Prémios Nobel 2014

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Prémios Nobel 2014
Nobel da Medicina
recompensa três
neurocientistas pela
descoberta do “GPS” do
cérebro
Por Ana Gerschenfeld
06/10/2014 - 10:41
Por que não nos perdemos quando vamos trabalhar, ao supermercado ou à escola buscar os
miúdos? Porque temos um GPS no nosso cérebro. Os laureados do Nobel da Medicina deste
ano descobriram-no.
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John O'Keefe e o casal May-Britt e Edvard Moser são os galardoados.
O prémio Nobel da Medicina de 2014 foi atribuído esta segunda-feira a John O'Keefe, do
University College de Londres (UCL, Reino Unido) e ao casal May-Britt e Edvard Moser, da
Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia de Trondheim, pela sua descoberta “de
células que constituem um sistema de posicionamento no cérebro”, anunciou o comité do
Nobel no Instituto Karolinska, em Estocolmo (Suécia).
Mais precisamente, este “GPS interno” cerebral “permite orientarmo-nos no espaço e
demonstra a existência de uma base celular para uma função cognitiva de alto nível”, diz ainda
o comité Nobel em comunicado.
O'Keefe, que recebe metade do prémio de oito milhões de coroas suecas (cerca de 881.000
euros), tem 74 anos. Nasceu nos EUA, doutorou-se no Canadá em finais da década de 1960 e
a seguir foi trabalhar – e ainda trabalha – no UCL (é cidadão norte-americano e britânico).
Em 1971, lê-se no mesmo comunicado, descobriu que, no cérebro do rato, numa estrutura
chamada hipocampo, certas células se activavam quando o animal se encontrava numa dada
posição de uma sala e outras quando se encontrava noutras posições. O hipocam po
desempenha um papel particularmente importante na consolidação da memória e nas
capacidades de navegação no espaço circundante.
O cientista especulou então que essas células formavam um mapa cerebral interno do mundo
exterior e baptizou-as “células de posicionamento” (place cells). Tinha de facto assim
descoberto o primeiro componente de um GPS cerebral interno que, segundo se viria a saber
muito mais recentemente, também existe nos seres humanos.
Entretanto, em meados dos anos 1990, relata a revista Nature, dois jovens neurocientistas
noruegueses (nascidos no início dos anos 1960) chegaram ao laboratório de O’Keefe para
fazerem um pós-doutoramento: May-Britt e Edvard Moser, os outros dois laureados deste ano.
Depressa os Moser ficaram entusiasmados com a questão das células de posicionamento, mas
poucos meses depois tiveram de regressar à Noruega, o seu país de origem, de onde
receberam ofertas de emprego para trabalhar em Trondheim que lhes pareciam difíceis de
recusar.
Já no seu novo laboratório, os Moser começaram a analisar as ligações nervosas entre as
células de posicionamento descobertas por O’Keefe e outras células nervosas. E foi assim que,
também em experiências com ratos, encontraram, numa estrutura cerebral próxima do
hipocampo chamada córtex entorinal, certas células que se activavam quando um rato passava
numa dada posição do espaço onde se encontrava.
Para tentar perceber o que se passava, deixaram os animais circular livremente dentro de
caixas enquanto registavam, através de electrodos implantados no seu cérebro, os locais onde
se activava cada uma das células do córtex entorinal que estavam a monitorizar. Foi assim
que, em 2005, mais de 30 anos depois da descoberta inicial de O’Keefe, a dupla norueguesa
anunciou, num artigo na Nature, que esses locais de activação formavam uma grelha
hexagonal, à maneira de um favo de mel. As células do córtex entorinal, que os Moser
designaram de “células em grelha” (grid cells), constituíam assim um sistema abstracto de
coordenadas espaciais. Tinham descoberto um segundo elemento-chave do sistema cerebral
integrado de ajuda à navegação.
Os dois sistemas interagem: quando por cima desta “grelha” celular abstracta formada no
córtex entorinal se vem sobrepor o padrão de actividade das células de posicionamento do
hipocampo, isso permite ao animal saber onde estão os marcos de referência relevantes à sua
volta – “tais como uma roda de exercício ou a porta” da gaiola, lê-se ainda na Nature –,
navegar entre eles e integrá-los na sua memória para futura utilização.
“Juntamente com outras células do córtex entorinal que reconhecem a direcção da cabeça e os
limites da sala, as células [em grelha] estabelecem circuitos com as células de posicionamento
do hipocampo”, explica ainda o comunicado Nobel. “Estes circuitos constituem um sistema de
posicionamento global, um GPS interno, dentro do cérebro.”
Com já foi referido, tudo indica hoje, com base em técnicas não invasivas de visualização do
cérebro humano e em estudos de doentes submetidos a neurocirurgias, que os mesmos
elementos do GPS cerebral existem no hipocampo e no córtex entorinal dos seres humanos. E
nos doentes com Alzheimer, que frequentemente perdem o sentido da orientação e deixam de
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reconhecer mesmo os sítios mais familiares, sabe-se que os neurónios de precisamente
aquelas duas estruturas cerebrais estão entre os primeiros a ser afectados.
“A compreensão deste sistema de posicionamento global do cérebro poderá portanto ajudar a
perceber o mecanismo subjacente à devastadora perda de memória espacial que afect a as
pessoas que padecem a doença de Alzheimer”, salienta o comunicado Nobel.
“Ainda estou em choque. Isto é tão fantástico”, disse May -Britt Moser quando recebeu, pelo
telefone, a notícia oficial na segunda-feira de manhã. O seu marido Edvard só viria a sabê-lo
umas horas mais tarde, ao desembarcar de um avião em Munique.
