Referências

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Referências
EDITORIAL
VISÃO
Ser um polo educacional de referência no Rio Grande
do Sul pela qualidade, responsabilidade social e
inovação.
MISSÃO
Promover educação de qualidade através da
construção, produção e socialização do saber, com
base nos princípios cristãos, para atuar numa
sociedade em transformação.
VALORES E PRINCÍPIOS
?
DIGNIDADE: atuação com ética, responsabilidade
social e respeito à pluralidade.
?
QUALIDADE DE ENSINO: conhecimento, inovação e
Esta edição da Revista Espaço Dialógico traz uma grande diversidade de artigos,
permeando importantes temas da sociedade atual (Educação, Informática e
Administração), aliando a investigação científica e a pesquisa teórica. No
desenvolvimento dos conteúdos foi significativa a conexão dos temas com as pesquisas
desenvolvidas pelos autores e suas experiências no ambiente profissional, propiciando
ao leitor uma maior articulação com as vivências do cotidiano. . Abaixo é descrito um
breve chamamento aos artigos com o objetivo de instigar os leitores à leitura.
empreendedorismo.
?
REFERENCIAL LUTERANO: vivência cristã, amor e
cooperação.
?
JUSTIÇA: exercício da cidadania consciente.
?
VALORIZAÇÃO DAS PESSOAS: integralidade,
comprometimento e qualificação para o
desenvolvimento humano.
?
AUTOSSUSTENTABILIDADE: criatividade, gestão
integrada e melhoria contínua.
NOSSO FOCO
Educação
No artigo sobre os Mucker, Daniel Luciano Gevehr, apresenta uma análise das
interpretações dadas por autores e líderes da época que tentaram apresentar
argumentos que pudessem justificar o massacre tanto do grupo, como da liderança.
Os sistemas nacionais de inovação e a situação brasileira, artigo de Daniel Pedro
Puffal, contextualiza a dificuldade das empresas de articularem iniciativas de inovação
por conta própria e a importância de investimentos nacionais na alavancagem do
desenvolvimento de um país.
Como pode uma empresa manter-se competitiva no mercado através de suas
competências e recursos. Esta é análise feita pelo artigo Perspectiva de recursos e
capacidade como fontes de vantagem competitiva de autoria de Cezar Miguel Monteiro
da Silva e Pedro Léo Gulini. O tema é aprofundado pelo estudo de dois casos
relacionados a cada um dos enfoques.
Qual o significado atribuído à ação avaliativa, avaliar competências ou por
competência, avaliação de fatos, avaliação de conceitos? São alguns dos sub-temas do
artigo que trata da avaliação por competência do professor, elaborado pela autora
Maria Celina Melchior, com o título A importância da avaliação na construção de
competências. O artigo esclarece dúvidas, indica alguns caminhos e coloca desafios
nesta questão tão polêmica que é a avaliação.
Colaborar, cooperar, estas são palavras de ordem, principalmente para pequenas e
microempresas. Torná-las estratégias competitivas foi o intuito da pesquisa detalhada
neste artigo, Análise compreensiva da estratégia colaborativa organizacional como
diferencial competitivo de autoria de Dusan Schreiber.
DIRETORIA
Presidente
Sílvio Paulo Klein
Administração e Finanças
Clarel Selbach - Afonso Licório Fröhlich
Patrimônio
Márcio Fernando Fritz - Valdir Ivan Laux
Ensino e Relações Comunitárias
Sérgio Mylius - Leandro Osmar Heldt Hennemann
Assuntos Estratégicos
Marcelo Clark Alves - Marcos Sebastião Baum
A atuação de um professor de Educação Física na Educação Infantil requer
especificidades peculiares na sua formação. Analisar a contribuição da formação destes
docentes para atuação neste nível de ensino foi o principal objetivo da pesquisa
desenvolvida com o título A formação do educador físico para a Educação Infantil: a
percepção de profissionais de Educação Física de Novo Hamburgo - RS, realizada por
Gustavo Paraboni Cerveira e Ricardo Reuter Pereira.
O universo do Sítio do Picapau Amarelo permanece encantador, contrariando a
fluidez dos nossos tempos de “modernidade líquida”. Com esta frase do resumo
apresentamos o artigo Os carrapichos de Lobato: permanência e transcendência do
universo do Sítio do Picapau Amarelo em tempos de modernidade líquida, escrito por
Luciane Maria Wagner Raupp, que faz uma análise da importância da Obra de Monteiro
Lobato no atual contexto literário.
Vogais
Otair Leite da Silva - Hardy Brandenburg - Pedro Airton
da Silva
O capelo e a palavra do reitor: cerimonial do rito de passagem, este artigo de autoria
de Isabel Lisakoski; faz uma viagem pelo mundo das universidades e traz diversos
elementos que envolvem este importante momento na vida de um acadêmico, a sua
formatura.
Conselho Fiscal
Titulares: Jairo Elenor Reinheimer - Jacson Drews Geraldo dos Santos
Suplentes: Raul Cassel - Carlos Helberto Zwetsch - Raul
Oscar Hartmann
Detalhar as diversas etapas do método de integração de teste em circuitos
eletrônicos digitais baseado na norma IEEE1149.1 é o principal objetivo do artigo
Inserção de testabilidade em núcleos de sistemas digitais – a norma IEEE 1149.1, de autoria
de Eduardo Santos Back.
DIREÇÃO GERAL
Seno Leonhardt
Uma ótima leitura a todos e um convite para ocupar este precioso espaço de
compartilhamento de conhecimentos, de pesquisas e de experiências; capazes de
motivar para o ato de empreender novas atividades.
VICE-DIREÇÃO DE EDUCAÇÃO BÁSICA
Déborah Cassel
Seno Leonhardt
Diretor Geral da IENH
SUMÁRIO
04
Perspectiva de recursos e capacidades como fontes de vantagem
competitiva
09 Imagens que não se apagam: a líder dos Mucker e seu combatente
13
Os sistemas nacionais de inovação e a situação brasileira
17
Análise compreensiva da estratégia colaborativa organizacional como
diferencial competitivo
21
Inserção de testabilidade em núcleos de sistemas digitais –
a norma IEEE 1149.1
25
A formação do educador físico para a Educação Infantil:
a percepção de profissionais de Educação Física de Novo Hamburgo - RS
32 O capelo e a palavra do reitor: cerimonial do rito de passagem
36
Os carrapichos de Lobato: permanência e transcendência do universo do
Sítio do Picapau Amarelo em tempos de modernidade líquida
39 A importância da avaliação na construção de competências
Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade de seus autores.
CONSELHO EDITORIAL
Cezar Miguel Monteiro da Silva
Júlio Cézar Adam
Poliana Fraga
Sabrina Vier
Seno Leonhardt
CORREÇÃO
Luciane Maria Wagner Raupp
EDITORAÇÃO
Assessoria de Comunicação IENH
Revista Espaço Dialógico - v. 04, n. 04, fev. 2010
TIRAGEM
1000 exemplares
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
PERSPECTIVA DE RECURSOS E CAPACIDADES
COMO FONTES DE VANTAGEM COMPETITIVA
Cezar Miguel Monteiro da Silva *
Pedro Léo Gulini**
Resumo
A teoria dos recursos e capacidades da empresa surge como um eixo de fundamental importância para a direção estratégica
da organização. Nos últimos anos, tem se produzido uma série de artigos notáveis que apresentam uma visão global e
sistematizada desta teoria.
Neste estudo, a primeira parte aborda uma introdução sobre enfoque nos recursos e capacidade da empresa. A segunda
parte centra sua atenção sobre a definição e características de recursos. Na terceira parte, são analisadas discussões sobre as
capacidades dinâmicas como novas formas de vantagens competitivas. Finalmente se analisam as aplicações desses marcos
teóricos em dois estudos de caso.
Busca apresentar dois casos, onde a empresa através de seus recursos e competências procura manter competitiva no
mercado. O primeiro enfocando uma estratégia de crescimento através de replicação de seu conhecimento adquirido e no
segundo nos seus recursos e competências.
Palavras-chave:
Recurso. Capacidades dinâmicas. Capacidades distintivas. Replicação do conhecimento.
Introdução
Nos últimos anos, a direção estratégica tem sido
dominada por um enfoque produto-mercado. A partir dessa
perspectiva, as empresas podem e devem posicionar-se elas mesmas e seus produtos - em relação a seus mercados e
a seus competidores (PORTER, 1986). Mas em uma era em
que as empresas operam em entornos globais e as mudanças
tecnológicas se aceleram, esse enfoque de orientação ao
mercado encontra limitações práticas e, diante desse
cenário, cresce o interesse pelos recursos internos da própria
empresa.
ESPAÇO DIALÓGICO
04
combinados, por meio dos processos organizacionais, em
função de um objetivo específico (GRANT, 1991)
1 Enfoque nos recursos e na capacidade da empresa
A teoria da empresa baseada em recursos (PENROSE,
1959; RUMELT, 1984; WERNEFELT, 1984; AMIT E
SCHOEMAKER, 1993) reconduz a obtenção da receita à
estrutura dos ativos da empresa e a vantagem competitiva a
processos de acumulação e utilização de recursos (LIPPARINI,
CAZZOLA, PISTARELLI, 2000).
Sobre essa fundamentação, origina-se a visão baseada
em recursos da empresa, fundada sobre as idéias
desenvolvidas por Penrose (1959), assegurando que a
heterogeneidade entre as empresas pode ser explicada pelas
realizações de que cada empresa, através de seu ciclo de vida,
acumula um conhecimento próprio e idiossincrático
(DIERICKX e COOL, 1989). Esse conhecimento determina a
capacidade da empresa para explorar e combinar todos os
recursos para a produção especifica de serviços.
Segundo Fernández e Suárez (1996), a perspectiva de
recursos pressupõe uma forte mudança de orientação,
propondo que são os recursos e capacidades internas os
principais determinantes da variabilidade dos resultados e
não a posição dos produtos no mercado de oferta e procura.
Ou seja, a perspectiva de recursos vem a indicar outras
possíveis origens de vantagem competitiva sustentável, a
qual, por sua vez, vai mais adiante da posição da empresa no
mercado de produtos, supostamente defendido por Porter
(1986).
Neste artigo, descreveremos o papel dos recursos e das
capacidades na criação da vantagem competitiva. Com a
utilização de dois estudos de caso, pretendemos dar
sustentação ao marco teórico e aspirar à argumentação que
as competências da empresa residem sobretudo na
capacidade de empregar recursos, frequentemente
Dessa forma, o enfoque baseado nos recursos e
capacidades sugere que os recursos que possuem uma
empresa são mais importantes do que a maneira como está
estruturada a indústria a que pertence (RUMELT et. al, 1994).
Para esse enfoque estratégico, a vantagem competitiva da
empresa pode ser obtida através das formas em que a
* Titulação: Mestre em Administração pela UNIVALI/SC – Vice-diretor de Ensino Superior e
Educação Profissional da IENH
** Titulação: Mestre em Administração pela UNIVALI/SC – Coordenador Vendas Regional SC da
Brasil Telecom
Essa concepção pode ser observada desde a
perspectiva das rendas ricardianas da empresa, através das
quais se maximizavam os rendimentos sobre os custos reais
daqueles recursos escassos que conferem à empresa uma
vantagem competitiva. Como indica Wernerfelt (1984), a
propriedade dos recursos e o processo de aquisição
permitem a criação de barreiras com base nesses recursos.
Dierickx e Cool (1989) sugerem que uma empresa que
não tem recursos não negociáveis e necessários para a
implantação de sua estratégia de mercado se vê forçada a
construir esse recurso. Por exemplo, a reputação de um
produto de qualidade pode ser construída a través de um
conjunto de medidas de produção, de controle de qualidade,
entre outros. Isso também vale para o capital humano: a
lealdade dos vendedores e a capacidade de pesquisa e
desenvolvimento da empresa (HOFFMANN, 2002).
As rendas empresariais expressam o resultado das
decisões tomadas pelos diretores para desenvolver e
distribuir recursos pois, uma vez que os recursos tornam-se
obsoletos e são imitados por outras empresas, seu potencial
de gerar rendas decresce (GRANT, 1991).
transformados em produtos finais para uso por um grande
número de ativos e mecanismos de outras empresas, tais
como, tecnologias, sistema de gestão da informção, sistemas
de incentivos, confiança entre diretores e trabalhadores,
entre outros.
1.2 Características dos recursos
Peteraf (1993) classifica os recursos e capacidades
atendendo aos níveis de eficiência que se apresentam,
distinguindo três tipos gerais. O primeiro tipo contempla
aqueles que são escassos, únicos, e proporcionam uma
eficiência superior no seu uso. O segundo tipo de recursos
refere-se aos que proporcionam uma eficiência normal,
também chamada de mobilidade perfeita. Por último, o
terceiro tipo compreende os que dão uma eficiência inferior.
Seguindo essa classificação, a empresa que tiver
recursos do primeiro tipo estará em condições de obter
rendas econômicas, entendendo-se tais recursos como todo
ingresso superior ao custo necessário para atrair os serviços
do fator produtivo.
CARACTERÍSTICA
DESCRIÇÃO
MECANISMOS
Heterogeneidade
Os recursos são distribuídos de
forma heterogênea entre as
empresas da indústria, e
somente aquelas que possuem
os recursos que são escassos e
com eficiência superior têm
vantagem competitiva.
Restrição à competição
1.1 ex post
Uma vez adquiridos ou
acumulados pela empresa, os
recursos devem ser difíceis ou
impossíveis de serem imitados
pelos concorrentes ou de serem
substituídos por outros mais
eficientes.
Restrição à competição
1.2 ex ante
A corrida da empresa em
assumir uma posição de
destaque na indústria, com
relação a posse de recursos
superiores, não deve despertar
a competição pelos recursos.
Mobilidade imperfeita
São os recursos difíceis de
serem transferíveis para outras
empresa,
pois
são
idiossincráticos e não teriam
pouco ou nenhum outro uso
fora da empresa.
Escassez, dificuldade de
suprimento para a indústria,
pelo menos no curto prazo,
monopólio da posse do
recurso e alta eficiência na
sua utilização produtiva na
indústria.
Recursos
socialmente
complexos, não-negociáveis
no mercado de fatores de
produção, que possuem alta
carga
de
conhecimento
tácito, como reputação, e
contingentes a história da
empresa que os acumulou,
geram ambigüidade do que
seria relevante de ser
copiado.
Imperfeições de mercado,
como
informações
privilegiadas e sorte.
O
desenvolvimento
de
recursos
não-negociáveis,
como imagem da empresa,
devem avaliados em seu
custo de oportunidade para
não dissipar as rendas
futuras.
Recursos
específicos
da
empresa e com altos custos
de transação. Caso a empresa
não os possua e estejam nas
mãos do fornecedor, é
necessário analisar como fica
a divisão das rendas geradas
pelo uso do recurso.
1.1 Definição de Recursos
Um dos primeiros conceitos sobre recurso origina-se de
Vernerfelter (1984), que o define como qualquer coisa que
poderia ser pensada como uma força ou uma fraqueza de
uma determinada empresa. Mais formalmente, os recursos
de uma empresa em um determinado momento poderiam
ser definidos como aqueles valores (intangível e tangível) no
qual são ligados semi permanentemente a empresa.
Já Barney (1991) define recursos como “todos os ativos,
capacidades, processos organizacionais, atributos da
empresa, informação, conhecimento etc., controlados pela
empresa, que a possibilita elaborar e implementar
estratégias que melhorem sua eficiência e eficácia.”. O autor
classifica os recursos em: a) recursos físicos, tais como
equipamentos, fábricas, localização geográfica e acesso a
matéria-prima; b) recursos humanos, ou seja, relações sociais
e experiências dos funcionários; e c) recursos
organizacionais, como estruturas, processos e sistemas de
informação (BANDEIRA DE MELO E CUNHA, 2001).
Para Grant (1991), recursos são os elementos que
ingressam num processo de produção, constituindo uma
unidade básica de análise. Já Amit e Schoemaker (1993, p.
35), buscando ampliar a definição, registram que os recursos
são estoques de fatores disponíveis que são propriedade e
então são controlados pela empresa. Recursos são
Quadro 1 - Características de recursos essenciais para a manutenção
da vantagem competitiva
Fonte: Adaptado de Peteraf (1993) (apud BANDEIRA DE MELLO e CUNHA, 2001)
Com referência à heterogeneidade das empresas,
Peteraf (1993) combina esse enfoque com a economia
neoclássica e articula um modelo econômico para a
vantagem competitiva segundo a qual esse tipo de
vantagem está em função de uma combinação de limites exante da competência, da mobilidade imperfeita, da
heterogeneidade dos recursos e dos limites ex-post da
competência.
Com esse modelo, Peteraf (1993) argumenta que as
organizações são diferentes entre si em função dos recursos e
capacidades que possuem em um momento determinado e
p e l a s d i fe r e n t e s c a r a c t e r í s t i c a s d e l a s m e s m a s
(heterogeneidade). Esses recursos e capacidades não estão
disponíveis para todas as empresas nas mesmas condições
(mobilidade imperfeita). A heterogeneidade e a mobilidade
05
ESPAÇO DIALÓGICO
organização configura e administra seus recursos internos,
que, cada vez mais, serão uma maior fonte de vantagem
diferencial entre as empresas. Segundo esse contexto, os
diferentes desempenhos da empresa são os resultados de
diferenciais na eficiência. Nesse sentido, teriam mais
interesse os recursos e as capacidades que são de larga
duração e são difíceis de imitar do que os facilmente
reproduzíveis (BARNEY, 1991).
imperfeita explicam as diferenças de rentabilidade entre as
empresas, inclusive as pertencentes a uma mesma indústria.
1.3 A perspectiva das capacidades dinâmicas
A abordagem de Teece et al. (1997) denominada
capacidades dinâmicas, pretende explorar ao máximo
ascompetências internas e externas da organização para
lidar com as mudanças do ambiente. O termo “dinâmicas”
refere-se à capacidade de renovar competências ao mesmo
tempo em que atinge congruência com o mutante ambiente
de negócios. Certas respostas inovadoras são requeridas
quando o tempo para responder ao mercado é um fator
crítico, a taxa de mudança tecnológica é rápida e a natureza
da competição e do mercado futuro são difíceis de
determinar.
ESPAÇO DIALÓGICO
06
De qualquer modo, as competências podem prover
vantagem competitiva e gerar rendas somente se forem
baseadas na coleção de rotinas, habilidades e ativos
complementares que são dificilmente imitados. Uma rotina
particular pode perder seu valor se ela suportar a
competência por longo tempo, ou se ela pode ser com prazer
replicação ou emular o competidor.
1.4 Casos analisados
Para fundamentação das discussões teóricas deste
artigo, buscaram-se dois estudos de caso que, nas seções
seguintes, são detalhados.
1.4.1 Caso 1 – Rede de Fast Food
O termo “capacidades” enfatiza o papel-chave da gestão
estratégica, qual seja o de adaptar, integrar e reconfigurar
apropriadamente as competências pessoais específicas
(skill), os recursos e as competências funcionais internas e
externas da organização, de forma a atingir os resultados
necessários no referido ambiente.
Bandeira de Mello et al (2002) buscaram apresentar, em
seu estudo, a questão da replicação do conhecimento como
uma estratégia de crescimento em uma rede de fast food.
Nesse trabalho, apresentou-se o processo de acumulação
das habilidades gerenciais e organizacionais exigidas na
implementação da transferência do conhecimento
necessário para criação de novas unidades produtivas.
Coerente com a relação entre estratégia e capacitação,
Teece et al. (1997) referem-se ao trabalho de Dierickx e Cool
(1989), que enfatizam que a decisão sobre quanto investir em
cada área da organização é central para a estratégia da
empresa. As escolhas sobre os domínios de competência são
influenciadas pelas escolhas passadas . Em um dado
momento, as empresas devem seguir uma certa trajetória ou
alternativa (path) de desenvolvimento de competências. Tal
alternativa não apenas define quais são as oportunidades
que estarão abertas para a empresa hoje, mas também
impõe limites em termos dos repertórios internos futuros,
ou seja, ao mesmo tempo em que apontam as capacidades
q u e s e rã o d o m i n a d a s, t a m b é m s e d e f i n e m a s
incompetências futuras da organização.
A replicação do conhecimento organizacional foi
popularizada na literatura econômica por Nelson e Winter
(1982). A lógica da estratégica de replicação fundamenta-se
na visão da competição baseada em recursos, na qual o
conhecimento organizacional é considerado um recurso
essencial e fonte de vantagem competitiva sustentável. A
replicação é vista como uma das formas mais eficientes de
alavancar ativos baseados em conhecimento. A lógica de
replicação considera que a empresa deve ser capaz de
incorporar conhecimentos sobre como uma unidade
produtiva deve operar, sobre como transferir, ou replicar, os
conhecimentos para novos pontos de vendas, e sobre como
torná-los operantes
Teece et al. (1997) identificaram uma série de classe de
fatores que ajudam a determinar as competências distintas e
as capacidades dinâmicas. Essas classes foram organizadas
em três categorias: processos, posição e caminhos.
Esse estudo foi baseado na metodologia de Argotte e
Darr, considerando que o conhecimento está depositado em
três áreas: equipamentos, layout e processos. Buscou-se
descrever o processo de construção do núcleo replicável ao
logo do tempo, na percepção dos gerentes entrevistados.
O processo gerencial ou organizacional refere-se à
maneira como as coisas são feitas na empresa, ou que podem
ser referenciadas como rotinas, ou padrão de praticas
correntes ou aprendizados. Posição refere-se a certas
vantagens específicas correntes de tecnologia ou
propriedade intelectual, ativos complementares, base de
clientes e relações externas com fornecedores e
complementadores. Caminho refere-se a alternativas
estratégicas disponíveis para as empresas e a presença ou
ausência do retorno crescente e servindo de caminho
dependente.
Ainda para os autores, aprendizado é um processo cuja
repetição e experimentação habilita tarefas para ter
performance melhor e mais rápida. Também habilita novas
produções de oportunidades para serem identificadas.
Equipamentos
Forno, geladeira
especial, freezer,
espremedor de
Núcleo
laranjas,
Replicável
liquidificador,
(comum a
recipientes para
todas as transporte e
lojas)
armazenamento
dos calzones,
demais utensílios.
Processos
Abastecimento das
lojas, recebimento
e armazenamento
dos calzones,
assamento dos
calzones, preparo
dos sucos,
atendimento ao
cliente,
treinamento dos
gerentes.
Layout
Formato padrão
das lojas de
shopping centers,
disposição
padrão dos
equipamentos,
padronização da
logomarca e dos
displays.
Restrição do
formato das lojas
Estufa importada,
de rua, restrição
Carisma do gerente
Aspectos câmara fria,
quanto ao espaço
em manter a
para
contextuais número de gavetas
equipe.
do forno.
abastecimento
das lojas de
shopping
Quadro 2 - Processo de construção do Núcleo Replicável
Fonte: Bandeira de Mello et al. (2002)
1.4.2 Caso 2 – Empresa de Café
Lipparini et al (2000) apresentam, em seu estudo, como
uma empresa de café consegue, através de seus recursos e
competências, redefinir e renovar as suas próprias
capacidades buscando a criação da vantagem competitiva.
A estratégia para a busca da vantagem competitiva
utilizada por essa empresa foi construir blocos, que consistiu
no empreendimento de uma série de projetos para o
desenvolvimento e na transferência de conhecimento, que
envolveu várias áreas da empresa, como compras, pesquisa
e desenvolvimento, distribuição e marketing.
