Revista Espaço nº 29

Transcrição

Revista Espaço nº 29
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Especial
Instituto Nacional de Educação de Surdos
INES
Realização
A educação de surdos no Rio Grande do Sul
Debate:
A avaliação neuropsicopedagógica
de crianças surdas
Espaço Aberto:
Abigail de Andrade
Sharpening the Knife, 1887
Óleo sobre tela
44,5 x 38 cm
JAN/JUN/2008
Nº 29
DOSSIÊ:
ETNOGRAFIA E
EDUCAÇÃO
DO INES
CIENTÍFICO
TÉCNICO
INFORMATIVO
ISSN 0103-7668
SUMÁRIO
INES
ESPAÇO
Jan-Jun/08
EDITORIAL / EDITORIAL
03
ESPAÇO ABERTO / OPEN SPACE
A avaliação neuropsicopedagógica
de crianças surdas: o estudo dos
processos corticais simultâneos de
sucessivos, visuo-motores e verbais
através de testes neuropsicológicos
A escola na fronteira intercultural:
práticas pedagógicas e o campo da
didática
The school in the intercultural border: pedagogical practices and the
field of didactics
05
Kelly Russo
REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA /
Neuropsychopedagogic evaluation of deaf children: a study of
REFLECTIONS ON THE PRACTICE
simultaneous visual, motor and verbal skills of the cortical brain
Piadas surdas como uma prática de
resistência
functions by using neuropsychological tests
Carla Verônica Machado Marques
Maria Clara Maciel de Araújo Ribeiro
21
The deaf person inclusion: the art and the myths as a mediating
VISITANDO O ACERVO DO INES /
ATUALIDADES EM EDUCAÇÃO /
NEWS ON EDUCATION
32
VISITING INES COLLECTION
Atuação da primeira mulher surda
como repetidora no período de
1864/1868
The first woman working as a repetitor –1864/1868
Solange Maria da Rocha
About ethnography and education: perspectives and dilemmas
Tania Dauster
42
Self discovery: reading and writing practices of university students in
the information society
CIP - Brasil. Catalogação na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
Tania Dauster
Anderson Tibau
Lucelena Ferreira
O texto etnográfico em questão
The ethnographic text in question
Pedro Benjamim Garcia
80
Graça Maria Silva
Maura Corcini Lopes
Betina S. Guedes
A descoberta de si: práticas de leitura
e escrita de universitárias na sociedade
da informação
Inclusão da pessoa surda: a arte e os
mitos como possibilidade mediadora
possibility
Deaf Education in Rio Grande do Sul: delineating the first analyses
Sobre etnografia e educação: quais as
perspectivas e dilemas?
71
Deaf jokes as a resistance practice
DEBATE / DEBATE
A educação dos surdos no Rio Grande
do Sul: delineando as primeiras
análises
61
55
Espaço: Informativo técnico-científico do INES.
nº 29 (jan/jun)
Rio de Janeiro
INES, 2008
v. Semestral
ISSN 0103/7668
1. Surdos - Educação - Periódicos. I. Instituto Nacional de
Educação de Surdos (Brasil). II. Título: Informativo
técnico-científico do INES
CDD-371.92
CDU-376.33
94-0100
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.1, Jan-Jun 2008
86
INES
ESPAÇO
SUMÁRIO
Jan-Jun/08
2
PRODUÇÃO ACADÊMICA /
Multiculturalismo: diferenças
culturais e práticas pedagógicas
THESES AND DISSERTATION ABSTRACTS
História do povo surdo em Porto
Alegre: imagens e sinais de uma
trajetória cultural
91
Multiculturalism: cultural differences and pedagogical practices
87
History of the deaf people in Porto Alegre: images and signs of a cultural
trajectory
Gisele Maciel Monteiro Rangel
Kelly Russo
MATERIAL TÉCNICOPEDAGÓGICO /
TECHNICALPEDAGOGICAL MATERIAL
O filosofar na arte da criança surda:
construções e saberes
88
Phylosophy in the deaf child’s art: constructions and knowledges
Ana Luiza Paganelli Caldas
O INES e a educação de surdos no
Brasil: aspectos da trajetória do
Instituto Nacional de Educação de
Surdos em seu percurso de 150 anos
94
INES and the education of the deaf in Brazil: some aspects of the 150-year
trajectory of the National Institute for the Education of the Deaf
RESENHAS DE LIVROS / REVIEWS
Educação inclusiva: cultura e
cotidiano escolar
89
95
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO /
Inclusive Education: culture and school daily routine
Maurício Rocha Cruz
ISSN 0103-7668
AGENDA / AGENDA
GUIDELINES FOR SUBMISSION OF ARTICLES
FOR PUBLICATION
96
A REVISTA ESPAÇO iniciou sua trajetória acadêmica em 1990 como um informativo técnico-científico do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Ao longo
desses anos, acompanhando as exigências editoriais da atualidade, a revista cresceu e se consolidou como uma referência nacional, mantendo a sua missão de incentivar a
discussão dos temas prementes da Educação Especial, num diálogo permanente tanto com a educação geral como com a psicologia, a fonoaudiologia e demais áreas afins, e
publicar os estudos daí resultantes.
As seções da REVISTA ESPAÇO recebem artigos, organizados sob a forma de dossiês temáticos, bem como artigos de demanda espontânea, favorecendo, assim, a ampla
circulação de pesquisas e ações que compõem o cenário educacional. Os textos aqui publicados podem ser reproduzidos, desde que citados o autor e a fonte. Os trabalhos
assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores.