O’Keefe, citado pela agência Reuters, ficou muito surpreendido de receber o Nobel, em
particular depois de aquilo que descreveu como uma “juventude multifacetada”, durante a qual
passou dos estudos clássicos para a aeronáutica antes de enveredar pela filosofia e a
psicologia.
http://www.publico.pt/n1671990
Nobel da Física de
2014 atribuído pela
invenção das
lâmpadas LED
TERESA FIRMINO
07/10/2014 - 10:57
(actualizado às 11:41)
Emissão eficiente de luz azul é o avanço científico premiado deste ano.
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Estão por todo o lado — nos comandos dos televisores, nos semáforos, nos
faróis dos carros, nos flashes das câmaras fotográficas e cada vez mais nos
candeeiros das nossas casas e na iluminação das ruas. Na base de muitas destas
formas de iluminação está uma invenção com cerca de 20 anos: um dispositivo
electrónico emissor de luz azul, que veio permitir a criação de fontes de luz
branca mais eficientes e amigas do ambiente, que conhecemos como lâmpadas
LED. A invenção dos LED azuis valeu ontem o prémio Nobel da Física de 2014 a
três cientistas japoneses: Isamu Akasaki e Hiroshi Amano, da Universidade de
Nagóia, no Japão, e Shuji Nakamura, da Universidade da Califórnia em Santa
Barbara, nos EUA.
Antes de mais, LED é a sigla em inglês de light-emitting diode, ou díodo
emissor de luz. Estes dispositivos electrónicos convertem energia eléctrica em
luz de uma forma muito eficiente, utilizando materiais semicondutores. “Nos
LED, a electricidade é directamente convertida em partículas de luz — fotões —,
levando a ganhos na eficiência em relação a outras fontes de energia em que a
maioria da electricidade é convertida em calor e apenas uma pequena parte em
luz”, lê-se na informação disponibilizada pela Real Academia Sueca das
Ciências, em Estocolmo, que atribuiu o Nobel da Física. “Nas lâmpadas
incandescentes, bem como nas lâmpadas de halogéneo, a corrente eléctrica é
usada para aquecer um filamento, fazendo-o brilhar. Nas lâmpadas
fluorescentes é produzida uma descarga eléctrica num gás, criando tanto calor
como luz.”
Os díodos vermelhos e verdes (que emitem luz intensa dessas cores) começaram
por existir muito antes dos díodos azuis. Os LED vermelhos, por exemplo, foram
inventados no final da década de 1950 e foram utilizados nos relógios digitais ou
nos indicadores on/off de vários equipamentos, lê-se ainda na informação
mencionada.
O que têm então de especial os díodos emissores de luz azul? Se se combinarem
fontes de luz vermelha, verde e azul, obtém-se uma luz branca. No caso dos
LED, embora os vermelhos e os verdes estivessem a ser comercializados desde
os anos de 1960, faltava inventar os LED azuis — cuja luz é mais energética —
para se poder produzir luz branca. Apesar de muitos esforços, durante bastante
tempo a criação dos LED azuis manteve-se um desafio inalcançável.
No início da década de 1990, os três galardoados conseguiram esse feito e agora,
além do valor simbólico do Nobel, vão partilhar os oito milhões de coroas suecas
(883 mil euros) do prémio. Utilizando as palavras da Real Academia Sueca das
Ciências, o Nobel foi-lhes atribuído “pela invenção dos eficientes díodos
emissores de luz azul que permitiram fontes intensas de luz branca e que
poupam energia”.
O físico Carlos Fiolhais, da Universidade de Coimbra, chama ao galardão deste
ano um “Nobel luminoso” e diz que não podia ter vindo em melhor hora, já que
2015 vai ser o Ano Internacional da Luz, por decisão das Nações Unidas, para
celebrar pelo mundo fora, incluindo Portugal, o nosso conhecimento da luz e
das suas inúmeras aplicações. “É um prémio merecidíssimo que ilustra (e esta
palavra é apropriada, pois vem de luz!) como a ciência tem aplicações na nossa
vida”, escreveu o físico no blogue De Rerum Natura, de que é um dos
fundadores.
Para terem sucesso, os três premiados, que iniciaram as suas experiências na
década de 1980, tiveram de ser persistentes. “O trabalho dos físicos japoneses
exigiu uma extraordinária dedicação. Foi preciso ultrapassar falhanços
sucessivos na escolha e manipulação dos materiais semicondutores mais
adequados. Foi preciso fazer uma ‘sanduíche’ de vários materiais”, conta Carlos
Fiolhais. “O laboratório deles foi quase como uma cozinha, onde
experimentaram, experimentaram e experimentaram, na tradição de Thomas
Edison que experimentou muitas lâmpadas de filamento antes de conseguir
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uma que funcionasse. Tanto no caso dos novos Nobel como no de Edison o
impossível acabou por ser possível.”
Isamu Akasaki (nascido em 1929) e Hiroshi Amano (nascido em 1960 e que na
altura das experiências era estudante de doutoramento) trabalhavam juntos na
Universidade de Nagóia. Quanto a Shuji Nakamura (nascido em 1954),
trabalhava então numa pequena empresa japonesa chamada Nichia Chemicals.
Coincidentemente, os três consideravam que o material que poderia vir a servir
de semicondutor para obter uma emissão de luz azul seria o nitreto de gálio.
Para tal, tinham de obter cristais de alta qualidade de nitreto de gálio. Usando
métodos diferentes, Isamu Akasaki e Hiroshi Amano, por um lado, e Shuji
Nakamura, por outro, chegaram ao mesmo destino. E no mesmo ano — 1992 —
conseguiram criar os primeiros LED azuis.
Esta tecnologia foi depois sendo aperfeiçoada; e Shuji Nakamura inventou ainda
os laser azuis, em que os LED azuis são uma peça essencial.
