSKY, 2003. pp. 39-40). 27 continuar o seu ritmo de acumulação. Mas como pensar em restrição ou limite em um sistema que tem como um dos seus ideários a liberdade econômica? Liberdade e limite são antônimos. Portanto, está-se diante de uma crise ambiental. Precisam-se encontrar novos modos apropriação do ambiente para a manutenção da produtividade. Uma das alternativas foi a construção do ideário do desenvolvimento sustentável. O ideário atual foi semeado no ano de 1950 quando a IUCN (World Conservation Union/International Union Conservation of Nature) apresentou um trabalho que usou pela primeira vez o termo ―desenvolvimento sustentável‖. No entanto, ele difundiu-se, claramente, em 1971, na Reunião de Founeux, agora com o nome de ecodesenvolvimento, formulado basicamente pela escola francesa. Nele estava clara a preocupação com a degradação ambiental, com a condição social dos desprivilegiados, com a falta de saneamento, com o consumo indiscriminado e com a poluição ambiental (SANTOS, 2004, p.19). Notadamente, o conceito de desenvolvimento sustentável remonta à década de 1950 (anterior mesmo ao Clube de Roma). Todavia, a questão ambiental naquele momento era um tanto quanto incipiente. Assim, somente na década de 1970, com a citada reunião e com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano em 1972, o caráter ecológico é enfatizado. Entretanto, a questão ambiental demandava mais do que discussões, conferências ou estabelecimento de conceitos: era necessária uma política voltada para o campo ambiental. Ateste-se, desde já, que a política ambiental, tal como foi concebida, não reflete uma mudança de modelo, pois caso fosse dessa forma, haveria uma série de empecilhos à reprodução do capital em larga escala, e sendo assim o comércio mundial seria afetado. Os EUA foram o primeiro país que lançou mão de uma política ambiental para tentar compatibilizar proteção ambiental com exploração econômica. De fato, a nação mais poluidora e consumista do mundo largou na frente objetivando a compactuação entre crescimento econômico e política ambiental. O resultado foi uma extrema mobilização no seio da questão ambiental que culminou com o NEPA (National Environmental Policy Act) estadunidense, de 1970, cuja promulgação é anterior ao próprio relatório do Clube de Roma, que foi publicado em 1972. Cánepa (1991, p. 259) escreve que: [...] Como culminância de toda essa mobilização, é aprovado pelo Congresso norteamericano, e promulgado em 1969, o National Environmental Protection Act (NEPA). Essa lei é um verdadeiro marco na história da gestão ambiental pelo Estado, não tanto por aquilo pelo qual é mais conhecida — a instituição dos Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) e respectivos Relatórios de Impacto Ambiental (RIMA) como instrumentos preferenciais na tomada de decisão e gestão ambiental —, mas, sim, pelo estabelecimento do Conselho da Qualidade Ambiental, órgão diretamente ligado ao Poder Executivo e encarregado de elaborar anualmente, para o 28 Presidente dos EUA, o relatório ao Congresso sobre o estado do meio ambiente em todo o território nacional. Trata-se do primeiro passo — mas um passo verdadeiramente gigantesco — no sentido de o Estado assumir, em nome da coletividade, a efetiva propriedade desse bem público que é o meio ambiente, mantendo os cidadãos informados sobre a sua qualidade. Ora, se política ambiental estadunidense representou, em termos de lei, um avanço, ela atestou a continuidade da exploração, só que agora levando em consideração os impactos causados ao ambiente. Por isso, vieram ao mundo o Planejamento e Gestão Ambiental, os EIA-RIMA, etc. De fato, a sensibilização12 ambiental vem numa crescente desde a década de 1960. O desafio estava posto: integrar o homo economicus com a preservação e conservação dos recursos ambientais. Mais do que isso, é apresentado como desafio para a humanidade a busca de exercício de um duplo papel: abandonar (teoricamente) o caráter de poluidor, para assumir o de protetor da Natureza, e assim desenvolver equilibradamente sociedade, ambiente, cultura e tecnologia. A expansão em larga escala da problemática ambiental se processa com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano. 4.2 Os Ecos do Clube de Roma: A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano A partir do Clube de Roma, a questão ambiental no ―mundo ocidental‖ ganhou força, afinal percebia-se a necessidade de rever hábitos de apropriação dos recursos ambientais, a fim de que se torne o capitalismo ―sustentável‖, ou seja, que o modelo civilizatório ocidental de apropriação material do ambiente ocorra em situação de equilíbrio da biosfera13. A realização da Primeira Conferência Mundial do Desenvolvimento e Meio Ambiente, em 1972, em Estocolmo, constitui-se em importantíssimo evento sociopolítico voltado ao tratamento das questões ambientais; se aquele evento significou, por um lado, a primeira tentativa mundial de equacionamento dos problemas ambientais, por outro, significou também a comprovação da elevada degradação em que a biosfera já se encontrava (MENDONÇA, 2005, p. 46). Por mais que fossem expostas as mazelas que o capitalismo causava ao ambiente, a situação não mudou substancialmente, uma vez que a raiz do problema, o sistema, continuou 12 Será trabalhada aqui sensibilização ambiental, pois quando se utiliza a locução ―consciência ambiental‖ implica em dizer que uns possuem (consciência ambiental) e outros não. 13 É engraçado perceber que, em tese, os atores do capitalismo buscam a sustentabilidade; mas na prática, ao contrário de pensarem em uma solução para os problemas da raça humana, fortificam o sistema econômico que tem por base a insustentabilidade, a amortização da natureza. Daí, melhor falar em capitalismo sustentável que desenvolvimento sustentável. 29 a apropriar de forma predatória os recursos ambientais. Pior: é justamente nesta década em que ocorreu o deslocamento de indústrias altamente poluidoras dos países ditos desenvolvidos para os países chamados de em desenvolvimento/subdesenvolvidos (para utilizar a linguagem da época), como é o caso do Brasil. Voltando um pouco mais no tempo: em 1964, no Brasil, vivíamos o Regime Ditatorial. Essa época é interessantíssima para se compreender a construção dos discursos. Se pensarmos bem, o regime ditatorial de direita brasileiro ilustrou, como uma das suas muitas características espaço-temporais, as grandes obras e projetos de Modernização. Por enquanto, não se entrará em detalhes. O que cabe anotar é: como pensar numa relação dual entre proteção ambiental e exploração dos recursos naturais uma vez que o Governo do Brasil adotara um paradigma industrial altamente contraditório? A postura dual do Governo do Brasil identificada com a criação da Secretaria do Meio Ambiente, em 1973, é demonstrada por Leite Lopes (2004, p. 20): Embora o governo brasileiro tenha se pronunciado contra a preocupação e os controles ambientais da conferência – com receio de um cerceamento internacional do processo de industrialização levado a efeito no país desde os anos 30 e 40, e continuado pelo regime militar, que na ocasião vinha apostando tudo no efêmero milagre econômico brasileiro de então – ele, no entanto, não deixou de criar logo no ano seguinte uma secretaria do meio ambiente, subordinada ao Ministério do Interior. Sendo assim, a criação da SEMA revela a institucionalização da problemática ambiental, fato este que pode ser visto como um avanço. Institucionalizada em 1973, a SEMA refletia, por um lado, a demanda de controles ambientais por parte de uma minoria advertida de técnicos governamentais e, por outro, a oportunidade da chancela institucional, para a captação de financiamentos internacionais para os quais as garantias ambientais eram necessárias (LEITE LOPES, 2004, p. 20). Alguns projetos de industrialização e modernização representavam um sério risco ambiental, tal como a intensificação da industrialização do sudeste brasileiro, a zona franca de Manaus e a Transamazônica. Podem-se citar também outros investimentos como o PGC (Programa Grande Carajás) e alguns que tiveram o Maranhão como um dos principais centros: o Consórcio ALUMAR (Alumínio do Maranhão S/A) entre as empresas Billiton Metais S/A e a ALCOA do Brasil S/A; e a CELMAR (Celulose do Maranhão S/A). Sobre o PGC, Aquino e Sant‘Ana Júnior (2009, p. 47) explicam que: O Programa Grande Carajás foi concebido para garantir a exploração e comercialização das ricas jazidas de minério localizadas no sudoeste do Pará. Para tanto, além da implantação das minas e das condições para seu funcionamento, dentre as medidas tomadas destacam-se a construção da Estrada de Ferro Carajás, 30 que liga as minas ao litoral maranhense, e a construção do Complexo Portuário de São Luís, composto pelos portos do Itaqui, administrado pelo governo do Estado do Maranhão, da Ponta da Madeira, administrado pela Vale, e Porto da Alumar, administrado pela própria Alumar (Consórcio de Alumínio do Maranhão). A Conferência de Estocolmo foi um marco histórico demasiado importante para a Ecologia. Não obstante, se voltarmos no tempo, perceber-se-á que a cientifização e tecnificação teve início ―a partir dos anos 60 [quando] a ecologia deixou as faculdades de biologia das universidades e migrou para a consciência das pessoas. O termo científico transformou-se numa percepção do mundo‖ (SACHS apud LEITE LOPES, 2004, p. 21). O reflexo disso é a institucionalização de organismos públicos que ―controlem o ambiente‖, como foi o caso da SEMA. Enquanto os Estados Unidos promulgou o NEPA (National Environmental Policy Act) em 1970, o Brasil esperou mais uma década para ter sua Lei de Política Ambiental (1981), ―promulgando um arcabouço institucional federal, com a secretaria de meio ambiente ligada à presidência da República (a Sema), com um conselho nacional de meio ambiente (órgão consultivo e deliberativo), com o Ibama‖ (LEITE LOPES, 2004, p. 22). O porquê desse atraso deve-se Em primeiro lugar que, a questão ambiental no Brasil, não era prioridade de políticas públicas. Em segundo lugar, a política ambiental não era prioridade do processo de industrialização brasileiro que, baseava-se numa estratégia de substituição de importações, privilegiando setores intensivos em emissão, e no uso direto de recursos naturais (energia e matérias-primas baratas) (LUSTOSA, CÁNEPA e YUONG apud GRIGATO; RIBEIRO, 2006, p. 02) Como foi observado, o Brasil caminhou a passos lentos rumo à inserção da esfera institucional na política ambiental. Sem entrar em muitos detalhes, aqui foi extraído um trecho da referida Lei que trata da Política Nacional do Meio ambiente. Art. 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana [...]. O brilhantismo com que é tratada, em termos de lei, a Política Ambiental no Brasil é digno de elogios. No entanto, entre o formalismo da legislação e a aplicação da lei, constatase que as ações governamentais deixam a desejar no que tange a redução de impactos negativos sobre o ambiente. Percebe-se uma (ir)racionalização na forma como os organismos econômicos tem adotado posturas dúbias em relação ao ambiente. O planejamento em si é orientado e gestado para a racionalização da reprodução ampliada do capital (OLIVEIRA, 31 1981), ou seja, ele é a ferramenta que permite ao sistema capitalista aumentar racionalmente os lucros oriundos dos ciclos produtivos. Não obstante, a fiscalização, que deveria ser uma arma no combate àquela irracionalidade citada, não é executada com eficiência, permitindo assim a continuação de procedimentos desastrosos e hostis para com os recursos naturais (sociais). E o principal: estudiosos ligados à ―Nova Direita‖ (neoliberais e neoconservadores) não vêem a problemática ambiental como multiescalar; estão cegos acerca das forças motrizes que, de maneira multiescalar, produzem o contexto ambiental. Não enxergam que o problema é sistêmico e não, unicamente, individual14. 4.3 A Conceituação da ―Frase Feita‖: A Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas e o Relatório Brundtland Desde 1972 até 1987 transcorreram 15 (quinze) anos. Nesse intervalo de tempo (espaço) a problemática ambiental evoluiu: a discussão ambiental ganhou proporções internacionais e mundiais. Tudo virou ambiental: tem-se geomorfologia ambiental, sociologia ambiental, política ambiental, economia ambiental, etc. Ao mesmo tempo, emerge como paradigma ambiental, aquela locução que dá embasamento para a ―Geografia das frases feitas‖: o desenvolvimento sustentável. Dessa maneira, recorre-se a categorizações, como é o caso do ―ambiental‖ vazio, anteriormente citado, ou diz-se que o capitalismo está se ―ecologizando‖ e esvazia-se o debate político sobre a sustentabilidade, bem como a raiz do problema: o modo de produção capitalista, camuflando assim os discursos de legitimação e apropriação dos recursos sociais. O debate sobre sustentabilidade está marcado por uma diversidade muito grande de perspectivas epistemológicas e teóricas de abordagem. Tal como ela aparece, em meio a uma questão ambiental construída progressivamente ao longo dos últimos 30 anos, a sustentabilidade é uma inovação discursiva emprestada às ciências biológicas. Estas últimas, por sua vez, já a haviam formulado sob uma concepção fortemente economicista dos sistemas vivos, ou seja, à luz de uma analogia entre os processos biológicos e aqueles de determinadas economias, mais especificamente de economias produtoras de excedentes. Nesta perspectiva, a noção de ―sustentabilidade‖ da Biologia pensou os sistemas vivos como compostos de um ―capital/estoque‖ a reproduzir e de um ―excedente/fluxo‖ de biomassa, passível de ser apropriado para fins úteis sem comprometer a massa de ―capital‖ originário. No âmbito do manejo agrícola dos ecossistemas, por exemplo, Conway refere-se à sustentabilidade como ―a capacidade do sistema manter sua produtividade face a grandes distúrbios como aqueles causados por erosão do solo, secas imprevistas e novas pragas‖. Podemos observar toda uma trajetória desse conceito de uma para outra disciplina científica até o mesmo aparecer no final do século XX como uma noção relativamente corrente no debate público. Neste âmbito, tratar-se-á de uma 14 É só perceber como as campanhas pró-educação ambiental centram-se demasiadamente nas ações individuais... 32 construção discursiva que colocará em pauta os princípios éticos, políticos, utilitários e outros, que orientam a reprodução da base material da sociedade. Ao fazê-lo, essa noção, nos seus múltiplos conteúdos em discussão, pressupõe uma redistribuição de legitimidade entre as práticas de disposição da base material das sociedades. Em função do tipo de definição que prevaleça, estabelecida como hegemônica, as práticas sociais serão divididas em mais ou menos sustentáveis, entre sustentáveis e insustentáveis; portanto, serão legitimadas ou deslegitimadas, retirando-se e atribuindo-se legitimidade a essas diferentes formas de apropriação (ACSELRAD, 2004, p.2-3). O desenvolvimento sustentável foi conceituado na referida Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, das Nações Unidas, precisamente em 1987, e é definido como ―aquele que atende às necessidades presentes sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades‖ (CMMAD, 1991, p.46). Acselrad (2004, p. 3) diz que esse corte intergeracional abdica, sem dúvida, de perceber a diversidade social no interior do futuro e do próprio presente. Como bem fala Pitombo (2007, p.12): Com a ameaça de degradação ambiental em todo o planeta, a miséria e as privações existentes nos países do chamado Terceiro Mundo, os temas como gestão social, proteção ambiental e desenvolvimento sustentável passaram a merecer, nos últimos anos, grande atenção dos governos, das empresas e dos meios de comunicação. De fato, se o ambientalismo ganhou tanta relevância, muito se deve às atividades agressoras (ao meio ambiente), mas também à formulação do conceito de desenvolvimento sustentável. Consequentemente, o Relatório ―Nosso Futuro Comum‖, coordenado pela Primeira Ministra Norueguesa Gro Harlem Brundtland, assinalou a necessária implicação de limites à economia, além de constatar a extrema necessidade em se rever práticas ambientais degradantes. Os autores do documento apontaram as várias crises globais (como energia e camada de ozônio) e destacaram a extinção de espécies e o esgotamento de recursos genéticos. Reforçou-se, ainda, o debate sobre o fenômeno da erosão induzida e a perda de florestas (SANTOS, 2004, p. 19). A citação acima nos explica a evolução que certas ciências como a biogeografia e a agroecologia experimentaram. Cada uma, com seu saber, colabora de forma técnica, científica e informacional para a discussão da temática ambiental. No que tange ao conceito de sustentabilidade enquanto alternativa para a problemática ambiental, Leff (2001, p. 152-153) explana que: ―Nuestro futuro común‖ reconoce las disparidades entre naciones y la forma como se acentúan con la crises de la deuda de los países del Tercer Mundo, sin embargo, la Comisión Bruntland busca un terreno común donde platear una política de consenso capaz de disolver las diferentes visiones e intereses de países, pueblos y clases sociales que plasman el campo conflictivo del desarrollo sostenible. […] la ambivalencia del discurso de la sustentabilidad surge de la polisemia del término 33 sustainability, que integra dos significados: el primero, traducible como sustentable, implica la internalización de las condiciones ecológicas de soporte del proceso económico; el segundo aduce a la sustentabilidad o perdurabilidad del proceso económico mismo. En este sentido, la sustentabilidad ecológica es condición de la sostenibilidad del proceso económico. Seguindo o raciocínio de Leff, o que é sustentável? A internalização das condições ecológicas de suporte do processo econômico ou a sustentabilidade do processo (modelo) econômico? É preciso focar na sociedade e romper com a dicotomia sociedade-natureza15 presente nas relações de produção. Por isso que Acselrad (2004, p. 4) alerta que: A sustentabilidade remete a relações entre a sociedade e a base material de sua reprodução. Portanto, não trata-se de uma sustentabilidade dos recursos e do meio ambiente, mas sim das formas sociais de apropriação e uso desses recursos e deste ambiente. Pensar dessa maneira implica certamente em se debruçar sobre a luta social, posto que torna-se visível a vigência de uma disputa entre diferentes modos de apropriação e uso da base material das sociedades. Provavelmente, o ecodesenvolvimento negligencia (na prática) a degradação da natureza, a desigualdade social e a socialização das perdas, tanto econômicas quanto ecológicas. Sendo assim, o que se observa é que apesar do conceito abarcar o caráter econômico-ecológico, as práticas produtivas concretas muitas vezes vão de encontro com o discurso, negligenciando o caráter sociocultural. Da mesma forma, enquanto populações ribeirinhas e migrantes podem ser igualmente qualificadas como populações ―pobres‖, elas apresentam diferentes culturas ecológicas e produzem diferentes impactos ambientais, desafiando, deste modo, o consenso expresso no Relatório Brundtland, na Eco 92 e em publicações oficiais, de que pobreza e degradação ambiental estejam necessária e intimamente relacionadas (LIMA; POZZOBON, 2005, p. 52-53). As perspectivas e discussões oriundas da Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento e do Relatório Brundtland serão enfatizadas novamente na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, na qual a política ambiental teve um caráter primordial, principalmente no que tange às questões de planejamento. 15 A luz do materialismo histórico-dialético a separação entre homem/sociedade/cultura e natureza é uma construção ideológica ensejada pelo capitalismo (MARX; ENGELS, 2007). 34 4.4 A consolidação do ideário sustentável: A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento Depois da Conferência de Estocolmo, em 1972, outro evento histórico da temática ambiental que marcou época foi a Eco-92, ou Rio-92. Como já fora mencionado, teorizou-se e discutiu-se muito sobre a política ambiental mundial em 1972. Todavia, as ações ―ecologicamente responsáveis‖ não aconteceram, ou se aconteceram foram em uma escala mínima. A Natureza foi cada vez mais entendido como recurso16, como meio para se atingir um fim. No entanto, este fim não versa - da forma que se esperava como resultados práticos dos debates de cunho ambiental - sobre qualidade de vida satisfatória e atendimento dos serviços básicos de vida (educação, saúde e moradia). A escolha da cidade do Rio de Janeiro para sediar a conferência mundial foi muito acertada, pois o cenário apresentado pela cidade, quanto pelo país, se constitui em excelente exemplo de como as relações sociais se encontram deterioradas; de como as relações de dependência entre o norte/desenvolvido e sul/não desenvolvido/subdesenvolvido são prejudiciais à vida do Homem e à natureza... à Terra. A onda de seqüestros e epidemias, assim como o tráfico internacional de drogas, por pouco não inviabilizaram a realização da conferência. Possam estes testemunhos de degeneração social ter provocado a reflexão dos conferencistas, sobretudo no âmbito político, para as reais causas e conseqüências da degradação ambiental!!! (MENDONÇA, 2005, p. 47). Mendonça aponta um aspecto muito peculiar na conferência de 1992: a escolha do espaço. O Rio de Janeiro, como afirma o autor, era (e ainda é) um bom exemplo de cidade para se compreender as desigualdades geradas a partir de um modelo político-econômico agressivo. É importante também perceber o deslocamento do eixo da Conferência: em 1972, o lugar de debate era a Suécia, país de cunho religioso protestante, economia próspera (a saber: papel, produtos químicos e veículos), setor de telecomunicações de elevado desenvolvimento tecnológico e população que apresenta boa qualidade de vida. Já em 1992, o debate translocase para o Brasil, país cristão/católico, de altíssima diversidade biológica (principalmente na Amazônia) e cujas desigualdades sociais (de raiz econômica, como a concentração de renda) são o verdadeiro retrato de nossa história. Outro reflexo foi a introdução de um paradigma da Educação Ambiental que visa estabelecer convenções e diretrizes que norteiem as práticas socioambientais. 16 Destaque-se que a palavra recurso originalmente ―enfatizava o poder de auto-regeneração da natureza e chamava atenção para a sua criatividade prodigiosa‖ (SHIVA, 2000, p.300). Todavia, o projeto baconiano (dessacralização da natureza) frequentemente tem extrapolado os limites da natureza, uma vez que limite tem sido entendido como obstáculo ao desenvolvimento. 35 Na Rio 92, o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global coloca princípios e um plano de ação para educadores ambientais, estabelecendo uma relação entre as políticas públicas de educação ambiental e a sustentabilidade. Enfatizam-se os processos participativos na promoção do meio ambiente, voltados para a sua recuperação, conservação e melhoria, bem como para a melhoria da qualidade de vida (JACOBI, 2003, p. 194) Note-se que a educação ambiental já aparece como um modelo de conduta ética individual e coletiva (LEITE LOPES, 2004). Sim, como disse Jacobi, o conceito de desenvolvimento sustentável representou um avanço. Contudo, não interessa aqui apenas o lado conceitual ou teórico, mas sim o lado prático e concreto, uma vez que as referidas práticas produtivas concretas não têm como foco compatibilizar homem-natureza17, mas sim salvar o sistema capitalista, mesmo que para isso sacrifique-se a humanidade. Todavia, apesar do conceito de desenvolvimento sustentável levar em consideração a pluralidade, diversidade, multiplicidade e heterogeneidade de nações e nacionalidades, define e limita a sustentabilidade a um modelo de pensamento único. Além disso, negligencia o mundo formal (como ele pode ser18) em detrimento do mundo real (o mundo como é19). Sim, a globalização possibilitou a ampliação da mais valia enquanto motor único e universal (SANTOS, 2008). Todavia, essa mesma ampliação desencadeou uma crise ambiental levando a uma incorporação de um discurso do ―ecologicamente correto‖ que dará embasamento ao desenvolvimento sustentável. Acselrad (2004, p. 13) explana que essa crise ambiental é fundada numa idéia de objetividade que, por sua vez, imprime ―a perspectiva de um colapso na relação quantitativa malthusiana entre população e território ou entre o crescimento econômico material e a base finita de recursos‖. Traduzindo: o objetivismo de que Acselrad fala conduz a um pensamento único dissonante da visão dialética que o objeto, os conflitos ambientais, merece. Pode se falar também que os discursos de responsabilidade socioambiental e desenvolvimento sustentável, pautados no ―ecologicamente correto‖, não 17 É importante notar que ainda se insiste em uma dicotomia homem-natureza, não percebendo desta forma que, ainda estaremos imersos na matriz filosófica-econômica do capitalismo que preconiza em seus princípios a segregação homem-natureza. Contudo, apenas da superação dessa dicotomia, nascerá a possibilidade de uma Nova História. Aqui cabe lembrar também o ―velho e bom‖ filósofo Karl Marx (1818-1883) quando este nos diz nos Manuscritos Econômico-Filosóficos (1844): ―O homem vive da Natureza, ou também, a Natureza é o seu corpo, com o qual tem de manter-se permanente intercâmbio para não morrer.[...] o homem é uma parte da Natureza‖ (2006, p.116). 18 Por isso os defensores desta razão falam, no conceito de desenvolvimento sustentável, em ―gerações futuras‖. Obviamente, o capitalista não tem como principio (ético, moral, filosófico ou econômico) o lucro a longo-prazo: o lucro deve ser imediato, simultâneo, sincrônico. 19 É interessante perceber que ao falarem de gerações futuras, os defensores da razão capitalista esquecem-se das gerações atuais, algo que soa, no mínimo, como algo fora do seu tempo. 36 representam necessariamente uma associação direta entre as práticas econômicas e ambientais. Enrique Leff (2001, p.149) ensina que: El principio de sustentabilidad emerge en el contexto de la globalización como una nueva visión del proceso civilizatorio de la humanidad. […] la sustentabilidad ecológica aparece así como un criterio normativo para la reconstrucción del orden económico, como una condición para la supervivencia humana y para lograr un desarrollo durable, problematizando los valores sociales y las bases mismas de la producción. El concepto de sustentabilidad emerge así del reconocimiento de la función que cumple la naturaleza como soporte, condición y potencial del proceso de producción. De forma brilhante, Leff investiga a bases conceituais da legitimação do crescimento econômico, questionando a visão mecanicista da razão cartesiana (DESCARTES, 2008) e sua penetração na teoria econômica. Porto-Gonçalves (2006a) também já alertara sobre a ―amortização da natureza‖, destruição ecológica e degradação ambiental. Em quase duas décadas repercutiu-se amplamente ou internacionalmente a questão da preservação do meio ambiente. A Rio-92 também é um importante marco histórico, pois é justamente no seio desta conferência que é consagrado o conceito de desenvolvimento sustentável, em outras palavras materializa-se a questão ambiental. Em 1992 realiza-se a conferência sobre Meio Ambiente da ONU no Rio de Janeiro, 20 anos após a de Estocolmo, referida como Rio-92 ou Eco-92. No seu processo de preparação, grande atenção é dada à questão ambiental por ONGs não especializadas, movimentos sociais, associações de moradores, federações empresariais, instituições governamentais. [...] Na realização da conferência destacam-se a reunião paralela das ONGs e associações populares, por um lado; e por outro, compromisso de governos signatários com a Agenda 21, um enorme documento composto de quatro seções, 40 capítulos e dois anexos (a edição brasileira, publicada pelo Senado Federal, tem 598 páginas), dispondo de objetivos, atividades e considerações sobre meios de implementação, de um planejamento de uma cooperação internacional e de ações nacionais e locais em vista do desenvolvimento, do combate à pobreza e da proteção ao meio ambiente (LEITE LOPES, 2004, p.23). Essa burocratização da questão ambiental modificou muito pouco a situação ambiental mundial. A mundialização da temática ambiental a nível global se burocratizou, mas não com o intuito de corrigir o cerne da questão ambiental. A burocracia passou de espírito do Estado para espírito do neoliberalismo ambiental, ou seja, debilitam-se as discussões acerca da raiz do problema e passa-se a estudar apenas os efeitos, e não as causas. As causas, finais, não se mostraram ser anticientíficas, metafísicas, divinas, mas sim produzidas pelo ―homo crematisticus”, uma espécie de homem que mercadifica o ambiente e a própria crise 37 ambiental/ecológica para formar preços de mercado, para ganhar dinheiro20. E a apropriação da problemática ambiental por parte das grandes corporações será observada principalmente na Rio+10 (HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES, 2006). 4.5 Uma década perdida? A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável Há nove anos, aconteceu aquela que foi a mais recente conferência da ONU: Rio+10. Realizada em 2002, em Johanesburgo, a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável teve como principais objetivos integrar as iniciativas das Nações Unidas com vistas à redução quantitativa do número de pessoas miseráveis (vivem com menos de um dólar por dia), no mundo, até o ano de 2015 e avaliar quais medidas estabelecidas na Agenda 21 tinham sido alcançadas, o que demonstra ser mais um indício da crise ecológica global. Esta conferência não foi, nem de perto, a sombra daquilo que havia ficado dez anos atrás, pois ―[...] em Johanesburgo o clima estava mais para aquele do Riocentro em 1992, com um elevado número de ONGS, já não mais associadas aos movimentos sociais, mas sim a governos e empresas das quais captam verbas‖ (HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 126). Também foi objetivado nesta cúpula reduzir o número de pessoas que não possuem acesso à água potável, bem como saneamento básico. Só para se ter uma idéia, conforme a ONU, um bilhão e cem milhões de pessoas vivem sem acesso adequado à água (ALMANAQUE ABRIL, 2006, p.72). Além disso: Em 1998, os 20% mais ricos do planeta dispunham de 86% do produto mundial, e os 20% mais pobres de apenas 1%. Enquanto isso, a diferença de renda passou de 30 para 1, em 1960, para 60 para 1, em 1990, e 74 para 1 em 1997. Explica esse aumento das desigualdades a proliferação do desemprego (segundo a OIT, são 188 milhões de desempregados em 2003 – ou seja, 6,2% da força de trabalho mundial), do subemprego, dos circuitos ilegais da economia. [...] Basta verificar que 22% da população mundial, ou seja, 1,3 bilhão de pessoas vivem com menos de um dólar por dia, considerado o limiar da pobreza absoluta (HAESBAERT; PORTOGONÇALVES, 2006, p. 47). Por fim, acordaram também a recuperação, até o ano de 2015, dos estoques de peixe através do controle da pesca oceânica, visando assegurar a reprodução anterior à captura. Diante desse quadro, nada indica, essencialmente, uma mudança radical na forma de se relacionar com a Natureza; a natureza não produz ricos e pobres, não explora trabalhadores 20 A crematística é o estudo da formação dos preços de mercado, para ganhar dinheiro; já oikonomia (economia) é a arte do aprovisionamento material da casa familiar (MARTÍNEZ ALIER, 2007, p. 53). 