Confira aqui a entrevista na íntegra

Transcrição

Confira aqui a entrevista na íntegra
ENTREVISTA – SAMUERA LB
 Você nasceu no Brasil , mas é filho de coreanos. Você teve uma criação típica coreana?
Samuel: Sim, assim como a grande maioria dos descendentes coreanos da primeira geração, tive toda
a base de criação coreana.
 O coreano jovem que mora no Brasil (principalmente em São Paulo) é muito ligado à Igreja e a
outros grupos fechados da comunidade. Você participa destes grupos? Como estes grupos vêem o
seu envolvimento com o hip hop? Consegue conciliar?
Samuel: Realmente a grande maioria dos jovens coreanos tendem a participar e se "fechar" a grupos
religiosos e outros afins peculiares da própria comunidade, e eu, não diferentemente, tive um
envolvimento com a comunidade coreana pela parte cristã, e ainda hoje frequento a mesma igreja,
ainda que em menor freqüência e não necessariamente com o mesmo grupo de pessoas, por conta
da diferença de idéias e visão, pois desde que entrei para o meio hip-hop , ampliei meus
pensamentos e desenvolvi minhas próprias idéias e segui em frente (diferente de coreanos que são
mais conservadores). Infelizmente ainda observo que há uma parte "preconceituosa" dentro da
comunidade, em relação ao hip hop, e que acaba retraindo um pouco meu envolvimento direto com
a mesma.
A música
 Como se deu o seu envolvimento com a música? Em que momento você entrou no meio hiphop/rap ?
Samuel: Bem, tudo que eu fiz na minha vida foi-se ligando e possibilitando que eu chegasse onde eu
estou hoje. Digo que entrei no meio do hip-hop principalmente pela dança, mas se buscássemos a
origem de meu envolvimento, foi desde que aprendi a tocar violino (costume dos pais coreanos de
ensinar um instrumento clássico aos filhos(as) risadas). Aprendi a tocar aos 6 anos de idade e
juntamente, o piano. Esse foi o meu primeiro contato com a música clássica. Por sorte, tive 3 irmãos
mais velhos que escutavam do pop ao kpop dos anos 90, e assim, acabei pegando boa parte da
cultura por meio deles.
Lembro que certo dia escutei o som do JoPD, e este foi um dos primeiros raps que escutei. Me
apaixonei pela música e fui atrás de mais, do pop ao hip-hop coreano (JoPD, H.O.T, G.O.D, Honey
Family, DJ DOC, DEUX, SechsKies, YG Family, S.E.S, COOL, Backstreet boys, N Sync). Com passar dos
anos, mais ou menos em 2002, o Break Dance estava bem famoso, lembro que fazia o download dos
videos de bboys pelo Kazaa, demorava dias (risos). Nessa mesma época, videos do "Battle of the
year" eram muito famosos, ou seja, todo mundo queria ser um bboy, era mais que normal. Se você é
um asiático aqui no Brasil, você já dançou, tentou dançar ou conhece alguém que dança break
(risos). E foi assim que ingressei no hip-hop, queria ser um bboy, xavecar umas minas, participar de
campeonatos, ficar famosinho (risos).
Bons tempos, não me arrependo. Assim que eu comecei a treinar, conheci pessoas com mais
experiência no movimento, e esse sempre foi um ponto positivo meu, a minha "teimosia", ia atrás de
tudo para conseguir encontrar os "professores" certos, e nessa busca conheci o Bboy Aranha e o
falecido Mr. Kokada, que foram os primeiros que me mostraram o que realmente é o hip-hop, me
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ensinaram de tudo (ritmos, beat, estilos, gingas, etc…). Assim, meu conhecimento sobre a música
cresceu bem rápido, passei a escutar muito old-school, boombap, etc… foi um bom tempo que durou
até 2010, mas como todos os jovens, isso passou a ser somente um hobbye momentâneo, já não tinha
um grupo, cada um tinha tomado seu rumo, e por isso, minha paixão pela dança foi se esfriando,
mas a paixão do hip-hop prevaleceu.