Governo do Brasil - Presidente da República
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Especial
Instituto Nacional de Educação de Surdos
Departamento de Desenvolvimento Humano, Científico e Tecnológico
Coordenação de Projetos Educacionais e Tecnológicos
Divisão de Estudos e Pesquisas
Edição
Luiz Inácio Lula da Silva
Fernando Haddad
Claudia Pereira Dutra
Marcelo Ferreira de Vasconcelos Cavalcanti
Leila de Campos Dantas Maciel
Alvanei dos Santos Viana
Maria Inês Batista Barbosa Ramos
Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES Rio de Janeiro – Brasil
Conselho Executivo
Profª Ms. Janete Mandelblatt – Profª Drª Monique Franco
Conselho Editorial
Ms. Alexandre Guedes Pereira Xavier (Ministério do Planejamento – MEC/INES) – Drª Cristina Lacerda (UNIMEP) – Drª Elizabeth Macedo (UERJ) – Dr. Henrique Sobreira (UERJ/FEBF) –
Profª Ms. Janete Mandelblatt (INES/ISBE) – Drª Leila Couto Mattos (INES) – Dr. Luiz Behares (Universidade de Montevidéu) – Drª Mônica Pereira dos Santos (UFRJ) – Drª Monique Mendes Franco
(INES/UERJ) – Drª Regina Maria de Souza (UNICAMP) – Drª Sandra Corraza (UFRGS) – Drª Tânia Dauster (PUC/RJ) –
Dr. Victor da Fonseca (Universidade Técnica de Lisboa)
Conselho de Pareceristas Ad Hoc
Drª Azoilda Loretto (SME/RJ) – Dr. Eduardo Jorge Custódio da Silva (FIOCRUZ) – Drª Eliane Ribeiro (UNIRIO) – Drª Estela Scheimvar (UERJFFP) – Drª Iduina Chaves (UFF) –
Dr. José Geraldo Silveira Bueno (PUC-SP) – Drª Maria Cecília Bevilacqua (USP) – Drª Maria Cristina Pereira (DERDIC) – Drª Maria da Graça Nascimento (SME-RJ/ISBE) –
Drª Marlucy Paraíso (UFMG) – Ms. Maria Marta Ferreira da Costa Ciccone (INES) – Drª Nídia Regina Sá (UFBA) – Dr Ottmar Teske (ULBRA) – Dr Pedro Benjamim Garcia (UCP) –
Drª Ronice Müller de Quadros (UFSC) – Drª Rosa Helena Mendonça (TVE-BRASIL) – Drª Tanya Amara (UFP) – Drª Vanda Leitão (UFC)
ORGANIZADORA DO DOSSIÊ ETNOGRAFIA E EDUCAÇÃO: Drª Tania Dauster (PUC/RJ)
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7&34°01"3"*/(-³4+BOFUF.BOEFMCMBUUt3&7*4°05²$/*$"+BOFUF.BOEFMCMBUU.POJRVF'SBODP
ORGANIZADORAS DESTE NÚMERO - Janete Mandelblatt e Monique Franco
3&7*45"&41"±0*/45*5650/"$*0/"-%&&%6$"±°0%&463%043VBEBT-BSBOKFJSBTBOEBSTBMB$&13JPEF+BOFJSP3+#SBTJM
'BY
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Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.2, Jan-Jun 2008
EDITORIAL
ETNOGRAFIA & EDUCAÇÃO: NECESSÁRIO DIÁLOGO
Acompanhar o debate em torno da Educação de Surdos e da Educação Especial é tarefa da Revista
Espaço. Mas essa tarefa se amplia quando assumimos uma concepção de Educação Especial que reflete
constantemente sobre o fazer educacional na sua dimensão mais ampla, ou seja, no embate com os
temas e preocupações, com as pesquisas e desafios que o campo apresenta.
Essa é a expressão do que trazemos neste número, que inaugura um novo modelo editorial.
Doravante, a Revista Espaço manterá suas seções de demanda espontânea, necessárias e importantes
para o diálogo com a comunidade acadêmica, e introduzirá o trabalho com dossiês temáticos, na seção
Atualidades em Educação. A idéia surgiu da necessidade de produzir documentos mais coesos, ainda
que expressando a diversidade de posicionamentos e abordagens, com a apresentação de uma linha
mestra, proporcionando aos nossos leitores um maior aprofundamento sobre cada tema.
Abrimos esta nova etapa com chave de ouro. O Dossiê Etnografia & Educação nos oferece uma
vigorosa discussão acerca do papel e importância dos estudos etnográficos na compreensão da realidade educacional da atualidade. Dois estudiosos consagrados desse campo – Tania Dauster e Pedro
Benjamim Garcia – nos oferecem uma verdadeira aula sobre o tema.
O artigo Sobre etnografia e educação: quais as perspectivas e dilemas? traz a marca da trajetória e experiência profissional da antropóloga Tania Dauster, que fala com propriedade do papel e importância
dos usos da antropologia no campo da educação, sobretudo quando esses estudos contribuem para
romper com atitudes etnocêntricas, ou seja, “quando ajudam a produzir uma atitude de estranhamento,
por parte do pesquisador de educação, segundo o qual outros sistemas de referência que não os seus
próprios, fossem por ele percebidos” (p. 34). Além disso, Tania discute as possibilidades e limitações da
antropologia fora das ciências sociais. Rico em aspectos conceituais e metodológicos, o artigo aborda
desde o refinamento do conceito de cultura até o detalhamento do trabalho realizado pela professora
e pesquisadora, incluindo o ensino, a pesquisa e as orientações desenvolvidas.
A compreensão desse processo se torna mais clara com a leitura do texto que se segue: A descoberta
de si: práticas de leitura e escrita de universitários na sociedade da informação. Escrito pela antropóloga
em parceria com Anderson Tibau e Lucelena Ferreira, o artigo demonstra a atualidade da abordagem
antropológica e discute as representações de leitura e escrita de alunas do curso de Pedagogia, com
distintas condições socioculturais, no contexto da sociedade da informação, “buscando compreender
o processo de descoberta de si vivenciado a partir de suas práticas”. (p. 42)
²DPNBTFSFOJEBEFFCFMF[BEFTFNQSFRVF1FESP#FOKBNJN(BSDJBUSB[OPWBTUSBNBTQBSBFTTF
enredo e nos apresenta O texto etnográfico em questão. A reflexão sobre o significado da escrita e sua
legitimidade no registro do trabalho de campo do antropólogo busca dialogar com o debate proposto pelos “ ‘antropólogos pós-modernos’, que indicam uma supervalorização da escrita na produção
etnográfica em contraponto aos que ‘naturalizam’ a escrita, como se ela fosse um mero descritivo da
QSÈUJDBwQ
No curso da apresentação deste dossiê, Kelly Russo, no artigo A escola na fronteira intercultural: práticas pedagógicas e o campo da didática, nos oferece um belo estudo de como a educação indígena vem
sendo desenvolvida no país e analisa a relação entre professores e o sistema público de educação.
5FNNBJT²WBMJPTPPFTUVEPEBGPOPBVEJØMPHB$BSMB7FSÙOJDB.BSRVFTTPCSFBAvaliação neuropsicopedagógica de crianças surdas, na seção Espaço Aberto. Elaborada em conjunto com uma equipe
de colaboradores e bolsistas, com certeza a pesquisa terá papel multiplicador e oferecerá suporte a
especialistas da área.