A empresa adotou algumas estratégias. Criaram-se
parcerias com os fornecedores, pois estaria adquirindo a
matéria-prima diretamente dos fornecedores, dessa
maneira sempre buscando a qualidade do produto. Também
se procurou a inovação constante na área de pesquisa e
desenvolvimento, uma vez que a empresa já possuía esta
cultura desde seu nascimento. Foram desenvolvidos vários
equipamentos para buscar a melhoria do produto final,
sempre utilizando a aplicação de método científico no
aprimoramento da qualidade do produto e processo. Tais
como projeto para aplicação dos algoritmos do cálculo
fractal para descrever e empacotamento da camada de café
moído; projeto de análise da percolação utilizando modelos
matemáticos; Projeto ESSE (Easy Serving Espresso);
concessão gratuita da patente para divulgar um
determinado o padrão de café; projeto de simulação
computadorizada da percolação pelo modelo dos
autômatos celulares e projeto da máquina eletrônica dotada
de microprocessador para seleção do café. Houve também
seleção dos canais de distribuição, que são cuidadosamente
avaliados com base no conhecimento que demonstram no
uso correto das máquinas e nas características que o café
deve apresentar para ser considerado excelente.
Para Lipparini et al (2000), as competências distintas no
processo produtivo são importantes, pois além da
capacidade de relacionamento, é intuitivo relacionar a
excelência qualitativa à posse de competências em nível de
processo produtivo. Por isso, neste estudo, foram
identificadas as seguintes competências:
(a) Qualidade das matérias-primas: a empresa
somente utiliza as melhores partidas de café do
mercado;
(b) Blending: uma das regras fundamentais para obter
um ótimo café expresso prevê que se combinem
diferentes variedades de grãos para equilibrar o gosto.
Por isso, a empresa desenvolveu um processo que
consegue manter o gosto do café equilibrado e
constante;
(c) Seleção eletrônica dos grãos de café: a empresa tem
desenvolvido uma máquina para escolha dos grãos,
permitindo, assim, garantia da utilização de lotes de
café sem defeito;
(d) Degustação dos lotes: antes da aprovação final do
produto, é realizada por degustadores a verificação da
qualidade do café, sendo analisada a aparência, aroma,
sabor e corpo;
(e) Resfriamento por ar: para manter constantes os
aromas do café, a empresa optou por esse sistema.
Terminado o processo de torrefação e imediatamente
após a saída das partidas, o controle identifica as
características e os dados relativos a sua partida;
(f ) Pressurização: todos os esforços no processamento
do café poderiam ser em vão se não fossem
preservadas as características até o consumo. A
empresa desenvolveu um processo que garante o
produto fresco durante três anos.
Neste caso, para a empresa de café, saber como
apreender, e como apreender mais rapidamente que os
concorrentes, representa a melhor fonte de vantagem
competitiva sustentável, enquanto a competição com base
nas competências se torna uma tarefa irrenunciável.
Buscou apresentar estes dois casos, nos quais as
empresas, através de seus recursos e competências,
mantêm-se competitivas no mercado. No primeiro caso,
enfoca-se uma estratégia de crescimento através de
replicação de seu conhecimento adquirido, e, no segundo,
nos seus recursos e competências.
07
ESPAÇO DIALÓGICO
Como resultado desse estudo, Bandeira de Mello et al
(2002) consideraram que existe lógica da replicação do
conhecimento organizacional e que pode ser utilizada como
modelo para explicar o crescimento organizacional de
empresas que se expandem por meio da criação de pontos
de venda, ou unidade produtivas, semelhantes e distantes
geograficamente.
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ESPAÇO DIALÓGICO
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Resource-based and Evolutionary Theories of the Firm.
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IMAGENS QUE NÃO SE APAGAM:
A LÍDER DOS MUCKER E SEU COMBATENTE
Daniel Luciano Gevehr*
Resumo
O artigo analisa o processo que envolveu a construção de representações sobre o conflito dos Mucker, ocorrido na Antiga
Colônia Alemã de São Leopoldo, atual município de Sapiranga-RS. A análise proposta tem como fontes as narrativas que
procuraram condenar moralmente os Mucker e especialmente sua líder, Jacobina Maurer, no período logo após o desfecho do
conflito. Observamos, através de nossa análise, que tanto os Mucker quanto Jacobina foram alvo de diferentes interpretações por
parte dos autores analisados, que em todos os momentos atentaram para sua condenação moral. Essa condenação, por sua vez,
revestia-se de todo um caráter ideológico, que procurava justificar o massacre que se praticou por parte das autoridades e
diferentes grupos sociais no Ferrabraz em 1874. Dessa forma, as narrativas analisadas no artigo evidenciam o caráter condenatório
por parte de seus autores em relação aos Mucker e a sua líder Jacobina.
Palavras-chave:
Mucker. Representações sociais. Memória.
Introdução
N
o presente artigo, pretendemos investigar
parte das representações construídas sobre os
Mucker¹ e, de forma especial, sobre sua líder,
Jacobina Maurer, que contava com a ajuda de seu marido
João Jorge Maurer, conhecido como “o curandeiro”.
Os Mucker serão, especialmente no período
compreendido entre o final do século XIX e início do século
XX – em que se verifica a forte presença do ideal positivista da
ordem e do progresso - ,alvo de diferentes interpretações,
que tiveram como ponto comum a condenação moral do
conflito e de sua líder.
As representações construídas sobre os Mucker, no final
do século XIX, apontam-nos como os únicos responsáveis
pelos acontecimentos. As interpretações feitas sobre o
movimento, especialmente no período logo após o final do
conflito, apontam para a condenação moral do grupo e,
especialmente, de sua líder, Jacobina Maurer, descrita, nas
fontes analisadas, como a principal responsável pelo
fanatismo do grupo e pela violência vivenciada durante o
conflito no morro Ferrabraz, localizado no atual município de
Sapiranga-RS.
Conforme veremos, parte das narrativas construídas
sobre os Mucker procuraram incutir no imaginário do leitor a
noção de “verdade”, fazendo com que o discurso do autor
parecesse e assumisse a condição de descrição fiel dos seus
personagens e fatos.
As representações construídas sobre os Mucker, no final
do século XIX, apontam-nos como os únicos responsáveis
pelos acontecimentos. As interpretações feitas sobre o
movimento, especialmente no período logo após o final do
conflito, apontam para a condenação moral do grupo e,
especialmente, de sua líder, Jacobina Maurer, descrita, nas
fontes analisadas, como a principal responsável pelo
fanatismo do grupo e pela violência vivenciada durante o
conflito no morro Ferrabraz, localizado no atual município de
Sapiranga-RS.
Conforme veremos, parte das narrativas construídas
sobre os Mucker procuraram incutir no imaginário do leitor a
noção de “verdade”, fazendo com que o discurso do autor
parecesse e assumisse a condição de descrição fiel dos seus
personagens e fatos.
1 Os Mucker e sua líder Jacobina
Iniciamos nossa análise sobre os personagens centrais
do conflito apresentando, de forma abrangente, a biografia
de Jacobina Mentz Maurer. Em relação a ela, sabe-se que
* Titulação: Graduado, mestre e doutor em história pela UNISINOS.
NOTA
¹ O movimento Mucker ocorreu no final do século XIX, mais precisamente entre os anos de 1868 e 1874, na Antiga Colônia de
São Leopoldo, atual município de Sapiranga, RS, envolvendo um grupo de cerca de 150 colonos, formado por imigrantes e
descendentes de imigrantes alemães. Esse grupo, supostamente, estaria formando uma nova de caráter messiânico,
liderada por Jacobina Mentz Maurer e por seu marido João Jorge Maurer. O conflito acaba com o extermínio desses colonos,
em nome pelas forças oficiais, lideradas pelo Coronel Genuíno Sampaio, no ano de 1874. Já o termo Mucker, ao que tudo
indica, foi utilizado pelo pastor evangélico-luterano Frederico Boeber para se referir ao grupo liderado por Jacobina. O termo
apresenta diferentes significados, podendo significar santarrão, embusteiro ou fanático religioso. O termo pode ainda ser
associado ao zumbido das abelhas, quando estão trabalhando na colméia. Essa última tinha como intenção a identificação
dos Mucker como um grupo que, quando reunido em culto, demonstrava todo seu fervor e fanatismo religioso.
09
ESPAÇO DIALÓGICO
Área de atuação: É professor da IENH, ISEI e FACCAT. Atua como professor convidado no
Curso de Especialização em História do RS na UNISINOS.
nasceu em data desconhecida do mês de junho de 1842, na
localidade de Hamburgo Velho, atual município de Novo
Hamburgo – RS. Jacobina foi confirmada em 04 de abril de
1854, na Igreja Evangélica de Hamburgo Velho, onde viria a se
casar com João Jorge Maurer. Foi assassinada em 02 de agosto
de 1874, pelas forças oficiais, em seu esconderijo ao pé do
morro Ferrabraz.
Jacobina, quando criança, teve sérias dificuldades na
escola, não tendo conseguido aprender a ler e escrever.
Segundo os diagnósticos do Dr. Hillebrand, Jacobina
apresentava, desde criança, sinais de transtornos nervosos
que se haviam agravado em sua fase adulta, quando iniciou a
leitura e interpretação da Bíblia. Segundo o médico, esses
transtornos teriam provocado uma verdadeira mania
religiosa e sonambulismo espontâneo.
Contrapondo-se às representações construídas e
difundidas sobre Jacobina, encontramos aquelas que
retratam o coronel Genuíno Sampaio, que nasceu em 1822,
na Bahia. Iniciou cedo sua carreira militar, tendo participado
em diversos conflitos da história do Brasil, defendendo os
interesses do Estado.
germanidade daqui, de 1875. Nele encontramos a primeira
imagem idealizada de Jacobina. Publicado por Koseritz², em
seu Koseritz Kalender, o artigo procurava alertar as pessoas
para os fatos que ocorriam, consistindo em um “ato de
denúncia” em relação ao grupo que se organizava no
Ferrabraz. Para Koseritz, estes fatos lançam luz terrível sobre
nosso progresso e que são motivo das mais sérias
preocupações para o futuro³.
Apresentando os Mucker como fanáticos religiosos e
avessos aos avanços da ciência, Koseritz tece críticas severas a
eles, na medida em que não praticavam os valores da
verdadeira germanidade 4. O alvo preferido por Koseritz, no
entanto, foi Jacobina Mentz Maurer. Para ele, Jacobina
representava a demência religiosa que se havia instaurado na
colônia, devido à indigestão crônica de passagens bíblicas,
aliada a temor cuidadosamente nutrido ante inferno e diabo e
crença demente em revelação, em vocação divina e em
milagres de toda a espécie. Para Koseritz, Jacobina era:
Uma mulherzinha doida, histérica como Jacobina Maurer teria
sido simplesmente ridicularizada, sem jamais encontrar
adeptos que se deixassem inflamar a tais atos macabros.
Sabemos de sobejo que com a publicação desta nossa opinião,
baseada na mais intima convicção, haveremos de chocar
novamente os mais amplos círculos. O agourento “S.v.K.” será
novamente o alvo da baba piedosa que espirra do alto dos
púlpitos de ambas as confissões; hão de trovejar contra o
almanaque popular e proibir a aquisição do mesmo, - isso,
contudo, pouco importa, pois cumprimos nosso dever,
dizemos a verdade e esclarecemos os leitores a respeito das
verdadeiras causas da fraude Mucker nas colônias5.
Mais tarde, já coronel, Genuíno voltou ao Rio Grande do
Sul, vindo a comandar a guarnição de uma parte da fronteira
e, depois, fixando residência em Porto Alegre, onde
comandava seu batalhão.
Com a eclosão do conflito na colônia alemã de São
Leopoldo, o coronel foi chamado para apaziguar e acabar
com o conflito entre os colonos do Ferrabraz. Foi durante essa
ação que Genuíno morreu, no dia 21 de julho de 1874. A causa
de sua morte é bastante discutida, havendo diferentes
versões, que ora incriminam os Mucker, ora os inocenta. Em
função de sua morte, entrou no cenário o Major Francisco
Santiago Dantas, que levaria o conflito até o final, com a
derrota dos Mucker.
A desqualificação de Jacobina no texto de Koseritz fica
bem evidente no emprego do diminutivo “mulherzinha”.
Jacobina é descrita como uma desajustada socialmente e
responsável por atos macabros.
Vale ressaltar que a questão de gênero aparece como
um elemento desqualificador de Jacobina, ao ser apontada
como “mulherzinha”, de quem eram esperadas determinadas
características psicológicas:
A representação construída sobre o Coronel - e que se
consagrou no imaginário da população - foi a do militar que
tombou em nome da civilização contra a barbárie. Nesse caso,
Genuíno representava a lança da civilização, enquanto os
Mucker representavam o universo bárbaro, não civilizado.
Começamos a análise dessas representações sobre os
dois personagens com o artigo A Fraude Mucker na Colônia
Alemã. Uma Contribuição para a história da cultura da
As onças choviam em sua casa, que em pouco tempo se tornou
ponto de reunião de muitos doentes, aos quais prescrevia toda
a sorte de decocções de ervas. Não curou ninguém, mas que
importa, os doentes acorriam como antes a ele que buscou
acorrentá-los de outra maneira. Para tanto, a pretensa
inspiração divina de Jacobina proporcionou-lhe a algema
necessária. Como Deus se dignasse nomear-lhe medicamentos
e interferir no ofício dos médicos, nada foi mais natural para
Maurer do que explorar a propensão à crendice6.
Ainda na versão publicada em 1880, sob o título
NOTAS ² Karl Von Koseritz nasceu em 03 de fevereiro de 1834, em Dessau, na Alemanha. Chegou pela primeira vez ao Brasil em
ESPAÇO DIALÓGICO
10
1850, regressando logo em seguida à Alemanha. Chega pela segunda vez ao Brasil e acaba participando do grupo formado
para lutar contra Rosas na Argentina, conhecido como os Brummer. Num primeiro momento, Koseritz trabalhou como
jornalista em Pelotas e Rio Grande, sendo que em 1864 assumia a direção do Deutsche Zeitung, de Porto Alegre. Além
disso, Koseritz teve grande participação na política do RS, ao lado dos liberais, onde desempenhou forte atuação na defesa
dos interesses do partido. Faleceu em 1890.
³ VON KOSERITZ, Carlos. A Fraude Mucker na Colônia Alemã. Uma contribuição para a história da cultura da germanidade
daqui. Koseritz Kalender. p. 1. (Tradução de Martin N. Dreher).
Lembramos que essa publicação ocorreu em meio às comemorações do 50º Jubileu da Cidade de São Leopoldo, que,
segundo Koseritz, eram alusivas à coragem alemã e pelo trabalho alemão. Ainda como exemplo da exaltação da
germanidade, Koseritz refere-se aos imigrantes e a seus descendentes como portadores do cerne operoso da natureza
alemã e de natureza sadia da raça alemã.
4
5 VON KOSERITZ, Carlos. A Fraude Mucker na Colônia Alemã. Uma contribuição para a história da cultura da germanidade
daqui. Koseritz Kalender. p. 5. (Tradução de Martin N. Dreher). (grifos nossos)
6
Ibidem, p. 6. (grifos nossos)
Marpingen 7 und der Ferrabraz, Jacobina é descrita como
mensageira da palavra de Cristo. Para o autor, contudo,
Jacobina não passava de uma enganadora, que se dizia
proferir palavras divinas aos seus adeptos no Ferrabraz.
Para ele, a personagem Jacobina surgiu num contexto
de fanatismo religioso, em decorrência de uma educação
deficiente que transformou todos os crédulos em potencial.
Sua visão detratora influenciou categoricamente vários
outros estudos realizados a partir do final do século XIX.
Consideramos também necessária, nesse contexto do
final do século XIX, a análise do relatório escrito por Dantas_8
em 1877, uma vez que a versão apresentada por ele
influenciou de forma decisiva o processo de construção e
difusão de representações sobre o conflito. Na narrativa 9 de
Dantas, prevalece o ponto de vista de um militar preocupado
com a descrição do cenário e das ações militares que
envolveram o combate dos Mucker. Como exemplo disso
que afirmamos, apresentamos o único trecho em que
Jacobina foi citada nominalmente, sendo que, no decorrer de
sua narrativa, seu nome torna-se ausente:
para incentivar as ações dos soldados que, abalados com a
morte do coronel, se viram em uma situação difícil. Dantas
afirmou que a morte de Genuíno deveria servir-lhes de
exemplo de bravura e que estes não deveriam se deixar
abalar. Ao contrário, deveriam tomar esse fato como lição e
com isso salvar a dignidade do uniforme nacional12. Genuíno
era, na interpretação de Dantas, o exemplo de herói, que
havia dado sua vida no combate aos Mucker.
Concordando com a visão detratora sobre os Mucker,
apresentada até aqui por Koseritz e Dantas, o padre jesuíta
Ambrósio Schupp13afirmou que Jacobina e seu marido eram
os principais responsáveis pela formação do grupo,
apresentando-os como o casal misterioso do Ferrabrás [que]
se deixou penetrar e possuir dessa convicção14, ao aliar a cura
de doenças à prática religiosa. Para o autor, cuja obra se
constitui como a primeira referência historiográfica sobre o
tema, o mistério envolvia o casal Maurer, que não teria outra
pretensão senão a de enganar os colonos.
Para ele, Jacobina era uma pessoa dotada de
capacidades limitadas e praticante de atos criminosos, como
ficou evidenciado na seguinte passagem:
João Jorge Maurer e sua mulher Jacobina haviam organizado
no município de S. Leopoldo uma seita religiosa que se baseava
em arbitrárias interpretações dos Livros Santos. Discutiam os
teólogos a questão da crença; debaixo do ponto de vista em
que escrevo pouco importa10.
A ausência nominal de Jacobina, no entanto, não
diminui a sua participação na organização do grupo, sendo
que Dantas, ao referir-se à casa do casal, denominou-a de casa
Maurer, numa referência a João Jorge e Jacobina. A casa
Maurer, no entanto, é apresentada ao leitor como um símbolo
da destruição dos Mucker, devido à ação militar bem
sucedida. Na análise da narrativa de Francisco Dantas,
percebemos, ainda, sua preocupação em evidenciar a
existência de dois grupos rivais, os Mucker e os não-Mucker.
Nesse contexto recriado por Dantas, o Coronel aparece
como personagem de destaque, dada a sua atuação em
combate, que acabou levando-o à morte. Genuíno Sampaio
foi apresentado como distinto coronel Genuíno 11,
demonstrando a intenção de Dantas de enfatizar o caráter de
Genuíno, que se perfilava entre os mais destacados militares
brasileiros.
A morte de Genuíno foi, também, utilizada por Dantas
Segundo ele, Jacobina, ao final do conflito, teria sido
descoberta ao lado de seu suposto amante:
Jacobina, toda escabelada, o olhar desvairado, precipita-se
para fora da choupana. De um salto acha-se a seu lado Rodolfo,
pronto a sacrificar a vida por ela. Com olhar de louco, bramindo
como um tigre, parecia querer defendê-la de todos os lados, a
um tempo16.
Além disso, constatou-se a plena identificação do autor
com as autoridades policiais. Isso fica evidenciado no uso da
expressão nosso delegado, evidenciando a posição favorável
a um dos grupos envolvidos, o da repressão aos Mucker.
Também nessa mesma linha interpretativa, Schupp destaca a
atuação de Genuíno Sampaio, afirmando que essa se deu a
partir do momento em que as atividades do grupo liderado
por Jacobina no Ferrabraz foram associadas a verdadeiros
atos de barbárie. Para ele, o Ferrabraz havia se transformado
7
VON KOSERITZ, Carlos. Marpingen und der Ferrabraz. In: PETRY, Leopoldo. O episódio do Ferrabraz: os mucker. 2ª ed. São
Leopoldo: Rotermund, 1966. p. 170-173 (Marpingen é traduzido por Leopoldo Petry como sendo um lugarejo da
Alemanha).
8
Francisco Santiago Dantas nasceu em Itaguaí, RJ, no dia 19 de maio de 1844. De formação militar, Dantas foi também
engenheiro militar. Na política, exerceu o mandato de deputado na Assembléia Provincial do RS entre 1879 e 1880. Dantas
faleceu em 11 de junho de 1889 em Cuiabá.
AHRS. Ligeira Notícia sobre as Operações Militares contra os Muckers na Província do RS. Francisco C. de Santiago Dantas.
Rio de Janeiro, 1877. Maço 152.
9
10
Ibidem, p. 2. (grifo nosso)
11
Ibidem, p. 6.
12
Ibidem, p. 11.
13
Ambrósio Schupp nasceu em Montabaur, Alemanha em 26 de maio de 1840. Cursou filosofia e teologia na Universidade
de Würzburg. Chegou ao Brasil em 10 de outubro de 1874, um pouco após o término do conflito Mucker. Faleceu em 1914.
14
SCHUPP, Ambrósio. Os Muckers. 3 ed. Porto Alegre: Selbach & Mayer, s/d p. 42.
15
Ibidem, p. 277 (grifos nossos).
16
Ibidem, p. 299 (grifos nossos).
11
ESPAÇO DIALÓGICO
NOTAS
Jacobina mandara degolar o próprio filho, criança de peito,
para que o choro desta não descobrisse o seu esconderijo;
ordenado mais que, em dia determinado, se fizesse o mesmo a
todas as crianças menores de cinco anos; pois assim como o
Salvador fora salvo pelo sangue dos recém-nascidos, assim
também ela devia ser salva pelo sangue das crianças de tenra
idade15.
num cenário de horror, no que se realizava, por iniciativa de
Jacobina, uma festa de sangue17, disseminando um ambiente
de orgia de sangue nas picadas18.
O falecimento de Genuíno é utilizado para reforçar a
imagem heróica do personagem, já que a mesma se deu em
combate. Sua atuação corajosa no combate contra Jacobina
e seus adeptos acabou sendo legitimada através do ritual,
que envolveu o sepultamento, realizado em Porto Alegre:
(...) acompanhado de todo o clero, vinha o bispo da diocese;
seguindo-se a oficialidade, os corpos das diversas armas, e os
altos funcionários públicos, e, fechando a procissão fúnebre,
representantes das diversas corporações civis, negociantes,
operários, e, por fim, uma multidão compacta de populares.
Chegados ao cemitério, à beira da sepultura que devia guardar
os despojos mortais do malogrado militar, entoou o Bispo o “De
profundis”. Um estremecimento de dor percorreu toda aquela
multidão, e a muitos, sentindo o coração apertado pelos mais
negros pressentimentos, marejaram as lágrimas19.
Fica evidente a intenção do narrador ao descrever o
ritual de sepultamento do coronel: a de ressaltar a
participação de diversas autoridades e da população da
capital que, segundo ele, estavam comovidas e
sensibilizadas com a morte de Genuíno. Schupp enfatiza o
sentimento de dor, a comoção e as lágrimas derramadas
pelos presentes, exaltando, assim, a imagem do coronel.
apresentada pelo padre jesuíta Ambrósio Schupp,
representante do pensamento dos jesuítas de seu tempo,
observamos uma forte intenção de difundir uma única
imagem sobre os Mucker, associada à barbárie e ao não
civilizado, no contexto do final do século XIX. Essa imagem,
no entanto, consagrar-se-ia ainda nas primeiras décadas do
século XX, quando ainda, lentamente, surgirão novas linhas
interpretativas. Como já afirmamos na introdução do artigo,
selecionamos em nossa análise apenas os autores situados
no contexto do final do século XIX e início do século XX e que,
em seu tempo, procuraram acusar e incriminar os Mucker e
sua líder Jacobina apenas como culpados e responsáveis
pelos fatos ocorridos no morro Ferrabraz.