38 ao contrário do capitalismo: ele apropria-se da força de trabalho e da natureza produzindo-a e reproduzindo a si mesmo e as suas relações de produção (LEFEBVRE, 1973). A natureza no capitalismo possui um destino: ser um instrumento da produção, algo exterior, inumano (SMITH, 1988). Apenas acordar e estipular prazos de recuperação de espécies não nos conduz a uma nova prática socioambiental. Isso porque para que se tenha uma prática revolucionária é preciso uma teoria revolucionária. E o que nós vimos até aqui é a eterna tentativa de se ajustar crescimento econômico com proteção ambiental. Proteger o ambiente e crescer economicamente: missão impossível no capitalismo, pois por onde quer que lancemos olhares vê-se a desigualdade social, o desenvolvimento desigual (SMITH, 1988), o desajuste ecológico e a injustiça ambiental. Não estamos sustentando a raça humana, tampouco protegendo a natureza, mas sim exacerbando os conflitos e os problemas ambientais. Todavia, homem e natureza não seriam inimigos que precisam ser dominados; e dessa forma não teríamos conflitos ou problemas, caso tivéssemos outro modelo de racionalidade, outro modo de produção e de vida. 5 TERRITORIALIZANDO A VALE NA TESSITURA HISTÓRICA: de estatal à privada, da razia capitalista às políticas de responsabilidade socioambientais É preciso mergulhar nos 67 anos de história da Vale, objetivando entender as mudanças sofridas pela empresa desde o seus primórdios, passando pela criação em 1942, a privatização em 1997, até o ano de 2010. Dessa forma, pode-se avaliar as ações e atividades desenvolvidas pela empresa no que tange às políticas de responsabilidade ambiental e social. Vejamos alguns antecedentes históricos da criação da Vale: Com a primeira Constituição Republicana de 1891, foram totalmente alteradas as regras para a exploração mineral do país. Pela nova Carta, os proprietários das terras onde fossem encontradas reservas minerais, seriam também proprietários destas jazidas. Além disso, a lei permitia que estas reservas fossem exploradas por empresas estrangeiras. A civilização industrial colocava em cena novas descobertas da ciência e através de técnicas recém inventadas, o ferro, um mineral até então pouco valorizado adquiria têmpera de aço. Geólogos e engenheiros mapeavam, então, o subsolo brasileiro, não só em busca do ouro, mas também em busca do ferro e descobriram que o chão de Minas Gerais, compreendido pelo quadrilátero formado pelas cidades de Conselheiro Lafayette, Mariana, Sabará e Itabira, abrigavam três bilhões de toneladas de minério de ferro (BARBOSA, 2002, p. 20). Antes da oficialização e da criação propriamente dita da Vale, alguns acontecimentos primordiais merecem ser lembrados. Em 1901, ocorre a Fundação da Companhia Estrada de 39 Ferro Vitória a Minas (CEFVM), inaugurada oficialmente em treze de maio de 1904, no trecho entre as estações Cariacica e Alfredo Maia. Já em 1909, é criada a Brazilian Hematite Syndicate, de capital britânico. Os ingleses compraram todas as terras onde estavam as reservas conhecidas de minério de ferro em Minas Gerais, estimadas em 2 bilhões de toneladas (GODEIRO et al., 2007, p. 10). No mesmo ano, a empresa compra a maioria das ações da CEFVM e sela a união entre os dois grupos, para explorar21 as reservas de minério de ferro de Minas Gerais. Um ano depois, 1910, são esboçados os primeiros projetos de levar a ferrovia até Itabira (MG), onde chega em 1943. O empresário Percival Farquhar entra em cena em 1911, pois controla a Itabira Iron Ore Company, anteriormente conhecida como Brazilian Hematite Syndicate. Finalmente, no ano de 1940, a Itabira Iron Ore faz o primeiro embarque de minério de ferro pelo Porto de Vitória, em julho. Como bem escreveu Barbosa (2002, p. 21): Estas informações fizeram com que grandes mineradoras da Inglaterra, Estados Unidos, Bélgica e França voltassem a atenção para o Brasil, comprando a preços irrisórios, boa parte das jazidas do rio Doce. As minas de Itabira foram adquiridas pela Itabira Iron Ore Company, fundada por engenheiros ingleses. A empresa assumia ainda o controle acionário da Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM), uma incipiente ferrovia que desde 1903 escoava a produção agrícola do vale do Rio Doce. Em 1919, a Itabira Iron foi comprada pelo empresário norteamericano Percival Farquhar que pretendia conseguir o monopólio da produção e exportação do minério de ferro da região. Com a revolução de 1930, o presidente Getúlio Vargas colocou em prática um discurso que previa a nacionalização das reservas minerais do país, estabelecendo uma luta entre nacionalistas e liberais. Tentando aplacar os ânimos, Percival Farquhar se uniu a empresários brasileiros e nacionalizou a Itabira Iron, transformando-a em duas empresas: Companhia Brasileira de Mineração e Itabira Mineração. Frise-se que para uma satisfatória exploração de minério de ferro, pari passu é necessário investimentos em infra-estrutura, como construção de ferrovias e portos para o escoamento da produção; e o capital internacional também já está em cena finan 22ciando a exploração dos recursos. 21 ―A ideologia produtivista do antropocentrismo europeu, com seu mito de dominação da natureza, acreditou que produzia minérios, como se pudesse fazê-lo ao seu bel-prazer. Na verdade somos extratores e não produtores e, com essa caracterização, estamos mais próximos de reconhecer nossos limites diante de algo que não fazemos‖ (HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 110). 22 É bom lembrar que a palavra finança possuía antes da era do desenvolvimento um significado nãoeconômico: pagamento para livrar-se do cativeiro ou de um castigo (LUMMIS, 2000, p.115, itálicos meus). Mas hoje, parece que a finança e seus derivados tornaram-se o próprio cativeiro e castigo de muitos. 40 5.1 Década de 1940: surge uma gigante No início da década de 1940, o então presidente Getúlio Vargas, estimulou as indústrias de base, como a siderurgia, no intuito de substituir as importações, dando base para sua política de produção local. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) é um ótimo exemplo dessa atitude. Convém anotar que: O marco histórico do planejamento brasileiro pode ser fixado em 1939. Foi neste ano que o Decreto Lei 1.058 de 19/01/1939 criou o chamado Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional. Pretendia-se com o Plano Especial, promover a criação de indústrias básicas como a siderurgia, executar obras públicas, consideradas indispensáveis e efetuar o aparelhamento da defesa nacional. O plano era qüinqüenal, prevendo um investimento total de três bilhões de cruzeiros (BARBOSA, 2002, p. 21). Posteriormente, em 1º de junho de 1942, em decorrência dos Acordos de Washington, Getúlio Vargas23 assina o decreto-lei nº 4.352 e cria a Companhia Vale do Rio Doce para ―cobrir a demanda da Inglaterra e dos EUA por minérios de ferro para a fabricação de armas‖ (IBRADES et al. 2007, 34). Foi justamente devido aos Acordos de Washington que o governo da Grã-Bretanha se dispôs a transferir para o governo brasileiro o controle das jazidas de minério de ferro pertencentes à Itabira Iron Ore, substituída pela Vale. Em contrapartida o governo estadunidense se comprometia a um financiamento no valor de 14 milhões de dólares (IBRADES et al. 2007). No mesmo ano, a nova companhia, uma sociedade anônima de economia mista, encampou as empresas de Farquhar e a Estrada de Ferro Vitória a Minas. Destaque-se que os acionistas da Itabira Iron Ore foram devidamente indenizados pelo Tesouro Nacional. Porém, segundo Mauro Santayana (Agência Carta Maior, 2005), os Estados Unidos Exigiram em contrapartida, a cessão das bases do Nordeste para as operações das forças norte-americanas e o envio de tropas brasileiras para a II Guerra Mundial, na Europa. Ali perdemos vidas valiosas [...] não investimos na Vale somente os recursos do Erário; investimos em sangue, investimos em coragem, investimos na dignidade do patriotismo (IBRADES et al. 2007, 34). 23 Já na década de 1930 Vargas afirmava: ―Nenhum outro dos problemas que dizem respeito ao desenvolvimento econômico do país sobreleva em importância ao da exploração das nossas jazidas minerais‖. Para tanto, seria insuficiente a pequena siderurgia, normalmente incapaz de atender a futura demanda a resultar do crescimento industrial acelerado (DUTRA, 2003). Vê-se então que a extração de minérios era primordial para fomentar a industrialização e a modernização no Brasil. Assim as companhias deveriam ser ―gigantes‖ para atender à demanda. O problema é que o mecanismo de oferta-demanda aumenta o consumo, e, aumentando o consumo, é preciso produzir mais, e, se é preciso produzir mais, necessita-se extrair mais minerais da natureza. Quanto mais minerais são extraídos da natureza, mais degradação ambiental é provocada e mais os recursos se exaurem. Sendo assim, a alta procura somada à raridade do produto, não fazem com que o preço caia, mas sim que haja uma carestia geral. Se o preço aumenta, a degradação com certeza não diminui, e o pior é que os únicos que poderão ter acesso ao produto encarecido são os consumidores que podem pagar por ele. Creio que a água potável é um bom exemplo dessa situação. 41 Em 11 de janeiro de 1943, reuniu-se a Assembleia de constituição definitiva da Companhia Vale do Rio Doce, que aprovou os estatutos da empresa fixando a sede administrativa em Itabira (MG) e o domicílio jurídico no Rio de Janeiro (RJ). Israel Pinheiro foi nomeado o primeiro presidente da empresa. A partir desse momento, as exportações de ferro cresceriam exponencialmente. Ainda em 1943, a nova empresa foi listada na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. E dois anos mais tarde, a Vale concluiu as obras do cais de minério em Vitória (ES). Em 1949, a Vale era responsável por 80% das exportações brasileiras de minério de ferro devido à grande demanda do mercado internacional por aço no período pósguerra; A CVRD também selou um acordo com os japoneses para fornecimento do minério de ferro necessário à reconstrução do Japão, no pós-guerra (GODEIRO et al., 2007, p.11); ocorre ainda a Criação do Centro de Estudos Ferroviários, em Vitória (ES), sob orientação de Eliezer Batista da Silva (pai do bilionário Eike Batista24). É o período em que a industrialização se volta para a exportação, em substituição à política de importação de industrializados. Em julho de 1940, a Itabira Mineração efetuou o primeiro embarque de minério de ferro pelo porto de Vitória: 5.750 toneladas, com destino a Baltimore, Estados Unidos, e em 03 de março de 1942, Inglaterra e Estados Unidos assinaram os Acordos de Washington, que definiam as bases para a instalação, no país, de uma produtora e exportadora de minério de ferro. Pelos acordos caberia à Inglaterra comprar e transferir ao governo brasileiro as minas de Itabira e a estrada de ferro Vitória Minas (EFMV), enquanto os Estados Unidos seria responsável pelo financiamento necessário para a implantação deste projeto. Para a mecanização das minas de Itabira, reconstrução da EFVM, que se encontrava em péssimas condições, o governo contou com um empréstimo de US$ 14 milhões concedido pelo EXIMBANK (BAIZ apud BARBOSA, 2002, p. 22). Sem dúvida o uso financeiro do dinheiro, como referido acima, é um exemplo da globalização do capital. Tanto Inglaterra como os EUA se preocupavam em dar mobilidade ao capital de maneira internacional, ofertando créditos e empréstimos. E isso implica falar em ingerência no território e na administração das economias nacionais através de um mercado internacional. Vale lembrar que o referido Eximbank, o Banco de Exportação e Importação 24 Empresário, dono do Grupo EBX. Sua atuação no Maranhão mais conhecida diz respeito à MPX, uma empresa do seu grupo responsável pela Usina Termelétrica Porto do Itaqui. Como objetivo de qualquer projeto de desenvolvimento é, pelo menos em tese, livrar os ditos ―subdesenvolvidos‖ desta imagem virulenta e inferiorizadora, há que se ressaltar que a UTE Porto do Itaqui é um dos simbolos materiais, permanentemente acionados por agentes governamentais e empresariais, da saída deste estágio inferior e da possibilidade de alcançar a modernidade para o Maranhão e, mais especificamente, para duas comunidades rurais: Vila Madureira e Camboa dos Frades. A totalidade dos moradores do território da Vila Madureira foi deslocada para dar lugar à termelétrica. Os moradores foram deslocados para o residencial Nova Canaã em Paço do Lumiar (dista 30 km da capital São Luís e 40 Km da Vila Madureira) o que gerou bastante insatisfação, e os moradores de Camboa dos Frades enfrentam os impactos da construção da termelétrica (PEREIRA, 2010). 42 dos Estados Unidos, maior credor da Vale, logrou sem êxito, em um cabal exemplo de ingerência econômica, retirar a autonomia da Vale, tentando reduzir as funções do presidente da companhia a de um mero supervisor. Baiz (apud BARBOSA, 2002, p. 22) aponta ainda que: Durante a década de 40, primeira década de sua existência, a empresa experimentou momentos difíceis, carência de infra-estrutura e fortes pressões exercidas pelo seu maior credor o EXIMBANK. A urgência de implantação do projeto, e a escassez de recursos colocam a CVRD face a vários problemas cujas conseqüências redundou no não cumprimento de seu objetivo, exportando em seu primeiro ano apenas 291.180 toneladas de minério, seu compromisso de acordo com as cláusulas do acordo firmado, seria de exportar no mínimo 1,5 milhão de toneladas anuais. 5.2 Década de 1950: a gigante nas mãos do Estado Em 1951, após processo eleitoral, Getúlio Vargas assumiu novamente o governo brasileiro, até o ano de 1954. Extremamente nacionalista e populista, Vargas não mediu esforços para transformar o Brasil em um país urbano e industrial. Note-se que a visão progressista de Vargas calca-se na égide do industrialismo como motor do urbanicismo, ou seja, é preciso deixar para trás o Brasil agrário e rural e transformá-lo num país ―moderno‖, ―desenvolvido‖ e de ―primeiro mundo‖. Continuando, é no governo de Vargas que o Brasil criou uma das empresas petrolíferas mais importantes do mundo: a Petrobrás. Em 1952, Getúlio Vargas criou também o BNDE, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico. Pela sigla do banco, nós temos a noção de que tipo de desenvolvimento Vargas clamava. Neste período, a companhia consolidou sua posição no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais, o berço da Vale (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). O governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960) foi baseado no lema ―50 anos em 05‖, ou seja, JK adotou um discurso altamente desenvolvimentista. Para tanto, lançou mão do seu Plano Nacional de Desenvolvimento, o Plano de Metas, que beneficiava os setores de educação, alimentação, indústria de base, transporte e energia. No dia 1º de fevereiro de 1956, após a posse do presidente Juscelino Kubitschek, foi criado por decreto o Conselho de Desenvolvimento como precedente à criação do Programa de Metas, cujas atribuições eram as seguintes: ♦ Estudar as medidas necessárias à coordenação da política econômica do país, particularmente em relação ao seu desenvolvimento econômico; ♦ Elaborar planos e programas que visassem a aumentar a eficiência das atividades governamentais, bem como a fomentar a iniciativa privada. ♦ Analisar relatórios e estatísticas relativas à evolução dos diferentes setores da economia do país com o propósito de integrá-los na formação da produção nacional; ♦ Estudar e preparar anteprojetos de leis, decretos ou atos administrativos julgados necessários à consecução dos objetivos supramencionados; 43 ♦ Acompanhar e assistir a implementação, pelos Ministérios e Bancos Oficiais competentes, de medidas e providências concretas cuja adoção houvesse recomendado (REGO et al. apud BARBOSA, 2002, p. 23). Juscelino Kubitschek foi um grande entusiasta da industrialização e da substituição de importações. Em seu governo ele estimulou a produção de máquinas, equipamentos (bens de capital), insumos, transporte ferroviário, construção civil, fertilizantes e mecanização do campo. A política do plano dava tratamento preferencial ao capital estrangeiro, financiava os gastos públicos e privados através da expansão dos meios de pagamento e do crédito via empréstimos do BNDE, bem como por meio de avais para tomada de empréstimos no exterior. Aumentava a participação do Estado na formação de capital, estimulando a acumulação privada (REGO et al. apud BARBOSA, 2002, p. 24). Importante notar o quanto Juscelino priorizava a inserção e predominância do capital estrangeiro na economia brasileira, em detrimento da política nacionalista getulista. No governo de JK, o capital estrangeiro penetrou agressivamente o território brasileiro por meio dos serviços de infraestrutura, em especial no setor de transportes. O ABC25 paulista ganhou relevância nessa época em virtude das instalações de pólos automotivos na região 26. Outro ponto importante fora a criação da SUDENE, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste. O crescimento industrial que ocorreu a partir do início do governo JK estava estruturado em um tripé formado pelas empresas estatais, pelo capital privado estrangeiro, e como sócio menor, o capital privado nacional. As empresas multinacionais passaram a dominar amplamente a produção industrial brasileira, especialmente os setores mais dinâmicos da indústria de transformação. A criação das empresas multinacionais foi conseqüência direta das características da industrialização no capitalismo monopolista. Dada as escalas de produção e intensidade de capital necessária, foi inevitável a supremacia do capital externo, dominando amplamente os setores industriais mais dinâmicos de nossa economia (REGO et al. apud BARBOSA, 2002, p. 24). É na década de 1950, precisamente no ano de 1952, que o Governo brasileiro assumiu o controle definitivo do sistema operacional da Vale. Barbosa (2002, p. 24) destaca que: Nesta década, a CVRD efetuou obras de infra-estrutura alcançando ganho de produtividade e eficiência operacional. Dentro de uma conjuntura favorável ocasionada pela guerra da Coréia, que impossibilitava a substituição de seu minério, a Vale implementou uma agressiva política de aumento de preços, o que permitiu solucionar seu problema de ordem financeira. Tendo a empresa superado grande 25 26 Conurbação composta pelos municípios Santo André, São Bernardo e São Caetano. Concordamos aqui com o conceito de região proposto por Francisco de Oliveira (1981) fundamentado na especificidade da reprodução do capital. 44 parte dos problemas iniciais, ocorre sua consolidação empresarial, além de seu completo controle operacional pelo governo brasileiro em 1952 (os grifos são meus). Em 1953, ocorreu o primeiro embarque de minério de ferro para o Japão e a Vale utilizou, pela primeira vez, um navio brasileiro, o Siderúrgica Nove, no carregamento de minério para os Estados Unidos. No ano de 1954, a referida empresa reviu suas práticas comerciais no exterior e passou a fazer contatos diretos com as siderúrgicas, sem a intermediação dos traders. Já em 1955, a Vale contratou o serviço da Companhia Boa Vista de Seguros, que prestou assistência médico-cirúrgica, hospitalar, odontológica e especializada a acidentados. Um ano depois, 1956, a Vale comprou a Reserva Florestal de Linhares27, do Governo do Espírito Santo, com área de 23 mil hectares. Data do ano de 1959, a inauguração do Cais do Paul, no Porto de Vitória, iniciativa da Vale e do Governo do Espírito Santo. Por fim, em 1960, houve a criação da Companhia Siderúrgica Vatu, primeira subsidiária da Vale para o beneficiamento de minérios, fabricação e comercialização de ferro-esponja. 5.3 Década de 1960: atribulações políticas, os planos econômicos militares e a descoberta de Carajás A década de 1960 é de fundamental importância para a compreensão da organização da exploração mineral da Vale em Carajás. Isso porque é esta década que marcou o início da prospecção de minérios na Amazônia. 27 Alinhada à política de recuperação de áreas degradadas, a Vale realiza pesquisas e investe em tecnologia ambiental na Reserva Natural Vale, em Linhares (ES), onde há intensivo programa de produção de mudas destinadas à restauração ecossistêmica e à formação de florestas de uso múltiplo. Em 2006, a colheita bruta de sementes foi de aproximadamente 12 toneladas, que resultaram em cerca de quatro milhões de mudas de 422 espécies da Mata Atlântica. Desde a criação da reserva, foram identificadas 60 novas espécies botânicas em seus 22 mil hectares, uma das últimas áreas protegidas de Mata Atlântica de Tabuleiro no Brasil. O território da Reserva de Linhares é contíguo ao da Reserva Biológica de Sooterama, administrada pelo Ibama, que delegou a proteção à Vale há cinco anos. Juntas, representam 48 mil hectares ou 75% da floresta natural do Espírito Santo. O leitor desinformado poderia realmente pensar que a CVRD protege o meio ambiente caso desconhecesse a transferência para o referido Estado da empresa chinesa Baosteel, a maior siderúrgica da China, no dia 27 de agosto de 2009. A Vale relançou com pompa e circunstância o projeto de instalação de uma usina siderúrgica em Ubu, distrito industrial de Anchieta, município do Espírito Santo. ―A associação de pescadores de Ubu e Parati, tendo grande parte de seus membros filiados à colônia de pescadores, foi criada para enfrentar os problemas advindos da deterioração do meio ambiente provocada inicialmente pela Indústria de Mineração Samarco S.A., localizada em seu território. [...] Hoje a sua luta tem como objeto os efeitos provocados pelas dragagens em sua costa, pelas obras de instalação da Petrobrás na região, e pelas sondagens feitas pela VALE para instalação de um mega porto, ocupando com máquinas e instrumentos de sondagem sua área de pesca e fazendo desaparecer os peixes, não apenas pelo deslocamento de grandes quantidades de areias (formando bancos em locais onde viviam os cardumes), como também pela contaminação das águas do mar (areias com resíduos industriais). Ou seja, o processo de degradação ambiental, provocado pela indústria Samarco, com a contaminação do ar e das águas, vem sendo agravado pelas obras de construção das instalações da Petrobrás na localidade e das sondagens da VALE‖ (RAUTA RAMOS et al., 2009, p. 96). 45 Observe-se que o mercado potencial da Vale já está delineado: Estados Unidos e Japão. Quando Juscelino Kubitschek deixou, em 1960, a presidência da República, o Brasil tinha seu modelo econômico alicerçado na industrialização e com um crescimento econômico girando na casa dos 7% ao ano. Todavia deixou também, para seu sucessor, Jânio Quadros, como fruto da sua política desenvolvimentista, uma alta inflação. Quadros teve uma rápida passagem pela presidência do Brasil. Pregava uma política externa independente e de austeridade econômica, baseada no FMI28. Renunciou em 25 de agosto de 1961, com o argumento de queria ―varrer a corrupção‖ e não havia conseguido. Como João Goulart, o Jango, que era o Vice-Presidente, tinha fortes tendências esquerdistas, políticos e militares viam com maus olhos sua posse na Presidência. Portanto, este somente poderia aceitar o cargo mediante a adoção do parlamentarismo, e foi justamente assim que aconteceu. Uma vez no Governo, Jango buscou dar consequência à necessidade de planejamento da ação estatal. A breve atuação do presidente Jânio Quadros foi marcada na área de planejamento público, pela criação da Comissão Nacional de Planejamento (COPLAN) em agosto de 1961. Em outubro 1961 toma posse o presidente João Goulart. Neste período o conselho de ministros publicou um documento importante e que teve influência direta sobre a criação do Plano Trienal (BARBOSA, 2002, p. 25). O referido Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social 29 enfrentou oposição no Congresso brasileiro, por parte da Igreja Católica e do empresariado, pois estes setores viam nas reformas de Jango uma espécie de ―estágio comunista‖. Sobre o Plano Trienal, Barbosa (2002, p. 25) escreve que: O Plano Trienal procura, pela primeira vez, soluções estruturais para o problema econômico-social do país, partindo do princípio que o crescimento acelerado dos países em desenvolvimento faz-se sempre com rápidas e profundas modificações estruturais. [...] O Plano Trienal, definido de forma sucinta, era na verdade um plano de estabilização. Estabelecia uma reforma de bases cujas diretrizes estavam voltadas para as bases requeridas pelo desenvolvimento econômico, por isso de difícil implementação, pois estabelecia controles que não contavam em absoluto com a simpatia popular. Tais controles almejavam reduzir a taxa inflacionária, já então alarmante, e o desequilíbrio nas contas externas. 28 O Fundo Monetário Internacional (FMI) é uma organização composta por 183 países-membros com o objetivo de promover, de acordo com seu estatuto, a cooperação internacional; facilitar o crescimento equilibrado do comércio internacional; promover a estabilidade das taxas de câmbio; reduzir os desequilíbrios nos balanços de pagamentos reduzindo assim as ameaças ao sistema internacional (FMI, Articles of Agreement). O FMI possui três funções principais a fim de se alcançar esses objetivos. São eles: 1. Vigilância das economias dos membros do FMI, com ênfase especial à política de taxas de câmbio; 2. Fornecimento de assistência financeira (na forma de créditos e empréstimos) aos membros com problemas na balança de pagamentos, para apoiar ajustes e reformas; 3. Fornecimento de assistência técnica para a implementação de políticas fiscais e monetárias. (CALDAS, 2002. p. 107). 29 Diferentemente de Getúlio Vargas, para Jango o desenvolvimento tinha que ser econômico e social. 46 A taxa inflacionária e o desequilíbrio nas contas públicas, como já fora mencionado, foi a herança maldita do governo JK. Jango acreditava que o desenvolvimento econômico e social somente se processaria a partir de amplas reformas, tais como: administrativa, agrária, tributária e fiscal. Dessa forma, Jango via no Plano Trienal a possibilidade de (re)estruturar o país tanto do lado econômico, quanto do viés social. Contudo, Jango não foi capaz de estabelecer as suas mudanças, uma vez que fora destituído pelo golpe militar. Cabe lembrar que o Regime Militar aumentou a dependência da economia brasileira em relação ao exterior, uma vez que a referida economia se tornava cada vez mais globalizada (internacionalizada), apresentando profunda influência dos países ditos desenvolvidos, especialmente os Estados Unidos. Depois do Plano Trienal, sucederam-se o Programa de Ação Econômica do GovernoPAEG (1964) que ―foi preparado em 90 dias, apresentado ao Congresso em agosto de 1964, envolvia o período de 1964/1966 e reativava o Ministério Extraordinário para o Planejamento30 e Coordenação Econômica‖ (REGO et al. apud BARBOSA, 2002, p. 25), o Plano Decenal (1967-1976) e o Programa Estratégico de Desenvolvimento (1967). O PAEG enfatizava a viabilidade do modelo de planejamento econômico dentro de uma economia de mercado, repetindo a preocupação do Plano Trienal de justificar a existência do processo em países não socialistas. [...] O relativo sucesso do PAEG e a manutenção da hegemonia do poder executivo brasileiro levaram o presidente Castelo Branco já no final do seu mandato a propor a elaboração de um Plano Decenal (1967-1976) com o objetivo de oferecer aos governos seguintes uma linha comum de ação sintonizada com os efeitos do PAEG (BARBOSA, 2002, p. 25). Ateste-se que, no PAEG, a viabilidade desenvolvimentista não se faz mais através da economia planificada, mas sim a planificação da economia no mercado e para o mercado. O general Costa e Silva, assumiu a presidência após o governo do general Castelo Branco. Sua política econômica foi baseada no combate à inflação, política salarial e comércio internacional. Daí decorreu o Programa Estratégico de Desenvolvimento. O Programa Estratégico de Desenvolvimento foi preparado a partir de 1967 pelo governo do presidente Costa e Silva, não guardando muita relação com as recomendações do Plano Decenal. O Programa Estratégico pretendia reorientar a economia, no período de 1968-1970, de forma a corrigir certas distorções que se faziam sentir e foram fixados os seguintes objetivos: ♦ Manter o controle do balanço de pagamento 30 De acordo com Oliveira (1981, pp. 29-30) o planejamento não pode ser entendido como ―a presença de um Estado mediador mas, ao contrário, a presença de um Estado capturado ou não pelas formas mais adiantadas da reprodução do capital para forçar a passagem no rumo de uma homogeneização, ou conforme é comumente descrito pela literatura sobre planejamento regional, no rumo da ‗integração nacional‘‖. No caso do Estado, percebe-se que ele se converte em mais um mecanismo de reprodução das relações de produção do sistema capitalista. Talvez até o mais importante... 47 ♦ Evitar o agravamento das disparidades econômicas regionais e setoriais. ♦ Realizar reformas econômicas e sociais. ♦ Assegurar a manutenção do clima de ordem interna e estabilidade institucional (BARBOSA, 2002, p. 26). Imersa nesse contexto de mudanças políticas, econômicas e sociais da década de 1960, a Vale assinou contratos de longo prazo com siderúrgicas japonesas e usinas alemãs 31. Em 2 de outubro de 1962, foi criada a subsidiária Vale do Rio Doce Navegação S.A. (Docenave), ampliando as atividades de cunho marítimo da empresa. Além disso, em 1966, a Vale inaugurou o Porto de Tubarão, em Vitória, Espírito Santo. Nessa década cabe destacar um acontecimento primordial que data do ano de 1967: Geólogos da Companhia Meridional de Mineração, subsidiária da United States Steel Corporation, constataram a ocorrência de minério de ferro em Carajás, Pará. Destarte, em julho de 1967, um helicóptero da Cia. Meridional de Mineração pousou em uma clareira da Serra dos Carajás, revelando a existência de uma jazida de 18 bilhões de toneladas de minério de ferro de alto teor. Depois, verificou-se que em Carajás não havia somente minério de ferro. Havia também grandes depósitos de manganês, ouro, bauxita, cobre e outros minerais valiosos. A empresa que descobriu as jazidas era, na verdade, o braço brasileiro da U.S. Steel, grande siderúrgica norte-americana e uma das maiores consumidoras mundiais de minério de ferro. Contudo, devido a uma ação do governo brasileiro, a U.S.Steel foi obrigada a aceitar a Cia. Vale do Rio Doce como sócia na exploração mineral, o que deu origem a companhia Amazônia Mineração S/A (AMZA), que foi quem de fato tomou as primeiras iniciativas para viabilizar a exploração mineral de Carajás (CARNEIRO, 2010, p.18). Nesse sentido, a americana e a Vale deram início a um processo agressivo de ampliação de suas bases com o desenvolvimento do Projeto Carajás, que abrange Maranhão e Pará (GODEIRO et al. 2007). Dois anos depois, em 1969, foi inaugurada a primeira usina de pelotização da Vale em Tubarão, Espírito Santo, com capacidade para produção de 2 milhões de toneladas/ano. Ateste-se que a descoberta de minério de ferro em Carajás-PA, não somente permitiu que a Vale do Rio Doce se transformasse na maior exportadora de minério de ferro do mundo, como também contribuiu para que ela também fosse Empurrada pelo governo brasileiro rumo ao Norte do país. Em abril de 1970 foi criada a AMSA - Amazônia Mineração S.A., pela associação Companhia Vale do Rio Doce, com 51% das ações, e a Companhia Meridional de Mineração, que ficou com 49% (IBRADES et al., 2007, p. 35). 31 Como se percebe, é de longa data a coalizão entre os clientes da Vale... ThyssenKrupp (Alemanha), Nisshin Steel, Sumitomo, Kobe Steel, JFE Steel, Nippon Steel (Japão). 48 5.4 Década de 1970: os ―milagres econômicos‖, a ―vocação mineral‖ da Amazônia e a diversificação do desenvolvimento da estatal A década de 1970 é crucial para o Brasil e, consequentemente para a Vale. O governo ditatorial do presidente Médici prosseguiu com as políticas de desenvolvimento, modelo através do qual o governo militar acreditava ser capaz de inserir a nação brasileira no âmbito dos países desenvolvidos. Sendo assim: O I Plano Nacional do desenvolvimento econômico (I PND) instituído pela Lei 5.727 de 4 de novembro de 1971, foi desenvolvido para o período de 1972 a 1974 e seguia basicamente o formato estabelecido antes pelas Metas e Bases. A estratégia global adotada que consiste seguramente na peça de resistência do I PND envolve a expansão da fronteira econômica, uso intenso de recursos humanos, consolidação do desenvolvimento do Centro Sul e industrialização do Nordeste; tudo com o objetivo de aprimorar o poder de competição nacional (BARBOSA, 2002, p. 27-28) Estimular uma relação desarmônica entre regiões era necessário para a consolidação do desenvolvimento. Afinal, aprimorar o centro-sul do Brasil e vetorizar o crescimento econômico do Nordeste via industrialização acabariam por deflagrar o desenvolvimento que tanto o presidente Médici buscava. Apesar de o plano ser dito nacional, ele continha objetivos e estratégias globais como preços internacionalmente competitivos (BARBOSA, 2002). Ao mesmo tempo em que o PND contribuiu para o processo de modernização das empresas brasileiras, brindou os nordestinos com os louros da industrialização desenfreada do centro-sul: segregação socioespacial, conflitos agrários, urbanização precária e subdesenvolvimento. Barbosa (2002, p. 28) diz que: O II PND (II Plano Nacional de Desenvolvimento), instituído pela Lei 6.151 de dezembro de 1974, encontrou sérios obstáculos em especial na dificuldade e demora na adaptação da economia do país à crise do petróleo. Seus objetivos principais eram: ♦ Manter o crescimento econômico acelerado dos anos anteriores; ♦ Reafirmar a política de contenção da inflação; ♦ Manter em relativo equilíbrio o balanço de pagamento; ♦ Realizar política de melhoria de distribuição de renda simultaneamente com o crescimento econômico; ♦ Preservar a estabilidade social e política; Note-se que o II PND, apontou como um dos principais objetivos ―Manter o crescimento econômico acelerado dos anos anteriores‖. Contudo, isso não significou desenvolvimento social, nem ―distribuição de renda‖, uma vez que a macrorregião sudeste, 49 entendida aqui como um recorte do espaço nacional que fundamenta certas especificidades da reprodução do capital (OLIVEIRA, 1981), consolidou-se como grande parque industrial e prestador de bens e serviços, enquanto que o Nordeste mergulhou em dilemas urbanos e nos mais diversos conflitos. O reflexo na Vale dessa política federal será a diversificação dos investimentos. No dia 07 de julho de 1971, foi fundada a Rio Doce Geologia e Mineração S.A. (DOCEGEO). Essa subsidiária da Vale tinha como objetivo realizar pesquisas e lavra de minério e durante sete anos, a partir de investimentos de US$ 82 milhões (BARBOSA, 2002), as ―pesquisas concluíram que, em Carajás, se encontrava a maior reserva de minério de ferro do mundo, com 18 bilhões de toneladas; a CVRD acrescentou mais 35 novos pontos de extração, envolvendo 11 minerais diferentes em treze estados do país‖ (BAIZ apud BARBOSA, 2002, p. 29). Ainda em 1971, foram descobertas jazidas de manganês localizadas no Córrego do Azul na Serra de Carajás que perfazem um montante de 65 milhões de toneladas (CARNEIRO, 2010). Em 1972, a Vale e a US Steel constituíram a Valuec Serviços Técnicos, cuja finalidade era analisar a viabilidade do Projeto Carajás. Ainda no mesmo ano, a Vale firmou convênio com a Alcan Aluminium ltd., do Canadá, visando à exploração de bauxita na região do rio Trombetas. Em 1973, foi inaugurada a primeira fase da Usina de Concentração de Itabirito. Barbosa aponta ainda que: Em 1973 foi criada a Celulose Nipo Brasileira S/A (CENIBRA), com capacidade de produção de 750 toneladas diárias de celulose a partir de cavacos de madeira fornecidos pelas Florestas Rio Doce; a Companhia Ítalo Brasileira de Pelotização (ITABRASCO), empresa formada pela CVRD e o grupo italiano Finsider International, para construir e operar uma usina de pelotização junto ao porto de Tubarão, no Estado do Espírito Santo, com capacidade para produzir três milhões de pelotas por anos (BARBOSA, 2002, p. 29). Cabe destacar que 1974 é o ano que marca a grande guinada de investimentos e incentivos fiscais para a exploração mineral na Amazônia. Segundo Porto-Gonçalves (2005) quem descobriu a vocação pecuária e de exploração mineral para a Amazônia fora o então ministro Delfim Netto. Essa descoberta encravou a Amazônia entre a cruz e a espada: por um lado os impactos oriundos da pecuária; na outra ponta a mineração, uma atividade metodologicamente organizada que agride o meio ambiente através de práticas de desmatamento, atrai um grande fluxo populacional e uma maior pressão por recursos naturais. Nos idos de 1974, a Vale tornou-se a maior exportadora de minério de ferro do mundo, detendo 16% do mercado transoceânico do minério. 