Até 100.000 horas de duração
Actualmente, cerca de um quarto do consumo de energia no mundo é em
iluminação. Como as lâmpadas LED são mais eficientes do ponto de vista
energético em relação às lâmpadas incandescentes e fluorescentes, elas vieram
contribuir para poupar recursos do planeta. “Medindo a luminosidade à saída
pela potência à entrada, as lâmpadas LED são 20 vezes mais eficientes do que as
lâmpadas de incandescência (as fluorescentes só são cinco vezes mais
eficientes). A economia e o ambiente agradecem”, frisa Carlos Fiolhais.
Além disso, as lâmpadas LED duram muito mais do que as outras, o que
também se traduz no consumo de menos recursos do planeta: duram até
100.000 horas, enquanto as fluorescentes vão até às 10.000 horas e as
incandescentes se ficam pelas 1000 horas.
A academia sueca considera esta invenção “revolucionária”. “Com as lâmpadas
LED, temos agora alternativas mais duradouras e eficientes do que as fontes de
luz antigas”, refere por sua vez um comunicado daquela instituição. “As
lâmpadas incandescentes iluminaram o século XX; o século XXI será iluminado
pelas lâmpadas LED.”
http://www.publico.pt/n1672108
Nobel da química
recompensa três
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pioneiros da
“nanoscopia”
ANA GERSCHENFELD
08/10/2014
(actualizado às 12:13)
Desde 187 3 que se presumia que os m icroscópios ópticos não v êem para além de
pequenas bactérias. Os laureados contornaram essa lim itação ao ponto de
conseguir v er m oléculas individuais nas células v ivas.
Os três premiados AFP/JONATHAN NACKSTRAND
O Prémio Nobel da Química foi atribuído a Eric Betzig, do Instituto Médico
Howard Hughes (EUA), Stefan Hell, do Instituto Max Planck (Alemanha), e a
William Moerner, da Universidade de Stanford (EUA), pelo “desenvolvimento
da microscopia de super-resolução por fluorescência”, anunciou esta quartafeira o comité do Nobel no Instituto Karolinska, em Estocolmo (Suécia).
Cada um dos laureados recebe um terço do prémio, de um montante global de
oito milhões de coroas suecas (quase 900.000 euros).
Desde o século XVII que a microscopia óptica permite visualizar o diminuto
mundo vivo que nos rodeia – bactérias, espermatozóides e outras células,
marcando o início da microbiologia. E fá-lo sem causar grandes estragos nos
objectos observados – ao contrário da microscopia electrónica, mais recente,
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que exige que as amostras a observar sejam submetidas a tratamentos que
matam os tecidos vivos.
Porém, a microscopia óptica convencional também apresenta uma limitação
física intrínseca, enunciada em 1873 pelo físico alemão Ernst Abbe: a sua
resolução será sempre inferior a metade do comprimento de onda da luz
utilizada. Por outras palavras, não é, em teoria, possível visualizar objectos de
dimensões inferiores a 0,2 mícrons (milésimos de milímetro), cerca de 500
vezes mais finos do que um cabelo humano.
Essa barreira teórica aparentemente imutável persiste. Mas não impediu os três
laureados do Nobel da Química deste ano de encontrarem maneiras de a
contornar na prática. Como? Graças à capacidade (que valeu aliás aos seus
descobridores o Prémio Nobel da Química em 2008) de “marcar” às moléculas
biológicas acoplando-as a uma proteína, chamada GFP – e produzida por uma
pequena medusa –, que em certas condições de iluminação fica verde
fluorescente.
“Graças a moléculas fluorescentes, os laureados do Nobel da Química de 2014
contornaram astutamente esta limitação” da microscopia óptica, explicou em
comunicado a Real Academia Sueca de Ciências. E as suas “descobertas
fundamentais” permitiram transformar a microscopia em “nanoscopia” (o
nanómetro – ou milionésimo de milímetro – é a escala das moléculas
individuais).
Duas técnicas foram agora recompensadas. Uma delas, desenvolvida em 2000
por Hell (51 anos, cidadão alemão nascido na Roménia), é a chamada
microscopia STED (Stimulated Emission Depletion Microscopy). Utiliza dois
lasers: um para estimular a fluorescência das moléculas na amostra que se
pretende observar e o outro para “cancelar” toda a fluorescência, excepto num
volume de dimensões nanométricas, explica ainda o documento. Assim, ao
varrer a amostra “nanómetro após nanómetro”, o microscópio ilumina-a “à
maneira de uma nano-lanterna”. E a seguir, por justaposição das várias
pequenas imagens, obtém-se uma imagem do objecto cuja resolução é muito
maior do que o limite teórico de 0,2 mícrons.
A segunda técnica, desenvolvida separadamente por Betzig (54 anos) e Moerner
(61 anos), ambos nascidos nos EUA, é a “microscopia de molécula única”,
baseada desta vez na capacidade de ligar e desligar a fluorescência de moléculas
individuais. Isso permite obter várias imagens da amostra fazendo brilhar
apenas algumas moléculas de cada vez. E aqui, é a sobreposição dessas
múltiplas imagens que fornece então uma “super-imagem” de resolução
nanométrica. A técnica é muito recente: foi utilizada pela primeira vez por
Betzig em 2006.
Graças a estes avanços, “a microscopia, que era uma técnica biológica, passou a
ser uma técnica química”, disse Sven Lidin, presidente do comité do Nobel da
Química, em entrevista desde Estocolmo (retransmitida em directo porwebcast)
a seguir ao anúncio dos premiados. “Estamos a falar de química ao nível de uma
única molécula e em condições reais.”
Tornou-se assim possível, em particular, ver como se formam as ligações
nervosas no cérebro, seguir o rasto às proteínas envolvidas em doenças como a
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Parkinson ou a Alzheimer – e ainda, acompanhar o percurso de tal ou tal
molécula num embrião em desenvolvimento, salienta o comunicado do comité
do Nobel.