Certa vez, me encontrei com um conhecido, por volta de 2008, ele estava começando beatbox,
tivemos uma idéia de mesclar violino e beatbox, nada sério, queríamos ver no que dava, e por fim
acabamos aparecendo na MTV e na GNT, mas isso não durou muito tempo e cada um tomou um lado,
seguindo caminhos diferentes. Ainda sentia um vazio, queria fazer algo pra ser valorizado,
contribuir de alguma forma o movimento, sempre gostei e sempre quis mais, foi quando em 2010,
entrei na faculdade, conheci meu parceiro Guilherme Brito, popularmente conhecido como Caos
Beats, e ele foi o primeiro a me incentivar a começar fazer meus raps em português, pois antes disso
eu só fazia improvisado em coreano entre amigos mesmo, e sempre que ia para o apartamento dele
mandava algo em coreano, sim é algo diferente, mas quando ele disse a mim "Sam, você tem que
começar a fazer as rimas em português, é ‘daora’ as rimas em coreano, mas eu não entendo nada!
haha", e isso foi o gatilho para eu entender totalmente o que eu deveria fazer e qual seria a minha
contribuição.
Passei a treinar fortemente, rimar em português, e quando me perguntam o por quê? é simples, não
preciso falar de uma realidade para a "minha" comunidade se todos convivem com a mesma
realidade, preciso passar esta realidade adiante, para quem não acompanha ou convive comigo, e na
mesma época que tomei essa decisão, começaram a surgir os funks proibidos que generalizavam a
comunidade coreana de ricos e playboys, e isso foi o fator principal para que eu quisesse os
contradizer e falar mais, pois 10% da comunidade coreana é resultado de uma imigração malsucedida. Eu acompanho e conheço muitos que são parte desta minoria, foi assim que abracei o rap
como veículo de manifestação, não somente como forma de protesto, mas também para dizer: "Eu
existo e eu falo".
 Seus pais o apóiam na decisão de tentar seguir uma carreira musical? Sempre apoiaram?
Samuel: Eu acho que é bem raro os pais incentivarem os filhos(as) a seguirem uma carreira artística
em geral pelo simples fato que será uma caminhada sofrida, com poucas chances de sucesso, e não
diferentemente, meus pais também não me apoiam 100%, eles ainda levam na esportiva,
acreditando que eu esteja neste meio somente por hobbye, diversão e nada mais. O apoio deles
mesmo é me dar views, likes e mostrar aos familiares e conhecidos meus videos e sons, típico de pais
(risos).
 Você provavelmente é o único coreano do hip hop nacional. Conhece algum outro coreano ou
oriental que neste cenário como você?
Samuel: Bem, não digo que sou o único no hip-hop nacional atualmente, durante esta caminhada,
conheci mais um coreano que faz Rap, conhecido como KMK - mas cada um possui estilos e idéias
diferentes, por isso não sei dizer como ele está atualmente dentro da cena, mas acredito que haver
outros que não se revelaram ou manifestaram.
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 Quais são as suas influências musicais?
Samuel: James Brown, Michael Jackson, EMINEM, TuPAC, NAS, JIN, JAY-Z, Wu-Tang Clan, Public
Enemy, N.W.A Marcelo D2, Racionais Mc's, RZO e Sabotage.
 Suas músicas abordam uma gama de assuntos. Quais as suas inspirações na hora de escrever?
Como é o seu processo de criação?
Samuel: As inspirações vêm da própria família, vivência, cultura, educação, ideologia, leitura (...)
normalmente tento ao máximo trazer assuntos que mesclam as duas realidades(coreana e
brasileira), mas não me prendendo somente a esse conceito, procuro sempre variar no tema e
mensagem conforme o meu entendimento e conhecimento, jamais passando algo inventado ou
criado sem uma base de estudo, vivência ou experiência.