50 Em 1974 foi criada a Companhia Nipo Brasileira (NIBRASCO), Joint Venture integrada pela CVRD e um grupo de siderúrgicas japonesas, liderado pela Nippon Steel, com capacidade para produzir seis milhões de toneladas anuais de pelotas; a Companhia Hispano Brasileira de Pelotização (HISPANOBRAS), empresa formada pela CVRD e a espanhola Ensidesa, com produção prevista de três milhões de toneladas de pelotas; a Alumínio Brasileiro S/A (ALBRAS), Joint Venture formada pela CVRD e pela Nippon Amazon Aluminium, com capacidade para produzir 160 mil toneladas anuais de alumínio primário e a Mineração Rio do Norte (MRN), consórcio multinacional para a exploração das jazidas de bauxita às margens do rio Trombetas, no Estado do Pará, com produção inicial estimada de 3,4 milhões de toneladas anuais (BARBOSA, 2002, p. 29). Pela primeira vez, em 1975, a Vale lançou debêntures no mercado internacional, no valor de 70 milhões de marcos, com intermediação do Dresdner Bank. 1976 marca o ano do Decreto nº 77.608 que outorgou à Vale a concessão para construção, uso e exploração da estrada de ferro entre Carajás (PA) e São Luís (MA), e também ―foi criada a Minas da Serra Geral (MSG); a Urucum Mineração S/A, visando a exploração das reservas de manganês das serras de Urucum e Jacadigo, no município de Corumbá, no Estado do Mato Grosso‖ (BARBOSA, 2002, p. 29). Ano importante para se analisar as ações da Vale no Maranhão é o de 1977, pois a Vale anunciou prioridade ao Projeto Carajás, para, a partir de 1982, iniciar a exportação do minério de ferro pelo Porto de Itaqui. Em 1977, a Vale se tornou única operadora do projeto32, que é até hoje um dos principais ativos da empresa (GODEIRO et al. 2007). Seguindo, 1978 é o ano inicial da construção da Estrada de Ferro Carajás (EFC), da criação da ―Alumina do Norte Brasil (ALUNORTE), empresa produtora de alumínio com produção prevista de 800 mil toneladas anuais‖ (BARBOSA, 2002, p. 29) e da apresentação, por parte da Vale, à Secretaria de Planejamento da Presidência da República, do Projeto Ferro Carajás (CARNEIRO, 2010). No início de 1978 o Conselho de Desenvolvimento Econômico da Presidência da República autoriza o começo das obras de construção da Estrada de Ferro Carajás (EFC) e, em outubro desse mesmo ano, aprovava o Projeto Ferro Carajás (PFC), com a previsão de operação colocada para o ano de 1985, com uma produção estimada de 15 milhões de toneladas (CARNEIRO, 2010, p.19). O ano conseqüente, 1979, é o início efetivo da implantação do Projeto Ferro Carajás, adotado como principal meta da estratégia empresarial da Vale, que contava atingir uma produção inicial de 12 milhões de toneladas por ano (CARNEIRO, 2010). 32 Isso em decorrência dos desacordos com a U.S.Steel, que fez com que a sociedade que havia entre a referida empresa e a Vale fosse extinta. Este fato possibilitou que a Vale se tornasse a única proprietária da Amazônia Mineração S/A e do empreendimento mineral de Carajás (CARNEIRO, 2010). 51 5.5 Década de 1980: os anos que a CVRD não perdeu A década de 1980, conhecida como a ―década perdida‖, foi um período de profundas transformações na economia brasileira. É o momento em que a ditadura começava a enfraquecer-se, altas inflações, estagnação econômica, dentre outros fatores. O Brasil atravessava um período de endividamento oriundo de fatores externos que debilitavam as contas internas da nação (BARBOSA, 2002). Carneiro (2009, p. 18) aponta que na década de 1980: Marcada pela constituição dos grandes empreendimentos gestados no âmbito do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), o foco dos estudos dirigiu-se para a análise da implantação dos ‗grandes projetos‘, de sua economia e das repercussões sociais e ambientais desses empreendimentos. De fato, como o próprio autor comenta, quer os estudos fossem sociológicos ou geográficos, na década de 1980, não enfatizavam a Vale como o sujeito da ação, apenas a viam como um ―elemento da paisagem‖, ou seja, não se concebia a Vale como um ―agente dotado de características particulares intervindo num determinado campo econômico‖ (BOURDIEU apud CARNEIRO, 2009, p. 19). Enquanto sujeito da ação, a Vale, mesmo que uma empresa estatal, não podia prescindir da ajuda do governo brasileiro no que concerne à efetivação do seu programa de desenvolvimento em Carajás. A prospecção mineral na região de Carajás demanda, como a maioria das atividades ligadas ao setor de mineração, uma grande quantidade de recursos e a infraestrutura necessária ao desenvolvimento da atividade: desde a prospecção em si até o escoamento da produção. O programa Grande Carajás foi criado em 1980, através do Decreto-Lei nº 1813 de 21.11.1980. O Programa tinha como objetivo beneficiar empresas que viessem a se instalar na região do programa, que incluía parte do território dos estados do Pará, Maranhão e Tocantins, tendo como limite o paralelo 8º e os rios Parnaíba, Xingu e Amazonas. Essas empresas seriam beneficiadas através de incentivos financeiros (empréstimos subsidiados) e isenções fiscais que seriam concedidos através de instituições públicas operando na região, caso das Superintendências Regionais de Desenvolvimento como a SUDAM e a SUDENE e da própria estrutura montada para a organização do PGC (CARNEIRO, 2010, p.19). É interessante, e ao mesmo tempo irônico, que, como bem nos escreve Carneiro, o programa tinha como objetivo beneficiar empresas... ou seja, não era da governamentalidade (FOUCAULT) beneficiar a sociedade em si, mas setores privados dela. Pantoja (2010, p.1) diz que no início da década de 1980: 52 [...] o Projeto Ferro Carajás, da Companhia Vale do Rio Doce e o Programa Grande Carajás, desenvolvido nos gabinetes do governo federal (sob o comando do General Figueiredo), eram a grande saída do Brasil para o impasse da crise cambial, no início dos anos 1980. Afinal, gerariam dólares ao país e assim assegurariam a estabilidade macroeconômica tão sonhada pelo Estado Brasileiro. O desenvolvimento regional também era uma das esperanças de resultado do projeto, a partir da crença de que com a expansão do produto interno bruto e da base tributável da economia regional, o poder público manejaria maiores somas de recursos e poderia oferecer soluções aos problemas econômicos e sociais vivenciados pela população daquela região. Notadamente, a década de 1980 é ponto nevrálgico para que se entenda a incursão do moderno (colonizador) sobre o meio ambiente ludovicense, haja vista que é o momento no qual as práticas produtivas concretas de diversos atores sociais, como as empresas, no caso específico, a Vale, são espacializadas, alterando sumariamente os modos de vida dos impactados. Como bem infere Aquino; Sant‘Ana Júnior (2009, p. 59): Desde o início da década de 1980, em função da construção de grandes indústrias mínero-metalúrgicas (como o consórcio ALCOA/ALUMAR, a Vale), de sucursais administrativas de indústrias petrolíferas (como a PETROBRÀS), do terminal da Estrada de Ferro Carajás e do Complexo Portuário de São Luís, vários povoados foram deslocados e o modo de vida daqueles que permaneceram sofreram impactos significativos, o que é maximizado pela ameaça recorrente de novos deslocamentos. Vimos que os governos de Juscelino Kubitschek, com o seu plano de Metas, bem como os planos nacionais de desenvolvimento dos governos militares, buscavam oferecer a infraestrutura necessária para a efetivação dos projetos de desenvolvimento. No bojo desse fito, a Hidrelétrica de Tucuruí e a Transamazônica são os exemplos dessa política desenvolvimentista governamental: a hidrelétrica para o fornecimento de energia; e a transamazônica como maneira de abrir caminhos e estradas interligando lugares, regiões, territórios, espaços homogêneos e heterogêneos por entre o ―vazio demográfico e cultural‖. Sinteticamente: ―a abertura de estradas e o barramento dos rios foram tarefas assumidas pelo Estado. A estrada e a energia são condições gerais de produção essenciais para que as iniciativas particulares de produção se fizessem presentes‖ (PORTO-GONÇALVES, 2005, p.102). Destaque-se que a hidrelétrica de Tucuruí tornou possível também a concretização da ALUMAR (Consórcio de Alumínio do Maranhão) e das subsidiárias da Vale: ALUNORTE E ALBRAS. Tendo a infraestrutura necessária para as primícias dos projetos, tendo também o ministro Delfim Neto descoberto a ―vocação natural‖ da Amazônia, como nos ensina PortoGonçalves (2005), de região de extração mineral, nada mais ―natural‖ que o Estado garantir o financiamento das iniciativas privadas: esse foi o papel da Superintendência de 53 Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), a agência governamental que garantiu os incentivos fiscais para o empresariado (PANTOJA, 2010). A Vale adentra o setor de alumínio a partir do início das operações da Valesul Alumínio S.A., localizada no bairro de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Trata-se de uma usina que produz 100 mil toneladas de alumínio ao ano. Possui um terminal portuário próprio, que está em operação desde 1982. As atividades extrativo-exportadoras da Vale na região sul do Pará vêm desde 1985, quando, por exemplo, foi concluída a planta de beneficiamento de manganês oriundo do Córrego Azul na Serra de Carajás, que nos dias de hoje possui uma capacidade produtiva de 2,5 milhões de toneladas por ano (CARNEIRO, 2010). Atualmente, estima-se uma produção de cerca de 1,8 milhão de toneladas de ferrogusa, que é a principal matéria-prima para produção de aço. A mina de ferro de Carajás situase em Parauapebas, sul do Pará (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Em 1985, a empreiteira Rodominas entregou a Vale, no dia 28 de fevereiro, a Estrada de Ferro Carajás. Resalte-se que com a inauguração do Projeto Ferro Carajás, a Vale aumentou a sua capacidade produtiva agora estruturada em dois sistemas logísticos distintos (Norte e Sul). 1986 é um ano chave para a cidade de São Luís, bem como para o Maranhão, pois marca o início da operação do Terminal da Ponta da Madeira33. No ano de 1989, a empresa focou-se no processo de internacionalização, com a elaboração do Plano Estratégico (19892000); foi também o ano do PR, Programa de Participação nos Resultados, para os empregados da Vale. Baiz (apud BARBOSA, 2002, p. 32) escreve que: Na CVRD, o programa de diversificação prossegue durante a década de 80 e a empresa, agindo de acordo com as diretrizes do governo federal, de substituição de importação, e o fomento do desenvolvimento tecnológico interno, aumenta o índice de nacionalização dos materiais e equipamentos que a empresa utilizava, a Vale, 33 O Terminal Ponta da Madeira foi construído com recursos oriundos do Governo Federal, na década de 80 do século XX, e sua construção estava vinculada ao Programa Grande Carajás, que tinha como objetivo promover desenvolvimento das regiões Norte e Nordeste do Brasil. Dentre as iniciativas desenvolvidas no âmbito do Programa Grande Carajás salienta-se a exploração de minério de ferro da Serra dos Carajás, que exigiu a construção do complexo mina-ferrovia-porto, cuja operacionalização foi iniciada em 1986, e o terminal passou a servir de portal de escoamento para o minério. A principal operação do referido terminal marítimo da Ponta da Madeira é com o minério de ferro. É também no terminal privativo da Vale que atraca o famoso graneleiro Berge Stahl, o maior do mundo, e tem como capacidade de transporte 370 mil toneladas de minério de ferro. Segundo Feitosa e Trovão (2006, p. 156), ―A estrutura do porto está distribuída em cais, pátio de estocagem para mais de 3,65 milhões de toneladas, estações de descarregamento com virador de vagões, pesagem e amostragem, havendo ainda instalações de manutenção do porto, com ferrovia, máquinas e equipamentos, setor administrativo e Centro Operacional. O terminal da Ponta da Madeira é de extrema importância para economia do Estado do Maranhão, pois embora o minério seja extraído no Estado do Pará, o Maranhão se beneficia com as vantagens da mão-de-obra empregada na operacionalização do terminal marítimo, nos serviços prestados pelas empresas locais, a CVRD, e, especialmente, pelo transporte de passageiros, da produção agropecuária, além de mercadorias que têm São Luís como destino final‖. Cabe lembrar que a Vale está expandindo o porto de Ponta da Madeira, parte de um projeto bem maior de duplicação de toda a cadeia de exportação do minério (novas minas e duplicação dos trilhos). Essa ampliação, que está obtendo licenciamentos ambientais fragmentados, comportará um forte aumento da poluição e do impacto socioambiental no corredor de Carajás. 54 amplamente beneficiada pela política econômica do momento, teve seus investimentos preservados, consolidando-se como um dos maiores conglomerados empresariais do país. De fato, as políticas do momento beneficiavam a Vale. O Brasil estava mergulhado numa alta crise inflacionária e as despesas públicas eram postas de lado, enquanto enfatizavam-se as privatizações, o comércio declinava e havia o congelamento de preços. 5.6 Década de 1990: a gigante estatal é privatizada Na década de 1990, na qual é enfatizado o segundo momento de análise, tem-se como ápice o ano de 1997, data da privatização da Vale. Por isso é de vital importância avaliar a década de 1990 para se entender as políticas de responsabilidade socioambiental. Nos anos 1990, no governo Collor de Mello, o Brasil refletia a conjuntura internacional de medidas neoliberais (imperialistas, por assim dizer). O citado presidente iniciou o programa de privatização das empresas estatais, objetivando entregar as riquezas nacionais ao capital internacional. Esse movimento já vinha sendo utilizado nas nações industrializadas em outros países da América Latina, tendo como argumento os elevados déficits fiscais dessas nações. Logo depois de tomar posse, o presidente enviou ao Congresso, em março de 1990, a Medida Provisória 115, que se tornou a Lei 8.031, instituindo o Programa Nacional de Desestatização e a maioria das regras que ainda o regem (REGO et al. apud BARBOSA, 2002, p. 33). Desestatização ou privatização era apresentada como sendo a melhor forma possível de sanar a dívida pública oriunda, principalmente dos anos 1950 e 1970. Para isso, era preciso adequar-se às diretrizes de órgãos multilaterais que aparecem como ―médicos‖ dessa ―doença‖ chamada dívida pública. Vejamos então o que dizia o PND em seu artigo 1º: I - reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público; II - contribuir para a redução e melhoria do perfil da dívida pública, concorrendo para o saneamento do setor público; III - permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada; IV contribuir para a modernização do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia; V - permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais (IBRADES et al., 2007, pp. 16-17, os grifos são meus). Como ―bons médicos‖, o FMI e o Banco Mundial receitam e impõe medicamentos que viabilizem a cura financeira do País. Todavia, engana-se quem pensou que a ausência do Estado transforma-se totalmente em oferecimento de serviços essenciais à população. 55 Privatizando a saúde e a educação, por exemplo, cria-se uma ―massa de excluídos‖ que não são assistidos pelo setor privado. Cabe lembrar que o processo de privatizações inicia-se com a 1ª Carta de Intenções do Fundo Monetário Internacional, datada de 1983. A intenção do FMI de desestatizar a economia é evidente. O texto desta Carta de Intenções registra que ―parte substancial do ajuste econômico caberá às empresas do Governo [...] torna-se necessária, durante 1983 e em anos subseqüentes um corte substancial no dispêndio global dessas empresas. [...] deve-se reduzir o número de empresas governamentais e ajustá-las às regras do mercado [...] igualmente importante será um endurecimento substancial na política de gastos das empresas estatais (IBRADES et al., 2007, p. 28). Note-se que, na visão do FMI, as empresas do Governo, as estatais, são dispendiosas, dão despesas e não benefícios ou lucros, por isso deve-se reduzir o número de tais empresas e ajustá-las às regras de mercado, ou seja, privatizá-las. As empresas estatais possuem uma política econômica frágil, sendo preciso endurecê-las ao frio, objetivo e lucrativo mercado, para que fossem pagas as dívidas. Como bem disse a então Primeira-Ministra da Inglaterra, Margareth Thatcher, em 1983: ―Se os países subdesenvolvidos não conseguem pagar suas dívidas externas, que vendam suas riquezas, seus territórios e suas fábricas‖ (IBRADES et al. 2007, pp. 29, os grifos são meus). No seio do neoliberalismo a fúria da privatização irrompe fronteiras. Essas reformas neoliberais (resolução de déficits fiscais, atração de investimentos, competitividade) acabam por deflagrar uma onda de demissões e em contrapartida de investimentos exteriores. O papel do Estado é então remodelado ou reordenado estrategicamente, ou seja, de produtor de bens e serviços para regulador/disciplinador do mercado econômico-financeiro (REGO et al apud BARBOSA, 2002). A prioridade nacional transforma-se em prioridade internacional. A administração pública dá lugar ao empreendedorismo, à lógica da competição. O saneamento do setor público não é o saneamento básico, ou o saneamento das necessidades34 básicas do povo, mas o saneamento das contas públicas. O que chama a atenção é a atitude do governo brasileiro em privatizar justamente as empresas que auferiam mais lucros para o país, além de abrir mão de setores estratégicos como telecomunicações, siderurgia e mineração: ―A desestatização do governo Federal teve início com a venda da siderúrgica Usiminas por US$ 2,31 bilhões, em leilão realizado na 34 A palavra necessidade é, na era do desenvolvimento (pós-Segunda Grande Guerra), uma carência ou um direito a alguma coisa. É como se os ditos subdesenvolvidos, como os brasileiros, tivessem uma necessidade imperativa de se desenvolver, no qual o desejo se transforma em reivindicação. É necessário também o reconhecimento por parte dos subdesenvolvidos de suas carências, ou seja, eles têm que aceitar jogar o jogo do desenvolvimento (ILLICH, 2000). 56 Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, em outubro de 1991‖ (BNDES apud BARBOSA, 2002, p. 34). Após o impeachment de Collor de Mello, o governo de Itamar Franco (1992-1994), que era o vice de Collor, tem como carro-chefe o Plano Real, lançado pelo então ministro da fazenda, Fernando Henrique Cardoso. No bojo dessa política econômica, é abandonada a política de congelamento dos salários e dos preços das mercadorias. Seu governo, assim como o anterior, é marcado pelo controle dos gastos públicos e pelas medidas pró-privatização. Nesse período, a então Companhia Vale do Rio Doce apresentou o primeiro projeto de desenvolvimento sustentável do país, no ano de 1992, o Projeto Pólos Florestais, pegando carona na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco92, realizada no Rio de Janeiro (RJ). Um ano mais tarde, o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas classificou a Vale como a primeira empresa no ranking nacional. Em 1994, devido ao sucesso no controle da inflação através do Plano Real, Fernando Henrique Cardoso tornou-se presidenciável pela coalizão PSDB-PFL35. Tal como o governo anterior, o popularmente conhecido FHC, tem como um dos seus pontos fortes o Plano Real, que foi idealizado pelo próprio e sua equipe quando ainda era Ministro da Fazenda do governo Itamar. Antes de analisar o governo de Fernando Henrique Cardoso, cabe anotar que: Na segunda metade dos anos noventa, com o fim do período dos grandes investimentos federais na região e com o processo de privatização das estatais, as empresas passaram a receber maior destaque como atores importantes dos processos econômicos e de suas repercussões sociais e ambientais (CARNEIRO, 2009, p. 19). Dessa forma, pautado no modelo neoliberal, o governo Fernando Henrique abdicou do bem-estar social e promoveu o empobrecimento em massa dos brasileiros. Os funcionários públicos foram desprestigiados e a criminalização aumentou em demasia. Contudo, foi no campo das privatizações que FHC deixou a sua marca. Em 1995, Fernando Henrique assinou o Decreto n° 1.510, de 1º de junho, no qual a Vale é incluída no Programa Nacional de Desestatização. Um ano depois, o Conselho Nacional de Desestatização (CND) aprovou o modelo de desestatização da Vale, precisamente no dia 10 de outubro. Em 1996, FHC dizia o que ele achava da Vale do Rio Doce: O que é a Vale do Rio Doce? É uma empresa que pega minério, pedra, põe num vagão, leva para o porto e manda embora. Ela não tem nenhuma, não acrescenta nada, digamos, não agrega valor, tecnologicamente falando, não tem uma... agora, o Brasil tem muito minério, e tem uma boa companhia que é a Vale do Rio Doce, que é uma transportadora eficaz, tem uma logística eficaz. Isso é muito importante. Mas 35 O Partido é atualmente conhecido como Democratas (DEM). 57 não é estratégico. Foi no passado. Hoje, não. Mais estratégico era a Embraer, que faz aviões. E o governo Itamar Franco, com meu apoio, privatizou. Se não tivesse privatizado, nós não teríamos produzido o Embraer 145, no qual eu voei ao Chile. Porque lá, sim, tem tecnologia nova. No caso da Vale do Rio Doce não há tecnologia nova (IBRADES et al. 2007, p. 17). A primeira coisa que chama atenção é o vocabulário técnico do excelentíssimo senhor ex-presidente que não sabe nem qual a diferença entre ―pedra‖ e minério. Creio que a Vale não seria tão lucrativa caso extraísse ―pedra‖ do subsolo brasileiro. Mas o que mais inculca é a desculpa ―tecnológica‖ que o viajado ex-presidente nos fornece. Pensemos: se a Vale do Rio Doce não usufruísse de tecnologia como poderia estar apta a extrair minério do solo brasileiro? Como poderia realizar pesquisas e análises geológicas? Ressalte-se que desde 1996, o empreendimento Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp) teve sua instalação autorizada, cerca de cem famílias indígenas Anacé que habitam os municípios de São Gonçalo do Amarante e Caucaia, na região litorânea do Ceará, já foram obrigadas a deixar seu território tradicional e outras deverão fazer o mesmo com o início da construção do complexo (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). No dia 22 de janeiro de 1997, Antônio Kandir, Ministro do Planejamento, divulga que o leilão de venda do controle acionário da Vale ocorrerá em abril do corrente ano. Já em 06 de março, o edital de privatização da Vale foi anunciado pelo BNDES36. Este mesmo banco lançou a cartilha sobre a privatização da Vale. Por fim, no dia 06 de maio de 1997, a Companhia Vale do Rio Doce foi privatizada em leilão realizado na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, no qual participaram o Consórcio Valecom, articulado pelo Grupo Votorantim, e o Consórcio Brasil37, liderado pela CSN. Vale destacar que o Consórcio Brasil arrematou 41,73% das ações ordinárias da Vale por R$ 3.338 bilhões em moeda corrente. Nas palavras do próprio ex-presidente: A mais significativa privatização nesse setor ocorrida em meu governo foi, sem dúvida, a da Vale do Rio Doce, considere-se o aspecto simbólico, financeiro ou produtivo. A despeito de inumeráveis tentativas de bloquear o leilão de privatização com protestos e medidas judiciais, sob o pretexto de que a companhia iria ser vendida "na bacia das almas" a grupos estrangeiros, a privatização ocorreu e hoje a Vale desmente, por seu desempenho, todos os receios pretextados pelos que se 36 O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social é um banco de investimento federal cujo objetivo é o fomento de atividades produtivas. Interessante perceber como o Estado, na figura do BNDES, financia projetos de desenvolvimento capitaneados pelo capital internacional. Nos termos discutidos, o BNDES também merece uma atenção especial enquanto ator fundamental para o fomento de atividades produtivas. Em todo caso, a instituição é refém do próprio sistema (capitalista) que a engendrou: é do conhecimento dos estudiosos que o ―desenvolvimento‖ econômico é o caminho para o desenvolvimento social; todavia, raramente a sociedade, a sua ampla maioria, desfruta das benesses econômicas oriundas do desenvolvimento das forças produtivas. 37 O Consórcio Brasil é composto por CSN (31%), Litel Participações (25%), Elétron S.A. (21%), Sweet River Investments (11%), constituindo o Valepar S.A. 58 opunham à sua venda por motivos políticos e ideológicos ultrapassados. Lucrativa como jamais em toda a sua história, ela consolidou presença no mundo, sendo, ao lado da Petrobras, a maior multinacional brasileira. Controlada por capitais brasileiros, paga hoje mais impostos ao Tesouro do que rendiam suas ações quando sob controle governamental. Anos depois de ter deixado o poder, porém, continuei a ver este aspecto fundamental não ser levado em conta pelos que continuaram a criticar sua privatização (CARDOSO, 2006, p. 383). Fernando Henrique Cardoso, como bom neoliberal e modernista, jamais teve em mente proteger setores da economia que dão lucro ao Estado, bem como representam soberania nacional, pelo contrário: privatizou sem qualquer atendimento ao interesse público, sob a justificativa dos custos que a empresa onerava ao Estado, bem como o dinheiro da venda cobririam os gastos da dívida pública. No entanto, o valor auferido com a venda não ultrapassava dois meses dos juros da dívida de então (ZAGALLO, 2010); por isso a desembargadora Selene Maria de Almeida, escreveu: O governo colocou na CVRD, em toda a sua história, US$ 1,24 bilhão e retirou US$ 1,41 bilhão (valores atualizados). Segundo a nota da estatal: ―o lucro que não foi distribuído através de dividendos, ficou retido na empresa para expansão de suas atividades e investimentos em novos negócios, aumentando a riqueza do acionista e seu patrimônio. No caso da CVRD, esses lucros retidos foram aplicados em investimentos que proporcionaram aumento da receita do grupo, de valores equivalentes a US$ 198 milhões/ano no início da década de 1970, para valores, hoje, na ordem de US$ 5,5 bilhões/ano, representando um crescimento anual médio de 13,6%‖ (IBRADES et al. 2007, p. 33). Sem falar que a Vale do Rio Doce foi subavaliada38: em 1997, o patrimônio da CVRD era estimado em 10 bilhões de reais e foi vendida por pelo preço de R$ 3,338 bilhões: será que Fernando Henrique Cardoso também achou isso um motivo ―político-ideológico‖ ultrapassado? As empresas avaliadoras não incluíram no patrimônio da Vale, por exemplo, as reservas de urânio (material radioativo), de propriedade restrita à União, a cessão de faixas de terra nas fronteiras para a exploração de minérios, as estruturas portuárias e ferroviárias (IBRADES et al., 2007, pp. 14-15). 38 ―No início de 1997 foi elaborado um relatório pelo grupo de Assessoramento Técnico da Comissão Externa da Câmara dos Deputados, formada por especialistas da Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - COPPE, que apurou significativa diferença entre os valores das reservas minerais registradas pela CVRD na Securities and Exchange Comission - SEC entre os anos de 1995 e 1996[...] a Vale reduziu sua avaliação das reservas minerais em 32% entre os anos de 1995 e 1996, passando de 41,2 bilhões de toneladas de reservas de minério de ferro para 28 bilhões de toneladas, provavelmente já com vistas à sua privatização. Nas reservas provadas e prováveis, que possuem maior valor para avaliação dos ativos, a redução foi da ordem de 74%. Deve se observar que entre 1995 e 1996 a Vale não alienou nenhuma mina, única hipótese de redução de suas reservas minerais nessa escala. [...] Outra constatação da COPPE foi a subavaliação dos preços dos minérios in situ (dentro da mina) com o valor mine gate (na boca da mina), o que também causou prejuízo superior a US$2 bilhões na avaliação da empresa somente em relação a esse item‖ (ZAGALLO, 2010, pp.09-10). 59 Por que, então, foram desconsideradas todas as forças produtivas da companhia ao longo dos seus 55 anos? Por que, também, o consórcio liderado pela consultora estadunidense Merril Lynch omitiu que o monopólio de pesquisa e de exploração do urânio pertence ao Estado? Por que não foram avaliados o setor florestal, celulose, papel; as participações acionárias da Vale em empresas como Açominas CSN, Usiminas e Companhia Siderúrgica de Tubarão? (IBRADES et al., 2007). No momento de sua privatização, a Vale era a principal exportadora de minério de ferro e líder no mercado, era a maior produtora de alumínio e ouro da América Latina, possuía e operava dois portos de grandes dimensões com a maior frota de navios graneleiros do mundo, controlava mais de 1.800 quilômetros de ferrovias e possuía altíssimas reservas comprovadas de recursos minerais. Além disso, dispunha de 580 (quinhentos e oitenta) mil hectares de florestas replantadas, de onde extraía matéria-prima para a produção de 400 (quatrocentas) mil toneladas/ano de celulose. Todo esse patrimônio foi subestimado no momento da privatização (ORGANIZAÇÕES et al., 2010). Durante o processo de desestatização de seu controle acionário, ocorreram inúmeras manifestações contra a venda da empresa. Somaram-se a isso ações judiciais que foram impetradas com o objetivo de barrar o processo pela via judicial. Todas as ações pleiteavam a declaração de nulidade do procedimento licitatório, alegando que a venda da CVRD foi permeada por nulidades e irregularidades (ORGANIZAÇÕES et al., 2010). Sob muitos protestos - foram mais de 103 ações populares - FHC privatizou, não só a maior mineradora do Brasil, bem como uma das mais produtivas do mundo, tirando do controle do Estado um setor estratégico e de ação direta39. Cabe destacar também que, desde a criação da CVRD, a empresa destinava 8% do seu lucro líquido para aplicações em ações que estimulassem o desenvolvimento das comunidades onde desenvolvia suas operações. Todavia, após ser privatizada ocorreu a constituição de um fundo de desenvolvimento gerenciado pelo BNDES, com a doação de 85 milhões, em parcela única que substituiu o antigo fundo social (ZAGALLO, 2010). Antes disso: Em 1993, a CVRD tornou-se a maior produtora de ouro da América Latina com 12 toneladas ano e adquiriu participação na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e 39 Os governos Collor e FHC são responsáveis por ―jogar no lixo‖ uma alternativa importante para a saída da crise brasileira, ou seja, uma concessão eficiente de serviços públicos e gerador de ―efeito multiplicador‖, capaz de atingir o pleno emprego. Ao mesmo tempo em que o governo ficou aliviado da administração e despesas de certos setores públicos, perdeu a lucratividade de alguns, como a Companhia Vale do Rio Doce e o sistema móvel celular. Também, inviabilizou a retirada de impostos futuros das empresas estatais para investimentos prioritários, proporcionou a realização do efeito multiplicador fora do Brasil (através da compra de equipamentos no mercado internacional), permitiu a fuga de capitais oriundos dos lucros dessas empresas (conta CC-5), abriu mão de empresas estratégicas e entregou empresas lucrativas por preços irrisórios. Por esses e outros motivos, vale considerar fundamental nossa ferrenha defesa por uma concessão séria de serviços públicos ―estrangulados‖ à iniciativa privada nacional (SILVEIRA, 2005). 60 na Aço Minas Gerais S/A (AÇOMINAS). Em 1994 e 1995 atinge venda recorde de 101 milhões e 106 milhões de toneladas de ferro, respectivamente, ultrapassando a barreira de um milhão e duzentas mil toneladas na produção de manganês de Carajás e a Estrada de Ferro Carajás foi considerada a melhor operadora do ano [...] Em 1996, a CVRD supera a marca de 300 milhões de toneladas de pelotas produzidas em Tubarão, no Estado do Espírito Santo [...] Ainda em 1996, a CVRD inaugurou o primeiro projeto de minerais metálicos no recém criado Estado do Tocantins (BARBOSA, 2002, p. 35-36). Por mais que fossem expostas as mazelas sociais tais como: privatização, empobrecimento da população e aumento da criminalidade, FHC foi reeleito para mais um mandato com duração de 04 anos. Toda essa história de ―sucesso econômico‖ em âmbito federal escamoteia as ações da Vale a nível estadual. Exemplificando: no Maranhão, parte da culpa do inchaço e crescimento populacional nos centros urbanos deve-se à instalação de grandes empresas, como a Vale, uma vez que, situando um caso específico, muitos moradores da área Itaqui-Bacanga, no município de São Luís, foram desalojados de seus territórios para instalação de empreendimentos, sem que nenhuma política eficiente de habitação/moradia/geração de renda tenha sido efetivamente destinada aos próprios. Como conta Ruy da Silva Almeida, morador do Alto da Esperança, residencial construído para abrigar moradores deslocados depois da chegada da Vale: Aí pronto. Promessa de sonho, de mudança... Que na verdade foram só promessas. As famílias que vieram para cá não tiveram. Inicialmente veio uns assistente (sic) social só fazer a mídia, entendeu? Mas depois largaram o povo aí, cada um se... Eu me lembro que muitos jovens da minha idade, hoje, tudo são marginais mesmo se transformaram porque, se ficassem lá, cara, talvez hoje ainda eram pescadores que nem seus pais, aquela coisa de passar de pai para filho e foi tirado... Veio pra cá as condições não eram a mesma, não tinha como se manter nessa área de pesca aqui no Alto. Na verdade, nem tem área de pesca, o igarapé que tem aí... Ela, como companhia mesmo, eu acredito que ela destruiu a comunidade... Ela tá lá lucrando e a gente tá aqui prá ver tudo (Entrevista realizada em 14/11/2010). Citando mais um exemplo de que o ―sucesso econômico‖ da Vale não se traduziu em melhoria social, tem-se a problemática recente envolvendo o transporte de passageiros pela EFC. Os usuários desse meio de transporte podem ficar preocupados: segundo dados fornecidos pela própria empresa, o número de passageiros vem caindo drasticamente, o que implica em uma maior dificuldade de locomoção ao longo das cidades que são atravessadas pela Estrada de Ferro Carajás-Maranhão40. 