Segundo a agência Reuters, Betzig declarou-se “em estado de choque” quando
soube a notícia – e Moerner, que estava a assistir a uma conferência no Recife
(Brasil), disse que uma coisa dessas “faz bater o coração a toda a velocidade.”
Quanto a Hell, a agência AFP relata que, quando na quarta-feira o cientista
recebeu o telefonema de Staffan Normark, do comité do Nobel, a dar-lhe os
parabéns, pensou que se tratava de uma brincadeira. “Foi uma surpresa total,
não conseguia acreditar”, disse Hell. Mesmo assim, acabou de ler o parágrafo de
um artigo que tinha deixado a meio devido ao telefonema e só depois é que foi
anunciar a boa nova à mulher e a algumas pessoas chegadas.
http://www.publico.pt/n1672231
O Nobel da
Literatura premiou
a "música discreta"
de Patrick Modiano
LUÍS MIGUEL QUEIRÓS e CLÁUDIA CARVALHO
09/10/2014
Para alguns o maior escritor francês vivo, Modiano foi o escolhido
da Academia Sueca. A sua obra, em que são recorrentes os tópic os da
memória e da ocupação alemã, está profundamente marcada por
uma história pessoal feita de perdas e ausências.
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A Academia Sueca atribuiu nesta quinta-feira o Prémio Nobel da Literatura ao
escritor francês Patrick Modiano, destacando o modo como a sua “arte da
memória evoca os mais inefáveis destinos humanos e desvela o mundo da
ocupação”. Isto é, da ocupação alemã da França durante a Segunda Guerra, um
tópico recorrente na obra de Modiano, filho de uma actriz flamenga e de um
judeu de origem italiana.
Em entrevista para o site da Academia Sueca – a primeira desde que soube da
distinção –, Modiano contou que estava na rua quando soube da novidade,
mostrando-se surpreendido por ter sido o escolhido deste ano. “Nunca pensei
que isto me pudesse acontecer, estou muito tocado, cheio de emoções”, reagiu o
autor para quem escrever é algo natural que começou muito novo a fazer.
“É algo que faz parte da minha vida desde o início”, continou ainda. Quando
questionado sobre o livro da sua obra que sugeriria àqueles que ainda não o
conhecem, Modiano disse não ser capaz de escolher por ter “a sensação de estar
sempre a escrever o mesmo livro”. “De forma descontinuada”, explicou. “É como
se eu parasse para fazer um intervalo e então depois continuasse com a próxima
etapa do mesmo livro.”
Ideia que defendeu entretanto na conferência de imprensa que deu na sua
editora em Paris. “O que eu quero saber são as razões pelas quais me
escolheram", disse Modiano, repetindo: "Tenho a impressão de que escrevo o
mesmo livro há 45 anos". Para o francês, receber o Prémio Nobel da Literatura
"é irreal" por todas as memórias de infância que guarda. Lembra-se, por
exemplo, de quando Albert Camus foi premiado, "devia ter uns 12 anos".
"Parece-me irreal ser agora confrontado com as pessoas que sempre admirei",
acrescentou.
Tenho a impressão de que escrevo o mesmo livro há 45 anos
Patrick Modiano
Esta é uma escolha inesperada, já que Modiano não integrava sequer o “top ten”
dos autores que as casas de apostas davam como sendo os candidatos mais
prováveis ao prémio deste ano. Até ontem, os favoritos eram o queniano Ngugi
wa Thiong'o, o japonês Haruki Murakami e a bielorrussa Svetlana Aleksijevitj.
Mas também é verdade que a Academia Sueca surpreende tantas vezes que uma
escolha verdadeiramente inesperada teria sido atribuir o prémio a um
Murakami ou a um Philip Roth.
Considerado por alguns críticos o mais importante escritor francês vivo, Patrick
Modiano, nascido em Boulongne-Billancourt, nos arredores de Paris, em 1945,
publicou o seu primeiro romance, La Place de l'Étoile, em 1968. Sem estudos
universitários, dirá mais tarde que se tornou escritor porque não podia fazer
mais nada.
Dez anos após este livro de estreia, que foi bem acolhido pela crítica e lhe valeu
alguns prémios menores, recebeu o prestigiado prémio Goncourt por Rue des
Boutiques Obscures (1978), que foi também o seu primeiro livro editado em
Portugal, pela Relógio D’Água, com o título Na Rua das Lojas Escuras.
Modiano já recebera em 1972 o Grande Prémio de Romance da Academia
Francesa com Les Boulevards de Ceinture, e ao longo dos últimos anos tem sido
galardoado, pelo conjunto da sua obra, com os mais importantes prémios
literários franceses e europeus. “É um autor reconhecido internacionalmente,
mas nunca foi um autor popular, que vendesse muito em lado nenhum”, diz
Manuel Alberto Valente, que publicou vários títulos de Modiano em sucessivas
editoras, da D. Quixote e da ASA à Porto Editora, onde saiu em 2011 o
romance Horizonte (L’Horizon, 2010).
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Valente não tem dúvidas de que Modiano “é uma das grandes vozes da literatura
francesa”, e se os seus livros não são best sellers, diz, é talvez “por causa da sua
escrita, a que a crítica francesa chama ‘la petite musique de Modiano’, e pela sua
obsessão com o tema da memória”.
Para Manuel Alberto Valente, um caso em que essa “arte da memória” a que se
referiu o secretário da Academia Sueca conflui exemplarmente com o interesse
de Modiano pelo período da ocupação nazi de Paris é Dora Bruder(1997), que a
Asa publicou com o mesmo título. Mas o tema está já presente nos seus
primeiros romances, informalmente conhecidos como a “trilogia da ocupação”.