Entretanto, não podemos esquecer que, além dessas
fontes, que procuram condenar moralmente os Mucker,
possuímos outras várias fontes, que merecem destaque
nesse mosaico de representações sociais sobre os Mucker.
Essas fontes, que apontam para outras interpretações sobre
os personagens envolvidos no conflito, encontram-se
temporalmente distantes dessas analisadas neste artigo.
Essas revelam toda uma outra ideologia que demonstra um
pensamento bastante diferente desse apresentado até aqui,
que procurou colocar os Mucker e sua líder na condição única
de culpados. Esse fato justifica a criação de representações
tão negativas a seu respeito.
Considerações Finais
Desde as narrativas de Koseritz, responsável pela
primeira imagem detratora sobre os Mucker, até aquela
Referências
AMADO, Janaína. Conflito social no Brasil: a
revolta dos “Mucker”. São Paulo: Símbolo,
1978.
BACZKO, Bronislaw. Los imaginários
sociales: memórias e esperanzas
colectivas. Buenos Aires: Nueva Visión, 1984.
BOURDIEU, Pierre. A Economia das trocas
lingüísticas. 2. ed. São Paulo: EDUSP, 1998.
ESPAÇO DIALÓGICO
12
HALBWACHS, Maurice. A Memória coletiva. São
Paulo: Centauro, 2004.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Escrita, linguagem,
objetos: leituras de história cultural. Bauru:
EDUSC, 2004.
POLLACK, Michael. Memória, esquecimento,
silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 2,
n. 3, 1989.
C H A R T I E R , R o g e r. O M u n d o c o m o
representação. Estudos Avançados. São
Paulo, n. 11, nov. 1991.
NOTAS
17
SCHUPP, Ambrósio. Os Muckers. 3ª ed. Porto Alegre: Selbach & Mayer, s/d. p. 217.
18
Ibidem, p. 221.
19
Ibidem, p. 273. (grifos nossos)
OS SISTEMAS NACIONAIS DE INOVAÇÃO E A
SITUAÇÃO BRASILEIRA
Daniel Pedro Puffal*
Resumo
A capacitação tecnológica em suas diferentes dimensões tem sido uma preocupação central na agenda de políticas públicas
de países e nas estratégias de empresas. Governos buscam alocar recursos nessa direção de modo a elevar o padrão de vida de sua
população, enquanto os gastos de empresas procuram mantê-las competitivas. Embora em uma economia de mercado o principal
locus onde ocorre inovação seja as empresas, a história tem mostrado que, de um modo geral, elas não conseguem capacitar-se
sozinhas, sendo necessária a existência de um sistema nacional de inovação que as auxiliem nessa empreitada. A partir de análise
de dados secundários, percebeu-se que há um baixo investimento em pesquisa e desenvolvimento relativo à inovação no Brasil e
que há espaço para ampliação da interação entre empresas e universidades. Além disso, conclui-se que o sistema nacional de
inovação pode ser classificado em nível intermediário, quando comparado com países desenvolvidos.
Palavras-chave:
Inovação. Sistema Nacional de Inovação. Competitividade.
A geração de inovação se vê facilitada na presença de
infraestrutura tecnológica, na existência de recursos
humanos qualificados, de relação de cooperação entre
empresas e destas com outras instituições, de sistema de
financiamento e de marco regulatório apropriado. O Sistema
Nacional de Inovação – SNI constitui-se no arranjo
institucional adequado a esse fim.
O presente trabalho busca investigar o estágio em que
se encontra o sistema nacional de inovação bem como a
relação universidade-empresa a partir de dados da Pesquisa
de Inovação e Tecnologia – PINTEC. Inicialmente, após a
introdução, o artigo apresenta o esforço inovador das
empresas e o sistema de inovação, a situação brasileira em
relação à inovação e, finalmente, as considerações finais.
O conceito de Sistema Nacional de Inovação, que tem
sido discutido por economistas tais como Freeman (1987),
Lundvall (1994, 2007), Nelson (2006), entre outros, alcançou
respeitabilidade no meio acadêmico e entre as instituições
internacionais, sendo considerado um elemento importante
na determinação da riqueza das nações.
1 Esforço inovativo nas empresas e os sistemas de
inovação
A
A interação entre a produção científica e a produção
tecnológica desempenha um papel importante nos sistemas
nacionais de inovação. Nos países desenvolvidos; é possível
identificar a existência de circuitos de retroalimentação
positiva entre essas duas dimensões, em que há fluxos de
informação e de conhecimento nos dois sentidos.
Nas últimas décadas, a difusão de novas tecnologias de
informação e comunicação e a maior liberalização comercial
entre países alteraram o ambiente competitivo onde as
empresas atuam. Em trabalho sobre padrões tecnológicos e
desempenho de firmas industriais brasileiras, De Negri,
Salerno e Castro (2005) constataram que a estratégia de
inovação e de diferenciação de produtos é a mais promissora
para as empresas. Em 2000, observou-se que apenas 1,7% das
empresas adotavam essas práticas, sendo responsáveis por
13,2% dos empregos e 25,9% do faturamento total.
*Titulação: Mestre e doutorando em Administração, especialista em Marketing e
Administração Escolar, graduado em Administração.
Área de atuação: Coordenador do Curso de Bacharelado em Administração da
Faculdade IENH e professor de disciplinas de marketing na IENH e Faculdade de
Tecnologia SENAC-RS.
13
ESPAÇO DIALÓGICO
inovação tem sido apresentada na literatura
como uma fonte para a sobrevivência e para a
expansão de empresas no mercado. A partir da
contribuição seminal de Schumpeter (1982), em que à
inovação é dado o principal papel na explicação do
desenvolvimento econômico, novos avanços teóricos têm
sido feitos para compreender melhor esse fenômeno.
Universidades e institutos de pesquisa produzem
conhecimento que é transmitido às empresas do setor
produtivo, enquanto que o acúmulo do conhecimento
tecnológico produz questões importantes para a elaboração
científica e para a orientação da qualificação de recursos
humanos. Já em países menos desenvolvidos, como o Brasil e
outros, o sistema nacional de inovação ainda se apresenta
imaturo (SUZIGAN e ALBUQUERQUE, 2008), visto que essa
interação é pouco desenvolvida.
Introdução
Os autores apontam que essa estratégia influencia
positivamente os salários pagos pelas firmas e também está
positivamente correlacionada com seus volumes de
exportações. Além disso, há outros benefícios, como a
melhoria na qualidade dos produtos, conformidade com
normas internacionais, ampliação da participação em
mercados e redução de custos e de impactos ambientais.
A concepção de sistema de inovação foi desenvolvida,
durante os anos 1980, de forma paralela em diferentes
instituições da Europa e dos Estados Unidos da América. Para
Lundvall (2007), não há dúvida da importância da
colaboração entre Christopher Freeman e o Grupo IKE da
Universidade de Aalborg no sentido de melhorar as versões
iniciais cujos ingredientes básicos e inspiração foram
encontrados nos estudos de vários pesquisadores da
inovação daquele período.
Para Lundvall (1999), o primeiro trabalho publicado
com significativa abrangência, que introduz o conceito de
sistema nacional de inovação, foi a análise do Japão realizada
por Freeman (1987). Porém, o conceito foi definitivamente
estabelecido na literatura sobre inovação em decorrência de
trabalhos de Freeman, Nelson e Lundvall na coletânea de
artigos publicada em forma de livro em Dosi et al. (1988).
2 A situação da inovação no Brasil
Com objetivo de elaborar indicadores nacionais e
regionais comparáveis internacionalmente, o IBGE realiza
periodicamente um levantamento sobre distintos aspectos
do processo de inovação tecnológica nas empresas
brasileiras. A pesquisa é denominada PINTEC – Pesquisa de
Inovação Tecnológica. Já foi realizada e publicada três vezes,
no entanto a prevista para 2008 ainda não foi publicada até a
data da elaboração deste artigo.
Segundo o IBGE (2008), em 2003, existiam, na indústria
brasileira, aproximadamente 84 mil empresas com mais de
dez empregados na base de dados do Cadastro Nacional de
Pessoa Jurídica – CNPJ. Em 2005, esse número passou para 91
mil, representando um aumento de 8% no número total de
empresas, como pode ser observado na tabela 1.
2001 – 2003
PINTEC 2003
Número total de empresas da pesquisa
Empresas que implementaram
inovações em produto novo para o
mercado nacional
Empresas que implementaram
inovações em processo novo para o
mercado nacional
% do
total
84 262
2003 – 2005
PINTEC 2005
% do
total
91 055
Crescimento
2003 – 2005
%
8,0
2 297
2,7
2 956
3,2
29,0
1 023
1,2
1 509
1,7
48,0
Tabela 1 – Comparação do número de empresas e implementação de
inovação em produto e processo
Fonte: IBGE - PINTEC 2003 e 2005
O SNI é composto de organizações, instituições e da
interação entre elas. Firmas, universidades, centros de
pesquisa, agências governamentais, organizações políticas
entre outros, formadas por estruturas formais, compõem o
SNI. O conjunto de regras, rotinas e hábitos estabelecidos,
assim como as leis que regulam as relações entre indivíduos e
organizações, representam instituições do SNI. O ponto, para
Lundvall (1994), é que o SNI está localizado dentro das
fronteiras nacionais. Assim, sistemas de inovação são
conjuntos de elementos e estruturas de uma nação que
possuem funções específicas nos diversos processos
relativos ao conhecimento para fins de inovação têm como
finalidade propiciar a produção de conhecimento, sua
difusão e sua utilização de modo que o país eleve seu padrão
de vida.
ESPAÇO DIALÓGICO
14
As empresas ocupam um papel de destaque no
processo de inovação. Nelson (2006) aponta duas razões
básicas para tal. A primeira é que deve haver conhecimento
necessário para identificar e delimitar os pontos fortes e
fracos da tecnologia que está em vigor já há algum tempo,
bem como possíveis melhorias para orientar um trabalho
inovador e com alto rendimento. Esse conhecimento
geralmente está no interior das empresas que usam a
tecnologia, assim como em seus fornecedores e clientes. A
segunda razão, também presente nas empresas, é a
exploração comercial da tecnologia, a qual necessita de
estudos de viabilidade econômica e técnica, coordenação
das áreas de P&D, produção e marketing, com objetivo final
de maximizar o potencial da inovação.
Constata-se, de acordo a tabela 1, que, apesar do
crescimento significativo do número de empresas que
implementaram inovações no período analisado, 29% nas
que inovaram em produto e 48% nas que inovaram em
processo, o percentual relativo ao total de empresas ainda
permanece baixo. Somente 3,2% das empresas
implementaram inovações em produto novo para o mercado
nacional entre 2003 e 2005, e 1,7% das empresas
implementaram inovações em processo para o mercado
nacional nesse mesmo período.
Buscando compreender a razão para o baixo percentual
de empresas com inovação, apresentam-se, na tabela 2, os
problemas e os obstáculos de alta importância relativos à
inovação, apontados na PINTEC 2005. Apesar de os
respondentes atribuírem aos problemas um grau de
importância alta, média ou baixa, a tabela 2 apresenta
somente o número de empresas que indicaram como alto o
grau de importância aos problemas e aos obstáculos,
considerados os mais relevantes para este trabalho.
Na tabela 2, constata-se que os três obstáculos mais
importantes à inovação apontados pelas empresas estão
relacionados a questões financeiras. Ou seja, a falta de
recursos impede a inovação das empresas. Por outro lado, é
interessante a afirmação de De Negri, Salerno e Castro (2005)
relativa ao desempenho das empresas inovativas de que a
inovação tem correlação positiva com o resultado financeiro
e parcela de mercado. Isso leva a um espiral descendente,
sendo que a empresa que não investe em inovação por não
ter recurso passa a não ter recurso por falta de inovação.
Elevados custos da inovação
Riscos econômicos excessivos
Escassez de fontes apropriadas de financiamento
Dificuldade para se adequar a padrões, normas e regulam entações
Falta de pessoal qualificado
Escassas possibilidades de cooperação com outras emp resas ou instituições
Escassez de serviços técnicos externos adequados
Falta de informação sobre tecnologia
Falta de informação sobre mercados
Fraca resposta dos consumidores quanto a novos produtos
Rigidez organizacional
Centralização da atividade inovativa em outra empresa do grupo
Total de empresas da pesquisa
Número
de
empresas
7 500
5 785
5 739
1 757
1 748
1 594
1 392
1 220
836
793
707
96
95 301
ocupados com ciência e tecnologia (OECD, 2008).
%
7,9
6,1
6,0
1,8
1,8
1,7
1,5
1,3
0,9
0,8
0,7
0,1
Tabela 2 – Problemas e obstáculos à inovação com alta importância
para empresas da PINTEC 2005
Fonte: IBGE - PINTEC 2005
Para De Negri, Salerno e Castro (2005), existe um
razoável consenso de que o esforço inovativo das empresas
brasileiras ainda é insuficiente para levar a economia a
alcançar taxas de crescimento mais altas e inserir-se de forma
sólida no comércio internacional. Daí a necessidade de se
identificar de que maneira as empresas brasileiras podem
aumentar o seu esforço inovativo, questão central para o
desenvolvimento sustentado do país. Um dos caminhos é a
constituição de um Sistema Nacional de Inovação que
suporte as atividades das empresas nessa direção.
Em 2008, foi publicada pela OCDE uma visão geral sobre
ciência, tecnologia e indústria, objetivando rever as
principais tendências relativas à ciência, à tecnologia e à
inovação (OECD, 2008). Utilizando informações e indicadores
disponíveis, o trabalho examina o perfil de desempenho da
ciência e inovação dos países membros da OECD bem como
de não membros, tais como Brasil, Chile, China, Israel, Rússia e
África do Sul, relacionados com seus contextos nacionais. De
forma geral, o texto revela que o investimento em ciência,
tecnologia e inovação beneficiou fortemente o crescimento
econômico, exemplificando que economias não
pertencentes à OCDE aumentam sua importância em relação
à P&D, e o ritmo do crescimento em P&D abrandou, mas está
mais internacionalizado. Também apresenta que, nos
últimos 5 anos, o número de patentes e publicações
científicas disparou, assim como aumentou a procura por
recursos humanos específicos da área de P&D.
No Brasil, em 2006, o percentual gasto com P&D em
relação ao Produto Interno Bruto (PIB) foi de 1,02%, o que
pode ser considerado baixo se comparado com o padrão
médio dos países membros da OCDE (Organização para
cooperação econômica e desenvolvimento). Porém, esse
valor estava acima dos gastos de Portugal, Turquia, Polônia e
México (OECD, 2008). Considerando países não membros da
OCDE, os gastos brasileiros estavam abaixo da China e Rússia,
mas acima dos da Argentina.
Com relação a recursos humanos, que possuem papelchave no desenvolvimento, em 2006 o Brasil contava com
1,48 pesquisadores por 1000 trabalhadores, e apenas 10,7%
dos graduados no curso superior eram da área da ciência ou
engenharia. De forma mais geral, 7,8% da população com
idade entre 25 e 64 anos possui nível educacional superior
em 2004, 18,4% do total dos trabalhadores estavam
O Brasil produz 0,31 patentes triádicas por milhão de
habitantes, o que o coloca em situação similar à da China e à
da Rússia (OECD, 2008). Segundo a CAPES (2008), o Brasil está
na 15ª colocação no ranking da produção científica mundial,
com 19.428 artigos publicados em 2007, responde por 2,02%
do total da produção científica no mundo, superando a Suíça
(1,89%) e a Suécia (1,81%) e aproximando-se da Holanda
(2,55%) e da Rússia (2,66%).
Considerações finais
Já há consenso, na academia e entre policy makers, de
que a inovação é fator relevante na determinação da riqueza
das nações e na competitividade de empresas. A atividade
inovativa é importante para o crescimento econômico e
sistemas nacionais, regionais e locais de inovação
desempenham papel relevante nesse objetivo.
O Brasil, quando se compara o seu estágio de
desenvolvimento tecnológico em âmbito internacional,
aparece entre aqueles países com relativamente baixo
investimento em ciência e tecnologia, sendo que esses
gastos são ainda predominantemente estatais. Por isso, não é
de se admirar que o país careça de um sistema nacional de
inovação mais desenvolvido ou de maior maturidade
(SUZIGAN e ALBUQUERQUE, 2008). Contudo, embora de
maneira tímida, esse quadro tem se modificado nos últimos
anos. Além de se procurar aumentar os recursos destinados a
P&D, já se procura organizar informações de modo a
acompanhar o esforço inovativo de empresas e instituições
brasileiras. Por exemplo, a PINTEC, realizada pelo IBGE, já se
encontra em sua terceira edição. Pode-se inferir que o Brasil
possui um SNI com um nível de desenvolvimento
intermediário quando comparado com aqueles de países
desenvolvidos.
Constata-se, a partir de informações da PINTEC, que o
esforço inovador das empresas nacionais ainda é
relativamente baixo, embora venha aumentando. Das 91 mil
empresas objeto de investigação no país no período 20032005, apenas 3,2% implementaram inovações em produtos,
enquanto 1,7% o fizeram em processos. São variados os
fatores de dificuldade alegados pelas empresas para se
envolverem mais intensamente em atividades inovadoras.
Dentre esses, cabe destacar os de ordem financeira, como os
elevados custos requeridos na inovação, as restrições no
acesso a fontes de financiamento e os próprios riscos
associados a esse tipo de empreendimento.
Uma maneira de as empresas superarem dificuldades
individuais na inovação é estabelecer parcerias com
universidades e outras instituições de pesquisa. Essa prática,
contudo, ainda não é muito desenvolvida no Brasil, embora
empresas venham reconhecendo esse canal como sendo
importante em suas atividades. Ainda, de acordo com a
PINTEC, é reduzido o número de empresas que consideram
as universidades uma fonte importante de informação para
15
ESPAÇO DIALÓGICO
Problemas e obstáculos apontados com alto grau de importância
suas práticas inovativas. Esse quadro existente no país indica
que há um amplo caminho a ser explorado na cooperação
entre empresas e universidades, de modo a superar o atraso
tecnológico relativo de nossa estrutura produtiva.
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ANÁLISE COMPREENSIVA DA ESTRATÉGIA
COLABORATIVA ORGANIZACIONAL COMO
DIFERENCIAL COMPETITIVO
Dusan Schreiber*
Resumo
A colaboração entre as empresas transformou-se em uma das estratégias mais relevantes no âmbito das micro e pequenas
empresas, na medida em que essas organizações atuam com sérias restrições de recursos, o que as impede de enfrentar a
concorrência, cada vez mais próxima e presente. No entanto, entende-se que a decisão de cooperar e de atuar de forma conjunta
exige das organizações a consolidação da base reflexiva no tocante à representação simbólica da respectiva concepção de
estratégia colaborativa. O presente ensaio destina-se a lançar luz sobre alguns dos tópicos mais significativos nesse sentido. Os
resultados da pesquisa apontam para a necessidade de incorporação da resiliência ao portfólio de competências gerenciais.
Palavras-chave:
Estratégia. Colaboração. Teoria Econômica.
A
análise da relação da firma com o contexto
circundante tem sido motivo de vários
questionamentos teóricos, tornando-se
necessário examinar as questões relativas ao modo como as
organizações influenciam sistematicamente seus ambientes
e como os ambientes organizacionais influenciam as outras
organizações.
Fazendo uma análise histór ica das teor ias
organizacionais e econômicas, identifica-se que, em maior
ou menor grau, quase todas consideram os aspectos
relativos à seleção e à adaptação. Nesse sentido, no escopo
de processo de decisão, Fiegenbaum (1996) relaciona SRP
(escolha de pontos de referência) e a escolha de
comportamento estratégico (Teoria da Expectativa, que
relaciona o risco com os retornos esperados a partir do
comportamento da escolha de estratégias dos gestores) e o
desempenho da firma.
A escolha de pontos de referência, que consiste de
capacitação (aptidão) interna, condições externas e tempo,
pode ajudar uma firma a obter um alinhamento estratégico
para melhorar o seu desempenho e alcançar uma vantagem
competitiva sustentável. A escolha de pontos de referência
relaciona-se com algumas teorias organizacionais, entre elas
a teoria da organização industrial econômica (BAIN, 1963;
CAVES, 1996; PORTER, 1989), e a teoria da intenção
estratégica (IMAI, 1988; PRAHALAD e HAMEL,1994).
É nítida a preocupação de pesquisadores e executivos
em identificar, dentro de um determinado contexto, as
variáveis que facultem a construção de um quadro de
decisão por meio do qual possam evidenciar as vantagens e
possíveis desvantagens de associação a outros atores
econômicos. O dilema de quando a firma deve fazer ou
quando é preferível comprar (insumos, produtos ou serviços)
representa, com certeza, um dos temas mais discutidos tanto
em meio corporativo como acadêmico, desde que seus
alicerces teóricos foram constituídos na consagrada obra de
Coase (1937), que analisou os fundamentos da firma.
Por esse motivo, no presente trabalho, serão
apresentadas as vertentes teóricas de autores seminais que
focam o referido tema, sendo que, à guisa de conclusão, o
autor se fará presente por meio de reflexões individuais, com
o intuito de lançar novas linhas de pesquisa.
1 Estratégia
As primeiras contribuições ao tema de estratégia, desde
a sua concepção até a sua implementação, tiveram sua
origem no início do século passado, vinculadas inicialmente
ao conceito de planejamento estratégico. Sloan e Chandler
(apud CHANDLER, 1992) definiram como objetivo principal
da estratégia o retorno do capital. Todas as ações
empreendidas pela corporação deveriam focar esse objetivo.
Na década seguinte, surgiram vários modelos de
concepção de estratégias corporativas. Entre as mais
relevantes, constam as pesquisas da Harvard Business
School, com destaque para o modelo de análise SWOT,
proposto Andrews (1980), baseado em observações
* Titulação: Doutor em Administração pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul - UFRGS.
Área de atuação: Docente da IENH.
17
ESPAÇO DIALÓGICO
Introdução
empíricas. Além disso, vale citar os trabalhos das empresas de
consultoria como a Boston Consulting Group e McKinsey &
Company, que se consagraram pelas ferramentas de apoio à
gestão como a “curva BCG” e o método de análise de portfólio
e de unidades estratégicas de negócios.
Analisando as definições de planejamento estratégico,
Henry Mintzberg (1973) argumentou que o planejamento
não é sinônimo de definição de estratégias. O modo de
estratégia deve, segundo autor, adequar-se à situação, o que
está ligado mais a uma perspectiva contingencial e sugere
que, em relação a isso, planos estratégicos deveriam
especificar pontos finais (objetivos gerais) e rotas
alternativas, mas deixar o gestor com a flexibilidade
necessária para reagir a um ambiente dinâmico.
Em 1978, Henry Mintzberg realizou uma pesquisa
empírica longitudinal, da qual emergiram três pontos
importantes: (a) a formação da estratégia pode variar entre
ambientes dinâmicos e momentos burocráticos, com
mediações da liderança entre esses momentos; (b) a
formação da estratégia compõe-se de períodos distintos
regulares; (c) o estudo das relações entre estratégias
intencionais e realizadas levam à compreensão do “coração
deste complexo processo organizacional”.
Além disso, os estudos demonstraram dois tipos de
estratégias: intencional e realizada, permitindo a
combinação de três formas: a) estratégia deliberada:
estratégia intencional que se realiza; b) estratégia não
realizada: estratégia intencional que não se realiza devido a
má interpretação do ambiente ou mudanças durante a
implementação; c) estratégias emergente: estratégia não
intencionada mas realizada.