Maura Corcini Lopes abrilhanta com competência e seriedade a seção Debate. A pesquisadora,
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.3, Jan-Jun 2008
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EDITORIAL
cada vez mais comprometida com pesquisas no campo dos estudos pós – estruturalistas e da surdez,
traz, juntamente com Betina Guedes, o artigo A educação dos surdos no Rio Grande do Sul: delineando
as primeiras análises, no qual se discute a situação lingüística e de comunicação dos alunos surdos
existentes nas regiões que compreendem desde o Vale dos Sinos até a Serra Gaúcha.
A seção Reflexões sobre a Prática apresenta o divertido, mas não menos importante e conceitual,
Piadas Surdas como uma prática de resistência, de Maria Clara Maciel de Araújo Ribeiro, em que a
autora conclui que tais piadas pertencem a um rico acervo originado dos saberes surdos e da vivência
visual deles. E o artigo, prata da casa, A inclusão da pessoa surda: a arte e os mitos como possibilidade
mediadora, de Graça Maria Silva, nos oferece a visão de qualidade do trabalho desenvolvido no INES
quando o assunto é arte.
Dois importantes livros, cada qual com sua especificidade, são apresentados ao leitor na seção
Resenha. A conhecida pesquisadora Rosana Glat traz ao seu fiel público da Educação Especial a coletânea Educação Inclusiva: cultura e cotidiano escolar, resenhado por Maurício Cruz. Multiculturalismo:
diferenças culturais e práticas pedagógicas, organizado pelos queridos mestres Antonio Flavio Barbosa e
Vera Candau, é resenhado por Kelly Russo. Ambas as leitura são essenciais para todos os que pretendem
atualizar seus conhecimentos no campo da educação na interface com as políticas da diferença.
A seção Produção Acadêmica vem demonstrar o quanto de seriedade e competência o campo da
educação de surdos vem produzindo com os trabalhos O filosofar na arte da criança surda: construções
e saberes, de Ana Luiza Paganeli Caldas, e Histórias do povo surdo em Porto Alegre: imagens e sinais de
uma trajetória cultural, de Gisele Maciel Monteiro Rangel.
Nas seções Visitando o Acervo do INES e Material Técnico-Pedagógico, passado e presente se
atualizam. A atuação da primeira mulher surda como repetidora no período de 1864 a 1868, apresentado
mais uma vez pela historiadora Solange Rocha, vem demonstrar que o INES preserva a sua memória
sem abrir mão de oferecer, constantemente e com qualidade, suporte para educação e pesquisa na área
da surdez e da educação especial.
Boa leitura! Aguardamos vocês por aqui com sugestões, artigos, dúvidas.
Nosso endereço eletrônico mudou.
Você nos encontra em DPNJTTBPFEJUPSJBM!JOFTHPWCS.
A Revista Espaço pretende, com a sua colaboração e diálogo, continuar representando academicamente, com seriedade e atualidade, os caminhos trilhados pela educação de surdos inserida neste
conflituoso e produtivo cenário educacional geral.
Monique Franco
$POTFMIP&YFDVUJWP&EJUPSJBM
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.4, Jan-Jun 2008
ESPAÇO ABERTO
A AVALIAÇÃO NEUROPSICOPEDAGÓGICA DE CRIANÇAS
SURDAS: O ESTUDO DOS PROCESSOS CORTICAIS
SIMULTÂNEOS DE SUCESSIVOS, VISUOMOTORES E
VERBAIS ATRAVÉS DE TESTES NEUROPSICOLÓGICOS
Neuropsychopedagogic evaluation of deaf children: A study of simultaneous visual, motor and verbal
skills of the cortical brain functions by using neuropsychological tests
Carla Verônica Machado Marques*
*Mestre em Antropologia (EBA/UFRJ); Neuropsicóloga; Psicopedagoga; Arte-Educadora. Prof.ª da Faculdade de
Medicina – Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal – da UFRJ; professora convidada do Mestrado – Núcleo
de Computação Eletrônica (NCE) – UFRJ; professora do INES – Departamento de Desenvolvimento Humano Ciência e Tecnologia. Orientadora científica do Laboratório de Neuropsicologia Cognitiva e Neurociências (NEUROLAB)
– INES/IBC. Pesquisadora participante da FIOCRUZ – Instituto Fernandes Figueira – Laboratório de Neurofisiologia
Clínica. Coordenadora de projetos com crianças com deficiência e vítimas de privação – UNIC-RIO – ONU.
E-mail: [email protected]
Orientadores e colaboradores convidados:
Maria Luiza Teixeira de Assumpcão Seminério1, Ivan Da Costa Marques2, Giancarlo Summa3, Ageu Cavalcanti Pacheco Junior4, Carlo Emmanuel Tolla de Oliveira5, Claudia Motta6, Marcos Borges7, Jayme Luiz Szwarcfiter8, Leonardo
Azevedo9, Vladimir Lazrev10, Rachel Niskier Sanchez11, Jorge Moll Neto12, Fernanda Tovar Moll13, Beatriz Lefevre14,
Rosângela Martins Alcantara Zagaglia15, Deize Vieira dos Santos16, Aniela França17, Eloisa Mota Saboya Pinheiro18, Jesus
Landeira19, Darcy Roberto Lima20, Maria Aparecida Mamede21, Alexandre Farbiarz22, Luís Antônio Coelho23, Esteban
Walter Gonzalez Clua24, Guilherme De Almeida Xavier25, Alessandra Capovilla26, Fernando César Capovilla27, Heloísa
Brasil28, Lígia Elliot29, Nilma Fontanive30, Josefino Cabral Melo Lima31, Adriano Joaquim de Oliveira Cruz32, Paulo Henrique de Aguiar Rodrigues33, Jose Antonio dos Santos Borges34, Fabio Protti35, Marcos da Fonseca Elia36, Fabio Ferrentini
Sampaio37, Miguel Jonathan38, Sueli Bandeira Teixeira Mendes39, Luis Alfredo Vidal de Carvalho40, Felipe Maia Galvão França41, Flávia Maria Santoro42, Leila Cristina Vasconcelos de Andrade43, Simone Bacellar Leal Ferreira44, Rosa Maria
Esteves Moreira da Costa45, Elio Monteiro46, Geraldo Marcos Nogueira Pinto47, Alexandre Antunes48, Isabel Bordin49,
Vanessa Oliveira Batista50 e Luciana Boiteux51.