Ausência e perda
Nascido em 1945, o escritor não viveu a Segunda Guerra, mas esta sua fixação
temática tem óbvias raízes nas suas próprias origens. Os seus pais conheceramse na França ocupada. A mãe, a actriz belga Louisa Colpeyn – futura intérprete
de filmes de Becker, Autant-Lara ou Godard –, era tradutora quando conheceu
Alberto Modiano, um italiano de origem judaica que viveu a ocupação com uma
falsa identidade (Henri Lagroux) e que parece ter sido protegido por
personalidades influentes na elite francesa pró-nazi.
Ainda hoje se sabe pouco sobre as exactas circunstâncias que permitiram a este
judeu italiano não apenas sobreviver, mas amealhar uma considerável fortuna
na França ocupada por Hitler. Patrick, que costumava encontrar-se com o pai
em locais pouco íntimos, como estações de comboios ou átrios de hotéis, tinha
17 anos quando decidiu não o voltar a ver.
Também a mãe esteve muito pouco presente na sua infância e adolescência, o
que o aproximou ainda mais do seu irmão Rudy, dois anos mais novo, com
quem viveu em Paris na casa dos avós maternos. A morte do irmão, com apenas
seis anos, destruiu definitivamente a infância de Patrick Modiano e fará com
que os temas da perda, da ausência, do vazio, da identidade fragmentada,
venham a ser dominantes na sua obra literária.
O crítico Yannick Pelletier sublinha ainda que o escritor pratica uma “arte da
indefinição e da dualidade”. Os seus protagonistas são muitas vezes seres
paradoxais, como o colaboracionista Lacombe Lucien do notável filme com o
mesmo nome, cujo argumento Modiano escreveu para o cineasta Louis Malle. O
anti-herói do filme é um rapaz que se torna colaborador dos nazis após uma
tentativa frustrada de aderir à Resistência.
Na sua conturbada adolescência, Patrick Modiano encontra um apoio
fundamental num amigo da mãe, o célebre escritor Raymond Queneau, que lhe
dá aulas particulares, o introduz nos meios literários e o apresenta aos
responsáveis da editora Gallimard.
Descontados alguns empregos efémeros – cobriu a revolta estudantil do Maio
de 68 como jornalista da Vogue –, Modiano dedica-se há muito em exclusivo à
sua obra literária. Casou-se em 1972 com Dominique Zehrfuss, filha do
arquitecto Bernard Zehrfuss, de quem tem duas filhas, a realizadora de cinema
Zina Modiano e a cantora e escritora Marie Modiano.
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O escritor vive em Paris e tem fama de raramente aparecer em sessões públicas
ou de dar entrevistas. “É muito discreto e leva uma vida bastante recatada”,
confirma Manuel Alberto Valente, que o convidou várias vezes para vir a
Portugal, sempre sem sucesso. A Porto Editora está agora em negociações com a
Gallimard, adianta o editor, para publicar os dois últimos livros de Modiano –
L’Herbe des Nuits (2012) e Pour Que Tu Ne Te Perdes Pas Dans Le
Quartier (2014) – e para “eventualmente recuperar” alguns dos seus livros mais
antigos que nunca chegaram a ser publicados em Portugal.
Além dos cerca de trinta romances que publicou, Modiano escreveu vários
argumentos para cinema, quer originais, quer adaptações de obras suas, tendo
trabalhado com cineastas como Patrice Leconte, Pascal Aubier, Jean-Paul
Rappeneau ou o chileno Raoul Ruiz.
Cronista de Paris
Anne Ghisoli, directora da Gallimard, reconheceu que a escolha da Academia
Sueca “foi uma surpresa” e espera agora que “o prémio favoreça a reputação
global de um dos mais consumados escritores” publicados pela editora. “É um
mestre da escrita sobre a memória e a ocupação, que assombra e alimenta a sua
obra”. Mas Ghisoli chama também a atenção para uma dimensão do autor que é
menos vezes referida: a de um “cronista de Paris, das suas ruas, do seu passado
e do seu presente”.
Este prémio vem também demonstrar, diz a livreira, que “apesar do ambiente
depressivo que se vive hoje”, “a ficção francesa contemporânea está bem e de
saúde”. São “boas notícias”, diz, “num país muitas vezes obcecado com as suas
glórias passadas”.
Patrick Modiano recebeu oito milhões de coroas suecas (cerca de 877 mil euros)
e tornou-se o 11.º autor nascido em França a receber o Nobel da Literatura. A
opção pelo critério do local de nascimento foi assumida pelo próprio secretário
permanente da Academia Sueca, Peter Englund, e terá sido um modo de evitar
decidir se autores que se tornaram cidadãos da França, como o russo Ivan
Bunin (premiado em 1933) ou o chinês Gao Xingjian (Nobel da Literatura de
2008), são efectivamente escritores franceses. Mas ao excluir-se todos os que
não nasceram no actual território da França, está-se a dispensar, por exemplo,
Albert Camus (premiado em 1957), nascido na então Argélia francesa.
Desde 1901, foram já premiados com o Nobel da Literatura 111 escritores, entre
os quais estão apenas 13 mulheres. A última distinção foi exactamente entregue
a uma mulher: a contista canadiana Alice Munro, premiada no ano
passado. Munro foi considerada a "mestre do conto contemporâneo". José
Saramago foi até agora o único autor português a ser distinguido com o Nobel
da Literatura. O prémio tem um valor pecuniário de oito milhões de coroas
suecas (cerca de 877 mil euros). Em 2012, a Academia reduziu o prémio de
dez milhões de coroas suecas (cerca de um milhão de euros) para o valor actual.