40 Cremos que uma das possíveis explicações para o decréscimo de passageiros transportados seja o fato de que a Vale também atua no setor de logística, transportando combustíveis, produtos agrícolas, materiais de construção, produtos oriundos da siderurgia, entre outros, por meio da Estrada de Ferro Carajás. 61 Tabela 01 - Número de passageiros transportados pela Estrada de Ferro Carajás - Maranhão – 1999-2007 Ano N. Passageiros 1999 459.440 2000 490.637 2001 447.688 2002 465.503 2003 461.443 2004 441.498 2005 390.699 2006 370.993 2007 352.753 Fonte: Companhia Vale apud IMESC, 2008. Em 1998, a Vale atingiu crescimento de 46% no lucro em relação a 1996. No mesmo ano, a CVRD Lançou o Programa "De Volta para o Futuro", de apoio à educação formal, objetivando propiciar o primeiro grau completo a todos os empregados da empresa. Quanta boa-vontade: oportunizar a conclusão do ensino fundamental é mesmo algo fora de série. Oxalá os empregados da Vale tivessem a mesma participação nos resultados que os acionistas. Desde 1998, ao mesmo tempo em que seus acionistas ficam com 40% dos lucros líquidos da empresa, somente 3% foi dirigido para suprir os bens de salário de seus trabalhadores (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Quem sabe se os empregados ficassem com a mesma porcentagem da cintilante fortuna dos seus acionistas, os mesmos poderiam ir para além do primeiro grau completo com as suas mãos calejadas. Data de 1999 o maior lucro da história da Vale: R$ 1,251 bilhão. Demonstrava assim que ela tinha estrutura para manter-se lucrativa, não sendo, portanto, a privatização um fator de ―eficiência41‖. A maior parte dos lucros é destinada aos seus acionistas privados sob a forma de dividendos. Dos US$ 49,2 bilhões em lucros desde a privatização, seus US$ 13,4 bilhões foram distribuídos na forma de dividendos (ZAGALLO, 2010). Em outubro, a Vale adquiriu a Gulf Industrial Investment Company (GIIC) localizada em Bahrain, numa parceria com a Gulf Investment Corporation (GIC). No dia 05 de dezembro, a Reserva Natural de Linhares (ES) foi aberta oficialmente ao público. Ao longo do ano 2000, a Vale teve um expressivo crescimento econômico e conseguiu também produzir 119,7 milhões de toneladas de minério de ferro. Mas todo esse expressivo crescimento econômico internacional não se traduziu em desenvolvimento social. No referido 41 É importante notar que a eficiência concebida no âmbito da ciência moderna e do desenvolvimento capitalista é um dos critérios principais para avaliar as tecnologias e o trabalho produtivo. Dessa forma, quanto mais eficiente for um processo produtivo, mais desenvolvido ele será. Eficiência e desenvolvimento se tornam sinônimos. A ciência é então o caminho para se atingir tal objetivo. Sob o cânone da ciência moderna esse conceito foi associado a um tipo específico de utilização de recursos (ALVARES, 2000). 62 ano os Karonsi‘e Dongi (comunidade tradicional da Ilha de Sulawesi, Indonésia)42 resolveram retornar para suas terras e a encontraram muito diferentes. No lugar das lavouras, casas e até do cemitério Karonsi‘e Dongi só encontraram minas para exploração de minério, um campo de golfe e dormitórios para os mineradores da Inco. Hoje 30 famílias lutam para ter suas terras de volta. Encontram-se em situação de pobreza e carência de serviços básicos como água e luz, vivendo em cabanas no entorno da área apropriada pela Vale Inco43 e não conseguem mais trabalhar. Além disso, são constantemente ameaçados pela polícia e pelos guardas armados que trabalham para a Vale (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). De fato, a Vale Inco se aproveitou do momento histórico para fazer negócio. Depois de 43 anos longe de casa, castigados por uma guerra civil, os Karonsi‘e Dongi viram-se castigados agora pelo empreendimento da Vale Inco, que no lugar das lavouras encontraram a mineração; onde eram suas habitações, agora são as dos trabalhadores da companhia; e que no lugar do cemitério, onde repousam os ancestrais, o seu espaço de pertencimento e saudade converteuse em um espaço de lazer. 5.7 Crescem o império e a exploração: 2001 a 2004 Na ponta do seu processo de internacionalização, a Vale fecha com a China um acordo de fornecimento de 6 milhões de toneladas de minério de ferro por ano, ao longo de 20 anos. Com efeito, as negociações entre as mineradoras mundiais com a Baosteel chinesa tornam-se referência para o preço anual do minério de ferro no mercado (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Em março de 2001, foi inaugurada a usina de pelotização de São Luís. Este é também o ano que marca a tentativa de instalação do pólo siderúrgico na capital maranhense, numa ação empreendida pela Vale, em conjunto com o Governo Federal, o Governo Estadual do Maranhão e a prefeitura de São Luís, haja vista as condições portuárias de São Luís eram extremamente benéficas ao empreendimento. Por isso, o interesse em implantar [...] um pólo siderúrgico composto por três grandes usinas siderúrgicas, com capacidade de produção de oito milhões de placas/ano cada, e uma gusaria. Para a realização do empreendimento, a Vale já estaria em negociações com grupos 42 Ilha de Sulawesi na Indonésia onde a Vale Inco explora minas de níquel. A comunidade tradicional de Karonsi‘e Dongi, que vivia da agricultura e do extrativismo, em 1957 foi obrigada a abandonar suas terras ancestrais por causa de uma guerra civil. No período em que ficaram refugiados e ainda sob uma era autoritária chamada ―Regime de Nova Ordem‖ a Inco assinou com o governo da Indonésia um contrato de exploração de níquel nas terras dos Karonsi‘e Dongi. 43 A Inco era a maior mineradora de níquel do Canadá. Foi comprada pela Vale no ano de 2006. 63 empresariais estrangeiros, tais como Baosteel Shanghai Group Corporation (chinês), Arcelor (francês), Pohang Steel Company-Posco (sul-coreano) e ThyssenKrupp (alemão), sendo que as possibilidades de parceria, estariam, então, mais adiantadas com os dois primeiros (AQUINO, SANT‘ANA JÚNIOR, 2009, p. 58). Uma das vantagens visíveis da instalação do referido pólo siderúrgico seria a proximidade em relação ao Complexo Portuário de São Luís, fato este que minimizaria os custos com o transporte de carga e facilitaria o escoamento da produção de minério de ferro. A produção de aço pretendida para o Pólo Siderúrgico de São Luís implicaria na emissão de 35,6 milhões de toneladas/ano de Dióxido de Carbono (CO2), principal responsável pelo efeito estufa (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Todavia, este é mais um exemplo de que a responsabilidade socioambiental da Vale limita-se ao campo das idéias e no campo das imagens, pois como escrevem Aquino e Sant‘Ana Júnior (2009, p. 59): Para a implantação do pólo siderúrgico, foi prevista a desapropriação de uma área de 2.471,71 hectares, o que implicaria no impacto direto sobre uma vasta extensão de manguezais e no deslocamento compulsório de seus moradores e/ou daqueles que a utilizam de forma produtiva. Estes moradores são estimados em mais de 14.400 pessoas, distribuídas em doze povoados (Vila Maranhão, Taim, Cajueiro, Rio dos Cachorros, Porto Grande, Limoeiro, São Benedito, Vila Conceição, Anandiba, Parnuaçu, Camboa dos Frades e Vila Madureira). O que se percebe aqui é a incursão do moderno sobre a máscara do desenvolvimento. As siderurgias se apresentavam como a ideia da modernidade, e a modernidade materializavase na instalação do projeto. Para os ―subdesenvolvidos‖ era preciso levar o moderno, sem, no entanto, questionar se para os ameaçados pela instalação, a desapropriação de suas moradas, do seu território e, consequentemente, da sua história vivida e construída naquele lugar, eram a imagem do desenvolvimento ou a materialização da modernidade. Em 2002, uma planta de pelotização de minério de ferro, oriundo de Carajás, entrou em operação no Terminal Marítimo de Ponta da Madeira (TMPM), em São Luís, onde foram investidos US$ 408 milhões. Em julho do mesmo ano, a Vale atingiu recorde na produção de minério de ferro, 5 milhões de toneladas. Todavia, no plano nacional, devido à produção de ferro liga pela Vale em Corumbá, no Pantanal sul-mato-grossense, a Vale enfrentou duas ações na justiça por ter soterrado a nascente do córrego após uma explosão para mineração do manganês. Laudos foram conclusivos e apontaram a responsabilidade para a mineradora que, a cada sentença proferida, recorre em outras instâncias. O desastre ambiental afetou a vida de 138 famílias, cuja maioria, vendeu suas terras para a mineradora Vale e foi para outra região. Os que ficaram sofrem com a constante falta e racionamento de água, que é controlado pela mineradora. Como se percebe, as localidades onde a Vale atua, sempre sofrem com a sua 64 política agressiva de exploração de minerais. O controle da água também é uma ferramenta política, pois cerceando o acesso ao recurso mais essencial à vida, a companhia pode realizar suas ações de forma irresponsável. Como se não bastasse, a Vale protela o cumprimento das normas judiciais recorrendo em outras instâncias das derrotas proferidas. Já no ano de 2003, precisamente no dia 16 de janeiro, a Vale anunciou parceria com a empresa japonesa da área de logística Mitsui, para negócio de transporte intermodal. Em 31 de março do referido ano, a Vale comprou 50% das ações da Caemi Mineração e Metalurgia S. A. (Caemi) por US$ 426,4 milhões. No mesmo ano, a Vale contabilizou um total de US$ 3,952 bilhões em vendas externas, consolidando, assim, a sua inserção internacional. Ainda em 2003, a Vale apresentou R$ 4.509 bilhões de lucro líquido, o maior de sua história e adquiriu parte de uma empresa norueguesa, criando a Rio Doce Manganese Norway (Godeiro et al. 2007). Já em dezembro, o valor da capitalização de mercado da Vale aumentou em US$ 10,7 bilhões em um ano, atingindo US$ 21,762 bilhões ao final de dezembro de 2003. Muito desse sucesso realizado pela Vale no ano de 2003, reflete o seu posicionamento no mercado mundial (exportadora de matéria-prima), no qual a sua transnacionalização e o seu crescimento assombroso deve-se, em parte, à demanda industrial da China. Godeiro (et al. 2007, p. 12) afirma que: Em seis anos, o valor da empresa foi multiplicado por sete, demonstrando que o preço do leilão foi subestimado e o ―mercado‖ fazia o ajuste ao valor real. Ao mesmo tempo em que a empresa ajusta o seu valor de acordo com as reservas e o aumento do preço do minério, ocorre um salto na desnacionalização: 67% dos negócios com as ações da Vale foram realizados na Bolsa de Nova York, contra 33% realizados na Bolsa de Valores de São Paulo. Em 2004, alguns acontecimentos importantes: no dia 5 de janeiro, as ações da Vale alcançaram recorde histórico de rendimento, R$ 23 bilhões no mercado. Em 02 de julho, foi inaugurada a mina do Sossego, que é a primeira mina de cobre do Brasil, no estado do Pará (FIGURA 01). 65 Figura 01. Campanha da Vale em prol da produção de empregos via Mina de Cobre do Sossego. Fonte: www.vale.com. O projeto Sossego (começou a operar desde 2005) insere-se na cadeia produtiva da extração de cobre e produção de concentrado (a capacidade de produção na mina de Sossego é de 120 mil toneladas de cobre). Com efeito, tal iniciativa incide diretamente sobre as condições socioeconômicas e ambientais no município de Canaã dos Carajás (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Tal como uma máquina de auferir lucros, a receita acumulada da Vale no período de janeiro a setembro de 2004 foi igual a US$ 6,051 bilhões, 57% superior à obtida no mesmo período de 2003. Ao longo desses nove meses, a Vale embarcou para a China 28,4 milhões de toneladas contra 19,3 milhões em 2003 e movimentou 21,8 bilhões de tkus44 ante 19,9 bilhões do ano anterior. A relação político-econômica entre a Vale e as mineradoras chinesas, como a Baosteel, diz respeito ao fato de ser a China o maior mercado consumidor de minério de ferro do mundo. Destaque-se que também em 2004, com a implantação da mina de Capão Xavier (MG) ocorreu supressão de uma área considerada prioritária para conservação da biodiversidade, bem como o avanço da mina vem colocando em risco cavernas e sítios arqueológicos. Os Movimentos envolvidos na defesa de Capão Xavier juntamente com o MPE – Ministério Público Estadual - em maio de 2004, entraram com ação civil pública com ―pedidos de tutela de urgência cumulada com improbidade administrativa‖ contra o Estado de Minas Gerais, MBR, Fernando Damata Pimentel, prefeito municipal de Belo Horizonte e Inácio Pereira Garda Júnior, Gerente Regional do Instituto Estadual de Florestas - MG (IEF). Foi denunciado ainda o caso junto a ONU, em agosto de 2004, em uma Audiência Pública na Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, apoiada pelas Comissões de Direitos 44 Toneladas quilômetro útil. Carga geral transportada pelas ferrovias administradas pela Vale 66 Humanos e Meio Ambiente (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Em novembro, a Vale voltou a ―bater‖ o seu recorde de valor de mercado: US$ 25 bilhões. 6 OS RELATÓRIOS DE SUSTENTABILIDADE Nesta seção pretende-se enfocar um dos documentos oficiais da Vale: o Relatório de Sustentabilidade. O relatório de sustentabilidade é publicado anualmente e elaborado de acordo com as diretrizes da Global Reporting Initiative (GRI), padrão adotado internacionalmente, em sintonia com os princípios do Pacto Global e do Conselho Internacional de Mineração e Metais (ICMM, na sigla em inglês), iniciativas internacionais da qual a Vale é signatária. O relatório de sustentabilidade está estruturado em capítulos que obedecem as três principais linhas de atuação da Vale, conforme a sua Política de Desenvolvimento Sustentável: Operador Sustentável, Catalisador de Desenvolvimento Local e Agente Global de Sustentabilidade. A Vale organiza tal documento com o intuito de fornecer informações e dar transparência acerca de sua atuação. Além disso, o principal argumento a respeito da publicação do relatório é o aprimoramento da gestão interna de sustentabilidade. Sendo assim, buscamos analisar os fatos apresentados pela companhia tanto no âmbito político-econômico, quanto no aspecto socioambiental. 6.1 Relatório de Sustentabilidade 200745 No ano de 2005, as exportações líquidas (exportações menos importações) da empresa foram de US$ 6,3 bilhões, o que correspondeu a 14,1% do superávit recorde das transações comerciais brasileiras nesse ano, de US$ 44,8 bilhões. Não obstante, a Vale registrou recorde histórico na produção de minério de ferro, alcançando a marca de 240,413 milhões de toneladas, 10,3% acima do volume produzido em 2004, 218,010 milhões de toneladas. Em contrapartida, este é o ano também da instalação do empreendimento Ferro Gusa Carajás, em Açailândia (MA). O empreendimento prejudica a vida dos mais de 1800 moradores que habitam o assentamento Califórnia há mais de 15 (quinze) anos. A empresa controlada pela Vale dedica-se à produção de carvão vegetal destinado a alimentar a siderúrgica da Vale em Marabá. O empreendimento é conhecido como Unidade de Produção de Redutor (UPR2), que é o carvão para siderurgia. Os moradores do assentamento sofrem 45 O Relatório de Sustentabilidade 2007 cobre o período de 2005 a 2007. 67 com as atividades da empresa e são obrigados a respirar diariamente as fumaças que saem de seus fornos em funcionamento (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Além disso, tal como o próprio documento oficial nos atesta, foram 59 acidentes de trem para o ano de 2005, o que dá uma média de quase 5 acidentes por mês. Apesar da empresa ―cada vez mais verde e amarela‖ dizer que um dos principais fatores do seu amadurecimento é o compromisso com a transparência, para além dos resultados financeiros, mas também de seu desempenho socioambiental, não é isso que observamos em seu relatório de sustentabilidade: A empresa não informa que foi autuada dezenas de vezes pelos órgãos de controle ambiental. Por exemplo, foi divulgado na imprensa que somente o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente - IBAMA teria autuado a Vale 56 vezes por violações à legislação ambiental. A empresa não informa ainda as emissões de poluentes nas unidades operacionais, assim como não informa as doenças e mortes causadas às comunidades por essas emissões. Estudo de Impacto Ambiental na cidade de São Luís-MA elaborado pela Vale em 2005 informa a emissão de 15.549 toneladas anuais de poluentes, sendo 3.014t de material particulado (PTS) assim como 8.002t de dióxido de enxofre (SO2), 4.317t de óxido de nitrogênio (NOx), 129 t de monóxido de carbono (CO) e 28 t de hidrocarbonetos (HCT), poluentes esses gerados em 210 fontes fixas para uma produção de 6,1 milhões de toneladas de pelotas e embarque de 72,4 milhões de toneladas de minério de ferro (ZAGALLO, 2010, p.15) Isso significa que trabalhadores, pessoas que moram próximas às unidades operacionais da Vale em São Luís, provavelmente sofrem impactos na saúde como consequência da emissão de partículas em suspensão. Nos termos discutidos, visualiza-se que a responsabilidade socioambiental da Vale é questionável, haja vista as suas práticas de atuação retratam que o aprimoramento da gestão não se converteu em melhoria social, apenas em mais uma forma de gerar lucro para os acionistas e prejuízo para a sociedade. Em 2006, a Vale investiu R$ 1,8 bilhão na expansão e melhoria de sua infraestrutura de logística e na aquisição de 5.414 vagões e 125 locomotivas para utilização no transporte de seus produtos e de carga geral para clientes na Estrada de Ferro Carajás – EFC, Estrada de Ferro Vitória a Minas – EFVM e Ferrovia Centro-Atlântica – FCA. Isso significa que, para a Vale, investir em logística é aumentar a capacidade de cargas transportadas. Como bem sintetiza Carneiro (2010, p.17): Assim, ao longo dos últimos trinta anos o corredor (ou a área de influência) da Estrada de Ferro Carajás foi a base para uma série de planos ou iniciativas governamentais (Programa Grande Carajás, Programa dos Pólos Florestais, Corredor Norte de Exportação, etc.) que buscaram estimular atividades econômicas voltadas para o mercado mundial, utilizando a infra-estrutura montada originalmente para a exportação do minério de ferro. 68 No plano internacional, no Peru, a Comissão de Gestão Ambiental Sustentável do governo regional de Cajamarca realizou uma blitz e constatou a presença de milícias armadas dentro do empreendimento da Miski Mayo, subsidiária da Vale, numa clara estratégia impositiva e revelando uma postura, por parte da empresa, que viola direitos. Como resultado dos protestos contra a empresa, muitas lideranças de organizações e movimentos sociais vêm sendo criminalizados (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). No dia 24 de abril de 2006, o Terminal Marítimo da Ponta da Madeira completou 20 anos em transporte de cargas. É um porto extremamente importante para Vale, uma vez que a Estrada de Ferro Carajás, que é o liame entre o sul do Pará e a capital maranhense, transporta o minério de ferro até o porto. O complexo mina-ferrovia-porto é um dos principais corredores de exportação do país. O minério é extraído na mina de ferro que fica em Parauapebas (PA), é transportado pelos 892 km da Estrada de Ferro Carajás até o Porto do Itaqui e o Terminal Marítimo Ponta da Madeira seguindo para os mercados consumidores dos EUA, da Europa, Japão e, principalmente, a China. Os vagões passam carregados de minério de ferro. Mas quanto desta riqueza fica para os municípios atravessados pelas composições de 3,9 km de comprimento e seus 330 (trezentos e trinta) vagões puxados por 04 (quatro) locomotivas? Atualmente, configura-se uma série de conflitos em torno da ampliação do referido Terminal Marítimo da Ponta da Madeira (FIGURA 02). Tal obra já fora autorizada pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). O anúncio foi publicado pela Agência em março de 2010, no Diário Oficial da União. Figura 02. Características do Píer 1, Píer 2 e Píer 3 do Terminal Marítimo de Ponta da Madeira. Fonte: André Ravara ―Logística Integrada‖ – Apresentação no Seminário Transporte para o Comércio e Integração Regional, CNI-BID – Brasília-DF, 01/10/0861. A Vale, operadora do terminal, entrou com pedido para implantar o Píer IV e aumentar o Pátio I de estocagem, mas esqueceu de entregar à Agência, a certidão de cessão de uso 69 oneroso de espaço físico em águas públicas, emitida pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Por esta razão, a mineradora somente poderá dar início à atividade econômica na parte off shore após comprovar a obtenção do documento junto à SPU. Já as obras de implementação do Píer IV e de ampliação do Pátio I de estocagem, tem o aval para serem iniciadas em breve (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). A obra está estimada em R$ 386 milhões e aumentará para aproximadamente 100 milhões de toneladas/ano a capacidade de exportação de granéis sólidos. A obra também habilitará a instalação para receber os maiores navios graneleiros em operação no mundo, o Berge Stahl46 (356 mil toneladas) e o Chinamax47 (400 mil toneladas). Advogados afirmam que é ilegal a licença concedida à Vale S/A para instalação do chamado Píer IV do terminal marítimo da Ponta da Madeira, em São Luís. A razão é que todo o processo de licenciamento está sub judice. Foi impugnado pelo Ministério Público do Maranhão, devido a seu fracionamento. No Estudo de Impacto Ambiental (EIA), a Vale considerou isoladamente os impactos ambientais do novo píer. Não levou em conta que ele servirá ao projeto de duplicar a exportação de minério de ferro pelo Itaqui, hoje em 100 milhões de toneladas anuais, com as inevitáveis consequências na poluição, trânsito de veículos na Avenida dos Portugueses (que dá acesso ao Porto), duplicação da área de estocagem de minério (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Por fim, foi de 63 (sessenta e três) o número de acidentes de trem para o ano de 2006. Em 24 de setembro de 2007, a Vale anunciou o plantio de 346 milhões de árvores até 2010, correspondendo ao maior projeto de revegetação e preservação ambiental da América Latina. Pudera o projeto de revegetação e preservação ambiental salvar vidas que se vão nos trens que carregam o progresso: foram 46 acidentes. Como a própria empresa reconhece: No entanto, apesar dos investimentos e dos avanços obtidos, lamentamos profundamente a perda de 14 valiosas vidas, em 2007. Apesar de todos os esforços, é com pesar que registramos, em 2007, a ocorrência de 14 acidentes fatais. Destes, 13 acidentes aconteceram no Brasil, e um, no Canadá, sendo 11 com prestadores de serviços e três com empregados próprios da Vale. Os acidentes envolveram veículos automotores e outros veículos, trabalho em altura, explosão com projeção de 46 Este graneleiro opera com capacidade plena aqui e no porto de Roterdã (Holanda). Ele possui 343 metros de comprimento, 65 de largura e calado de 23 metros. O navio tem peso bruto de 364.767 toneladas. 47 Os ChinaMax são conhecidos agora como ValeMax, o primeiro de uma série de supergraneleiros (ou mineraleiros) que começaram a aportar no Brasil a partir de março de 2011. O primeiro de 19 navios encomendados pela Vale a estaleiros da Coréia do Sul e da China, o Vale Brasil tem 362 metros de comprimento e 65 metros de largura e chegou ao Brasil no último dia 5 de maio. O primeiro carregamento ocorreu também no dia 24, no Píer I do Terminal Portuário de Ponta da Madeira (TPPM), em São Luís (MA). Foram carregadas 391 mil toneladas de minério de ferro, que terão como destino o porto de Dalian, na China. 70 fragmentos incandescentes, equipamentos móveis, movimentação de carga e queda acidental de árvore (VALE, 2009c, p.61). A Vale julga ser uma empresa responsável para com a sociedade e para com o ambiente. Entretanto, a legislação ambiental tem sido uma ―pedra no sapato‖ na atuação da referida empresa, uma vez que por mais que ela conte com uma Política de Desenvolvimento Sustentável e... [...] considerando a dimensão e a complexidade das operações da empresa, bem como a aquisição de novos ativos, é possível que existam dificuldades a serem enfrentadas ou questões de não conformidade a serem corrigidas. Os casos existentes no período de abrangência do presente Relatório, e considerados significativos ou Relevantes (para efeito de levantamento de dados para o Relatório 2007, os processos são considerados relevantes com base nos seguintes critérios: a) valores iguais ou superiores a 10% do valor da maior multa prevista na legislação federal (Lei 9.605/98 - R$ 50 milhões); b) em razão do tema de interesse da empresa ou repercussão no público em geral, independentemente de valor; c) os decorrentes de sanções não monetárias), nos quais consta imputação de responsabilidade à Vale por alegada desconformidade à legislação ambiental, totalizam 14 processos no ano de 2007 (Evolução de número de processos e valores relacionados no período de 2005 a 2007 (valores cumulativos): 2005: 10 processos totalizando US$ 1,6 bilhão 2006: 12 processos totalizando US$ 1,8 bilhão 2007: 14 processos totalizando US$ 2,0 bilhões). Destes, 10 processos são de natureza judicial (ações de reparação de dano) e 4 processos de natureza administrativa (3 sanções monetárias e 1 não monetária), cujos valores envolvidos totalizam o montante de US$ 2 bilhões. Esse total contabiliza valores estimados de forma conservadora, com base no valor requerido nos processos judiciais, o que não representa reconhecimento como um débito, até porque não existe decisão final a esse respeito (VALE, 2009c, p.120). Na outra ponta estão os investimentos sociais realizados pela Vale. US$ 140 milhões foi o total entre os anos de 2005-2007. Nesse sentido, destacaram-se aqueles que foram direcionados a duas vertentes: melhorias de infraestrutura e apoio a serviços públicos. TABELA 01 Investimentos Sociais (adaptado). Por tipo Por forma 2005 2006 2007 Total US$ mil 9.076 31.896 99.232 Apoio a serviços públicos 4% 7% 6% Infra-estrutura 96% 93% 94% Total 100% 100% 100% Pro bono 1% 9% 14% Engajamento comercial - 19% 13% Materiais/Produtos 99% 72% 73% Total 100% 100% 100% FONTE: VALE, 2009c, p.178. 71 Interpretando minuciosamente a tabela, podem-se fazer análises interessantes: mais de 130 milhões de dólares foram gastos em 03 anos com obras de infraestrutura, ou seja, obras de pavimentação de estradas, construção de escolas e hospitais, entre outras. Restam, então, 10 milhões de dólares em apoio a serviços públicos que são realizados por meio de pagamento de serviços, como arcar com os custos da contratação de enfermeiros, professores etc. Continuemos: na seção Por Forma, subseção Pro Bono, a Vale teve um dispêndio da ordem de 33 milhões de dólares com investimentos realizados por meio de atividades desenvolvidas em prol de benefício público. Pode ser alocação de pessoas durante o horário de trabalho, como, gestão da empresa de saneamento. Já em materiais e produtos investimento por provisão de serviços ou pela entrega de um produto, por exemplo, ambulância, estrada, escola - as cifras orbitaram em aproximadamente 113 milhões de dólares. E em engajamento comercial - atividade que gera benefício público, mas que, primariamente, gera benefício econômico ou retorno de investimento para a empresa (ex: construção de estrada que viabilize escoamento de produção) foram mais de US$ 44 milhões. Isso significa que a Vale focaliza seus investimentos sociais no setor de infraestrutura, principalmente pavimentação de estradas, uma vez que isso retroalimenta o engajamento comercial que provoca, antes de tudo, benefício econômico ou retorno de investimento para a empresa. O ano de 2007 foi marcado também pelo Plebiscito Popular que objetivava a reestatização da Vale. É sabido que o leilão de privatização da Vale foi ilegal, fato este que motivou 4 milhões de brasileiros a manifestarem sua opinião pela anulação do leilão. Por fim, mas não menos importante, as ferrovias operadas pela Vale causaram acidentes com mortes ou lesões graves em 23 pessoas, além de impactarem comunidades ao longo de seu percurso com atropelamento de animais, ruído, interrupção do tráfego de pessoas e veículos em cruzamento sem passarelas ou passagens de nível (ZAGALLO, 2010). No caso dos atropelamentos, o advogado Guilherme Zagallo, membro da Rede Justiça nos Trilhos, declara que: Você tem, em relação na convivência entre as comunidades e a ferrovia, você tem o problema dos atropelamentos, e isso é um problema... pode até ter, em algumas situações, casos de suicídio, casos em que pode ser imputada a população ter caminhado bêbada na linha. Mas, na maior parte dos casos, nós temos ferrovia cortando a vida de comunidades Nessa questão dos atropelamentos, que é a mais grave de todas, tendo em vista as mortes ocasionadas, nós temos aí uma média de quase uma morte por mês aqui em Carajás, isso se reproduz às vezes até com maior intensidade em outras ferrovias operadas pela Vale. E essas famílias acabam ficando desassistidas, não têm nenhum tipo de indenização. Mais recentemente, a Vale passou a custear o fornecimento do caixão pras famílias, mas nenhum tipo de indenização àquelas famílias que acabam 72 ficando desassistidas, muitas vezes sem rendimento, em função desses atropelamentos (Entrevista realizada em 22/11/2010). Esta situação dos atropelamentos deixa bem claro como a Vale é ―socialmente responsável‖: mais do que os problemas de ir e vir quando o trem fecha os caminhos, estamos falando de vidas que se perderam: há casos de crianças obrigadas a pularem por cima do trem, testemunho de pessoas que tiveram que passar por baixo do trem e tiveram a sua perna decepada e até mesmo idosos. Como diz Padre Dário, Missionário Comboniano e um dos líderes da Rede Justiça nos Trilhos: Até poucos anos atrás nem se reconhecia, a Vale fugia de todas as suas responsabilidades e nem acompanhava as famílias das vítimas. Recentemente, faz uns 2, 3 anos, a Vale tem o costume de apanhar as famílias da vítima em relação ao enterro da pessoa morta, atropelada. Ela cobre as despesas do caixão e da funerária e muito facilmente depois se exime de todo o resto das suas responsabilidades, porque geralmente as vítimas são moradores do interior com difícil acesso a advogados, há poucos documentos, há o medo de denunciar. Assim, falta a formação e a capacidade de se organizar em função de uma denúncia e uma reivindicação de direitos. Além disso, a Vale sustenta que a responsabilidade pelos atropelamentos não é dela, na medida em que ela está já fazendo uma forte campanha de conscientização a respeito dos perigos nos trilhos (Entrevista Realizada em 09/11/2010). 6.2 Relatório de Sustentabilidade 200848 O ano de 2008 foi um ano de crise econômica, um período de turbulência no mercado financeiro mundial desencadeado pela crise imobiliária estadunidense, acarretando uma diminuição no ritmo econômico nos mais variados setores. ―O segmento mínero-metalúrgico demonstra diminuição dos investimentos e retração de pessoal. Notícias de demissões e férias coletivas já aparecem na Imprensa relacionadas às operações da VALE e da Alumar‖ (IMESC, 2008b, p. 28), que ―não pensaram duas vezes‖ em demitir seus ―peões‖. Todavia, a receita bruta da Vale no referido ano alcançou ―US$ 38,5 bilhões, valor 16,3% superior ao registrado no ano anterior, enquanto o lucro líquido foi de US$ 13,2 bilhões‖ (VALE, 2009d, p. 5). Diante desse cenário, a Vale agiu proativamente, realizando cortes na produção, prioritariamente em unidades operacionais de alto custo, e implementando novas prioridades estratégicas, tais como minimização de custos, flexibilidade operacional e financeira e combinação entre preservação de caixa e busca por rentáveis opções de crescimento (VALE, 2009d, p.6). 48 A edição do relatório de sustentabilidade 2008 cobre o período de 2006 a 2008. Como o relatório passado compreendia o período de 2005 a 2007, nossa análise será centrada no ano de 2008. 73 Então, o que explica tal empresa demitir mais de 2 mil trabalhadores diretos49 e 12 mil terceirizados de um total de 120 mil trabalhadores em todo o mundo, sendo a metade terceirizada50, já que o lucro líquido fora de US$13,2 bilhões? Será que isso são práticas sustentáveis? Seria o desenvolvimento da Vale cristalizado em cifras econômicas, sem um legado social? A Vale também omite do seu relatório a situação da Vila Sanção, em Parauapebas (PA). Desde 2008, com o início da implantação de infraestrutura do Projeto Salobo da Vale extração e transformação do minério de cobre - foram implantados, há menos de 6 Km da vila, acampamentos de três empresas, que hoje contam com a presença de sete mil homens. Os Impactos são: 1. Poluição dos igarapés Cinzento e Salobo e, do rio Itacaiunas, principal micro bacia da região. 