Parcerias:
Centro de Informação das Nações Unidas (UNIC-RIO); Núcleo de Computação Eletrônica (NCE), da UFRJ;
Faculdade de Letras da UFRJ; PUC-Rio – Faculdade de Psicologia; PUC-Rio – Coordenação Central de Educação
a Distância (CCEAD); PUC-Rio – Curso de Graduação e Mestrado em Desenho Industrial; UFRJ – Instituto de
Psicologia; Instituto Fernandes Figueira (IFF) – FIOCRUZ; Rede LABS D’OR; Associação Brasileira de Problemas de
Aprendizagem (ABRAPA); UFRJ – NeuroLog REDE – Laboratório de Neurociências e Informática – NCE.
Material recebido em julho de 2007 e selecionado em agosto de 2007.
*OGPSNBUJWP5ÏDOJDP$JFOUÓmDP&TQBÎP*/&43JPEF+BOFJSPOQ+BO+VO
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RESUMO
ABSTRACT
A PLATAFORMA
NEUROLABINES
O presente trabalho apresenta
o Laboratório de Neuropsicologia
Cognitiva e Neurociências da Surdez
do INES (NEUROLAB – INES),
projeto desenvolvido em parceria com
o Centro de Informação das Nações
Unidas (UNIC Rio) e com o NCELABASE-UFRJ. O NEUROLABINES vem implementando dez plataformas informatizadas para a prestação
de serviços, capacitação técnica e
incentivo à pesquisa. As plataformas
têm o objetivo de oferecer meios
de facilitação ao desenvolvimento
cognitivo-lingüístico de crianças com
deficiência através da ludicidade e da
informática. As plataformas oferecerão
um banco de dados com uma seleção
objetiva de itens que permitem a
construção de um sistema integrado de
avaliação neuropsicopedagógica. Esta
base funciona como uma engrenagem
de matrizes superpostas, passíveis de
serem tratadas estatística e heuristicamente. Estes dados são reveladores
no estudo de populações de crianças e
adolescentes com deficiência, apontado
diretamente para a necessidade da
criação de novas metodologias educacionais no interior das escolas. As
plataformas também envolvem, para
efeito de intervenção psicoeducativa,
as salas metacognitivas, com jogos
computadorizados, abrangendo basicamente o desenvolvimento de áreas
fundamentais da cognição: representação, imaginário, lógica, linguagem,
percepção, memória, atenção, funções
executivas, desenvolvimento moral,
construção do sujeito epistêmico,
incluindo áreas de ensino, tais como
alfabetização, letramento, matemática
e conhecimentos gerais.
Palavras-chave: Neuropsicologia. Surdez. Avaliação.
The current work presents the
NEUROLAB – INES (Cognitive
Neuropsycholog y and Deafness
Neurosciences Laboratory at the National
Institute of the Deaf – INES), a project
developed in partnership with the United
Nations Information Center in Rio de
Janeiro (UNIC-Rio) together with the
Electronic Computing Nucleus at the
Federal University of Rio de Janeiro (NCELABASE-UFRJ). NEUROLAB-INES
has been implementing ten computerized
platforms for services, applications and
technical training as well as for incentive
to research on these areas. These platforms
aim to provide technical elements for
the improvement and development of
cognitive-linguistic skills of handicapped
children. The platforms will have a
data base including a selected list of
items that allow the construction of an
integrated system of psychopedagogic
evaluation. The data base works as a
superposed matrices tool, where it is
possible to perform statistical and heuristic
analysis. The data reveal important
aspects of the handicapped children and
adolescents studied, thus directly showing
the necessity and providing guidance
for the creation of new educational
methodology for specialized schools and
professionals. The platforms also include
out-patient meta-cognitive rooms with
computerized games for psychoeducative
intervention. This structure allows the
development of basic cognition areas
such as logics, imaginary, representation,
language, perception, memory, attention,
executive functions, moral development
and epistemic subject construction.
This also involves teaching areas such
as reading, writing, mathematics and
general knowledge.
Keywords:
Neuropsychology.
Deafness. Evaluation.
Esta plataforma especializada nas Neurociências
da surdez promove o
acesso à comunicação
integrativa, à aprendizagem colaborativa entre pesquisadores e
profissionais, além de estar voltada
para a capacitação técnica. Possui o
objetivo de oferecer meios teóricopráticos para o desenvolvimento de
programas neuropsicopedagógicos
computadorizados para crianças
surdas, incluindo situações de comorbidades, patologias ou atrasos
no desenvolvimento.
Este laboratório de pesquisa busca, além do benefício direto sobre
a avaliação neuropsicopedagógica, a
melhoria da qualidade do processo
ensino-aprendizagem de crianças
surdas. Para isso, pretendemos
organizar estratégias de avaliação
neuropsicológicas comparadas a
investigações neurofisiológicas, neuromorfológicas e neurofuncionais,
com o intuito de promover conhecimentos acerca do estilo cognitivo
próprio do canal informacional
básico da aprendizagem dos surdos:
o viso-motor. Estes conhecimentos
servirão de suporte material para a
elaboração de estratégias neuropsicopedagógicas específicas, isto
é, para a estruturação de matrizes
ou mapas cerebrais que sirvam de
modelos para o desenvolvimento de
programas de intervenção baseados
no uso de processos cognitivos simultâneos e/ou sucessivos (visuais
ou verbais) voltados para a aprendizagem de regras generativas que
promovem a construção de objetos
de conhecimento diversos. Está aqui
prevista a inclusão de qualquer área
de ensino. Para executar este trabalho,
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.6, Jan-Jun 2008
ESPAÇO ABERTO
foram desenvolvidas dez plataformas
computadorizadas visando a reunir
contribuições científicas e tecnológicas para prestar serviços.
A surdez na criança pode vir associada a outras patologias clínicas,
neurológicas ou psiquiátricas. A
prevalência desses e outros transtornos também é um dos objetivos dos
nossos estudos.
Em termos sociais – especificamente – busca-se contribuir, através do
desenvolvimento cognitivo, para
uma autêntica redistribuição da inteligência. Busca-se a distribuição dos
recursos intelectuais, pré-requisitos
para qualquer ascensão social. O
baixo nível de desenvolvimento
cognitivo das crianças oriundas
de camadas carentes da sociedade
as coloca numa posição de franca
impotência frente a competição que
hoje dela se exige. O pré-requisito
para se eliminarem – ou pelo menos
reduzirem – as diferenças entre as
classes sociais não seria, em nosso
entender, econômico e sim cognitivo, por ser este o determinante
efetivo das transformações e da
produtividade em qualquer nível.
Espera-se, portanto, que estas novas
técnicas, além de beneficiarem todas
as crianças, possam promover um
desenvolvimento cognitivo mais
acentuado em crianças carentes, compensando as limitações de recursos
informacionais dos seus ambientes.