Este é o quarto prémio atribuído pela Academia Sueca este ano depois do Nobel
da Medicina (John O'Keefe, May-Britt Moser, Edvard Moser), da Física (Isamu
Akasaki, Hiroshi Amano, Shuji Nakamura) e da Química (Eric Betzig, Stefan
Hell, William Moerner). Nesta sexta-feira será atribuído o Prémio Nobel da
Paz pelo Comité Nobel Norueguês.
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O escritor fez saber que em Dezembro viajará a Estocolmo para receber o Nobel,
juntamente com a sua família, a quem dedicou o prémio.
http://www.publico.pt/n1672355
O Nobel cada vez
mais francês
HUGO TORRES
09/10/2014
A vitória de Patrick Modiano cimenta a hegemonia francesa no
principal prémio literário do mundo.
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Homem, francês, 69 anos. Se tipificarmos Patrick Modiano pelas informações
que constam no seu bilhete de identidade, a surpresa pelo Nobel da Literatura
com que foi distinguido nesta quinta-feira decresce significativamente. O
escritor é a personificação – mais uma – do vencedor típico do principal
galardão literário do mundo – em género, nacionalidade e idade.
Modiano é o 14.º francês laureado com o Nobel da Literatura. Não há outro
país com tantos representantes na lista de vencedores, que se iniciou em 1 901
com Sully Prudhomme – um francês. A Alemanha – entre ela própria, com as
fronteiras actuais, o Império Alemão, a República de Weimar e a RFA –
contabiliza 10 prémios Nobel e é o segundo país mais representado.
É uma rivalidade velha até nas Letras. Mistral contra Eucken, Rolland contra
von Heyse, France contra Hauptmann. Depois de Theodor Mommsen suceder
a Prudhomme, em 1902, a hegemonia do eixo literário franco-alemão foi sendo
construída ao longo de todo o século XX, resistiu à afirmação do inglês como
língua franca (apesar de os laureados que escrevem em língua inglesa estarem
em maioria – são 27) e chegou florescente aos nossos dias.
A prevalência francesa fez-se ainda com Henri Bergson, Roger Martin du Gard,
André Gide, François Mauriac, Albert Camus, Saint-John Perse, Jean-Paul
Sartre (que recusou o prémio em 1964) e Claude Simon. O chinês Gao Xingjian
e o russo Ivan Bunin, que viviam em França quando foram distinguidos,
também contribuíram para a aura vencedora do país.
Antes de Modiano, o último francês premiado pela Academia Sueca tinha sido
Jean-Marie Gustave Le Clézio, em 2008. Imediatamente a seguir, venceu a
alemã (de origem romena) Herta Müller. Perante a tendência, é curioso que
não existisse qualquer escritor francês ou alemão entre os autores preferidos
pelos apostadores da britânica Ladbrokes.
Estados Unidos (nove prémios), Reino Unido (oito), Suécia (sete), Itália (seis),
Espanha (cinco), Rússia (cinco), Polónia (quatro) e Irlanda (quatro) são outros
dos países mais representados numa lista de vencedores que revela a
dificuldade do comité em desenvencilhar-se do seu eurocentrismo com visitas
regulares à América do Norte. Países como o Brasil de Machado de Assis e
Drummond ou a Argentina de Borges e Cortázar, por exemplo, não constam.
São muitos e famosos os casos de escritores influentes que falharam o Nobel:
Tolstoi, Proust, Kafka, Joyce, Brecht, Ibsen, Conrad, Twain. O que contribui
para alimentar a expectativa dos fãs de Philip Roth, que sabem que o autor
dePastoral Americana não tem garantido o prémio, apesar da sua influência
na literatura norte-americana. Roth tem estado, tal como o japonês Haruki
Murakami, entre os favoritos dos apostadores nos últimos anos (António Lobo
Antunes, também). Mas o que diz isso quanto à probabilidade de ganhar o
prémio de oito milhões de coroas suecas? Muito pouco ou mesmo nada.
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Uma aposta ousada seria investir num palpite que apontasse como vencedora
uma mulher latino-americana, africana ou asiática. Ou simplesmente numa
mulher, já que entre os 111 laureados, só 13 são mulheres. Uma subrepresentação que se tem tentado colmatar recentemente (Alice Munro, Herta
Müller, Doris Lessing), mas que continua gritante e que dificilmente se
justifica com questões de proximidade como se faz com a escassez de autores
de continentes mais afastados. Justificação que se torna ainda mais difícil
sabendo que a primeira mulher a receber o prémio, a sueca Selma Lagerlöf, foi
distinguida logo em 1909.
Mas as tendências não se ficam por aqui. No que diz respeito à idade, o
historial do Nobel diz-nos que a probabilidade de o laureado ter entre 55 e 74
anos é muito elevada. Nas últimas cinco décadas a média de idades dos
vencedores tem-se aproximado dos 70 anos – segundo o site dos prémios,
entre 2001 e 2010 a média foi de 68 anos, tal como entre 1981 e 1990, e de 66
entre 1991 e 2000; o período com a média mais baixa, 57-59, aconteceu entre
1911 e 1940. Rudyard Kipling foi o mais jovem vencedor do Nobel, com 42
anos, o que parece improvável de se repetir nos dias de hoje. Doris Lessing foi
a mais velha (89). José Saramago, o único laureado de língua portuguesa,
tinha 76 anos quando ganhou.
Nobel da Paz para a
paquistanesa Malala
e o indiano Kailash
Satyarthi
PÚBLICO
10/10/2014
Prémio de 2014 anunciado na manhã desta sexta -feira pela "luta contra a repressão das crianças e pelo seu direito à
educação".
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O Prémio Nobel da Paz foi atribuído nesta sexta-feira à activista paquistanesa
Malala Yousufzai e ao indiano Kailash Satyarthi.
