Disciplina Supervisão e Orientação Pedagógica - pós

Transcrição

Disciplina Supervisão e Orientação Pedagógica - pós
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Instituto Superior de Educação do Vale do Juruena
Pós-Graduação Lato Sensu em GESTÃO ESCOLAR
Disciplina
Supervisão e Orientação Pedagógica
Professor: Dr. Cláudio Silveira Maia
Novo Progresso-PA
Novembro, 2012
EMENTA: Abordagens emergentes em Cultura organizacional dos
espaços educativos. A organização do trabalho pedagógico na educação
básica em seus diferentes níveis e modalidades de ensino. Instâncias
colegiadas. Plano de Desenvolvimento da Educação. Projeto PolíticoPedagógico (PPP). Currículo, planejamento e avaliação (institucional) em
Gestão. Formação continuada nas organizações. Integração Escola,
Família e Comunidade.
ORIENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA
HORA, D. L. Gestão democrática na escola: artes e ofícios da
participação coletiva. Campinas: Papirus, s.d
LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreira de; TOSCHI, Mirza Seabra.
Educação escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2003.
VEIGA, Ilma Passos Alencastro (org.). Escola: espaço do projeto político
pedagógico. Campinas: Papirus, s.d.
TÁBUA DE MATÉRIAS
GESTÃO DA EDUCAÇÃO E A FUNÇÃO DE SUPERVISÃO PEDAGÓGICA
O PAPEL DO PEDAGOGO NO CONTEXTO ESCOLAR
CONSELHO DE CLASSE: ESPAÇO DE ANÁLISE, REFLEXÃO E AVALIAÇÃO DO
TRABALHO PEDAGÓGICO
ESCOLA E DISCIPLINA: UMA ABORDAGEM FOUCAULTIANA
PARA UMA VISÃO TRANSFORMADORA DA SUPERVISÃO (Estágios) PEDAGÓGICA
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GESTÃO DA EDUCAÇÃO E A FUNÇÃO DE SUPERVISÃO PEDAGÓGICA
EDUCATION MANAGEMENT AND THE FUNCTION OF PEDAGOGICAL SUPERVISION
SORAIA CHAFIC EL KFOURI SALERNOA; SAMIRA FAYEZ KFOURI DA SILVAB
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Resumo
O texto trata da Gestão Educacional em sua função de supervisão pedagógica no contexto da escola contemporânea, um contexto de intensas
contradições que incidem na origem do papel da supervisão educacional em sistemas de ensino no Brasil. A ação supervisora nos sistemas
ensino passam por várias manifestações, ora em âmbito de unidade, ora em instâncias intermediárias. As avaliações de sistemas despontam
como um desafio para a supervisão pedagógica, pois requer conciliar indicadores externos de qualidade ao projeto de educação que se deve
construir localmente no alcance da democratização das aprendizagens.
Palavras-chave: Supervisão Pedagógica, Avaliação de Sistema, Projeto Pedagógico
Abstract
The text is about Educational Management regarding its supervisory role in the educational context of contemporary schooling, a background
of intense contradictions that affects the origin of the educational supervision role in Brazilian education systems. The supervisory action in
education systems pass through various events, sometimes in the context of unity, others in intermediate instances. The evaluation systems are
emerging as a challenge to the pedagogical supervision, because it requires reconciling good external indicators with the project that should
be built locally inside of learning democratization.
Key-words: Pedagogical supervision. System Evaluation. Pedagogical Project.
a
supervisão pedagógica implica reconhecer que uma escola
não é fruto somente do que se deseja, nem mesmo do que se
de Londrina (UEL) e Universidade Norte do Paraná (UNOPAR). E-mail:
dispõe a fazer, no sentido de “é só arregaçar as mangas que se
[email protected]
consegue”, mas também, é fruto de toda uma determinação
b
Doutora em Comunicação Social - Universidade Metodista de São
histórica, geográfica, econômica e social, a qual pode
Paulo - (Metodista), Docente da Universidade Estadual de Londrina
promover os sujeitos, bem como privá-los de construírem sua
(UEL), Coordenadora Pedagógica e docente da EAD na Universidade
história, de conquistas – como o direito à educação. Portanto,
Norte do Paraná (UNOPAR). E-mail: [email protected]
a escola é fruto de iniciativas e de esforços dos profissionais
* Endereço para correspondência: Rua da Lapa, 498, Jd. Higienópolis
localmente situados mesclados à rede de determinações, das
Cep: 86.015-050 - Londrina - PR
escolhas na “micro física” às escolhas em âmbito macro.
Partindo desde ponto – a contradição que buscamos
1 Introdução
desvelar na atuação da gestão educacional em sua função
Falar da gestão educacional em sua função de supervisão
supervisora, ocorre num campo ideológico que expressa a
pedagógica é sem dúvida um desafio, considerando a luta por direito ao acesso a bens culturais; direito que não
contradição presente nesta atuação a partir de uma perspectiva está dado em sua integralidade, sendo necessário conquistar.
histórica e sob o olhar comprometido com uma escola de As privações históricas e a correlação de poder existente são
qualidade.
próprias da relação entre saber e poder.
Toda atividade humana apresenta intencionalidade,
A correlação de forças, como busca e expressão de poder,
remete-nos a um fim, respaldado numa noção de justiça, pois
envolve a ação de dirigentes educacionais, num campo de
procura alcançar o “certo”, o “justo”, o “prioritário” ou mesmo
abrangência maior, bem como de proximidade imediata, como
no caso das unidades escolares. As relações de poder entre
o inverso, estes parâmetros se localizam em concepções de
os homens não se reduzem a um campo específico, como se
mundo, de homem, de sociedade.
fossem definidas em um conceito universal e/ou um conjunto
O campo educacional, não distinto, mas parte desta
de características definisse sua manifestação. A ação humana
engrenagem manifesta noções de justiça ao logo da história,
é dinâmica, intencional, tanto quanto acidental e provisória,
dependendo da situação; portanto qualquer reducionismo
nas escolhas que envolvem as determinações de governos,
validaria uma visão parcial (SALERNO, 2007, p. 107).
dirigentes e profissionais localmente situados. Uma grande
engrenagem que envolve responsabilidades diversificadas.
As unidades escolares vivenciam no seu cotidiano
Discutir o papel da gestão educacional em sua função de manifestações de uma intencionalidade, mesmo que esta não
Doutora em Políticas Educacionais e Sistemas Educativos - Univesirade
Estadual de Campinas (UNICAMP), Docente da Universidade Estadual
SALERMO, S. C. K.; KFOURI-SILVA, S. F. / UNOPAR Cient., Ciênc. Human. Educ., Londrina, v. 11, n. 1, p. 29-38, Jun. 2010
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Gestão da Educação e a Função de Supervisão Pedagógica
seja conhecida pelos que executam e são impactados, mas o
acaso também está presente nas relações entre os sujeitos,
portanto não cabe uma teoria geral do poder, com intuito de
generalização como algo unitário e global, conforme postula
Foucault (1979)1 no sentido de que toda a correlação está
subjugada à questões econômicas ou a função repressiva,
mas outro aspecto se presencia como ação de sujeitos que
operam por meio de desejos, visão, crença, intencionalidade e
estratégia, no uso do conhecimento, para “empodeirar” outros.
A atuação do supervisor na escola ou com vistas
ao desenvolvimento do trabalho escolar comporta esta
contradição, pois se reconhece num espaço de luta expressa
ao longo da história. Então que espaço é esse? Qual o papel
da Escola?
2 O Contexto da Escola Contemporânea
Para falar sobre o contexto escolar, no que se refere
à definição de sua identidade, é necessário situarmos o
atual momento histórico e conceitual, para buscar alguns
desvelamentos sobre sua manifestação.
Do moderno ao pós-moderno, supõe-se um movimento
histórico, da fragmentação pela via da especialização, à
homogeneização pela via da valorização das diferenças —
enquanto defesa da pós-modernidade, essas características
mostram-nos somente sua superfície. Esse movimento não
representa uma ruptura, pois não rompe com a lógica do
capital, que favorece a interesses economicistas.
Habermas (apud ANDERSON, 1999), ao tratar sobre o
inconcluso projeto da modernidade, diz ser um amálgama
contraditório de dois princípios opostos: especialização e
popularização.
O pós-moderno surge anunciando a morte da grande
narrativa, como direitos universais defendidos pela própria
burguesia, a partir dos anos de 1970, quando o comunismo,
uma alternativa ao capitalismo (ou um “concorrente” dele),
enfraquece.
O uso da expressão pós-moderno surge para designar
um estilo “pós-moderno”, no mundo das artes. A noção de
pós-moderno, antes circunstancial pelo seu uso de sentidos
diversos, segundo Anderson (1999), só ganhou difusão
mais ampla a partir da década de 1970, compondo-se como
características de um período, deixando de ser somente uma
tendência artística.
Anos 1970: época marcada por crises no comunismo,
crise no petróleo; portanto, crises econômicas, bem como
ideológicas. Para Hobsbawm (2000), a escolha de uma data
específica não passa de uma convenção, e não é algo por que
os historiadores estejam dispostos a brigar. Há apenas um
indício claro do término do Século Breve: sabemos que, desde
1973, a economia mundial entrou em nova fase.
Hobsbawm (2000) identifica o colapso da União Soviética
coincidindo com uma série crise de depressão na economia dos
países ocidentais. Não que outras crises não tenham surgido,
pois a economia sofre oscilações relativamente pequenas, ao
passo que de 1970 para cá, presenciamos um período de fortes
crises.
No entanto, Hobsbawm (2000), ao ser indagado sobre
finalização de um processo globalizante, responde que
não acredita que chegamos ao fim de um processo e que o
resultado esteja posto, pois não se encontra encerrado, mas
em mudança.
Estar numa nova fase não significa a conclusão de um
processo. A pós-modernidade, então não deve ser entendida
como a superação da modernidade.
Tem-se, então, com a expressão pós-modernidade, uma
dispersão da modernidade, não o seu fim; presencia-se uma
crise persistente num período duradouro, apresentando-se
com uma base material: a globalização econômica, que é a
superação do local, na conquista de novos espaços a serem
explorados; uma base ideológica: o neoliberalismo, calcado
na lógica de mercado, defendendo um estado mínimo em
detrimento de um estado benfeitor, e uma base política: a
planetarização, difusão de estilos de administração gerencial
com foco nos resultados, respaldada na base ideológica,
manifesta-se pela desconstrução dos Estados nacionais
periféricos, pela demonstração de sua incompetência, numa
intervenção que os sujeita aos países centrais. Esses aspectos
se entrelaçam, gerando um contexto de fortes influências para
as políticas educacionais - considerando que um projeto de
escola não se dissocia de um projeto de nação.
Considerar, porém, o momento atual2 como um processo
de diluição do Estado nacional ainda é tratar superficialmente,
pois um movimento contrário se estabelece, e se presencia
um Estado mínimo para benefícios sociais e um Estado
interventor para a concretização de interesses de corporações
internacionais.
Esse perfil de Estado mediador de interesses hegemônicos é
expresso num movimento no eixo centralismo–descentralismo,
que podemos identificar como um recentralismo moderno.
Casassus (apud BORGES, 2002, p. 47),
Lembra as recomendações do Fundo Monetário Internacional,
que, ao renegociar as dívidas dos países, sugere a diminuição
dos gastos públicos, para tanto motivando tais países já
endividados, sem distinção ideológica, a levarem adiante
processos de descentralização educativa.
Neste contexto, Borges aponta que a descentralização,
por sua lógica e seu significado, conduz à individualização
e à privatização. Descentralização essa manifesta pela
desconcentração, que traz um movimento diretivo de cima
para baixo, e não como conquista de espaços de decisão.
1 Microfísica do Poder.
2 Final do século XX a começo do século XXI.
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Gestão da Educação e a Função de Supervisão Pedagógica
A desconcentração está mais próxima ao centralismo,
pois traz a idéia da divisão, fragmentação para o exercício de
melhor regulação.
Essa lógica de descentralização é reflexo de um novo
modelo administrativo, a administração gerencial, que difere
da administração burocrática no que se refere ao alcance de
objetivos, enfatizando o controle dos resultados, defendendo
uma autonomia processual, numa nova cultura organizacional.
A escola é determinada por esse movimento histórico,
porque reflete as contradições dos dispositivos políticos
desencadeados pelas atuações governamentais, e estas,
determinadas, quando não “amarradas”, pelo contexto
normativo legal condicionado por corporações internacionais.
A partir da década de 1960, o sistema escolar se expande,
o efeito “entusiasmo pela educação” traz o tema escolarização
a uma pauta, tem-se a internacionalização da educação —;
a escola passa a ser uma instituição conhecida por todos,
num cenário de expansão para toda a América Latina, com
características semelhantes.
Mas, à medida que a escola se expande, como conseqüência
de implementações políticas, os recursos encolhem, não
acompanhando a real necessidade; o dualismo se intensifica,
dissociando-se o político do econômico, esvaziando a
declaração de universalização de direitos. O reconhecimento
da necessária unidade do político, ação intencional voltada
para a pólis, para o bem comum, com a consistência de
condições para tal, é questão sine qua non.
A escola então absorve as diferenças sociais, constituídas
numa sociedade de classes, diferenças antes excluídas desde
seu acesso à escolarização, agora excluídas no processo
de parcos recursos no contexto da escolarização. De uma
exclusão do processo de escolarização à participação num
processo de escolarização excludente.
Nesta última década – anos 1990 –, de maneira mais
intensa, assistimos a dispositivos legais que conduzem os
sistemas educativos à definição de sua identidade pela via da
elaboração de seu projeto pedagógico.
Vale lembrar que a expressão “político”, do projeto
pedagógico, foi excluída do contexto normativo da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96),
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) e Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), embora se mantenha na
literatura e por algumas unidades escolares, talvez como
resistência. Não podemos desconsiderar que a linguagem,
idéias e valores exercem certo grau de direcionamento,
veiculam idéias.
A elaboração do projeto pedagógico da escola atenderia,
então, à política da identidade, considerando o atendimento
às diferenças regionais e locais, ou seja, seria a focalização
na escola.
Ao voltarmos o olhar para os dispositivos no nível macro,
identificamos um caminho normativo conflituoso, como a
elaboração dos PCN para o ensino fundamental elaborado
pelo Ministério da Educação e Cultura, anterior à elaboração
da LDB (1996), bem como a elaboração das DCN para
o ensino fundamental (1998), elaboradas pelo Conselho
Nacional de Educação (CNE), que, supõe-se, deveria dar
o “norte” para a elaboração dos PCN (1997). Como se isto
não bastasse, presencia-se, no contexto desses documentos,
PCN e DCN, omissões e desentendimentos entre o MEC e
CNE, como aponta Bonamino e Martínez (2002), já que
expressões tratadas num contexto são omitidas em outro,
como temas transversais (PCN) para vida cidadã (DCN), e
um documento (DCN) desobriga a adoção do outro (PCN).
Observamos, então, ausência de colaboração e falta de
diálogo por duas instâncias responsáveis pela implementação
da reforma curricular nos sistemas educativos. Num contexto
desagregador como este, a escola é “orientada” a construir sua
identidade, a rever sua função social, a ser competente, sem
que se considerem as condições para tal.
O contexto escolar, fruto desta contradição, apresenta-se
como partícipe de uma estrutura excludente, pois o Estado,
esvaziado de seu sentido, passa a reforçar a diferenciação pela
focalização na escola, gerando a desagregação.
Para além do certo e do errado, nem buscando ser otimista
ou pessimista, como efeito de uma posição extremista, mas
pela tomada de uma posição que busque o desvelar das
políticas desencadeadas, identificando sua lógica, tanto para
a autoconsciência como para a consciência coletiva, torna-se
essencial a atuação num espaço de profunda contradição: a
escola.
O imobilismo tanto quanto a subordinação deliberada,
por se considerar impotente, diante deste quadro, devem ser
rejeitados. Pois a recuperação do local passa pela valorização
do local de trabalho, como um processo rico de relações. Devese considerar a valorização do local de trabalho como garantia
de direitos universais. A base geográfica dessa construção
será o lugar, considerado como um espaço de exercício
da existência plena. Essas relações oportunizam novas
racionalidades e contra-racionalidades, ou seja, é a resistência
a um pensamento hegemônico e (ou) irracionalidades.
Os conflitos existentes nos possibilitam uma nova
consciência, pois o momento histórico é exigente de uma mais
elaborada interpretação. O momento não é para nostalgias
românticas, o desejo do retorno, mas para a proposição, a
definição esclarecida de intencionalidade e o exercício de uma
nova política, para garantir, não de maneira compensatória, o
direito a um bem universal: o saber produzido historicamente
pelas gerações passadas, como suporte para a produção de
novos saberes, que é a função social da escola – a efetiva
socialização do saber, sua real identidade.
O ponto de partida para uma ação supervisora
transformadora passa por uma “ampla visão” e esta coletiva,
contrária a uma postura individualizada que tenta expressar a
“super visão”, numa concepção ingênua – a de super herói.
SALERMO, S. C. K.; KFOURI-SILVA, S. F. / UNOPAR Cient., Ciênc. Human. Educ., Londrina, v. 11, n. 1, p. 29-38, Jun. 2010
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Gestão da Educação e a Função de Supervisão Pedagógica
3 As Diferentes Manifestações da Supervisão
Existem diferentes pontos de vista e diferentes expressões
da ação supervisora na educação, portanto é importante
pensar na sua manifestação pela sua denominação, pois traz a
atribuição de sua identidade e o âmbito de atuação.
A supervisão educacional, pois traz uma conotação mais
ampla, comportando a atuação tanto em âmbito macro como
micro. A expressão educacional extrapola as atividades da
escola, portanto, supervisão educacional supõe atuação em
âmbito de sistemas de ensino.
A supervisão de ensino é expressão usada, por exemplo,
pelo Estado de São Paulo para designar os supervisores que
atuam em instâncias intermediárias – diretorias regionais de
ensino.
Supervisão escolar, usual a supervisores que atuam
diretamente nas escolas envolvendo serviços administrativos,
de funcionamento geral e pedagógico, fazendo parte do corpo
gestor da instituição.
A coordenação educacional é uma atuação que deriva
da supervisão educacional e comporta os sentidos da ação
supervisora em aspectos mais específicos, como a coordenação
pedagógica realizada em escolas e em processos educacionais
em organizações não governamentais, a coordenação de
área, acompanha o trabalho por área do conhecimento e a
coordenação de curso, destina-se a trabalhar com as questões
pedagógicas de cursos na educação básica e superior. Sendo
uma das condutas supervisoras, implica em “co-ordenar”
– organizar em comum –, prever e prover momentos de
integração do trabalho no que se refere ao ambiente de
aprendizagem e os sujeitos envolvidos, acompanhando e
assessorando a planificação curricular, processo de avaliação,
adequação de materiais didáticos, discutindo com os docentes
o cotidiano do trabalho, propondo medidas de superação
de problemas identificados, socializando experiências,
acompanhando a formação dos profissionais.
O rigor na denominação aplicando padrões gerais é
um risco, tendo em vista a diversidade presente no sistema
educacional brasileiro, pois existem manifestações distintas
nos sistemas, ou seja, sistemas diversos no ensino público
(Federal, Estaduais e Municipais), no sistema privado
(unidades escolares e rede de escolas) e em organizações não
governamentais.
De modo geral a função de supervisão se refere à
articulação das diretrizes nacionais do sistema com as
diretrizes das unidades onde processos educacionais são
desenvolvidos, tanto aqueles que se localizam nas capitais,
como aquelas dos mais distantes municípios do interior do
Brasil, um campo da gestão educacional.
A atuação é reconhecida no contexto legal como o
profissional da educação na função de supervisão educacional
na LDB 9394/96, no artigo 64:
para a educação básica, será feita em cursos de graduação
em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da
instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base
comum nacional (BRASIL, 1996).
Sua formação ocorrerá, conforme a LDB, em cursos de
Pedagogia ou em pós-graduação, ressalta-se a autonomia da
instituição ou sistema de ensino, em estabelecer critérios de
escolha de formação. E dá outra denominação aos até então
chamados de “especialistas”.
Outro dado relevante é expresso no artigo 67 da LDB,
parágrafo primeiro, onde estabelece que a experiência docente
é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer
outras funções de magistério. A docência é a essência da
atuação do profissional da educação, pois no âmbito técnicopolítico cabe acompanhar, assessorar, articular um campo da
qual tem experiência, visão ampla.
4 Trajetória da Supervisão no Brasil
A formalização da profissão é recente, sua oficialização
vem com a Lei 5.692/71, apoiada no Parecer do CFE nº 252
de 1969 que reformulou os cursos de Pedagogia criando as
habilitações, no lugar de formar o “técnico em educação” com
várias funções, passa-se então a formar o “especialista em
educação”, introduzindo a lógica da Reforma Universitária
de 1968, introduzindo a departamentalização do trabalho e o
modelo de administração clássica.
Mas enquanto função, a supervisor no Brasil é anterior
sendo percebida no período jesuítico. O papel da educação
baseava-se na catequese e na instrução aos indígenas, mas aos
filhos da elite colonial era dispensada educação diferenciada.
Com a organização das atividades educativas no Brasil, a
função supervisora se apresenta a partir do Ratio ataque
Instituto Studiorum, chamado abreviadamente de Ratio
Studiorum, um plano geral escrito por Inácio de Loiola que
regulamentava a educação.
Segundo Saviani (1999), a idéia de supervisão era prevista
na figura do prefeito geral, a quem todos os professores e
alunos deveriam obedecer. Sendo assistente do reitor, era
dever do prefeito: organizar os estudos, orientar e dirigir
as aulas; lembrar os professores que devem explicar toda a
matéria; ouvir e observar os professores (assistir as aulas de
vez em quando e ler os apontamentos dos alunos). Função
distinta dos professores e do reitor e sujeito ao prefeito geral.
Com a expulsão dos Jesuítas é extinto o cargo de prefeito
dos estudos. A Reforma Pombalina é introduzida, mas ficamos
com um período em torno de treze anos sem instrução formal.
Houve um retrocesso no campo educacional, pois com eles
foram-se a organização baseada no Ratio Studiorum, pouca
coisa restou na prática educativa do Brasil.
A Reforma Pombalina, com o alvará de 28 de junho
de 1759, criam-se as aulas régias, professores leigos
A formação de profissionais de educação para administração, são admitidos, eram mal preparados e mal pagos. Para a
planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional manutenção do ensino primário e médio institui o “subsídio
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Gestão da Educação e a Função de Supervisão Pedagógica
literário” em 1777, um imposto que incidia sobre a carne
verde, o vinho, o vinagre e a aguardente, mas nunca foi
cobrado com regularidade o que resultava em longos períodos
sem receber vencimentos à espera de possíveis soluções da
Metrópole.
O alvará de Pombal, no entanto, previa o cargo de diretor
geral dos estudos, englobando aspectos de inspeção e direção;
e em níveis locais os diretores de estudos, designados pelo
diretor geral, para dirigir, fiscalizar, coordenar e orientar o
ensino.
Com a independência, busca-se organizar a instrução
pública; a Lei de 15 de outubro de 1827 institui as escolas
de primeiras letras, no artigo 5 determinava que os estudos
se realizassem com base no “método de Ensino Mútuo” ou
método Lancaster3 onde o papel do professor é também de
supervisor de monitores (alunos mais avançados). A escolha
do método atendia interesses externos à esfera pedagógica, era
vantajoso, pois resolvia o problema de falta de professores.