(Franco Lo Presti Seminério).
O RECONHECIMENTO
DA ONU
O Centro de Informação
das Nações Unidas
(UNIC-Rio), em parceria
com o NEUROLAB INES/IBC, vem
desenvolvendo estudos e pesquisas
em Direitos Humanos, Educação,
Saúde, Justiça e Assistência social,
com crianças entre sete e doze anos
de idade, promovendo o Projeto
Juventude Pela Paz.
O enfoque está nas atividades desenvolvidas por muitos colaboradores
e orientadores, especialistas, atuando
na construção de uma cognição social,
através de um projeto interdisciplinar,
contribuindo com a ONU através
do suporte oferecido por instituições
conceituadas. Esta rede de cientistas
produz a fundamentação teóricoprática dos trabalhos executados por
coordenadores, alunos e estagiários
de pesquisa em diferentes áreas, de
modo a incrementar a educação para
a diversidade, para a paz e para a
consciência global.
PESQUISAS QUE SE
TORNAM SOFTWARES
Inferir a natureza de eventos
neuropsicológicos a partir do comportamento observável não é uma
questão simples.
Comumente se observa, nos
serviços públicos que oferecem o
diagnóstico diferencial na área de
cognição e linguagem a crianças e
adolescentes em situação de fracasso
intelectual, uma carência de material
técnico inovador e atualizado para
a avaliação e intervenção de ordem
cognitivo-lingüística. Observamos a
necessidade de mais opções e maior
adequação dos instrumentos em
relação à diversidade de fatores a
serem analisados em cada criança no
contexto de sua problemática.
As atividades educacional, clínica,
de assistência social e de proteção jurídica à criança exigem do profissional
uma atuação altamente pragmática
e um raciocínio rápido, aplicado a
situações definidas que utilizem de
maneira estratégica os referenciais
teóricos disponíveis. Essa tarefa, não
podendo decorrer da improvisação,
impõe a sistematização de conhecimentos teóricos através da aplicação,
tradução, adaptação e construção
de instrumentos organizados com
finalidades específicas, voltados para
objetivos precisos.
A observação dos fenômenos
envolvidos no fracasso intelectivo,
ou seja, o raciocínio, a linguagem,
a memória, a percepção, a aprendizagem e o conhecimento, requerem
inferência e, portanto, condições
específicas de oportunidades para a
coleta de informações e indicadores
sutis a serem interpretados de modo
sistemático. Para organizar essas
condições são necessárias ferramentas estruturadas previamente com
o intuito de investigar diferentes
formas ou quantidades de habilidades, controlando estímulos para
compreender o processo de pensamento do sujeito ao se deparar com
um objeto de conhecimento ou uma
situação-problema.
Inferir a natureza de eventos
neuropsicológicos a partir do comportamento observável não é uma
questão simples. Os fenômenos
psicológicos não existem isolados, e
suas interações tornam a interpretação
do comportamento muito difícil.
Por isso, constata-se uma contínua
demanda de instrumentos cada vez
mais atualizados e apropriados à
análise detalhada de compreensão
da inter-relação que ocorre no seu
processamento total.
LINHAS DE PESQUISA
O NEUROLAB INES,
em conjunto com o
NeuroLog REDE, pode
receber profissionais de todo o Brasil,
da América do Sul e dos países de
MÓOHVBQPSUVHVFTBEB«GSJDBDPN
formação nas áreas de Neurologia,
Psiquiatria, Neuropsicologia, Pediatria,
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.7, Jan-Jun 2008
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ESPAÇO ABERTO
Oftalmologia, Otorrinolaringologia,
Radiologia, Biologia, Engenharia
Biomédica, Fonoaudiologia, Serviço
Social, Educação, Design, Artes
Plásticas, Desenho, Música, Psicologia,
Lingüística, Letras, Antropologia,
Lógica, Matemática, Ciências da
Computação, Psicopedagogia e Direitos
Humanos, para a realização de trabalhos
de pesquisa de graduação, especialização, mestrado e doutorado.
O objetivo é a elaboração e a aplicação de resultados teóricos na criação,
construção, adaptação e validação
de material técnico – escalas, testes,
protocolos e jogos computadorizados
de avaliação/diagnóstico – utilizável
nos serviços de atendimento à criança.
Esses softwares servem de base para
oportunizar um campo de produção
de conhecimento, assistindo e investigando com mais riqueza os principais
problemas cognitivo-lingüísticos de
crianças e adolescentes.
LINHA 1  LABIRINTO: NEURO
CIÊNCIAS DA COGNIÇÃO E IN
FORMATIZAÇÃO DE DADOS
Esta linha de pesquisa
objetiva a adaptação de
formulários, anamneses
(questionários), checklists e fichas de
resultados ou crivos de análise referentes a avaliações neuropsicológicas
e psicossociais transformados para
a linguagem computacional. Esses
trabalhos tratam a informação sob um
modelo computável de coleta e análise
de dados na área de neuropsicologia,
psicologia, serviço social, pedagogia,
pediatria, psiquiatria, neurologia,
fonoaudiologia e outras áreas afins.
As pesquisas desenvolvem ferramentas para a indexação de respostas, preparadas sistematicamente
para a correlação com resultados
quantitativos de testes e habilidades
cognitivo-lingüísticas.
Esta proposta oferece paradigmas
para o desenvolvimento de diferentes
softwares educacionais que poderão
servir de modelos, tornando mais
acessível e prática a elaboração de
avaliações e intervenções neuropsicopedagógicas, especialmente para
crianças com deficiência, abrigadas e
com problemas de aprendizagem.
LINHA 2  PULO DO GATO:
NEUROCIÊNCIAS DOS JOGOS
COMPUTADORIZADOS
Esta linha de pesquisa,
ainda em fase de elaboração, objetiva a aplicação, a médio prazo, de programas
computadorizados de acesso a dados
de imagem médica e de análise de
processamento de sinais (inicialmente, ressonância magnética e
EEG Quantitativo), gerenciados
por sistema de PACS (imagem digital) desenvolvido pelo Serviço de
Informática Médica da Rede LABS
– D’Or e pelo IFF-FIOCRUZ.
Tais dados, obtidos em protocolos
de investigação clínica (por necessidade médica) ou de investigação científica, são extremamente volumosos e
complexos. Uma plataforma baseada
em Web será criada para abrigar todos
os dados colhidos, permitindo acesso
remoto. O sistema permitirá total
integração com os dados clínicos,
demográficos, neuropsicológicos e
neuropsicopedagógicos.