O anúncio foi feito esta manhã em Oslo pelo presidente do Comité Norueguês
do Nobel, Thorbjoern Jagland, que afirmou que "as crianças têm de ir à escola e
não podem ser financeiramente exploradas". O prémio foi atribuído aos dois
activistas "pela sua luta contra a repressão de crianças e jovens e pelo direito de
todas as crianças à educação", segundo o comité.
Malala Yousufzai tornou-se conhecida pela sua defesa do direito universal à
educação em todo o mundo. Em 2013, a paquistanesa de 17 anos foi galardoada
com o Prémio Sakharov, atribuído pelo Parlamento Europeu. Torna-se agora na
mais jovem vencedora de um Prémio Nobel.
Em 2012, a jovem foi alvo de um atentado por um grupo de taliban que
controlavam a região paquistanesa onde vivia. Malala sobreviveu e tornou-se
numa das vozes mais ouvidas na área dos direitos das crianças à educação.
Entre as muitas acções em que participou, sublinha-se o discurso da jovem na
sede da ONU em Nova Iorque em que apelou à tolerância e compreensão entre
os povos.
O dia 12 de Julho, data do seu aniversário, foi baptizado pela ONU como o “Dia
de Malala”. Há um ano foi publicada a sua biografia, Eu Malala, da autoria da
jornalista britânica Christina Lamb.
A notícia do Nobel já chegou a Malala, que “estava na escola, como é habitual”,
segundo um porta-voz da Edelman, uma empresa de relações públicas que gere
a sua imagem, citado pela AFP. Desde que foi vítima do atentado, que a jovem
vive com a família em Birmingham, no Reino Unido.
A acompanhar o primeiro Nobel da Paz atribuído a uma criança, surge um
activista dos direitos das crianças: Kailash Satyarthi, 60 anos, abandonou uma
carreira de engenheiro electrónico para se dedicar à luta contra o trabalho
infantil nos anos 1980. A organização que fundou, Bachpan Bachao Andolan, já
conseguiu retirar perto de 80 mil crianças de algum tipo de trabalho escravo,
conseguindo devolvê-las à educação e ajudar na sua reintegração.
Sayarthi é o promotor de vários movimentos da sociedade civil, incluindo o
maior dedicado a este tema, a Marcha Global Contra o Trabalho Infantil, que
une organizações não-governamentais, sindicatos de professores e de comércio
de todo o mundo (2000 grupos em 140 países). Também fundou a Campanha
Global pela Educação, que visa combater a crise global na área.
Na Índia, conseguiu mobilizar acções para tornar a educação num artigo
constitucional. Na sequência disso, em 2009, foi aprovado no seu país a Lei do
Direito à Educação Gratuita e Obrigatória.
O Comité Nobel chama a atenção para a atribuição do prémio a "um hindu e a
uma muçulmana, um indiano e uma paquistanesa, que se juntam numa luta
comum pela educação e contra o extremismo".
“Calcula-se que haja 168 milhões de crianças a trabalhar em todo o mundo
actualmente”, disse Jagland. “Em 2000, este número era de 78 milhões. O
mundo tem de se aproximar do objectivo de eliminar o trabalho infantil.” A
Índia é o país com mais crianças a trabalharem: de acordo com a ONH Childine
India Foundation, um recenseamento concluiu que este número passou de 11,28
milhões em 1991 para 12,59 em 2001.
A Fundação M.V., de Andhra Pradesh, diz que há 400 mil crianças a trabalhar
na apanha do algodão na Índia, a maioria raparigas entre os sete e os 14 anos.
Destas, 90% vivem aqui, o no estado indiano com maior número de pessoas a
viver na pobreza.
Este ano o comité recebeu um recorde de 278 candidaturas - cuja identidade irá
permanecer desconhecida durante 50 anos.
Em 2013, o prémio foi atribuído à Organização para a Proibição das Armas
Químicas, responsável pela destruição do arsenal químico na Síria.
http://www.publico.pt/n1672461
O economista que explica como “domar
empresas poderosas” ganhou o Nobel
SÉRGIO ANÍBAL
13/10/2014
T rabalho feito sobre o poder de mercado das grandes empresas valeu prémio
Nobel da Economia ao francês Jean T irole.
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Desconhecido da grande maioria, Jean Tirole tornou-se nesta segunda-feira
num dos principais nomes procurados no Google, foi motivo de partilhas no
Facebook e os seus livros podem ter registado uma procura pouco habitual na
Amazon. Curiosamente, estas três empresas - e a forma como conseguiram nos
últimos anos conquistar um enorme poder nos seus mercados - são uma das
principais causas para que o economista francês ganhasse uma fama repentina
ao conquistar o prémio Nobel da Economia deste ano.
Jean Tirole era há muito visto como um dos principais candidatos a receber o
prémio atribuído pela Academia Real das Ciência sueca. O seu trabalho tinha-se
tornado uma referência de tal forma incontornável na área da organização
industrial e da regulação que a questão não era tanto se iria receber o Nobel,
mas sim de quando é que o iria receber.
Foi agora, em 2014, e o momento parece ser realmente o adequado para que, de
novo, passadas mais de três décadas desde George Stigler, a entrega do prémio
do Banco Central da Suécia para as Ciências Económicas em memória de Alfred
Nobel voltasse a recair sobre um economista que se dedica a estudar as questões
levantadas pelos monopólios ou por outras formas que as empresas têm de
exercer um poder excessivo sobre os mercados.
É que nos últimos anos, estes temas ganharam uma ainda maior actualidade.
Por um lado, em muitos pontos do globo, incluindo Portugal, assistiu-se à
privatização de empresas com posições dominantes em indústrias de rede que
têm a tendência para formar monopólios ou quase monopólios, como a
electricidade, a água ou as telecomunicações. Este facto criou desafios
importantes para a actividade de regulação dos Estados.
