CineSkené 1 WEST SIDE STORY

Transcrição

CineSkené 1 WEST SIDE STORY
I - 9 /3/2012
West Side Story
1961
Todas as Idades
“WEST SIDE STORY, do palco da Broadway ao cinema, do cinema ao palco do Politeama”
por Lauro António
A 26 de Setembro de 1957, no Winter Garden Theatre, de Nova Iorque, estreava-se um novo
musical”, da autoria de Jerome Robbins (ideia inicial, coreografia e encenação), Leonard Bernstein
(música) e Stephen Sondheim (libreto), segundo argumento de Arthur Laurentz, que era, nem mais
em menos, do que a adaptação da tragédia de William Shakespeare, “Romeu e Julieta”, à actualidade
das ruas nova-iorquinas (de final da década de 50). Inicialmente pensou-se que o conflito entre os
grupos rivais seria de índole religiosa, entre católicos de origem irlandesa, e judeus. Ela seria judia,
ele católico, viveriam ambos em Nova Iorque, mas no East Side (seria mesmo uma “East Side Story”),
mas a proximidade a uma outra peça teatral com entrecho muito semelhante (“Abie’s Irish Rose”, de
Anne Nichols), afastaria a ideia. A galopante imigração de porto-riquenhos daria o mote para a
Intriga dramática. A produção do espectáculo, que levantou enorme polémica na estreia, e
sobretudo entre a crítica, era de Robert E. Griffith e Harold S. Prince. Foram quase dois anos de casas
cheias (732 representações), mas o “Tony” do ano para melhor musical foi para “The Music Man”,
ficando “West Side Story” com alguns troféus de consolação, como o da coreografia e o de designer
de cena (Oliver Smith). “West Side Story” era, no entanto, não só profundamente inovador na época
como se manteve, daí para a frente, como um dos grandes musicais de sempre. A novidade seria
motivo de gratificante descoberta para quem assim a entendeu, mas igualmente de mortificante
acusação. Muitos críticos, de olhos aturdidos, não aceitaram muito bem a “novidade” de um musical
“dramático”, que terminava com um cadáver no centro do palco, depois de atravessar conflitos
rácicos e sociais e de mostrar que nem tudo ia bem na América. Muitos se insurgiram contra esta
forma de mostrar em cena aberta as mazelas dos EUA, não percebendo que é esse aspecto que faz
daquele país um exemplo, mesmo quando tudo o mais corre pessimamente (como é caso presente).
Mas a verdade é que os críticos passaram e o musical continua. Não envelhecendo, muito pelo
contrário, remoçando, actualizando-se, criando novas interpretações, e sendo encenado um pouco
por todo o lado (...) Em finais da década de 50 a adaptação de musicais de grande sucesso ao cinema
era prática corrente (...) O musical da Broadway passa a filme em 1961, pela mão de uma dupla de
directores, o encenador Jerome Robbins (que iria filmar sobretudo os números musicais), e o
realizador Robert Wise (que se encarregaria de rodar o restante filme e de lhe dar uma consistência
unitária). Recorde-se que a obra acabaria por ser terminada unicamente por Robert Wise, dado que,
por incompatibilidades várias (e sobretudo com a acusação de estar a duplicar o orçamento
previsto), Jerome Robins foi afastado da direcção do projecto . A rodagem inicia-se em 10 de Agosto
de 1960. Robert Wise lança-se então na transposição para o cinema desta nova versão dos amores
desesperados de um Montéquio e uma Capuleto tendo por cenários naturais as ruas de Manhattan:
para tanto utilizaram um quarteirão e um terreno de jogos, então em demolição, e hoje em dia
desaparecidos. Quem reescreveu o argumento, desta feita para o cinema, foi Ernest Lehman. Os
Montéquios tornam-se um gang de brancos, enquanto os Capuletos se transformam nos emigrantes
de Porto Rico. A interpretação de Maria seria entregue a Natalie Wood, que acabara de ter um
brilhante sucesso em “Esplendor na Relva” e a de Tony seria destinado a Richard Beymer (o actor
inicialmente previsto era Elvis Presley), vá lá saber-se porquê. Beymer é mesmo a única coisinha
realmente má desta obra que, apesar dele, ganhou o prestígio de culto. Nem Natalie Wood nem
Richard Beymer cantaram o que quer que fosse – ambos foram dobrados, respectivamente, por
Marni Nixon e Jimmy Bryant (já agora informe-se que Rita Moreno também foi dobrada por Betty
Wand em "A Boy Like That", mas seria sua a voz em "America" e "Quintet". Curiosidade suplementar:
no final de “Quintet” a voz é de Marni Nixon (que dobrava Natalie Wood, como já vimos), pois na
altura da gravação desta sequência, tanto Rita Moreno, como Betty Wand estavam doentes da
garganta. Marni Nixon, ainda que por segundos, dobra duas actrizes no mesmo filme, o que, sendo
vulgar em filmes de animação, não é nada frequente em musicais de imagem real.