Estes procedimentos possibilitarão
a coleta de dados a serem utilizados
na engenharia reversa de modelos
cerebrais de aprendizagem em contextos diversos: surdez, deficiência
visual, situação de privação, abuso
ou negligência, altas habilidades,
problemas de aprendizagem e naturalmente em modelos de aprendizagem
em geral.
LINHA 3  OLHO VIVO: AVA
LIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA
COMPUTADORIZADA
A realização de pesquisas
técnico-científicas na área
da avaliação neuropsicológica especializada vai ao encontro
de objetivos que se pretendem alcançar numa avaliação extensiva,
proporcionando a identificação de
áreas comprometidas (debilidades na
cognição e na linguagem).
Portanto, a adaptação de ferramentas computadorizadas de avaliação cognitivo-lingüística delimita
situações variadas, em características
e dificuldades, que dão acesso a
diferentes modos de realização, conhecimentos, operações e estratégias
que se colocam em jogo para elucidar
o nível de eficácia do próprio pensamento e linguagem, que superam o
mecanismo de aprendizagem. Estas
ferramentas requerem o domínio de
pressupostos teóricos que sustentem
critérios para a escolha e seleção de
capacidades a serem investigadas, para
o levantamento de dados relevantes
e seu tratamento interpretativo.
O desenvolvimento de programas
de avaliação neuropsicológica abrange a representação, o imaginário, a
lógica, a linguagem, a percepção,
a memória, a atenção, as funções
executivas, o desenvolvimento moral
e a metacognição.
LINHA 4  COLHER DE CHÁ:
PROGRAMAS DE AUTOMATIZA
ÇÃO EM NEUROCIÊNCIAS
Estes programas
têm o objetivo
de automatizar a
elaboração de planos de avaliação
neuropsicológica, reabilitação, laudos
e relatórios de orientação médica,
terapêutica, pedagógica, social, jurí-
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.8, Jan-Jun 2008
ESPAÇO ABERTO
dica e familiar. Possibilitam ainda a
formulação automatizada de planos
neuropsicopedagógicos singularizados
para agilizar a inclusão da criança e
do adolescente nas redes sociais de
atendimento especializado, além de
gerarem oportunidades de inserção
sociocultural.
A partir disso, é possível instrumentalizar o médico, a família, a
escola e a equipe técnica empenhada
na reabilitação para percorrerem
uma trajetória idealizada na reestruturação clínica, psicoafetiva, de
reinserção e adequação social, escolar
ou laborativa.
L I N H A 5  S A L A S M E TA 
COGNITIVAS: NEUROPEDA
GOGIA, METACOGNIÇÃO E
JOGOS INFORMATIZADOS
Esta linha de pesquisa
se ocupa do desenvolvimento de jogos
computadorizados,
para avaliação neuropsicológica
(jogos que evolvem habilidades e
competências específicas) e de intervenção neuropedagógica, grupados
em salas metacognitivas, compostas
por diversos módulos de tipos de
jogos, abrangendo basicamente o
desenvolvimento de áreas fundamentais da cognição: a representação, o
imaginário, a lógica, a linguagem,
a percepção, a memória, a atenção,
as funções executivas, o desenvolvimento moral, incluindo áreas de
ensino fundamental, tais como alfabetização, letramento, matemática
e conhecimentos gerais.
O ponto crucial dessa engrenagem
de programas é o uso da metacognição
na aprendizagem. A condição essencial
para isso é a presença de algoritmos
que sustentam um processo oculto
na engenharia dos softwares para fazer
a cognição operar por saltos. Esses
processos estão previstos na organização dos dados a serem coletados,
fundamentados nas neurociências,
para facilitar o tratamento e aplicação
de informações emergentes, resultantes da interação da criança com
modelos cognitivos (meta-regras).
Tais procedimentos estão baseados no
princípio de modelação de Bandura,
e no desafio da discussão e análise
de metaconhecimentos extraídos
de significados implícitos nos jogos
(“elaboração dirigida”).
LINHA 6 CAIU NA REDE
É PEIXE: APRENDIZA
G E M C O L A B O R AT I VA E
NEUROCIÊNCIAS
Esta linha inclui
projetos de desenvolvimento de ambientes virtuais de trabalho científico
colaborativo e formação de redes
sociais, para reunir pólos de pesquisa
embasados no estrito interesse pela
melhoria da Educação, da Saúde, da
Assistência Social e da Justiça para
crianças. Articula-se à produção
acadêmica e aos princípios da cooperação interinstitucional.
Este projeto volta-se para a criação
de plataformas de prestação de serviços, capacitação técnica e incentivo
à pesquisa. As plataformas foram
elaboradas sobre uma infra-estrutura
de redes cognitivas, compostas pelo
conhecimento produzido pelo trabalho de pesquisadores de diferentes
áreas, o que permite o desenvolvimento prático de softwares inteligentes
baseados nas neurociências. As plataformas servem de base à construção
de um imaginário científico-social
organizado em contínuo caráter
experimental, objetivando propor a
busca de novas soluções para questões
de conhecimento que resultem na
disponibilização de artefatos tecnológicos para crianças em situações
específicas de aprendizagem.
Tal procedimento cria meios, através
da interseção de campos epistêmicos,
de propiciar o desenvolvimento de
projetos políticos e estratégias institucionais que possibilitem a comunicação
pública da ciência e da tecnologia e
seus processos de transferência, difusão
e apropriação, apoiando trajetórias
locais de produção de conhecimentos científicos e tecnológicos ao uso
combinado do conhecimento da experiência em relação ao conhecimento
especializado, trazendo à tona o trabalho interinstitucional para articular
o diálogo entre o conhecimento local
e o universal.
LINHA 7  BOLA DE GUDE:
JOGOS COMPUTADORIZADOS
E DESIGN SOCIAL
A função principal desta
pesquisa é traduzir
conceitos teóricos das
Ciências da Cognição
para a sintaxe visual do pensamento
plástico.
O design de jogos tende à transdisciplinaridade assim como o web
design, uma vez que a construção de
plataformas de jogos requer, além do
desenho industrial propriamente dito,
subsídios de diversas áreas técnicas,
como programação, sonoplastia,
computação gráfica, 3D, etc.
LINHA 8  PÉ NA TÁBUA: PRO
GRAMAS DE ACELERAÇÃO
COGNITIVA
O material lúdico a
ser elaborado parte de
pesquisas que objetivam dar sustentação à
atuação da criança no desenvolvimento e operacionalização consciente de
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princípios e procedimentos cognitivos
que ultrapassam o tratamento dos
conteúdos curriculares.