Na prática, no entanto, o tipo de estratégia utilizado não
é “puro”. Ele compõe-se de estratégias em parte emergentes,
em parte deliberadas. A formação da estratégia deve ser
pensada por meio de uma composição de três forças básicas:
o ambiente e suas mudanças, a burocracia e a influência da
liderança entre essas forças. Assim, a estratégia pode ser vista
como um conjunto de comportamentos consistentes
estabelecidos pela organização por um determinado tempo
e mudanças estratégicas como respostas a mudanças do
ambiente limitadas pela burocracia e ação da liderança
(MINTZBERG, 1978).
ESPAÇO DIALÓGICO
18
Quase onze anos depois, Porter (1989) conseguiu reunir
e sintetizar o conhecimento até então construído acerca de
desenvolvimento de estratégias. Duas questões centrais
embasam, segundo ele, a escolha da estratégia competitiva:
(a) a atratividade das indústrias (ramos industriais) em
termos de rentabilidade em longo prazo, e os fatores que
determinam esta atratividade; (b) os determinantes da
posição competitiva dentro de uma indústria. A estratégia
competitiva deve surgir de uma compreensão sofisticada das
regras da concorrência que englobam as cinco forças
competitivas: (1) entrada de novos concorrentes, (2) ameaça
de substitutos, (3) poder de negociação dos compradores, (4)
poder de negociação dos fornecedores e (5) rivalidade entre
os concorrentes existentes. Para autor, os dois tipos básicos
de vantagem competitiva, combinados com o escopo de
atividades da organização, levam a três estratégias genéricas
para alcançar o desempenho acima da média em uma
indústria: liderança de custo, diferenciação e enfoque (no
custo ou na diferenciação).
As diferenças organizacionais presentes em cada
estratégia genérica trazem uma série de implicações
subjacentes, tais como padrão de investimento requerido
pela empresa, perfil dos executivos a serem contratados e
treinados, cultura organizacional da empresa e política
organizacional (PORTER, 1989). Essas diferenças foram
exploradas com maior profundidade por Whittington (2002)
em abordagens teóricas diferenciadas em escolas de
pensamento como a clássica, evolucionária, processual e
sistêmica.
Outros pesquisadores do campo de estratégia
perceberam a relação de dependência com uma das
derivações da teoria mainstream de economia – a RBV
(Resource Based View). Abordado inicialmente no campo
econômico por Penrose (1995), o assunto foi retomado de
forma mais consistente por pesquisadores em administração
apenas na década de oitenta (WERNERFELT, 1984) e noventa
(MAHONEY, J.H.; PANDIAN, 1992). A propriedade de recursos
escassos valiosos, monopólio advindo de proteções e
barreiras para competidores e a partir de empreendimentos
schumpeterianos associados ao empreendedorismo e riscos
(que se perdem com a difusão do conhecimento) e de
recursos específicos à firma, podem representar a vantagem
competitiva.
Entende-se que esse seja talvez um dos principais
fatores motivadores de todos os pesquisadores e autores que
realizaram estudos do respectivo tema, ampliando o escopo
da primeira abordagem, histórica e seminal, do Coase (1937).
Naquela ocasião, no artigo intitulado “The nature of the firm”
o respectivo dilema foi retratado sob a ótica de custo de
transação. Quando o custo de fabricação de um produto,
dentro da própria firma, fosse mais alto do que o custo de
aquisição do produto no mercado, a firma deveria abdicar de
sua produção e optar pela sua aquisição externa.
2 A vertente econômica
Na sua essência, a Teoria Econômica busca
compreender os fenômenos colocando o mercado como
ponto central no processo de análise do tema. Verifica-se a
tendência de privilegiar a perspectiva do mercado
autossuficiente, principalmente à luz da lei de oferta e
demanda. De acordo com essa visão, conforme Adam Smith
(1981), a “mão invisível” do mercado teria o poder de se autoregular e harmonizar as relações entre a oferta e a demanda.
Entretanto, no início do século passado, mais
especificamente a partir da década de trinta, algumas
correntes de pensamento, dentro da área de economia,
De acordo com a definição de Coase (1937), a firma
consiste de uma estrutura economicamente produtiva que
estaria submetida ao movimento de preços, coordenados
por meio de transações de troca no mercado com custos.
Keneth Arrow (apud WILLIAMSON, 1985) definiu esses custos
como custos de transação, ou ainda como os “custos de
funcionamento do sistema econômico”. Baseado nesses
custos, o dilema que se coloca para a firma é: internalizar ou
externalizar? Comprar ou fazer? Ao internalizar, essas
transações de mercado são substituídas pela estrutura da
firma para organizar os processos de produção. Já quando a
firma externaliza, as transações decorrentes dessa decisão
orientadas por contratos, com custos inerentes à sua
coordenação (WILLIAMSON, 1985).
Destarte, qualquer análise baseada nos custos de
transação deve incluir as variáveis envolvidas com esses
contratos, decorrentes dos conceitos de racionalidade
limitada e oportunismo de Simon (1945). Além desses,
Williamson (1985) apresenta ainda três dimensões relativas
às decisões sobre os custos de transação, a saber, a
especificidade dos ativos, a incerteza e a frequência com que
ocorre a transação.
Segundo a ver tente evolucionária, para se
compreender a firma, é essencial a compreensão do
processo de mudança econômica decorrente de sua
resposta às mudanças do mercado, do crescimento
econômico e da competição através da inovação (NELSON e
WINTER, 1982). Segundo essa abordagem, a firma deverá
possuir um conjunto de capacidades próprias e de regras de
decisão. No entanto, essas capacidades poderão vir a ser
modificadas, de acordo com a necessidade de se adaptar ao
mercado.
Dessa forma, é possível afirmar que a firma possui certa
limitação no controle de suas decisões, pois, de acordo com
as mudanças do ambiente (externo, mas também interno),
uma firma deverá mudar (evoluir), reconstruindo seu
conjunto de competências e capacidades, alterando suas
características originais. Nesse enfoque da firma, o
conhecimento assume uma dimensão de alta relevância na
questão de possível expansão de seus limites (SAVIOTTI e
METCALFE, 1989).
No entanto, esse conhecimento é limitado e restrito,
seguindo o princípio de racionalidade limitada de Simon
(1945) e, portanto, assimétrico, para o conjunto de firmas
operando no mercado, o que pode ser verificado pela
diferenças que podem ser evidenciadas em trajetórias
tecnológicas seguidas por cada uma delas (DOSI, 1988), o
que implica condicionamento da sua performance. Sem
viabilidade técnica e econômica para verticalizar a sua
produção, cabe à empresa optar pela aquisição de itens cuja
fabricação seria tecnologicamente inviável ou os quais a
firma não consegue produzir por um custo marginal menor
do que o obtido do mercado.
À guisa de conclusão da abordagem do dilema “Fazer
ou Comprar?”, com base na abordagem da teoria econômica
e a partir dos conceitos emanados por Coase (1937), Penrose
(1995), Wernerfelt (1984), Williamson (1985) e Peteraf (1993),
é possível afirmar que a firma tende a externalizar as
atividades sempre quando chega ao limite de sua
competência, que se reflete em custos internos superiores
aos praticados no mercado. No entanto, remanesce ainda
assim a questão de racionalidade limitada dos agentes,
representada pela impossibilidade de aquilatar todas as
informações necessárias para a tomada de decisão, no
tocante, principalmente, a custos de coordenar os contratos
e ao quadro de incerteza relativo à competência técnica dos
contratados e ao comportamento oportunista que estes
agentes podem apresentar.
Considerações finais
Chandler (1992) afirma que a estratégia é definidora da
estrutura. Considerando-se que o desenho da formulação
estratégica, por seu turno, depende de variáveis ambientais,
que estão permanentemente em processo de
transformação, o referido alinhamento torna-se uma tarefa
complexa. Ao mesmo tempo, é possível constatar que o
ambiente interno das organizações também está eivado de
deficiências e inconsistências internas, exigindo das
empresas construir novas aptidões, capacidades e
competências (GALBRAITH, 1986; PRAHALAD e HAMEL,
1994; BARNEY, 1991). Por isso, a função da gerência em
alinhar estratégias, sistemas e processos representa o desafio
relevante.
É possível perceber que a teoria econômica e o enfoque
estratégico proporcionam uma base sólida para interpretar
os resultados de processo decisório de muitas organizações.
No entanto, a caracterização do universo multifacetado das
organizações e a complexidade dos processos decisórios
organizacionais exigem uma base teórica mais completa.
Sabe-se que o lado humano das organizações representa a
essência da estrutura organizacional e é responsável por
orientar, em grande parte, o modo de pensar e de agir dos
gestores organizacionais, e as atividades realizadas
internamente encontram-se inscritas no universo simbólico
de muitas organizações.
A referida tarefa já apresenta nuances de complexidade
por implicar na combinação de recursos com características
diferentes para atingir os resultados esperados. Torna-se
mais complexa pela incerteza e pela ambigüidade
decorrentes da variabilidade tanto dos recursos como das
19
ESPAÇO DIALÓGICO
começaram a se opor a essa visão, argumentando que o
elemento mais importante na economia de mercado seria a
firma. Esse seria o principal motivo pelo qual a visão ortodoxa
da economia não podia conseguir explicar os movimentos
econômicos. Movido por esse desafio, Coase (1937) formula,
então, a questão que se contrapôs à linha de pensamento
ortodoxa, baseado no questionamento se tudo era regulado
por movimentos de preços, então a produção podia ocorrer
sem a firma e, nesse caso, por que a firma deveria existir?
condições ambientais vinculadas ao contexto no qual a
organização encontra-se inserida. A racionalidade limitada
do gestor, a falta de confiança e possibilidades diversas na
combinação dos recursos, peculiares e dependentes do foco
ensejado também contribuem para elevar a atividade de
gestão para o nível de categoria artística. Além disso, não se
pode esquecer da subjetividade envolvida no referido
processo de gestão, exigindo do decisor exercício da
capacidade preditiva de eventos sujeitos a interpretação
simbólica.
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INSERÇÃO DE TESTABILIDADE EM NÚCLEOS DE
SISTEMAS DIGITAIS – A NORMA IEEE 1149.1
Eduardo Santos Back*
Resumo
Este artigo discorre sobre a integração de teste em circuitos eletrônicos digitais. O enfoque é o método baseado na norma
IEEE1149.1, destinada a definir uma infraestrutura baseada na técnica do boundary scan para o teste de placas de circuito
impresso. São apresentadas características de testabilidade desenvolvidas para microcontroladores, utilizando-se a técnica do
boundary scan em sua periferia e a técnica do scan path em seu núcleo. A inserção dessas características de teste facilita a
depuração e testes em nível de sistema, imaginando-se o sistema como algo maior, fazendo parte por exemplo de um sistema
informatizado e, por que não, em redes de computadores.
Palavras-chave:
Teste, Boundary-Scan, IEEE1149.1, JTAG, Scan Path.
A
cada dia, tornam-se mais importantes as
características de testabilidade dos circuitos
eletrônicos produzidos em série. Com a
crescente miniaturização dos componentes e placas, a tarefa
de testar torna-se cada vez mais complexa, originando o
problema da testabilidade frente à miniaturização.
A complexidade dos sistemas em um único chip (SOC System on a chip) e a tecnologia submicrônica (VDSM - Very
deep submicron) nor teiam o desenvolvimento de
semicondutores, fazendo com que os métodos de teste se
tornem rapidamente inadequados e com alto custo.
Atualmente, a demanda do mercado é por equipamentos
eletrônicos cada vez mais baratos, menores e mais rápidos,
com certeza também de melhor qualidade. Para garantir esses
pontos básicos, há a necessidade de melhores testes e
procedimentos de diagnose.
Para ajudar a resolver esses problemas, normas têm sido
criadas a fim de definir padrões de integração de capacidades
de testabilidade em placas e em componentes eletrônicos.
Dessa forma, facilita-se e até mesmo, em casos mais graves,
permite-se que possam ser feitos testes que antes eram
impossíveis, tamanha a miniaturização dos componentes e
placas dos sistemas eletrônicos atuais.
Partindo da hipótese de que há a funcionalidade do teste
na placa e em seus circuitos, há ainda a necessidade de que
possam ser feitos os devidos testes com o auxílio de
computadores.
Além da análise de algumas técnicas de teste e
verificação de falhas, são abordados, neste artigo, aspectos
sobre a arquitetura boundary scan. Esta última, a base para a
norma IEEE 1149.1.
1. Teste e projeto visando o teste de sistemas digitais
Em substituição parcial às placas de circuito impresso, o
projeto de sistemas eletrônicos vem assumindo uma nova
forma, que consiste na integração de diversos subprojetos em
um projeto maior de um único chip, implementado portanto
sobre um mesmo substrato de silício. São os chamados
projetos baseados em núcleos de hardware ou cores. Os
subprojetos são como circuitos independentes, projetados
absolutamente em separado, mas passíveis de comunicação
com outros núcleos de hardware. O reaproveitamento de
núcleos é fator interessante, mas alguns problemas estão
relacionados a essa organização, entre eles a dificuldade de
comunicação entre os cores (núcleos, módulos) de
fornecedores distintos e a necessidade de testes dos núcleos
quando integrados em silício.
Os núcleos de hardware atualmente são disponibilizados
pelos mais diversos fabricantes, facilitando a sua utilização no
que se refere ao custo, que tende a ser reduzido com o passar
do tempo. Tarefas executadas por diversos circuitos
integrados agora podem ser agregadas em um único chip,
porém isso agrega maior complexidade em uma única
pastilha, que pode conter milhões de transistores.
Os testes em circuitos integrados iniciam com as provas
nos wafers de circuitos, que serão divididos, formando
*Titulação: Mestre em Informática pela UFRGS (2002), ênfase em Microeletrônica,
Analista de Sistemas pela Unisinos (1997) e Técnico em Eletrônica pela Fundação
Liberato (1991). Atua na área de Informática desde 1995, com foco em redes de
computadores.
Área de atuação: Professor da IENH e coordenador do Curso Superior de
Tecnologia de Redes de Computadores.
21
ESPAÇO DIALÓGICO
Introdução
diversos chips. Os circuitos integrados (CIs) são testados a cada
etapa de sua vida útil: após a produção dos primeiros
protótipos, após a fabricação em série, após a montagem em
placa de circuito impresso e durante sua utilização, por razões
de manutenção preventiva ou corretiva. Como a tecnologia
segue evoluindo, continua a confrontar a tendência de maior
complexidade, maior desempenho e maior densidade. Para
permitir esses três aspectos, mudanças fundamentais são
esperadas na forma de realização de CIs, como o projeto,
encapsulamento, processo de elaboração do silício, processo
de montagem em placa, etc. Essas mudanças têm impacto
direto nos métodos de teste, ferramentas e equipamentos
adotados.
A dificuldade de acesso aos transistores internos é um
problema bastante sério nos testes de chips. Há uma
disparidade entre o crescimento interno do relógio desaes
chips e a capacidade de entrada e saída, fazendo com que
testes à velocidade real do chip tornem-se muito difíceis ou
praticamente impossíveis. A capacidade de banda de I/O tem
um maior impacto sobre os métodos de teste de chips. Como
os equipamentos de teste são de tecnologias sempre
anteriores às dos chips que estão sendo desenvolvidos, é
muito mais difícil garantir os seus testes de forma adequada.
Os equipamentos de teste, além de caros, estão
baseados em tecnologias anteriores àquelas utilizadas nos
circuitos a serem testados. É aqui que surge o conceito de teste
no próprio chip. É o projeto visando à testabilidade (design for
testability). Significa que, conforme as necessidades de teste,
componentes específicos são colocados dentro do chip, como
parte integrante de seus circuitos. Uma dessas técnicas é o
scan path. Consiste em ter-se um caminho serial dentro do
chip, de forma que possam ser testadas as suas
funcionalidades por meio da introdução de dados específicos
em determinados pinos. Por outro lado, quanto mais pinos,
maior o custo.
Projetos de system on a chip (SOC), ou sistema em um
único chip, podem implicar no reuso de blocos funcionais préprojetados, também chamados componentes virtuais, IP
(Intellectual Properties, ou propriedade intelectual). Esses
núcleos de funções podem ser adquiridos com funções prédefinidas de teste e serem reutilizados em diferentes circuitos.
Uma linguagem de teste foi definida pelo IEEE, a CTL (Core Test
Language), a fim de facilitar e simplificar a integração de
núcleos (cores). Os núcleos mais usados hoje são de memórias.
Essas memórias têm alguma redundância e, em caso de falha
em testes, são reconfiguradas de forma a continuarem com
sua capacidade original.
ESPAÇO DIALÓGICO
22
Com o contínuo incremento da velocidade dos CIs,
defeitos relacionados à velocidade são cada vez mais
importantes. Um teste externo, nesses casos, não é eficiente,
além de caro. É o caso já citado de que os testadores estão
sempre atrasados em relação aos seus testados. Enquanto a
precisão de um testador externo aumenta da ordem de 12%
ao ano, a velocidade interna dos chips aumenta 30% no
mesmo período . Dessa forma, ainda mais importante é o teste
embutido, interno ao chip.
2. Os diferentes métodos de teste e de projeto visando o
teste
Partindo do início do projeto, qualquer circuito passa por
várias etapas de verificação, quais sejam: fase de depuração do
projeto, teste de produção e teste de manutenção. Nessas
etapas, é possível identificar e isolar os dispositivos que
contêm falhas ou ainda substituir partes com problemas. Esses
são os testes off-line, ou seja, quando o circuito em teste não
está em funcionamento. Outro tipo de teste é o on-line,
quando o dispositivo está em funcionamento e, neste caso, os
próprios estímulos funcionais, devidamente codificados
segundo códigos detectores e/ou corretores de erros, são
utilizados para a aplicação do teste e para a verificação da
validade das operações realizadas.
No contexto de testes off-line e com o intuito de verificarse o correto funcionamento do circuito na velocidade nominal
de operação, temos o teste funcional. Este, de fato, confronta o
comportamento observado com a especificação do sistema e,
por isso, é capaz de identificar problemas de desempenho. Por
outro lado, tem-se o teste estrutural, onde procura-se
confrontar a implementação física ao esquemático
originalmente previsto para o circuito. Este, tentando abstrair
ao máximo a funcionalidade do circuito, verifica a presença ou
ausência de problemas neste (fault-based).
Mas, para que haja testes eficientes, são necessários
modelos de falhas realistas. Grande parte dos defeitos são
relacionados ao substrato de silício onde as estruturas foram
fabricadas, como, por exemplo, impurezas no material
utilizado para se produzirem os wafers. Em outros casos, os
defeitos ocorrem durante alguma etapa do processo de
fabricação, como o deslocamento das máscaras ou a presença
de partículas de poeira na sala onde os circuitos estão sendo
produzidos. Nesse caso, têm-se as chamadas falhas múltiplas,
em que um defeito afeta várias partes do circuito. Outros
problemas podem acontecer durante a vida útil do circuito,
ocasionados por fatores térmicos ou fenômenos mecânicos, e
neste caso têm-se falhas simples que afetam, em geral,
dispositivos individuais. Pode-se estabelecer ainda uma
diferenciação entre os tipos de falhas no que diz respeito à
permanência de resultados errôneos: falhas transitórias, que
ocorrem devido a fenômenos aleatórios e de curta duração,
como interferências eletromagnéticas; falhas intermitentes,
que têm um comportamento lógico determinístico,
fornecendo sempre o mesmo tipo de erro, mas que não se
manifestam sempre; e falhas permanentes, que, uma vez
instaladas, permanecem como interconexões abertas ou em
curto-circuito.
Alguns exemplos de modelos de falhas utilizados em
circuitos digitais são: entradas e saídas de portas lógicas
sempre em nível '1' ou '0' (stuck-at), transistores sempre
conduzindo (stuck-on) ou que nunca conduzem (stuck-open) e
atrasos em portas na subida ou descida do sinal (slow-to-rise
ou slow-to-fall) representam falhas de dispositivos. Curtocircuitos entre conexões (bridging), fios desconectados ou
ainda atrasos no caminho crítico do circuito representam
falhas de interconexão.
O processo de elaboração de uma bateria de testes a ser
Uma ferramenta mais elaborada seria capaz de gerar, de
maneira automática, os vetores de entrada necessários ao
teste. O problema consiste em encontrar um conjunto de
estímulos de entrada que seja suficiente para garantir a
máxima cobertura de falhas, ou seja, para garantir a detecção
do maior número possível de falhas que fazem parte do
modelo adotado. Se o objetivo é diagnóstico, torna-se
necessária a distinção entre possíveis falhas que apresentem o
mesmo comportamento na saída do circuito, as ditas falhas
equivalentes.
Para a geração automática de vetores de teste, podem
ser utilizadas as abordagens exaustiva, pseudoaleatória ou
determinística. Na primeira, consideram-se a geração e a
aplicação de todos os vetores de teste possíveis. Dessa forma,
tem-se a maior cobertura possível, porém essa abordagem só
deve ser aplicada a circuitos muito pequenos. Na segunda
abordagem, geradores especiais produzem vetores
pseudoaleatórios a partir de uma semente, um vetor de
inicialização. Esse método gera uma boa cobertura de falhas
em um tempo razoável de teste, porém, para circuitos em que
poucos vetores gerariam seqüências suficientes, as
seqüências de testes obtidas de maneira pseudoaleatória
podem ser muito longas. Na abordagem determinística, há
dois métodos: algébrico e topológico. No método algébrico,
vetores de teste são computados a partir de expressões
booleanas que descrevem o funcionamento do circuito em
teste. No método topológico, os vetores de teste são
derivados a partir da estrutura do circuito.
Ainda que se utilize uma ferramenta que gere estímulos
de teste, algumas falhas podem ser difíceis de detectar,
aumentando o tempo e o custo do teste para se atingir uma
melhor cobertura de falhas. Sendo assim, o re-projeto de
partes do circuito pode ser vantajoso, melhorando a
acessibilidade a partes internas deste, o chamado projeto
visando à testabilidade, ou DFT (Design for Testability). Aqui se
enquadra a técnica do scan path, já mencionada na seção
anterior.
Devido à crescente miniaturização, pode-se considerar
outra possibilidade de projeto visando ao teste, que é a
concepção de circuitos autotestáveis, ou com BIST (Built In Self
Test). A idéia básica aqui consiste em transferir módulos
originalmente implementados no testador para dentro do
próprio circuito a testar. Nesse caso, blocos geradores de
estímulos e analisadores das respostas de teste são integrados
no circuito. Os métodos de BIST têm, é claro, um custo
associado, devido ao aumento da área do circuito e, quanto
mais transistores ele tiver, maior é a probabilidade de falhas
ocorrerem nesse circuito. Ou seja, deve ser pesado o custo
desse incremento de unidades funcionais frente à provável
diminuição de peças com defeito saindo de uma linha de
produção. Além do mais, apesar da diminuição dos custos de
teste, a integração de estruturas BIST em muitos casos
ocasiona a inserção de atrasos no circuito, que devem ser
verificados, analisados e, na medida do possível, eliminados.
3. A norma IEEE std 1149.1
A partir da década de 70, os testes de placas de circuitos
eletrônicos foram baseados na técnica de Bed-of-Nails (cama
de pregos). Essa técnica consiste na utilização de uma
estrutura com diversos pinos, as chamadas ponteiras ou
simplesmente pregos. Sobre essa estrutura, é colocada uma
placa a ser testada, existindo na placa predisposição para fazer
contato com os pinos. Nos pinos, são colocados vários sinais
lógicos, de forma a testar os componentes da placa, bem como
as interconexões entre as diversas partes.