Não dura muito tempo, menos de 10 anos para o fracasso
do método, e a função supervisora passa a ser exercida pelo
inspetor geral, como um agente específico, o qual tinha a
responsabilidade de supervisionar todas as escolas, colégios,
casas de educação, bem como conferir diploma, autorizar
abertura de escolas e revisava livros.
Para Saviani (1999, p. 24) “[...] a idéia da supervisão ganha
contornos mais nítidos ao mesmo tempo em que condições
objetivas começam a abrir perspectivas para se conferir a essa
idéia estatuto de verdade”.
A figura do inspetor se mantém na Primeira República,
como a pessoa qualificada, experiente, acompanhando o
currículo pleno das instituições.
A década de 20 culmina com os “técnicos em
escolarização”, com o movimento escolanovista e a
remodelação do aparelho organizacional, promovendo a
dicotomia do técnico-pedagógico com o especificamente
administrativo. Esta separação é condição essencial da figura
do supervisor distinta do papel do diretor, dicotomia que
expressa o reflexo da administração fayolista no Brasil.
Fayol propôs-se a escrever sobre a função administrativa
e o fez diferenciando-a de todas as outras funções [...].
Essa clássica divisão das funções distingue o papel do
administrador do papel da organização como um todo. Eis
aí a herança da distinção ainda presente na escola, do que
seja parte administrativa e parte pedagógica, que usual e
formalmente se testemunha nas literaturas e discursos nos
sistemas de ensino. No entanto, as funções administrativas
englobam os elementos da administração; são funções do
administrador: prever, organizar, comandar, coordenar e
controlar, e elas não se dissociam do papel da organização
(SALERNO, 2007, p. 53, grifo do autor).
Esta herança, fortemente presente nos sistemas de ensino,
obscurece o papel pedagógico da escola, a qual deve existir
direcionada pelo seu projeto de educação. Tem-se o supervisor
distinto da função do diretor e em alguns casos em oposição
como se observa ate os dias de hoje no artigo da Revista
do Projeto Pedagógico da UDEMO4, ao tratar da atuação
supervisora em instâncias intermediárias,
Assim, a supervisão poderá, através de constante verificação,
auxiliar a direção, ação essa a qual não devemos nos opor,
em nome da pseudo interferência em nossa escola, sob
pena de estarmos, deliberadamente, impedindo a solução
de problemas que, em última análise, poderão em algum
momento trazer-nos sérios prejuízos. Aliás, os poucos
supervisores que agem ‘policialescamente’, normalmente são
incompetentes e acabam por ‘meter os pés pelas mãos’, até
pelo desconhecimento da legislação que deveria mover-lhes a
ação (UDEMO, 2004).
O possível papel de oposição, entre diretores e supervisores,
aparece em situações onde a estrutura hierárquica é manifesta
por práticas conservadoras que emperram um processo
construtivo, têm-se com isso desabafos constantes de diretores
como resquícios de práticas herança da divisão fayolista.
Com o Manifesto dos Pioneiros em 1932, propagava a
necessidade de uma identidade nacional, mediante um plano
racional. Fernando de Azevedo, autor da redação do manifesto,
denunciava que a falta de unidade e o descontinuísmo de
pensamento nos planos estavam relacionados à fragmentação
do setor educacional, a ponto de as instituições não serem
atraídas por uma concepção de vida e nem se submeterem
aos princípios da administração clássica, cujo tratamento
científico, segundo ele, ajudaria a encontrar processos mais
eficazes para a superação de problemas da administração
escolar.
A formalização do cargo de supervisor ocorre num
contexto de vínculos educacionais com Brasil e Estados
Unidos da América, consolidados no período militar. O curso
de pedagogia, pelo Parecer n. 252/69 passa a se configurar
com as habilitações e na Lei 5.692/71 o supervisor passa a
figurar como um dos especialistas em educação5, com registro
profissional próprio (art. 74).
O supervisor como um especialista em educação, exercia
função como controlador do processo de produção, como
elemento mediador entre o sistema e a unidade.
A década de 80 tem-se o reconhecimento da crise
econômica e o novo período com o fim da ditadura militar,
tem-se um período de turbulências, de mobilizações, de
manifestações operárias em busca de retomadas e conquistas.
A efervescência nas discussões pedagógicas abre espaços
pra novos e velhos questionamentos: sobre qual o papel da
escola? Que homem se quer formar?
3 Ensino Mútuo foi trazido para a Inglaterra pelo pastor anglicano André Bell, da Índia, mas foi lá divulgado pelo Quaker Joseph Lancaster.
4 UDEMO: Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo.
5 Lei 5692/71 - cap IX, dos professores e especialistas
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Gestão da Educação e a Função de Supervisão Pedagógica
Os supervisores ainda com toda a ênfase técnica se
percebem em crise e sob fortes críticas sobre o seu papel
repressor e reprodutor no sistema.
Nos anos subseqüentes, nossos dias, as discussões sobre o
curso de Pedagogia a extinção das habilitações, os sistemas de
ensino ainda em processo de adequação quanto aos critérios
de acesso em concursos públicos para esta atuação e se cargo
ou função, ainda impulsionam debates sobre o papel do
supervisor educacional.
5 O Papel do Supervisor Educacional
Atuação reconhecida na LDB 9.394/96, presente nos
sistemas de ensino de maneiras diversas, como abordado no
início deste, desponta como agente transformador, necessário
para a superação dos desafios presentes no século XXI.
A função supervisora deve ser vista como a articuladora
do projeto de educação onde se encontre em sistemas de
ensino ou em organizações não governamentais.
Como ponto de partida é necessário reconhecer a trajetória
de sua atuação para tomar posição quanto à continuidade,
ruptura e ressignificação de seu papel – um profissional
comprometido com seus pares e com vistas à efetivação das
aprendizagens.
O prefixo “super” não deve remeter a uma posição
hierárquica superior, mas sim a uma visão do e sobre o
processo de aprendizagem, que expressa em sua essência
uma “ampla visão” proporcionando elementos de integração,
coletividade, colaboração e companheirismo.
Implementar, participar, articular e/ou assessorar uma
prática pedagógica transformadora implica clareza de sua
historicidade e reconhecimento de seu papel, mediadas por
atitudes concretas no cotidiano de trabalho, como plano de
trabalho concebido por meio de uma concepção de educação.
Compondo o corpo gestor numa secretaria, numa
instância intermediária ou numa unidade de ensino requer o
estabelecimento de indicadores de qualidade para estabelecer
como meta, definindo o percurso com diálogo franco entre os
seus e integrando os interesses e necessidades da comunidade
local numa prática profissional qualificada pelo uso de
instrumentos de gestão necessários.
Acompanhamento do processo de avaliação como
avaliação omnilateral, em sintonia com o projeto de educação
construído coletivamente, utilizando-se da transparência de
critérios e concepção, como recurso de prestação de contas à
população envolvida, bem como ao sistema de ensino em que
a unidade escolar está inserida.
Promover um ambiente de trabalho que estimule a
iniciativa de ações transformadoras no espaço institucional
com criatividade e valorização profissional, num percurso
de conquista da autonomia para o desenvolvimento de uma
educação de qualidade, é uma dos objetivos que deve estar
presente na atuação do supervisor.
Ao se falar em qualidade, uma categoria ambígua que
ganha sentido quando ressignificada localmente, pelos que
34
participam do processo educacional, a supervisão necessita
considerar a outra ponta que é a avaliação. A qualidade ganha
sentindo num processo de avaliação.
6 A Avaliação e a Supervisão Pedagógica
Quando falamos de qualidade necessariamente o papel
da avaliação emerge como o processo que julga a educação
que temos e a que desejamos. Para a LDB/96 a avaliação é
destaque, pela importância que adquire para todo o sistema de
ensino no Brasil, não somente para o local de aprendizagem.
A qualidade é ponto central nas discussões de organismos
internacionais a partir da década de 1990, pois se reconhece
que os sistemas avançaram no aspecto de universalidade, ou
seja no acesso e permanência, no entanto, a permanência não
contempla índices de qualidade necessários para os diversos
sistemas de ensino.
Ao estabelecer indicadores ou padrão de qualidade
não podemos prescindir de um processo que acompanhe,
verifique, julgue e tome decisões no processo de ensino em
busca de melhores resultados.
Para Luckesi (2002), a avaliação é entendida como um
juízo de qualidade sobre dados relevantes, tendo em vista
a tomada de decisão durante o processo. Observa-se que o
processo de avaliação implica num julgamento de valor que
envolve escolhas referentes a procedimentos, conteúdos,
tempo e desempenho. Ao julgar cabe o posicionamento –
caminhos a seguir.
O papel da supervisão torna-se relevante pela visão
de amplitude, necessária ao trabalho enquanto processo
integrador, o qual envolve professores, alunos, corpo gestor
e comunidade representativa (Conselho de Classe, Conselho
de Escola, APM, Grêmio Estudantil, Conselho Municipal,
Conselho Tutelar), onde ao acompanhar o processo,
oportuniza elementos de análise e espaços para um diálogo
problematizador.
Um processo de avaliação indispensável no desempenho
profissional, em unidades escolares ou em espaços não
escolares se substantifica num processo interdependente e
sistêmico, pois se constrói numa prática social mais ampla
antes mesmo do espaço onde se manifesta temporal e espacial,
com os sujeitos específicos.
Portanto, um processo de avaliação deve atentar para os
valores que permeiam a sociedade e o tempo histórico destes
sujeitos, o isolamento da escola e mesmo do processo em si
deve ser evitado. A escola que conhecemos foi gerada com
intuito de primar pela privacidade da criança, protegendo-a
das mazelas do mundo adulto, como defendia Rousseau
(século XVIII), o reconhecimento de que a educação é uma
prática social é recente e que precisa reconhecer-se integrada
ao mundo social, está relacionado ao final do século XIX
e mais intensamente ao século XX, com a evolução do
pensamento laico. Mas, ainda presenciamos o isolamento da
escola e do processo pedagógico, o qual precisa ser superado
para o reconhecimento do espaço educacional como espaço
SALERMO, S. C. K.; KFOURI-SILVA, S. F. / UNOPAR Cient., Ciênc. Human. Educ., Londrina, v. 11, n. 1, p. 29-38, Jun. 2010
8
Gestão da Educação e a Função de Supervisão Pedagógica
público de educação, com o intuito de enriquecer a construção
curricular das escolas.
Silva Junior (1999) aponta a tríade conceitual presente
nos sistemas de ensino: Supervisão-Currículo-Avaliação,
no sentido de identificar que a atuação da supervisão é
indissociada dos estudos sobre currículo no Brasil, pois esta
função carrega em sua origem a grande função de guardião
do currículo, cabendo a orientação sobre a aplicabilidade do
currículo estabelecido, bem como os critérios e procedimentos
de avaliação a serem observados. A viabilização do currículo
de maneira centralizadora, sem questionar suas origens,
era a missão da supervisão e aos professores e escola sua
observância.
A partir da década de 1980, com a efervescência do debate
educacional, trouxe à tona as discussões sobre uma teoria
crítica da escola, do currículo, dos sujeitos envolvidos no
campo educacional. As possibilidades de ressignificar o papel
da supervisão se consolidam frente às vertentes de avaliação
de sistemas, avaliação institucional/escola e avaliação de
aprendizagem.
A avaliação de sistemas vem da década de 1980, quando o
MEC iniciou estudos sobre avaliação educacional, estimulado,
principalmente, pelas agências internacionais. Os acordos
assinados entre o Brasil e o Banco Mundial (Bird) tiveram
um componente de avaliação educacional, visando verificar
a efetividade das ações geradas pelos projetos financiados
pelo Banco. No entanto, o MEC e o Banco Mundial tinham
posicionamentos diferentes quanto à avaliação, pois o Banco
se preocupava com os resultados de projetos específicos
e a necessidade do Brasil se reportava por uma qualidade
no sistema e não por medidas pontuais, estas nem sempre
abarcando necessidades prioritárias, mesmo que pontuais.
Com base neste impasse avançamos para a criação de
um sistema nacional de avaliação que foi criado na década
de 1990, ainda limitado, sendo somente em 1995 aplicado
com metodologia amostral, o Sistema Nacional e Avaliação
da Educação Básica (Saeb) é ampliado a toda a federação
no período da gestão FHC. Na gestão Lula é implementado
a Prova Brasil, em 2005, com metodologia universal,
concomitante ao Saeb. Observe o comparativo histórico
extraído do site do MEC sobre as duas avaliações presentes
no sistema nacional para a educação básica:
Prova Brasil
Saeb
A prova foi criada em 2005.
A primeira aplicação ocorreu em 1990.
Sua primeira edição foi em 2005, e em 2007 houve nova
aplicação.
É aplicado de dois em dois anos. A última edição foi em 2005.
Em 2007 houve nova prova.
A Prova Brasil avalia as habilidades em Língua Portuguesa
(foco em leitura) e Matemática (foco na resolução de
problemas)
Alunos fazem prova de Língua Portuguesa (foco em leitura) e
Matemática (foco na resolução de problemas)
Avalia apenas estudantes de ensino fundamental, de 4ª e 8ª
séries.
Avalia estudantes de 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e
também estudantes do 3º ano do ensino médio.
A Prova Brasil avalia as escolas públicas localizadas em área
urbana.
Avalia alunos da rede pública e da rede privada, de escolas
localizadas nas áreas urbana e rural.
A avaliação é quase universal: todos os estudantes das séries
avaliadas, de todas as escolas públicas urbanas do Brasil com
mais de 20 alunos na série, devem fazer a prova.
A avaliação é amostral, ou seja, apenas parte dos estudantes
brasileiros das séries avaliadas participam da prova.
Por ser universal, expande o alcance dos resultados oferecidos
pelo Saeb. Como resultado, fornece as médias de desempenho
para o Brasil, regiões e unidades da Federação, para cada um
dos municípios e escolas participantes.
Por ser amostral, oferece resultados de desempenho apenas para
o Brasil, regiões e unidades da Federação.
Aplicação em 2007: 5 a 20 de novembro.
Aplicação em 2007: 5 a 20 de novembro.
Parte das escolas que participarem da Prova Brasil ajudará a
construir também os resultados do Saeb, por meio de recorte
amostral.
Todos os alunos do Saeb e da Prova Brasil farão uma única
avaliação.
Fonte: http://provabrasil.inep.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=81&Itemid=98
Como indicador de desempenho é criado o Ideb,
identificado no site do MEC como Índice de Desenvolvimento
da Educação Básica (Ideb), criado pelo Inep em 2007, este
índice reúne num só indicador dois conceitos: o fluxo
escolar e médias de desempenho nas avaliações. Segundo
informações do MEC, não basta aprovar o aluno sem o alcance
de aprendizagens efetivas, pois o Ideb agrega ao enfoque
pedagógico dos resultados das avaliações em larga escala
do Inep a possibilidade de resultados sintéticos, facilmente
assimiláveis, possuindo capacidade de identificar a qualidade
educacional para os sistemas. O indicador é calculado a partir
dos dados sobre a aprovação escolar, obtidos pelo Censo
Escolar e médias de desempenho nas avaliações (Saeb – para as
unidades da federação e a Prova Brasil – para os municípios).
SALERMO, S. C. K.; KFOURI-SILVA, S. F. / UNOPAR Cient., Ciênc. Human. Educ., Londrina, v. 11, n. 1, p. 29-38, Jun. 2010
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9
Gestão da Educação e a Função de Supervisão Pedagógica
Alguns sistemas estaduais e municipais têm iniciativas
quanto a um sistema de avaliação próprio, a exemplo do
Saresp em São Paulo e do Proeb em Minas Gerais.
O desafio para os profissionais da educação que atuam
localmente é correlacionar os resultados extraídos das
avaliações de sistema aos resultados das avaliações locais:
avaliação de aprendizagem e avaliação institucional.
A avaliação de aprendizagem é ponto central do processo
pedagógico, pois é avaliação não só do aluno, mas do
processo, portanto, do trabalho do professor e das condições
nas quais o trabalho acontece, portanto não é unilateral, mas
omnilateral. A leitura no dinamismo do processo pedagógico,
o que potencializa as escolhas, ajusta o foco - a visão.
A visão de processo implica no reconhecimento do alvo.
Para Nóvoa (2006), a prioridade da escola, não deve centrarse no conhecimento (abordagem tradicional) ou no aluno e
professor (abordagem escolanovista), mas na aprendizagem.
Primar pela aprendizagem, é claro, não exclui os demais
sujeitos e componentes, integra-os. Para Nóvoa (2006), uma
coisa é dizer que o objetivo está centrado no aluno outra coisa
é dizer que está centrado na aprendizagem.
A aprendizagem é o resultado na prestação de contas
que os profissionais devem dar. Avaliar é prestar contas do
trabalho desenvolvido, buscando efetivar as aprendizagens,
numa dinâmica de transparência e de auto-avaliação.
Um processo de avaliação que tenha em vista a
democratização das aprendizagens necessita superar uma
concepção acrítica da educação, a qual produz um sentimento
ilusório, considerando que a escola por si só é capaz de dar
conta da democratização pelo simples fato de incluir a classe
majoritária, antes alheia ao espaço escolar, ou pelo sentimento
de impotência presente na concepção crítico-reprodutivista,
a qual considera que a escola cumpre o papel de reforçar e
legitimar a marginalidade que é produzida socialmente6.
O processo de superação passa pelo reconhecimento
do campo educacional como um campo de luta contra a
seletividade, discriminação e rebaixamento do ensino. Uma
luta na qual estamos a favor das aprendizagens, para tanto,
faz-se necessário uma concepção crítica substantificada numa
prática reflexiva – uma práxis pedagógica –, a qual reconhece
a contradição e nela batalha para alcançar seus objetivos.
Sendo assim, um processo de avaliação de caráter
emancipatório necessita dar conta de suas funções, quais sejam:
função diagnóstica, a que identifica o estágio/progresso do
aluno para proporcionar meios adequados para o alcance dos
objetivos; função pedagógico-didática, busca dar conta dos
objetivos previstos na proposta curricular; função de controle,
a que traz a superfície níveis de alcance de aprendizagem, por
meio de verificações parciais e finais que ocorrem durante o
processo e no final. Essas funções, na medida em que visam
a aprendizagem, se distanciam da concepção da avaliação
vista tão somente para aprovar ou reprovar, mas devem ser
concebidas como um instrumento leitura do processo para
encaminhamentos adequados.
A competência técnica se faz necessária para o
cumprimento dessas funções, pois seu desempenho ocorre
com planejamento e rigor, utilizando-se de instrumentos
adequados para cada situação de aprendizagem.
Para Luckesi (2002), a avaliação subsidia decisões a
respeito da aprendizagem.Aescola ao centrar na aprendizagem
do aluno, utiliza-a para enriquecer o ambiente educacional.
A gestão escolar estando submetida e direcionada ao alcance
desta aprendizagem, promove o papel da escola com empenho
coletivo, mediada por uma avaliação institucional/escolar.
A avaliação institucional/escolar se configura na avaliação
do projeto de educação que escola se propõe a desenvolver
num trabalho coletivo e participativo, portanto, uma avaliação
do alcance das condições e possibilidades que envolvem a
prática dos profissionais. O projeto pedagógico como elemento
técnico-político traz à tona a intencionalidade dos profissionais.
7 Considerações Finais
A educação como prática social política requer a clareza
desta intencionalidade, portanto, torna-se indispensável sua
planificação, pois traz a relevo sua concepção, objetivos,
metas, procedimentos e avaliação, bem como os recursos que
dispõe para tal manifestação.
O projeto pedagógico da escola é o elemento integrador
que necessita contemplar a correlação da avaliação de
aprendizagem com a avaliação de sistema mediada pela
avaliação institucional/escolar – se configurando numa autoavaliação da escola.
Há muito a ser alcançado no interior da escola para que
a qualidade necessária seja conquistada resultando num
projeto de elevação cultural da classe majoritária. Para tanto,
faz se necessário uma supervisão instrumentada técnica e
politicamente para viabilizar uma prática coletiva.
A gestão educacional em sua função de supervisão
pedagógica apresenta potencial como partícipe de um projeto
emancipatório para a educação, quanto exerce sua função
política comprometida com a elevação cultural dos alunos
e professores. Encarar a supervisão como elo de integração
no desenvolvimento de um projeto coletivo, implica
compreender a responsabilidade deste profissional onde junto
com seus pares assume o compromisso pela efetivação das
aprendizagens.
Evitar a ingenuidade e romantismo ilusório é ponto de
partida, pois as condições concretas de trabalho enfrentadas
pelos profissionais da educação ainda são obstáculos que nos
deparamos. Um longo caminho precisa ser percorrido. Mas,
como qualquer sonho, segundo Paulo Freire (1998), não se
faz com palavras desencarnadas, mas com reflexão e prática.
6 Ver Saviani (1985)
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10
Gestão da Educação e a Função de Supervisão Pedagógica
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SALERMO, S. C. K.; KFOURI-SILVA, S. F. / UNOPAR Cient., Ciênc. Human. Educ., Londrina, v. 11, n. 1, p. 29-38, Jun. 2010
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O PAPEL DO PEDAGOGO NO CONTEXTO ESCOLAR
Karina Gomes Rodrigues (FACINTER). [email protected]
Edi Marise Barni (FACINTER). [email protected]
Resumo
Este trabalho tem como objetivo realizar uma reflexão sobre o papel do pedagogo no
contexto escolar. Para fundamentar essa proposta, optou-se pela estratégia metodológica
bibliográfica, onde os autores em questão promovem uma abordagem democrática em
termos de prática pedagógica na orientação e supervisão escolar. Ao longo da leitura do
material notou-se que tanto a orientação pedagógica e a supervisão pedagógica, são
fundamentais para o caminhar da escola. Percebe-se que por mais que a discussão sobre
esse assunto tem avançado, ainda tem muito a melhorar. Fazer com que a escola cumpra o
seu verdadeiro papel não é tão simples assim, depende de um trabalho de parceria entre
professores, equipe pedagógica e comunidade em geral. A orientação pedagógica, e a
supervisão pedagógica têm um papel preponderante no aspecto de criar subsídios para que
a parceria aconteça, no sentido de ter como foco principal o resultado com sucesso do
processo de ensino-aprendizagem do aluno.
Palavras-chave: Supervisão Escolar. Orientação Escolar. Pedagogo.
THE ROLE OF THE PEDAGOGUE IN THE SCHOOL CONTEXT
Abstract
This work has as objective to carry through a reflection on the paper of pedagogo in the
pertaining to school context. To base this proposal, it was opted to the bibliographical
metodológica strategy, where the authors in question promote pedagogical a democratic
boarding in terms of practical in the orientation and pertaining to school supervision.
Throughout the reading of the material one noticed that as much the pedagogical
orientation and the pedagogical supervision, are basic to walk it of the school. One perceives
that no matter how hard the quarrel on this subject has advanced, still it has much to
improve. To play with that the school fulfills its true role is not so simple thus, depends on a
work of partnership between professors, pedagogical team and community in general. The
pedagogical orientation, and the pedagogical supervision has a preponderant paper in the
aspect to create subsidies so that the partnership happens, in the direction to have as main
focus the result successfully of the process of teach-learning of the pupil.
Keywords: School monitoring. School Orientation. Pedagogue.
Introdução
A premissa de que a educação é o reflexo daquilo que se encontra ideologicamente
alicerçado em um contexto histórico, pode ser analisada sob a ótica da visão de mundo,
assumida na década 80, onde o modelo criado para a gestão industrial e gestão do trabalho,
pautado na estratégia de especializar setores e funções, passa a vigorar também no contexto
escolar.