2. Aterrramento de nascentes de água no local da instalação dos acampamentos das empresas; 3. Represamento de igarapés com a construção de estradas; 4. Desmatamento e derrubadas de 300 castanheiras por onde passa a estrada para a mina do projeto, na área da Floresta Nacional do Tapirapé Aquiri; 5. Inchaço da vila; 6. Aumento de desempregados; 7. Prostituição infantil; 8. Poluição sonora, por som nos bares e veículos durante a noite (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Também merece destaque a situação do Distrito Industrial de Piquiá no Pólo Guseiro de Açailândia, no Maranhão. A cidade de Açailândia, que está na área de influencia do corredor de Carajás, sofre com desflorestamento, poluição do ar e das águas, assoreamento dos rios e voçorocas devidas ao corte irracional das árvores na beira dos rios e nos declívios. A Vale possui no município de Açailândia uma unidade de produção de carvão vegetal para alimentar uma gusaria de sua propriedade: a Fazenda Califórnia, que se localiza ao lado de um assentamento de trabalhadores rurais que sofrem de forma muito intensa o impacto da fumaça gerada nos 70 fornos ali existentes, com relatos de graves doenças respiratórias. Padre Dário, que mora em Açailândia e acompanha de perto a situação de Piquiá, nos conta: A situação atual do Pequiá de Baixo é uma situação, como eu disse, de extremo conflito porque as populações... Acabamos de fazer uma pesquisa, pela qual a auto declaração das famílias do Pequiá de Baixo detecta que 52% da população de Pequiá de Baixo reconhece sua situação de saúde como ruim ou muito ruim; enquanto que na média da aplicação desse tipo de questionário no Brasil, no país inteiro, os resultados dão que, geralmente, é os 5% que diz se encontrar nesse tipo de situação. Então, há uma consciência explicita. Claro que a situação, o nível de poluição daquela região é insustentável e a população está esgotada, não consegue mais aguentar; ela recebe, até alguns meses atrás recebia, imagina, três tipos de poluição 49 http://www.dgabc.com.br/default.asp?pt=secao&pg=detalhe&c=3&id=1685650 acesso em 27 de dezembro de 2009. 50 http://www.andes.org.br/imprensa/ultimas/contatoview.asp?key=5809 acesso em 27 de dezembro de 2009. 74 contemporânea: a poluição da fumaça emitida pela chaminé da siderúrgica que não tem nem um tipo de filtro, só recentemente algumas das emissões das siderúrgicas são canalizadas para alimentar a termelétrica, que porém, em consequência disso, depois a confissão dela aumentou notadamente o barulho, os ruídos, porque produz muito barulho. Então, inicialmente, fumaça, a emissão de escória de carvão e ferro devido às próprias siderúrgicas e a poeira devido à operação de britagem da escória, para a produção de cimento e adubo para os eucaliptos. Então, três tipos de poluição, no mesmo contexto, cercando as 300 casas de Pequiá. Isso é realmente uma situação gravíssima que teve fortes consequências de saúde. Recentemente o município teve a cara de pau de fechar o posto de saúde de Piquiá de Baixo, o local que mais teríamos urgência de ter um atendimento sério em saúde, ao contrário, tá sendo prejudicado. Então, realmente, é um contexto emblemático daquilo que no contexto da linguagem sociológica se define áreas de sacrifício, quer dizer, um território que é funcional aos empreendimentos e que vamos dizer, concentra boa parte das formas de exclusão socioambiental. É aquilo que também numa linguagem típica da área de bandeiras da justiça ambiental se define de racismo ambiental. Quer dizer, a gente pode ver como os frutos da descriminação social tem também um viés ambiental: o discriminado socialmente também recebe uma discriminação ambiental. Piquiá é um símbolo disso (Entrevista Realizada em 09/11/2010). Desde 2005, na região, produz-se cerca de 47 mil toneladas de carvão vegetal ao ano, em 71 fornos industriais, que estão a uma distância de menos de 1km do assentamento onde vivem cerca de 400 famílias. Os problemas respiratórios são apresentados pelos moradores em diversos depoimentos, reportagens e vídeos, com constantes diagnósticos médicos apontando problemas respiratórios nos moradores, principalmente nas crianças e idosos. Após grande mobilização da comunidade, e de uma ocupação da fazenda por diversos movimentos, com apoio do MST, em 2008, os moradores do assentamento, que já existe há 12 anos, conseguiram que a Secretaria de Meio Ambiente do estado se dispusesse a reavaliar a documentação técnica do empreendimento, e se revelaram diversas informações desatualizadas do licenciamento ambiental por parte da empresa e a falta de controle nas emissões de poluentes (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). No ano de 2008, a Vale produziu um total de 657 milhões de toneladas de resíduos minero-metalúrgicos. Desse total, 394 milhões foram de minério de ferro - estéril, 184 milhões de ―outras áreas de negócio‖ e 80 milhões de minério de ferro - rejeito (VALE, 2009d, p.50). Nesse mesmo ano suas operações impactaram uma área de 82,8 quilômetros quadrados, sendo 57,5 quilômetros quadrados na floresta amazônica. Da área total impactada, apenas 44,2 quilômetros quadrados estão em recuperação parcial ou integral (ZAGALLO, 2010, p.14). Também em 2008, a Vale adquiriu a Mineração Apolo e ampliou suas reservas em 1 bilhão de toneladas de ferro. O Projeto Apolo, na Serra da Gandarela (MG), consitui-se na abertura de uma mina com capacidade de produção de 24 milhões de toneladas por ano, além de uma usina de beneficiamento. O impacto ambiental já é conhecido: mau uso de recursos 75 hídricos, destruição da vegetação, emissão de poluentes e intromissão em Áreas de Proteção Ambiental (APA). Em parceria com a ThyssenKrupp (FIGURA 03), a Vale também omite de seu relatório as situações que envolvem a Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), que vão desde condições de segurança e trabalho, até os impactos ambientais que ocorrem na baía de Sepetiba (RJ). O ―sorriso falso‖ de seus trabalhadores na propaganda é o fundamento de uma ação desenvolvimentista que comprometerá social (a área em questão concentra população negra e pobre) e ambientalmente (os ecossistemas compreendem desde florestas a restingas) a baía de Sepetiba. Figura 03: Campanha da Vale para parceria fundamental com siderúrgica alemã ThyssenKrupp. Fonte: www.vale.com A mina de goro da Vale Inco, em Nova Caledônia, iniciou sua produção no final de 2008. Desde 2001, o comitê Rheedu Nuu, uma organização indígena, vem protestando contra a mina. Segundo o dossiê dos atingidos pela Vale (ORGANIZAÇÕES et al.,2010), os indígenas prometeram utilizar todos os meios disponíveis para barrar a construção do referido duto no oceano. Rheebu Nuu já conseguiu com sucesso impedir a companhia de depositar seu duto em Kwe West, por meio do estabelecimento de uma vila de moradias tradicionais em parte do trajeto que seria utilizado pelo duto. Em abril de 2008, centenas de apoiadores dos Rheebu Nuu se uniram para instalar um totem num banco de areia na lagoa com o objetivo de demonstrar sua oposição ao duto de rejeitos e de desafiar a companhia a sentar com eles para dialogar. Além disso: Tramitam na justiça 69 processos envolvendo a Vale, sem valor econômico definido, que contestam a legalidade da sua privatização, ocorrida em 1997, todos ainda pendentes de decisão judicial final. Não acreditamos que essas ações afetem o 76 resultado do processo de privatização ou produzam algum efeito negativo para a empresa (VALE, 2009d, p.28). Ainda no ano de 2008, a Vale, através de suas operações, ―consumiu 335 milhões de metros cúbicos de água, sendo responsável pelo derramamento no ambiente de 1562 metros cúbicos de salmoura, álcool, hidrocarbonetos e outros poluentes‖ (ZAGALLO, 2010, p.14). Segundo Relatório de Produção da Vale em 2008, as minas de Carajás produziram e venderam 96 milhões de toneladas com 6,656 trabalhadores diretos. Isto significa que cada funcionário da Vale em Carajás produziu, em 2008, 14 mil toneladas de minério de ferro. Ao preço médio de US$ de 67,32 a tonelada, cada trabalhador gerou US$975.938,00 dólares em 2008, ou cerca de US$ 500 dólares por hora. Cada trabalhador de Carajás gerou quase US$ 1 milhão de dólares para a empresa em 2008. No entanto, o salário de um trabalhador mal chega a R$1.500 reais, somando com PLR (quatro salários) mais encargos mensais de R$ 900,00, a Vale gasta com um funcionário cerca de US$ 23 mil dólares por ano. Isto significa que em 4 horas de trabalho o funcionário paga seu salário mensal (GODEIRO, 2010, p.34). O que pode-se depreender disso? Uma palavra nos vem a mente: exploração. Sim a palavra que melhor sintetiza esse contexto é exploração. O trabalhador da Vale, o ―peão‖, como é popularmente conhecido, sacrifica-se durante 5 dias na semana durante oito horas, para ter pago seu salário durante ―míseras‖ 4 horas de trabalho. Em 2008, as vendas de minerais e metais da Vale alcançaram a soma de US$ 35,9 bilhões de dólares, enquanto se pagou de CFEM somente US$ 208 milhões de dólares, 0,6% das vendas. Essa soma é insuficiente para os municípios mineradores garantirem saúde, educação e a recomposição do meio ambiente, destruído pela ação mineradora (GODEIRO, 2010, p.37). Onde está a sustentabilidade ambiental e a responsabilidade social? Se tal soma de valores citados acima é insuficiente para satisfazer as demandas sociais, econômicas, ambientais e de saúde de municípios mineradores, como Itabira (MG)51 e Parauapebas (PA), pode-se concluir que a única atividade que se sustenta é a busca desenfreada e desmedida pelo lucro. A mineração deveria ter o mesmo tratamento que o petróleo: a Vale deveria ter o mesmo tratamento da Petrobrás. Todavia, o petróleo paga royalty e o minério de ferro não paga nada. É por isso que depois de quase trinta anos de exploração mineral em Carajás, o 51 Ateste-se que o município de Itabira (MG), berço da Companhia Vale do Rio Doce, apresenta o maior índice de suicídios do Brasil (ALVIM, 2008). Ainda, Leandro Uchoa, em matéria do jornal Brasil de Fato, ―Quem ganha com a expansão da transnacional brasileira?‖, nos conta que, segundo o Sindicato Metabase, desde o início da crise socioeconômica mundial, em 2008, a Vale demitiu cerca de 1.500 trabalhadores diretos e 12 mil terceirizados, de um total de 120 mil trabalhadores no mundo (50% terceirizados). Entretanto, seus resultados financeiros não poderiam ser melhores. Em Itabira, o medo de ser demitido causou o suicídio de um trabalhador, em 2009. 77 Maranhão continua sendo um estado pobre: ele é apenas um ―Estado-Escoador‖, a riqueza passa, não fica nada, a não ser a pobreza. Se a Vale pagasse 10% de royalties, valor que a Petrobrás paga para extrair petróleo e gás, teria que pagar em 2008, R$ 760 milhões de reais à prefeitura de Parauapebas, multiplicando por dois a receita do município (R$ 368 milhões de reais em 2008). Se a Vale pagasse 10% do valor das vendas como compensação financeira, teria que pagar em 2008, R$ 410 milhões de reais à Prefeitura de Itabira, multiplicando por dois todas as receitas do município (R$ 260 milhões de reais em 2008) (GODEIRO, 2010, p.37). Em outras palavras: a volta do fundo de desenvolvimento existente antes da privatização da Vale é mais do que necessária. Com o restabelecimento desse fundo, a cidade de Parauapebas teria atenuado o seu inchaço populacional, poderia enfrentar melhor os problemas referentes à falta de segurança, desemprego, violência, precarização do serviço de saneamento básico, dentre outros. Além do mais, não se faz necessário apenas a volta do fundo de desenvolvimento, mas também o aumento da CFEM, a revogação da lei Kandir que exime de ICMS os produtos exportados e uma política de retenção de parte dos lucros da empresa para que os mesmos possam ser divididos de maneira mais equilibrada e não apenas para poucos acionistas que controlam a Vale. Obviamente, todas essas medidas exigem extrema vontade política dos que governam o Estado, no sentido de reestatizar a Vale, assim como uma contínua pressão dos movimentos sociais para que os objetivos possam ser alcançados. Finalmente, aconteceram 2.860 acidentes do trabalho com afastamento em 2008, com 9 mortes. Adicione a isso as 16,8 milhões de toneladas de dióxido de carbono lançadas na atmosfera. 7 ANÁLISE CRÍTICA DO DESEMPENHO DA VALE EM 200952 Na presente seção, a partir de uma perspectiva crítica, identificada com a ecologia política (MARTÍNEZ ALIER, 2007), objetiva-se analisar o discurso (FOUCAULT, 2009a e 2009b) contido no documento intitulado: ―Desempenho da Vale em 2009‖, apresentado durante a Assembleia Ordinária de Acionistas ocorrida no Rio de Janeiro (RJ), sede mundial da Vale, no dia 27 de abril de 2010. Tal documento foi disponibilizado posteriormente no site www.vale.com. Procuramos aqui identificar como a Vale avalia a sua performance econômica, contrapondo com casos concretos de injustiça socioambiental. 52 Esta seção foi extraída livremente de Ribeiro Junior; Sant‘Ana Júnior, 2010b. 78 Segundo o Financial Times, em um ranking das 500 maiores empresas do mundo por valor de mercado, a Vale ocupava a posição 446 em 2002, enquanto em 31 de dezembro 2009 ela ocupava a vigésima-quarta posição (FIGURA 04). Apesar da recessão econômica em 2008/2009, ela apresentou um lucro líquido de US$ 5,349 bilhões, o que permitiu distribuir sólidos dividendos aos acionistas: somente para o período que vai de 2005 a 2010 a Vale distribuiu US$ 10,0 bilhões. Nesse cenário de recessão econômica, a Vale alcançou, em 2009, um recorde de volume de vendas para a China, conseguindo expandir os embarques em 53,6%. Segundo o gráfico de vendas de minério de ferro para a China, medido em Milhões de toneladas métricas, para o ano de 2001 o total fora de 15, 8; 20,1 em 2002; 29,5 em 2003; 41,0 em 2004; 54,2 em 2005; 75,7 em 2006; 94,5 em 2007; 91,4 em 2008; e 140,4 em 2009 (FIGURA 05). Figura 04. Vale consolida seu valor de mercado para China. Fonte: Vale, 2010c. Figura 05. Vendas de minério de ferro para China. Fonte: Vale, 2010c. 79 Em termos de investimento, para o ano de 2009, a empresa gastou US$9,0 bilhões para a modalidade crescimento orgânico e US$ 3,7 bilhões para a modalidade aquisições, totalizando US$12,7 bilhões de dólares. Em contrapartida, em virtude da recessão econômica na qual a Vale reduziu os investimentos de US$ 14 bilhões para US$ 9 bilhões, como também demitiu, é bom reforçar, 2 mil trabalhadores diretos e 13 mil terceirizados, a empresa economizou com essa demissão de trabalhadores diretos aproximadamente US$ 200 milhões e US$ 616 milhões com os terceirizados, totalizando US$ 816 milhões. Muito desse sucesso realizado pela Vale reflete o seu posicionamento no mercado mundial (exportadora de matéria-prima), no qual a sua transnacionalização e o seu crescimento assombroso deve-se, em parte, a demanda industrial da China (GODEIRO et al, 2007). Com efeito, as negociações entre as mineradoras mundiais com a Baosteel chinesa tornam-se referência para o preço anual do minério de ferro no mercado internacional. Em matéria publicada no jornal ―O Estado de São Paulo53‖, David Friedlander escreve que depois de dobrar o preço do minério de ferro, a Vale o reajustará em 35%. Com novo reajuste, a previsão é que Vale dobre o faturamento este ano; siderúrgicas já se preparam para repassar o aumento de custos. O novo preço vigorará a partir de 1º de julho e, segundo os analistas, o faturamento da Vale deve dobrar, fechando o ano em mais de US$ 40 bilhões. O reajuste foi feito em consonância com o mercado chinês: a cotação do minério de ferro no mercado chinês bateu em US$ 189,50 a tonelada, enquanto a mineradora brasileira vendia seu produto por cerca de US$ 110 – que foi o preço fixado pela Vale para o trimestre que vai de abril a junho. Nesse sentido, a Vale está tentando recuperar a defasagem adquirida em relação à China. A começar de julho, o preço do minério de ferro da Vale será reajustado de US$ 110 para algo em torno de US$ 140 e US$ 145 a tonelada. É significativo o reajuste, ainda mais se considerarmos que, antes da crise econômica global que desencadeou um período de recessão nas mais diversas economias do mundo, em setembro de 2008, a Vale vendia a tonelada de minério de ferro por US$ 80. É interessante perceber como a empresa que se diz comprometida com o ―desenvolvimento dos empregados‖, por serem ―dinâmicos e persistentes‖, não levou em consideração que poderia estar sendo descompromissada quando, ao aumentar o preço do minério de ferro, promoveu o fechamento das portas da companhia siderúrgica Vale do 53 http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,depois-de-dobrar-o-preco-do-minerio-vale-tera-novoreajuste-de-35,20565,0.htm consultado em 29 de maio de 2010. 80 Pindaré. No início da década, cada tonelada de ferro valia US$ 30. Atualmente, varia entre US$ 130 e US$ 150. Isso é aproximadamente um aumento de cinco vezes em 10 anos. Com a alta no preço, a Vale contribuiu negativamente para a produção de ferro gusa no Distrito Industrial de Pequiá, em Açailândia (MA). Com efeito, não apenas a Companhia Siderúrgica Vale do Pindaré, mas também a Siderúrgica do Maranhão, que juntas geram cerca de 500 empregos diretos e 2000 indiretos, foram diretamente afetadas. Relativamente a tal impasse, a ex-Deputada Helena Heluy (PT-MA) convocou junto a uma comitiva de metalúrgicos, uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Maranhão, que, infelizmente, não teve resultados positivos e se transformou em pouco mais do que um desabafo e algumas falas de consolo. O fato é que os impactos no setor de empregos chegaram a 3 mil diretos e 6 mil indiretos (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR, 2010b). Em termos de investimento, para o ano de 2009, a empresa gastou US$9,0 bilhões para a modalidade crescimento orgânico e US$ 3,7 bilhões para a modalidade aquisições, totalizando US$12,7 bilhões de dólares (FIGURA 06). Figura 06. Investimentos da Vale no último triênio. Fonte: Vale, 2010c. O que se pode esperar de todos esses números, de toda essa riqueza gerada, de todos esses investimentos? Para um lado é mais riqueza, lucro; para outro são demissões, perdas. O desempenho econômico da Vale está longe de ser um desempenho socialmente positivo. As vendas de minério de ferro converteram-se em desemprego para trabalhadores em Açailândia; quanto mais a Vale consolida seu valor de mercado, mais ela participa de projetos de desenvolvimento que massacram as poucas perspectivas de famílias que buscam emprego, trabalho e renda. O contraponto são os barracos, as favelas, o ―paraíso destruído‖. A sidero- 81 metalurgia desestrutura os grupos sociais locais e seu território; retira-os daquilo que os sustenta e entrega-os a um novo modelo de apropriação do espaço e dos recursos naturais que é existencialmente precário, quando não é excludente. O desenvolvimento se converte em desenraizamento, em deslocamento; as promessas do progresso e da modernidade que preconizavam educação, moradia e qualidade de vida convertem-se em desemprego e marginalização para os homens e, muitas vezes, prostituição para as mulheres. Em 2009, aconteceu também a paralisação da unidade de pelotização de São Luís gerando uma redução no consumo de óleo combustível que foi influenciada pela queda acentuada na pelotização, que registrou redução de mais de 95%, de 116 mil toneladas, em 2008, para apenas 964 toneladas, em 2009. Além disso, a redução no consumo de óleo combustível deve-se também a substituição de óleo por gás natural nas outras unidades. As unidades de caulim também reduziram o consumo de óleo combustível, ficando com 21 mil toneladas, ante 57 mil toneladas do ano anterior (VALE, 2010a). Nesse sentido o consumo de energia elétrica da Vale chegou a 14,9 TWh, o que representa uma redução de cerca de 23% em relação a 2008 (19,3 TWh). O consumo de energia elétrica foi impactado principalmente pela já referida paralisação de algumas unidades, como Pelotização São Luís, Pelotização Fábrica, Mina de Água Limpa e Urucum Ligas, além da redução de ritmo de produção em outras (VALE, 2010a). Nos termos discutidos, há que se buscar publicizar o conflito com os pescadores da praia do Boqueirão e os impactos ambientais sobre a pesca (fonte de renda de várias famílias), bem como toda área Itaqui-Bacanga em virtude da implantação do Píer IV no Terminal Marítimo Ponta da Madeira. O Relatório de Sustentabilidade de 2009 nos informa que: A Vale, ciente da sua responsabilidade social perante os impactos causados com a implantação do Píer IV do Terminal Portuário de Ponta da Madeira, em São Luís, está realizando o Programa de Desenvolvimento Socioeconômico da Comunidade de Pescadores Artesanais da Praia do Boqueirão. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) definiu as áreas afetadas pelo empreendimento. Por isso, por meio da Fundação Vale, propusemos a construção participativa de um programa de apoio à pesca artesanal na praia do Boqueirão. Foram realizadas reuniões com pescadores e lideranças comunitárias e também articulações com o sindicato, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e o Estaleiro Escola, assim como visita às instalações da Vale no porto. A equipe da Fundação participou das audiências públicas em que foram apresentados os eixos do programa: valorizar e conservar a cultura da pesca artesanal, colaborar para a geração de renda e contribuir para o exercício da cidadania. A primeira etapa do programa, desenvolvida em 2009, incluiu a realização de uma pesquisa que classificou os pescadores em três grupos, de acordo com a atividade de pesca na praia para melhor definir o atendimento. Além disso, uma especialista em biologia marinha acompanhou a produção local e analisou as potencialidades de geração de renda dos grupos. Desde dezembro de 2009, os 51 pescadores inscritos no programa, junto com suas famílias, participam da qualificação, por meio de um convênio com o Serviço Nacional de 82 Aprendizagem Rural (Senar), e recebem mensalmente uma bolsa-auxílio vinculada à participação nos cursos. O programa inclui ainda a distribuição de materiais de pesca artesanal, kit de segurança e apoio para obtenção de documentos pessoais. Até 2012, tempo previsto para a duração dessa ação, a comunidade da praia de Boqueirão terá oportunidade de conhecer outras experiências comunitárias de desenvolvimento local, por meio de visitas técnicas (VALE, 2010a, p.78). Note-se que a Fundação Vale, braço social que organiza e planeja os programas e ações sociais, já está atuando diretamente sobre o território. E mais: quando a Vale aponta que vai qualificar os pescadores, está diretamente atestando que os mesmos são desqualificados. De qualquer forma, lendo assim a nota, parece que as coisas vão ―as mil maravilhas‖, mas não é bem isso que está acontecendo: em reportagem de Kely Lima, citando o Fórum Carajás, processou-se um verdadeiro impasse. Pescadores da Praia do Boqueirão estão descontentes com valor de indenização que a Vale pagará para a construção do Píer IV, no Terminal Marítimo de Ponta da Madeira, em São Luís. O Sindicato dos Trabalhadores na Pesca da Ilha de São Luís e a Colônia de Pescadores Z10-São Luís já articulam uma ação judicial contra a empresa Diagonal54, responsável pela execução do empreendimento, para embargar a obra. O investimento da Vale é de R$ 2 bilhões. O desentendimento se deu depois que a mineradora dividiu os pescadores, 54 pessoas, em três grupos a serem indenizados. O primeiro, recebendo o valor de R$ 1.500; o segundo, R$ 1.000; e o último, um salário mínimo. Os pescadores contestam o prazo de indenização. Os valores seriam pagos até a conclusão das obras, após a esse período de dois anos e sete meses, os pescadores não receberiam mais nada. A categoria também alega que a mineradora teria feito à divisão de forma totalmente arbitrária. ―O valor deveria ser feito em cima de um cálculo de expectativa de vida‖, afirma o presidente da Colônia de Pescadores Z10-São Luís, Jonas Albuquerque. Outra reclamação recai sobre o fato do benefício ser intransferível. O pescador Ivan de Jesus Silva fala que tentou colocar a esposa como dependente, mas foi informado de que não seria possível. ―E o que vai acontecer se eu chegar a morrer antes? A minha família irá ficar desamparada‖, preocupa-se. Há ainda questão sobre a quantidade de pescadores incluídos nos grupos. A documentação do sindicato dos pescadores aponta que existem, atualmente, 69 pescadores registrados pertencentes à área Itaqui-Bacanga. Deste total, apenas 54 pessoas participam da divisão feita pela Vale. Mais uma vez aqui é de vital importância saber pensar o espaço: a geógrafa inglesa Doreen Massey (2008) nos ensina que o espaço molda as nossas cosmologias estruturantes, nosso entendimento do mundo, nossa política. O conflito entre a Vale e os pescadores, além de ser um conflito ambiental, é um conflito espacial, na medida em que os agentes envolvidos possuem diferentes cosmologias que se chocaram neste encontro de trajetórias e de histórias. A forma como ambos imaginam o espaço está posta: a Vale enxerga na implantação do píer IV mais uma operação comercial e mercantil que lhe trará cada vez mais lucros; na outra 54 A Diagonal Urbana é uma grande consultoria paulistana de atuação nacional, como se percebe, que realiza o diagnóstico socioeconômico na área de influência da Estrada de Ferro Carajás. É esta empresa que informa a Fundação Vale sobre condições sociais dos municípios em que atua, quais as maiores dificuldades e sobre quais questões se dão as maiores críticas da população (PANTOJA, 2010). 83 ponta, os pescadores, depois de terem sido desqualificados, são agora segmentados em valores monetários: sua existência e sua vida estão dispostas em cifras. No documento da Vale são 51 pescadores beneficiados, enquanto existem 69 pescadores. A Vale informa também, em seu relatório de sustentabilidade de 2009, que na capital ludovicense, foi implementado o programa de formação de mão de obra local para a construção do Píer IV do Porto de Ponta da Madeira, que formou 300 jovens da área do Itaqui Bacanga, vizinha às instalações da empresa (VALE, 2010a). Deve-se ter em mente que essa prática da Vale é uma forma de anestesiar o conflito (hot-spot) em que ela está diretamente inserida, além de que é uma forma de dividir a comunidade: como podem os pescadores questionar se a Vale está oferecendo a qualificação de mão de obra para o competitivo mercado de trabalho? Por que defender a causa de 50, 70 pescadores se a Vale qualificou 300 jovens? São questões importantes nas entrelinhas do processo. Em outras palavras: como ficarão os pescadores depois que as dragas da Vale tiverem atingido a sua fonte de sustento? E quanto à atuação estatal? O que o poder público tem feito para mediar esse conflito? E por mais que todos sejam indenizados e ―qualificados‖ devidamente: vale tudo em nome do desenvolvimento? A destruição dos modos de vida destes pescadores é sacrificável em nome do desenvolvimento? Ainda que em 2009 a Vale tenha produzido 265 milhões de toneladas de minérios e transportado 21 milhões de toneladas de produtos de terceiros em suas ferrovias55, bem como ter tido uma receita bruta de US$ 23,9 bilhões e um lucro líquido de US$ 5,3 bilhões, ela reduziu os investimentos de U$14 bilhões (previstos) para U$9 bilhões, reduziu os custos em R$ 282 milhões com folha de pagamento, demissões e corte de contratos com terceirizaas (GODEIRO, 2010). Apesar da queda da produção de minério de ferro e da diminuição das vendas e lucros em 2009, os donos da Vale decidiram pagar a eles mesmo, em 2009, US$ 2,7 bilhões de dólares, a mesma quantia que receberam em 2008, ano recorde de produção e lucros. Os altos executivos da Vale também foram premiados pelo seu ótimo desempenho. Os seis diretores executivos receberam em 2009 cerca de US$ 40 milhões de dólares, isto é, US$ 6,6 milhões de dólares para cada executivo. Um trabalhador de nível médio da Vale teria que trabalhar cerca de 800 anos para ganhar este valor que o executivo ganhou em um só ano (GODEIRO, 2010, p. 33). 55 Só em 2009, na Estrada de Ferro Carajás, foram transportadas 96,3 milhões de toneladas, quase a capacidade máxima atual de 100 milhões. 84 No aspecto contábil, as provisões para contingências cíveis, ambientais e trabalhistas em 1997 eram de R$ 136 milhões, montante que em setembro de 2009 era de R$ 1,886 bilhão. 8 OS REFLEXOS DA GOVERNAMENTALIDADE EM 2010 No tópico anterior mostramos como o desempenho econômico da Vale pode ser prejudicial tanto para os trabalhadores quanto para a Natureza. Partindo do conceito foucaultiano de governamentalidade, busca-se agora, analisar o ano de 2010. Dessa forma, finalizamos a análise dos 68 anos (1942-2010), ressaltando o período pós-privatização, alvo majoritário de nosso estudo. Inicialmente é relevante abordar o que seria essa governamentalidade, bem como mostrar qual a necessidade de se falar desse conceito para a análise do discurso (FOUCAULT 2009a, 2009b). Para tanto se faz necessário recorrer a Michel Foucault uma vez que o referido filósofo foi, por assim dizermos, o ―mentor intelectual‖ do conceito de governamentalidade. Na Microfísica do Poder56, uma das obras máximas de Foucault (2009c, pp.291-292), ele pondera três coisas sobre o que seria essa governamentalidade: 1 − o conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer esta forma bastante específica e complexa de poder, que tem por alvo a população, por forma principal de saber a economia política e por instrumentos técnicos essenciais os dispositivos de segurança. 2 − a tendência que em todo o Ocidente conduziu incessantemente, durante muito tempo, à preeminência deste tipo de poder, que se pode chamar de governo, sobre todos os outros − soberania, disciplina, etc. − e levou ao desenvolvimento de uma série de aparelhos específicos de governo e de um conjunto de saberes. 3 − resultado do processo através do qual o Estado de justiça da Idade Média, que se tornou nos séculos XV e XVI Estado administrativo, foi pouco a pouco governamentalizado. A concepção foucaultiana sobre governamentalidade nos permite compreender como a Vale, enquanto agente econômico e social, dispõe de um conjunto de práticas, procedimentos, técnicas e táticas que, em última instância, possui como destino teleológico a acumulação de capital. É importante perceber que na analítica foucaultiana da Microfísica do Poder, o conceito de governamentalidade permite que entendamos que o Estado é uma das possibilidades das múltiplas técnicas de governo (CANDIOTTO, 2010) De fato, a Vale, ao longo da sua história, de estatal a privada, teve a sua organização e administração 56 É sobre esta obra em questão, principalmente, que pautaremos a nossa discussão. 