O teste pode ser realizado em duas etapas distintas:
power-off e power-on. No primeiro caso, a integridade dos
contatos entre os pinos dos componentes e partes da placa é
testada, sendo identificadas falhas de circuito aberto e curtocircuito, a partir da medição da impedância. No caso do teste
de power-on, aplicam-se sinais lógicos sobre um componente,
em parte da placa ou na sua totalidade, verificando-se a
resposta. Essa técnica depende de um acesso físico às partes
sob teste, dificultado pelo fato de, com o passar do tempo,
utilizarem-se placas com mais de uma face e ainda com trilhas
internas, além da constante miniaturização dos componentes.
Na década de 80, um grupo de engenheiros de teste de
companhias européias se uniu, formando o JETAG (Joint
European Test Action Group), a fim de buscar soluções para o
problema da testabilidade de circuitos eletrônicos. Esse grupo
sugeriu a adoção de uma técnica utilizando um caminho serial
de registradores de deslocamento entre os componentes do
circuito, recebendo o nome de Boundary-Scan. Tempos mais
tarde, o grupo se uniu a outros engenheiros da América do
Norte, dando origem a um novo grupo, o JTAG (Joint Test
Action Group). Essa idéia acabou sendo padronizada
internacionalmente, tornando-se a norma IEEE 1149.1.
Algumas vantagens da utilização dessa norma podem
ser verificadas: verificação de falhas estruturais durante a
fabricação; redução nos pontos de teste na placa; lay-out mais
simples, com redução do custo do teste; redução de tempo de
teste; interface padrão; redução no time-to-market.
A norma IEEE 1149.1 não define detalhes da arquitetura
de teste, detendo-se na sua funcionalidade. A infraestrutura
de teste proposta consiste em uma porta de acesso (TAP – Test
Access Port), uma lógica de controle, que inclui a decodificação
de instruções de teste, e um conjunto de registradores, dentre
os quais o registrador de deslocamento de periferia composto
por células de memorização e varredura conhecidas como
células boundary scan. A eficiência de um teste BS depende,
evidentemente, da disponibilidade de circuitos integrados
que suportem esta tecnologia. Nos últimos anos, muitos têm
sido os fabricantes a disponibilizar CIs com esta tecnologia,
apesar de ainda raras as placas 100% compatíveis com a
norma IEEE1149.1.
23
ESPAÇO DIALÓGICO
aplicada em um determinado circuito precisa de ferramentas
computacionais que auxiliem a contornar a complexidade da
obtenção de estímulos adequados de teste. A mais elementar
das ferramentas é a simulação de falhas. Esta consiste na
simulação do comportamento do circuito, injetando-se na sua
descrição falhas que pertençam ao modelo adotado, e na
comparação dos resultados obtidos na saída do circuito com e
sem falhas. O objetivo é verificar se essas falhas são detectadas
a partir de determinados estímulos de entrada.
4. A Arquitetura Boundary-Scan
Na arquitetura Boundary-Scan, a cada pino de entrada e
de saída de sinais é acrescido um registrador de 1 bit (flip-flop),
conforme mostra a figura 1. Os registradores conectados a
pinos de entrada de sinal são chamadas de células de entrada.
Os registradores conectados a pinos de saída de sinal são
chamados de células de saída.
Os sinais podem ser inseridos através de um pino
adicional no circuito integrado, chamado TDI (Test Data In), o
início do caminho BS. Ao final do caminho, há também o pino
TDO (Test Data Out), por onde os dados são retirados do chip.
Figura 1 - Princípio da arquitetura Boundary-Scan
Muitos tipos de teste podem e devem ser executados
sobre uma placa de circuito impresso, antes dela ser aprovada e
deixar a fábrica. Para isto, há mais um pino adicional ao circuito
integrado: o pino TMS (Test Mode Select). O pino TMS ativa um
circuito adicional dedicado ao controle de testes. A norma IEEE
1149.1 permite ainda um pino opcional de TRST (Test Reset).
O uso das células BS não deve inter ferir no
funcionamento da lógica do CI, e o caminho de teste (scan
path) é independente da função do componente.
A figura 2 mostra um exemplo de uma célula básica de
Boundary-Scan. A norma IEEE 1149.1 não define a arquitetura,
mas apenas a sua funcionalidade. O circuito é constituído de 2
flip-flops tipo D e 2 multiplexadores (MUX). Há 4 modos de
operação da célula BS: normal, update (atualização), capture
(captura) e deslocamento (serial shift).
Figura 2 - Célula básica Boundary-Scan
Conclusões
De fato, o interesse nos testes de placas de circuito
impresso não está apenas em testar a funcionalidade dos
componentes individualmente, uma vez que já foram feitos
durante o processo de fabricação, e sim em proporcionar testes
entre as interconexões dos circuitos. As causas de defeitos mais
comuns em circuitos são descarga eletrostática, choque
mecânico ou choque térmico, afetando ou a periferia do
dispositivo ou pontos de solda ou as interconexões entre
componentes. Bastante incomum é encontrar problemas na
lógica central do componente sem haver problemas na sua
periferia.
A inclusão de testabilidade em núcleos mostra-se tarefa
bastante complicada pela necessidade do entendimento
bastante completo das estruturas e do funcionamento dos
circuitos envolvidos, bem como da norma de teste em questão.
Outro ponto importante é a escolha dos registradores da
cadeia interna de varredura.
Uma possível sequência deste trabalho aponta para uma
implementação prática. A inclusão e validação dos testes no
contexto de circuitos reais ou ainda a introdução de estruturaspadrão como parte de uma biblioteca. O teste prático pode ser
realizado através de um equipamento de teste que atende à
norma, o testador Boundary-Scan JTAG PM3705, disponível em
laboratórios da área.
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A FORMAÇÃO DO EDUCADOR FÍSICO PARA A
EDUCAÇÃO INFANTIL: a percepção de profissionais de
Educação Física de Novo Hamburgo - RS.
Gustavo Paraboni Cerveira*
Ricardo Reuter Pereira**
Resumo
O presente artigo é o resultado de uma pesquisa sobre a formação inicial dos profissionais Licenciados em Educação Física e a
atuação destes no âmbito da Educação Infantil. O principal objetivo da investigação foi verificar a percepção de profissionais,
Licenciados em Educação Física e atuantes na Educação Infantil, sobre a sua formação inicial e a contribuição que ela trouxe para o
trabalho nesta etapa da Educação Básica. Optou-se, como marco metodológico, a pesquisa qualitativa. Como instrumentos de
coleta de informações, as observações com roteiro semiestruturado, o diário de campo e entrevistas foram utilizados. Três
professores com formação em Licenciatura Plena em Educação Física, atuantes na Educação Infantil, e as Supervisoras Pedagógicas
das instituições onde atuam os profissionais acima citados foram entrevistados. As entrevistas foram gravadas e posteriormente
transcritas para fins de análise. Foram realizadas, também, observações das aulas de Educação Física ministradas pelos profissionais
entrevistados. Essas observações foram devidamente registradas no diário de campo. Os resultados mostraram que os professores
não se sentem ou se sentiram preparados para o trabalho com a Educação Infantil após a sua formação inicial, e, segundo eles, a
experiência do trabalho do dia-a-dia e a formação continuada são as melhores maneiras de se qualificar para o trabalho com a
Educação Infantil. Além disso, através desta pesquisa, foi explicitado que nem sempre é o profissional de Educação Física a atuar
com a Educação Infantil, mas profissionais generalistas, como as professoras regentes.
Palavras-chave:
Educação Física. Educação Infantil. Formação inicial. Saberes docentes.
Considerações iniciais
M
uitos acadêmicos, quando chegam ao final do
curso de Licenciatura Plena em Educação
Física, questionam se estarão realmente
preparados para enfrentar o mercado de trabalho após a
conclusão do curso. Refletem se todos os conhecimentos,
fragmentados, adquiridos durante sua graduação, trarão
segurança na hora de desenvolver a Educação Física em suas
diversas áreas de atuação.
de Educação Física para atuar na Educação Infantil após a
conclusão do curso.
Sendo assim, objetivou-se, na presente investigação,
analisar a percepção dos profissionais de Educação Física
sobre sua formação inicial e continuada e suas atuações no
contexto da Educação Infantil, para refletir sobre a formação
acadêmica atual no curso de Educação Física em extinção de
um Centro Universitário do Vale dos Sinos.
1 Educação Física escolar
Dessa forma, este estudo justifica-se academicamente
no momento em que traz reflexões sobre o processo de
formação dos profissionais de Educação Física relacionando à
sua prática no âmbito da Educação Infantil. Além disso, este
documento instiga instituições de ensino superior à reflexão
e talvez à reavaliação de seus currículos, conteúdos e suas
metodologias, se estão realmente preparando o profissional
Atualmente, existem várias concepções na área da
Educação Física, todas tendo em comum a tentativa de
romper com os modelos mecanicista e tecnicista, que são
originários de uma etapa recente da disciplina que durou até
o final da década de 1970 (SOARES, 2002).
No que diz respeito ao âmbito escolar, não há muita
diferença. A Educação Física escolar foi e continua sendo tema
de inúmeras pesquisas. Diversos pesquisadores e estudiosos
buscam encontrar o real significado e os objetivos da
Educação Física no contexto escolar. Contudo, a cada dia que
passa, inúmeras dúvidas surgem e diversas teorias são
concebidas sobre a função que a Educação Física deve
assumir na formação do aluno dentro da escola.
* Titulação: Graduado em Licenciatura Plena em Educação Física.
**Titulação: Doutorando em Educação, Mestrado em Ciências do Movimento Humano,
Especialização em Psicologia do Exercício e do Esporte e Graduação em Licenciatura Plena
em Educação Física, professor orientador desta pesquisa.
25
ESPAÇO DIALÓGICO
No que diz respeito especificamente à Educação Física
na Educação Infantil, a reflexão sobre a formação do
profissional torna-se de suma importância, no momento em
que a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Básica (LDB
9.394/96, 1996) dá ao profissional de Educação Física a
habilitação para atuar junto às escolas de Educação Infantil.
Apesar de estar habilitado, será que o profissional está
qualificado para intervir na Educação Infantil?
Para Ferraz e Macedo (2001), a Educação Física, como
componente do currículo escolar, tem como seu principal
objetivo difundir conhecimentos ordenados sobre a cultura
corporal e de movimentos. Sendo assim, ao final da
escolarização, o aluno deverá estar apto para participar e
usufruir de programas de ginástica, natação dança, esporte,
etc.
Já segundo Betti e Zuliani (2002), a Educação Física,
sendo componente curricular da Educação Básica, tem o
dever de assumir o papel de introduzir e integrar o aluno na
cultura corporal de movimento, formando o cidadão que irá
desenvolvê-la, instruindo-o para se beneficiar dos jogos, dos
esportes, das atividades rítmicas expressivas, das ginásticas e
práticas que tenham por finalidade a busca da qualidade de
vida.
Não se deve, contudo, caracterizar a Educação Física na
escola somente como uma disciplina que tem por objetivo
difundir a cultura corporal e do movimento, tampouco
limitá-la ao aprendizado de jogos recreativos, modalidades
esportivas, ou à pura e simples repetição de movimentos. A
Educação Física tem uma função mais ampla no contexto
escolar. Ela deve formar um cidadão consciente de seus
direitos e deveres, cumpridor de leis e regras estabelecidas
pela sociedade na qual está inserido e, acima de tudo, um ser
humano ético e informado, que entende o mundo em que
vive. A Educação Física tem de estar integrada à proposta
pedagógica da escola, considerando assim a criança em sua
totalidade (SOARES, 2002).
2 Educação Infantil
Até ser inserida na esfera da Educação Básica, a
Educação Infantil passou por diversas mudanças. Durante
muito tempo, acreditou-se na dicotomia da
educação/assistência, a partir da qual as crianças eram
acompanhadas não por educadores, mas por “cuidadores”¹,
porém, com o passar do tempo, a indissociabilidade entre
educação e cuidado começou a ser considerada no dia-a-dia
das escolas de Educação Infantil. Ferraz e Macedo (2001), em
suas recentes pesquisas, verificaram que os professores
consideram sua ação como uma tarefa educacional e não
mais exclusivamente assistencial.
ESPAÇO DIALÓGICO
26
Nesse processo de ressignificação, de transição entre a
simples função de cuidar e a nova concepção de cuidar e
educar encontra-se diversos significados e funções para a
“nova” Educação Infantil. Os documentos públicos afirmam
que a Educação Infantil tem como objetivo oportunizar a
interação das crianças com adultos e outras crianças, em
situações variadas, elaborando conhecimentos sobre si
próprios, sobre o meio físico e social, desenvolvendo todas as
suas potencialidades e possibilidades (BRASIL, 1998).
Complementando isso, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Básica cita:
NOTA
[...] a Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, tem
como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis
anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual
e social, complementando a ação da família e da comunidade.
(LDB 9.394/96, 1996, artigo 2).
Pesquisas mais recentes em Educação Infantil, citadas
por Silva e Pinheiro (2002), apontam para a sua necessária
multidisciplinaridade. Nesse sentido, Rocha (apud SILVA E
PINHEIRO, 2002, p. 46) compreende a Educação Infantil como:
[...] campo de conhecimento que envolve a infância tomada
como objeto por diferentes campos de saber científico nas
áreas da saúde, do direito, da sociologia, da história, da
antropologia, das ciências humanas e sociais incluindo a
demografia, a arquitetura, as artes, as letras o serviço social, a
lingüística, a Educação Física e a Educação, que tem, por sua
vez, também a infância como objeto de estudo e campo de
intervenção.
A Educação Infantil é um tempo e espaço onde a criança
tem acesso a conhecimentos formados historicamente e, ao
mesmo tempo, participa como sujeito sócio-histórico,
produtor desses conhecimentos. Com a interação com o
outro, a criança descobre-se, descobre o outro, descobre o
mundo e, experimentando, ressignifica, a todo o momento,
sua compreensão e intervenção nesse mundo (SOARES,
2002).
É indiscutível que a fase de vida dos seres humanos, dos
zero aos seis anos, é uma das mais importantes, senão a mais
importante. É nessa fase que a criança começa a descobrir o
mundo em que vive. Durante esse período, a criança terá um
desenvolvimento psicológico, social, intelectual e motor que,
talvez, não alcançará novamente, na mesma proporção,
durante toda a sua vida. Por isso e por diversos outros
motivos, é que cada vez mais se necessita de profissionais
qualificados para cuidar e educar, em sua totalidade, estes
alunos. Já evoluímos bastante, mas é preciso que se busque
intensamente a qualificação de todos os educadores
envolvidos nesta nova Educação Infantil.
3 Educação Física na Educação Infantil
Desde a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB nº 9.394/96, BRASIL, 1996), as
discussões em torno da Educação Física na Educação Infantil
têm se intensificado. Conforme essa lei, a Educação Infantil é
denominada primeira etapa da Educação Básica e, por
conseqüência, a Educação Física, como componente
curricular da mesma, torna-se componente curricular da
Educação Infantil.
Mesmo com a inserção da Educação Física na esfera da
Educação Infantil sendo um grande avanço, um grande
problema vem no seu encalço. Como devem ser
desenvolvidas as aulas de Educação Física para a Educação
Infantil? Quais são os objetivos deste componente curricular
para com as crianças de zero a seis anos?
¹ Ainda existem diversas pessoas ou estabelecimentos que prestam o serviço de cuidar de
crianças, mesmo não estando habilitados para a função de cuidar / educar, contudo, no contexto
social em que vivemos, estes “cuidadores” são a única alternativa que, talvez, muitos pais
encontram para deixar seus filhos, enquanto estão ocupados.
Analisando a Educação Física na Educação Infantil, Mello
(2001, p. 97) afirma que:
As crianças necessitam de um trabalho com movimento
direcionado às suas vidas, engajado no trabalho dos demais
componentes curriculares da Educação Infantil, para que ela
possa ver a relação da Educação Física com a sua vida, com a
aquisição de conhecimentos e não apenas a relação com o
esporte e a saúde.
Não existe maneira de falar sobre Educação Física na
Educação Infantil sem falar de movimento. “O movimento é o
elemento que possibilita a interação do ser humano com o
meio ambiente e, portanto, o seu não desenvolvimento
tornaria a educação da criança seguramente incompleta”
(TANI, 2001, p. 112). Mas que dimensões do movimento
seriam adequadas às práticas pedagógicas da Educação
Física na Educação Infantil? Seria o simples deslocamento do
corpo?
Manoel, Kokubun, Tani e Proença (apud FERRAZ E
MACEDO, 2001) comentam que proporcionar oportunidades
de movimento, adequadas às características e necessidades
da criança, mostra-se fundamental para seu desenvolvimento
como um todo. Contudo, o conceito de movimento, neste
caso, não se restringe ao simples deslocamento de um corpo
no espaço-temporal da contração muscular, mas é, através
dele, que a criança se relaciona com o meio ambiente com o
intuito de alcançar seus objetivos.
Piaget (apud FERRAZ E MACEDO, 2001, p. 85) afirma que:
As experiências motoras nos primeiros anos de vida são
fundamentais para o desenvolvimento cognitivo, uma vez que
fornecem o meio pelo qual a criança explora, relaciona e
controla seu ambiente. A integração das sensações, resultando
em percepções, irá influenciar toda a aprendizagem simbólica
posterior, em forma de estruturas cognitivas, uma vez que a
criança terá que organizar, no plano do pensamento, tudo que
organizou no plano das ações.
Complementando o que foi dito por Piaget (apud
FERRAZ E MACEDO, 2001), percebe-se o quanto é forte a sua
reflexão de que a capacidade de movimentar-se do ser
humano não é inata. Isso significa que a quantidade e a
qualidade de experiências motoras, nessa faixa etária, são
fundamentais para o enriquecimento e flexibilidade do
acervo motor que, por sua vez, permitirá aprendizagens mais
complexas.
Ayoub (2001), em sua afirmação, proporciona uma
definição que pensa-se ser mais esclarecedora sobre os reais
objetivos da Educação Física na Educação Infantil. Segundo a
autora:
A Educação Física na Educação Infantil pode configurar-se
como um espaço em que a criança brinque com linguagem
corporal, com o corpo, com o movimento, alfabetizando-se
nessa linguagem. Brincar com a linguagem corporal significa
criar situações nas quais a criança entre em contato com
diferentes manifestações da cultura corporal (entendida como
as diferentes práticas corporais elaboradas pelos seres
humanos ao longo da história, cujos significados foram sendo
tecidos nos diversos contextos sócio-culturais), sobretudo
aquelas relacionadas aos jogos e brincadeiras, às ginásticas, às
danças e às atividades circenses, sempre tendo em vista a
dimensão lúdica como elemento essencial (AYOUB, 2001, p.57).
Muitos são os estudos e as concepções de Educação
Física na Educação Infantil, porém o que muitas vezes
observa-se na prática é que profissionais desqualificados,
estagnados em conhecimentos ultrapassados e práticas
errôneas, não proporcionam as vivências motoras necessárias
à faixa etária que é abrigada pela Educação Infantil, não
cumprindo os objetivos propostos por esta etapa da
Educação Básica.
Complementando, segundo Fontoura et al (2006), a
ação pedagógica do professor de Educação Física, na
Educação Infantil, é de suma impor tância no
desenvolvimento das crianças, uma vez que ajuda a
estruturar as funções motoras, sensoriais, simbólicas, lúdicas
e relacionais. Portanto, para que a ação pedagógica do
professor não se torne inadequada, ele necessita conhecer as
etapas do desenvolvimento da criança, que se organiza em
categorias que vão se aprimorando de acordo com a evolução
de sua vida até se concretizar na adolescência (FERNANDES,
NOGUEIRA E MARTINEZ, 2008). Por conseguinte, conhecer
intimamente a criança, suas fases de desenvolvimento, suas
características e suas peculiaridades, torna-se fundamental
para o professor de Educação Física que atua ou pretende
atuar na Educação Infantil.
A partir de tudo que foi comentado anteriormente,
pensa-se que a inserção da Educação Física como
componente curricular da Educação Infantil, seja um enorme
avanço para o seu desenvolvimento e reconhecimento.
Entretanto, não somente com uma lei obteremos uma
Educação Física de qualidade, é preciso, sim, investir em
capacitação de profissionais para atuarem com as crianças de
zero a seis anos, faixa etária que possui suas diversas
particularidades e necessidades.
4 Formação inicial do educador físico e a Educação
Infantil
Muito tem se refletido sobre a formação inicial dos
profissionais de Educação Física. Prova disso é a contínua
produção de artigos discutindo este tema. Entretanto, ainda
há um abismo entre os conhecimentos obtidos durante a
formação inicial e o dia-a-dia da prática docente.
Freitas (2001) considera que o distanciamento entre a
formação acadêmica e a realidade escolar possui um vínculo
com a dicotomia teoria/prática. Esse tipo de configuração
gera problemas no processo de ensino-aprendizagem
durante a formação inicial, pois, geralmente, os saberes são
vistos como resultados das produções científicas e distantes
da formação docente. Nesse sentido, os professores
desenvolvem uma relação de exterioridade com os saberes
que possuem, transmitem e tendem a desvalorizar a
27
ESPAÇO DIALÓGICO
Percebem-se diversas lacunas no que diz respeito ao
como e ao que deve ser trabalhado no cotidiano das aulas de
Educação Física para essa faixa etária. Além do mais, o
desconhecimento dos objetivos da Educação Física para com
essas crianças, gera a criação de posturas pedagógicas,
muitas vezes, inadequadas e sem propósito.
formação acadêmica (formação inicial), na medida em que
encontram um universo totalmente novo quando se
deparam com a realidade escolar, na qual sem uma
habilidade compreensão do contexto educativo não é
possível a aplicação de teorias e técnicas para a resolução de
problemas enfrentados na prática (BORGES, 1997 apud
FREITAS, 2001).
Günther (2000) contribui, ainda, afirmando que a
preparação deficitária do professor durante sua graduação,
muitas vezes relacionada à dissociação entre a teoria e a
prática não é um problema exclusivo da formação de
professores de Educação Física, contudo, a forte vinculação
desta com atividades práticas parece acentuá-lo.
A formação inicial do profissional de Educação Física
utiliza-se dos esportes para desenvolver o paradigma da
performance esportiva, a partir dos quais a aprendizagem
mecânica é evidenciada na formação do professor (BORGES,
APUD SCHERER, 2000). Esse ensino de conhecimentos,
habilidades e competências é, em geral, descontextualizado
da sociedade, possibilitando a formação de professores não
reflexivos e com uma posição de neutralidade política
(KINCHELOE, 1997 apud SCHERER, 2000).
Falando especialmente do âmbito da Educação Infantil,
a formação inicial do educador físico parece não se
comprometer com a qualificação do acadêmico (AYOUB,
2001; SAYÃO, 1999). O discurso de que a formação inicial não
prepara o profissional de Educação Física para trabalhar no
âmbito da Educação Infantil é encontrado em comentários de
acadêmicos em formação e profissionais já graduados.
Sayão (1999, p. 223) afirma que “tradicionalmente, não
há, nos cursos de Licenciatura em Educação Física, uma
preocupação em formar professores para intervirem na
educação de zero a seis anos”, ou seja, faixa etária abrangida
pela Educação Infantil. Ayoub (2001) complementa
afirmando que as discussões em torno da Educação Infantil
como um todo, suas problemáticas específicas e suas relações
mais amplas com o contexto educacional brasileiro parecem
não fazer parte da formação dos(as) licenciados(as) em
Educação Física.