12
Com base em uma estrutura de pensamento oposta ao referenciado acima, é que se
pretende questionar, nesse trabalho, que tem por objeto, o estudo do real papel do
pedagogo no ambiente escolar, toda essa divisão de tarefas que não delimitam ao certo, o
que se quer, desse profissional, em termos de estrutura pedagógica, bem como demonstrar
de que forma pode e deve se dar o trabalho integrado entre a supervisão escolar e a
orientação educacional, e entre a supervisão escolar e a orientação pedagógica.
Para fundamentar essa proposta, optou-se pela estratégia metodológica
bibliográfica, onde os autores em questão promovem uma abordagem democrática em
termos de prática pedagógica.
A Importância do trabalho integrado entre supervisão escolar e orientação
educacional
Para que se possa compreender como se dá historicamente a presença do pedagogo
em um contexto escolar, é necessário, antes de tudo, verificar alguns conceitos relacionados
à supervisão escolar e à orientação educacional. Nesse viés, afirma-se que a mentalidade
contemporânea estimula um propósito de mudança da prática pedagógica, numa
perspectiva democrática, uma vez que o contexto histórico mostra que, desde o séc. XVIII, o
controle e a fiscalização do trabalho do professor, marcaram as ações que caracterizaram o
papel do supervisor educacional no Brasil.
Hoje, propõe-se uma prática dinâmica e inter-relacionada, pois: É preciso um
Orientador e um Supervisor trabalhando interdisciplinarmente, redimensionando sua prática
assumindo uma postura de educadores comprometidos com a formação do indivíduo, com o
desenvolvimento e o fortalecimento da vivência das relações democráticas na escola.
(FRISON.2000, p.20)
Embora exista essa mentalidade diferenciada nas discussões de cunho educacional,
ainda é possível verificar resquícios dessa autoridade, vivenciada no século XVIII, em muitas
instituições escolares brasileiras, o que contraria a ideia do autor acima citado. Essa
mentalidade fiscalizadora da supervisão educacional, e da orientação educacional se dá no
período histórico da industrialização no Brasil. Elas surgem num momento de crise
econômica aliada a um regime totalmente autoritário que consequentemente refletia no
interior das escolas. Nesse contexto de ideias, é importante salientar que, o trabalho da
supervisão escolar foi marcado por três fases, segundo as autoras, Urbanez e Silva, (2008,
p.42):
Fiscalizadora: nesta fase, a supervisão confunde-se com a inspeção escolar, visto que
sua atuação estava mais preocupada com cumprimento de prazos e leis; Construtiva: O
autor usa uma expressão interessante para essa fase: Supervisão orientadora, que dá ideia
de preocupação com o trabalho de orientação dos professores, corrigindo as falhas que
pudessem apresentar e orientando-os nos procedimentos considerados mais adequados;
Criativa: é a fase atual, em que a supervisão se separou definitivamente da inspeção escolar
caminhando em direção do aperfeiçoamento das pessoas envolvidas no processo de ensino
aprendizagem. As fases explicitadas retratam as lutas pela democratização do ensino, desde
o fim do regime militar até os dias de hoje. Nota-se que a educação passa por
transformações significativas, sobretudo no papel dos especialistas da educação, que são o
retrato do amadurecimento neste campo tão mal desenhado. Da mesma forma ocorreu com
a orientação pedagógica, que surgiu da necessidade de organizar o interior da escola,
marcada pelo sistema trabalhista, cujo papel era a preparação dos alunos para o mundo do
13
trabalho. O orientador tinha como função mestra, desenvolver ou descobrir a vocação
profissional do aluno, de modo a colocá-lo no lugar certo [...] com o orientador não foi
diferente [...] com a ideia de orientação vocacional [...] sua linha mestra, o aconselhamento,
visava direcionar as crianças e jovens ao mundo do trabalho [...]. (URBANEZ e SILVA, 2008,
p.43)
O surgimento do supervisor escolar, na realidade das escolas, contribuiu para a
divisão do trabalho, onde cada um dos membros responsáveis pela educação e
aprendizagem dos alunos, realizava sua tarefa de querer fazer bem o seu papel, mas de
forma individualizada.
Neste sentido, a própria concepção de supervisão era autoritária, antidemocrática,
de modo que a ação do supervisor era centrada no conteudismo. Dessa forma, o acesso ao
conhecimento passou a ser inerte sem o envolvimento com outros especialistas, professores
e alunos, necessário à aprendizagem. Diante dessa reflexão, iniciou-se o questionamento da
função da escola, de modo que se chegou à conclusão de que, a mesma, não poderia ser um
simples veículo de informação, tornando-se um espaço sem sentido, deixando de lado o
conhecimento significativo como fator primordial da aprendizagem.
A partir de 1980, começa a mudar o discurso sobre o papel da escola, inclusive dos
profissionais da educação e da necessidade da formação e da presença de um pedagogo,
seja supervisor ou orientador nas instituições escolares aliado ao professor na tarefa de unir
as forças, para enfrentar os desafios que a própria profissão se encarrega de mostrar.
Em relação a essa ideia, nas palavras de Makarenko, (apud Gadotti, 2002. p. 136):
Não se pode educar um coletivo, pelo menos um coletivo infantil, se não houver um
coletivo de pedagogos. Não restam dúvidas de que não se poderá fazê-lo se cada um dos
pedagogos de uma escola realiza, separadamente, o seu trabalho educativo segundo o seu
próprio entendimento e desejo. Portanto, a partir da década de 80 à supervisão educacional
vai se transformando, à medida que a figura do supervisor deixa de ser aquele que dita
ordens e o outro tem que obedecer. Essa mentalidade vai sendo substituída pela função do
supervisor. Essa função supervisora pode ser compreendida como um processo em que um
professor, mais experiente e mais informado, orienta outro professor [...]. (ALARCÃO, 2001,
p.13).
Com essas novas reflexões, surgem os primeiros sinais da importância do trabalho
integrado de todos os profissionais da educação, principalmente do supervisor e orientador
educacional. Atualmente é travada uma luta de superação das tarefas atribuídas ao
orientador educacional, o qual deve atender aos alunos e os supervisores atenderem aos
professores. O trabalho fragmentado, próprio do período tecnicista foi denunciado por
diversos estudos e pesquisas realizado neste campo do saber. Assim sendo, o que se busca é
o pedagogo e não mais o supervisor ou orientador isoladamente. (URBANEZ E SILVA, 2OO8,
p.62)
Dessa forma, integram-se as duas funções, seja ela do supervisor ou do orientador
educacional, comprometidos com o trabalho coletivo e fazendo uso da democratização do
conhecimento em parceria com a direção, professores, alunos e comunidade, de modo a
buscar sempre, o trabalho em equipe. Nesse sentido, o supervisor é um educador e, se ele é
um educador, ele não escapa a sua prática a esta natureza epistemológica da educação.
(FREIRE, 1982, p.95).
O supervisor educacional, assim como o orientador, tem formação de um educador,
e lhes é atribuído trabalhar esse aspecto, cujo relacionamento deve ser de amparo, de
aproximação com os professores em momentos de crise, colocando-se no lugar do outro, de
14
forma a conquistar a confiança da equipe docente. Tudo isso, tendo em vista um
relacionamento humano autêntico, de modo a analisar os pontos positivos e negativos da
questão. Além disso, comprometer-se com o planejamento do Projeto Político Pedagógico
da escola, instrumento essencial, que favorece a integração entre supervisor e orientador. O
sucesso de uma escola comprometida com a aprendizagem dos alunos, só é possível com a
integração efetiva desses profissionais na busca de um ensino integral e de qualidade.
15
Pedagogo: uma dimensão histórica
Tendo em vista a análise anterior, pode-se dar continuidade com as reflexões a
respeito da função do pedagogo, profissional da educação, que nas escolas do Brasil, surge
na década de 1930. Os primeiros pedagogos, em nosso país, iniciam as atividades, como
técnicos em educação. A partir da década de 60, as escolas expandem-se. Vivencia-se nesse
contexto, um momento onde o capitalismo rege a sociedade e, em prol da dominação
econômica e demanda do capital, é necessário que as escolas, juntamente com seus
pedagogos técnicos, contribuam com a reprodução das relações sociais. Diretamente
falando, que cada cidadão, mantenha-se na mesma classe social.
Surge, então, a fragmentação do trabalho com os modelos taylorista/fordista que
estabeleceram como princípios ideológicos: a produtividade, a eficiência, a eficácia e o
controle. Esse método de trabalho acabou influenciando a organização dos procedimentos
pedagógicos dentro das escolas. Isso significa afirmar que, a ideia de escola passa a ser a
de um ambiente que prioriza o âmbito administrativo em detrimento do âmbito
pedagógico.
Para atender a demanda, ou seja, para garantir a nova ideologia vigente nesse novo
contexto escolar, o Conselho Federal de Educação, por meio do Parecer 252/69, reformula o
curso de Pedagogia e estabelece regras e normas para que este habilite seus alunos, ao final
de seu curso, com a formação de: administrador escolar, supervisor escolar e orientador
educacional. A função desses profissionais era atender o que o capitalismo exigia: reproduzir
e manter as relações sociais. Essa mentalidade reforça o seguinte pensamento: engana-se
quem considera começar, dentro da escola, o processo educativo. Ele está idealizado para
além dos muros da própria escola. Nos anos 60, os índices de evasão escolar e repetência
foram altos. São apresentados por intelectuais capitalistas às escolas como situações que
impedem o desenvolvimento econômico do Brasil, e defendem a implantação da tecnologia
educacional para que estes sejam resolvidos. Nesse contexto, A educação passa a ser vista
como investimento individual e social, em decorrência do que deve vincular-se aos planos
globais de desenvolvimento.
A expectativa de que a educação atenda às necessidades econômicas, políticas e
sociais conduz inicialmente à avaliação dessas mesmas necessidades, o controle da execução
dos projetos e a posterior verificação do grau de atingimento dos objetivos propostos.
(KUENZER & MACHADO, 1982, p.34).
A educação passa a ter um cunho econômico pela qualificação da mão-de-obra, pela
redistribuição de renda, pela maximização da produção e ao mesmo tempo, pelo
desenvolvimento da consciência política indispensável ao Estado autoritário. (KUENZER E
MACHADO, 1982, p.34).
Por isso, é fundamental reproduzir e manter as relações sociais. Desse modo, Saviani
(2004, p. 20) reafirma que: [...] o problema de encaminhamento que se deu à questão do
curso de pedagogia reside numa concepção que subordina a educação à lógica do mercado.
Assim, a formação ministrada nas escolas deveria servir à produtividade social, ajustando-se,
o mais completamente possível, às demandas do mercado de trabalho que, por sua vez, são
determinadas pelas leis que regem uma sociedade de mercado como esta em que vivemos.
A partir de 1990, a globalização da economia, a nova relação entre Estado e
sociedade e a reestruturação das formas de produção irão provocar mudanças significativas
nas relações no mundo do trabalho e, como consequência, as demandas impostas pelo
capitalismo antes dos anos 90 para com a educação também serão alteradas radicalmente,
Na dimensão de compromisso político com a qualidade da vida social e produtiva. Ao
mesmo tempo, exigem-se novos comportamentos, em decorrência dos novos processos de
organização e gestão do trabalho, onde as práticas individuais são substituídas por
procedimentos cada vez mais coletivos, onde compartilham responsabilidades, informações,
conhecimentos e formas de controle, agora internas ao trabalhador e ao seu grupo.
(KUENZER, 1999, p.30)
Analisando todas essas mudanças ideológicas e a influência dessas mudanças no
âmbito educacional, cabe, a todos os profissionais dessa área, promover uma educação que
ajude os alunos a solucionar os desafios do mundo contemporâneo.
A importância do trabalho pedagógico integrado entre supervisão e orientação
pedagógica
Torna-se pertinente caracterizar qual a saída, para que se possa representar a crítica
diante de todas essas mudanças de cunho pragmático no aspecto educacional. Tal saída
pode estar vinculada ao trabalho integrado, entre supervisão e orientação educacional. Essa
mentalidade é necessária, pelo simples fato de que todos, dentro de uma escola, possuem
um objetivo comum: a aprendizagem do aluno. Porém, para que essa integração seja
efetivada, é necessário romper com algumas práticas existentes no âmbito escolar, pois,
muitos ainda não têm clareza, a respeito do que vem a ser realmente a função do pedagogo
na escola. Vê-se nas escolas, como .função do pedagogo.: correr atrás de aluno que não quer
assistir aula, atender alunos que se machucam, que brigam, que vem sem uniforme, que
desacatam professores e funcionários, atender turmas em que o professor não consegue
conter a indisciplina, que não dá os conteúdos previstos, enfim, são inúmeras as situações
do dia-a-dia na escola que impedem a efetivação e integração do trabalho de supervisão e
orientação pedagógica.
Diante do exposto, muitas escolas, acabam optando pela fragmentação dos
trabalhos, pois, o que é essencial ao trabalho de um pedagogo, acaba ficando de lado
novamente. É preciso examinar se nossa atuação, enquanto profissionais da educação,
articula-se com todos os envolvidos no processo pedagógico, havendo uma multidimensão
de seu papel: social, política, cultural, mas não numa plurifunção. (FANK, 2006, p. 3).
Nesse caso, o papel do pedagogo, entre muitos exemplos, é o de despertar a mestria
em seus professores. Nesse sentido, de acordo com Makarenko (apud Gadotti 2002,
p.137), é necessário não só dar instrução aos professores, mas também educá-los. Em que
sentido educar um professor? No sentido de mostrar-lhe o que a academia não ensina,
como o fato de sorrir para os alunos, de sentar-se, de falar, de olhar, de erguer a tonalidade
da voz etc. Isso para iniciar pelo mínimo. Esse é o motivo que diferencia um mestre de um
professor, uma escola de um produto do capital. É função do pedagogo, nortear novos
caminhos para a educação, a aprendizagem, o interesse, a motivação do aluno, a construção
de uma nova escola que busque humanizar o que foi e continua sendo barbaramente,
16
desumanizado pelo capital: a relação entre os seres humanos. (CARVALHO, 2007, p.12). É
preciso romper com a visão estagnada que se tem do pedagogo. Esse profissional da
educação precisa entender-se e compreender-se como agente transformador da sociedade.
Nesta discussão não podemos deixar de afirmar que não podem existir mais nas escolas,
trabalhos isolados, mas sim o trabalho de parceria e com o olhar para a coletividade é
fundamental. Perrenoud (2000) afirma a necessidade de dez competências essências para o
andamento da escola com sucesso, são elas: organizar e dirigir situações de aprendizagem,
administrar a progressão das aprendizagens, conceber e fazer evoluir os dispositivos de
diferenciação, envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho, trabalhar em
equipe, participar da administração da escola, informar e envolver os pais, utilizar novas
tecnologias, enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão e administrar sua própria
formação contínua. Não vamos entrar em cada item desses, pois iríamos longe, mas iremos
nos ater a importância do supervisor e orientador pedagógico, fundamentar seu trabalho em
bases solícitas e com pressupostos teóricos/práticos na ação do dia a dia da escola.
O olhar para a totalidade da escola, no sentido de buscar um resultado que satisfaça
as diretrizes e bases da educação no que é pertinente. É necessário que os papéis
executados pelo supervisor e orientador pedagógico, estejam em consonância com os
demais profissionais da escola, e respeitando as leis que regem esse contexto.
Considerações finais
O pedagogo ainda nos dias de hoje continua tendo sua função desvirtuada devido à
fragmentação das funções dentro do contexto escolar. Esse resgate deve ser feito para que o
pedagogo possa exercer sua função, segundo os preceitos que norteiam sua qualificação
dentro de uma gestão democrática, social e igualitária. Para tanto, vale ressaltar, que se não
houver uma linguagem única no ambiente escolar, onde os professores também tenham
ciência de que o papel do pedagogo, dentro desse contexto, não é o de apagar incêndio,
esse profissional continuará acumulando para si, atividades que não lhe cabem. Por isso, a
ideia de que é necessário educar os professores, não pode ficar a esmo, pois o comodismo
dos mesmos em querer delegar tudo para aqueles que estão na função de organizadores do
processo pedagógico, é mais forte do que a própria vontade de eles mesmos encontrarem
soluções para as questões adversas.
É necessário um trabalho de parceria entre todos da escola, que tenham um projeto
político pedagógico bem definido e construído e reavaliado por todos. A escola é de todos,
para todos.
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18
CONSELHO DE CLASSE: ESPAÇO DE ANÁLISE, REFLEXÃO E AVALIAÇÃO DO
TRABALHO PEDAGÓGICO
Marta Betanes da Silva1
Resumo
O eixo reflexivo deste artigo é o Conselho de Classe enquanto espaço legitimador de
discussão e avaliação do aproveitamento dos alunos e da turma como um todo. Enquanto
órgão colegiado presente na organização da escola, tem função de buscar alternativas para a
superação dos problemas de aprendizagem apresentados pelos alunos, porém não tem dado
conta de modificar, bimestre após bimestre, o resultado de fracasso. Assim sendo, o artigo
apresenta uma análise do Conselho de Classe de uma escola pública do município de
Jaguapitã, Paraná, faz uma reflexão sobre qual a concepção de Conselho de Classe que
permeia o pensamento dos professores, pedagogos e alunos da escola pesquisada, como se
dá o processo de intervenção e quais os resultados alcançados após cada Conselho.
Palavras-chave: Conselho de Classe. Avaliação. Intervenção. Aprovação.
Abstract
The axis of this article is reflective of the Council as an area legitimized in class
discussion and evaluation of the use of students and class as a whole. As acollegiate body in
the organization of school function, he has to seek alternatives to overcome the problems
presented by students of learning, but has not given account to modify term after term
result of the failure. Therefore, the article presents an analysis of the class of a public school
in the municipality of Jaguapitã, Parana, which is a reflection on the design of board of class
that permeates the thinking of teachers, educators and students of the school investigated,
as gives the process of intervention and what the results after each council.
Keywords: Class Council. Assessment. Intervention. Approval.
Introdução
O Conselho de Classe é um órgão colegiado de gestão. Dentro da organização do
trabalho pedagógico se configura como espaço que possibilita a análise do desempenho do
aluno e do desempenho da própria escola de forma coletiva propondo ações e intervenções
para a melhoria da aprendizagem do aluno e da prática docente. Entretanto essa não tem
sido a prática da maioria das escolas, que veem no Conselho de Classe um momento apenas
de aprovação e reprovação, considerando, muitas vezes, práticas fragmentárias do trabalho
pedagógico. Durante o momento da discussão muitas são as análises feitas sobre as turmas
1
Especialista em Administração, Supervisão e Orientação Educacional. E-mail
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e sobre o desempenho acadêmico dos alunos. São formuladas propostas para a superação
dos problemas de aprendizagem, buscam-se soluções alternativas para as dificuldades que
aparecem, realimenta-se o planejamento, porém no próximo Conselho de Classe,
novamente, os mesmos alunos apresentam os mesmos problemas como se os indicadores
de resultado do Conselho anterior e suas decisões não tivessem subsidiado a condução do
planejamento.
No último Conselho de Classe cabe ao colegiado dar o veredicto: aprovado, aprovado
por Conselho de Classe, reprovado pelo Conselho de Classe. Esta prática está sedimentada
em muitas escolas da rede pública de ensino. Este artigo propõe uma reflexão sobre o
Conselho de Classe, seu conceito, objetivo, sua organização e seu caráter avaliativo voltado
para o redimensionamento da ação pedagógica e a pouca interferência destas ações na
recuperação da aprendizagem do aluno, a fim de contribuir para que o resultado alcançado
seja outro. A ideia do estudo deste tema surgiu da necessidade de compreender por que os
Conselhos de Classe realizados bimestralmente não alteram os resultados finais dos alunos.
O locus da pesquisa se deteve na Escola Estadual Dr. Waldemiro Pedroso – Ensino
Fundamental, do município de Jaguapitã – Paraná, no período de 2006 a 2008. Para a
obtenção dos dados foram utilizadas entrevistas com professores, pedagogos e alunos e
feita a análise da Ficha de Acompanhamento Bimestral, preenchida pelos professores da
escola juntamente com o pedagogo. A pesquisa privilegiou técnicas qualitativas porque
parte do pressuposto de procurar a explicação para os resultados finais da escola, a partir do
alto índice de aluno reprovado ou aprovado por Conselho de Classe.
A literatura relativa ao Conselho de Classe é escassa. Dentre os muitos temas que
ocupam a atenção dos nossos teóricos educacionais, o Conselho de Classe não tem ocupado
lugar de destaque, porém o material escrito sobre o mesmo foi de suma importância para
compreender a organização desta instância colegiada e o seu funcionamento. Uma vez que o
Conselho de Classe tem uma função importante no processo avaliativo do aluno e que sua
prática não tem alterado os resultados no final do ano letivo, fez-se necessário buscar
informações para, assim, fundamentar o estudo. À luz da teoria foi possível analisar o
Conselho de Classe, sua importância para o processo de aprendizagem e as implicações para
a vida do aluno, quando as propostas de intervenção não dão conta do resultado levando o
mesmo à reprovação e ao fracasso escolar. Se o Conselho é um espaço democrático de
avaliação coletiva, questionamos: como garantir que esse mesmo espaço promova
resultados concretos e garanta a aprendizagem do aluno? O problema estaria nas
avaliações? A escola adota um modelo de avaliação no Projeto Político Pedagógico e os
professores na sua maioria praticam outro? O problema estaria nas intervenções?
Professores e pedagogos definem ações para a superação dos problemas de
aprendizagem, registram em ata e, após o Conselho não aplicam as mudanças
metodológicas e caem na rotina didática? Ou o professor assume com responsabilidade as
intervenções e não encontra público interessado em aprender? É claro que estas são
algumas das hipóteses.
Poderíamos enumerar outras.
20
Diante de um quadro em que, a escola, espaço que deveria promover a ascensão
social pelo conhecimento, tem sido uma instituição que está favorecendo a exclusão, não
por conta de sua organização, mas por conta de sua prática, urge aproximar os objetivos do
Conselho de Classe, os resultados obtidos, e, buscar as causas desta situação de descrédito
deste órgão colegiado, propondo ações pautadas na responsabilidade de todos.
21
O que é o Conselho de Classe?
Embora o Conselho de Classe tenha surgido na França (Rocha, 1984) e sua
implantação no Brasil, inicialmente tenha sido voluntária e depois determinada por portarias
e deliberações a fim de avaliar o resultado do aluno de forma coletiva, ainda hoje esse
Conselho, embora teoricamente deva servir a este propósito, o que se observa é outra
perspectiva. Os Conselhos de Classe têm-se constituído em espaço legitimador da exclusão
dos alunos das classes populares da escola. Isso pode ser observado quando se analisa o
resultado final e observa-se o grande número de alunos de uma mesma série que foram
retidos e se não foram, garantiram a aprovação por este mesmo Conselho. Mas afinal o que
é Conselho de Classe? Iniciemos pela conceituação. Rocha (1984) assim conceitua:
O Conselho de Classe é uma reunião dos professores da turma com
múltiplos objetivos, entre outros destacamos: avaliar o
aproveitamento dos alunos e da turma como um todo; chegar a um
conhecimento mais profundo do aluno e promover a integração dos
professores e de outros elementos da equipe da escola. (ROCHA,
1984, p. 9)
Neste primeiro conceito já se observa a forma conjunta e colaborativa dos
integrantes da escola nesse espaço avaliativo que é o Conselho de Classe. O magistério
talvez seja a profissão que mais reúna, num mesmo grupo, diferentes personalidades vindas
das mais variadas classes sociais para adquirir conhecimentos transmitidos por alguns
profissionais do ramo. Por isso o atendimento individual muitas vezes se perde. É nesse
aspecto que o Conselho de Classe ganha importância porque reúne informações que muitas
vezes passam despercebidas por alguns e que são fundamentais para o entendimento da
situação escolar do educando. Sant’ Anna (1995) define Conselho:
É uma atividade que reúne um grupo de professores da mesma série
visando em conjunto chegar a um conhecimento mais sistemático da
turma, bem como acompanhar e avaliar cada aluno individualmente,
através de reuniões periódicas. (SANT’ANNA, 1995, p. 88)
As reuniões do Conselho de Classe devem ser entendidas como fonte de
informações, como acréscimo de conhecimentos que auxiliarão o educador na compreensão
do processo de aprendizagem. Cruz (1995) vai um pouco mais além. Aproxima o conceito de
conselho ao conceito de avaliação. Assim, o conselho de classe: É o momento de uma
avaliação diagnóstica da ação pedagógica – educativa feito pelos professores e alunos (em
momentos distintos, às vezes) à luz do Marco Operativo da Escola. (CRUZ, 1995, p. 117) O
conceito apresentado por Cruz traduz dois momentos importantes. O primeiro é que o
Conselho de Classe é um momento de avaliar diagnosticamente o trabalho coletivo a partir
de um referencial e em determinado tempo. O segundo é que ele deve subsidiar as ações e
o Projeto Político Pedagógico, onde no marco operativo estão descritos os objetivos que se
pretende alcançar. Portanto é uma reflexão conjunta da ação pedagógica na vida da escola.