A aceleração cognitiva busca a
integração da aprendizagem com as
funções metacognitivas do pensamento. As pesquisas desta linha se
propõem a construir algoritmos sobre
classificações e seqüenciações ontológicas para a aplicação personalizada e
estratégica de avaliações e de intervenções lúdicas neuropsicopedagógicas
computadorizadas que resultem em
um padrão de excelência na estimulação cognitivo-lingüística.
PESQUISAS EM
ANDAMENTO
Metodologia aplicada
às pesquisas de adaptação de instrumentos de
avaliação neuropsicológica cognitiva
para crianças surdas – NEUROLABINES. Carla Verônica Machado
Marques, Carlo Emmanoel Tolla
de Oliveira, Eloisa Saboya, Emmy
Uehara Pires, Gisele Silva Ceciliano,
Linete Pinho F. Bezerra e Camilla
Pinho F. Bezerra.
Avaliação da memória em crianças
surdas utilizando o children’s memory
scale (cms) como paradigma-base.
Emmy Uehara Pires, Carla Verônica
Machado Marques, Carlo Emmanoel
Tolla de Oliveira e Eloisa Saboya.
Adaptação computadorizada das
provas operatórias de Jean Piaget com
acessibilidade para surdos. Gisele
Silva Ceciliano, Verônica Tosta,
Carla Verônica Machado Marques,
Carlo Emmanoel Tolla de Oliveira
e Eloisa Saboya.
A retrotradução para o uso do
itpa-3 na avaliação psicolingüística
em libras. Natália Guimarães de
Almeida, Carla Verônica Machado
Marques, Carlo Emmanoel Tolla de
Oliveira e Eloísa Saboya.
Rastreamento neurológico utilizando o quick neurological screening
test (qnst-ii) em crianças com surdez.
Renan Cardoso D´Aquino, Carla
Verônica Machado Marques, Carlo
Emmanoel Tolla de Oliveira e Eloisa
Saboya.
Construção de uma sala de jogos
metacognitivos de atenção, computadorizados, utilizando o canal morfogenético audiofonético. Aline Machado
Gomes Antunes, Carla Verônica
Machado Marques, Carlo Emmanoel
Tolla e Eloisa Saboya
Uso do design metacognitivo em um
modelo neuroinformático para construção de uma sala virtual de jogos, para
crianças com surdez severa e profunda,
como um instrumento de auxílio aos
problemas de atenção. Paula Andréa
Prata Ferreira, Cleonice Weber Souza,
Carla Verônica Machado Marques,
Carlo Emmanuel Tolla de Oliveira
e Eloísa Saboya.
Construção de uma ontologia da
diversidade textual focalizada para a
educação de crianças surdas. Débora
Ramalho Barros, Lívia Monnerat
Castro, Carla Verônica Machado
Marques, Carlo Emmanuel Tolla de
Oliveira e Eloísa Saboya.
Construção de uma ferramenta
computadorizada para produção escrita
e diversidade textual com crianças surdas. Lívia Monnerat Castro, Debora
Barros, Carla Verônica Machado
Marques, Carlo Emmanoel Tolla de
Oliveira e Eloisa Saboya
Ferramenta de produção de texto
colaborativo com base na modelação cognitiva. Angela Ma Nunes de Mendonça,
Carla Verônica Machado Marques e
Claudia Lage Rabello da Motta.
Construção de uma solução para
agilizar a virtualização de jogos metacognitivos. André Luiz Antunes de Moraes,
Diogo da Silva Magalhães Gomes,
Sabrina Barbirato Lobo Bettini, Carla
Verônica Machado Marques e Carlo
Emmanoel Tolla de Oliveira.
Plataforma colaborativa para
aquisição de conhecimento utilizando
storytelling. Luiz Francisco Dias,
Carlos Eduardo Ferrão, Marcio Reis
Pereira, Carla Verônica Machado
Marques e Claudia Lage Rebello
da Motta.
Modelo de negócio do projeto de
virtualização de jogos metacognitivos.
Gilbert Huber, Ana Márcia Quitério
Varela, Carla Verônica Machado
Marques e Claudia Lage Rebello
da Motta.
A SEDE ACADÊMICA
DO NEUROLABINES:
NÚCLEO DE COMPUTAÇÃO
ELETRÔNICA NCE 
UFRJ E NEUROLOG
REDE  LABORATÓRIO
DE NEUROCIÊNCIAS E
INFORMÁTICA
O obj et i vo
do NeuroLog
REDE, em
parceria com
a ONU, é fundamentar a educação de
milhões de crianças de acordo com o
paradigma das Ciências da Cognição
e da Metacognição, através da informatização de meios mediacionais
inovadores (jogos metacognitivos),
aplicados e correlacionados a pesquisas em neurociências. O projeto
inclui o objetivo de oferecer meios
de facilitação ao desenvolvimento
cognitivo-lingüístico de crianças
com atrasos no desenvolvimento,
privação cultural, deficiência ou
patologias psiconeurológicas, através
da ludicidade e da informática. As
estratégias de programação de softwares agrupam-se de acordo com
os seguintes módulos de trabalho:
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.10, Jan-Jun 2008
ESPAÇO ABERTO
avaliação histórica e psicossocial;
avaliação clínica, neurológica e psiquiátrica; avaliação neuropsicológica;
avaliação neurofisiológica (EEG
Quantitativo) e neurofuncional
(MRI); programação da reabilitação
cognitivo-lingüística e neuropepsicodagógica: jogos computadorizados,
neurocognição e metacognição.
As pesquisas implicam a construção, continuamente experimental, de
plataformas informatizadas interinstitucionais que pretendem conter mil
jogos representativos das grandes áreas
do processamento cognitivo-lingüístico.
Estas plataformas especializadas também promovem o acesso à comunicação
integrativa, estimulando a aprendizagem colaborativa entre pesquisadores e
profissionais, além de estarem voltadas
para a prestação de serviços, capacitação técnica e incentivo à pesquisa,
incluindo as interfaces com as áreas
de Educação, Serviço Social, Saúde,
Justiça e Direitos Humanos.
São dez plataformas computadorizadas interinstitucionais,
com o apoio da ONU, executadas
pelo NCE/UFRJ, que trabalha
com a colaboração de cinqüenta
doutores e a participação de instituições diversas: INDC, IPUB,
IFF-FIOCRUZ, USP, HC-USP,
UNIFESP, UFF, UNIRIO,UERJ,
COPPE, IBC, INES, SEE, SME,
PUC-Rio, USF, FUNDAÇÃO
CESGRANRIO, REDE LABS
D’OR e ABRAPA.