Para Tardif (2002), o saber docente é um saber plural
constituído a partir da formação profissional e de saberes
disciplinares, curriculares e da experiência.
Conforme Therrien (1995), os estudos que abrangem a
formação do professor continuam dissociados entre a
formação e seu atuar no dia-a-dia, desconsiderando a
questão dos saberes que são mobilizados na prática, ou seja,
os saberes da experiência. Esses saberes são vivenciados e
adaptados passando a integrar a identidade do professor,
constituindo-se em elemento fundamental nas práticas e
decisões pedagógicas, sendo, por conseqüência,
caracterizados como um saber original. Essa junção de
saberes que envolve os saberes da experiência é tida como
central na competência profissional e originária do cotidiano
e do meio vivenciado pelo professor.
Entretanto, Queiroz (2001) comenta que a experiência
responsável pela construção dos saberes profissionais não se
limita ao cotidiano junto aos alunos. A autora, enfatizando a
formação do professor de Física, traz uma contribuição
importante sobre os saberes da experiência. Segundo ela, o
saber da experiência necessita ser analisado em sentido
profissional amplo, emergindo na relação entre a formação
docente e as diversas interferências, tais como: da
escolarização, de leituras, de participações em pesquisas
educacionais acadêmicas ou na escola, de cursos de
atualização e pós-graduação, da participação em seminários,
encontros, conferências e palestras onde se realizam trocas
tanto com colegas na escola como com professores dos
diferentes níveis de ensino (QUEIROZ, 2001).
Compreende-se, a partir do que foi exposto, que os
saberes da experiência são originários de experiências
obtidas durante toda a vida do profissional docente, ou seja,
desde o momento em que este era aluno, até a sua prática
docente diária, sendo um saber fundamental em seu
desenvolvimento profissional. Compreende-se também que
o professor, em sua trajetória profissional, constrói e
reconstrói seus conhecimentos conforme a necessidade de
utilização dos mesmos, suas experiências, seus percursos
formativos e profissionais.
6 Materiais e métodos
O período da graduação não deve ser uma etapa em que
o acadêmico somente pratique esportes, ou simplesmente
tenha uma postura de receptor de informações. Segundo
Tardif (2002), a formação inicial tem como objetivo habituar
os acadêmicos, futuros professores, à prática profissional, e a
fazer deles profissionais práticos reflexivos. Isso significa
proporcionar uma constante relação de troca entre a prática
profissional e a formação teórica, entre a experiência concreta
e a pesquisa, entre os formandos e os formadores, buscando
aproximações entre formação e atuação profissional (SILVA;
KRUG, 2008).
ESPAÇO DIALÓGICO
28
O presente estudo, de natureza qualitativa, utilizou
como delineamento a pesquisa descritivo-interpretativa.
Entende-se por qualitativo, segundo Molina Neto (1999), o
conjunto de pressupostos e procedimentos que tem como
finalidade explicar, interpretar e compreender as
representações e os significados que um determinado grupo
(no caso deste trabalho, o profissional de Educação Física)
atribui as suas ações diárias. A característica descritivointerpretativa é definida por Triviños (1987) como aquela que
pretende descrever “com exatidão” os fatos e fenômenos de
uma realidade.
5 Saberes da experiência
As diversas pesquisas sobre formação e profissão
docente nos remetem a compreender a prática pedagógica
do professor, que é o mobilizador de saberes profissionais.
Neste estudo, selecionou-se, por conveniência, 03
professores que atuam no âmbito da Educação Física para a
Educação Infantil na cidade de Novo Hamburgo, RS. Além
disso, participaram desta investigação as supervisoras
Após a coleta, as informações foram codificadas com
letras e números a fim de manter certa organização destas.
Colocou-se OB para observações, EP para entrevistas com
profissionais de Educação Física, ES para as entrevistas com as
supervisoras pedagógicas e DC para representar anotações
no diário de campo. Então, tendo todo o material codificado,
passou-se às etapas da análise, que foram divididas em três
fases. A primeira compreende unidades de significado e
categorias, em que se procurou identificar palavras que
tivessem significado para a pesquisa e estas foram agrupadas
em grandes categorias. Na segunda fase, deu-se a
categorização e subcategorização, momento em que se
estabeleceram as categorias e subcategorias de análise das
informações. Já a terceira etapa consistiu na triangulação, em
que se utilizou três tipos de triangulações: a triangulação por
fontes, a triangulação teórica e a triangulação reflexiva.
A triangulação por fontes caracteriza-se por
comparações de uma determinada fonte mediante outra. Já a
triangulação teórica, objetiva interpretar, de maneira
alternativa, dados coletados ou tornar visíveis aspectos que
se apresentem de forma contraditória. A triangulação
reflexiva, por seu turno, caracteriza-se por complementar
outras formas de triangulação. Ela deve ocorrer em todos os
momentos do trabalho, pois é fundamental para o
discernimento e compreensão dos fatos (CAUDURO, 2004).
7 Resultados e discussão
A formação inicial, em qualquer área, tema central
discutido nesta pesquisa, gera diversas discussões. Será que a
formação inicial deveria preparar totalmente o profissional
para atuar no mercado de trabalho? Pode-se atribuir à
formação inicial o preparo integral de um profissional?
Essa discussão não é diferente no âmbito da Educação
Física. Diversos acadêmicos, ao chegarem ao final do curso de
graduação, começam a refletir se estão realmente preparados
para o mercado de trabalho. Reflexão essa que se acentua
quando falamos de Educação Física e Educação Infantil, um
tema que gera muitos questionamentos.
Dos três professores entrevistados, dois possuem um
discurso similar, quando questionados sobre seu preparo
para a atuação na Educação Infantil após a sua formação
NOTA
inicial. Um deles comenta que: “sobre Educação Infantil, na
faculdade, eu não tive nada”; (EP1 03/09/08) já o outro
exclama o seguinte: “a formação acadêmica não favoreceu em
nada o meu preparo para atuar na Educação Infantil e com
crianças principalmente”. (EP2 23/09/08) Pensa-se ser este
“nada”, um pouco exagerado, porque, embora não tenha tido
o conteúdo específico da Educação Infantil, muitas atividades
ou conhecimentos podem ser adaptados. Entende-se,
porém, que os professores, talvez, percam essa dimensão,
pois não percebem o seu crescimento durante a formação.
Talvez os professores, na época em que eram
acadêmicos, também não deram a devida importância para
certas disciplinas, por não serem entendidas como úteis,
como se pode obervar na dissertação de mestrado de Pereira
(2004). Segundo o autor, que fala sobre seus entrevistados, o
gosto pelo esporte e as intenções que levaram os professores
à escolha do curso superior em Educação Física não os fizeram
reconhecer as demais disciplinas como importantes. O autor
ainda comenta que essa importância somente foi percebida
quando os professores começaram a lecionar, fato que os
levou a lamentarem o tratamento dado a disciplinas
vinculadas à área da Educação e Psicologia da Educação
principalmente.
A Educação Física é uma área do conhecimento muito
ampla, e aproveitar os momentos de aprendizado que a
f a c u l d a d e p ro p o rc i o n a , a l é m d e b u s c a r o u t ro s
conhecimentos fora dela, é de suma importância para uma
formação inicial consistente. A respeito disso, quando
questionada se buscou conhecimentos sobre a Educação
Física na Educação Infantil, durante a formação inicial, a
professora Elisa comenta que: “não, porque eu não trabalhava
com Educação Infantil [...] naquele período eu não achei
importante, mas agora sinto falta e vejo que é importante” [...].
(EP1 03/09/08)
A formação inicial em Educação Física, que abrange
diversos conhecimentos, tem por objetivo formar um
profissional cujo conhecimento seja generalista. A base de
conhecimentos proporcionados pela formação inicial precisa
ser aperfeiçoada através do tempo, seja durante a graduação
ou após a mesma, e isso é função do acadêmico, “construtor”
de seu conhecimento. Ele, talvez, seja o principal responsável
por sua formação, que não se restringe aos conhecimentos ou
saberes teóricos.
A formação integral de um docente abrange saberes
que são construídos e reconstruídos durante toda a formação
inicial e continua durante toda a sua vida. O saber docente é
um saber plural constituído a partir da formação profissional e
de saberes disciplinares, curriculares e da experiência.
Atendo-se aos saberes da experiência, estes entendidos
como o conjunto de saberes atualizados, adquiridos e
necessários no âmbito de atuação do professor, e que não são
oferecidos pelas instituições de formação (TARDIF, 2002),
portanto a constituição dos mesmos está condicionada à
aplicação, na prática, das teorias aprendidas, pode-se refletir,
² Na apresentação das entrevistas, foram inseridos pseudônimos aos sujeitos entrevistados para
que fosse mantido o seu anonimato.
29
ESPAÇO DIALÓGICO
pedagógicas das respectivas escolas onde atuam os três
professores. Os sujeitos² foram, primeiramente, contatados
pessoalmente ou por telefone através das instituições nas
quais eles atuam para o agendamento das entrevistas e
observações das aulas de Educação Física para a Educação
Infantil. Todos os sujeitos colocaram-se à disposição para
par ticipar do estudo e assinaram um termo de
consentimento livre e esclarecido, tendo liberdade de
interromper, a qualquer momento, sua participação no
estudo. Como instrumentos de pesquisa, foram utilizadas
observações de campo não participantes, entrevistas
semiestruturadas, que foram gravadas e transcritas, e notas
de campo, devidamente registradas em um diário de campo.
no caso da Educação Física na Educação Infantil, como não é
concebível um profissional “preparado” para seu trabalho sem
ter uma vivência prática da realidade na qual atua ou atuará.
Ele necessita vivenciar o que estuda durante toda a sua
graduação. Ele necessita construir, através da prática
diária,este saber tão importante na constituição do docente,
o saber da experiência.
Muito se discute sobre tendências pedagógicas e outras
teorias durante a graduação, mas se o acadêmico não as
relacionar com a prática, não conseguirá aplicá-las, testá-las
ou até reformulá-las, conforme sua realidade. Uma frase
antiga torna-se pertinente neste contexto. “Na prática, a
teoria é outra”. Ela não é citada com o objetivo de induzir os
leitores desta pesquisa, sejam eles acadêmicos, profissionais
ou leigos, a pensarem que todas as discussões teóricas não se
aplicam na prática, mas, sim, refletir no sentido de que é
necessário testar as teorias aprendidas, utilizando-as na
prática, para assim construir o próprio conhecimento de
acordo com a realidade na qual o profissional vive e trabalha.
A respeito da importância da vivência prática e da
experiência do trabalho do dia-a-dia, relacionando-os com a
formação acadêmica e o preparo para o trabalho na Educação
Infantil, a professora Deise afirma que:
A graduação, não é que não prepare para a Educação Infantil, tu
tens muita teoria, tens muitos conteúdos específicos, tens
atividades, mas, na verdade, a prática do dia-a-dia vem da
experiência. Os cursos, claro, dão muitas idéias e muita base, mas
é no teu dia-a-dia que tu consegues essa vivência, consegues os
detalhes, consegues ir te aprimorando, ver o que dá certo e o que
não dá. (EP3 01/10/08)
Já em conversa durante uma das observações feitas
(DC2 20/08/08), perguntou-se à professora Elisa de onde se
originavam os conhecimentos que aplica em suas aulas. A
entrevistada respondeu que a maioria das atividades eram
oriundas de leituras feitas após sua formação inicial e de
experiências vividas no contato com as crianças. Foi
comentado, ainda, que aprendeu muito no contato e na
prática diária com as crianças.
Complementando a idéia das professoras Deise e Elisa, o
professor Reinaldo comentou sobre o seu trabalho com a
Educação Infantil: “olha, muita coisa tu trazes de fora para a
escola, outras, tu adquires com os teus colegas e com a
própria criança [...],adquiri muitas coisas no contato direto
com as crianças; isso, sim, é essencial.” (EP2 23/09/08)
ESPAÇO DIALÓGICO
30
Pode-se perceber que os professores, colaboradores
desta pesquisa, reconheceram a experiência, aliada à teoria,
como um fator fundamental na formação profissional.
Embora anteriormente relatassem que sua formação inicial
em nada contribuiu para o seu trabalho na Educação Infantil,
agora já percebiam, como a professora Deise comenta (DC11
01/10/08), que a prática do dia-a-dia, aliada à base
proporcionada pelo curso, promove um aprimoramento da
prática do professor. É nessa relação entre conhecimentos
adquiridos durante a graduação e a prática docente diária
que o professor constrói sua identidade profissional.
A prática diária, no entanto, é privilégio de poucos
professores na época de acadêmicos. Isso faz com que eles
somente tenham contato com o dia-a-dia escolar no final do
curso, quando necessitam realizar os estágios curriculares.
Segundo Pereira (2004), alguns professores por ele
entrevistados comentam que seu verdadeiro preparo para o
trabalho foi o estágio. Foi no estágio que realmente a maioria
dos acadêmicos começou a ter uma visão global do trabalho
na escola. Kenski (2001) critica o modo como é realizado o
estágio na formação de professores. Conforme o autor, o
estágio, além de ser no final do curso e desvinculado das
atividades praticadas pelos alunos em semestres anteriores, é
considerado um espaço reduzido no universo da graduação.
Talvez proporcionar mais momentos de vivências práticas
durante a graduação, integrando o que é estudado com sua
realidade prática, seja uma forma mais eficiente de se formar
um professor mais qualificado.
Considerações finais
Ao final desta investigação, percebe-se o processo de
formação do profissional de Educação Física, e sua atuação
junto a Educação Infantil de uma forma diferenciada.
Os professores colaboradores deste estudo, apesar de
criticarem a formação inicial, dizendo que esta não prepara o
profissional para o trabalho com a Educação Infantil,
percebem a prática diária como uma das formas de
desenvolvimento do profissional que atua nesta faixa etária.
Porém, a oportunidade de vivências práticas do trabalho com
a Educação Infantil não é proporcionada aos professores
durante a sua formação inicial. Essa vivência somente é
apresentada ao professor se o mesmo buscá-la
voluntariamente, ou se uma oportunidade de trabalho se
apresenta a este.
É preciso que haja, desde o início do curso,
oportunidades de vivências práticas desta realidade. Assim
como todos os professores entrevistados nesta pesquisa,
acredita-se que a integração dos saberes teóricos, adquiridos
desde o início da graduação, com a experiência da prática
diária, também desde o início do curso, talvez seja uma das
melhores maneiras de construirmos uma formação
consistente por meio da qual o profissional tenha convicção
da sua atuação.
Percebe-se, como formação inicial sólida e qualificada,
não aquela que deve ensinar “tudo de tudo”, até porque não é
essa a proposta da formação inicial, mas aquela que
proporcione uma base sólida de conhecimentos
generalizados, que permita que o professor os aprofunde,
seja em leituras, palestras, seminários, observações, entre
outros, e os vivencie na prática, construindo e reconstruindo
assim a sua identidade profissional a cada dia.
Finalizando, acredita-se que novas pesquisas possam, e
devam ser realizadas, objetivando analisar a formação inicial
do profissional de Educação Física, pois, nos últimos anos,
estamos passando pelo processo de reestruturação dos
currículos dos cursos de graduação em geral. No caso da
Educação Física, antes a Licenciatura Plena formava
profissionais para atuar na Educação Física em suas diversas
manifestações. Hoje se verifica a existência de dois cursos de
Educação Física, licenciatura e bacharelado, onde se formam
profissionais para atuar com Educação Física escolar e para
atuar na em atividades relacionadas à gestão do movimento
humano e à atividade física, respectivamente. Esse fato
proporciona ao acadêmico realizar o curso que mais se
aproxima da realidade na qual deseja atuar.
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TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em ciências
sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas,
1987.
31
ESPAÇO DIALÓGICO
AYOUB, Eliana. Reflexões sobre a educação física na
educação infantil. Revista Paulista de Educação Física,
São Paulo, supl. 4, p. 53-60, 2001.
O CAPELO E A PALAVRA DO REITOR:
CERIMONIAL DO RITO DE PASSAGEM
Isabel Cristina Vetter Lizakoski*
Resumo
O presente artigo tem como objetivo a apresentação dos diversos procedimentos nos protocolos e cerimoniais nas
universidades, assim como as vivências em diversos lugares do mundo, promovendo, por meio do rito de passagem, inúmeros
significados na vida das pessoas. O foco é a contribuição dos ritos e cerimoniais, auxiliando na compreensão sobre o valor do rito e
suas modificações ao longo dos tempos, desde os primórdios da vida em sociedade. Nesse contexto, as vestes, os códigos, as
hierarquias, as palavras e demais espaços e objetos ritualizados e simbolizados descortinam o que o humano expressa no desejo
de aceitação e reconhecimento.
Palavras-chave:
Capelo. Cerimonial. Rito de passagem.
Introdução
O
ser humano ocupa um espaço único e
diferenciado das demais espécies. Desde os
primórdios até a atualidade, os grupos
humanos ritualizaram diversos momentos das suas vidas.
Neste sentido, primeiramente serão apresentados,
neste artigo, os processos de ritualização nas universidades e
os meios para festejar as conquistas dos/as acadêmicos para
a carreira e o futuro profissional. Em seguida, analisar-se-ão
as diversas funções dos ritos de passagem e seu papel na
sociedade, favorecendo a compreensão de inúmeras
simbologias que deram significado à vida das pessoas e
grupos, ao longo da história. Para finalizar, tratar-se-á da
apresentação dos diversos passos da colação de grau, com
todos os procedimentos que confirmam a condição de
passagem para um novo momento dos acadêmicos e o
reconhecimento para a comunidade.
1 Cerimonial do rito de passagem
ESPAÇO DIALÓGICO
32
Com a frase “Eu juro”, cada formando alcança a
passagem para os caminhos e escolhas da sua vida presente,
passada e futura. No cerimonial, mesclam-se desejos
intensamente humanos, existentes desde os primórdios da
humanidade. Nesse espaço, estão representados pelos
formandos os desejos que cada um traz consigo e da sua
família desde o nascimento e cada um com suas
singularidades. Há também os desejos da universidade, que,
como instituição, celebra, a cada nova formatura, a
continuidade de valores e saberes universalizados por meio
de todo contingente de pessoas que ali passam, tendo em
vista a aceitação social.
Nesse sentido, Rivière (1996) entende que os ritos fazem
parte do processo social. Nas palavras do autor:
O rito exprime o ritmo da vida social, da qual é o resultado. Só se
reunindo é que a sociedade pode reavivar a percepção, o
sentimento que tem de si mesmo. (RIVIÉRE,1996, p.8)
A promessa, escrita em latim,
Ego promitto me, semper principiis honestitatis, inhaerentem,
mei gradus muneribus perfuncturum atque operam meam in
jure patrocinando, justitia exeqüenda et bonis moribus
praecipiendis, nunquam causae humanitatis defuturum
(VIANA, 1998, p. 204)
proclama a inserção do formando e a condição para a
participação no grupo de iguais da profissão escolhida. Diz
no juramento do bacharel em Direito:
Prometo, no exercício das funções de meu grau, respeitar os
princípios de honestidade, patrocinando o direito, realizando a
justiça preservando os bons costumes e nunca faltando à causa
da humanidade. (VIANA, 1998, p.204)
Os ritos, como este de que agora nos ocupamos,
colocam marcas diferenciadas para cada pessoa e a
apresentam à sociedade com sua própria identidade,
representando as diversas manifestações culturais e
históricas.
Essa questão é abordada por RIVIÈRE (1996, p.16), que
*Titulação: Mestre em Educação Comunitária com Infância e Juventude, Pósgraduada em Psicologia dos Processos Educacionais, Licenciada em Pedagogia Orientação Educacional.
Área de atuação: Coordenadora do Programa Social da IENH, Professora do
Centro de Educação Profissional – CEP e da Faculdade IENH.
O autor (1996) também referencia aspectos como
inclusão e exclusão presentes nas diversas manifestações
dos ritos de passagem. Explica que, entre os grupos dos
incluídos, estão aqueles que não fazem parte dos momentos
formais instituídos pela sociedade, os excluídos. No caso da
formatura, poderíamos refletir sobre o universo de jovens
que não têm acesso ao curso universitário. Cabe também a
reflexão não somente à universidade, mas aos diversos
espaços onde os saberes consolidam possibilidades de
acesso e aceitação social.
Em paralelo ao cerimonial de formatura e à abordagem
sobre a inclusão e a exclusão nos processos educacionais
como privilégios de poucos para alcançar o espaço de
reconhecimento, podemos destacar o filme “O Clube do
Imperador” (EUA, 2002). Ambientado na escola de St.
Benedict's, narra a história de alunos, de seus familiares e de
um professor, representando a elite economicamente
abastada, que perpetua os vencedores determinados pelo
imaginário das famílias.
O filme possibilita diversas reflexões sobre o assunto,
entre elas os procedimentos dos professores e direção, uma
vez que os conteúdos que circulam nas salas de aula validam
o poder daqueles que procuram o educandário. Também os
diversos rituais reforçam o sacrifício necessário para manter a
tradição das famílias, consagrando a reputação da academia.
Outra questão centra-se nos privilégios para alguns alunos
em detrimento de outros, expondo aspectos do caráter ético
dos professores, em nada diferente da atitude apresentada
por algumas famílias consagradas pelo poder econômico e
social.
O filme também mostra que o currículo escolar é
selecionado, com passagens que reforçam e reproduzem a
história daqueles jovens, com a trilha de grandes homens,
marcadas para alcançar o sucesso. Dessa mesma forma, a
disciplina garante a excelência para os alunos, e a
autodisciplina destaca-se como regra para alcançar uma
carreira ditosa, às vezes até sem se importar com os meios
para alcançar tais objetivos.
Sobre a perpetuação do poder e o currículo escolar,
principalmente com os conteúdos e personagens da história,
Larrosa (2006, p. 135) entende que, “Por outro lado, essa
história, enquanto que insiste na continuidade do presente e
passado, conecta perfeitamente os fabricantes de ontem
com os dominadores de hoje e reproduz, portanto, a
ideologia dos vencedores”.
Por meio das suas reflexões, Rivière (1996) auxilia no
aprofundamento do assunto, pois expressa a relação entre o
rito e as relações sociais. É o que se vê no excerto abaixo:
Além de contribuir para satisfazer e, eventualmente, para criar
as expectativas individuais, o rito apresenta uma forma sensível
e social. É também o reflexo expressivo de relações sociais
constituídas que ele torna visíveis ao colocar em jogo a própria
condição social daqueles que o realizam, uma condição
negociada em um jogo de reconhecimento e oposição mútuas
que supera os limites do tempo e do espaço rituais. Por
conseguinte, a ordem social não se mantém somente pela
coerção, ou pela legitimação das relações de força, mas
também pela imagem que dá de si mesmo através da
representação dos atores, ritualizando sua vida coletiva.
(Rivière, 1996, p.75)
Ao expressar as relações da coletividade na sociedade,
os ritos e cerimoniais perpetuam os jogos de poder,
legitimando sua função histórica na preservação de valores
cultuados em cada período da humanidade.
Para compreender as manifestações dos ritos de
passagens nas formaturas, assim como de outros
cerimoniais, os aspectos históricos apresentados a seguir
auxiliam na compreensão do assunto e esclarecem sobre
alguns procedimentos sociais cultuados ao longo dos
tempos.