Dalben (2004), estudiosa do assunto, com o maior referencial teórico assim
conceitua:
O Conselho de Classe é um órgão colegiado, presente na organização escolar, em que
vários professores das diversas disciplinas, juntamente com os coordenadores pedagógicos,
ou mesmo os supervisores e orientadores educacionais, reúnem-se para refletir e avaliar o
desempenho pedagógico dos alunos das diversas turmas, séries ou ciclos. (p. 31)
Vasconcellos (1994, p. 72-3) afirma que os Conselhos de Classe podem ser importantes
estratégias na busca de alternativas para a superação dos problemas pedagógicos,
comunitários e administrativos da escola. São organizados através de reuniões durante o
ano onde devem participar professores, pedagogos, direção, alunos ou seus representantes,
auxiliares de disciplina e pais, a fim de ter uma visão de conjunto e o seu enfoque principal
deve ser o processo educativo. Nessa reunião devem ser apontadas as necessidades de
mudança em todos os aspectos da escola, devem ser tomadas providências, registradas e
avaliadas no Conselho seguinte. Libâneo(2004) também define Conselho de Classe:
O conselho de classe é um órgão colegiado composto pelos professores da classe, por
representantes dos alunos e em alguns casos, dos pais. É a instância que permite
acompanhamento dos alunos, visando a um conhecimento mais minucioso da turma e de
cada um e análise do desempenho do professor com base nos resultados alcançados. Tem a
responsabilidade de formular propostas referentes à ação educativa, facilitar e ampliar as
relações mútuas entre os professores, pais e alunos, e incentivar projetos de investigação.
(p. 303) Libâneo, como os demais, conceitua o Conselho atentando para a responsabilidade
que este órgão colegiado tem de formular propostas com base educativa que garantam uma
relação cordial entre professores, alunos e pais.
Conselho de Classe e Avaliação
Embora haja uma escassa bibliografia sobre a importância dos Conselhos de Classe
nas unidades escolares, muitos dos conceitos citados pertencem especificamente a
literatura sobre avaliação do trabalho pedagógico. Através de uma leitura mais reflexiva
sobre o Conselho de Classe observa-se que ele é importante considerando a amplitude de
sua ação que é avaliar. Avaliar o aluno, avaliar o professor, avaliar a escola como um todo.
Sendo assim é muito pertinente o conceito de conselho apontado por Cruz (1995): avaliação
diagnóstica da própria avaliação praticada na sala de aula, em suas diversas representações.
22
Então os Conselhos de Classe representam uma instância privilegiada e oferecem a
oportunidade de discutir e avaliar o trabalho de toda a equipe escolar e a situação do aluno
naquele momento. Ao conceituar o Conselho de Classe há uma defesa pontual da avaliação.
Nessa perspectiva, essa avaliação conjunta dos professores remete a uma prática de
trabalho coletivo norteada por uma proposta comum. Essa proposta comum está
intrinsecamente ligada à avaliação e sua concepção no interior da proposta pedagógica
curricular de cada disciplina definida pelo grupo de professores. A concretização de um
projeto de avaliação baseado na análise do desempenho a fim de garantir que os objetivos
sejam alcançados, deve ser comungada por todos os profissionais que trabalham na unidade
escolar. As reuniões de Conselho de Classe parecem ser um dos poucos espaços em que as
diferentes visões de ensino e de mundo se encontram, porém nesse momento do cotidiano
escolar, estas visões diferentes não têm encontrado espaço para se confrontarem e deste
confronto emergir uma proposta articulada de trabalho, aproximando a avaliação que se
pratica no interior de sala de aula à avaliação discutida no Conselho de Classe. E, se o
processo não é feito com responsabilidade profissional de todos, como garantir que o
resultado seja eficiente?
Paro (2001, p. 39) acredita neste princípio: Em educação, é pela realização de um
bom processo que se podem aumentar as probabilidades de realização de um bom produto;
daí a importância da constante e adequada avaliação desse processo. O tipo de avaliação
que se pratica na escola deve ser assumido com responsabilidade a partir dos princípios da
justiça e da igualdade, pois é no interior do processo que se realiza a formação humana de
cujo êxito depende o futuro do indivíduo e também o da sociedade.
Conselho de Classe como órgão de integração
O termo “Órgão Colegiado” é citado por mais de um autor. Compreende que não é
formado somente pelo diretor, pelo contrário, é constituído por todos os professores da
turma, por pedagogos, diretor e em alguns lugares por pais, alunos ou representantes de
alunos. A representatividade desta forma é conjunta e coletiva. A todos é dado o direito de
participação. Cada um pode e deve contribuir na análise, discussão, reflexão e avaliação dos
resultados da sala de aula em relação ao desempenho do aluno, do desempenho do
professor e da escola. O trabalho coletivo deve fazer parte desse momento, pois o seu
resultado será melhor quanto maior for a integração entre os seus membros. A participação
efetiva de professores, pedagogos e direção permite que se desenvolva um processo
educativo de reflexão e discussão coletiva sobre a prática de toda escola possibilitando uma
visão de conjunto e como se dá a construção do projeto pedagógico abordado por Cruz
(1995). Embora nesse coletivo nem sempre o aluno se faz presente. No entanto, é dele e
sobre ele que será falado. Ele é a figura central, presente por meio dos resultados positivos
ou negativos. Rocha (1984 p. 28) afirma que:
O grande potencial educativo do Conselho de Classe está no fato de constituir,
dentro do processo educacional, o principal instrumento a ser utilizado para atingir uma
23
maior participação dos professores. Este aspecto de integração é essencial, pois é no
Conselho que os professores de ensino fundamental e médio encontram seus pares e
discutem problemas pertinentes ao trabalho de sala de aula. Esta participação dos
envolvidos no processo educativo é importante por razões didáticas e por realização pessoal.
Conselho de Classe e sua organização
O Conselho de Classe é um órgão deliberativo e configura por ser um espaço de
análise e de tomada de decisões sobre o trabalho pedagógico. E tendo esta característica,
Dalben (2004), enumera algumas preocupações que devem estar presentes organização do
conselho: é órgão deliberativo sobre: a) objetivos de ensino a serem alcançados; b) uso de
metodologias e estratégias de ensino; c) critérios de seleção de conteúdos curriculares; d)
projetos coletivos de ensino e atividades; e) formas, critérios e instrumentos de avaliação
utilizados para o conhecimento do aluno; f) formas de acompanhamento dos alunos em seu
percurso nos ciclos; g) critérios para apreciação dos alunos ao final dos ciclos; h) elaboração
de fichas de registro do desempenho do aluno para o acompanhamento no decorrer dos
ciclos e para informação aos pais; i) formas de relacionamento com a família; j) propostas
curriculares alternativas para os alunos com dificuldades específicas; l) adaptações
curriculares para alunos portadores de necessidades educativas especiais; m) propostas de
organização dos estudos complementares. (p. 33)
O Conselho de Classe deve primar pela autenticidade na busca do melhor resultado
para o aluno em questão. As informações passadas nas reuniões devem ser estudadas,
pesquisadas e avaliadas antes de qualquer tomada de decisão. E todo processo adotado
deve ter continuidade e ser objeto de análise. Através da relação das deliberações citadas
por Dalben (2004) realmente constata-se que este órgão é um espaço prioritário de
discussão pedagógica que na verdade não termina no mesmo dia, nem começa no mesmo
dia, requer um acompanhamento anterior e um atendimento posterior onde o professor,
em conjunto com o pedagogo, realimenta o planejamento , seleciona o conteúdo e prepara
uma metodologia capaz de estimular o desenvolvimento intelectual do aluno. O trabalho
pedagógico exige justamente isso: diagnóstico da realidade da aprendizagem, planejamento,
ação, avaliação, replanejamento continuamente. A atividade pedagógica é uma roda viva.
Exige do profissional uma ação dinâmica sobre a aprendizagem do aluno, a fim de superar as
distâncias entre a cultura do aluno e o conhecimento. (...) os processos de avaliação/reflexão
da prática apoiam-se na inter-relação permanente entre professor-aluno-conhecimento,
denominada aqui de interestruturação. A finalidade do processo de avaliação é realizar uma
investigação contínua da realidade para melhor conhecê-la e entendê-la cabendo aos
educadores o papel de captar essa totalidade de relações, coletando dados e informações
sobre o desenvolvimento dos alunos e cuidadosamente, registrando suas necessidades e
possibilidades. (DALBEN, 2004, p. 72)
Pode-se observar que não é de uma prática burocrática que Dalben está se referindo.
Esta também existe na escola quando as ações dos profissionais são desvinculadas da sua
24
responsabilidade docente. É de uma prática que busque nos resultados dos dados
investigativos um investimento pedagógico que altere os encaminhamentos didáticos para
mudar este referencial diagnosticado. Desta forma, no dia do Conselho, com base nos dados
desta análise anterior e com o seu grupo coletivo fazem a avaliação do desempenho do seu
aluno, turma, propõe encaminhamentos comuns, individuais, realimentam o planejamento,
não de forma fragmentada, isolada, distante do pedagógico, como se o tempo que parasse
para pensar no seu aluno fosse tempo perdido. Mas, ao contrário, veem nessa prática o seu
caráter pedagógico ligado ao ato de ensinar e ao ato de aprender. A reflexão que se faz é
que se o Conselho de Classe, na sua organização conta com um arsenal de funções tão
amplo, então porque não dá conta de mudar os resultados?
Seria a prática do Conselho uma prática mecânica onde as discussões são superficiais
e as propostas de solução são apenas clichês para serem registrados em atas a fim de
atender exigências burocráticas, com pouca consequência prática no sentido de melhorar o
ensino ofertado? Repensar o sentido que o Conselho de Classe assumiu no processo escolar,
constitui caminho para análise e possível redirecionamento do projeto pedagógico da escola.
Assim, o repensar crítico sobre o Conselho deve estar relacionado ao próprio projeto
educacional. Isso implica em um posicionamento político. Nesse sentido, o movimento a ser
considerado são as implicações que o Conselho de Classe traz para o processo de
aprendizagem, tanto a teoria que vem informando os educadores como a legislação que
normatiza este órgão. A reflexão do professor, do pedagogo e do gestor sobre o seu próprio
trabalho será o melhor instrumento de aprendizagem e é essa nova atitude desses
profissionais da educação que trará um novo significado às práticas do Conselho de Classe.
Na verdade o Conselho de Classe é uma oportunidade ímpar que possuem os
envolvidos com a aprendizagem, pois além da liberdade que cada um tem de expor suas
impressões, ainda são encorajados pelos pares que ao longo da discussão vão apresentando
argumentos para a soma do resultado ou a busca do melhor caminho. Só o que não pode
faltar em cada membro desse Conselho é o comprometimento com a causa e a justiça na
tomada de decisão.
A escola em estudo
A escola em estudo pertence à rede pública estadual. No início de 2008, data de
início da pesquisa a escola contava com 897 alunos matriculados sendo 412 do período
matutino, 357 do período vespertino e 128 são alunos matriculados no noturno numa faixa
etária que varia entre dez e dezesseis anos distribuídos nos três turnos. Por ser essa a única
escola pública que atende a 2ª etapa do ensino fundamental 5ª a 8ª série, ela abrange todas
as classes sociais do município e dentro de suas limitações, enfrenta um conjunto de
dificuldades relacionais e de aquisição de conhecimentos.
A escola está organizada da seguinte maneira: conselho escolar; direção e direção
auxiliar; professores e alunos; conselho de classe e equipe pedagógica; secretaria, auxiliar
25
administrativo, biblioteca e serviços gerais; Associação de Pais, Mestres e Funcionários
(APMF).
Para distribuir esses alunos nas turmas em primeiro lugar consideram-se a idade,
depois a repetência e as multirrepetências, ficando numa mesma sala alunos egressos da
turma anterior e alunos repetentes considerando a mesma porcentagem de meninos e
meninas, salvo casos específicos conforme análise da equipe pedagógica ou solicitação do
corpo docente em Conselho de Classe.
A distribuição de aulas segue classificação conforme Resolução Estadual da Secretaria
de Estado da Educação. Para atender a parte pedagógica há na escola uma demanda de cem
horas divididas entre três professoras pedagogas; duas que atuam no período da manhã e
da tarde e uma que atende o período noturno. O corpo docente da escola em 2008 é
formado por 21 professores efetivos e 13 professores contratados pelo processe seletivo
simplificado. Há uma diretora e uma diretora auxiliar.
O planejamento executado pela escola é semestral, porém é realimentado após cada
Conselho de Classe considerando as intervenções propostas pelos professores durante o
Conselho. Para o planejamento das aulas, estudo, leitura, o professor tem hora atividade e
nesse momento ele planeja, estuda, e desenvolve suas aulas partindo do plano semestral. As
metodologias aplicadas nem sempre conseguem atingir a maioria dos alunos e envolvê-los
nas atividades propostas e isso leva o professor à busca de métodos diferenciados na
tentativa de despertar o interesse e a participação dos alunos, ainda que de forma individual
em cada disciplina, muitas vezes sem clareza de uma linha teórica que a fundamente. Os
conteúdos são distribuídos por disciplina, obedecendo ao disposto das Diretrizes
Curriculares organizados de maneira sequencial, dando maior ênfase na assimilação de
conteúdos.
O sistema de avaliação proposto é de um processo diagnóstico semestral, onde o
professor avalia 8,0 pontos através de instrumentos diversos de avaliação e os outros 2,0
pontos são atribuídos pelo Conselho de Classe, através da análise de uma ficha de
acompanhamento bimestral que avalia o desenvolvimento intelectual, a organização pessoal
e o relacionamento do aluno. A definição dos 2,0 pontos é feita apenas no final de cada
semestre.
A escola sendo a maior fonte de cultura do município é pouco valorizada pela
sociedade em geral a começar da própria família. A falta de conscientização de muitos pais
na educação dos filhos, o desemprego e a passividade do cidadão na exigência de seus
direitos e cumprimento dos seus deveres são dados observados constantemente nos
atendimentos feitos pela direção e pelas pedagogas. Através do acompanhamento mensal
da frequência feita pelas pedagogas e pelo comunicado aos pais, observa-se a necessidade
de constantemente a escola ter de recorrer ao Conselho Tutelar para que interceda junto à
família a fim de garantir o direito do aluno a frequência e o aproveitamento escolar. Mesmo
assim é uma ação mais coercitiva do que educativa e seu resultado é mínimo diante dos
resultados de repetência e evasão.
26
Os dados estatísticos
As estatísticas do ano de 2005 e 2006 evidenciam um resultado preocupante. Em
2005 observe que de 109 alunos matriculados nas 5ª séries do período da manhã, 63 alunos
foram aprovados, 18 alunos foram aprovados pelo Conselho de Classe e 22 alunos
reprovados. As 5ª séries do período da tarde no ano de 2005 tiveram o seguinte resultado:
150 alunos matriculados, 58 alunos aprovados, 31 aprovados por Conselho de Classe e 43
reprovados. À noite a situação foi um pouco pior. Dos 31 alunos matriculados, 22
abandonaram a escola, 1 aluno foi aprovado por mérito próprio, 3 alunos aprovados por
conselho de classe e 5 reprovados.
Veja o desempenho das 6ª séries no ano de 2005. No período matutino 107 alunos
matriculados, 56 alunos aprovados, 16 aprovados por Conselho de Classe e 25 reprovados.
No período vespertino, 128 alunos matriculados, 59 aprovados, 13 por Conselho de Classe e
25 reprovados, considerando também que houve evasão de 6 alunos desta série. O período
noturno 28 alunos matriculados, 15 abandono, 1 aluno aprovado, 1 alunos aprovado por
conselho de classe e 9 reprovados. Observe agora o ano de 2006 estas mesmas séries. 5ª
série período matutino: 115 alunos matriculados, 56 aprovados por nota, 20 aprovados por
Conselho de Classe, 29 alunos reprovados. O período vespertino: 131 alunos, 44 aprovados
por nota, 28 aprovados pelo Conselho de Classe, 25 reprovados. O período noturno: 17
matriculados, 01 aprovado por nota, nenhum aprovado por Conselho de Classe e 3
reprovados, 12 alunos abandonaram a escola.
Analise o resultado das 6ª séries de 2006. Período matutino: 114 alunos, 56
aprovados por nota, 25 aprovados por Conselho de Classe, 26 reprovados. O período da
tarde: 119 matriculados, 41 aprovados, 23 aprovados por Conselho de Classe, 34 reprovados
por nota e 7 abandonos. O período noturno 41 alunos matriculados, 1 aluno aprovado por
nota, 3 aprovados pelo Conselho de Classe e 30 evadidos. Estes são dados gerais de apenas
5ª e 6ª série desta escola, porém as 7ª e 8ª séries, a realidade não é muito diferente nesta
escola.
Como se dá aprovação nesta escola? A aprovação se dá pelo cálculo de médias
semestrais atingidas pelo aluno ou por análise e definição do Conselho de Classe. A ênfase
para a aprovação está no crescimento pessoal do aluno, em detrimento dos objetivos das
disciplinas nas séries. A realidade de cada turma, turno e formação do professor favorecem a
diferença de aprendizagem na aprovação do aluno, ocasionando baixa qualidade na
aprovação e defasagem na série seguinte.
Diante da análise da estatística de resultados verifica-se alto índice de evasão no
período noturno, constatando-se, que em sua maioria são alunos fora da idade/série e
trabalhadores, com multirrepetências e que priorizam outros aspectos de sua vida. O
trabalho do professor nestas turmas fica prejudicado diante do rodízio de alunos nas aulas
em função das faltas dos mesmos.
Os índices demonstram um aumento na aprovação, mas não se percebe na realidade
uma melhora na qualidade de aprovação. Analisando a ficha mais atentamente observa-se
27
que os alunos que foram citados em 2005 com problemas na leitura, escrita e compreensão
nas disciplinas de história, ciências, no ano de 2006, estes mesmos alunos observados
deixaram de ser citados nestas disciplinas e passaram a apresentar os mesmos problemas
nas disciplinas de língua portuguesa e geografia, além de matemática. Observa-se assim que
a falta de clareza na definição dos indicadores e a falta de critérios dos profissionais ao
avaliar diariamente estes indicadores definidos no coletivo assim como as propostas de
intervenção para superar as dificuldades merecem mais atenção por parte do coletivo. Um
outro fator que prejudica é o fato de que muitas vezes diante de resultados insatisfatórios
em determinadas turmas em virtude da defasagem de aprendizagem, aprova-se o aluno
pelo crescimento, mesmo sem atingir os objetivos da série. É um problema que necessita de
enfrentamento urgente com ações integradas entre gestão, equipe pedagógica, professores,
alunos e pais.
A função da escola é garantir que o aluno aprenda e é no Conselho que isso deve
ficar claro para todos. A reunião que acontece bimestralmente deve avaliar o trabalho
docente, analisar o resultado discente e buscar alternativas para garantir aprendizagens.
Apesar de o Conselho discutir os problemas pertinentes à aprendizagem e propor
intervenções para a superação dos resultados muitas ações ainda devem ser feitas a fim de
garantir aprendizagem para todos.
Este é um quadro que muito tem preocupado direção, professores e pedagogos da
escola. No início do ano letivo é analisado, estudado e muitas propostas de intervenção são
sugeridas, porém há de se dedicar mais estudo para minimizar estes problemas e garantir a
melhoria da aprendizagem do aluno sem que o mesmo dependa da decisão do conselho
para seguir para a série seguinte.
Como é o Conselho de Classe da escola pesquisada
A escola em estudo, em seu Conselho de Classe, conta com uma ficha de
acompanhamento preenchida previamente pelos professores na semana que antecede o
Conselho. Observa-se pela análise dessa ficha, a dificuldade que muitos professores
apresentam na prática cotidiana em decorrência do emprego de instrumentos avaliativos
diferenciados. Percebe-se que, observando atentamente a ficha há uma falta de coerência
entre os critérios de avaliação adotados pelos diferentes professores ao indicar na ficha, os
itens referentes a leitura, escrita e compreensão. Na maioria das turmas analisadas, há
certa distância entre estes critérios, onde alguns professores citam os alunos porque não
conseguem ler com fluência, apresentam problemas na oralidade e devem ser
trabalhados, não compreendem o que pede o enunciado de um exercício e não identificam
a ideia central do texto. Porém este mesmo aluno em outras disciplinas não é citado, como
se a dificuldade dele não existisse, ou melhor, não dominar a leitura, escrita e não
entender os enunciados são apenas detalhes que não são registrados por alguns
professores por não considerar importante ou por não diagnosticar isso nas avaliações.
28
Onde está o nó dessa desarmonia avaliativa? No excesso de alguns professores ou na falta
de zelo de outros?
Ao iniciar o Conselho as pedagogas entregam uma cópia da ficha de
acompanhamento bimestral das turmas em análise para os professores. Na escola
pesquisada os professores se reúnem por série e por turno. Assim no período da manhã se
encontram no mesmo Conselho todos os professores de quinta série do período da manhã.
Inicialmente os professores traçam o perfil das turmas. Em seguida com a ficha na mão
iniciam a análise da mesma observando onde há a concentração de dificuldade. Ao mesmo
tempo fazem uma análise comparativa entre as turmas, observando se há distância entre o
desenvolvimento intelectual e a formação pessoal. Detectadas as fragilidades dos
indicadores presentes na ficha, são feitas reflexões e diante da análise e dos problemas
levantados, muitos professores justificam o baixo nível de aprendizagem pelo desinteresse
dos alunos, pela falta de perspectiva de futuro, pelo não envolvimento nas aulas e pela não
realização das atividades propostas por parte de muitos alunos. Estes fatores necessitam de
um diagnóstico individual, pois as causas em algumas situações são do processo de ensino, e
em outras por distúrbios ou disfunções de aprendizagem. Outro indicador analisado é o
problema disciplinar que os alunos vêm demonstrando cada vez mais ao deixar de executar
regras, assim como respeitar colegas e professores, consequência essa, da falta de
acompanhamento e limites claros e firmes.