Quanto ao processo de criação, varia de cada um, no meu caso, costumo já ter uma idéia préelaborada antes da escolha do beat; após a escolha do beat, vou pro meu quarto, me "tranco", coloco
o beat e desenho várias coisas que tenham relação com a música a ser produzida, em um caderno de
desenho e quando percebo que "acalmei", me sinto mais inspirado e criativo para escrever, o que
pode ser bizarro para alguns, mas cada um tem o seu processo criativo (risos).
 Qual é a importância do DJ Caique na produção do seu som? Como vocês se conheceram?
Samuel: DJ Caique como todos sabem, já produziu grandes nomes do rap nacional e internacional e é
considerado um dos melhores produtores do rap nacional, e por isso ele teve uma grande
importância em minha caminhada. O considero como um maestro, professor e um grande amigo que
me ajudou a evoluir musicalmente e como pessoa, graças a ele pude conhecer mais do rap e do hiphop.
Nos conhecemos em um evento de Rap que aconteceu em São Paulo, a minha abordagem foi um
tanto diferente, pois já não tinha uma câmera pra tirar uma foto com ele, muito menos uma caneta
pra pegar um autógrafo, o que me restou foi trocar uma idéia com ele, ao menos não queria deixar o
dia passar em branco, chegando na conversa certa, com respeito, pude me apresentar, ele me
passou o seu contato e deixamos para o dia seguinte. No dia seguinte mandei um email a ele com
tudo, minhas idéias, meu foco e um pouco do que tinha naquele tempo, e pela minha surpresa ele
gostou e queria ver onde eu poderia chegar, ele me mandou um beat e pediu para fazer uma música
com ela, e essa foi a primeira música que registrei com minha ideologia central, "Contadores de
histórias", e foi assim que o ele passou a me conhecer e eu a o conhecer melhor. Trabalhando e
criando uma amizade, evoluí e criei um rumo certo para as minhas metas, por isso eu sou
eternamente agradecido pelo que o Caique foi é em minha caminhada.
 Como você vê o cenário hip-hop coreano? Admira algum artista?
Samuel: Atualmente não gosto tanto quanto antes do hip-hop coreano, são poucos que ainda escuto
e curto. Escuto muito mais o underground que não usa o parâmetro estético de mídia, pois o rap na
Coreia está sendo utilizado de forma totalmente abraçada ao comercial e ao kpop, perdendo a sua
identidade central em prosa ao movimento, ou seja, perdendo a base da essência hip-hop e passando
a ser mais pop, com muitas danças e ‘chicletes musicais’, e por isso, escuto um pouco de tudo e de
todos os lugares, para acompanhar a evolução de cada um. Atualmente, os coreanos nascidos em
outros países estão se destacando bastante em meio ao Rap americano, como Dumbfoundead,
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Lyricks, Manifest, JL, Awkafina, Rekstizzy e muitos outros. Admiro Tiger JK, Yoon Mi Rae (T-Tasha),
Dumbfoundead e Lyricks.
 Você se apresentou no Toronto Korean Filme Festival em 2013. Como surgiu a oportunidade? E
como foi a sua participação no festival?
Samuel: Sim tive a grande oportunidade de participar deste evento e foi o meu primeiro show
internacional. Foi uma experiência muito boa, nunca me imaginei mundo a fora colocando as minhas
idéias adiante, foi bem legal, pude ver e aprender como os MC’s se comportam e como é o mercado
fora do Brasil.
Participei deste evento através do meu parceiro JAS (Thoroughbred State), um rapper coreano que
está representando no Canadá. O conheci graças as redes sociais e consegui me encontrar com ele,
mostrei o meu trabalho, nossas idéias eram semelhantes e nesta parceria ele me convidou para
evento e fechamos o som "DESTINO" que estará no meu cd, sob a produção do DJ Caique e scratches
aos cuidados do DJ Mr Brown (DJ do Rashid).