Na obra Universidade: Protocolo, Rito e Cerimonial,
Vianna (1998) descreve, como indica o título, protocolos, ritos
e cerimoniais, mostrando a sua pesquisa sobre a procedência
de tais vivências e possibilita por meio dos aspectos
históricos a compreensão e fundamentação sobre o assunto.
O autor (1998) afirma que a origem do cerimonial remonta o
período neolítico/ pedra polida, entre 10.000 e 3600 a.C. A
hierarquia e pré-requisitos próprios de cada posição dos
indivíduos, como regras de comportamento, leis, estatutos e
diretrizes de vida, denotavam a vida comunitária.
O autor (1998) esclarece que, no Egito, surgiram os
primeiros rituais e estes se concentravam nas mãos do faraó,
que agia como deus. Já na tradição greco-romana, os rituais
estavam intimamente ligados às crenças da época. No
funeral, por exemplo, não bastava apenas sepultar o corpo,
mas era necessário seguir ritos tradicionais e pronunciar
fórmulas determinadas, além dos objetos e alimentos para a
vida após a morte.
O autor também cita a igreja católica, com o cerimonial
da Santa Sé. Exemplifica que, quando recebia seus
embaixadores, dispunha de um camareiro secreto e outro
honorário, vestidos de capa e espada, que seguiam com
outros atos de grande pompa.
Cada período apresenta, na sua singularidade, seus
aspectos relevantes, em que o rito representa a vivência
marcante expressa pelas pessoas da época e que servem de
modelo para as demais que virão. Nesse aspecto, Rivière
(1996) coloca seu entendimento sobre o papel dos ritos na
estrutura pessoal e na sociedade quando diz:
É evidente que o rito consiste em uma série de atos. Menos
evidente é que incita a agir de uma determinada forma. E é
ainda menos evidente que tem efeitos inconscientes
estruturadores da personalidade, um papel de negociação e
um poder de modelagem das consciências e de renovação do
elo social. (RIVIÈRE, 1996, p.95)
33
ESPAÇO DIALÓGICO
diz: “O rito é a respiração da sociedade”. Essa afirmação
permite-nos a análise sobre o rito de passagem e nos faz
pensar sobre as necessidades expressas por meio dos ritos,
que a humanidade busca e perpetua, recriando-os
periodicamente por meio de diversas manifestações na
sociedade.
Ainda na continuidade dos estudos, Viana (1998)
destaca que, das grandes festividades medievais às
recepções palacianas requintadas, no Brasil, além dos
cerimoniais dos indígenas, a Coroa Portuguesa contribuiu
com características próprias. Entre essas, podemos destacar
alguns como o Cerimonial Público, que envolve a Presidência
da República, dos Estados e Municípios. Também o
cerimonial privado, que envolve as empresas particulares,
instituições sociais (igrejas, hospitais, escolas, sindicatos),
cerimonial universitários, dentre outros.
Para compreender melhor o processo do rito de
passagem nas formaturas, o diálogo com profissionais da
área de Relações Públicas esclarece que os diversos
encaminhamentos nos cerimoniais são realizados em cada
universidade de acordo com a sua origem histórica e local.
Nesse sentido, nas instituições com vínculo religioso, a missa
ou culto faz parte do cerimonial. Também o mestre de
cerimônia só pode exercer sua função se for graduado. Em
outras universidades, o Reitor faz todo cerimonial. O
chamamento para compor a mesa é hierárquico, da maior
posição para a menor. Na formação da mesa, há ordem
hierárquica, a qual privilegia o Reitor, colocando-o ao centro,
e os demais lugares são ocupados por ordem de importância.
No caso dos formandos, os mesmos são chamados por
ordem alfabética ou por afinidade. Já a preparação da
formatura acontece com uma reunião cinco meses antes,
quando os alunos recebem o manual, que orienta todos os
procedimentos para o cerimonial. Nesse momento,
organiza-se a comissão de formatura, que escolhe os
homenageados e paraninfos. Essa lista vai para o Reitor, que
faz uma carta. Os alunos recebem a carta e encaminham-na
para os homenageados, convidando-os formalmente. No dia
da cerimônia, o Reitor, com toda a autoridade que lhe é
conferida, proclama as palavras que concedem ao formando
o status de honra na colação de grau para o exercício da sua
profissão. Ao colocar simbolicamente o capelo sobre a
cabeça, dizendo: ”Eu confiro-lhe o grau”, declara para a
sociedade que os formandos estão aptos para seguir
caminhos que nenhuma formatura ou cerimonial prescreve.
Portanto, por meio do juramento, descrito no Manual
de Formatura da FEEVALE (2005), “os formandos assumem o
compromisso público de exercer a profissão com dignidade
e fidelidade aos princípios éticos, respeito à pessoa e
contribuindo com o progresso do País”. (Manual de
Formatura, 2005, p. 1)
ESPAÇO DIALÓGICO
34
É importante ressaltar que o cerimonial universitário, de
acordo com os estudos de Viana (1998), tem sua origem no
período medieval, proveniente das aulas de medicina de
Constantino, que ensinavam conhecimentos de nível
superior, de caráter científico e tecnológico. Nesse período,
também a Escola de Direito Canônico (1158) conferia
privilégios especiais aos estudantes. A figura do “Rector
Scholariorum”, inicialmente o Chanceler da Instituição, mais
tarde Reitor, dirige -a com todos os poderes. O
desenvolvimento do ensino superior condicionou a
preservação de valores históricos e tradicionais da cultura, de
onde se apresenta o cerimonial universitário. Nesse aspecto,
Vianna (1998) destaca:
Dessa forma, desde a ordem de precedência, passando pela
indumentária própria e por vários elementos sígnicos, como
todos os demais conjuntos de rituais, estabelecem no cerimonial
universitário a continuidade e de práticas oriundas
principalmente das universidades européias. (VIANA, 1998, p. 40)
O capelo e a palavra do Reitor constituem
simbolicamente o universo de vivências que, ao longo da
história, nos remete para práticas de ritos, que são
constitutivos do humano e de suas simbologias.
Conclusão
A descrição da cerimônia de formatura mescla assuntos
que não envolvem apenas os formandos, mas a todos que de
alguma maneira projetam suas expectativas e alimentam
seus sonhos de aceitação e realização.
Portanto, percebe-se que, por parte dos formandos, a
expectativa pela carreira possibilita a entrada na profissão e
ascensão social. Para os pais, o ritual da formatura representa
o cumprimento de todos os projetos e projeções, realizadas
com advento do nascimento de um filho, investido de toda
herança genética, histórica e emocional.
No âmbito da academia, a projeção e aceitação social,
para os professores, vinculam-se ao cumprimento dos
objetivos educacionais e às perspectivas de sucesso da
universidade, culminando com a possibilidade dos alunos
trilharem suas escolhas com ascensão social.
O conhecimento do cerimonial, nos seus diversos
aspectos administrativos na Universidade, com seu ritual
próprio, permite o entendimento das especificidades de
cada local. A vivência significativa do cerimonial de
formatura resistiu ao tempo e está presente na maioria dos
eventos ainda hoje na sociedade contemporânea. A
pesquisa com dados históricos mostrou que, ao longo dos
tempos, a humanidade evoluiu com ritos e cerimoniais
específicos, denotando suas funções históricas e sociais. Por
isso, as contribuições de Larrosa (2006) refletem claramente a
necessidade de repensar nossa abordagem dessa questão,
quando diz:
A história pedagógica, aquela que nos forma e nos transforma,
não pode ser outra coisa senão a reivindicação da liberdade,
dessa liberdade que as formas por demais convencionais da
história dos historiadores parecem negar-lhe e que a verdadeira
literatura, a verdadeira ficção, deu-se a si mesma, em sua
obcecada resistência a qualquer servidão. E não pode ser,
tampouco, outra coisa senão o método que nos põe em relação
com o impensável, um método que a novela encarna de maneira
exemplar e que a história dos historiadores talvez tenha
esquecido, ocupada como está em transmitir o já pensado. E, por
fim, não pode ser outra coisa senão o permanente
questionamento daquilo que somos, um questionamento que a
história dos historiadores parece tentar reprimir, ocupada como
está em funcionar como memória dos vencedores. (LARROSA,
2006, p. 137)
Para finalizar, cabe o questionamento sobre os
caminhos na perpetuação dos conteúdos históricos com
seus ritos e cerimoniais, descritos na literatura que a
transmite e que não contribui ainda, suficientemente, para o
espaço de transformação social.
Referências
LARROSA, Jorge. Pedagogia profana:
danças, piruetas e mascaradas. Belo
Horizonte: Autêntica, 2006.
LUZ, Márcia. Lições que a vida ensina e a arte
encena. Campinas, SP: Editora Átomo, 2006
Manual de Formatura. Novo Hamburgo:
FEEVALE, 2005.
MOSCOVICI, Fela. A organização por trás do
espelho: reflexos e reflexões. Rio de Janeiro:
José Olympio, 2001.
O CLUBE do Imperador. Produção com direção
de Michael Hoffmann. Estados Unidos,
Universal Pictures, 2002, (108min).
RIVIÈRE, Claude. Os Ritos Profanos. Rio de
Janeiro: Editora Vozes, 1996.
VIANA, Flávio Benedicto. Universidade:
Protocolo, Rito e Cerimonial. São Paulo: Lúmen,
1998.
35
ESPAÇO DIALÓGICO
DAUNIS, Roberto. Jovens: Desenvolvimento e
Identidade – Troca de perspectiva na
psicologia da educação. São Leopoldo:
Sinodal, 2000.
OS CARRAPICHOS DE LOBATO:
PERMANÊNCIA E TRANSCENDÊNCIA DO UNIVERSO DO SÍTIO DO
PICAPAU AMARELO EM TEMPOS DE MODERNIDADE LÍQUIDA
Luciane Maria Wagner Raupp*
Resumo
O universo do Sítio do Picapau Amarelo permanece encantador, contrariando a fluidez dos nossos tempos de “modernidade
líquida”. A transcendência desse universo não se deve apenas à óbvia visibilidade proporcionada pelas sucessivas adaptações
televisivas, mas pelo processo de identificação, do “encarrapichar” dos leitores e telespectadores pelos conteúdos representados
na ficção. Esses conteúdos aludem ao saudosismo rural impregnado na cultura brasileira, à exploração de sentidos e à definição de
valores e de papéis sociais e familiares.
Palavras-chave:
Sítio do Picapau Amarelo. Modernidade líquida. Identificação.
Considerações iniciais
E
m tempos de “modernidade líquida¹”, de
pensamentos fragmentados, de entidades e
identidades estilhaçadas, configura-se como, pelo
menos, curioso o fato de algumas manifestações culturais
transporem o seu tempo, perpetuando-se, embora
modificadas, de geração a geração. É o caso do universo
paralelo criado por Monteiro Lobato no conjunto de suas
obras infantis. Lobato manifestava, em carta enviada a
Godofredo Rangel², a seguinte intenção:
Ando com idéias de entrar por esse caminho: livros para
crianças. De escrever para marmanjos já me enjoei. Bichos sem
graça. Mas para as crianças um livro é todo um mundo. Lembrome de como vivi dentro do Robinson Crusoé do Laemmert.
Ainda acabo fazendo livros onde as nossas crianças possam
morar. Não ler e jogar fora; sim morar, como morei no Robinson
e n'Os filhos do Capitão Grant. (LOBATO, 1959, p. 239)
Monteiro Lobato, apesar de seu espírito visionário,
certamente não imaginaria quantas crianças não só viriam a
morar nas páginas de seus livros, como também – e
principalmente ? o universo por ele criado penetraria nos
lares brasileiros por meio das telas televisivas. Iniciado em
1921, com a publicação de A menina do nariz arrebitado, mais
tarde rebatizada de Reinações de Narizinho, o processo de
criação e recriação desse universo nunca parou. Escapou às
mãos de seu criador, entregando-se a outras formas de
realização que, dialeticamente, complementam-se e
alimentam-se dos originais literários. Além da óbvia recriação
feita por cada leitor, na sua perspectiva singular, o material
imagético do Sítio foi apropriado, incorporado, relido por
outros meios de expressão, instaurando semioses das mais
diversas.
Nessa perspectiva de recriação, há que se sublinhar a
visceral importância que as diversas adaptações televisivas
tiveram na perpetuação do universo do Sítio. Embora as
releituras distanciem, em maior ou menor grau, os conteúdos
representados dos originais literários, a força das
personagens lobatianas faz com que as características
essenciais sobrevivam em qualquer meio de expressão. Como
se comenta, Monteiro Lobato, hoje, é um escritor muito
conhecido, mas pouco lido. Esse “dar-se a conhecer”, ou seja, a
sua visibilidade, deve muito ao meio de comunicação de
massa que se tornou a televisão a partir da década de 1970 no
Brasil.
Neste artigo, procurar-se-á lançar luz sobre os motivos
da permanência do interesse sobre o Sítio e seus
personagens, baseando-se em hipóteses complementares
que transcendem a obviedade da visibilidade televisiva. Essas
h i p ó te s e s d i ze m re s p e i to à re p re s e n t a t i v i d a d e
“encarrapichada” do espaço e dos personagens, que “pega” o
leitor ou o telespectador não apenas por todos os sentidos
objetivos mas também pelos sonhos para os quais os
transporta.
1 O processo de “encarrapichamento”
Monteiro Lobato, também em carta enviada ao seu
amigo Rangel, reflete sobre o ato de criação literária:
ESPAÇO DIALÓGICO
36
* Titulação: Licenciada em Letras, especialista em Linguística do Texto e Mestre em Ciências
da Comunicação/Semiótica.
Área de atuação: Professora de Língua Portuguesa e Literatura na Unidade Fundação
Evangélica. Professora do curso de Letras das Faculdades Integradas de Taquara – Faccat.
NOTA
¹ Faz-se referência à obra de Bauman (2001).
² Trata-se das cartas de Monteiro Lobato a seu amigo Godofredo Rangel publicadas na obra A barca de Gleyre.
Com que palavras e conteúdos Lobato deu suas
“pinceladas carrapicho”? Como engata seus leitores em suas
obras? De certa forma, Lobato diz, de uma maneira simples, o
que mais tarde teorizou Iser (1996) acerca do ato de leitura.
Para o teórico, as palavras são índices que ativam a memória.
Assim, “busca-se relacionar o não-idêntico ao familiar e
compreensível” (p.53, vol.1). A estratégia de Lobato de
“enganchar as reminiscências do leitor” encontra eco,
portanto, na teoria de Iser na medida em que ambas
sublinham a importância das experiências prévias do leitor,
em um processo de identificação. Essa importância é
salientada nas palavras do teórico:
Não há dúvida de que o texto inicia sua própria transferência,
mas esta só será bem sucedida se o texto conseguir ativar
certas disposições da consciência ? a capacidade de
apreensão e de processamento. Referindo-se a normas e
valores, como por exemplo o comportamento social de seus
possíveis leitores, o texto estimula os atos que originam sua
compreensão. (op. cit., p. 9, v.2)
Como aponta Iser no excerto, um texto só será bem
sucedido se conseguir estimular a sua própria compreensão,
“encarrapichando-se” nos sistemas de normas e valores
interiorizados na consciência de seus possíveis leitores.
Entendendo-se “o processo de leitura como interação
dinâmica entre texto e leitor” (idem, p. 10), sabe-se que só se
obtém prazer dessa experiência “[...]no momento em que
nossa produtividade entra em jogo, ou seja, quando os textos
nos oferecem a possibilidade de exercer as nossas
capacidades” (ibidem, p.10). Trata-se, assim, de deixar
margem à interpretação do leitor. O autor não pode ter a
pretensão de dizer tudo, mas “sugerir”. Monteiro Lobato
parece intuir isso. Nas palavras do autor:
Isto mostra como a extrema sobriedade, quando hábil,
desentranha maravilhas na imaginação do leitor – e o tolo as vai
atribuindo ao romancista esperto. Em suma, o caso é de
esperteza, como nas fábulas do jaboti. Fazer que o leitor puxe o
carro sem perceber. Sugerir. Arte é isso só. [...]( LOBATO, 1959,
p.14)
Percebe-se, assim, a necessidade da sugestão, de ativar
os conhecimentos prévios do leitor, tomando por base a idéia
de que o texto ficcional, de acordo com o que teoriza Iser,
existe como produto de efeitos estimulados no leitor. Não é
possível dizer, por isso, que se “decifra o sentido” de uma obra
literária: levantam-se sentidos possíveis. Esse potencial de
sentido, por sua vez, nunca será plenamente elucidado. Isso
torna a análise literária a arte do “enquanto”.
Essa perspectiva de compreensão do texto ficcional a
partir das reminiscências e das individualidades dos leitores
poderia apontar para um certo caos interpretativo. Não se
NOTA
trata disso. De acordo com Iser (1996, p. 54, vol.1):
Ainda que sejam individuais em cada caso, as nuances de
sentido constituído, o próprio ato de constituição tem
características assinaláveis em que se baseiam as realizações
individuais do texto; por conseguinte, elas são de natureza
intersubjetiva.
Essa dimensão intersubjetiva do ato de leitura leva a
algumas considerações acerca da permanência e da
transcendência dos “carrapichos” das obras infantis de
Lobato. Quais seriam os conteúdos representados por Lobato
tão preciosos ao público literário e televisivo que perpetuam
a sua obra? Certamente, a resposta passa pela questão de
valores e de traços que permitem a identificação do leitor.
2 O lugar de resistência como hipótese
Em tempos de “modernidade líquida”, vivendo em uma
sociedade “que tornou incertas e transitórias as identidades
sociais, culturais e sexuais” (BAUMAN, 2005, p. 12), encontrar
uma representação, ainda que ficcional, de valores préestabelecidos firmemente, como é o caso do universo do
Sítio, é reconfortante. Representa o que Bauman (2005)
chama de “abrigo em comunidade”. Quando o Sítio estimula o
processo de identificação, usando múltiplos recursos de
evocação de conteúdos intersubjetivos, instaura a noção de
“pertencimento”, de uma certa estabilidade.
No entanto, o Sítio, já nos originais literários, antecipa a
fluidez e a porosidade dos tempos globalizados. Visionário,
Lobato incorporou personagens de contos de fadas, da
literatura européia e da indústria cinematográfica norteamericana ao universo rural paulistano do início do século XX
representado nas suas obras infantis, em uma espécie de
globalização precoce. Procedimento semelhante foi usado
nas adaptações televisivas, tanto na de 1978 como na dos
anos 2000. Essa porosidade do Sítio aos elementos externos,
tornando extremamente elásticas as suas fronteiras, antecipa,
nos originais literários, as tendências globalizantes. Nas
versões televisivas, vai ao encontro das tendências do
momento. Talvez aí resida um dos segredos da permanência e
da transcendência do sítio: a elasticidade, a fluidez. Afinal, de
acordo com Bauman (2005, p.33), “No admirável mundo novo
das oportunidades fugazes e das seguranças frágeis, as
identidades ao estilo antigo, rígidas e inegociáveis,
simplesmente não funcionam”. É o que o Sítio (televisivo e
literário) faz: representa traços da identidade rural – tão
saudosa e cara aos brasileiros -, ancorando-as em
características não-conflitantes da modernidade de sua
época de enunciação.
A ambivalência do Sítio pode ser explicada pelas
palavras de Bauman: “É quando descobrimos a ambivalência
da identidade: a nostalgia do passado conjugada à total
concordância com a 'modernidade líquida'” (idem, p. 13). A
nostalgia do passado de que nos fala o teórico, no caso do
Sítio, refere-se à representação do rural como ambiente
idílico, impregnado de saudosismo³.
³ Esse saudosismo em relação ao ambiente rural é um fenômeno que se pode observar no panorama
literário brasileiro a partir da década de 1930, época em que o país começava a urbanizar-se. Assim, o
rural ficou no remotismo idealizado, como lugar ideal, livre dos problemas e dos males das grandes
cidades.
37
ESPAÇO DIALÓGICO
(...) o certo é apenas sugerir – é dar um rápido relevo de
estereoscópio com meia dúzia de pinceladas rápidas e
manhosas. Pinceladas carrapicho, nas quais se enganchem as
reminiscências do leitor. Forçamo-lo a colaborar conosco – ele
vê mil coisas que não dissemos, mas que com os nossos
carrapichos soubemos acordar dentro dele. (LOBATO, 1959, p.
13-14)
É como se o Sítio fosse um “lugar de resistência” dos
valores, dos sonhos, dos papéis sociais e familiares bem
delineados. Esse espaço de definições é, hoje, o “carrapicho”
mais eficiente do universo lobatiano.
o leitor. Isso ocorre devido à potencialidade de sentidos
nostálgicos imbuídas nesses detalhes. Há sempre uma
memória afetiva a ser despertada por esses objetos ? algo
como “minha avó tinha”, aludindo a um tempo de certezas e,
por isso, de felicidades.
4 Alguns carrapichos
Tanto nas obras literárias quanto nas versões televisivas,
o Sítio é um espaço reconfortante. Ninguém trabalha, mas a
fartura é constantemente ressaltada, apelando para outros
sentidos além do visual e auditivo. É o caso da seguinte
passagem de Memórias de Emília nas palavras das
personagens Alice e Narizinho:
- Que coisa gostosa – murmurou Alice – chupar laranja-lima ao
lado de uma anjinho do céu que conta as coisas de lá! Estou
mudando de opinião. Emília. Estou achando que esse sítio de
Dona Benta é ainda mais gostoso que o nosso Kensington
Garden lá de Londres...
- E é mesmo – observou Narizinho. – Não há lugar no mundo
que valha o sítio da vovó. Quem o vê pela primeira vez, com
estas árvores velhas, todo espandorgado, não dá nada por ele.
Mas depois que o conhece não troca nem pela Califórnia, que é
um paraíso. O sítio da vovó é gostoso como um chinelo velho.”
(LOBATO, 2007, p. 38)
Ao aludir ao “chinelo velho”, o texto remete a sensações
táteis de conforto e calor. Essa comparação, jogando ainda
com o adjetivo “gostoso” reitera, por meio da exploração dos
sentidos, a representação do Sítio como lugar de segurança,
de conforto, em oposição ao desconhecido, ao estrangeiro:
“ainda mais gostoso que o nosso Kensington Garden”. A
característica de sítio “espandorgado” é, em parte, ressaltada
na versão televisiva de 1978 4. Essa imagem, no entanto, não
encontra eco na versão dos anos 2000, que atualiza o cenário,
dando-lhe contornos paisagísticos modernos. Esse
procedimento se estende, em parte, ao mobiliário,
especialmente da cozinha, onde panelas de barro convivem
com geladeiras duplex e forno de microondas 5 ,
representando a já aludida ambivalência do Sítio. Os
elementos antigos no cenário encarrapicham o telespectador
assim como as descrições equivalentes também o fazem com
Em relação às certezas estabelecidas pelo Sítio, o
comportamento previsível das suas personagens, devido às
suas características bem delineadas, também é um elemento
de conforto “encarrapichador”. Mesmo a boneca Emília, a
personagem mais complexa, é previsível: sabe-se que ela irá
discordar, inventar, responder, rebelar-se. Como ela fará isso é
o elemento criativo. Assim, há papéis pré-fixados: o menino
corajoso, a menina inteligente, o sábio, a avó bondosa e
permissiva, a cozinheira habilidosa e afável, a rebelde
buscando uma causa. Em uma época de colapso de
identidades, essas definições, em seu conforto, prendem o
leitor ou telespectador, cujo “mundo a sua volta está partido
em fragmentos mal coordenados, enquanto suas existências
individuais são fatiadas numa sucessão de episódios
fragilmente conectados” (BAUMAN, 2005, P. 18). O Sítio, então,
mostra-se como lugar de plenitude, onde se pode estar por
inteiro, sem assumir diferentes papéis simultaneamente.