Concluída essa análise os professores propõem encaminhamentos comuns para os
problemas detectados na ficha que devem ser superados. Essas ações que devem ser
aplicadas por todos e estão ligadas à dificuldade de leitura, escrita e compreensão,
problemas quanto a execução de tarefas, relacionamento e normas. Em seguida cada
disciplina faz a sua proposta de intervenção para superar a dificuldade que o aluno encontra
na mesma. Fica para o último momento as solicitações feitas pelos professores para a
equipe pedagógica e direção sobre encaminhamentos referentes aos alunos que
apresentam problemas nos itens presentes na ficha referentes a normas, relacionamento.
Assim que termina o Conselho cada professor conselheiro agenda uma data para apresentar
aos pais o resultado do aproveitamento escolar do filho. Nesta reunião o professor com a
ficha de acompanhamento bimestral apresenta os resultados da turma e entrega um
boletim diagnóstico onde consta o desenvolvimento intelectual do aluno e informativos
sobre o seu desempenho em sala de aula. Há também neste boletim solicitação aos pais no
processo de intervenção para a superação das dificuldades, caso o aluno necessite.
As pedagogas elaboram um quadro contendo um resumo das ações que devem ser
implementadas ao longo do bimestre. Essa ação permite que a equipe escolar procure novos
caminhos e estabeleça outras ações, para que todos tenham oportunidade de aprender,
garantindo o direito do aluno a um ensino de qualidade e o cumprimento da função social da
escola.
29
A voz dos professores, pedagogos e alunos diante do Conselho de Classe
Para subsidiar essa reflexão foi feita uma pesquisa junto aos 44 professores, 3
pedagogos e 30 alunos da escola pesquisada. 100% dos questionários foram respondidos e
devolvidos. O objetivo da pesquisa foi justamente verificar qual é a concepção de Conselho
de Classe dos envolvidos no processo educacional no seu âmbito de competência, qual o seu
papel, e se estão alcançando os objetivos da forma como este órgão colegiado está
organizado.
A voz dos professores
Dos 34 professores entrevistados, 21 pertenciam ao quadro próprio do magistério e
13 são professores contratados pelo Processo de Seleção Simplificado (PSS) O questionário
era composto por 5 questões referentes ao conceito, organização e funcionalidade do
Conselho de Classe. Ao analisar a primeira questão quanto a concepção de Conselho de
Classe percebe-se que a maioria dos professores entende que o Conselho de Classe é o
momento mais apropriado para se avaliar o trabalho desenvolvido, buscando nas
experiências dos outros a solução para as dificuldades apresentadas no decorrer do
processo. Para dezesseis professores entrevistados o Conselho de Classe é uma reunião para
avaliar o resultado do trabalho. É interessante observar que ao definir Conselho de Classe
muitos apontaram o Conselho como um momento de avaliação do próprio trabalho a partir
do desempenho do aluno.
Professor P ¨ momento em que o educador pode avaliar o resultado do seu trabalho
analisando o desempenho do aluno¨
Professor C ¨momento que vamos avaliar o resultado do nosso trabalho e
aprendizagem do aluno¨.
Professor I 1 ¨momento em que avaliamos como está o nosso trabalho em sala de
aula e quais as intervenções que devem ser feitas para sanar as dificuldades dos alunos¨
Professor I 2 ¨momento de fundamental importância para a prática docente, pois
podemos repensar a nossa prática e buscar soluções em conjunto¨.
Professor EF ¨de suma importância, pois avalia não só o aluno, mas o processo,
envolvendo o docente e o discente¨.
Para onze deles o Conselho é uma reunião que verifica se houve aprendizagem e
analisa as dificuldades da turma a fim de propor intervenções. Professor G ¨é nele que o
corpo docente se reúne para discutir de que forma está a aprendizagem e cria maneiras e
métodos mais eficazes para superar as dificuldades dos alunos¨.
Professor EF 2 ¨analisar a situação real do aluno para se fazer intervenções se
necessário¨.
Para os demais entrevistados o Conselho é uma reunião para analisar o aluno e para
uma troca de informações. Pode-se observar que os professores entrevistados têm
convicção da importância do Conselho, porém é preciso aproximar esta listagem de
30
conceitos com a prática cotidiana, considerando que o objetivo desta análise é diagnosticar
porque os Conselhos são inoperantes nos resultados. Isso será apresentado mais adiante.
Ao concluir a análise da questão 1, constata-se que embora alguns dos entrevistados
não responderam a questão, muitos professores entendem que o Conselho de Classe é uma
reunião importante com o intuito de avaliar o trabalho docente, com vistas para a melhoria
da aprendizagem do aluno, porém, nenhum dos entrevistados apresentou no conceito de
Conselho de Classe reunião com professores, equipe pedagógica e direção. Interessante
observar que a equipe pedagógica assim como a direção que preside o Conselho não tem
participação nas concepções apresentadas pelo corpo docente nesta primeira questão.
A segunda questão tinha como objetivo analisar qual é o papel do Conselho de Classe
no processo de avaliação do aluno e da escola. No processo de avaliação dos alunos, as
respostas dos professores foram bastante variadas prevalecendo a ideia de que o papel do
Conselho de Classe no processo de avaliação do aluno é analisar o aluno e diante das
dificuldades detectadas propor encaminhamentos para sanar os problemas de
aprendizagem.
Algumas frases ilustram a ideia de que o papel do conselho no processo de avaliação
do aluno é analisar o aluno e encaminhar.
Professor P ¨ analisar e definir encaminhamentos comuns para que o aluno supere
sua dificuldade¨.
Professor EF1 ¨detectar lacunas na aprendizagem deste e solucioná-las objetivando
maior aproveitamento e avanço¨.
Professor EF 2 ¨verificar as dificuldades do aluno e buscar alternativas na superação
dos problemas¨.
Na verdade, pelas respostas percebe-se que o papel do Conselho no processo de
avaliação do aluno é analisar a sua aprendizagem e buscar soluções para as dificuldades
encontradas no decorrer do processo. Novamente as respostas são assertivas e se
aproximam dos conceitos dos teóricos que em outras palavras apontam para finalidade do
Conselho como sendo um espaço de análise, discussão e encaminhamento de propostas
para a superação do resultado. No processo de avaliação da escola as respostas foram
bastante variadas: buscar melhorias no ensino, avaliar o trabalho pedagógico, verificar o
trabalho do aluno e do professor, verificar o nível dos educadores e da escola, acompanhar o
desenvolvimento do aluno, mudar a partir dos resultados. Embora as respostas sejam
bastante variadas, percebe-se que a preocupação é com a avaliação tanto do professor
quanto do aluno.
Professor P ¨diante dos resultado avalia-se o trabalho pedagógico e verifica-se como
e porque está interferindo na aprendizagem¨.
Professor C ¨dar subsídios aos professores, alunos e pais diante do levantamento de
problemas¨.
Professor C 2 ¨verificar se todos os envolvidos estão atendendo aos objetivos
propostos¨.
31
Professor I ¨colaborar para que os alunos tenham garantido o seu direito de aprender
e superar dificuldades¨.
Professor EF 2 ¨ajudar os professores a rever seus métodos, sua forma de avaliar¨.
Entende-se que todos confiam e esperam que a escola ou sua parte administrativa e
pedagógica seja um auxílio no trabalho do professor em sala de aula, subsidiando e
apoiando as mudanças necessárias ao bom andamento do trabalho, numa espécie de
cumplicidade mútua nas explicações sobre o que não deu resultado.
A terceira pergunta feita faz referência à ficha de acompanhamento bimestral,
preenchida na semana que antecede o Conselho. Cada professor, durante sua hora atividade
preenche com o pedagogo a Ficha de Acompanhamento Bimestral de seus alunos por turma.
O objetivo desta ficha é fazer um levantamento diagnóstico sobre o desempenho do aluno
no campo do desenvolvimento intelectual (leitura, escrita e compreensão, aprendizagem,
tarefas), organização pessoal (autonomia, organização, atenção e concentração) e
relacionamento (professor, colegas e normas) antes do Conselho de Classe. Os indicadores
presentes na ficha são definidos anualmente pelos professores, equipe pedagógica e
direção. Durante o Conselho de Classe os membros do colegiado fazem uma análise da ficha
apontando as dificuldades da turma, seu perfil. Diante desta análise são definidas
intervenções necessárias ao processo ensino aprendizagem, com encaminhamentos comuns
a todos os professores da turma e específicos por disciplina e ou aluno. Neste momento há
também a definição de encaminhamentos pela direção e ou equipe pedagógica. Após o
Conselho é entregue aos professores uma síntese das ações comuns para enfrentamento
dos problemas apontados na ficha que deverão ser aplicadas por todos ao longo do
bimestre.
A problematização da pesquisa está justamente aí. Depois de um raio x feito entre
professor e pedagogo sobre o desempenho individual do aluno, depois da análise da turma e
da definição de metas para serem alcançadas ao longo de um bimestre, o que acontece
entre a execução e a reavaliação destas mesmas turmas que no Conselho seguinte
apresentam o mesmo quadro diagnóstico? Assim, as próximas questões da entrevista estão
voltadas para o uso da ficha e sua aplicação na sala de aula e no planejamento. Os objetivos
destas últimas perguntas eram identificar se os professores consideravam a ficha
importante, qual sua finalidade frente aos resultados do Conselho de Classe e se utilizam a
mesma no decorrer do bimestre. Pelas respostas dadas observa-se que a maioria (28) aprova
o preenchimento da ficha como forma de avaliar o trabalho, prevenir injustiças, fazer um
diagnóstico e também como auxílio na avaliação. Para o professor a ficha serve como um
documento de comprovação do desempenho do aluno. Apenas três dos entrevistados
disseram não utilizar a ficha, dois utilizam com pouca regularidade, apenas para pressionar o
aluno a estudar mais e um professor não respondeu. Alguns professores abordaram a
importância da mesma no desenvolvimento do Conselho de Classe.
Professor H ¨o preenchimento da ficha é de suma importância, pois tem como
finalidade orientar o Conselho de Classe, além de ser através da mesma que se pode analisar
alunos com problemas de aprendizagem¨.
32
Professor P 3 ¨é importante preencher a ficha porque ela norteia os
encaminhamentos e as tomadas de decisões no Conselho de Classe¨.
Apenas um professor faz uma ressalva quanto a importância do preenchimento da
ficha, diz ser importante desde que seja com seriedade.
Acredita que nem todos os seus pares estão preparados para avaliar o cotidiano do
aluno.
A última pergunta feita está relacionada à objetividade do Conselho de Classe. Dos
professores entrevistados, dez acreditam que o Conselho de Classe realizado na escola onde
atuam atinge seu objetivo, sete dizem que não. Onze acham que em parte atingem os
objetivos e os demais não sabem. Apenas um professor não respondeu a esta questão.
Embora o Conselho seja visto como grande auxiliar do professor pela maioria, constata-se
que essa mesma maioria acredita que ele alcança só em partes seu objetivos. Alguns são
extremistas ao afirmarem que não. Isso demonstra que mudanças são necessárias para se
chegar a um denominador comum. Importante ressaltar que os que responderam que sim
valorizam a troca de experiências, as ideias lançadas e as medidas tomadas em conjunto.
Analisando as respostas dadas pelo corpo docente fica claro que eles não apresentam
problemas quanto ao conceito de Conselho de Classe, pelo contrário trazem nos seus
discursos uma concepção teórica clara de Conselho, porém pelas respostas dadas à última
pergunta se o Conselho atinge o seu objetivo pelas respostas observa-se que a prática dos
professores está um pouco distante da teoria, embora eles mesmos reconheçam isso. Ao
que parece o Conselho é a finalização de todo o trabalho e a indicação de uma meta
cumprida, porém as decisões tomadas em conjunto dividem responsabilidades e
providências.
A voz das pedagogas
As três pedagogas entrevistadas mantiveram coerência em todas as perguntas e têm
uma concepção de Conselho de Classe de análise do desempenho dos alunos e do professor
e entendem que no processo de avaliação do aluno o Conselho analisa o rendimento escolar
e as dificuldades e na avaliação da escola ele é útil na medida em que identifica dificuldades
e define intervenções, quer sejam individual quer sejam coletiva quanto ao processo ensino
aprendizagem. Entendem também que o pré-conselho adotado pela escola é importante
porque ajuda a agilizar o Conselho e registra o embasamento para a conversa com os pais,
além de servir como parâmetro para o trabalho do professor. Quanto aos problemas que
prejudicam o preenchimento da ficha, são unânimes em citar o descompromisso de alguns e
a falta de conhecimento da realidade. O que leva ao preenchimento infiel.
Concordam também que o Conselho até hoje ainda não atingiu no total os seus
objetivos, primeiro porque a prática muitas vezes difere do que ficou decidido em reunião,
ou por desconhecimento, ou por descompromisso com a causa. Para elas falta um
envolvimento mais efetivo de alguns professores desde o preenchimento da ficha até a
33
seleção das intervenções no momento do Conselho de Classe. Essa falta de envolvimento
acaba por comprometer o sucesso deste órgão colegiado.
A voz dos alunos
Os alunos da escola também foram ouvidos sobre o Conselho de Classe. Foram
entrevistados trinta alunos sendo dez aprovados por mérito próprio, dez aprovados pelo
Conselho de Classe e dez reprovados. Para fazer a seleção destes alunos considerei o ano de
2006 como referência e a 5ª B e a 6ª série B do período matutino e 5ª D e 6ª série D, do
período vespertino. Esta experiência de “dar voz” ao aluno, o maior interessado no processo
de aprendizagem, permitiu, dentre outros aspectos, analisar através das respostas o quanto
é necessário voltar a atenção para a voz do aluno. Qual é o conceito que ele tem de
Conselho de Classe, como se dá a sua relação com a aprovação e ou reprovação. Em linhas
gerais os alunos entrevistados foram bastante coerentes em suas respostas, o que não quer
dizer comprometimento com o estudo. Para eles o Conselho de Classe existe para avaliar o
aluno e aceitam isso como uma simples norma da escola. Ter o nome citado no Conselho,
para eles é fato corriqueiro e dá até certa fama. O professor cumpre o seu papel de informar
o resultado do Conselho, mas a maioria não apresenta preocupação para que seu nome saia
da lista da próxima reunião. Os que foram aprovados pelo Conselho veem isso como
conclusão normal e se dizem merecedores porque estavam na média. Os reprovados
apresentaram o mesmo conformismo e têm plena consciência de que a causa está na falta
de dedicação, nas notas baixas durante o período, na falta de estudar e na indisciplina.
As vozes dos diversos atores escolares: professores, pedagogos e alunos revelaram
que, teoricamente, conceituam Conselho de Classe denotando o caráter organizacional do
mesmo. Embora todos reconheçam a importância do Conselho de Classe na análise do
desempenho do aluno e no resultado do trabalho pedagógico do docente, os dados
levantados esclarecem que os alunos atribuem ao Conselho de Classe uma responsabilidade
que eles não se eximem em se condenar: reprovam pelo Conselho porque não se dedicaram.
Implementação do trabalho
Desenvolver uma proposta de intervenção é essencial quando há uma problemática e
essa problemática está interferindo na qualidade da produção da aprendizagem. No
decorrer da pesquisa os professores e pedagogos participaram de um estudo tendo como
referencial teórico um caderno pedagógico. Este caderno Pedagógico foi organizado em 04
unidades. A lógica para o aprofundamento do estudo teve como ponto de partida
Conceituando Avaliação na 1ª unidade; Avaliação e Legislação na 2ª unidade; Avaliação e
Reprovação Escolar na 3ª unidade e na última unidade Conselho de Classe e Avaliação. O
estudo do caderno pedagógico ao longo de 2008 ofereceu momento de reflexão,
aprofundamento teórico sobre temas próximos do Conselho de Classe como avaliação,
34
reprovação e Conselho de Classe, discussão por disciplinas e finalmente momento da
elaboração de um plano de ação para cada temática estudada.
A leitura e reflexão de cada unidade aconteceram durante cada encontro pedagógico
previsto no calendário escolar. A primeira temática estudada foi a tão falada avaliação. Os
professores fizeram uma revisão de conceitos. Quando questionados sobre suas
experiências com a avaliação no ensino fundamental e médio muitos disseram que não
houve muito avanço nos instrumentos avaliativos, permanecem os mesmos. Disseram,
porém que há um grande esforço dos professores diante das muitas leituras que fazem de
acertar e tirar da avaliação o seu estigma de agente classificatório e punitivo. Um professor
do grupo fez uma boa reflexão sobre a avaliação e seu objetivo. Disse que no passado a
avaliação era apenas a prova e seu objetivo era mostrar o resultado da aprendizagem do
aluno, porém hoje a avaliação é um sinalizador para melhorar o trabalho do docente com
vistas a melhoria da aprendizagem do aluno. Realmente a avaliação não pode ficar apenas
na constatação como muitas vezes acontecem nos Conselhos de Classe, mas ela deve
fornecer subsídios imediatos para corrigir o processo educativo. Paro (2001) observa que a
avaliação educativa deve significar precisamente o cuidado com a qualidade do ensino. Ele
assim acaba definindo a razão de ser da avaliação.
(...) a razão de ser da avaliação educativa não é a classificação ou a
retenção de alunos, mas a identificação do estágio de compreensão e
assimilação do saber pelo educando, junto com as dificuldades que
este encontra, bem como os fatores que determinam tais
dificuldades com vista à adoção de medidas corretivas de ação.
(PARO, 2001, p. 40).
Verifica-se que, nesse sentido, para Vítor Paro, o conceito de avaliação toma outros
rumos que não é mais de promover uns e reprovar outros, mas fazer um diagnóstico dos
resultados e propor medidas para a superação, melhorando, consequentemente, a
aprendizagem do aluno. A segunda unidade teve como objetivo refletir sobre a
Avaliação/Recuperação prevista na Deliberação nº 007/ 99, Regimento Escolar, no Projeto
Político Pedagógico, nas Diretrizes Curriculares e na prática docente. Discutir a prática
pedagógica avaliativa à luz da legislação vigente após o estudo dos conceitos apresentados
na unidade anterior trouxe resultados positivos, pois durante as discussões foi possível
aproximar a teoria da legislação e da prática presente nas diretrizes curriculares e do plano
de trabalho docente. Os professores devem ter claro qual é a concepção de avaliação
presente tanto no regimento da escola quanto nas diretrizes para desenvolver um trabalho
coerente. Todos através da discussão foram unânimes em afirmar que o professor deve
considerar a legislação para, a partir da mesma rever suas ações e garantir a aprendizagem.
Nesta unidade o que mais gerou polêmica foi fazer uma reflexão sobre a recuperação de
estudos previsto na Deliberação nº 007/99.
35
Na verdade o que é recuperar? É possível recuperar algo que não foi construído. O
conceito de recuperação no campo educacional merece atenção, pois o seu conceito é vago.
Teoricamente recuperar significa tentar novamente. Em educação significa voltar, garantir o
que não aprendeu. A recuperação de estudos é parte integrante do processo de construção
do conhecimento e deve ser entendida como criação de novas situações de aprendizagem.
Este mecanismo está colocado à disposição da escola e do professor para garantir a
superação da dificuldade diagnosticada pela avaliação. A Lei de Diretrizes e bases da
Educação Nacional e nas Normas Regimentais Básicas para as escolas estaduais em seus
princípios e diretrizes garantem aos alunos oportunidades que promovam os avanços
escolares. A recuperação de estudo ainda causa muita discussão.o professor, pegagogo e
aluno sabem que consta na legislação, no Regimento Escolar, porém essa recuperação deve
ser revista. Da forma como vem sendo executada na maioria das escolas não dá. Ela é
apenas mais um estereótipo da avaliação. Vitor Paro (2001, p. 42) afirma que para corrigir o
equívoco da reprovação seria preciso considerar o conceito de recuperação do processo de
ensino, isso implica em revisão e correção da prática pedagógica.
Paro, (2003) observa que a recuperação não deve ser aplicada para melhorar os
dados estatísticos dos aprovados. A recuperação, em vez disso, deveria ser pensada como
um princípio derivado da própria avaliação. Está num processo contínuo e permanente,
embutido no próprio exercício de ensinar e aprender, diagnosticaria os problemas e
dificuldades que a recuperação, também num processo contínuo e permanente cuidaria de
solucionar (ou intentar soluções) pelo oferecimento de novos recursos e alternativas de
ação. (PARO, 2001, p. 42)
A recuperação de estudos é mais um mecanismo colocado à disposição da escola, do
professor e consequentemente do aluno para garantir que as dificuldades encontradas neste
ou naquele conteúdo sejam superadas durante o percurso escolar. Para que ela se efetive é
necessário entendimento de sua função, objeto de planejamento inserido no trabalho
pedagógico, constituindo-se em intervenções imediatas, assim que as dificuldades são
constatadas. A terceira unidade partiu da análise estatística dos resultados em 2003, 2004,
2005 e 2006 sobre aprovação – reprovação – abandono. Analisar a questão da reprovação
no processo de avaliação do ensino e da aprendizagem do aluno trouxe certa angústia para
os professores. Ao comparar os dados estatísticos referentes a taxa de aprovação
perceberam que houve redução da aprovação e expansão da reprovação e do abandono.
Atribuíram as causas a diversos fatores desde a família até ao próprio sistema de avaliação.
O tema reprovação escolar está posto pela escola em suas ações como resultado da falta do
aluno conseguir “média” para que seja aprovado. Não é possível falar em reprovação sem
abordar a avaliação. É preciso discutir a avaliação no contexto em que ela se realiza, pois
uma avaliação seletiva implicará numa reprovação irresponsável. Desta forma não se deve
transferir para a avaliação a responsabilidade do fracasso escolar nem isentá-la inteiramente
dos resultados uma vez que ela representa um mecanismo através do qual se define o
sucesso ou insucesso do aluno.
36
Para Esteban (1999, p.7) “qualquer reflexão sobre a avaliação só tem sentido se
estiver atravessada pela reflexão sobre a produção do fracasso/sucesso escolar no processo
de inclusão/exclusão social”. Arroyo (2000, p.13), afirma que nas últimas décadas instaurouse tanto no ensino privado, como no público uma “indústria da reprovação”. Desta forma, ao
invés de o professor se preocupar com a aprendizagem deste aluno vale a cultura da
reprovação e o aluno sem ser recuperado fica com o pé na rua, ampliando os dados
estatísticos da evasão escolar.
Segundo Vasconcellos (1998, p.17), a temática da avaliação é importante, pois traz
repercussões negativas como a evasão e os altos índices de reprovação. Para ele, a
importância se deve ao fato de que a avaliação pode contribuir para a “construção de uma
escola democrática e de qualidade para todos”. Segundo Vasconcellos (1994) há uma
determinação social que projeta para a escola a função reprovatória como saída. Assim,
professores, pedagogos, direção e até pais, assimilaram esta determinação social e
consideram que a escola deve reprovar e que reprovação é uma coisa tão normal quanto
aprovação. Nem todos devem ser aprovados, pois não tem nota e nem todos aprenderam. O
contexto criado para avaliar e classificar, para promover e reter é da nossa competência
profissional. É um desafio e a atividade pedagógica que se dá na escola deve buscar meios
de mudar este quadro. Analisar as estatísticas sobre retenção, defasagem, idade-série deve
ir além de um simples olhar, de buscar justificativas para estes dados. Deve promover
mudança de foco e deixar de considerar apenas o aluno como elemento de culpabilidade,
pois a punição só recai sobre ele, seu pouco esforço, seu desajuste, sua falta de inteligência.