Depois, a crise financeira internacional veio novamente provar o risco que
constitui a existência de bancos de tal forma grandes que a sua entrada em
falência representa uma ameaça para toda a economia, levando os estados a
utilizar o dinheiro dos contribuintes para evitar o colapso em cadeia de todo o
sistema financeiro. Nos últimos anos, o debate sobre a forma de controlar os
bancos tem feito parte da agenda dos responsáveis políticos europeus e norteamericanos, não sendo ainda certo que o entusiasmo em reformar o sistema que
se sentiu logo a seguir à crise acabe por produzir resultados.
Por último, no sector tecnológico, especialmente na Internet, assistiu-se ao
aparecimento de autênticos gigantes, com um poder para influenciar os
mercados e o comportamento das pessoas que é ainda agora difícil de
compreender na sua totalidade. Grandes empresas como a Google, o Facebook
ou a Amazon controlam os seus mercados e parecem dificultar a entrada de
novos actores no mercado. As autoridades da concorrência dos Estados Unidos
e da Europa tentam reagir, impondo multas e forçando a aplicação de medidas
às empresas que consideram estar a exceder o seu poder de mercado, mas não é
ainda claro quem está a ganhar esta batalha e, em particular, quais as
consequências para os consumidores.
Após o anúncio do prémio, Jean Tirole respondeu a questões dos jornalistas
sobre este tema, afirmando que o problema da concorrência nestes mercados é
diferente do de outros. Nos casos das buscas na Internet (em que a Google
domina) ou dos cartões de crédito (onde há poucos actores no mercado),
estamos perante mercados “com dois lados”, explicou, dando o exemplo dos
motores de busca com a Google. Os preços praticados a quem faz as buscas são
muito abaixo do custo suportado pela empresa, ao passo que, do outro lado, as
empresas que fazem publicidade na Google pagam bastante. Além disso, este
tipo de empresas aproveita a sua capacidade de chamar clientes para levá-los a
consumir outros bens e serviços disponibilizados pela empresa. O risco de se
assistir a práticas predatórias, com o objectivo de eliminar concorrência dos
mercados, é elevado.
O que fazer para responder a estes problemas, defende Jean Tirole, é analisar
cada problema caso a caso, não recorrendo a receitas únicas para todos os
sectores ou indústrias. “Em algumas indústrias, existe a tendência natural para
se criarem monopólios, o que pode não ser só por si uma coisa má desde que
seja possível que empresas mais dinâmicas as substituam”. “Garantir isso deve
ser o papel dos reguladores”, afirmou Tirole, que estudou o problema
recorrendo à teoria de jogos.
Para a academia que decidiu a entrega do Nobel é esta abordagem caso a caso
que torna o trabalho de Tirole tão relevante. “Tirole demonstrou de forma
teórica que as regras [da concorrência] podem funcionar bem em determinadas
condições, mas podem fazer mais mal que bem noutras condições”, afirma o
comunicado, que resume numa frase aquilo que levou à escolha do economista
francês este ano: “o prémio deste ano tem a ver com domar empresas
poderosas”.
http://www.publico.pt/n1672714
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Prémios IgNobel para
torradas “místicas”,
cientistas disfarçados de
ursos polares e outras
maluquices
Por Ana Gerschenfeld
19/09/2014 - 13:28
Atribuídos anualmente pela revista humorística Annals of Improbable Research, os IgNobel
“honram façanhas que primeiro nos fazem rir e depois pensar”.
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A "mascote" dos Prémios IgNobel inspira-se no Pensador de Rodin DR
O que acontece no cérebro de uma pessoa quando vê a cara de Jesus Cristo numa torrada?
Quanta dor sentem as pessoas ao olharem para um quadro muito feio? Como reagem as renas
norueguesas quando confrontadas por humanos disfarçados de ursos polares? Estes foram
respectivamente os Prémios Ignobel atribuídos este ano nas categorias de Neurociências, Arte
e Ciência do Árctico (sic), entre outros.
A edição 2014 dos IgNobel decorreu na madrugada desta sexta-feira (hora de Lisboa) no teatro
Sanders da Universidade de Harvard em Cambridge (EUA), como é costume.
Os galardoados, oriundos de 14 países, são investigadores cujos trabalhos foram publicados
em revistas internacionais, mas cujo tema de estudo parece – e por vezes é – totalmente
descabelado. Os prémios deste ano distribuem-se por dez categorias, que vão da Economia à
Psicologia, passando pela Física, a Saúde Pública e outras.
Ainda de destacar, na leva de maluquices de 2014, o IgNobel da Nutrição, atribuído a
investigadores do IRTA (instituto de pesquisas e de tecnologias alimentares, em Espanha),
pelo seu estudo de como utilizar fezes de bebés como potencial fermento para o fabrico de
salsichas. Ou o da Medicina, partilhado por cientistas dos EUA e da China, que “conseguiram
tratar as hemorragias nasais ‘descontroladas’ pelo método do enchimento das narinas [do
doente] com tiras de carne de porco curada”, como explica o comunicado divulgado pela revista
humorística Annals of Improbable Research, que atribui os prémios numa cerimónia que tem o
apoio da Universidade de Harvard. Sem esquecer o da Biologia, entregue a cientistas da
República Checa, Alemanha e Zâmbia por terem “metodicamente documentado que, quando
os cães defecam ou urinam, preferem alinhar o eixo do seu corpo com as linhas norte-sul do
campo geomagnético da Terra”.
Os prémios foram entregues, como também já é costume, por um grupo de “genuínos Prémios
Nobel”. A seguir, cada grupo de laureados teve direito a 60 segundos no máximo para fazer o
seu discurso de aceitação. Houve também vários momentos musicais e outras festi vidades.
http://www.publico.pt/n1670208
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