Considerações finais
Poder-se-ia apontar inúmeros outros fatores de
“encarrapichamento” nas versões televisivas e literária do
Sítio, extrapolando-se os limites deste artigo. Há que se
salientar, no entanto, que esses fatores direcionam-se para
um fator em comum: o estabelecimento de um lugar de
conforto, de um porto seguro na tempestade dos mares da
modernidade líquida. Se o mundo liquefeito configura-se
adverso, inóspito, um espaço atópico, o universo paralelo do
Sítio representa o utópico, o sonho de uma vida feliz, próspera
e farta não só nos aspectos materiais mas principalmente no
que tange às aspirações emocionais mais profundamente
humanas. Mais uma vez, por trás de uma obra infantil,
observa-se o conflito dos adultos.
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
ISER, Wolfgang. O ato de leitura. v.1 e 2. São
Paulo: Editora 34, 1996.
ESPAÇO DIALÓGICO
38
LOBATO, Monteiro. A barca de Gleyre.
Quarenta anos de correspondência literária
entre Monteiro Lobato e Godofredo Rangel. 9.
NOTAS
ed. São Paulo: Brasiliense, 1959. tomo 2
LOBATO, Monteiro. Memórias de Emília. São
Paulo: Globo, 2007
TV GLOBO. Memórias de Emília. Coleção
Monteiro Lobato. Rio de Janeiro: Som Livre,
2004. DVD.
TV GLOBO. Memórias de Emília. Versão exibida
em 1978. Rio de Janeiro: Som Livre, 2008. DVD.
4
Na versão de 1978, como se pode ver na versão em DVD comercializada pela Som Livre, na abertura do programa, mostrase a casa-sede com pintura desgastada e com uma tábua faltando na cumeeira. Não há projeto paisagístico, mesclando-se
as mais diversas árvores e arbustos.
5
O forno de microondas aparece como um elemento perturbador na narrativa, representando o conflito entre o
tradicional e o moderno. Tal capítulo merece uma análise pormenorizada, fugindo dos limites deste artigo.
A IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO NA
CONSTRUÇÃO DE COMPETÊNCIAS
Maria Celina Melchior*
Resumo
No desenvolvimento de competências, não basta trabalhar para que haja aprendizagem dos saberes, porque ser
competente envolve, além dos saberes, a capacidade de mobilizá-los frente a uma nova situação problema. A postura adequada
do professor em relação à ação avaliativa contribui significativamente para a construção de competências, quando ele faz
avaliação formativa, com a orientação em relação à retomada dos aspectos não aprendidos; quando faz uma avaliação integral,
considerando todos os aspectos do desenvolvimento humano; quando trabalha a autoavaliação e o estímulo ao
desenvolvimento da autonomia na busca da autoqualificação.
Palavras-chave:
Avaliação. Competência. Saberes. Autoavaliação.
Especialmente nos cursos técnicos e tecnológicos,
ouvimos com naturalidade as expressões: “avaliar
competências” ou “avaliar por competência”. Mas sabemos
que, no desenvolvimento da ação, a tranquilidade não é a
mesma, muitos ficam ansiosos e inseguros. Para discutir essas
expressões, é preciso, antes de tudo, pensar no significado
tanto da ação avaliativa como na de competência. O que
significa avaliar? Para que serve a avaliação? Avalia-se
competência ou por competência?
Em uma sequência de pesquisas realizadas com alguns
grupos de docentes, as conclusões foram semelhantes,
alterando-se apenas os índices. Os professores, em geral, não
têm clareza sobre os conceitos básicos relacionados à
avaliação, quanto aos seus objetivos e ao papel dos seus
instrumentos.
Um erro comum é reduzir a ação avaliativa à aplicação
de um instrumento. Ao aplicar uma prova, por exemplo, o
professor diz: “vou fazer uma avaliação”. Faz uma ficha de
exercícios, recolhe e diz “avaliei”. Na realidade, ele obteve
resultados que vão fazer parte da avaliação, porque avaliar,
em educação, é uma ação muito mais complexa e ampla.
O presente artigo refere-se à discussão sobre o significado do
conceito de avaliar e do entendimento da avaliação quando o
objetivo é desenvolver competências. Faz referência à
avaliação dos diferentes saberes, com ênfase na avaliação
formativa e na autoavaliação como condição para
desenvolver a autonomia na autoqualificação e a
conseqüente construção de competência.
1 Significado atribuído à ação avaliativa
Avaliação escolar, em geral, é um assunto polêmico, mas
essencial para garantir a aprendizagem dos diferentes
conteúdos e a transferência dos mesmos e possibilitar a
construção de competências pelo aluno.
Considerando o conceito de Luckesi (in: MELCHIOR, p.
36, 2002) “avaliar é julgar dados relevantes, recolhidos
durante os processos de ensino e de aprendizagem, para
tomar uma decisão”, pode-se dividir o conceito em três
etapas. Primeiro é preciso recolher os dados ou fazer as
observações, propor as atividades que serão avaliadas.
Em segundo lugar, conhecendo os diferentes
resultados, deve-se tentar compreender seus significados,
através da interpretação e análise de todas as informações.
Com base nas conclusões retiradas dessa ação, pode-se julgar
ou avaliar os diferentes desempenhos conforme os critérios
estabelecidos, frente aos objetivos que se propõem alcançar.
Esse julgamento implica valores em consideração à
individualidade do aluno, suas condições, sua postura em
relação à disciplina e aos trabalhos que desenvolve para,
assim, ver o aluno como um todo, de forma integral. Também
é necessário levar em conta os objetivos que estão sendo
avaliados, seu significado e representatividade em relação ao
esperado, enfim, qualificar os dados.
39
*Titulação: Mestre em Educação, Especialista em Métodos e Técnicas de
Ensino e Pedagoga. Atualmente é avaliadora do INEP/MEC e docente no
Ensino Superior na IENH. Pesquisa sobre avaliação escolar. Publicou quatro
livros sobre o assunto, e em 2004 ampliou o campo de estudos e lançou o
livroAvaliação Institucional da Escola Básica, além de vários artigos em
revistas educacionais.
ESPAÇO DIALÓGICO
Considerações iniciais
Portanto, avaliar é muito mais abrangente do que a
simples atribuição de uma nota. Quando os professores
dizem: “nós avaliamos com notas” ou “nós avaliamos com
conceitos”, confirmam os dados da pesquisa de que a
avaliação fica restrita aos resultados dos instrumentos, que
representam medidas, ou seja, apenas o aspecto quantitativo
da avaliação. Toda a avaliação envolve o quantitativo, mas não
pode restringir-se a isso: precisa ser qualificada através da
análise avaliativa referida no parágrafo anterior.
O último aspecto do conceito está relacionado ao porquê
avaliar. O resultado do julgamento vai orientar as decisões na
sequência do processo. Quando o professor avalia para
apresentar um resultado, no momento em que ele expressa e
registra esse resultado, está cumprida sua função. Mas, se ele
avalia para acompanhar o desenvolvimento do aluno, para
identificar o que já foi alcançado ou o que está faltando para
cada um dos alunos e utiliza os resultados para retomar seu
planejamento e para encaminhar formas de rever o que está
faltando, ele está avaliando com a finalidade de qualificar as
ações e de melhorar a aprendizagem. Esse é o primeiro
aspecto da importância da avaliação na construção de
competências, porque vai fazer o aluno refletir sobre sua ação
e rever o que não foi aprendido.
2 Avaliar competências ou por competência?
Quando o assunto é competência, existem
controvérsias maiores ainda. Os professores, especialmente
os das escolas técnicas, são orientados a avaliar competências
ou avaliar por competência. Qual o entendimento que eles
têm sobre isso? Como se avalia competência ou por
competência? Será que por competência tem o mesmo
significado que avaliar por nota? Parece que sim, porque
alguns professores dizem “prefiro avaliar por nota e não por
competência”.
Depresbiteris (2009) fez uma longa análise sobre os
conceitos de competência na ótica de diferentes autores,
desde a evolução histórica do uso desse termo. Faz referência
a Perrenoud (2002), que diz que a competência envolve uma
orquestração de diversos recursos cognitivos e afetivos para
enfrentar um conjunto de situações complexas. Boterf (2003)
tira a ênfase dos recursos (saberes, saber-fazer ou saber-ser) a
serem mobilizados e enfatiza a sua mobilização. Dolz (2004)
caracteriza a ação de mobilizar como um conjunto de
operações mentais que transformam os conhecimentos, em
vez de deslocá-los.
ESPAÇO DIALÓGICO
40
Partindo do entendimento dos autores citados, as
competências envolvem os diferentes saberes, mas seu uso
não depende só do domínio deles: exige a mobilização de
vários deles numa situação adversa. Assim, configura-se
como uma “visão de conjunto necessária para julgar, discernir,
intervir, resolver problemas, propor soluções a problemas
concretos que surgem cotidianamente” (HIRATA, 1994: 130).
Isso implica o uso de metodologias diferenciadas e uma
postura adequada tanto em relação ao ensino como na
avaliação, com um trabalho muito mais abrangente.
Depresbiteris (2009) diz que tem receio da ilusão sobre
avaliar competências na escola. A defesa da idéia de que se
podem avaliar os recursos que as mobilizarão, mas não as
competências, já vinha sendo feita por outros autores desde
2003 (MELCHIOR, 2008).
Como a competência envolve, além dos saberes, as
capacidades de fazer a integração entre eles, a avaliação deve
ser formativa. Nesse caso, o professor preocupa-se em
verificar se houve a assimilação de fatos e a construção de
conceitos, pois precisa compreender e ter a capacidade de
relacionar o assunto com uma rede de outros conceitos, assim
como verificar se o aluno aprendeu a utilizar os saberes na
prática. O questionamento quanto à avaliação de
competências está relacionado, em primeiro lugar, à
avaliação dos procedimentos, que nem sempre são possíveis
de ser comprovados.
Mesmo que esses aspectos estejam de acordo com o
esperado, ainda é necessário que o indivíduo tenha uma
atitude adequada ao aprendido. Isso nos leva ao segundo e
mais importante ponto que envolve as dificuldades de avaliar
competência: as atitudes. Em qualquer profissão, observamse profissionais que fizeram o mesmo curso, com os mesmos
professores, e, na atuação profissional, alguns se tornam
excelentes e outros nem sempre. Por quê? Quais as causas
dessa diferença? Poder-se-ia dizer que são as condições
familiares, as oportunidades, etc.
Acredita-se que o diferencial básico está nas atitudes, na
postura e no investimento que cada um faz na sua
qualificação, tanto durante o período de formação como,
depois, na ação profissional. Isso implica a necessidade da
avaliação ser formativa, que é a modalidade voltada para a
orientação, a cada aluno, no sentido de desenvolver,
sistematicamente, a autoavaliação e o autocontrole de suas
ações, com o objetivo de desenvolver a autonomia em
relação à sua autoqualificação e vir a tornar-se competente
como profissional.
3 Avaliação dos saberes
No processo de construção de competências, é
necessária a avaliação de todos os saberes. Fatos e conceitos
são o que tradicionalmente se entendeu como conteúdo do
ensino e o que foi – e continua sendo – objeto da maior parte
das avaliações realizadas nas salas de aula. Tanto o
conhecimento científico como as informações da vida diária
consistem em fatos. Precisa-se de uma base de fatos para
poder entender-se sobre determinado assunto. A
aprendizagem deles implica lembrá-los ou reconhecê-los de
modo literal.
No entanto, para a aprendizagem significativa, não
basta conhecer uma série de dados. Esses precisam ser
interpretados em função dos próprios marcos conceituais.
Então, uma pessoa constrói um conceito quando é capaz de
dotar de significado a informação, ou seja, quando
compreende esse material e é capaz de traduzir, com suas
3.1 Avaliação de fatos
Na avaliação de fatos, são usadas questões objetivas,
pois as respostas são prontas, necessitando serem transcritas,
assinaladas ou relacionadas. Ao elaborar esse tipo de
questões, deve-se ter o cuidado de selecionar apenas
conteúdos significativos que fazem parte de aprendizagens
indispensáveis ao desenvolvimento do indivíduo. Esse tipo
de questão exige que o aprendiz lembre o fato no momento
adequado, o que, muitas vezes, torna-se difícil. De acordo
com Baddeley (apud COLL, 1998), as estratégias a seguir
relacionadas facilitam a recuperação de um fato: apresentar,
na questão, uma situação ou um contexto similar ao
aprendido; solicitar o reconhecimento do fato, com a
apresentação de várias alternativas para selecionar uma
correta.
3.2 Avaliação de conceitos
Nesse caso, é preciso verificar se o avaliando os construiu
e não está, apenas, repetindo o que memorizou. Isso exige
uma forma diferente e mais complexa de avaliar. Coll (1998)
apresenta algumas sugestões para facilitar esse tipo de
avaliação: solicitar o significado do conceito e valorizar mais o
uso que o aluno faz de suas próprias palavras do que a
repetição do aprendido; reconhecer uma definição que
possibilita avaliar a compreensão; fazer exposição temática,
através da construção de um texto e da comparação entre
dois ou mais conceitos; identificar categorias e exemplos,
verificando se a lista de exemplos selecionados foi feita a
partir da compreensão do conceito e solucionar problemas,
utilizando os conceitos aprendidos.
De acordo com o autor citado, este último é o tipo de
situação mais indicado para a avaliação de conceitos, já que
possibilita fazer a integração de diferentes conceitos. Será
mais adequada ainda se o professor questionar sobre o
porquê das ações do aluno. Se ele deixa para corrigir depois
que a tarefa está concluída, em geral, não há condições de
verificar se houve a construção de um conceito ou a
memorização dos fatos.
3.3 Avaliação de procedimentos
A avaliação dos procedimentos necessita da presença
do professor enquanto a ação é executada. Na aplicação do
procedimento, há situações particulares, pois o avaliador vai
verificar se o avaliando tem o domínio suficiente do saber e se
usa e aplica essa informação de forma correta para resolver
um determinado problema. Um último aspecto a considerar
está relacionado à automação de procedimentos. É
importante que o professor acompanhe cada etapa das ações
para verificar a organização, a sequência e a forma adotada
para a execução da tarefa, se todas foram aprendidas, ou, em
caso negativo, localizar onde está a dificuldade para poder
organizar novas estratégias de aprendizagem.
3.4 Avaliação de atitudes
A principal técnica usada na avaliação das atitudes é a
observação, que vai limitar-se aos indicadores que
evidenciam a atitude adequada. Por exemplo, a pontualidade
só pode ser avaliada através da atitude do indivíduo em ser
pontual ou não.
As atitudes fazem parte dos conteúdos de todas as
disciplinas. Dessa maneira, também são avaliadas de forma
conjunta com os outros tipos de conteúdo. Essa é uma ação
bem mais complexa do que avaliar os outros saberes, porque
a atitude do indivíduo, em um determinado momento, não
representa que haja uma internalização e que ela será
repetida em outros momentos.
Ao observar com a finalidade de avaliar, o professor
necessita deter-se nos três componentes de uma atitude:
cognitivo, afetivo e a tendência à ação, que representam
significados importantes na vida de uma pessoa, tais como
pensar, sentir e atuar. As linguagens e as ações das pessoas
são as ferramentas mais eficazes na avaliação das atitudes,
porque os indicadores não verbais, como gestos faciais e
corporais, silêncios e olhares, representam uma série de
limitações, principalmente se o avaliador não é preparado
para desenvolver esse tipo de avaliação e se conhece pouco o
avaliando.
Considerações finais
Ao finalizar este texto, é importante que se considerem
alguns aspectos que tornam a avaliação um importante
instrumento na construção de competência. No
planejamento das ações avaliativas, é importante uma
reflexão sobre seus objetivos e sobre a importância deles para
a construção de outros conhecimentos. Assim, o grau de
exigência do professor, na avaliação de qualquer dos saberes,
vai depender da importância desse conhecimento e do uso
que o aprendiz fará deles.
Na análise global das informações sobre os alunos, não
podem ser considerados apenas os aspectos quantitativos,
mas, principalmente, os qualitativos, especialmente, quando
se pretende desenvolver competências. Coll (1998) considera
necessário que o avaliador tenha bem claro que um único
dado sobre o desempenho do aluno não pode ser visto
isoladamente, mas todos eles de uma forma interrelacionada. As avaliações dos diferentes tipos de
conhecimento são simultâneas e complementares.
41
Para avaliar o aluno operando uma máquina, por
exemplo, é necessário verificar se ele conhece os
procedimentos, a sequência e a razão de agir de tal forma e
em tal sequência. Por outro lado, não basta evidenciar
conhecimento compreensivo sobre esses fatos e conceitos, é
necessário demonstrar que sabe utilizá-los de forma e em
ESPAÇO DIALÓGICO
próprias palavras, o aprendido. O entendimento da diferença
entre a aprendizagem de fatos, ou memorização, e a
aprendizagem de conceitos, ou significativa, é muito
importante quando se pensa em avaliar esses saberes.
tempo adequados. Também é preciso verificar se ele tem
uma atitude adequada em relação ao cumprimento das
normas, no cuidado com a máquina, com sua saúde e
respeito para com os colegas no desenvolvimento da ação.
A postura do professor em relação à avaliação tem que
estar voltada para a orientação a cada aluno, no sentido de
não esperar que ele esteja ou se considere pronto ou
competente para o exercício profissional. Mas que
desenvolva a autonomia em relação à sua qualificação, para
se modificar, melhorar sua maneira de pensar, suas estruturas
cognitivas, suas atitudes, de forma contínua. Pois a
competência se constrói no exercício da mobilização dos
recursos cognitivos e práticos, acrescidos de atitudes
adequadas aos saberes necessários em cada situação.
Referências
ESPAÇO DIALÓGICO
42
COLL, C. Os conteúdos na reforma: ensino e
aprendizagem de conceitos, procedimentos e
atitudes. Porto Alegre: Artmed, 1998.
MELCHIOR, M.C. Da avaliação dos saberes à
construção de competências. 2. ed. Porto
Alegre: Premier, 2008
DEPRESBITERIS, Lea. file:///C|/Educação
Profissional/Textos/boltec312a.htm (14 of
15)14/1/2009.
MELCHIOR, M.C. Avaliação Pedagógica: função
e necessidade. 3ª. ed. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 2002.
HIRATA, H. Da polarização das qualificações
ao modelo da competência. In. FERRETTI et al
(org). Novas tecnologias, trabalho e educação:
um debate multidisciplinar. 7. ed. Petrópolis:
Vozes, 1994.
INSTRUÇÕES AOS/ÀS AUTORES/AS
A Revista Espaço Dialógico é uma publicação da
Instituição Evangélica de Novo Hamburgo - IENH.
Os artigos deverão ser redigidos em português, em 3ª pessoa. Um
artigo é um texto que relata uma pesquisa científica feita com uma amostra
de dados e/ ou com uma revisão bibliográfica. Tem, geralmente, as seguintes
partes:
* Elementos pré-textuais: título, autoria e titulação, resumo
(apresentação concisa de todos os pontos relevantes do trabalho: problema
de pesquisa + pressuposto teórico + corpus de estudo e método + descrição
+ resultados. O espaço destinado ao resumo corresponde a um texto de 50 a
150 palavras) e palavras-chave;
* Elementos textuais: introdução (questão de pesquisa, caracterização
de um problema e justificativa; síntese do que será feito e do foco que será
dado ao longo do texto); referencial teórico (revisão da literatura, o que já se
escreveu sobre o tema e o que será utilizado/ levado em conta no artigo);
corpus de estudo e método (se houver); observação/ descrição do que foi
encontrado (se houver materiais e métodos); discussão e reflexão dos
resultados (reflexão acerca do que se viu a partir da descrição do corpus:
pondere, critique, sintetize, aponte prós e contras, faça implicações/ relações
com o objetivo e a questão de pesquisa); conclusões (considerações finais
com respostas para as questões colocadas na introdução) e referências que
foram citadas.
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Exemplos de referências:
ARTIGOS DE PERIÓDICOS
COMO surgiu o Origami? Mundo Estranho,
São Paulo, v. 1, n. 9, p. 26-27, nov. 2002.
GOULART, Tânia. O grande Rillo. Jornal NH,
Novo Hamburgo, n. 9261, 5 ago. 2004. ABC do
Gaúcho, p. 39.
ARTIGOS DE PUBLICAÇÕES RELATIVAS A
EVENTOS
No todo:
SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO INFANTIL DO VALE
DOS SINOS E CAÍ, 20., 2002, Novo Hamburgo.
Anais... Novo Hamburgo: IENH, 2003.
Artigos dentro de anais:
MEDEIROS, Paulo Fernando. A Dislexia
infantil: práticas de aprendizado. In:
SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO INFANTIL DO VALE
DOS SINOS E CAÍ, 20., 2002, Novo Hamburgo.
Anais... Novo Hamburgo: IENH, 2003. p. 35-39.
LIVROS
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 6. ed. Rio de
Janeiro: J. Olympio, 1987.
CAPÍTULOS DE LIVROS
Caso seja uma obra com vários autores:
MARTINS, Altair. Primeira experiência. In:
KIEFER, Charles (Org.). O livro dos homens.
Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2000. p. 29-44.
Caso seja um capítulo na obra de um único
autor:
RAMOS, Graciliano. Da saída do sertão. In:
______. Vidas secas. 6. ed. Rio de Janeiro: J.
Olympio, 1987. cap. 5.
DISSERTAÇÕES E TESES
GEVEHR, Daniel Luciano. Fanáticos,
violentos e ferozes liderados por Jacobina
endiabrada: as representações anti-muckers
em "O Ferrabraz" (1949-1960). São Leopoldo,
2003. aprox. 200p. Apresentada como
dissertação de mestrado, Universidade do
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<http:ufrgs.br/jornal/maio2004/index.htm>.
Acesso em: 6 ago. 2004.
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Ensino Fundamental 8 anos (4ª e 5ª série)
e Ensino Fundamental 9 anos (1ª, 2ª, 3ª e 4ª série)
Espaço Brincar e Criar (Níveis 2 ao 5 - manhã)
UNIDADE DE ENSINO OSWALDO CRUZ
Educação Infantil (Níveis 2 ao 5),
Ensino Fundamental 8 anos (4ª e 5ª série)
e Ensino Fundamental 9 anos (1ª, 2ª, 3ª e 4ª série)
CURRÍCULO BILÍNGUE - português/ inglês
CURRÍCULO DE TEMPO INTEGRAL e CURRÍCULO BILÍNGUE português/ inglês
(1ª a 5ª série)
CENTRO DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL - CEP
Nível Técnico: Administração, Marketing
(51) 3594 8040 - [email protected]
(51) 3594 8050 - [email protected]
UNIDADE DE ENSINO FUNDAÇÃO EVANGÉLICA
Ensino Fundamental (6ª a 8ª/ 9ª série) e Ensino Médio
IENH IDIOMAS
Inglês, Alemão e Espanhol
[email protected]
CENTRO DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL - CEP
Curso Normal - Formação de Professores (noturno)
Nível Técnico: Administração, Comércio Exterior,
Informática, Logística, Marketing
(51) 3594 3022 - [email protected]
UNIDADE DE ENSINO IGREJINHA
CENTRO DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL - CEP
Nível Técnico: Design de Móveis, Informática
(51) 3545 6967 - [email protected]
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FACULDADE IENH
Bacharelado em Administração
Tecnologia em Redes de Computadores
Ciências Biológicas - Licenciatura
[email protected]