Uma das originalidades de “West Side Story” era precisamente o seu cunho realista, que difere
fundamentalmente de quase todos os “musicais” anteriormente vistos no cinema onde predominava
a estilização e a utilização do estúdio como local privilegiado de rodagem. O filme de Robert Wise
denuncia desde início esse recurso ao real, sobrevoando Manhattan, com magníficas filmagens
aéreas, e definindo desde logo o cenário onde posteriormente tudo irá decorrer. Mas, se o “décor” é
quase sempre realista, a acção, por força da própria convenção do “musical”, não abdica de uma
certa estilização, e este é outro dos pontos fortes de “West Side Story”: a conjugação, quase sempre
perfeita, entre o cenário realista e a acção coreografada e cantada. É deste modo que nas imagens
iniciais se infiltra um discreto assobio e um estalar de dedos premonitórios em relação ao que irá
acontecer. Um corte súbito nas panorâmicas aéreas e eis-nos já numa situação estilizada: no campo
de jogos, um grupo de jovens brancos, os “Jets”, ameaça alguns porto-riquenhos de um grupo rival,
os “Sharks”. Essa ameaça expressa-se através desse já mítico e ritmado estalar de dedos, a que se
junta a agressividade das palavras trocadas e o vigor dos gestos. Vigor: na tradição do “musical”
americano, os bailados de “West Side Story” reflectem uma forma vigorosa, exaltante e nervosa de
entender a dança. Os melhores momentos musicais desta obra, inesquecível a vários níveis, são
precisamente aqueles onde, apesar de estar sempre presente a componente melodramática, esta
consegue ser transcendida pela explosão dos gestos e dos sons (...) Mas esta adaptação de “Romeu
e Julieta” nas ruelas desertas e nocturnas dos bairros pobres de Manhattan tem muitos outros
aspectos a justificar uma análise detalhada e uma entusiástica saudação. Para já, trata-se de um
painel de invulgar profundidade crítica. A sociedade americana vê-se ali espelhada com grande
lucidez de observação. Os conflitos rácicos que estão na base de toda a tragédia, e que aqui se
colocam num confronto de grupos de jovens, reflectem algo de visceral nesta América da abundância
que relega para bairros marginalizados os seus “ghetos” de emigrantes mal assimilados e integrados.
Esta raiva que os brancos “Jets” lançam na cara dos tisnados porto-riquenhos é consequência directa
de um racismo fundamentalmente económico, de raiz profunda, que coloca uns contra os outros, os
pobres brancos (italianos, polacos, eslavos...), os negros e os mestiços (mexicanos, porto-riquenhos
ou outros). É uma luta que tenta hierarquizar uma sociedade (os “pobres brancos” querem sentir-se
menos pobres, sabendo abaixo de si os mestiços e os negros), e que as autoridades (veja-se o caso
do inspector Krupke) parecem incentivar, Inclusive, sempre que a autoridade surge, os jovens
parecem esquecer as quezílias que os separam para se unirem contra essa autoridade .
Curioso ainda notar como Robert Wise e Jerome Robbins equacionaram o problema desta juventude
delinquente, servindo-se para tanto de uma canção com o seu quê de satírico que, contudo,
relembra aos distraídos as causas de grande parte do que se está a ver. Essa “doença de carácter
social” que lança a juventude na violência das ruas tem obviamente a ver com uma deficiente
formação, uma educação defeituosa (“somos meninos que ninguém ama”). Por detrás destes olhos
manchados de raiva, estão gerações de alcoólicos, famílias miseráveis, dificuldades económicas
insuperáveis, uma degenerescência moral que tudo contamina. São aspectos sociais e psicológicos
que envenenam toda esta juventude, entregue a si própria (não é por acaso que são raríssimos os
adultos que intervêm nesta história de jovens: apenas um polícia e o velho e impotente dono de um
bar). Deste quadro esboçado com largueza desprende-se, no entanto, um profundo conhecimento
de muitos dos problemas que a América enfrentava em inícios dos anos 60, e que as décadas
seguintes apenas agudizaram. Situação que, numa época de globalização, como a actual, se alargou e
disseminou por todo o mundo. Nas periferias urbanas de Paris ou nas margens sul de Lisboa (...) No
ano de 1962, “West Side Story” foi nomeado para onze Oscars e ganhou todos, com a excepção do
de Melhor Argumento Adaptado para Cinema.
Adaptado de: http://lauroantonioapresenta.blogspot.com/2008/10/west-side-story.html