O retorno do que se ensina é que se classifica em aprovação e reprovação, por isso é
preciso cuidado na hora de avaliar. Repensar a ação avaliativa é trabalhar a favor da
aprovação. No momento da elaboração do plano de ação para concluir a 3ª unidade os
professores citaram que para reverter esta situação é preciso uma ação conjunta onde todos
os envolvidos se sintam corresponsáveis para que os resultados sejam positivos. Na última
unidade o assunto em estudo foi o Conselho de Classe. O objetivo que pautou esta unidade
foi refletir sobre o Conselho de Classe, seu objetivo, sua organização, seu caráter avaliativo e
seus resultados. Nesse processo coletivo de avaliação todos os participantes têm condições
de analisar de forma global o aluno e assim estruturar o trabalho pedagógico apontando
encaminhamentos comuns para superar dificuldades de leitura, escrita e compreensão em
todas as disciplinas, além de definir estratégias de ação para recuperar as dificuldades
específicas por disciplina.
Os professores que participaram do estudo do caderno pedagógico concordam que a
prática do Conselho de Classe não se efetua concretamente e reconhecem que eles mesmos
têm responsabilidade sobre essa ineficiência, pois ao retornar para a sala de aula retomam a
rotina didática de vencer os conteúdos do plano de trabalho e se esquecem de considerar
durante todo um bimestre as intervenções definidas no coletivo. A falta de tempo, os
desencontros entre os critérios para atingir os objetivos são apontados também como
responsáveis pela inoperância do Conselho de Classe. Apontam também para a falta de ação
37
da equipe pedagógica que não oferecem atendimento necessário por estarem
constantemente resolvendo conflitos ocasionados em sala em virtude da indisciplina.
Para concluir o estudo apresentaram como plano de ação propostas práticas para
que as intervenções propostas no Conselho de Classe aconteçam no dia a dia da sala de aula
levando os alunos a superarem as suas dificuldades. Uma análise mais detida do estudo a
partir do caderno pedagógico vai ao encontro do objetivo central do trabalho. De qualquer
modo, o importante a registrar aqui é o enriquecimento do estudo e da reflexão
possibilitado pela análise, leitura, discussão e plano de ação. Esta breve síntese do trabalho
com o material didático teve o propósito de aproximar a pesquisa feita com os professores e
pedagogos e o estudo que aconteceu ao longo destes oito meses.
Considerações finais
Esta pesquisa surgiu de uma preocupação com o Conselho de Classe, da necessidade
de compreender porque seus objetivos nem sempre são alcançados. Consegui diante da
análise dos dados, da implementação do trabalho através do estudo do caderno pedagógico
alcançar os objetivos propostos no início da elaboração do plano de trabalho, porém, por ser
o Conselho de Classe um tema que traz ainda muita discussão merece mais estudos. Fazer
uma leitura e uma reflexão do material teórico e da legislação, foi de suma importância para
aproximar a teoria da prática e melhor compreender a razão de ser do Conselho de Classe
como um órgão consultivo dentro do sistema escolar. Para que ele tenha eficácia é
necessário um planejamento por parte da gestão e da equipe pedagógica a fim de definir as
metas a serem cumpridas. Sendo um espaço coletivo de avaliação onde participam do
mesmo todos os professores da turma, pedagogos e direção é dever de todos dividir as
responsabilidades e assumir o papel que lhe cabe.
Nesse sentido a parceria deve ser estabelecida no momento que são definidas as
ações a serem implementadas. Para que isso aconteça os educadores precisam ter clareza
para conduzir o trabalho pedagógico que vai desde a seleção dos conteúdos, definição dos
objetivos até a sua execução por meio de uma metodologia. Os professores, que são os
envolvidos direto no processo devem acreditar numa educação que transforma e que o
Conselho de Classe é o espaço privilegiado para uma reflexão pedagógica servindo para
reorientar o trabalho do docente e do aluno. Vasconcellos (1994 p. 53) alerta que qualquer
mudança na realidade escolar requer uma modificação de mentalidade e esta não pode se
resumir apenas ao discurso, requer dos envolvidos uma mudança de prática. Para que isso
aconteça professores, pedagogos e direção devem assumir um posicionamento pedagógico
claro onde as responsabilidades sejam divididas. A falta de articulação coletiva frente às
intervenções e ações em sala de aula acaba comprometendo o trabalho de todos. O papel
do Conselho é justamente esse, tornar dinâmico o processo de avaliação por meio da análise
dos participantes e estabelecer no coletivo, meios para a superação das dificuldades quer
sejam de aprendizagem, de relacionamento dentre outros. Estudar os resultados é o
primeiro momento coletivo de análise deste órgão colegiado. Com a ficha de
38
acompanhamento bimestral preenchida no pré-conselho da escola pesquisada, é possível
descrever e problematizar a realidade da sala de aula, interpretar os resultados da
aprendizagem de forma crítica, aproximar este resultado da prática do professor e propor
alternativas de ação. Este é o grande momento coletivo.
Rocha (1984) comenta que um dos objetivos do Conselho de Classe é justamente de
propiciar o conhecimento profundo do aluno, por ser o momento em que todos os
professores de uma turma se encontram, numa situação profissional. Isso acontece no
interior da escola pesquisada, porém há uma falta de posicionamento pedagógico de alguns
professores. A análise dos dados a partir das entrevistas e das reflexões oportunizadas pelo
estudo do caderno pedagógico apontou que embora teoricamente os Conselhos de Classe
realizados na escola acontecem conforme previsto no regimento escolar e no Projeto
Político Pedagógico, falta muito ainda para que o momento do Conselho de Classe possa ser
um espaço legitimador da avaliação. O estudo evidencia a necessidade de um maior
envolvimento de todos os membros do colegiado, por parte do docente na consolidação das
ações em sala de aula, por parte da equipe, que muitas vezes, não desenvolve o seu trabalho
em razão dos problemas ocasionados devido a indisciplina e outros problemas e por parte
da direção que é quem conduz todo o Conselho promovendo a discussão. O estudo em
questão não se esgota aqui, há muito a se fazer. O primeiro passo é mesmo a
conscientização dos professores, em sua totalidade.
A seriedade do trabalho do professor contribui para o real desenvolvimento do
aluno. Continuar buscando melhorias, acreditar no trabalho e se empenhar para um bom
resultado são objetivos que devem nortear sempre o trabalho de todos os professores. Essa
conscientização exige esforços de todos no sentido de estarem continuamente avaliando o
processo de aprendizagem dos alunos.
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educação básica. In: ABRAMOWICS, A. E Moll, J. (orgs.) Para Além do Fracasso Escolar.
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39
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_________________ Superação da Lógica Classificatória e Excludente da Avaliação
– Do “é proibido reprovar” ao é preciso garantir a aprendizagem. Cadernos Pedagógicos do
Libertad, v. 5. São Paulo, Libertad, 1998. 2ª edição.
40
JULIANO
LUIS BORGES
Escola e disciplina: uma abordagem foucaultiana
Mestrando
em Ciências
Sociais pela
Universidade
Estadual de
Londrina
[1] Sobre o
papel da
educação em
termos
normativos,
conferir a
Lei 9.394/96
(Lei de
Diretrizes e
Bases da
Educação
Nacional).
Juliano Luis Borges
Resumo
O objetivo fundamental da escola não é mais qualidade de ensino
ou elaboração de meios que facilitem o aprendizado. Esse fato
acarreta indagações e incertezas sobre o funcionamento da
instituição escolar. Para esclarecer essas questões e fornecer os
elementos para uma análise dessa realidade Michel Foucault se
apresenta como a principal referência teórica, possibilitando a
compreensão das relações presentes no cotidiano escolar. Nas
relações de poder contidas nesse ambiente, o “poder disciplinar”
demonstra toda sua eficácia. Os mecanismos componentes desse
poder são os responsáveis pela afirmação de um sistema punitivo
que move toda “engrenagem” educacional.
Palavras-chave: escola, poder, disciplina, vigilância, punição.
Abstract
[2] Apreende
r a realidade
escolar
através do
instrumental
analítico
foucaultiano
é perceber,
através de
uma
multiplicidad
e de minúcias
que
compõem o
social, como
as relações
de poder
perpassam
esse universo
e adquirem
formas
The school’s basic purpose is not the teaching quality or the
elaboration of means which facilitate learning. This fact causes
questionings and uncertainties on the functioning of the school. In
order to clear these questions up and provide elements for an
analysis of this reality, Michel Foucault is presented as the main
theoretical reference, enabling the understanding of the relations
present in the daily activities of the school. In the power relations
that belong to this environment, the “disciplinary power”
demonstrates all its efficacy. The component mechanisms of this
power are responsible for the confirmation of a punishing system
that moves all the educational “organization”.
Keywords: school, power, discipline, monitoring, punishment.
1- INTRODUÇÃO
Nas pesquisas realizadas para o trabalho de conclusão de curso em
Ciências Sociais sobre o papel da Sociologia nas Escolas Estaduais, um
problema não delimitado anteriormente emergiu nos entremeios do
contato com professores e alunos (não apenas de Sociologia) em
41
específicas
em contextos
particulares.
Pensar o
cotidiano
escolar por
esse viés não
consiste uma
reflexão
unilateral e
generalizante
, mas sim na
capacidade
perceptiva de
questões que
aparecem
atomizadas e
diluídas nas
relações.
reuniões periódicas realizadas nas escolas. Desde planejamento didático,
financeiro, lazer e até apenas comunicados, a discussão disciplinar
permeia os diálogos. Essa questão, de uma nitidez até certo ponto
enfática, sobrepõe-se a todas as outras problemáticas no cotidiano
escolar constituindo-se, num desafio e uma preocupação essencialmente
explícita.
[3] No Brasil
essa
comparação
não é
possível pois,
a grande
maioria dos
presídios,
não possuem
um caráter
disciplinador
e sim,
aviltante e
embrutecedo
r.
Superlotação
e violência
transformam
a instituição
em reforço
da
criminalidade
que deveria
combater.
Para mais
detalhes ver
os trabalhos
A disciplina torna-se o grande alvo a ser alcançado e a responsável em
manter o nível de aprendizado em um patamar aceitável. Segundo essa
perspectiva, é através da disciplina dos alunos e dos professores que o
sistema educativo se engrena. Manter o professor em um regime
disciplinar como de operários fabris, produzindo em todo tempo
designado e, impondo ao aluno seu poder como forma de utilizar o
tempo como máximo de proveito, torna-se o objetivo almejado.
42
Todo conteúdo e prática exigidos por lei e conduzidos por parâmetros
curriculares sobre o sentido e objetivo da educação acabam, em
contextos específicos, adquirindo roupagens diferenciadas[1]. Nas
discussões sobre o universo escolar em sua totalidade a fala
predominante não se baseava no processo educacional em si - ações
pedagógicas, melhorias nos programas, materiais didáticos, projetos
educativos, etc - mas sim, na questão disciplinar.
Para uma reflexão teórica sobre a disciplina, uma dos várias questões
que permeiam o cotidiano escolar, e entendê-la como um conjunto de
relações pertencentes às esferas sociais, a análise de Michel Focault
presente, fundamentalmente, em “Vigiar e punir” constitui-se na
principal referência deste trabalho[2].
A relação hierárquica no ambiente escolar revela como a disciplina
dociliza os corpos e os coage numa constante utilização.
A escola configura-se como um ambiente parecido com uma prisão em
sua disposição física, seus mecanismos de disciplinarização, sua
organização hierárquica, sua vigilância constante. Essa analogia refere-se
ao sistema penitenciário no contexto apresentado por Foucault, em que
as prisões disciplinares tinham por objetivo a readaptação e integração
de “corpos dóceis” à sociedade[3].
Compreender o porquê da ênfase das escolas com a questão disciplinar e
entender como as mesmas exercem esse poder é o escopo desse
trabalho. Recorrendo conceitos de poder, disciplina, vigilância e, seus
desdobramentos essa análise se assenta, fundamentalmente, numa
abordagem foucaultiana. É através dessa análise que as relações de
poder contidas no universo escolar adquirem uma visibilidade concreta e
sistemática. É uma questão importante em sua teoria entender essas
relações não somente como algo negativo, mas também produtivo.
Característica da sociedade contemporânea, a disciplina percorre
de Sérgio
Adorno e de
César Barros
Leal sobre
esse tema.
instituições apresentando todo seu poder, produzindo indivíduos
e utilizando-os como seus instrumentos.
2- O PODER E SEUS DESDOBRAMENTOS
Para uma definição conceitual de poder é necessário remeter a reflexões
[4] Para mais indissociáveis à análise política e suas relações. O poder se expressa nas
diversas relações sociais, assim, pode-se falar em relações de poder.
detalhes,
referenciado A luz dessa afirmação, não atendo-se à profundidade do conceito, onde
em um
existem relações de poder existe política[4]. A política se expressa nas
trabalho
diversas formas de poder e pode ser entendida de duas maneiras: num
introdutório “sentido restrito” e num “sentido amplo”.
sobre a
questão,
No sentido restrito refere-se à política relacionada ao Estado e num
conferir o
sentido mais abrangente consideram-se outras dimensões da vida social
excelente
não menos importantes.
trabalho de
Wolfgang Leo Em sua famosa conferência, “A Política como Vocação”, Max Weber
afirma que a política não se restringe ao campo institucional estatal e,
Maar.
explicita claramente, que a política permeia outras atividades da vida
[5] “O
cotidiana. “Hoje, nossas reflexões não se baseiam, decerto, num conceito
Panóptico de tão amplo. Queremos compreender como política apenas a liderança, ou
Bentham é a a influência sobre a liderança, de uma associação política, e, daí hoje, de
figura
um Estado” (WEBER, 1974, p. 97).
arquitetural
Apesar das considerações acerca da abrangência das relações políticas,
dessa
composição. nessa abordagem, Weber atém-se à análise do Estado e seus
O princípio é desdobramentos e, aponta caminhos analíticos sobre outras esferas da
vida social.
conhecido:
na periferia
Localizar o poder em um lugar específico, pontualmente o Estado, é um
uma
grande erro, pois, como foi apresentado, existem relações de poder, e
construção
estas estão presentes não apenas no aparelho estatal. Conceituar as
em anel; no
relações de poder somente interligadas ao campo institucional do Estado
centro, uma
parece ser um pouco simplista, ver o Estado como ponto de referência
torre; esta é
do poder não corresponde a toda sua amplitude. Conceber as relações
vazada de
de poder restritamente mascara seu caráter extremamente amplo.
largas janelas
que se abrem O Estado é um órgão que possui poder, mas não se restringe a ele, não é
sobre a face a única referência de poder. Deve-se tratar o poder inserido nas relações
interna do
e não entendê-lo vulgarmente através de concepções que o coisificam.
anel; a
Se somos todos, como já enfatizei, fatores de poder e, além do mais, se o
construção
poder não se resume tão-somente ao poder estatal, todos aqueles que
periférica é
se integram à luta pela democratização da sociedade e das relações
dividida em
autoritárias de poder que se expressam tanto a nível de Estado como no
celas, cada
cotidiano da vida social e afetiva. Volto a repetir que as relações de
uma
atravessando poder são multiformes, apresentam mil e uma faces e não escolhem
toda
43
espessura da
construção
(...). Basta
então colocar
um vigia na
torre central,
e em cada
cela trancar
um louco, um
doente, um
condenado,
um operário
ou um
escolar”
(FOUCAULT,
1977, p. 177).
lugares para se manifestarem (PARANHOS, 2000, p.58).
Segundo a ótica foucaultiana as relações de poder se manifestam de
múltiplas formas, não possuem localização nem sujeitos específicos.
Quero dizer que em uma sociedade como a nossa, mas no fundo em
qualquer sociedade, existem relações de poder múltiplas que
atravessam, caracterizam e constituem o corpo social e que estas
relações de poder não podem se dissociar, se estabelecer nem funcionar
sem uma produção, uma acumulação, uma circulação e um
funcionamento do discurso (FOUCAULT, 2003, p. 179).
Ter o poder, buscar o poder são expressões que o transforma em coisa,
que se tira ou se dá, que se conquista ou se perde. O poder é composto
por relações dispersas em toda sociedade, todos são sujeitos e objetos
de poder.
(...) o poder não deve ser encarado exclusivamente como algo
[6] São
que atua sobre nós, como se nos limitássemos a ser objeto de sua
documentos
ação. Ele também é exercido por nós, o que nos coloca
redigidos
simultaneamente na condição de sujeitos e objeto do exercício do
pela diretoria
poder (PARANHOS, 2000, p.56).
e,
obrigatoriam Entender o poder como algo palpável, como uma coisa que se adquire ou
ente assinado se compra, consiste em um grande engodo.
pelo
Dispomos da afirmação que o poder não se dá, não se troca nem
transgressor,
se retoma, mas se exerce, só existe em ação, como também da
como uma
afirmação que o poder não é principalmente manutenção e
forma de
reprodução das relações econômicas, mas acima de tudo uma
confissão de
relação de força (FOUCAULT, 2003, p. 175).
suas ações.
[7] Ver
“Vigiar e
punir”,
especialment
e p. 161.
O autor apresenta as relações de poder como constitutiva da vida social
concebendo os indivíduos como transmissores que o poder perpassa
sendo, assim, “efeitos de poder”.
O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo
que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está
nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem.
O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos só
circulam mas estão sempre em posição de exercer este poder, são
sempre centros de sua transmissão (FOUCAULT, 2003, p. 183).
Foucault afirma que o poder penetra na vida cotidiana não se fixando nas
relações estatais, essa característica denominada “micro-poder”. Analisa
também que esses “micro-poderes” possuem uma história específica e se
relacionam com o poder presente no aparelho do Estado. Essas duas
modalidades de poder se articulam - os micro-poderes não são
subordinados ao poder estatal -, se intercruzam - mas não são
44
interdependentes - nos diversos níveis das relações sociais.
Muitas vezes o poder é associado à dominação, aqueles que possuem
poder dominam outros indivíduos que, por sua vez, são destituídos de
qualquer forma poder. Identificar poder e dominação é muito comum,
porém nem toda relação de poder envolve dominação. Não é correto
considerar que “(...) toda relação política envolve necessariamente uma
relação de dominação” (PARANHOS, 2000, p.59).
Avançando mais ainda nessa questão, pensar o poder no sentido de
dominação o conota como algo perverso e negativo. Nesse sentido
Foucault discorre acerca dessa problemática, diz que deve-se
(...) deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos
negativos: ele ‘exclui’, ‘reprime’, ‘recalca’, ‘censura’, ‘abstrai’,
‘mascara’, ‘esconde’. Na verdade o poder produz; ele produz
realidade, produz campos de objetos e rituais da verdade. O
indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam
nessa produção (FOUCAULT, 1977, p. 172).
O poder não é apenas dominação, mas também produção, é a partir
dessas relações que a realidade se configura. As relações de poder estão
presentes em toda vida social, na igreja, na família, no namoro, na
escola, no Estado, na indústria, nos hospitais, etc.
Foucault pesquisou e descreveu o papel do poder, especificadamente a
disciplina, na formação histórica de instituições como o presídio, o
hospital, a escola e a fábrica.
Nessa perspectiva, “(...) o poder e o saber produzidos pelas normas
disciplinares são fundamentais para a organização burocrática. Em uma
sociedade de instituições burocratizadas como a nossa, o poder
disciplinar se desenvolve em todo tecido social” (KRUPPA, 1994, p. 102).
Sobre esse poder disciplinador direcionado especificadamente para a
escola, pode-se constatar a predominância de mecanismos de vigilância
(disciplinadores) sobre a questão qualitativa da construção do saber
educacional. O ensino é sobreposto pela vigilância.
3- ESCOLA E DISCIPLINA: RELAÇÕES DE PODER
Posteriormente a conceituação de poder já apresentada, vale, neste
momento, visualizar o poder da disciplina presente nas instituições
escolares. Nelas existem mecanismos que efetivam a disciplinarização
dos indivíduos que a compõe.
Segundo Foucault (1977, p. 126), esses mecanismos “(...) permitem o
controle minucioso de operações do corpo, que realizam a sujeição
constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade utilidade são o que podemos chamar as ‘disciplinas’”. Continuando a
45
discorrer sobre essa questão afirma que a “(...) disciplina fabrica assim
corpos ‘dóceis’. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos
econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos
políticos de obediência).”
Foucault (2003, p. 182), oferece referências que permitem “(...) captar o
poder em suas extremidades, em suas últimas ramificações. Lá onde se
torna capilar; captar o poder nas suas formas e instituições mais
regionais e locais (...)”, e por conseqüência, analisar a escola como o
lugar onde o poder disciplinar produz saber, mantém-se, é aceito e
praticado por todos os membros da instituição escolar numa relação
hierárquica.
Exercer pressão constante sobre os alunos para que todos dêem atenção
nos estudos façam as tarefas e respeitem as normas é parte de um
sistema punitivo com função normalizadora. O normal se estabelece
como princípio de coerção e com ele o poder de regulamentação.
3.1- O espaço físico: a escola-prisão
A disciplina exige um espaço específico para seu exercício, um espaço no
qual os indivíduos possam ser vigiados nos seus atos, que tenham seu
lugar específico para visualizar seu comportamento para poder sancionálo ou medir suas qualidades.
O espaço deve ser visto como algo útil e funcional a escola deve ser
dividida através de séries e classes e as mesmas individualizarem os
alunos através da disposição em filas o que facilita a vigilância e o
controle. O professor visualiza os alunos, pois cada um se define pela sua
posição na classe, nesse sentido “(...) a sala de aula formaria um grande
quadro único, com entradas múltiplas, sob o olhar cuidadosamente
‘classificador’ do professor” (FOUCAULT, 1977, p. 135).
A exigência da distribuição das classes em fileiras, com alunos em ordem
e uniformizados tem como objetivo garantir a obediência dos alunos, e
uma melhor utilização do tempo. Cria espaços funcionais e hierárquicos,
“(...) trata-se de organizar o múltiplo, de se obter um instrumento para
percorrê-lo e dominá-lo, trata-se de lhe impor uma ‘ordem’” (FOUCAULT,
1977, p. 135).
A comparação física das escolas e das prisões procede de acordo com sua
composição arquitetônica. Classes distribuídas lado a lado sem nenhuma
comunicação, grandes nas janelas, refeitório comunitário, muros altos e
com grades, portões sem nenhuma visibilidade com o lado externo à
escola.
A construção das escolas obedecem a quase todas essas disposições e
com uma peculiaridade importante, a posição da sala da diretoria
permite ter uma visão global de todo estabelecimento, um “olhar
46
panóptico” - uma construção que se aproxima ao Panóptico de
Bentham[5]. O panoptismo é característica das prisões mas, certamente,
está presente nas instituições escolares. Mesmo que não apresente
efetivamente todas as características descritas, a funcionalidade do
posicionamento da sala da diretoria e supervisão remetem a uma forma
de vigilância efetiva. Nas escolas as práticas transgressoras são
“registradas” na forma de “ocorrências”[6], estas relatam as ações dos
alunos e dos professores que, posteriormente são arquivadas e avaliadas.
Através dessas “ocorrências”, ambos podem ser suspensos ou expulsos
(no caso dos professores, são exonerados do cargo por serem
funcionários públicos) dependendo da gravidade do ocorrido.
A escola torna-se “(...) um espaço fechado, recortado, vigiado em todos
os seus pontos, onde os indivíduos estão inseridos num lugar físico onde
os menores movimentos são controlados onde todos os acontecimentos
são registrados (...)” (FOUCAULT, 1977, p. 174). Esse tipo de vigilância
permite a diretoria um controle sobre todas as movimentações na
escola: quem está no corredor, quem vai ao banheiro, a classe
“indisciplinada” e outros mais.