85 capitaneados pelo Estado que, através dos seus recursos técnicos (especialmente obras de infraestrutura como estradas de rodagem, ferrovias, portos, aeroportos, usinas hidrelétricas) propiciou o bom funcionamento do modelo de desenvolvimento da referida empresa. Interessante analisar que, para Foucault, a governamentalidade tem como alvo a população: ―um conjunto de indivíduos que são pensados coletivamente como uma unidade descritível, mensurável, conhecível e, por isso mesmo, governável‖ (VEIGA-NETO; LOPES, 2007, p. 955). Logo, para que a população seja governável, tanto o Estado, quanto uma empresa (no nosso caso a Vale), lançam mão de dispositivos, recursos técnicos para alcançar tal finalidade. Todavia, a população aqui aparece como uma ―massa uniforme‖ que se dissolve no seu próprio conceito. Por isso, poderia se falar nas diversas populações que são atingidas pela Vale e que, de maneira alguma, são uniformes. Desse modo de vista temos populações quilombolas, ribeirinhos, camponeses, dentre uma vasta gama de pessoas que são afetadas pelas práticas da Vale. Mas, neste momento, somos também desafiados a pensar que o próprio conceito de governamentalidade possa ser ―aplicável‖, mesmo que de maneira incipiente, à Natureza. E se refletíssemos em uma governamentalidade da Natureza? Que implicações esta questão pode nos suscitar? E se questionássemos que existe um conjunto de práticas que buscam disciplinar a Natureza, conduzir a sua gestão através de instituições que, no jogo político, gozam de diferentes níveis de poder e relações de poder? Tomemos como exemplo a ―natureza da Vale‖. Na lógica da empresa, os recursos naturais transformam-se, no momento em que são industrializados/minerados, em recursos sociais. E é aí que empresas como a Vale arrogam-se o direito de explorar a Natureza, posto que transformam os minerais em utensílios essenciais para a vida de todos, ou seja, para toda população. Nos termos discutidos, o desenvolvimento progressivo do capitalismo, atrelado diretamente à modernidade e aos processos de expansão e intensificação geográfica [do capitalismo] (HARVEY, 2006) determinou uma necessidade racional de um governo racional que permitisse gerir tanto a Natureza, quanto as mais diversas populações. Nesse sentido, tanto a Natureza, quanto as populações são mensuráveis, cambiados em recursos naturais e humanos, logo, governáveis. Como bem chamou atenção Escobar (2005a, p.31): Governamentalidade é um fenômeno essencialmente moderno através do qual vastos domínios da vida cotidiana são apropriados, processados e transformados por conhecimento de experts e o aparato administrativo do estado. Este processo atingiu a ordem natural do manejo florestal científico e a agricultura plantations ao gerencialismo do desenvolvimento sustentável 86 Não nos esqueçamos que o expert nasce justamente da dicotomia, da separação, que é um fundamento moderno do projeto positivista de ciência. O exclusivismo epistemológico que promoveu um verdadeiro apartheid entre o conhecimento técnico/especializado (expert) e o conhecimento não-técnico/não-especializado (leigo), promoveu a autonomia dos cientistas na mesma ordem que retirou do ―leigo‖ qualquer possibilidade de tomada de decisões ou até mesmo de debates (SANTOS; MENESES; NUNES, 2005). Portanto, o expert, o especialista em uma área do conhecimento científico, ou seja, o conhecimento científico fragmentado, dificilmente poderá propor uma solução para a crise ambiental (LEFF, 2004). O papel do governo, que é destacado por Foucault, se tornou preeminente. De certo modo absorveu em si e para si a disciplina e a soberania. É claro que não podemos pensar disciplina, soberania e governo de maneira tricotômica, opostas, negando-se simultaneamente; mas sim que estas três dimensões se inter e intra-articulam. A mentalidade do governo capitalista é então criar instituições, práticas, técnicas e táticas que viabilizem a construção de uma sociedade disciplinada e que possam garantir a estabilidade do Estado, bem como a governabilidade da população. O papel do Estado no sistema econômico capitalista é, assim, de indutor (depois ele é induzido), ou seja, ele cria as condições necessárias para que haja governabilidade e o desenvolvimento (infraestrutura, energia, escoamento de produção, etc.). Exemplifiquemos dando voz a Porto-Gonçalves (2005, p.102) quando este nos fala de um aspecto do papel do Estado na construção do Brasil-Grande dos militares. A abertura de estradas e o barramento dos rios foram tarefas assumidas pelo Estado. A estrada e a energia são condições gerais de produção essenciais para que as iniciativas particulares de produção se fizessem presentes. No entanto, se são essenciais não são suficientes para garantir que as iniciativas particulares se dêem. Como garantir o acesso por parte desse novo capital aos recursos naturais da região? Coube ao Estado regular a propriedade do solo e do subsolo, ou seja, das terras e dos minérios, que eram o objeto dos interesses das novas formas com que o capital se revestia na região. Enfim, era o controle da e terra e das minas que se tornava necessário. Logo, governar é, além de estabelecer a economia ao nível do Estado, fazer com que o aparelho estatal assuma as incumbências do desenvolvimento dando-os um destino apropriado. Mas é, também, como nos fala Foucault, governar os homens e suas relações, os recursos naturais e suas utilidades, bem como o território e suas fronteiras, os costumes e os hábitos, os modos de agir e pensar. O Estado é então um dos entes máximos e o agente por excelência da governamentalização, na medida em que governamentaliza e é governamentalizado. Explicando: Ele é, por um lado, soberano, uma vez que todos devem obediência à (sua) lei; e 87 por outro é disciplinador, na medida em que administra a população e, simultaneamente, a faz sujeitar-se as suas regras, obrigações e restrições que são metodologicamente desenvolvidas. ―A governamentalidade nos remete então a essa mentalidade dos governos modernos - à mentalidade dos governantes e dos governados‖ (PEET, 2007, p. 29). Sejamos mais empíricos: é bom deixar claro que as práticas insustentáveis da Vale não estão condicionadas (espacialmente falando), aos países ditos subdesenvolvidos. No Canadá: [...] há dois processos judiciais envolvendo a Inco Limited 57 ainda pendentes de decisão final. Um caso diz respeito à sanção monetária imposta por alegada contaminação no solo na refinaria de Port Colborne, no qual a empresa vem se defendendo. O outro processo é referente à sanção monetária por poluição do ar, nas operações de Sudbury (VALE, 2009c, p. 121). Com efeito, uma mineradora pouco se importa com o solo, pois está interessada no subsolo. Destaque-se que a compra da Inco fez com que a Vale se transformasse na maior produtora mundial de níquel. Nesse sentido, percebe-se a internacionalização da Vale, bem como um reordenamento econômico: se outrora o Brasil apenas restringia-se a receptor de projetos de desenvolvimento econômico, agora com a internacionalização das grandes empresas, como a Vale, vem a ser um país que investe em atividades econômicas a nível internacional, tal como a mineração. Mas, tal como qualquer outra empresa capitalista, a Vale age com uma voracidade em busca de lucro e capital que nada difere das multinacionais que chegam aqui no Brasil explorando trabalhadores e degradando a Natureza. O ano de 2010 marca também uma importante operação realizada pela Vale: a venda dos ativos de alumínio para a empresa norueguesa Norsk Hydro em uma transação de US$4,9 bilhões. Agora, a Alunorte (Alumina do Norte do Brasil), a maior mina de refino de alumina do mundo, e a mina de bauxita de Paragominas, passam a ser controladas pela empresa norueguesa. A venda dos ativos deu-se em virtude do alto custo de energia no Brasil 58, o que fez a Vale dirigir seus investimentos para a bauxita e alumina, que são estágios da cadeia de alumínio que consomem menos energia. O curioso é que a população, de uma maneira geral, indústrias e comerciantes, pagam por 100kwh cerca de R$45,00; enquanto a Vale paga, pelos mesmos 100kwh, a bagatela de 57 No segundo semestre de 2006, a CVRD comprou a mineradora canadense Inco por US$ 19 bilhões, sendo seu preço US$ 17,8 bilhões e mais US$ 1,2 bilhão de dívida líquida. Para esta compra, ela se associou a bancos internacionais, como Credit Suisse, UBS, ABN Amro e Santander (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Com isso, o endividamento da Vale aumentou para US$ 22 bilhões em 2006 (GODEIRO et al. 2007). 58 Para maiores informações recomenda-se a leitura das reportagens de Melina Costa (Agência Reuters - Estado de São Paulo) publicada no jornal Estado de São Paulo no dia 03/05/2010: ―Vale vende controle dos negócios de alumínio‖; Em adendo, a reportagem publicada no jornal Valor Econômico, ―Vale vende área de alumínio à Norsk Hydro‖, de Ivo Ribeiro, também explana sobre o assunto. 88 R$5,00. Esse ―fator energético‖ que reduz a competitividade da Vale pode explicar a participação da mesma no consórcio de Belo Monte e na construção da Usina Hidrelétrica de Energia (UHE) de Estreito, via Consórcio Estreito de Energia (Ceste) – composto, além da Vale, pelas empresas Suez Energy South America Participações Ltda., Alcoa Alumínio S.A., e Camargo Correa Energia S.A. Cabe relevar que em Estreito, o conflito se processa em duas frentes que se chocam: primeiro, o potencial hidrelétrico da bacia Araguaia-Tocantins sinaliza a possibilidade de suprimento da necessidade de energia elétrica para levar a frente as atividades siderometalúrgicas; em contrapartida, o empreendimento de R$3,1 bilhões atinge agricultores familiares, povos indígenas e a população ribeirinha, evidentemente. Recentemente, no dia 8 de julho de 2010, os membros do sindicato USW no Canadá ratificaram um acordo coletivo de cinco anos de duração com a Vale. O acordo põe fim à greve que começou há um ano, 13 de julho de 2009, e envolveu 3.200 mineiros em Sudbury e Port Colborne, Ontario. O acordo coletivo que vai até 31 de maio de 2015 inclui: aumento do salário-hora para todos, com aumento da ajuda de custo de vida a cada cinco anos. Assim, elevando o reajuste salarial para entre $ 2,25 e US $ 2,50 por hora dentro da duração do contrato; melhorias para o atual Plano de Pensão de Benefício Definido, aumentando para $ 41.400 por ano, com a indexação de ajuda para o custo de vida para toda a vida, junto com um plano de saúde para todos durante o tempo de vida; o Plano de Previdência de Contribuição Definida para os novos contratados, que prevê contribuições da empresa igual a 8% do salário base regular dos trabalhadores. Além disso, os funcionários serão capazes de fazer contribuições adicionais que variam de 2% a 6% do salário regular, combinando com as contribuições da empresa dentro de certos limites. O novo plano também incluirá a cobertura em caso de invalidez de longo prazo para os trabalhadores. Como resultado das negociações bem firmes e sustentadas, o programa de bônus de níquel irá permitir que os funcionários ganhem até US $ 15.000 por ano, além de salário regular. O Canadá também é berço de outro conflito. No Relatório de Sustentabilidade da Vale referente ao ano de 2009, na seção relativa aos Recursos Humanos, subtópico diversidade, encontramos uma informação interessante: ―Consideramos intolerável a discriminação em função de etnia, origem, sexo, orientação sexual, crença religiosa, além de condição de sindicalização, convicção política e ideológica, classe social, pessoas com deficiência, estado civil ou idade‖ (VALE, 2010a, p.35, os grifos são nossos). Segundo nota da Rede Justiça nos 89 Trilhos59, acessível no site www.justicanostrilhos.org, trabalhadores da província de Newfoundland e Labrador receberam uma dúbia distinção e um tratamento de segunda classe se comparados com os funcionários da Vale em outras províncias do Canadá. Isso porque a Vale, tenta ditar a aceitação de um contrato inferior, com abonos e benefícios menores em comparação com o acordo a que se chegou a Ontario, uma vez que muitos os trabalhadores de Newfoundland e Labrador são indígenas. Em matéria publicada no Jornal Pessoal, acessível em http://www.lucioflaviopinto.com.br/, ―Carajás começa de novo, mas o Pará não percebe‖, o jornalista Lúcio Flávio Pinto conta que a Vale realiza desde o ano de 2009 o maior investimento da sua história e também o maior da indústria de minério de ferro no mundo. Ela aplicará, até 2015, US$ 11,3 bilhões de dólares para dobrar a produção de Carajás, no Pará, que chegará a 230 milhões de toneladas anuais, metade do que a Vale pretende extrair em todo país naquele ano. Em suas palavras: Dos US$ 11,3 bilhões previstos, US$ 7,8 bilhões serão gastos na duplicação de dois terços da ferrovia de Carajás (em 604 dos seus 822 quilômetros de extensão) e na construção do 4º píer do porto de embarque, na Ponta da Madeira, na ilha de São Luís do Maranhão. Os restantes US$ 3,5 bilhões serão absorvidos pela própria mina, em território paraense. Só neste ano a empresa desembolsará US$ 1,1 bilhão (US$ 766 milhões na logística e US$ 360 milhões na mina). A duplicação de dois terços da ferrovia Carajás simboliza também a duplicação da produtividade: ela aumentará a capacidade de escoamento do minério de Carajás, assim como tornará apta a escoar o minério que ainda não é explorado na Serra Sul, no ―profético‖ município de Canaã dos Carajás. A terra prometida bíblica, terra onde corre leite e mel, é a terra prometida da Vale, onde correm minérios. Tal como na bíblia, cuja terra foi destinada aos judeus (o povo de Deus), a despeito de todos os habitantes que ali viviam, na versão moderna e progressista representada pela Vale no papel de ―Deus‖, a terra é destinada à Companhia, a despeito de todos os habitantes que ali vivem. Ateste-se ainda que a respeito da duplicação da EFC, grande parte das preocupações da Rede Justiça nos Trilhos têm se voltado para os impactos anunciados ou aos danos já ocorridos em razão das obras de duplicação da EFC, em pleno andamento. No município de Itapecuru-Mirim, as comunidades de Santa Rosa dos Pretos e de Monge Belo, ambas reconhecidamente, remanescentes de quilombos, terão suas áreas recortadas caso as pretensões de duplicação da EFC logrem êxito. 59 Coalizão de organizações civis, movimentos sociais, pastorais, sindicatos, núcleos universitários e pelos Missionários Combonianos Brasil Nordeste. É uma associação civil de caráter religioso, sem fins lucrativos. 90 Em síntese, o processo de licenciamento da duplicação da Estrada de Ferro Carajás fere frontalmente a legislação ambiental, em especial a Resolução CONAMA n°. 349/2004, que veda a concessão de licenças fragmentadas para obras como a referida acima, impondo a necessidade da prévia confecção de EIA/RIMA, audiências públicas e todos os demais atos previstos nas Resoluções CONAMA n°. 237/1997 e 01/1986. Apesar da Vale considerar o empreendimento ferroviário de pequeno potencial de impacto ambiental, ele implicará em remoção de população, intervenção em áreas de preservação permanente, unidades de conservação e outros espaços territoriais protegidos. Mesmo assim, o IBAMA expediu a Licença de Instalação (nº752/2010) que autorizou a Vale a realizar as obras de duplicação dos trilhos em quatro segmentos, que perfazem um total aproximado de 70 km de ferrovia. Isto coloca em risco as comunidades de Santa Rosa dos Pretos e de Monge Belo, bem como nos municípios maranhenses de Bom Jesus das Selvas, Buriticupu, Alto Alegre do Pindaré e Açailândia (segmentos 07 a 09 da ferrovia), gerando grande impacto na vida de centenas ou milhares de pessoas. Os investimentos previstos pela Vale para 2010 estão orçados em US$ 12,9 bilhões (FIGURA 07). Figura 07. Investimentos previstos para 2010. Fonte: Vale, 2010c. 91 Ela também elenca sete novos projetos iniciando em 2010, a saber: Minério de ferro (Carajás Adicional, 10 Mtpa60), Pelotas (Omã, 9,0 Mtpa), Níquel (Onça Puma, 58.000 tpa), Cobre (Tres Valles, 18.000 tpa), Rocha fosfática (Bayóvar, 3,9 Mtpa), Energia (Estreito, 1.087 MW), Siderurgia (CSA, 5,0 Mtpa). Cabe destacar que, no consórcio de Estreito, a participação da Vale é de 30,0%, enquanto que na Companhia Siderúrgica do Atlântico é de 26,87% (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR, 2010b). 9 A POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL61 Ao longo desta seção será promovida uma análise do documento intitulado: ―Política de Desenvolvimento Sustentável‖, que está acessível no site www.vale.com. O documento é composto inicialmente pelos itens Objetivo e Princípio, que, então, é decomposto em três partes intituladas: OPERADOR SUSTENTÁVEL; CATALISADOR DO DESENVOLVIMENTO LOCAL; AGENTE GLOBAL DE SUSTENTABILIDADE e cada parte desta é apresentada na forma de acróstico, construídos respectivamente, a partir dos termos VALOR, LOCAL e GLOBAL. 9.1 Objetivo e princípio Já sabemos que a dimensão política está imbricada, hoje, em vários âmbitos do conhecimento científico. Como não poderia deixar de ser, a crise/questão ambiental, a partir do momento em que necessitou ser analisada, requereu o direcionamento da política para o seu campo, quer seja como controle de conflitos ou também como luta pelo poder. O discurso de desenvolvimento, que é essencialmente histórico e dispõe-se em acontecimentos reais e sucessivos (FOUCAULT, 2009b), também teve a necessidade de políticas sustentáveis. Vejamos então, qual é o Objetivo da referida política da Vale: Estabelecer diretrizes e princípios para a nossa atuação quanto ao Desenvolvimento Sustentável de nossos projetos e operações, explicitando a nossa responsabilidade social, econômica e ambiental nas regiões em que estamos presentes, em nossa cadeia de valor e no posicionamento sobre temas globais de sustentabilidade (VALE, 2009a, p. 1). 60 Mtpa signifca milhões de toneladas por ano. 61 Este capitulo foi livremente extraído originalmente de Ribeiro Junior; Sant‘Ana Junior, 2010a. 92 A sustentabilidade global é temática presente nos documentos oficiais da Vale. Não só por ela ser uma empresa global, bem como a sustentabilidade acabou se configurando como mais um vetor de geração de lucro e agregação de valor nas mais diferentes localidades. Dessa forma, a própria responsabilidade socioambiental transforma-se em mais um mecanismo político para que as operações e projetos vinculados à referida empresa estejam imersos no discurso do desenvolvimento sustentável (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR, 2010a). Mas, vejamos um caso concreto de atuação da Vale: O município de Barcarena-PA, que sedia as plantas industriais, integra o conhecido Programa Grande Carajás (PGC) e está inserido na cadeia produtiva de Alumina e Alumínio, através das subsidiarias Albrás e a Alunorte. Graças ao insumo da energia elétrica, a Albrás e a Alunorte formam um dos maiores complexos de alumínio a nível mundial. A ação das subsidiárias da Vale tem gerado impactos relevantes no que tange a emissão de poluentes (gases cáusticos e poeiras corrosivas, bem como a liberação de dióxido e trióxido de enxofre) e aos acidentes ocorridos. Um dos maiores impactos causados pela produção de alumínio é a lama vermelha, que é a parte estéril do processo de beneficiamento da bauxita. É um resíduo extremamente cáustico, com Ph acima de 13,2. A soda cáustica presente na lama vermelha contribui para a ocorrência de chuva ácida, contamina o lençol freático, as águas superficiais e os solos. Para cada tonelada de alumina produzida, são necessárias três toneladas de bauxita, proveniente de Carajás, o que gera uma enorme quantidade de lama vermelha como resíduo. Somente em 2004 a ALUNORTE produziu, no mínimo, 1,27 milhão de toneladas de lama vermelha. A expansão de sua produção em 2008 aumentou sua capacidade de produção para 2,04 milhões de toneladas de lama vermelha. Apesar da empresa alegar que lança lama vermelha apenas em locais seguros, muitos acidentes têm ocorrido. O mais recente ocorreu em abril de 2008, onde milhares de litros de lama vermelha vazaram de uma das bacias daquela empresa, contaminando o rio Murucupi, importante fonte de água para as populações tradicionais (ORGANIZAÇÕES et al, 2010, p. 65, grifos nossos). Talvez não devêssemos nem classificar essa situação descrita acima como um ―acidente‖: isso porque a noção de acidente nos remete a um acontecimento casual, o que não se aplica às operações da Vale. Da mesma forma que seus lucros não são casuais, ou acidentais, mas sim fruto de suas estratégias políticas e econômicas, não se pode classificar como fortuito a contaminação de lama vermelha em ecossistemas fluviais. Segundo o jornalista Rogério Almeida62, A cadeia do alumínio se encontra em franco processo de expansão. A hidrelétrica de Tucuruí teve a sua capacidade produtiva duplicada. Minas no município Paragominas, nordeste do Pará são exploradas, para reforçar a antiga 62 http://rogerioalmeidafuro.blogspot.com/ 93 mina em Oriximiná, oeste do estado. Na mesma região, no município de Juruti, a multinacional Alcoa inicia uma conturbada exploração de mina. Há ações dos Ministérios Públicos Estadual e Federal contra a atuação da ALCOA. A Vale pretende ainda a construção de uma usina termoelétrica em Barcarena, orçada em US$ 898 milhões. Nesse aspecto, a Vale informou que está, por enquanto, suspenso o projeto de construção de uma usina termelétrica no município de Barcarena. O empreendimento teve sua licença prévia expedida pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado no final de outubro de 200863. O direcionamento para investimentos em logística tem sido uma sinalização da companhia, em particular na geração de energia. O saque das riquezas e a internalização das tragédias sociais e ambientais têm regido tais projetos de desenvolvimento na Amazônia. Já observamos inicialmente que o objetivo da política de desenvolvimento sustentável da Vale é sustentar a sua política de desenvolvimento, nem que para isso os rejeitos de suas operações de mineração destruam ecossistemas naturais. Passemos então agora para o Princípio da sua política de desenvolvimento sustentável: [...] o desenvolvimento sustentável é atingido quando seus negócios, em particular as suas atividades de mineração, geram valor para seus acionistas e demais partes interessadas, e deixam um legado social, econômico e ambiental positivo nos territórios onde opera (VALE, 2009a, p. 1). Note-se que o desenvolvimento sustentável é um alvo a ser atingido quando seus negócios geram valor para os acionistas. Todavia, a ―atuação sustentável‖ da Vale, a imagem de sucesso que a maioria das pessoas possuem a seu respeito fica manchada quando tomamos notícia de seu desempenho, por exemplo, no Canadá. No referido país a Vale adquiriu a Inco (FIGURA 08) no ano de 2006 com o objetivo de processar níquel. Figura 08. Campanha da Vale Inco cuja tradução nos diz: ―juntas somos melhores‖. Agora cabe questionar melhor para quem? Um melhor futuro para quem? Fonte: www.vale.com 63 www.diariodopara.com.br 94 Obviamente, qualquer atividade de mineração gera rejeitos que devem ser condicionados adequadamente em um lugar que impacte ou prejudique na menor escala possível. Aí se encontra o problema: a Vale argumenta ―sustentavelmente‖ que a melhor maneira de se desfazer dos rejeitos da sua refinaria é descartando-o com ―responsabilidade social, econômica e ambiental‖ no lago de Sandy Pond! Nas palavras de Catherine Coumans64: Canadá não deve prover às indústrias mineradoras subsídios incomensuráveis sacrificando reservatórios de água naturais para se tornarem reservatórios de rejeitos[...] Destruir Sandy Pond não é claramente praticar desenvolvimento sustentável e nem mesmo pode ser considerada uma boa prática em se tratando de reservatórios de rejeitos, uma vez que Vale Inco sabe de antemão que Sandy Pond irá dispersar rejeitos em águas subterrâneas, criando uma pluma contaminante. Além disso, a lagoa irá requerer barragens para segurar os rejeitos e essas barragens precisarão ser mantidas para sempre (ORGANIZAÇÕES et al, 2010, p.122). Seria irônico se não fosse triste. A destruição do lago Sandy Pond, através do lixo tóxico oriundo da refinaria de níquel, ocasionará um desequilíbrio ecológico em um sistema natural que não pode ser substituído, sem falar que trará conseqüências desastrosas para a pesca na região. 9.2 Operador sustentável Um dos três pilares da Vale é o operador sustentável. ―Operar com sustentabilidade é atuar com consciência e responsabilidade socioeconômica e ambiental em todo o ciclo de vida das nossas atividades. É criar ―V.A.L.O.R.‖ (VALE, 2009a, p. 1). Principalmente ―V.A.L.O.R. D.E. T.R.O.C.A.‖, diga-se de passagem. A atividade da Vale é criar valor de troca para seus acionistas, isso sim é operar sustentavelmente, no qual a sustentabilidade é a das ações que operam nas bolsas de valores de São Paulo e Nova York. Vamos então analisar ―letra por letra‖, primeiro o ―V‖, que significa: Valor para stakeholders (partes interessadas). Proporcionar o maior retorno possível aos acionistas, manter relações e condições justas de trabalho para empregados e contratados, buscar parcerias de longo prazo com fornecedores que tragam ganhos para ambas as partes, garantir maior confiabilidade de suprimento e de valor de uso para nossos clientes, além de contribuir com o desenvolvimento sustentável das comunidades, regiões e países onde operamos, mantendo um relacionamento e diálogo permanente e aberto com nossos stakeholders (VALE, 2009a, p. 1). 64 Pesquisadora coordenadora do Minning Watch Canadá (Observatório da Mineração - Canadá) 95 As partes interessadas, notadamente, não são as comunidades as quais a Vale agride, ou melhor, atua, mas sim os seus clientes, fornecedores e acionistas que usufruem dos produtos originados, permitindo que a Vale crie valor de troca para ela mesma, possibilitando assim ―o maior retorno possível para os acionistas‖ (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR, 2010a). Focalizemos quando a Vale fala em ―manter relações e condições justas de trabalho para empregados e contratados‖: com a compra (por US$19 bilhões) da Inco, a mineradora canadense, em 2006 a Vale se tornou a maior produtora mundial de níquel. Todavia, o alto custo da operação aumentou o endividamento da Vale para US$ 22 bilhões em 2006 (Godeiro et.al.2007). A Vale quer fazer com que as pessoas creiam que o problema é o custo do trabalho, ao invés dos preços de commodities abaixo do esperado, combinados com o custo de aquisição da Inco (que ela não deveria ter pago). A Vale quer manipular uma situação econômica temporária para impor a filosofia de que as empresas têm apenas um dever limitado de compartilhar de forma expressiva seus ganhos com os trabalhadores, e de que não têm responsabilidades de longo prazo para com os trabalhadores e suas comunidades. As exigências da Vale incluem: uma redução no abono vinculado ao preço do níquel; a eliminação do plano de pensão tradicional (com benefícios definidos) para novos funcionários; e uma redução dos direitos dos trabalhadores no local de trabalho quanto ao agendamento e a alocação de tarefas. Ao mesmo tempo, a Vale tem falado em reduzir ainda mais o número de empregos e já começou a implantar um sistema global de compras de insumos, cortando, assim, seus laços com muitas empresas locais de serviços de mineração (ORGANIZAÇÕES et al, 2010, pp.104105, grifos nossos). Como se observa, a diretoria da Vale distorce o conceito de justiça. A única justiça que a vale concebe é castigar os trabalhadores em virtude da crise econômica. O exclusivo retorno que a empresa ―cada vez mais verde e amarela‖ dá aos seus trabalhadores canadenses é uma política agressiva que objetiva romper direitos trabalhistas. As parcerias de longo prazo dissolveram-se em um momento de crise econômica e agora a empresa quer os trabalhadores e as comunidades do Canadá paguem por essa crise. Não obstante, os ganhos são para seus acionistas e o prejuízo afeta trabalhadores e comunidades. Passemos para letra A, que significa: Antecipação e prevenção de falhas. Atuar preventivamente, visando evitar falhas de processo, poluição ambiental, acidentes de trabalho, riscos ocupacionais à saúde, e minimizar impactos sociais e ambientais negativos. Aplicar em todos os projetos de investimento e operações da empresa uma análise prévia de gestão de riscos, impactos e oportunidades nos aspectos ambiental, social e econômico. Investir e utilizar tecnologias que permitam – a custo compatível – maximizar a eco-eficiência, a segurança e a sustentabilidade dos processos produtivos, produtos comercializados e modais de transporte (VALE, 2009a, p. 1, os grifos são meus). 96 O que a Vale chama de impactos sociais e ambientais negativos, que ela julga querer minimizar, são os danos provocados por suas siderurgias e pela atividade mineradora, que acaba por deflagrar conflitos ambientais nos locais onde a referida empresa se instala. Note-se que, na citação acima, a Vale também aborda e reduz a problemática ambiental a um simples problema tecnológico (MARTÍNEZ ALIER, 2007). É interessante perceber que a Vale aponta também que estas tecnologias, têm como função maximizar a eco-eficiência. Mas o que é essa eco-eficiência? Segundo Martínez Alier (2007, pp.26-27, os grifos são nossos): Sua atenção está direcionada para os impactos ambientais ou riscos à saúde decorrentes das atividades industriais, da urbanização e também da agricultura moderna. [...] se preocupa com a economia em sua totalidade. Muitas vezes defende o crescimento econômico, ainda que não a qualquer custo. Acredita no “desenvolvimento sustentável”, na ―modernização ecológica‖ e na ―boa utilização‖ dos recursos. Preocupa-se com os impactos da produção de bens e com o manejo sustentável dos recursos naturais, e não tanto pela perda dos atrativos da natureza ou dos seus valores intrínsecos. Os representantes dessa segunda corrente utilizam a palavra ―natureza‖, porém falam mais precisamente de “recursos naturais”, ou até mesmo “capital natural” e “serviços ambientais” [...] esse credo é atualmente um movimento de engenheiros e economistas, uma religião da utilidade e da eficiência técnica desprovida da noção de sagrado. É preciso ter cuidado para que não se tenha uma noção romântica da natureza, uma noção ―rousseauniana‖ por assim dizer. Como bem frisou Martínez Alier, essa eco-eficiência pode ser expressa por uma operação matemática simbólica: eco-eficiência = empresa + desenvolvimento sustentável. Essa fé cega na técnica, que tudo pragmatiza, acaba por ter uma visão utilitarista da natureza, pois ao quantificá-la e mensurá-la - como fazem engenheiros e economistas -, converte-a em serviço, em capital (principalmente) e em recurso. O valor intrínseco é modificado em valor de troca; o desenvolvimento sustentável é atingido com a negação do ócio através da indústria, uma vez que os impactos ambientais são resumidos em retorno aos acionistas. Sobre a poluição ambiental cabe destacar que a Vale omite em seu Relatório de Sustentabilidade 2007 (que cobre os anos de 2005 a 2007), a emissão de poluentes em suas atividades, algo em torno de 15.549 toneladas somente na cidade de São Luís para o ano de 2005 (NOTÍCIAS STEFEM, 2010, p.3). Passemos à letra L, que significa Legislação como base: melhoria contínua. Atuar em plena conformidade com a legislação e demais requisitos aplicáveis e buscar melhorias contínuas que nos levem, em todos os territórios de atuação, a superar progressivamente padrões internacionais em saúde e segurança, condições de trabalho, gestão ambiental, relações trabalhistas e respeito aos direitos humanos (VALE, 2009a, p. 1). 97 Cabe destacar que as notificações do Ministério Público do Trabalho, no ano de 2007, levaram a empresa a rever sua política de terceirização65 e contratação de fornecedores da cadeia produtiva. Em agosto do referido ano, a Vale anunciou ―o corte no fornecimento para usinas que não respeitam as legislações ambientais e trabalhistas em vigor no Brasil‖. A decisão atingiria a Companhia Siderúrgica do Pará (Cosipar) e a Usina Siderúrgica de Marabá S/A (Usimar)66. A Vale informou que estará monitorando de forma mais efetiva seus fornecedores e terceirizados, com o objetivo de ―que as leis e as convenções de direitos humanos sejam incorporadas à cadeia de fornecimento e ao ambiente de trabalho‖ (VALE, 2009c, p. 95). Em Moçambique o Projeto de Carvão Moatize que irá explorar carvão metalúrgico e carvão técnico deslocará aproximadamente 1.100 famílias. Com efeito, várias serão as conseqüências desse projeto: alto custo social, perda de terras, ―impactos na saúde devido à poeira e ao ruído, mudanças radicais nas culturas tradicionais como exumação de corpos e deslocamento de atividades econômicas locais‖ (ORGANIZAÇÕES et al, 2010, p.127). Além disso, a Vale pretende exportar minério de ferro para a China e Omã. Com a produção de 1 milhão de toneladas por ano a serem exploradas das minas no distrito de Monapo, província de Nampula, espera-se arrecadar US$ 100 milhões. As minas possuem um período estimado em 28 anos e a geração de 800 postos de trabalho67. Avancemos à letra O, que significa Organização e Disciplina. Trabalhar de forma organizada e disciplinada, adotando práticas rigorosas de planejamento, execução, monitoramento e ação corretiva, buscando o uso responsável e eficiente dos recursos naturais. Em termos de responsabilidade sobre o produto, incentivar o uso, re-uso, reciclagem e disposição final dos nossos produtos e sub-produtos, incluindo, quando estiver ao alcance da Vale, o design responsável (VALE, 2009a, p. 1, os grifos são nossos). Note-se que a Vale, uma representante do evangelho da eco-eficiência, tal como concebido por Martínez Alier (2007), emprega o termo recursos naturais em vez de natureza, reafirmando assim que a sua organização, disciplina, planejamento, execução e monitoramento de atividades traduz-se na eficiência com que trata e utiliza da natureza, que 65 É bom deixar claro que a adoção de políticas de terceirização de empregos se reflete em uma estratégia econômica que retira a responsabilidade da empresa e precariza as relações de trabalho e emprego. 66 Consultar Vale do Rio Doce anuncia corte de fornecimento a siderúrgicas (23/08/2007) http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1153. Bem como, MPT exige cumprimento da lei e questiona terceirizações da Vale (20/09/2007) http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=1186. 67 http://www.macauhub.com.mo/pt/news.php?ID=9472 98 por sua vez é vista como recurso, um meio para atingir um fim. Passemos à letra R, que significa: Respeito e Ética nos Negócios. Trabalhar de forma ética e respeitosa em todos os países e regiões onde atuamos. Buscar excelência na nossa governança corporativa, nos processos operacionais, na qualidade dos produtos e relacionamentos com partes interessadas. Difundir a atuação sustentável na nossa cadeia produtiva. Adotar padrões e práticas globais de sustentabilidade, respeitando a soberania de cada país e a legislação local (VALE, 2009a, p. 1). Mais uma postura do ―ecologicamente correto‖ da Vale. Só quem conhece o habitus ambiental da Vale é que pode contradizê-la na prática. Por exemplo: porque não são registrados os mortos por atropelamento ao longo da ferrovia (numa média de um morto por mês) como bem informou Cláudio Bombieri (VIAS DE FATO, 2010)? Ou quando a Vale e suas empresas terceirizadas não pagam as horas in itinere dos trabalhadores68 (NOTÍCIAS STEFEM, 2010, p.8)? Sem falar das siderurgias vinculadas ao Projeto Carajás que são abastecidas pela extração em larga escala de madeiras. Como a Vale pode falar em ética uma vez que tal palavra não devolve as vidas que foram subtraídas em suas ferrovias? Em Parauapebas (PA), a Justiça do Trabalho condenou a Vale a pagar R$ 300 milhões em virtude dos trabalhadores diretamente contratados pela Vale ou por empresas que prestam serviço a ela (terceirizadas) gastarem um mínimo de duas horas de deslocamento para ir e voltar às minas, valor este que não era remunerado ou descontado da jornada de trabalho. A Empresa declarava que não era sua responsabilidade o transporte dos trabalhadores, haja vista é um espaço público fora dos seus limites, e que, portanto, devia ser feito pelo sistema público. Ela apenas esqueceu-se que o seus trabalhadores são privados, e não públicos, o que reafirma a competência da Vale a questão das horas in itinere. Em todo caso, dos R$ 300 milhões, R$ 100 milhões são por danos morais coletivos e mais R$ 200 milhões por dumping social. O juiz Jônatas Andrade acatou ação do procurador José Adilson Pereira da Costa do Ministério Público do Trabalho contra a empresa por considerar que a gigante da mineração estava lucrando indevidamente sobre a exploração indevida de seus empregados e prestadores de serviço na região da província mineral de Carajás. Com isso a Vale teria economizado um valor superior a R$ 200 milhões nos últimos 68 A assessoria jurídica do STEFEM está movendo ações cobrando da Vale e empresas terceirizadas as denominadas horas in itinere devidas aos trabalhadores, as quais, de acordo com o advogado Guilherme Zagallo, a Vale se nega a pagar e ainda obrigava as empresas terceirizadas a também não pagarem. [...] Para o causídico, as ações tem tido sua importância, pois já obrigou a Vale mudar de comportamento com relação às horas in itinere modificando o horário de chegada e saída dos ônibus. Para os reclamantes, o início de uma vitória, uma vez que eram obrigados a esperar entre 50 a 60 minutos no local de trabalho, o normal é 15 minutos, quando poderiam estar com seus familiares (STEFEM, 2010). 