 Qual de suas músicas você considera a mais marcante? Porque?
Samuel: A música mais marcante será a faixa "Corre Cinderella", tive um cuidado especial quanto a
ela, onde junto as duas realidades (Coreana e Brasileira) e trato a respeito de cirurgias plásticas, cujo
os dois países tem o maior índice per-capita de cirurgias. Será uma música crítica, mas com uma
mensagem de peso, e que acredito que será bom que muitos escutem e vejam o outro lado da
moeda, um ponto de vista diferente. A faixa contará com a produção e participação do próprio DJ
CAIQUE.
 Em 2014 estão previstas várias atividades coreanas no brasil (Show, programas de tv serem
gravados aqui, etc). O que você acha dessa enorme influência que a cultura coreana tem no Brasil?
Qual a sua opinião sobre a Hallyu?
Samuel: Acho muito legal ver que a Coreia está mais interativa quanto aos imigrantes no Brasil,
claro, há a relação quanto a copa mundial, mas acho legal que vários eventos estejam acontecendo,
pois faz com que a nossa cultura brasileira e coreana criem parcerias e além disso, que a cultura
coreana tenha suas raízes destacadas para que todos possam conhecer um pouco mais. Mas
novamente ressalto que a comunidade ainda falha ao interagir com os próprios da comunidade, pois
muitos desconhecem dos eventos que estão acontecendo ou estão pra acontecer, algo que a própria,
deveria expandir a informação, diversificar e abrir mais portas.
Medusa
 Como foi o processo de produção do clipe?
Samuel: O clipe na verdade tinha a previsão de ser lançado em abril, mas acabamos por ter um
grande problema com o ex-diretor que acabou perdendo as gravações do dia, ou seja, esse clipe foi
uma longa história, mas por sorte, conheci por meio do Lucas Mauá o então diretor e meu amigo
Patrick Paes e a roterista Letícia Loureiro que tiveram o carinho de se interessar pelo trabalho e
depositaram toda dedicação para que este trabalho fosse registrado. Foi quase 1 mês de produção
no total, juntamente ao primeiro que falhou. Muitas mudanças foram feitas em relação ao primeiro
roteiro e no final, foi mais do que o esperado, superou totalmente minhas expectativas, gostei muito
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do resultado e já estamos fechando os próximos que estão esperando o lançamento da mixtape.
No dia da gravação, começamos por volta das 4h30 da manhã e terminamos umas 23h00, foi um dia
bem corrido (risos).
 Como foi a escolha da atriz? Você ficou tímido ao contracenar com a ela?
Samuel: A escolha da atriz foi uma odisséia (risos), pois já tínhamos gravado com uma outra na
primeira tentativa não realizada, sendo assim não conseguimos seguir com a mesma por problemas
com a data de lançamento e passamos a procurar por outras candidatas. Foi muito difícil encontrar o
perfil que procurávamos e passamos a pedir para o nosso diretor Patrick Paes, onde por meio de seus
contatos acabamos conseguindo fechar o vídeo com a Luanna Exner. No começo foi um tanto
constrangedor contracenar com uma pessoa que você nunca viu na vida para fazer as cenas
"românticas", mas aos poucos fui a conhecendo e no final fui me soltando e tudo ficou mais fácil.
 Podemos perceber no clipe que as locações são no Bom Retiro, local símbolo da comunidade
coreana em Sampa. Teve algum motivo especial para que você escolhesse esse bairro?
Samuel: O motivo na qual escolhi o Bom Retiro foi realmente por ser um símbolo da comunidade
coreana em SP, além disso, aproveitei para utilizar a loja do meu parceiro Two Thousand a
Guadalupe Store que é referencia de artigos de hip-hop aqui em Sampa e por coincidência se localiza
no bairro, outro reflexo dessa escolha se dá também pela ligação com a minha raiz e descendência.
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