O poder disciplinar exercido através da configuração arquitetônica e, da
mesma forma, o controle da diretoria sobre o professor e o aluno através
do “olhar panóptico” demonstra de forma veemente como a disciplina
faz “(...) funcionar o espaço escolar como uma máquina de ensinar mas
também de vigiar, de hierarquizar, de recompensar” (FOUCAULT, 1977,
p. 134).
3.2- Os mecanismos de controle e punição
Nas reuniões da diretoria com professores, o centro dos discussões
centrava-se em elaborar meios ou mecanismos para os alunos estudarem
de maneira disciplinar e, cumprir com a programação anual.
A diretoria, de forma contundente, exige o cumprimento de todo o
horário de aula, pois os professores como funcionários devem produzir
sua tarefa e, de forma hierárquica “obrigar” os alunos a se adequarem a
esse sistema. Deve garantir que as individualidades se integrem a uma
funcionalidade “orgânica”, ou seja, que funcionem como um organismo
com atividades controladas e codificadas.
De acordo com Foucault (1977, p. 141), “(...) o corpo, do qual se requer
que seja dócil até em suas mínimas operações, opõe e mostra as
condições de funcionamento próprio a um organismo. O poder
disciplinar tem por correlato uma individualidade não só analítica e
‘celular’, mas também natural e ‘orgânica’.”
O horário esgotado e totalmente utilizado requer do professor um
controle bastante rígido. A configuração espacial - como já apresentado -
47
permite esse controle, um olhar disciplinador e consistente.
Não basta apenas o cumprimento do horário por parte dos professores e
alunos, “(...) procura-se também garantir a qualidade do tempo
empregado: controle ininterrupto, pressão dos fiscais, anulação de tudo
que possa perturbar distrair; trata-se de constituir um tempo
integralmente útil (...)” (FOUCAULT, 1977, p. 137).
A diretoria fiscaliza se o professor está utilizando o tempo de maneira
proveitosa e este fiscaliza o aluno e o vigia para que cumpra com sua
tarefa.
Como Foucault (1977, p. 155-156) específica, o “(...) edifício da Escola
devia ser um aparelho de vigiar (...)”, mas esse aparelho necessita para a
eficácia da disciplina de uma vigilância hierárquica, “(...) o olhar
disciplinar teve de fato, necessidade de escala (...). É preciso decompor
suas instâncias, mas para aumentar sua função produtora. Especificar a
vigilância e torná-la funcional.”
Nessa perspectiva a vigilância se efetiva na escola com a presença do
diretor, dos vice-diretores, da supervisão pedagógica, da orientação
educacional, dos professores e finalmente dos alunos.
Essa hierarquia fundamenta um controle, “(...) um poder que, em vez de
se apropriar e de retirar, tem como função maior ‘adestrar’; ou sem
dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor”
(FOUCAULT, 1977, p. 153).
Esse poder disciplinar não procura reter as forças, mas sim interligá-las,
multiplicá-las e utilizá-las, sua consolidação utiliza-se dessa vigilância
hierárquica e outros meios coercitivos de punição.
A entrada na escola dos alunos só é permitida se estiverem
uniformizados, já na portaria entregam uma “carteirinha” de
identificação para fiscalização do comparecimento, os alunos só podem
sair da classe em horário de aula munidos com o cartão do professor,
essas são algumas das normas sobre circulação no interior do
estabelecimento escolar.
Esse controle rigoroso aliado a outras regulamentações forma um
sistema punitivo, este, composto por dispositivos disciplinares que fazem
funcionar normas gerais da educação. Essas normas permitem a
medicação dos desvios e a redução desses se daria pela aplicação de
“(...) micropenalidades do tempo (atrasos, ausências,
interrupções das tarefas), da atividade (desatenção, negligência,
falta de zelo), da maneira de ser (grosseira, desobediência), dos
discursos (tagarelice, insolência), do corpo (atitudes incorretas,
gestos não conformes, sujeira), da sexualidade (imodéstia,
48
indecência) (FOUCAULT, 1977, p. 159).
São inúmeros os exemplos que caberiam nessas colocações, no cotidiano
escolar esses fatos permeiam a maioria das relações. Constatada a
transgressão à norma, a penalidade é uma conseqüência lógica.
(...) trata-se ao mesmo tempo de tomar penalizáveis as frações
mais tênues da conduta, e de dar uma função punitiva aos
elementos aparentemente indiferentes do aparelho disciplinar:
levando ao extremo, que tudo possa servir para punir a mínima
coisa; que cada indivíduo se encontre preso numa universalidade
punível-punidora (FOUCAULT, 1977, p. 159).
O receio dos alunos quanto às sanções que vão receber caso infrinjam as
normas, demonstra a eficácia das penalidades, e o funcionamento da
engrenagem do sistema punitivo. Essas punições são expressas através
de suspensões, expulsões, reunião com os pais, redução nas notas,
mudança de classe e, dependendo da gravidade, ocorrência policial.
Essas formas de punição fazem parte de um sistema duplo que Foucault
chama de “gratificação-sanção”[7].
Esse sistema consiste em tornar operante a correção dos alunos no
tocante às relações em sala de aula. O professor deve utilizar mais de
gratificações do que de sanções, pois os infratores serão incitados a
procurar mais as recompensas e se afastarem das penalidades
garantindo assim, que os comportamentos se inclinem na busca por
gratificações e reconhecimento.
Todo ano a diretoria da escola promove uma premiação, com medalhas e
certificados, para os “melhores” alunos do ano, aqueles com melhores
notas e comportamentos disciplinares exemplares.
O poder disciplinar usa como forma de coerção uma relação que
compara os melhores e piores alunos, construindo essencialmente, uma
relação hierárquica de qualidades. Essa hierarquização não remete
somente aos alunos dentro de uma classe, ela existe entre as classes (
Ibid., p. 166). Na escola existem classes “boas” e classes “ruins”, ou seja,
as classes são classificadas dessa forma porque os alunos que a integram
possuem essas qualificações. A mudança de classe, de sair de uma
posição “vergonhosa” para uma “posição honrosa” reforça ainda mais o
poder disciplinar da instituição escolar.
Outro mecanismo indicador do poder disciplinar nas escolas é o exame
ou provas. Através dele o professor conhece seus alunos, descritos,
mensurados, comparados a outros, treinados, classificados,
normalizados. “O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e a
sansão que normaliza. É um controle normalizante, uma vigilância que
permite qualificar, classificar e punir” (FOUCAULT, 1977, p. 164).
49
Nas escolas, a aplicação do exame envolve todo um ritual desde a
padronização de sua estética até a conduta disciplinar e temporal. Os
exames são aplicados em classes com alunos em ordem alfabética,
enfileirados, com um horário mínimo para término, com a proibição de
qualquer conversa ou gestos. O exame deve ser feito de maneira
sistemática e objetiva. Esse ritual renova constantemente o poder,
demonstra a força que a disciplina possui no cotidiano escolar. O exame
compara os alunos e permite analisá-los e se necessário, sancioná-los.
Através dele, obtém-se o conhecimento sobre o aluno, sobre suas
aptidões e deficiências, sobre sua evolução ou desvio ao mesmo tempo
de transmissão do saber, esse método pressupõe “(...) um mecanismo
que liga um certo tipo de formação de saber a uma certa forma de
exercício do poder” (FOUCAULT, 1977, p. 166).
Pode-se dizer que o exame constitui-se uma das peças fundamentais
para a edificação da pedagogia (Ibid., p. 166).
De maneira geral pode-se afirmar que na escola o poder disciplinar
torna-se natural e legítimo. A construção de um saber qualitativo na
educação, de ações e projetos pedagógicos é sobreposta pelo caráter
disciplinar das escolas.
O educar significa ensinar, qualificar, esclarecer mais também,
disciplinar, vigiar, punir.
4- CONCLUSÃO
Essas qualificações do caráter educativo das escolas constatadas através
da vivência com alunos e das reuniões pedagógicas freqüentes
demonstram como os alunos se habituaram com o sistema disciplinar e
legitimam a eficácia desse poder.
As reuniões entre diretoria, pais e professores são transformadas em
seções de queixas disciplinares, em constatações e repressão dos alunos
“desviados” no ambiente escolar.
A contribuição de Foucault é fundamental para o entendimento dessas
questões presentes na escola, pois é a partir dela que a realidade efetiva
se clareia, que as relações de poder cotidianas ganham seu devido status.
A escola passa a constituir-se num observatório político, num aparelho
que permite o conhecimento, o controle perpétuo de seus componentes,
através dos diretores, dos professores, dos funcionários e dos próprios
alunos. Essa relação hierárquica induz todos a se sentirem sempre
vigiados e controlados.
A escola e suas técnicas disciplinares fazem com que os indivíduos
aceitem o poder de punir e de serem punidos.
50
Nessa perspectiva, o poder disciplinar conquista um lugar privilegiado
nos discursos e nas ações, sendo a principal personagem das relações
que compõe o universo escolar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 2003.
_____________. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis:
Vozes, 1977.
KRUPPA, S. M. P. Sociologia da educação. São Paulo: Cortez, 1994.
MAAR, W. L. O que é política. São Paulo: Brasiliense, 1986.
PARANHOS, A. Política e cotidiano: as mil e uma faces do poder. In:
MARCELLINO, N. C. (org.) Introdução às Ciências Sociais. Campinas:
Papirus, 2000.
WEBER, M. A Política como Vocação. In: Ensaios de sociologia. Rio de
Janeiro: Zahar, 1974.
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87020-900 - Maringá/PR - Brasil - Email: [email protected]
Última atualização: 01 dezembro, 2004.
51
Educ. Soc., Campinas, vol. 29, n. 105, p. 197-217, jan./abr. 2009 197
Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
Flávia Vieira
PARA UMA VISÃO TRANSFORMADORA
DA SUPERVISÃO PEDAGÓGICA
2
FLÁVIA VIEIRA
52
RESUMO: O principal objectivo do texto é propor uma visão transformadora da supervisão
pedagógica inscrita em valores da democracia, pressupondo que as finalidades e a natureza
das práticas supervisiva e pedagógica devem estar articuladas e que ambas devem inscreverse numa direcção emancipatória. Num primeiro momento, apresenta-se uma proposta de
conceptualização da relação entre supervisão e pedagogia, defendendo-se a sua
indissociabilidade e um conjunto de princípios que as podem orientar numa direcção
potencialmente emancipatória. Num segundo momento, discutem-se condições que
favorecem ou limitam a operacionalização desta direcção, tomando-se o exemplo de um
projecto supervisivo em curso da Universidade do Minho desde 1995. O projecto ilustra
potencialidades, constrangimentos e paradoxos da supervisão pedagógica como prática
situada entre a reprodução e a transformação da ordem social implícita nos contextos de
intervenção.
Palavras-chave: Supervisão. Pedagogia. Formação de professores. Transformação.
Emancipação.
TOWARDS A TRANSFORMATIVE VISION OF PEDAGOGICAL SUPERVISION
ABSTRACT: The main purpose of this paper is to propose a transformative vision of
pedagogical supervision within a democratic value framework based on the assumption that
the goals and the nature of supervisory and pedagogical practices should be articulated and
that both should be empowering. A proposal for conceptualizing the relation between
supervision and pedagogy is presented, which assumes that they cannot be dissociated and
should be oriented towards empowerment through a set of guiding principles. Conditions
that favor and hamper this direction are then discussed on the basis of a supervision project
that has been developed at the University of Minho since 1995. This project illustrates the
potential value, constraints and paradoxes of supervision as a practice that stands between
the reproduction and the transformation of the social order that is implicit in the contexts of
intervention.
Keywords: Supervision. Pedagogy. Teacher’s education. Transformation. Empowerment.
Propósitos do texto
O presente texto defende uma visão transformadora da supervisão pedagógica,
pressupondo que as finalidades e a natureza das práticas supervisiva e pedagógica devem
estar articuladas e que ambas devem inscrever-se numa direcção emancipatória.
Inicialmente, apresenta-se uma proposta de conceptualização da relação entre supervisão e
pedagogia, evidenciando a sua indissociabilidade e alguns princípios que as podem orientar
2
Professora do Centro de Investigação em Educação, do Instituto de Educação e Psicologia
da Universidade do Minho (Braga, Portugal). E-mail: [email protected]
naquela direcção. Na sequência, discutem-se possibilidades de operacionalização do quadro
ético-conceptual proposto, tomando-se o exemplo de um projecto supervisivo em curso da
Universidade do Minho desde 1995, desenvolvido com estagiários no campo da educação
em línguas, no ano final da sua licenciatura em ensino. 1 Ao longo da minha história
profissional de formadora e investigadora da formação, tenho aprendido a desconfiar da
razoabilidade e ressonância dos discursos educacionais construídos à margem das escolas e
dos professores, ou até à sua custa, valorizando aqueles que se constroem em estreita
relação com a experiência dos professores.
Ainda assim, e embora as ideias apresentadas neste texto integrem uma teoria da
acção supervisiva que resulta do trabalho com supervisores e professores no campo da
educação em línguas, há razões para colocar em dúvida a sua consistência e impacto, e uma
das minhas intenções é também evidenciar constrangimentos e paradoxos que afectam a
sua operacionalização e que configuram a relação entre supervisão e pedagogia como um
fenómeno sempre local e inacabado, marcadamente ideológico, situado entre a reprodução
e a transformação da ordem social implícita nas situações de intervenção.
Supervisão e pedagogia: proposta de conceptualização
Supervisão e pedagogia: breve definição de termos
No domínio educacional, a noção de supervisão tem uma herança histórica associada
às funções de inspecção e controlo (Duffy, 1998; McIntyre & Byrd, 1998), apesar da viragem
radical operada com o movimento da supervisão clínica, iniciado nos Estados Unidos a partir
da década de 1960 e introduzido em Portugal por Alarcão na década de 1980 (Alarcão,
1982). No contexto do presente trabalho, afastamo-nos de uma concepção institucional da
supervisão como processo de gestão organizacional associado à noção de “escola reflexiva”
(Alarcão, 2001), que não tem tradição no nosso país, e definimos a supervisão como teoria e
prática de regulação de processos de ensino e de aprendizagem em contexto educativo
formal, instituindo a pedagogia como o seu objecto. Esta definição abrange práticas de autosupervisão e supervisão acompanhada, mas é sobretudo às segundas que nos referiremos ao
longo do texto, em particular no contexto do estágio em formação inicial.
Opta-se por falar em pedagogia e não em didáctica ou metodologia de ensino pela
abrangência transdisciplinar do primeiro termo, bem visível na pequena grande obra de
Paulo Freire, intitulada Pedagogia da autonomia – saberes necessários à prática educativa
(2002), onde o pedagogo apresenta 27 dimensões essenciais à compreensão do acto
educativo como projecto praxeológico, epistemológico, ontológico e ideológico. Ao centrarse no ensino e aprendizagem de conhecimentos disciplinares específicos, as didácticas ou
metodologias de ensino têm produzido um conhecimento relativamente fragmentado sobre
a educação escolar, mostrando alguma dificuldade em promover aquilo que Correia (1999,
p. 22) descreve como uma “‘racionalidade comunicacional’, isto é, uma racionalidade
construída na troca entre (…) as diferentes linguagens e concepções disciplinares do
trabalho”. Segundo o autor, as “novas didácticas” necessárias à “invenção de consensos
possíveis entre determinantes intrínsecas a cada um dos ramos do saber” deslocariam o seu
eixo de referência para as “determinantes da acção educativa, que é sempre o resultado de
uma dinâmica interdisciplinar, mesmo quando gerida por um único professor” (idem, ibid.).
53
O termo “pedagogia” pode talvez responder melhor a este desafio, evitando uma
redução do campo da reflexão didáctica às dimensões mais directamente afectas ao
conteúdo substantivo das disciplinas escolares. A supervisão e a pedagogia comportam uma
componente conceptual e outra experiencial, cuja integração resulta no que podemos
designar como praxis, definida por Van Manen (1990, p. 128) como “thoughtful action:
action full of thought and thought full of action”. Sendo actividades profissionais, teorizá-las
implica construir teorias práticas ou teorias de acção, de orientação normativa, as quais
apresentam duas faces: teoria perfilhada e teoria-em-uso, cujas (in)congruências importa
desocultar e analisar, no sentido de compreender que factores elevam ou reduzem o seu
potencial transformador, e também no sentido de reformular a própria teoria e a realidade
que ela cria (Argyris & Schön, 1974).
Embora as teorias que mais determinam as opções de quem pratica a supervisão e a
pedagogia sejam aquelas que os profissionais constroem em estreita relação com a sua
acção local, as teorias públicas desempenham um papel regulador e explicativo, reflectindo
e promovendo intencionalidades e posicionamentos face ao mundo, e condicionando as
possibilidades de resignificação da realidade (Segall, 2004). Na verdade, todo o
conhecimento educacional é ideologicamente marcado e, portanto, pedagógico, ainda que
não seja intencionalmente pedagogizado. Como afirma Alves (2003, p. 35), “Todo
pensamento sai do nosso ventre, como o fio da teia. Cada teoria é um acessório da biografia,
cada ciência, um braço do interesse”. É este também o caso do presente texto.
Supervisão e pedagogia: que relação?
Na medida em que a supervisão permite a regulação da qualidade da pedagogia, ela
representa uma condição da sua compreensão e renovação. Isto significa que a pedagogia
sem supervisão é menos pedagógica, tal como o será a supervisão sem uma visão da
pedagogia. Na expressão “supervisão pedagógica”, o adjectivo reporta-se não apenas ao
objecto da supervisão – a pedagogia –, mas também à sua função potencialmente educativa.
Entende-se que a supervisão, quando orientada por uma visão crítica de pedagogia, torna a
acção pedagógica mais consciente, deliberada e susceptível à mudança, permitindo o
reconhecimento da sua complexidade e incerteza e impedindo a formulação de soluções
técnicas e universais para os problemas “pantanosos” que nela se colocam (Schön, 1987).
Esta perspectiva prende-se com a natureza inefável da pedagogia, a qual obriga o
educador a uma reflexão constante e continuada sobre aquilo que (não) torna a sua acção
“pedagógica”: “If pedagogy were absent in a particular situation, how would we be able to
tell the difference?” (Van Manen, 1990, p. 149). É a inefabilidade da pedagogia que exige (...)
um atento e abrangente olhar supervisivo que contemple e atente ao perto e ao longe, ao
dito e ao não dito, ao passado e às hipóteses de futuro, aos factos e às suas interpretações
possíveis, aos sentidos sociais e culturais, à manifestação do desejo e à
possibilidade/impossibilidade da sua concretização, ao ser e à circunstância, à pessoa e ao
seu devir. (Sá-Chaves, 2000, p. 127)
Assim concebidas, as actividades supervisiva e pedagógica são indissociáveis e fazem
parte de um mesmo projecto: indagar e melhorar a qualidade da acção educativa. Sempre
que um educador regula a sua acção (auto-supervisão), as duas actividades fundem-se numa
só, tornando-se praticamente indistinguíveis do ponto de vista epistemológico. Contudo,
elas tendem a distinguir-se nos casos da supervisão pedagógica acompanhada, sobretudo
quando a função da supervisão é exercida por alguém com um papel relativamente
54
especializado (“supervisor”, “orientador”, “consultor”, “coordenador pedagógico”,
“conselheiro crítico” etc.).
São estas situações de assimetria estatutária e funcional dos participantes do acto
supervisivo que têm justificado um estudo mais aprofundado da teoria e prática da
supervisão no contexto português, o que explica que a sua emergência e afirmação como
área de conhecimento se associe fortemente à orientação da prática pedagógica em estágio,
e que a criação de cursos de pós-graduação em supervisão pedagógica se tenha alicerçado
na necessidade de formar os supervisores das escolas que acolhem os estagiários das
instituições de ensino superior. No entanto, diria que a finalidade principal da supervisão
acompanhada será ajudar os formandos a tornar-se supervisores da sua própria prática e
que, se isso não acontecer, falhou no essencial: dotá-los da vontade e capacidade de
(re)conceptualizarem o seu saber pedagógico e participarem, individual e colectivamente, na
(re)construção da pedagogia escolar.
Supervisão pedagógica e transformação da educação
Enquanto actividade de natureza conceptual e experiencial, a pedagogia é movida, a
meu ver, por quatro forças estruturantes e interrelacionadas, frequentemente em tensão:
visão <-> acção <-> reflexão <-> contexto. Transformar as teorias e práticas pedagógicas
implica indagar e refazer o modo como estas forças se (des)articulam ou (re)forçam entre si.
Esta será a principal função da supervisão pedagógica como prática de regulação. Nesta
perspectiva, a transformação da educação exige um investimento sistemático e deliberado
na reconstrução da visão de educação que orienta a acção educativa e também na
problematização dos contextos de acção<->reflexão profissional. E é aqui que o contributo
da supervisão acompanhada pode ser crucial: promovendo a reflexão crítica sobre as forças
históricas e estruturais que condicionam a pedagogia; apoiando a construção colaborativa
de uma visão da educação capaz de resistir ao poder erosivo dessas forças; interrogando as
inúmeras formas de autoridade a que o educador está sujeito; orientando-o para a gestão
da incerteza e da complexidade; questionando os interesses aos quais a escola serve;
mantendo a esperança na possibilidade de melhorar as condições irracionais, injustas e
insatisfatórias da educação.
Não se trata, portanto, de uma supervisão qualquer, mas sim de uma supervisão de
natureza transformadora e orientação emancipatória, potencialmente transgressora e
subversiva, assente nos valores democráticos da liberdade e da responsabilidade social, que
é capaz de reconhecer a ausência e reclamar a (maior) presença desses valores nas práticas
da educação escolar, e também nas suas próprias práticas. Trata-se de uma
supervisão que se move lentamente entre o que a educação é e o que deve ser, explorando
o possível, mas duvidando sempre do seu próprio valor, e encontrando nessa dúvida a sua
principal razão de ser. Waite (1995, p. 87) e Glickman et al. (2004, p. 8) usam as grafias
superVisão e SuperVisão para sublinhar a necessidade de construir uma visão comum do que
a educação deve ser, defendendo uma prática supervisiva colegial e dialógica, orientada
para a construção de uma sociedade democrática e assente numa concepção do ensino
como acto moral e político. Entende-se que uma pedagogia para a autonomia se inscreve
nesta concepção e constitui uma direcção defensável para a supervisão, promovendo nos
professores e nos seus alunos “a competência para se desenvolverem como participantes
autodeterminados, socialmente responsáveis e criticamente conscientes em (e para além
de) ambientes educativos, por referência a uma visão da educação como espaço de
55
emancipação (inter)pessoal e transformação social” (Jiménez Raya ET al., 2007, p. 1). Só esta
visão de educação garantirá que a autonomia do educador se construa em estreita ligação
com a autonomia dos educandos e não à sua margem, instituindo a autonomia como
interesse colectivo.
No cenário proposto, podemos avançar alguns princípios reguladores de uma prática
supervisiva de natureza transformadora e orientação emancipatória (Vieira, 2006, p. 31):
56
• Articulação entre prática reflexiva e pedagogia para a autonomia, com reflexos na
definição das finalidades, conteúdos e tarefas da supervisão;
• Indagação de teorias, práticas e contextos como condição de criticidade, necessária
a que o professor se torne consumidor crítico e produtor criativo do seu saber profissional;
• Desenho, realização e avaliação de planos de intervenção, onde o professor desafie
os limites da sua liberdade e explore campos de possibilidade no ensino e na aprendizagem,
por referência a uma visão transformadora da educação escolar;
• Criação de espaços de decisão do professor e de condições para que este assuma
papéis potencialmente emancipatórios, por referência a critérios como a reflexividade, a
(inter)subjectividade, a negociação e a regulação;
• Promoção da comunicação dialógica, através do cruzamento de experiências,
interesses, expectativas, necessidades e linguagens, num processo interactivo que se
caracteriza por um elevado grau de contingência, simetria e democraticidade, facilitador da
construção social do saber;
• Avaliação participada dos processos e resultados do desenvolvimento profissional e
da acção pedagógica, mediante critérios de qualidade definidos à luz de uma visão
transformadora da educação.