99 cinco anos, praticando concorrência desleal em detrimento da qualidade de vida dos seus empregados. Esse valor decorrente de dumping social deverá ser depositado no Fundo de Amparo ao Trabalhador como reparação à sociedade e ao mercado. Os R$ 100 milhões relativos ao dano moral coletivo, segundo a sentença, terão que ser revertidos à própria comunidade afetada (o que inclui todos os municípios da província mineral de Carajás e não apenas Parauapebas) através de projetos derivados de políticas públicas de defesa e promoção dos direitos humanos do trabalhador69. Segundo Lúcio Flávio Pinto, em matéria intitulada ―Mais uma vez, é a Vale quem ganha em Carajás‖, no acordo promovido em Belém, pela justiça do trabalho, a empresa finalmente reconheceu o direito dos trabalhadores. Eles receberão diariamente um adicional pelos 44 minutos gastos até a mina de ferro de N4, 54 minutos até a jazida de cobre do Sossego e 80 minutos até a mina de manganês do Azul. A empresa terá também de quitar o débito acumulado nos últimos 42 meses (crédito em favor dos empregados retroativo a fevereiro de 2007, provavelmente data-base). Pelo acordo, a Vale também promoverá ações sociais no montante mínimo de R$ 26 milhões (pouco mais de 10% do valor definido na sentença judicial apenas pelo "dumping social"). Até março de 2012 implantará em Parauapebas uma unidade do Instituto Federal do Pará (antiga Escola Técnica) para cursos de mecânica e eletroeletrônica e, até março de 2011, uma escola modelo no município. O acerto, porém, foi ainda mais vantajoso para a Vale. Condenada inicialmente a desembolsar R$ 300 milhões, o total dos seus gastos ficará muito abaixo do mínimo que a súmula 34 do Tribunal Superior do Trabalho garante ao empregado nesses acordos, que é de 60% do valor da condenação, ou, nesse caso, R$ 180 milhões. Mesmo considerando apenas os R$ 200 milhões atribuídos como pena à prática do "dumping", o pagamento do itinerário dos funcionários será bem inferior aos R$ 154 milhões de diferença entre as ações sociais, de R$ 26 milhões, e a pena legal. 69 http://blogdosakamoto.uol.com.br/ 100 9.3 Catalisador do desenvolvimento local Até o presente momento pudemos perceber que o operador sustentável da Vale é, verdadeiramente, um operador, no mínimo, questionável. Isso porque opera e converte a natureza em um recurso; e objetiva tornar sustentável a agregação de valor, o retorno para os acionistas e a forma como ela desenvolve a sua atividade mineradora (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR, 2010a). Após reduzir a problemática ambiental a um problema tecnológico (como se essa tecnologia não fosse ―filha‖ da matriz de racionalidade crematística), a Vale se apresenta como um ―Catalisador do desenvolvimento local‖, ao informar que quer ―ir além da gestão dos impactos de nossas operações e projetos, contribuindo voluntariamente e através de parcerias com governo e sociedade para o desenvolvimento L.O.C.A.L.‖ (VALE, 2009a, p. 2). De início, percebe-se que a Vale se auto-intitula uma empresa que acelera o desenvolvimento local. Como a maioria das pessoas possui uma noção positiva do desenvolvimento, isto já qualifica (erroneamente) de antemão a Vale como instituição que produz benefícios para a localidade na qual ela se instala. Mas o ponto que é preciso alertar é sobre a ideia de desenvolvimento.Segundo Porto-Gonçalves (2006b, p. 81): Des-envolver é tirar o envolvimento (a autonomia) que cada cultura e cada povo mantém com seu espaço, com seu território; é subverter o modo como cada povo mantém suas próprias relações de homens (e mulheres) entre si e destes com a natureza; é não só separar os homens (e mulheres) da natureza como, também, separá-los entre si, individualizando-os. Não deixa de ser uma atualização do princípio romano - divide et impera - mais profunda ainda, na medida em que, ao des-envolver, envolve cada um (dos desterritorializados) numa nova configuração societária, a capitalista. Sim, essa é a essência do desenvolvimento: é des-envolver. É retirar a autonomia que cada cultura mantém com seu lugar. Por isso, seria interessante pensar numa perspectiva de pós-desenvolvimento (ESCOBAR, 2005b): isso significa, ao pé da letra, tornar póstumo o desenvolvimento, abdicar dessa palavra canonizada pelas ciências e pelo discurso político-ideológico, seja ele da direita ou da esquerda. Dessa forma, numa ótica pós-desenvolvimentista, daríamos espaço a racionalidades econômicas, ecológicas e culturais que estão do outro lado da margem, que não são modernas, ou seja, não obedecem à lógica do capital: tal como a racionalidade econômica dos camponeses, a racionalidade ecológica dos indígenas, dentre outros. E a Vale, como ela mesma se intitula catalisadora do desenvolvimento, não foge a esta assertiva. Nos lugares onde ela se instalou, especificamente em São Luís, ela subverteu a 101 relação que os habitantes de determinados bairros (próximos ao Porto do Itaqui, como é o caso do Alto da Esperança) tinham com a Natureza, com o seu habitat, acabando por agravar a situação urbana e social da capital maranhense. Ao se instalar em São Luís, a Vale desterritorializou inúmeros maranhenses direta e indiretamente. Diretamente aqueles que habitavam o local onde a empresa se alojou, indiretamente os camponeses que deixaram o interior maranhense em busca de emprego e melhores oportunidades. Depois de desterritorializados foram inseridos precariamente em uma nova configuração societária, a do capital moderno (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR, 2010a). Não olvidemos que modernizar é colonizar, como nos ensina Edgardo Lander, e, portanto traz todas as implicações possíveis por se ―estar na moda‖. Mas, continuemos nossa análise letra por letra, iniciando pela letra L, que significa na sigla: Licença social. ―Buscar o reconhecimento, a consulta e o envolvimento prévio à implantação de novos empreendimentos dos stakeholders locais‖ (VALE, 2009a, p. 2). Interessante perceber aqui que a licença, não é social, pois não é a sociedade em si que a concede, mas sim os representantes dessa sociedade, que não atendem aos interesses da sociedade do qual representam: o que desqualifica a ―licença social‖ da Vale. Tomemos o exemplo de Belo Monte na qual a Vale, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Odebrecht, Votarantim, GDF Suez e Alcoa estão interessadas na construção. A Usina hidrelétrica de Belo Monte ―geraria apenas 39% dos 11.181 MW de potência divulgados, devido à grande variação da vazão do rio‖ (ORGANIZAÇÕES et al, 2010, p.24). Caso a UHE Belo Monte seja realmente efetivada os impactos ambientais em torno da flora e fauna terrestre e aquática serão gravíssimos, com destaque para a diminuição do número de peixes existentes no Rio Xingu. Mais: os 24 grupos indígenas serão diretamente afetados em virtude dessa obra faraônica que vem sendo chamada de ―Belo Monstro‖ (MAGALHÃES; HERNANDEZ, 2009). O MME, o IBAMA e o governo federal violaram direitos humanos ao não realizarem as Oitivas (consultas) Indígenas, obrigatórias pela legislação brasileira e pela Convenção 169 da OIT, que garantem aos indígenas o direito de serem informados sobre os impactos da obra e de terem sua opinião ouvida e respeitada. [...] A Licença Prévia foi emitida pela presidência do IBAMA apesar do parecer contrário dos técnicos do órgão. Alguns técnicos pediram demissão, outros se afastaram do licenciamento e outros ainda assinaram um parecer contrário à liberação das licenças para a construção da usina (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 24). Aqui cabe reafirmarmos: paralelo ao envolvimento da empresa está o desenvolvimento, ou seja, a empresa se ―autonomiza‖, toma para si o território das comunidades 102 (no caso de Belo Monte, os grupos indígenas), promovendo uma verdadeira razia contra a cultura local. Ainda: onde está a licença social se os grupos indígenas que vivem diretamente da floresta e do rio não foram consultados? E quanto aos mais de 100 mil pessoas que, seduzidos pela obra faraônica, irão causar desmatamento e pressão por recursos numa região que tem cerca de 70% do seu território protegido (MAGALHÃES; HERNANDEZ, 2009)? Passemos à letra O, que denota: Ordenação para o desenvolvimento. ―Contribuir para a construção de planos e ações específicos voltados para o desenvolvimento ordenado e sustentável das regiões onde atuamos‖ (VALE, 2009a, p. 2). Difícil não lembrar do lema de August Comte: [Amor], ―Ordem e Progresso‖, tão visível na bandeira do Brasil. Na assertiva da Vale o progresso é ―substituído‖ pelo des-envolvimento, que precisa de ordem para ser efetivado. Sendo assim, se ordenação é des-envolvimento, desordem é envolvimento. Estamos diante, portanto, de um complexo jogo de palavras. A ordenação de que nos fala a Vale é direcionada para a reprodução do capital e para a retirada de autonomia da população com relação a seu território. Isso é des-envolvimento. Para tanto, esta ordem, a ordem do capital moderno, precisa ser mantida, pois desordem é regresso. Então, a Vale aponta que contribui para a construção de planos e ações específicos voltados para o desenvolvimento ordenado, ou seja, para a retirada ordenada da autonomia territorial das comunidades, consequentemente, ela tenderá a sustentar tal ordem de desenvolvimento! Seguindo nosso ―alfabeto valiano‖ temos a letra C que expressa: Comunicação e engajamento. ―Manter comunicação e diálogo amplo, transparente, permanente e estruturado com stakeholders, respeitando a diversidade e as culturas das regiões onde atua, e considerando suas demandas nas decisões gerenciais da empresa‖ (VALE, 2009a, p. 2). De fato, com as partes interessadas (stakeholders), principalmente os acionistas, a Vale com certeza deve manter um diálogo amplo, transparente, permanente e estruturado. Todavia o respeito à diversidade e as culturas das regiões onde ela se estabelece é altamente questionável. É o caso da Companhia Siderúrgica do Atlântico. Neste exemplo a Vale (27%) detém a parte minoritária da joint venture com a ThyssenKrupp (73%) para produção de 5,5 milhões de toneladas/ano de placas de aço (tal planta siderúrgica é será a maior da América Latina), utilizando carvão mineral da Colômbia (4 milhões de toneladas/ano) e localizada no município de Itaguaí (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Formam o conglomerado: Uma usina siderúrgica integrada, uma termoelétrica para a geração de 490 MW de energia elétrica e um porto com dois terminais composto por uma Ponte de Acesso de 3,8 Km e um Píer de 700 m que atravessa o manguezal e o oceano. Toda a produção do conglomerado será destinada à exportação: 2 milhões de toneladas para 103 a Alemanha, para serem processadas, e cerca de 3 milhões para os mercados dos Estados Unidos, México e Canadá (ORGANIZAÇÕES et al, 2010, p.68). Não obstante, a área onde localizará tal empreendimento, a baía de Sepetiba, é uma área de belezas naturais, diversidade cultural, concentra população negra e pobre, sendo uma região deficitária em serviços públicos e alto índice de desemprego. Some-se a isso a alta quantidade de poluentes emitidos (229.758 toneladas monóxido de carbono e 21.540 toneladas de dióxido de enxofre) pari passu à diversificação ecossitêmica da área que compreende desde florestas a restingas - como a da Marambaia - e manguezais (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Além disso: ―Podem ser encontradas áreas remanescentes da Mata Atlântica, principalmente na Serra do Mar, considerada atualmente uma das 25 áreas mais importantes para a conservação da biodiversidade em todo o mundo (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 69). Em seguida temos a ―letra A‖, que exprime: Alianças Estratégicas. ―Estabelecer alianças com atores estratégicos de diferentes setores – público, privado e sociedade civil – para a articulação e planejamento de programas de desenvolvimento local integrado‖ (VALE, 2009a, p. 2). Não olvidemos que aliança simboliza união, um pacto, um acordo entre, no mínimo, duas partes. Sendo assim, bem como a Vale merece ser criticada, o Estado também merece, em outro momento (já que não é o hipocentro do nosso trabalho) uma análise mais radical a respeito dessa aliança com empresas. Estratégia também merece uma anotação, já que ela se preocupa essencialmente com ―a gestão [administração] da guerra e com a segurança pública‖ (VESENTINI, 2007, p. 10). De fato, no capitalismo vivemos um eterno período de crises e guerras, sendo necessárias estratégias que garantam a sobrevivência no seio da relação desarmônica cognominada competição. Então, o que esperar de uma aliança estratégica entre a Vale e o Estado? Possivelmente um pacto, uma união, um casamento, no qual ambos tornam seus olhos para a gestão da guerra, mas esquecem-se da ―segurança pública‖, ou seja, não garantem as ―benesses da guerra‖ pelo capital. Dessa forma, quando se configura uma aliança estratégica entre Estado e Empresa (Vale) torna-se muito mais fácil aliar interesses, guerrear contra a sociedade civil para que a autonomia local seja desintegrada, des-envolvida. Com efeito, dificilmente a Vale seria a empresa que é hoje se não fosse o Estado brasileiro. Desde isenções fiscais concedidas por governos estaduais, municipais, passando 104 pelo financiamento do BNDES70 (que financia o plano quinquenal), o Estado brasileiro sempre desempenhou da melhor maneira possível suas políticas governamentais que favoreceram direta e indiretamente o desempenho econômico da Vale, bem como fortaleceu as bases para sua internacionalização (GODEIRO et al., 2007). No Brasil, o modo e a escala de operação da Vale, baseados em grandes projetos voltados à produção de enormes excedente para atender prioritariamente ao mercado internacional, exige a intermediação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o principal instrumento para financiar o modelo econômico nacional. O BNDES participa simultaneamente do controle acionário da Companhia e no fornecimento de fundos para investimentos e para capital de giro da Vale. É através do BNDES e da BNDES Participações, subsidiária do Banco para o mercado de capitais, que o Estado ainda mantém uma herança do tumultuado processo de privatização da companhia (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 22). Depois que a companhia foi privatizada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, a maior parte das ações passou para o controle da Valepar... [...] uma sociedade financeira criada por empresas interessadas em comprar o pacote majoritário da Vale. Em 2007, a Valepar detinha 53,3% do capital ordinário da empresa, sendo o BNDESPar responsável por 6,8% das ações. O restante encontrava-se distribuído entre investidores diversos, sendo 27% não brasileiros e 12,9% brasileiros (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 19). Todavia, apesar do governo brasileiro possuir somente 3,3% das ações, tais ações são especiais, pois são golden share, o que dá direito a veto em decisões estratégicas da companhia. Essas ações preferenciais de classe especial ―titularidade da União Federal, que dão ao Estado brasileiro os mesmos s direitos que possuem os detentores de ações preferenciais Classe A [...] (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 19). As ações de ouro significam poder de veto nas decisões relativas a: 1. alteração da denominação social da companhia. 2. mudança da sede social. 3. mudança do nosso objeto social relativamente à exploração de jazidas minerais. 4. liquidação da empresa. 5. qualquer alienação ou encerramento das atividades de uma ou mais das seguintes etapas dos sistemas integrados da exploração de minério de ferro, jazidas minerais, depósitos de minério, minas, ferrovias, portos e terminais marítimos. 6. qualquer modificação dos direitos atribuídos às espécies e classes das ações de emissão da Companhia. 7. qualquer modificação de quaisquer dos direitos atribuídos pelo Estatuto Social à ação preferencial de classe especial (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 19). Este quadro geral da relação entre a Vale e o Estado brasileiro dá uma boa dimensão das relações existentes entre esses dois grandes atores que atuam no campo políticoeconômico e socioambiental. Os interesses que estes atores possuem entre si, dificilmente materializam-se em interesses da sociedade. 70 O BNDES destinou a Vale, em 2008, um empréstimo da ordem de R$ 7 bilhões. no entanto, como já foi citado aqui, a Vale, se valendo da recessão econômica, demitiu seus trabalhadores. 105 Por fim, mas não menos importante, na parte do catalisador do desenvolvimento local, o ―alfabeto valiano‖ encerra com a letra L que expressa: Legado Regional. Trabalhar de forma articulada para gerar um legado positivo nas regiões onde a Vale atua, buscando a maximização do desenvolvimento socioeconômico através do ciclo mineral, contribuindo com a diversificação econômica, com o desenvolvimento social e com a promoção da conservação e recuperação do meio ambiente (VALEa, 2009, p. 2). Aquilo que a Vale transmite para a sociedade maranhense, em especial a ludovicense, a sua herança, são os problemas referentes à submoradia, deficiência de saneamento básico e poluição, entre outros. A maximização da retirada da autonomia da sociedade e da economia (o Estado sujeito aos Grandes Projetos como motores do des-envolvimento) é, paradoxalmente, uma forma de tratar o ambiente como um meio, um meio para atingir um fim. 9.4 Agente global de sustentabilidade Chegamos à parte final da Política de Desenvolvimento Sustentável da Vale. Até aqui já temos uma boa noção do que significa essa política: uma política que visa retirar a autonomia que as comunidades possuem e mantém com seu espaço geográfico (socionatural). Nesta última parte, a Vale se intitula um Agente Global de Sustentabilidade, em suas próprias palavras: A atuação G.L.O.B.A.L. parte do reconhecimento de que determinados temas globais de sustentabilidade podem afetar nossos negócios, e de que a Vale - como uma das empresas líderes globais no setor de Mineração - pode contribuir para a promoção internacional de boas práticas de sustentabilidade (VALE, 2009a, p. 2). De fato, a atuação da Vale é global, assim como também são seus impactos. Mais do que reconhecer-se enquanto tal, mais do que apenas se preocupar com a capacidade que um determinado tema pode afetar os seus negócios, especialmente o setor de mineração, as ―boas práticas de sustentabilidade‖ da Vale sustentam apenas os seus negócios; para tanto uma verdadeira prática de sustentabilidade requer uma teoria sustentável, que implica, por conseguinte uma racionalidade ambiental (LEFF), ao contrário da racionalidade crematística da qual está impregnada a referida empresa (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR, 2010a). Observe-se que ao intitular-se um agente global de sustentabilidade, a Vale constrói e concebe um mundo que negligencia práticas e perspectivas baseadas-no-lugar (ESCOBAR, 106 2005b). Com efeito, torna-se praticamente impossível pensar-se em sustentabilidade ambiental, tampouco em desenvolvimento, uma vez que, as práticas ecológicas e econômicas gestadas no capitalismo e na modernidade são por si só insustentáveis e des-envolvimentistas (no sentido de retirada de autonomia da dimensão local). Gostaríamos de abdicar de analisar a Política de Desenvolvimento Sustentável utilizando como método o ―alfabeto valiano‖, mas ela nos faz mais uma vez utilizar deste meio. A letra G do ―alfabeto valiano‖ aparece-nos pela primeira vez e significa: Garantia de Transparência. Em suas palavras: ―Garantir transparência quanto às políticas, procedimentos, práticas e desempenho da empresa em relação aos aspectos sociais, ambientais, econômicos e de governança junto às partes interessadas globalmente‖ (VALE, 2009a, p. 2). Transparência, com toda certeza, não é uma palavra que combina com a Vale; se fosse assim porque ela haveria de omitir informações extremamente relevantes do sítio do Ibase, no que tange aos investimentos para tornar mínimo resíduos e aumentar a eficácia na utilização dos recursos naturais71? Onde estão os ―raios de luz que atravessam‖ a Vale quando ela não disponibiliza no balanço social, as informações relativas ao exercício da cidadania? Da mesma forma que ela deturpa a sustentabilidade, vemos a Vale deturpar o conceito de transparência confundidoo com o de opacidade. A letra L que é uma das letras que a Vale mais gosta, talvez por ser a letra que no alfabeto português principia a palavra LUCRO; exprime aqui: Liderança. ―Buscar liderança nas discussões internacionais setoriais ligadas aos aspectos do desenvolvimento sustentável mais afeitos aos nossos negócios e operações‖ (VALE, 2009a, p. 2). O objetivo é, então, liderar as discussões internacionais relacionadas ao desenvolvimento sustentável mais habituados e acostumados aos negócios e operações da referida empresa. Observe-se, todavia, que a Vale, em momento algum, busca liderar as discussões acerca dos impactos ambientais 71 O Instituto Brasileiro de Análise Sociais e Econômicas – Ibase incluiu em sua linha programática o tema da responsabilidade social e ética nas organizações, com o objetivo de consolidar parcerias com organizações no Brasil e, nos demais países da América Latina, e cobrar uma postura ética, práticas responsáveis e transparência no meio empresarial e nas organizações da sociedade civil. Para tanto, o Ibase está desenvolvendo dois projetos: o de Responsabilidade Social das Empresas (RSE) e Balanço Social. De acordo com a metodologia do balanço social, as empresas e organizações devem apresentar as informações em um padrão mínimo, destacando os dados que possam ser expressos em valores financeiros, ou de forma quantitativa, aquilo que elas investem em educação, saúde, cultura, esportes e meio ambiente (GRIGATO; RIBEIRO, 2006, p. 12). De acordo com o referido balanço social, a quantia total (absoluta), aplicada em investimentos de ordem ambiental, cresceu expressivamente no período de 1998-2007, passando de 17 milhões para 761 milhões de reais, ou seja, um aumento de quatro vezes por ano. Aos olhos dos leigos isso pareceria uma maravilha, e de prontidão eles diriam que a Vale investe absurdamente dada à prova concreta. Todavia, em se analisando os valores relativos acerca da receita líquida da empresa, é possível ter uma dimensão da expressividade dos ―Investimentos em Meio Ambiente‖: 0,50% em 1998; 0,43% em 1999; 1,16% em 2000; 0,77% em 2001; 0,7% em 2002; 0,76% em 2003; 0,57% em 2004; 0,56% em 2005; 1,01% em 2006 e 1,15% em 2007. ―Ressalta-se, ainda, que esses são valores agregados, representando a totalidade despendida pela empresa, pulverizadas para em todas as suas unidades no Brasil” (GRIGATO; RIBEIRO, 2006, p. 15, os grifos são meus). 107 que ela causa, da pressão que ela exerce sobre as comunidades; são sempre os negócios e as operações que geram LUCRO para seus acionistas que direcionam a ―racionalidade valiana‖ (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR, 2010a). Sem falar que essa ―liderança é dupla‖: se de um lado ela ―busca liderar as discussões internacionais‖ ela também pressiona lideranças que se opõem a quaisquer que sejam seus projetos. É o que vem ocorrendo na Baía de Sepetiba (RJ) em virtude da aliança entre a Vale e a ThyssenKrupp para a construção da companhia Siderúrgica do Atlântico. Devido às constantes ameaças de morte feitas pelas milícias locais aos pescadores da Baía de Sepetiba que se opunham ao projeto, um pescador, sob risco de perder a sua vida, teve que se refugiar. A pressão sobre as lideranças se acentuaram ainda mais quando as acusações de que alguns dos seguranças contratados pela empresa eram contratados por grupos milicianos ficaram claras na audiência pública da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Um pescador está refugiado desde fevereiro de 2009. Atualmente vive num local escondido e distante da Baía de Sepetiba, sendo protegido pelo Programa Federal de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 77). Por conseguinte, a letra O expressa: Observação de tendências. ―Monitorar e antecipar tendências em temas globais de sustentabilidade‖ (VALE, 2009a, p. 2). Isso significa que as tendências em sustentabilidade devem ser observadas. Para fazer isso, a Vale monitora, digamos, o ―Observatório Ambiental‖, a situação ambiental mundial, já que ela se declara uma ―agente global de sustentabilidade‖. Isso explica em parte a crença da Vale no evangelho da eco-eficiência; isso porque a questão ambiental é, em sua visão, uma questão tecnológica, como vimos anteriormente. Esse raciocínio é muito simplório, é um verdadeiro sofisma, pois se nós estamos questionando essa racionalidade econômica, que produziu essas técnicas e tecnologias, como é que estas técnicas e tecnologias podem solucionar o desafio ambiental se elas [as técnicas e tecnologias] são fruto da racionalidade crematística, se são um ―problema do problema‖? A questão ambiental está como vemos, para além da simples tecnologia. Todavia, na cidade maranhense de Açailândia, instalou-se no ano de 2005 o empreendimento Ferro Gusa Carajás (FGC). O problema é que a empresa controlada pela Vale, que destina-se a sustentar a siderúrgica da vale em Marabá, através da produção de carvão vegetal, se estabeleceu ao lado do assentamento Califórnia, com mais de 1.800 moradores assentados há 13 anos. Sabe-se que a atividade siderúrgica é uma das mais poluentes e, não é difícil imaginar, o quanto os moradores de Califórnia estão sofrendo com tal atividade por respirarem diariamente as fumaças provenientes das chaminés. Some-se a isso o fato de que a Vale nem sempre monitorou a qualidade do ar. 108 A medição da qualidade do ar nem sempre foi efetiva. No Plano de Gestão da Qualidade, o artigo previa a execução de um programa de avaliação da qualidade do ar e de acompanhamento da operação do queimador. Conforme o Relatório de Controle Ambiental, para a avaliação da qualidade do ar deveria ser monitorado o parâmetro ‗partículas totais em suspensão‘ (PTS). Para isso, deveria ser instalado um equipamento do tipo Hi-Vol a jusante da área do empreendimento, com relação à direção predominante dos ventos (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 55). Entre 2005 e 2009, os moradores do assentamento Califórnia respiraram a fumaça venenosa emitida por todos os fornos em funcionamento. Não precisa ser médico para imaginar os principais problemas de ordem médica que afetam a população: problemas cardiorrespiratórios, epidérmicos, oftalmológicos, dentre outros. Por fim, foi somente em 2008 que dois medidores foram instalados. No entanto, até outubro de 2008, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA) não havia sequer recebido um relatório oficial acerca da poluição do ar (ORGANIZAÇÕES et al., 2010). A letra B significa no ―alfabeto valiano‖: Boas Práticas. ―Adotar e desenvolver boas práticas globais de sustentabilidade e contribuir com sua difusão no setor‖ (VALE, 2009a, p. 2). Advirta-se que a Vale centra a questão nas práticas. Isso, obviamente ela não faz sem sapiência; ao centrarmos a discussão apenas nas práticas excetuamos a teoria que, de uma forma ou de outra, exerce pesada influência sobre as práticas. É como centrar as análises apenas nos efeitos e não nas causas. Um bom exemplo disso é o efeito estufa, em cuja discussão se concentram os esforços no efeito, e não nas causas que originaram o efeito. Boas práticas... Talvez as práticas da Vale no Canadá não sejam tão boas assim. Desde julho do ano passado (2009) o USW (United Steelworkers - o sindicato dos mineiros) com cerca de 3.500 trabalhadores está em greve em virtude da Vale, alegando a crise econômica mundial, querer extinguir direitos trabalhistas dos canadenses. Cabe destacar que: Logo após o começo da greve, a Vale trouxe para Sudbury uma empresa de ‗segurança‘ chamada AFI, que intimidou e assediou os trabalhadores sindicalizados da seção local 6500 do USW. A Vale tentou limitar o direito do sindicato de montar e manter piquetes. Ela está processando o sindicato e sua liderança, buscando indenizações milionárias, e lançando mão de uma tática sem precedentes: processar membros do sindicato individualmente. A Vale anunciou que operará as minas e usinas de processamento com ―trabalhadores substitutos‖, isto é, com fura-greves! Seria a primeira vez desde a formação do sindicato em Sudbury que a direção da empresa tenta produzir durante um conflito trabalhista. A Vale inclusive já demitiu alguns grevistas e deixou bem claro que estes funcionários nunca voltarão a trabalhar lá (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 105-106, grifos nossos) Esta política agressiva e anti-sindical da Valetrouxe conseqüências não apenas no que tange ao aspecto trabalhista, mas também na perspectiva ambiental. A mineradora Inco, que foi comprada pela Vale em 2006, e que originou a segunda maior produtora de níquel do mundo, também não adotou boas práticas globais de sustentabilidade... 109 O descaso da Vale Inco quanto ao cumprimento de exigências e condicionantes referentes aos direitos humanos teve seu auge em 2006 quando ela acabou sendo retirada do índice FTSE4GOOD (índice internacional de empresas com as melhores práticas de desenvolvimento sustentável). A companhia foi muito criticada pela poluição que causava e pela forma como tratava as populações indígenas e os trabalhadores. Residentes de Port Colborne, na província de Ontário, Canadá, afetados pela refinaria de níquel da Vale Inco, estão atualmente processando a empresa na maior ação judicial coletiva por danos ambientais na história do Canadá (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 120, grifos nossos). A letra A também se repete no ―alfabeto valiano‖. Aqui ela denota: atuação local, visão global. ―Manter uma visão global de sustentabilidade alinhada com padrões de desempenho internacionais, e atuar localmente, garantindo a adaptação e o respeito às culturas e realidades locais‖ (VALE, 2009a, p. 2). É complicado pensar globalmente, até porque a globalização em si, não é global. Pensar de maneira mundial ou global é pensar como os príncipes da globalização, Estados e Empresas ocidentais que impõem um pensamento único/global dificultando alternativas regionais e locais que não condizem com a realidade; é uma verdadeira ocidentalização/estadunidização do mundo. Logo, se pensamos globalmente nossas práticas também serão influenciadas por essa visão única, global. Não esqueçamos que os grandes defensores do des-envolvimento sustentável são atores globais: Estados-Nações, europeus norte - ocidentais, empresas multinacionais (como a Vale) e ONG de alcance internacional. Então, se pensar globalmente é pensar unicamente, excetuando outras matrizes de racionalidade, como refletir acerca das culturas e realidades locais, haja vista desenvolvimento significa retirar a autonomia das culturas com seu espaço, da população com seu território/lugar? Talvez se deva pensar em outra globalização: uma globalização que não exclua a dimensão local ou a reduza à dimensão econômica para globalizar sob a égide de uma matriz cultural (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR, 2010a). O lugar, portanto, afirma-se em contraposição ao espaço global; quiçá devêssemos mesmo abdicar de falar em globalização: isso porque este fenômeno, gestado no capitalismo e na modernidade, tende a reproduzir os seus preceptores, ou seja, a globalização é capitalcêntrica (ESCOBAR, 2005b). Se o hipocentro do capitalismo é a globalização, o epicentro da globalização é o desenvolvimento. Com efeito, são abalados (economias camponesas), às vezes até destruídos (economias socialistas), qualquer tipo, modelo ou possibilidade de desenvolvimento não capitalista. Superar a globalização, a modernidade, o capitalismo, em uma palavra, o capitalcentrismo, é um passo gigantesco na mudança de mentalidade e de habitus que ensejam racionalidades alternativas. Como diria Escobar (2005b) ―o lugar - como cultura local - pode ser considerado ―o outro‖ da globalização‖. O referido autor propõe, de certa forma, uma centralidade do lugar, haja vista isso possibilita 110 pensar de maneira distinta da perspectiva global, o meio ambiente, a cultura, a própria globalização, o capitalismo e a modernidade. Por fim, a última letra da ―Agente global de sustentabilidade‖ volta a ser a letra L que significa: Legado para Gerações Futuras. Como não poderia deixar de ser ela termina com um som esperançoso, como é a sonoridade do desenvolvimento sustentável. Trabalhar de forma articulada para contribuir com a construção de um legado positivo para as gerações futuras. Equilibrar os aspectos sociais, ambientais e econômicos dos nossos negócios de forma a gerar valor de longo prazo para acionistas, empregados, comunidades e governos nos países onde atuamos (VALE, 2009a, p. 2). É interessante perceber como os agentes do capital, falam em gerações do futuro, mas na verdade sua preocupação e suas ações refletem apenas o aqui e o agora. O ano de 2008 foi um ano de crise econômica, um período de turbulência no mercado financeiro mundial desencadeado pela crise imobiliária estadunidense, acarretando uma diminuição no ritmo econômico nos mais variados setores. ―O segmento mínero-metalúrgico demonstra diminuição dos investimentos e retração de pessoal. Notícias de demissões e férias coletivas já aparecem na Imprensa relacionadas às operações da VALE e da Alumar‖ (IMESC, 2008b, p.28), ―que não pensaram duas vezes‖ em demitir seus ―peões‖. Todavia, a receita bruta da Vale no referido ano alcançou ―US$ 38,5 bilhões, valor 16,3% superior ao registrado no ano anterior, enquanto o lucro líquido foi de US$ 13,2 bilhões‖ (VALE, 2009c, p. 5). Diante desse cenário, a Vale agiu proativamente, realizando cortes na produção, prioritariamente em unidades operacionais de alto custo, e implementando novas prioridades estratégicas, tais como minimização de custos, flexibilidade operacional e financeira e combinação entre preservação de caixa e busca por rentáveis opções de crescimento‖ (VALE, 2009c, p. 6). Sendo assim, o que explica tal empresa demitir mais de 2 mil trabalhadores diretos72 e 12 mil terceirizados de um total de 120 mil trabalhadores em todo o mundo, sendo a metade terceirizada73, já que o lucro líquido fora de US$13,2 bilhões? O fazer e o falar estão cada vez mais longe um do outro, e isso é uma estratégia discursiva. A herança da Vale em território maranhense, seria esse um legado positivo? Um legado de submoradia, deficiência de saneamento básico e poluição atmosférica. Equilíbrio socioambiental e equilíbrio 72 http://www.dgabc.com.br/default.asp?pt=secao&pg=detalhe&c=3&id=1685650 acesso em 27 de dezembro de 2009. 