O projecto que a seguir se apresenta explora estes princípios, não
sem obstáculos e limitações.
Possibilidades de transformação: o caso de um projecto
Génese e natureza do projecto
O projecto de supervisão aqui referido tem sido desenvolvido com colegas do
Departamento de Metodologias da Educação da Universidade do Minho, no âmbito do
estágio pedagógico na educação em línguas (Inglês e Alemão; v. nota 1), desde 1995
(Moreira, 2006; Moreira et al., 1999 e 2006). Embora procure aproximar-se da visão de
supervisão defendida, ilustra igualmente alguns dos constrangimentos e paradoxos
inerentes à sua operacionalização neste contexto de formação, os quais poderão ser comuns
a iniciativas análogas.
Na génese do projecto, estiveram dois estudos realizados por duas formadoras da
equipa no âmbito de provas académicas, nos quais se explorou a possibilidade de
desenvolver a autonomia dos alunos na aprendizagem de uma língua estrangeira (Vieira,
1996; 1998) e as potencialidades da investigação-acção como estratégia de formação
reflexiva de professores de língua estrangeira em estágio (Moreira, 1996; 2001). Na sua
génese esteve também a consciência da equipa de que, na instituição a que pertence, não
existia (e não existe ainda), verdadeiramente, um projecto consistente para a supervisão no
estágio, verificando-se alguma ambiguidade nas suas finalidades e estratégias e na visão de
educação que promove. Tal como noutros países, a formação inicial de professores tem
estado fortemente associada à tradição racionalista técnica da formação profissional,
subvalorizando uma epistemologia da prática e mantendo um divórcio maior ou menor
entre as universidades e as escolas. Na verdade, este divórcio simplifica o trabalho dos
formadores universitários, pois, como Argyris e Schön já afirmavam, há mais de três
décadas, “the practical tends to have been separated from the theoretical not because it is
easy but because it is so difficult to understand” (1974, p. 195).
Numa perspectiva de maior integração entre teoria e prática, o conhecimento
construído na supervisão pedagógica será essencial à validação e revisão das teorias
perfilhadas pela academia, e não um subproduto dessas teorias. Isto significa que a
actividade dos supervisores deve articular objectivos de formação e de investigação,
contribuindo para o desenvolvimento do conhecimento supervisivo e pedagógico. Assim, e
com base nos estudos acima referidos, a equipa desenhou um projecto que procura
promover e investigar processos de formação reflexiva dos estagiários em articulação com
uma pedagogia para a autonomia no ensino de línguas, recorrendo à investigação-acção
como estratégia formativa. Os seus objectivos são: problematizar contextos pedagógicos e
de formação; indagar teorias (e) práticas pedagógicas; promover uma pedagogia centrada
nos alunos e na aprendizagem; valorizar a autodirecção e a colaboração no desenvolvimento
profissional; promover um posicionamento crítico face à profissão. A concretização destes
objectivos pode ser facilitada pela condução de projectos de investigação-acção, na medida
em que esta tem uma orientação prática e situacional, valoriza a construção participada do
conhecimento, direcciona-se para a mudança e melhoria da acção, centra-se no
desenvolvimento integrado do professor e dos alunos e visa a promoção da sua autonomia.
Globalmente definida como uma actividade de questionamento sistemático das práticas
para uma melhoria da racionalidade e justiça das mesmas e dos contextos em que decorrem
(Carr & Kemmis, 1986), a investigação-acção articula-se com os princípios supervisivos acima
propostos.
As noções de “ensino como investigação” e “professor-investigador” têm implicações
nos papéis dos estagiários, elevando o seu controlo sobre a produção de conhecimento
pedagógico e a renovação de práticas. Defende-se o seu envolvimento na indagação crítica
da experiência de formação e de ensino de línguas, com o apoio dos supervisores,
funcionando a investigação-acção como estratégia de (auto-)formação ao serviço de uma
pedagogia que crie espaços pedagógicos para a reflexão dos alunos sobre a língua e o
processo de aprendê-la, a experimentação de estratégias (meta)cognitivas e sócio-afectivas,
a regulação das aprendizagens e a negociação de sentidos e decisões.
Importa sublinhar que o nosso propósito não é formar professores-investigadores,
mas sim professores reflexivos, com predisposição e capacidade para:
• Compreender a educação em línguas e o seu papel no currículo;
• Compreender a teoria e a prática de uma pedagogia para a autonomia no ensino de
línguas;
• Conceber o ensino de línguas como uma actividade indagatória e exploratória;
• Desafiar rotinas, convenções, tradições (ser subversivo/a, se necessário);
• Partilhar teorias e práticas pedagógicas com os pares;
• Encorajar os alunos a assumir posições críticas face a valores e práticas sociais e
educativos, envolvendo-os na procura de soluções adequadas (embora não necessariamente
ideais);
• Partilhar teorias pedagógicas, responsabilidades e decisões com os alunos;
57
• Reconhecer e aceitar que os alunos podem não pensar como o/a professor/a e que
nem sempre é fácil, ou até desejável, chegar a uma única conclusão ou ponto de vista;
• Articular a dimensão pessoal da aprendizagem com a natureza social e interactiva
da cultura da sala de aula;
• Promover a comunicação, onde todos têm o direito de se expressar e de contribuir
para a co-construção de sentidos;
• Recolher informação dos/sobre os alunos, de modo a compreender os seus
processos de aprendizagem e a sua evolução (por ex., através do diálogo, observação,
questionários, entrevistas etc.);
• Analisar a informação recolhida com o objectivo de melhorar as práticas de ensino
e de aprendizagem, envolvendo os alunos em processos de reflexão sobre essas práticas e
negociação pedagógica;
• Integrar os alunos nas práticas avaliativas e encontrar formas de incorporar a sua
competência de aprendizagem na avaliação global das aprendizagens (por ex., através da
negociação de critérios de avaliação e da auto-avaliação).
O papel das supervisoras da equipa, em colaboração com os supervisores das escolas,
é apoiar o desenho, desenvolvimento e avaliação dos projectos de investigação-acção dos
seus estagiários, definidos com base na análise dos contextos de acção e incidentes em áreas
diversificadas da educação em línguas. Os projectos são documentados em portefólios
individuais de natureza reflexiva, que incluem dados de avaliação do seu impacto nos
professores e nos alunos. Na avaliação da estratégia supervisiva por parte da equipa, as
principais fontes de informação são os portefólios dos estagiários e alguns estudos de
investigação centrados em dimensões particulares do projecto. Essa avaliação tem permitido
identificar potencialidades e limitações do trabalho desenvolvido, referidas no ponto
seguinte.
Em suma, o projecto surgiu como uma tentativa de criar uma microcultura de
supervisão que se afastava das práticas institucionais mais correntes, não só pela direcção
que procurava imprimir aos processos supervisivos e pedagógicos, mas ainda porque nele se
articulavam objectivos formativos e investigativos, ou seja, a equipa dinamizadora passou a
assumir uma postura investigativa face à sua prática supervisiva, promovendo, em
simultâneo, uma atitude investigativa nos estagiários face à sua prática pedagógica, por
meio da realização de projectos de investigação-acção em sala de aula. Assim se criavam
condições para a construção progressiva e sustentada de uma teoria da acção supervisiva,
em estreita articulação com uma teoria da acção pedagógica, ambas sujeitas a um escrutínio
continuado.
Avaliação de práticas: entre a reprodução e a transformação?
Uma das principais finalidades de uma formação reflexiva é a interrogação da visão
de educação que subjaz às práticas de ensino, assim como dos contextos em que elas se
realizam, nomeadamente no sentido de desocultar as forças históricas e estruturais que
condicionam o nosso pensamento e acção e encontrar alternativas que se afigurem mais
satisfatórias. Nesse sentido, a supervisão pedagógica pode ser entendida como uma
actividade de problematização da realidade e imaginação de possibilidades, ou ainda, como
“um jogo de subversão de regras (...), onde o prazer de jogar reside em transgredir o que
torna as práticas educativas irracionais e injustas, instituindo princípios que as tornem mais
58
racionais e justas” (Fernandes & Vieira, 2006, p. 234). Assim, um dos objectivos do projecto
supervisivo em curso é promover a indagação e intervenção críticas, apoiando o desenho e a
condução de planos de acção pedagógica que entram, muitas vezes, em choque com a
cultura escolar instalada, nomeadamente pela adopção de uma abordagem que procura
desenvolver a autonomia dos alunos e dos professores. Quando chegam às escolas, os
estagiários detêm, usualmente, representações acerca do seu papel e do papel dos alunos
que se aproximam genericamente do quadro de uma pedagogia para a autonomia, o que
pode ser observado nas respostas que dão a um questionário inicial sobre as suas teorias
pessoais, onde explicitam os princípios pedagógicos que defendem e rejeitam com especial
convicção.
Para este posicionamento concorre alguma da sua formação académica anterior, em
particular no âmbito das disciplinas de Metodologia de Ensino, onde se exploram os
pressupostos e princípios de acção da abordagem proposta em estágio. Durante e após o
desenvolvimento dos projectos, e apesar das diversas dificuldades que enfrentam, os
estagiários avaliam positivamente a experiência de estágio, reconhecendo inúmeras
potencialidades à investigação-acção como estratégia formativa que visa aliar um ensino
reflexivo a uma pedagogia centrada nos alunos. Salientam ganhos importantes: a formação
de profissionais mais conscientes e mais responsáveis; o desenvolvimento de uma atitude
investigativa, crítica e reflexiva face à profissão; a reconceptualização de teorias e práticas
pessoais; uma maior vontade e confiança na experimentação pedagógica; um maior
conhecimento dos alunos e o desenvolvimento das suas competências de comunicação e de
aprendizagem; a promoção da autonomia e emancipação profissionais (Moreira et al., 2006).
É surpreendente, e por vezes mesmo comovente, a forma entusiasta como estes
jovens professores, após terem passado pelas dificuldades inerentes a um ano de estágio e
sabendo que dificilmente encontrarão emprego, devido ao excedente de professores no
sistema de ensino português, relatam as suas pequenas lutas por uma educação melhor,
numa sessão que anualmente dinamizamos para os seus colegas em início de estágio. Sentese na sua voz uma força interior que exteriorizam sem receios, dando conta dos dilemas
sentidos e das conquistas alcançadas, encorajando os colegas e revelando na sua postura
profissional que não há lugar à mudança sem esperança, uma vez que, e como diz Van
Manen (1990), ter esperança significa acreditar na possibilidade. Contudo, e a par dos
ganhos da abordagem supervisiva desenvolvida, a avaliação dos estagiários também tem
permitido identificar constrangimentos de ordem cultural, metodológica e pessoal, relativos,
por exemplo, às tradições do ensino e ao choque da realidade, à inexperiência profissional e
às dificuldades inerentes à investigaçãoacção, à falta de hábitos de reflexão e de exposição
ao outro, e aos receios associados à avaliação do seu desempenho. Assim, e embora
reconhecendo o potencial transformador da abordagem, reconhecem igualmente problemas
na sua operacionalização, evidenciando a existência de uma tensão permanente entre ideais
e práticas.
A mesma tensão é identificada em estudos realizados por elementos da equipa sobre
diferentes vertentes do projecto (v. Paiva et al., 2006), os quais apontam para a validação
das nossas escolhas ético-conceptuais e metodológicas, mas também para a existência de
factores que impõem limites à criticidade e à democraticidade dos processos formativos.
Estes factores reportam-se, sobretudo, a circunstâncias paradoxais da prática supervisiva.
Desde logo, verifica-se a existência do dilema emancipação-sujeição, criado pela contradição
entre a intenção de promover a autonomia dos estagiários e o facto de actuarmos como
uma espécie de modelo para o que (não) é aceitável pensar ou fazer em educação. Os
59
efeitos deste paradoxo são acentuados pela assimetria experiencial e estatutária dos
participantes, e ainda pela tensão latente entre apoio e avaliação no exercício das funções
supervisivas. Tudo isso pode inibir uma relação de sinceridade ou fomentar atitudes de
conformismo acrítico ou camaleónico como estratégia de sobrevivência, o que afecta,
necessariamente, o potencial emancipatório da formação. O tempo constitui também um
constrangimento particularmente significativo neste contexto formativo, onde a transição
do papel de aluno a professor implica transformações complexas e descontínuas que se
operam lentamente. Paradoxalmente, a necessária centralidade da experiência pedagógica
nos processos supervisivos coloca fronteiras ao que é legítimo esperar, na medida em que a
novidade e a urgência da prática dificilmente se conciliam com o tempo necessário à sua
problematização, obrigando-nos a moderar as nossas expectativas enquanto supervisoras e,
portanto, também os efeitos da nossa acção.
Contra a nossa intenção, o tempo adquire por vezes uma dimensão “empresarial”
traduzida na procura de soluções rápidas para problemas técnicos, o que reduz a
possibilidade de instaurar um “tempo público” (Giroux, 2007), desacelerado e assente num
diálogo continuado de des/reconstrução do acto educativo, mais consonante com a
inefabilidade e a complexidade da pedagogia, e mais potenciador de um olhar supervisivo
expandido. Por outro lado, temos verificado, ao longo dos anos, que os tipos de
intervenções didácticas desenvolvidas pelos estagiários nos seus projectos de investigaçãoacção, apesar de direccionados ao desenvolvimento da autonomia dos alunos, exploram
pouco a sua dimensão política em comparação com a sua dimensão psicológica (Benson,
1997), focando-se principalmente na promoção de estratégias de aprendizagem associadas
aos processos de compreensão e produção textuais.
Também aqui, paradoxalmente, a focalização nestes processos, essencial ao
desenvolvimento da competência de comunicação dos alunos, acaba por desviar a nossa
atenção de questões curriculares mais transversais, como o papel social da educação em
línguas ou o papel dos programas e manuais escolares na determinação do conhecimento
válido. Observa-se, ainda, alguma dificuldade na fundamentação teórica das estratégias de
acção desenvolvidas, assim como na avaliação do seu impacto através da recolha e análise
sistemáticas de informação, o que pode colocar em risco a consistência dos projectos e a
perdurabilidade das aprendizagens profissionais. Por último, não é possível ignorar a força
socializadora dos contextos profissionais, tendencialmente conservadores, em que esta
formação decorre. Por um lado, o estágio coloca os estagiários entre dois mundos – o da
comunidade académica de onde vêm e o da comunidade escolar em que começam a
integrar-se no seu novo papel de professores. De notar que é na segunda comunidade, e não
na primeira, que se inscreve o seu futuro e também grande parte do seu passado, o que
favorece a sujeição às suas regras, mesmo quando estas transgridem a visão de educação
defendida. Por outro lado, e porque o projecto assenta numa orientação emancipatória da
supervisão que não é consensual na academia, torna-se difícil a sua afirmação nas
comunidades universitária e escolar. Podemos mesmo dizer que as suas condições de
emergência e sustentabilidade se têm consolidado num jogo de resistências que, em
simultâneo, justifica a sua relevância social e fragiliza a sua expansão.
Em síntese, a avaliação do projecto tem-nos permitido compreender potencialidades
e limitações de uma abordagem supervisiva que, visando a emancipação profissional dos
estagiários e a transformação das práticas escolares, encontra obstáculos à concretização
deste propósito. Na dinâmica visão <-> reflexão <-> acção <-> contexto, torna-se claro que os
elementos “visão” e “contexto” entram frequentemente em conflito, condicionando a
60
natureza, âmbito e impacto da reflexão para/sobre a acção e, também, necessariamente, a
natureza, âmbito e impacto da acção. Assim, e reconhecendo que não poderemos “conferir
à pedagogia uma autonomia que ela não tem” (Kuenzer, 2002, p. 64), na medida em que se
inscreve num quadro sócio-educativo que instaura limites ao poder dos professores na sua
transformação, devemos igualmente reconhecer que não poderemos conferir à supervisão
pedagógica uma autonomia que ela não tem. Face aos constrangimentos encontrados,
devemos mesmo perguntar se ela serve a uma finalidade transformadora ou reprodutora, e
se concorre para a assunção de posições críticas ou conservadoras.
A nossa resposta a este tipo de interrogação é cada vez mais re(ide)alista: tendo em
conta a realidade com que nos deparamos e sem perdermos de vista os nosso ideais,
procuramos criar culturas de possibilidadesignificativa, ou seja, ambientes de trabalho onde,
simultaneamente,interrogamos os contextos de acção e nos ajustamos a eles, pensandoe
actuando contra e a favor do sistema. Esta constatação remete-nos para a natureza
ideológica da abordagem da equipa, a qualse situa algures entre o status quo e uma visão
ideal de educação, ouentre a reprodução e a transformação, explorando a contradição como
espaço de inquietação e potencial mudança. Admitindo que a transformação das relações
sociais e produtivas não depende apenas da escola e exige a “coincidência entre
transformação das consciências e das circunstâncias” (Kuenzer, op. cit., p. 77), cumpre-nos,
na posição de formadoras, elevar, em nós e nos outros, a consciência das circunstâncias
como passo para a transformação de ambas, numa posição que não é apenas realista ou
idealista, mas onde a realidade e os ideais se misturam na luta permanente e incerta por
uma educação melhor.
E ainda... sobre a construção e distribuição do conhecimento
Podemos dizer que o projecto aqui discutido traduz uma forma de construir e
divulgar conhecimento através da indagação crítica e (re)construção de teorias e práticas
locais, contrariando uma visão aplicacionista da formação e a ideia do conhecimento
supervisivo como subproduto de teorias académicas desenvolvidas à margem das escolas.
No entanto, é também aqui, nas questões da construção e divulgação do
conhecimento, que reside um dos seus principais paradoxos. De facto, a teoria de acção
supervisiva aqui apresentada decorre do trabalho de uma equipa que é realizado de uma
determinada posição, a de formadoras e investigadoras da formação, o que porventura nos
distancia da pedagogia, mais do que o desejável. Apesar de ela constituir o centro da nossa
acção supervisiva, só indirectamente surge no conhecimento produzido sobre essa acção, e
dar-lhe outro destaque implicaria a parceria dos estagiários e dos supervisores das escolas
na sistematização e divulgação desse conhecimento. Por outro lado, e embora estes sejam
participantes centrais do projecto, têm um papel reduzido na (re)construção e disseminação
de teorias e práticas da supervisão, tarefas estas que ficam, sobretudo, também a nosso
cargo. Opera-se, dessa forma, uma divisão social de trabalho que acaba por conferir
supremacia a um determinado tipo de conhecimento (supervisivo) e a determinados agentes
de produção desse conhecimento (as supervisoras-investigadoras). Esta é, talvez, a principal
limitação e obstáculo epistemológico do projecto, reflectindo a existência de uma
contradição essencial entre a sua direcção emancipatória e o papel pouco expressivo de
alguns dos seus intervenientes na sistematização e disseminação do saber pedagógico, assim
como na (re)construção e disseminação do saber supervisivo.
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Embora a assimetria estatutária dos diversos participantes seja a explicação mais
conveniente para esta situação, teremos de reconhecer que é uma explicação
ideologicamente marcada por uma tradição académica que sempre relegou os professores
das escolas para um plano secundário na produção e difusão do conhecimento educacional,
criando, dessa forma, uma cegueira epistemológica a outras formas de construir e vulgarizar
esse conhecimento, e também a outras formas de conhecimento para além das que são
convencionalmente validadas e legitimadas pela academia. Para reconhecer e procurar
superar esta cegueira, é necessário admitir que as actuais condições de produção e
distribuição do conhecimento distorcem e mistificam a realidade, silenciando, em maior ou
menor grau, as vozes daqueles que a experienciam em primeira mão e construindo discursos
que, por muito prestígio que alcancem na comunidade científica, podem revelar-se pouco
relevantes à transformação da educação e da sociedade. Portanto, e embora o nosso
projecto pressuponha a participação de outros na reconstrução do saber educacional,
teremos de aceitar que há ainda um longo caminho a percorrer na concretização de todas as
implicações desse pressuposto, até que esses outros sejam parte de um nós.
Concluindo…
Ao longo deste texto, procurei defender uma visão transformadora da
supervisão pedagógica, partindo de uma proposta transdisciplinar de
conceptualização da relação entre supervisão e pedagogia e passando à discussão
de um projecto de supervisão desenvolvido com estagiários de línguas, em curso na
Universidade do Minho há mais de uma década. O exemplo ilustra uma forma de
operacionalização do quadro ético-conceptual proposto, evidencia formas de articulação
entre a investigação académica e a actividade supervisiva, salienta o papel que a
investigação-acção pode assumir, como estratégia de formação profissional ao serviço de
uma pedagogia para a autonomia nas escolas, e traduz uma forma de construir e divulgar
conhecimento através da indagação crítica e (re)construção de teorias e práticas locais. Em
cada um destes aspectos, o projecto evidencia ainda um conjunto de constrangimentos e
paradoxos que afectam uma orientação emancipatória na formação inicial de professores,
possivelmente presentes em iniciativas análogas, os quais nos remetem para a dimensão
ideológica da supervisão pedagógica como prática situada entre a reprodução e
transformação da ordem social implícita nos contextos de intervenção.
Se a base experiencial das ideias aqui apresentadas eleva, potencialmente, a sua
ressonância e razoabilidade, também será verdade que lhes impõe limites decorrentes das
fronteiras do meu quadro conceptual, dos meus filtros interpretativos e, ainda, da natureza
local das experiências que servem de suporte ao desenvolvimento das minhas teorias
práticas. Porque as teorias práticas são simultaneamente âncoras e instrumentos de
cristalização da acção, devemos obrigar-nos a um esforço continuado de autocrítica. Como
afirmam Argyris e Schön (1974, p. 27), “one must treat his theory-in-use as both a
psychological certainty and an intellectual hypothesis”. É dessa forma que as ideias aqui
propostas e discutidas deverão também ser lidas: como convicções que, emergindo da acção
e suportando a acção, terão de ser permanentemente interrogadas e revistas, e em cuja
(in)certeza residirá a sua força transformadora. São, por isso mesmo, ideias fundadas na
esperança, porque é esta que permite a possibilidade, negando qualquer noção de
fechamento. Como diz Bauman (2007, p. 77), “a esperança é sempre a esperança de
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plenitude, mas o que mantém viva a esperança e assim conserva a existência aberta e em
movimento é precisamente a sua incompletude”.
Nota
1. As licenciaturas em ensino da Universidade do Minho a que se reporta este
projecto, presentemente em fase de remodelação decorrente do Processo de Bolonha, têm
a duração de cinco anos: quatro anos de formação académica em domínios da área de
docência e da educação e um ano de estágio profissional, realizado pelos alunos estagiários
em pequenos grupos, em escolas básicas e secundárias que têm um protocolo com a
instituição. A supervisão do estágio é assegurada por dois supervisores de cada área
disciplinar, um da escola de acolhimento e outro da universidade, podendo este último
pertencer a departamentos da Especialidade ou da Educação. O projecto aqui referido
abrange apenas os estagiários de Inglês e Alemão que, anualmente, são atribuídos à equipa
que o tem dinamizado. Esta tem sofrido alterações ao longo dos anos, tendo até este
momento contado com a participação, para além de mim, das colegas Maria Alfredo
Moreira, Isabel Barbosa, Madalena Paiva, Isabel Sandra Fernandes, Graça Branco e Júlia
Amaro.
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