73 http://www.andes.org.br/imprensa/ultimas/contatoview.asp?key=5809 acesso em 27 de dezembro de 2009. 111 crematístico, juntos, é pura fantasia nesse modelo de racionalidade, uma vez que a racionalidade nem econômica é, pois não cuida do aprovisionamento material da casa familiar; a racionalidade é crematística, ou seja, estuda a formação dos preços de mercado, para ganhar dinheiro. O valor da Vale é constituído ou convertido em valor de troca como já salientamos (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR, 2010a). 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS: Do Campo Discursivo ao Habitus Ecológico: Responsabilidade Social Empresarial e Marketing ambiental A compreensão dos processos que resultam das iniciativas de apropriação do discurso contemporâneo, tanto da responsabilidade socioambiental, quanto do desenvolvimento sustentável, solicita empenho total para se avaliar os desdobramentos do Programa Grande Carajás (VALVERDE, 1989), que tinha no Estado Federal o verdadeiro motor do surto desenvolvimentista (PORTO-GONÇALVES, 2005), pois era este quem financiava a exploração dos recursos naturais (sociais). Neste momento relacionamos modernidade, progresso74 e desenvolvimento, no qual operamos com a apropriação do discurso contemporâneo enquanto mecanismo de legitimidade de atuação. Isso nos sugere que trilhemos o caminho de ir do campo econômico (principalmente) ao habitus ambiental. Muitos autores já questionaram as ações empreendidas pela VALE em âmbito federal (GRIGATO; RIBEIRO, 2006; XAVIER et al., 2008; FERREIRA, 2006), bem como as conseqüências socioambientais no Maranhão e em São Luís (FEITOSA; TROVÃO, 2006; ALVES; SANT‘ANA JÚNIOR; MENDONÇA, 2007; ZAGALLO, 2010). Como é conhecido dos estudiosos do Maranhão, é a partir da segunda metade da década de 1970 que se iniciou no referido Estado o período dos grandes projetos75 de 74 A noção de progresso corresponde a um crescimento econômico infinito e à prosperidade, através, entre outros, do uso ilimitado de recursos naturais (COSTA, 2008. p. 89). 75 A governamentalidade dos grandes projetos situa-se na relação entre o local e o global: a exploração dos recursos naturais locais transformando-os em recursos sociais globais, o que evidencia a divisão internacional do trabalho, no qual o Brasil entra como colônia/periferia e o capital internacional como metrópole/centro. A função dos grandes projetos é ―ancorar o progresso e a modernidade, levar a urbanização e a cidadania‖; e isso à época passava prioritariamente pelas mãos do Estado Federal que garantia entre outras coisas a infraestrutura, comunicação e o baixo preço pago por energia elétrica, como condição de competitividade frente ao mercado mundial. ‖Os grande projetos, no entanto, estão estruturalmente ligados à divisão internacional do trabalho e se mantêm até hoje na Amazônia. A energia elétrica de Tucuruí continua com preços subsidiados para as empresas que exploram bauxita em Oriximiná, Barcarena e São Luís e para a vale do Rio Doce, com suas exportações de ferro do Programa Grande Carajás. [...] O que se esconde no lingote de alumínio, ou no ferro exportado pela Vale do Rio Doce, é a energia de Tucuruí, por exemplo‖ (PORTO-GONÇALVES, 2005, p. 117-118). 112 desenvolvimento que acabarão por delinear as diretrizes sociais e econômicas da unidade federativa, promovendo a incursão da economia maranhense na dinâmica nacional. Os grandes projetos foram desenhados a partir do II PND (Governo Geisel, 19741978), sob a bandeira do Projeto Grande Carajás, com a instalação da Companhia Vale do Rio Doce na Ilha do Maranhão, o aproveitamento da estrada de ferro existente e a instalação da Alumar (consórcio multinacional voltado à produção e exportação de alumínio em lingotes), além da expansão, com incentivos e subsídios federais e estaduais de projetos agroindustriais tais como eucalipto e bambu para celulose, pecuária bovina, cana de açúcar e álcool (HOLANDA, 2008, p.12). Quando a antiga Companhia Vale do Rio Doce instalou-se no Maranhão, mais precisamente em 1974, o Governo do Maranhão entregou terras próximas ao porto do Itaqui e do Anjo da Guarda para a referida empresa. O resultado foi que, apesar das indenizações recebidas pelas famílias, os problemas ambientais e sociais se multiplicaram. Contudo, naquela época havia certa ―pressão social‖, a opinião pública manifestava-se prontamente contra possíveis atentados ao ambiente e à sociedade. Hoje... A poluição proveniente da CVRD, já não é pauta freqüente dos jornais da cidade como era no final dos anos 80 e início dos 90. Pelo contrário, atualmente, a empresa é pautada por suas ações de responsabilidade social e empresarial. A sociedade já não se mobiliza, exigindo critérios mais rígidos para promover o aperfeiçoamento e melhorias contínuas ambientais (GRIGATO; RIBEIRO, 2006, p. 16). Mas, por que não se denunciam com tanta freqüência as atividades poluidoras da Vale nos jornais? Por acaso ela deixara de poluir? Seria ela verdadeiramente uma empresa responsável socialmente e ambientalmente? Se ela for responsável, onde a população enxerga essas ações? No transporte de passageiros cujo número vem caindo ao longo dos anos? Contudo, o que os veículos de comunicação noticiam é o seguinte: ―Em 1997 a Companhia Vale do Rio Doce, através da Superintendência de Tecnologia-SUTEC, recebeu o certificado do ISO 14001, norma internacional que especifica os requisitos do Sistema de Gestão da Qualidade Ambiental‖ (BARBOSA, 2002, p.37). Sim, poucos são aqueles que denunciam que a partir da implantação da Ferrovia Carajás-São Luís (CARNEIRO, 1997), há a expulsão do pequeno produtor e de sua família da roça, que os projetos agropecuários ocupam as terras devolutas e reservas indígenas; naturalizou-se o subemprego, a peonagem, a humilhação social, o inchaço das cidades, a periferização, tudo isso em prol do desenvolvimento econômico que, por diversas vezes, causa determinados prejuízos ambientais e sociais e nos fazem questionar: responsabilidade de quem? Responsabilidade para quem? O que está sendo desenvolvido? Quem está desenvolvendo? Não estaria a Vale utilizando a sua afamada política ambiental de 113 responsabilidade social apenas como mais uma vantagem para a obtenção de lucro e legitimação? Nos termos discutidos, é grande a contribuição de Arturo Escobar (2005b): este autor tem proposto que existem diferentes práticas ecológicas que se fundamentam categoricamente sobre o conhecimento da Natureza. Sendo assim, ―competem pela mesma Natureza‖: camponeses, indígenas e empresários. A competição deve ser posta entre aspas haja vista que tanto camponeses, quanto indígenas, não possuem uma visão essencialista da Natureza, tampouco uma visão mercantilizada, pelo contrário: estas comunidades ―constroem‖ a natureza de maneira diferente da capitalista76 (ESCOBAR, 2005a). A associação e visão de que a Natureza é uma dimensão exterior e separada do Homem e que por isso deve ser dominada e pode ser posta a venda no mercado, aproxima-se da governamentalidade do Estado e, principalmente, da lógica das empresas: é uma ―construção‖ da natureza a partir do capitalismo e da modernidade. A natureza é produzida como mercadoria e mediatizada pelo trabalho (ESCOBAR, 2005a). Assim, o ―desenvolvimento‖ que a Vale traz para a região maranhense alicerça-se nesse pensamento hegemônico fruto da racionalidade capitalista que, por si mesma, desencadeia conflitos ambientais e tenta legitimar práticas de (in)sustentabilidade. Inegavelmente a grande contribuição do crescimento econômico do Maranhão adveio ―da indústria extrativa mineral (15,9% a.a.) e da construção civil (14,6% a.a.), refletindo a forte concentração de investimentos públicos e privados envolvidos na instalação dos grandes projetos Companhia Vale do Rio Doce e Alumar‖ (HOLANDA, 2008, p. 15). No entanto, a verdade é que quando um grande projeto de desenvolvimento (indústrias principalmente) se instala em um determinado lugar, profundas mudanças estruturais são processadas, tais como: mudanças na articulação e apropriação do território, reorganização da economia e crescimento urbano desordenado. Isso implica em impactos negativos diretos, a saber: desflorestamento, desrespeito às diferenças sociais e ecológicas, "economia de enclave77", desterritorialização, inchaço populacional, problemas ambientais, sobrecarga da rede urbana, favelas, conflitos de terra (como é o caso dos indígenas) e conflitos sociais e ambientais. O ciclo se torna então vicioso, pois com o acréscimo e diversificação da população, bem como o aumento da industrialização e consequentemente da urbanização, ocorre um aumento da produção 76 Arturo Escobar (2005a) tem proposto a existência de três regimes de natureza: orgânico, capitalista e tecno. Estes três regimes se inter-relacionam e se coproduzem, o que significa dizer que a natureza é produzida diferencialmente, por produtores diferentes. 77 Um empreendimento de enclave é aquele que não dinamiza economicamente a localidade no qual se situa. 114 mineral, brota um mercado ―verde‖ e fundam-se políticas de gestão ambiental (BECKER, 2002, apud IPEA, 2005). Entretanto, mais projetos de ―desenvolvimento‖ capitaneados pela Vale estão planejados para a Ilha do Maranhão, como é o caso da Produção de Minério de Ferro e Píer 4 de Itaqui, no período de 2008, tendo um investimento estimado em R$ 12.800.000,00. Cabe citar também a Companhia Siderúrgica do Mearim, que está planejada para o período de 2008-2011, e se localizará Bacabeira, município localizado a 40 Km de São Luís, e cuja atividade combina capital misto de duas empresas: a Vale e a Baosteel; o Investimento é de R$ 5.000.000,00. Enquadram-se também atividades de mineração e logística a começar a partir de 2009 com um investimento estimado de R$ 1.000.000,00. Isso significa a possibilidade real de mais impactos, mais conflitos sociais e maior consumo de energia elétrica78 (IMESC, 2008c). No seu Código de Conduta Ética, a Vale informa alguns pontos importantes como: ―Alcançar os seus objetivos empresariais com responsabilidade social79 corporativa e valorizar seus empregados, preservando o meio ambiente e contribuindo para o desenvolvimento das comunidades em que atua‖ (VALE, 2009a, p.06). Nessa citação acima, fica clara a constatação do campo discursivo: o espaço simbólico no qual os mais variados agentes sociais (empresa, comunidade, por exemplo) lutam para validar, determinar e, sobretudo, legitimar seus discursos de dominação. Quando a Vale aponta que anseia alcançar seus objetivos empresariais com responsabilidade socioambiental, ela age no campo ambiental e ocupa uma posição no interior desse campo se relacionando com outros agentes sociais, como é o caso do Estado. Ora, mas se o campo ambiental nada mais é do que um sistema de articulações de estruturas (sociais, culturais, econômicas, jurídicas, etc.), isso significa que, parafraseando Bourdieu (2004), outra noção extremamente importante na análise esteja afinada com a noção de campo: o habitus: ―O habitus é um sistema de disposições adquiridas na relação com um 78 Juntas, Vale e ALUMAR respondem pelo consumo de 88% de energia industrial (Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos, 2008c). O que indigna é o fato de a população, de uma maneira geral, indústrias e comerciantes, pagarem por 100 kWh cerca de R$45,00. Enquanto a Vale paga, pelos mesmos 100kwh, a bagatela de R$5,00. 79 Abandonar a retórica, e adotar uma política efetiva de responsabilidade social, pode se tornar uma vantagem competitiva para a empresa. Para demonstrar essa tese, Michael Porter e Mark Kramer (2005), publicaram um artigo, em 1998, intitulado ―A Vantagem Competitiva da Filantropia Corporativa‖, no qual questionam se uma empresa deve fazer filantropia. Segundo os autores, a polêmica em relação à filantropia foi aberta no início dos anos 1970 com um artigo de Milton Friedman advogando que a única ―responsabilidade social de uma empresa‖ é ―ampliar seus lucros‖. O argumento de Friedman pressupõe que os objetivos sociais e econômicos são separados e distintos, e que os gastos sociais sacrificam os resultados econômicos (GRIGATO; RIBEIRO, 2006. p. 10). 115 determinado campo [...] é ao mesmo tempo um sistema de esquemas de produção de práticas e um sistema de esquemas de percepção e apreciação das práticas‖ (BOURDIEU, 2004, pp. 130 e 158). Nesse contexto, se deve haver consonância entre o campo e o habitus, a resposta habitual da Vale às exigências do campo ambiental é mostrar quais são suas práticas de desenvolvimento sustentável, como o reflorestamento e a própria criação do Parque Botânico em São Luís (para percepção e apreciação das práticas...). Por isso, a empresa aponta como conduta desejada: ―Comprometer-se com a preservação do meio ambiente e a obediência à legislação ambiental, agir com responsabilidade social e respeito à dignidade humana‖ (VALE, 2009a, p. 08). Como se vê, as noções de campo e habitus permitem compreender como funcionam as relações entre ambas, bem como fornece suporte epistemológico e sociológico para que não seja tomado como evidente tudo aquilo que aparece de prontidão. Mas o que faz com que o aparente seja tomado como o essencial? O que faz com que a Vale seja titulada enquanto empresa que promove o desenvolvimento sustentável? A resposta é dada por um dueto que se completa na tessitura da discussão: o discurso e a tecnologia80 de internalização do discurso, o marketing. Primeiro, faz-se um esforço de tentar articular as noções de Bourdieu, campo e habitus, com a concepção de discurso/formação discursiva de Foucault. Esse esforço admite que se manuseiem as relações existentes na questão ambiental: disposições, estruturas, práticas, fundamentos, condutas, agentes e circunstâncias. Diferentemente dos conceitos mais basilares do desenvolvimento, arrisca-se a dizer ideologia e poder, o conceito de discurso é poucas vezes observado nas análises geográficas. Talvez porque os estudiosos que fazem esta ciência concebam o discurso como algo meramente abstrato. Então, é preciso buscar nas leituras extra-geográficas, principalmente na Filosofia, as dimensões dialética, material e histórica da construção discursiva. Dessa forma, poderá visualizar-se o que está por trás do discurso modernista/progressista81 da Vale de 80 ―Na definição de Mauss (1948, p. 73, tradução minha), ‗tecnologia é o conjunto de atos, organizados ou tradicionais, que concorre para a obtenção de um fim puramente material – físico, químico ou orgânico‘‖ (ACSELRAD, 2006, 132). 81 ―Modernizar‖ e ―levar progresso‖ nada mais é do que colonizar. Recuemos na história: a modernidade nasce com Descartes, mas também com a colonialidade baseada no comércio triangular entre Europa, América e África; por isso a matriz epistêmica colonizadora e eurocêntrica justifica a dominação perante as outras culturas, por se auto-intitular progressista e moderna. Para mais informações recomenda-se a leitura de Lander (2005), bem como, Haesbaert e Porto-Gonçalves (2006), especialmente o primeiro capítulo: A constituição do sistemamundo moderno-colonial. 116 responsabilidade socioambiental acerca dos projetos de desenvolvimento no Maranhão, nos quais a referida empresa está inserida diretamente, principalmente na capital do dito Estado. De início, cabe apresentar que o discurso é uma categoria, assim como ideologia, hegemonia, poder e governamentalidade. Isso não quer dizer que a categoria está presa à ideia e longe de suas bases materiais: apenas propõe-se que o discurso seja analisado no seio de um processo de formação que tem sua concepção histórica atrelada à dialética sujeito/objeto, bem como teoria/prática. ―O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar‖ (FOUCAULT, 2009b, p. 10). Implica então dizer que ao passo que os homens constroem seus discursos, os discursos constroem também os homens. A categoria discurso é histórica, não uma verdade eterna: ela está imbricada pelo poder; um poder coercitivo e dominador que, levando-se em consideração a questão ambiental, aponta o que é verdadeiramente sustentável e o que não é. ―Foucault alegava ter descoberto um tipo de função linguística previamente pouco notado, o ato sério de discurso‖ (PEET, 2007, p.27). Isso significa que existe no seio do discurso, uma dimensão de validação científica que justifica a aceitação perante um determinado grupo social. Como diz Bourdieu (2004, p.46): ―o campo científico é um jogo em que é preciso munir-se de razão para ganhar‖. A construção do discurso é reflexo da materialidade histórica e de seus desdobramentos simbólicos. Por exemplo: a construção do discurso ambiental atende a uma necessidade de se validar práticas tidas como sustentavelmente desenvolvidas e, sendo assim, permitem que os atores que se apropriam do discurso possam entrar em conflito buscando a legitimidade. Por isso, Peet (2007, p. 27) vai dizer que: Atos sérios de discurso, para Foucault, exibem regularidades como ‗formações discursivas‘ com sistemas internos de regras que determinam quais declarações são levadas a sério, e quais objetos incluídos em discussões são considerados importantes ou responsáveis. Diretamente atrelado aos conceitos de ideologia e hegemonia, o discurso vai além das orações conexas e ordenadas proferidas a um determinado público: é a reflexão da ideologia, um instrumento ideológico e um recurso de dominação, que implica no questionamento do ―quem‖, do ―o que‖ e do ―da onde‖. Por isso, Foucault (2009b, p. 8-9) supôs que Em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade. 117 O discurso transforma-se em um instrumento de/do poder dentro da discutível neutralidade científica visando assim convencer determinados setores sociais de que, por exemplo, determinado projeto de desenvolvimento é benéfico para a população. Notadamente, a linguagem do discurso vai depender do público-alvo: ―mais senso-comum‖ para populações desprovidas de conhecimento técnico; e um discurso técnico-científico para setores da população que dominam o linguajar homônimo. Mas um objetivo parece ser unânime: a internalização do discurso. Sim, para que um determinado projeto de desenvolvimento obtenha êxito é necessário a internalização do discurso; internalização essa que produz mentalidades ao passo que essas novas mentalidades produzem novos discursos para serem internalizados. Essa dialética pode ser exemplificada: o discurso de responsabilidade ambiental da Vale é calcado no desenvolvimento sustentável. Todavia, apenas dizer isso não faria com que a referida empresa obtivesse ―êxito‖ em suas empreitadas: ela precisa que o seu discurso seja internalizado pelos mais diferentes atores sociais (técnicos, cientistas, governantes, universitários etc.). Um dos mecanismos dessa internalização é a construção de uma imagem perante a sociedade daquilo que ela visa ser reconhecida: empresa socialmente responsável para com o ambiente. Para tanto é preciso que haja ―tecnologias de internalização‖ que possam captar as significações que um determinado contexto histórico-social/econômico-ambiental, especialmente, o já saturado desenvolvimento sustentável. Sendo assim, o marketing ambiental ―cai como uma luva‖ uma vez que permite certa ―panificação da consciência coletiva‖, haja vista institui de forma violenta (simbolicamente, é claro) seus valores e propósitos. Com efeito, o tipo simbólico da violência é o mais agressivo, pois injeta na mente coletiva a imagem que quer ser passada pelo grupo que nos fala. O senso crítico é ferido porque ao se internalizar o discurso, por meio das tecnologias de internalização, como é o caso do marketing, a população acaba por ser cooptada pela aparência imediata, retroalimentado assim a habilidade que o marketing tem de iludir. Logo: discursos podem ser como mercadorias - pensados para vender (PEET, 2007, p. 31, os grifos são meus). Todo o discurso de responsabilidade socioambiental da Vale está alicerçado no marketing ambiental. O marketing ambiental considera toda uma gama de operações que vão desde a planificação até a venda do produto ou da ideia do produto, no caso específico, da ideia de responsabilidade socioambiental. É uma prática eminentemente mercadológica, pois acaba por vender uma imagem, ou seja, uma ideia que, por si só, não reverte exclusão social. 118 A grande saída adotada por grandes empresas para atender os preceitos do desenvolvimento sustentável e, assim, adotar uma postura do ―ecologicamente correto‖ é o marketing. O marketing é estratégico, pois permite que a reputação da empresa seja melhorada, bem como permite vender emprego, renda e o próprio desenvolvimento. A inserção de capital na imagem da empresa ilude, de forma satisfatória, certos segmentos da sociedade que não percebem a incompatibilidade existente entre a ação das empresas e o discurso promovido pelas mesmas. A aplicação dos conceitos Gestão Ambiental aparece no mundo de hoje mais do que como um forte apelo de marketing, mas como questão competitiva e de sobrevivência. O desafio para empresas petrolíferas, mineradoras, hidrelétricas e extrativistas em geral é conseguir conciliar desenvolvimento sustentável com a obtenção do lucro operacional. A polêmica surge ao discutir-se se é realmente possível atingir esse objetivo (XAVIER et al., 2008, p. 03) Uma das estratégias de marketing ambiental é a política de responsabilidade social empresarial – RSE, que está sendo propagada pelas empresas e provocando uma mudança no eixo de condução da política ambiental, com o enfraquecimento do Estado e o fortalecimento das corporações (GRIGATO; RIBEIRO, 2006). A temática da Responsabilidade Social Empresarial se estende desde a dimensão social, como a relação empresa-trabalhadores, até a preocupação com a crise ambiental via o ―consumo sustentável‖. Um parêntese aqui deve ser estabelecido: deve se ter cuidado para não cair nas insídias do capitalismo. Já criticamos que a sustentabilidade buscada pelo capitalismo é apenas a sustentabilidade de suas relações comercias e mercantis. Portanto, a sustentabilidade não está associada ao equilíbrio ecológico. Sendo assim, por mais que o documento do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), aqui referido, faça menção a um consumo sustentável, é preciso clarificar que o sistema capitalista, no qual a própria responsabilidade social empresarial está incrustada, apenas respeita direitos sociais, humanos e dos consumidores, na medida em que esses direitos se transformem e um potencial capitalístico e que, assim possa reproduzir as relações capitalistas. Logo, a inclusão social e a desigualdade, que a Responsabilidade Social Empresarial prega, somente pode ser alcançada via superação do capitalismo e da alienação que ele promove das relações capital-trabalho. Do contrário, por mais que se escolham empresas ditas responsáveis ecologicamente, socialmente e outros ―mentes‖, nossas atitudes estarão escotomizadas pelo signo do capital. 119 Em todo caso, o guia de responsabilidade social para o consumidor, publicado pelo IDEC (2004, p. 4), nos fornece uma conceituação sobre a Responsabilidade Social Empresarial: A responsabilidade social é uma postura ética permanente das empresas no mercado de consumo e na sociedade. Muito mais que ações sociais e filantropia, a responsabilidade social, no nosso entendimento, deve ser o pressuposto e a base da atividade empresarial e do consumo. Engloba a preocupação e o compromisso com os impactos causados aos consumidores, meio ambiente e trabalhadores; os valores professados na ação prática cotidiana no mercado de consumo – refletida na publicidade e nos produtos e serviços oferecidos –; a postura da empresa em busca de soluções para eventuais problemas; e, ainda, a transparência nas relações com os envolvidos nas suas atividades. Como a Vale, ao longo do tempo, sempre fora alvo de inúmeras pressões por órgãos públicos e pela sociedade civil pelo modo com que conduzia o seu trabalho de exploração econômica, adotou como medida paliativa para esta situação que ―manchava‖, de certa forma, a sua ―imagem‖, ―o Código de Ética com o objetivo de orientar ‗seus negócios por um conjunto de valores que observam os mais elevados padrões éticos e morais‘ tendo como um dos princípios fundamentais agir com responsabilidade social e com respeito ao meio ambiente‖ (GRIGATO; RIBEIRO, 2006, p. 12). Atualmente podemos distinguir pelo menos quatro visões diferentes do que seja responsabilidade social empresarial (RSE). A primeira está relacionada à idéia de que os objetivos primordiais de uma empresa resumem-se em gerar lucro a seus investidores, pagar impostos e cumprir a legislação. A segunda visão incorpora a esses objetivos ações filantrópicas, como ajuda financeira a creches, orfanatos e programas sociais. Outro modo de ver a RSE é como uma estratégia de negócios, na qual as ações de responsabilidade são um instrumento para conferir um diferencial para seus produtos e serviços. Assim, a empresa conseguiria atrair e manter melhores empregados, além de acrescentar valor à sua imagem. Por fim, na quarta visão a RSE é vista como parte da cultura organizacional, de forma a produzir riquezas e desenvolvimento que beneficiem a todos os envolvidos em suas atividades – trabalhadores, consumidores, meio ambiente e comunidade. Essa visão inclui a promoção, pela empresa, dos seus valores éticos e responsáveis na sua cadeia de fornecedores e nos mercados onde atua. Para o Idec, esta é a visão de RSE que mais corresponde aos anseios dos consumidores e da sociedade de forma geral, por ser mais abrangente. No caso da Vale, pode-se dizer que ela tem uma mescla da segunda visão e terceira visão. Consoante a segunda visão, ela incorpora enxerga a responsabilidade social empresarial via a Fundação Vale que organiza e planeja os programas e ações sociais. Pari passu, a terceira visão também caracteriza a empresa: A propaganda da Vale nos lembra todos os dias que ela é brasileira e que trabalha com ―paixão‖ para promover o ―desenvolvimento sustentável‖ internacionalmente e para garantir um futuro para nossas crianças. Nesse sentido a Responsabilidade Social Empresarial se transforma em uma estratégia e numa plataforma de 120 negócios para vender seus produtos e serviços em nível mundial, acrescentando valor a sua imagem. Essa mudança de postura, não observável anteriormente aos anos 1990, e consequentemente da privatização da companhia, em pleno mercado fortemente competitivo, é reflexo da projeção da imagem que a companhia auferiu: a publicidade negativa de um acontecimento (um acidente, uma morte, etc.) com certeza converte-se em uma infensa à imagem de empresa socioambientalmente responsável. A Fundação Vale realiza Diagnósticos Integrados em Socioeconomia, amplos estudos que reúnem informações de cada território e que permitem identificar as necessidades e potencialidades específicas de cada um. Estes estudos servem como base para a elaboração dos Planos de Gestão dos Investimentos Sociais (PGIS), com focos nas seguintes áreas de atuação: infraestrutura, apoio a Gestão Pública e des-envolvimento humano e econômico. Em São Luís, segundo o folder institucional (VALE, 2010b), a Fundação Vale oferece os seguintes programas: Estação Conhecimento: As Estações Conhecimento são Núcleos de Desenvolvimento Humano e Econômico idealizados pela Fundação Vale que seguem o modelo rural ou urbano. Seu objetivo é contribuir para a melhoria da qualidade de vida e o desenvolvimento integrado e sustentável das comunidades. Os núcleos são organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP), viabilizadas por meio de parcerias locais com o poder público e entidades da sociedade civil organizada. As Estações Conhecimento têm como público prioritário crianças e jovens. A intenção é promover ações integradas, de longo prazo, que contribuam para o desenvolvimento integral da pessoa, a fim de possibilitar que os jovens tenham autonomia e condições de conquistar seus sonhos. Nos núcleos, os participantes são estimulados em práticas esportivas (natação, atletismo, judô e futebol), em atividades culturais, no convívio social e no empreendedorismo. Vale Alfabetizar: Contribui para a estruturação da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Capacita o alfabetizador, alfabetiza jovens e adultos e promove o fluxo constante de novos alunos às salas de aula. Ação saúde: Colabora para a melhoria da saúde coletiva e da família, priorizando a saúde materno-infantil. Promove a formação de células ativas, compostas por profissionais de saúde, educadores, lideranças comunitárias e, principalmente, mulheres e jovens, com vistas à redução da morbidade e mortalidade infantil. Novas alianças: Colabora no fortalecimento da gestão pública, por meio da estruturação de conselhos voltados ao Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do 121 Adolescente. Contribui para a gestão das políticas da infância, a partir da incidência no orçamento público, e para a conexão entre redes e organizações. Voluntários Vale: Estimula a cultura de voluntariado dentro da Vale, fortalecendo o diálogo social e contribuindo para o desenvolvimento dos territórios onde a empresa atua. Conta com a participação de cerca de 4 mil pessoas, entre empregados e seus familiares, fornecedores, comunidades e parceiros locais. Conta ainda com o Dia V (FIGURA 09), que é o dia de ações voluntárias, realizado anualmente no primeiro domingo de dezembro. Conta com a participação de voluntários nas localidades onde a Vale está presente. No Dia V, são realizadas ações educacionais, culturais, de esporte, lazer e cidadania. Figura 09. Campanha da Vale sobre o Dia V. Fonte: www.vale.com Todos este programas oferecidos pela Vale situam-se estrategicamente na agenda sociopolítica da empresa, a longo prazo. Em São Luís, a Vale instalou o Parque Botânico (Bioma de Floresta Amazônica com 1,1 mil km2), trazendo consigo um plano de marketing que a qualificava como empresava responsável socioambientalmente, objetivando assim tornar visível o ―progresso‖ e a melhoria da qualidade de vida que alcançam as cidades que a tem como empresa parceira. 122 O que se observa é que essas empresas, tais como Petrobrás e Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) buscam oferecer mais do que uma Política Ambiental cuidadosamente estruturada e apostam na criação de projetos ecológicos grandiosos na tentativa de minimizar os danos causados pelas suas atividades (XAVIER et al., 2008, p. 03). Essa política de responsabilidade socioambiental da Vale configura-se então como uma ampla estratégia de marketing (FIGURA 10 E FIGURA 11) e como legitimação de suas práticas. Além do mais, essa estratégia não se resume ao Parque Botânico: patrocínios de eventos como a Feira do Livro e Via Sacra do Anjo da Guarda, criação do programa inventário dos azulejos (patrocínio e divulgação) e a utilização de espaços midiáticos como ferramenta de propaganda (178 milhões de reais gastos a cada ano - Ibope Monitor) também fazem parte do repertório da empresa. Figura 10. O trem verde da Vale tem duas conotações: o desempenho de locomotivas movidas com uma mistura de diesel comum ou biodiesel e até 70% de gás natural, mas também é uma estratégia de marketing ambiental. Figura 11. A mudança do uniforme também é uma estratégia de marketing. De fato, como protestar contra a expulsão de inúmeras famílias de suas terras, os conflitos em áreas indígenas e a poluição ambiental se a imagem que se tem da Vale é a de uma empresa que gera emprego para os que não têm, desenvolvimento para o Maranhão e, o principal, se preocupa com a comunidade e com o meio ambiente? O que se observa hoje é o detrimento do dizer em relação ao fazer: a ―verdade‖ não reside mais no que se faz, mas no que se diz (FOUCAULT, 2009b). 123 REFERÊNCIAS ACSELRAD, Henri As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In ACSELRAD, Henri (Org.). Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Heinrich Böll, 2004a. pp.13-35. ACSELRAD, Henri. Sustentabilidade e articulação territorial do Desenvolvimento brasileiro. II Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Regional, Santa Cruz do Sul, RS – Brasil - 28 setembro a 01 de outubro de 2004b. ACSELRAD, Henri. Tecnologias sociais e sistemas locais de poluição. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 12, n. 25, p. 117-138, jan./jun. 2006. ALMANAQUE ABRIL. BRASIL. São Paulo: Editora Abril, 2006, ALVARES, Claude. Ciência. In: SACHS, Wolfgang (editor). Dicionário do desenvolvimento: guia para o conhecimento como poder. Trad. Vera Lúcia M JOSCELYNE, Susana de GYALOKAY e Jaime A. CLASEN. 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