A PLATAFORMA INES
 A INTERFACE COM
A CRIANÇA SURDA,
PROFESSOR E TÉCNICO
A Plataforma INES
tem como missão a
avaliação neuropsicológica e a neu-
ropsicopedagogia lúdica (desenvolvimento, habilitação e reabilitação
cognitivo-lingüística através de jogos)
com crianças surdas, entre sete e
doze anos de idade. Tais avaliações
e jogos inteligentes estão voltados
para a produção de pesquisas sobre
os processos corticais simultâneos e
sucessivos, visuo-motores e verbais,
através de testes neuropsicológicos
formais e jogos computadorizados
fundamentados nas neurociências
e na metacognição.
A
NEUROPSICOPEDAGOGIA
E A COMPUTAÇÃO CLÍNICA
NA PLATAFORMA INES
A neuropsicopedagogia estuda a
interação entre o cérebro, a mente e o
aprendizado, possibilitando, através de
métodos rigorosamente científicos, o
planejamento de intervenções precisas
que promovam o desenvolvimento
de sujeitos epistêmicos.
Há cerca de cinco anos, um
grupo multidisciplinar de cientistas
se debruçou sobre o problema dos
jogos para buscar as respostas que a
ciência poderia dar a esta questão.
Eles se agregaram em uma ONG – a
Associação Brasileira de Problemas de
Aprendizagem –, que foi chancelada
pela ONU para este fim.
A metodologia construída por esses
cientistas consiste em um conjunto
de cerca de mil jogos neuropsicopedagógicos e metacognitivos, construídos de acordo com um modelo
lúdico isomórfico às funções mentais
superiores e aos sistemas de processamento da consciência. Este modelo
permite construir um perfil cognitivo
do sujeito, identificando as áreas de
força e de fraqueza das habilidades e
competências cognitivas e verbais. A
partir desse perfil, os mesmos jogos
foram desenvolvidos para serem aplicados através de um procedimento
chamado “elaboração dirigida”, para
provocar a metacognição, promovendo
a diminuição de decalagens entre as
funções prejudicadas e as preservadas.
A metodologia tem obtido desde então inúmeros resultados positivos na
recuperação de muitas de crianças.
O objetivo corrente do
NEUROLAB-INES é dar acesso a
esses novos paradigmas, servindo de
modelo educacional para inovar a
Educação de crianças surdas, através
da informatização de todo o processo
de mediação e interação social realizada através de meios mediacionais
ricos e complexos (jogos neuropsicopedagógicos e metacognitivos).
Isso implica a construção de dez
plataformas informatizadas interinstitucionais e a informatização de cem
jogos paradigmáticos, representativos
das grandes áreas do processamento
cognitivo. As plataformas constituem
um ambiente de ensino integrado,
indo desde a construção da cognição e
conhecimento individuais até a construção de redes sociais de atendimento
institucional nas áreas de Serviço
Social, Saúde, Justiça, Educação e
Direitos Humanos. A informatização
dos jogos deve congraçar os esforços de cientistas das mais variadas
áreas, na construção de modelos do
pensamento e criação de problemas
estruturalmente semelhantes aos
processos intelectuais, que devem ser
rastreados e reconstruídos.
Essas plataformas especializadas
também promovem o acesso à comunicação integrativa, promovendo
a aprendizagem colaborativa entre
pesquisadores e profissionais, além de
estarem voltadas para a prestação de
serviços, capacitação técnica e incentivo à pesquisa. Possuirão o objetivo
de oferecer meios de facilitação ao
desenvolvimento cognitivo-lingüístico
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de crianças com deficiência, patologias
ou atrasos no desenvolvimento, através da ludicidade e da informática.
O ponto crucial dessa engrenagem
de programas é a fundamentação
neurocientífica acompanhada do uso
da metacognição na aprendizagem.
A aquisição do conhecimento exige
a superação de modelos reprodutivistas, calcados na acumulação de
fragmentos desconexos de informação.
Os objetos reais de conhecimento
exigem a elaboração de algoritmos e
processos de tomada de consciência
desses algoritmos. O conhecimento
construído se transforma em pensamento recursivo, gramatical, lógico,
sistêmico, conexo e articulado, ou seja,
cria sujeitos epistêmicos participantes
da sociedade letrada.
O projeto de neuropsicoeducação
metacognitiva ultrapassa a questão
dos problemas de aprendizado. Todas
as crianças podem-se beneficiar. As
plataformas abraçam a Educação em
geral, a conscientização humanitária
e a reformulação epistêmica e política
do modelo acadêmico.
Este trabalho aponta também para
necessidade da criação de disciplinas
e cursos científico-tecnológicos de
mestrado e doutorado que consigam
dar conta da interdisciplinaridade dos
fundamentos teórico-práticos que
apresenta este vasto e novo campo
de conhecimento: a neuropedagogia,
que traz em sua dimensão prática toda
a complexidade da demanda social
que aguarda por esta solução.
A
NEUROPSICOPEDAGOGIA
E A NEUROINFORMÁTICA
A neuropsicopedagogia informatizada permite a modelação de
habilidades mentais de forma classificatória e seriatória, sendo planejada
e medida por critérios objetivos que
determinam o grau de mudança
cognitiva e das respectivas alterações
na configuração cerebral, permitindo quantificar materialmente a
aprendizagem.
A neuropsicopedagogia informatizada estuda os processos cognitivos
que estão envolvidos nas tarefas escolares e nos conteúdos curriculares, em
toda a sua complexidade, procurando
obter informações de todas as ciências
que possam contribuir para formar
o entendimento mais detalhado
da aprendizagem correlacionada à
atividade do cérebro. Formulários,
testes e avaliações médicas, sociais,
psicológicas, educacionais devem
ser reconstruídos para que toda essa
informação, em sua maioria qualitativa
e subjetiva, possa ser adquirida, manuseada e compreendida por sistemas
computacionais. Técnicas de estatística
avançada, lógicas bayesianas, nebulosas
e outros recursos da inteligência computacional estão sendo empregados
para este propósito. As altas funções
cerebrais podem ser mapeadas nesse
trabalho através de modelos funcionais
da mente. Esse modelo será validado
por meio de exames de ressonância
magnética funcional e eletroencefalograma quantitativo. A neuropsicopedagogia informatizada permite
a modelação de habilidades mentais
de forma classificatória e seriatória,
sendo planejada e medida por critérios
objetivos que determinam o grau de
mudança cognitiva e das respectivas
alterações na configuração cerebral,
permitindo quantificar materialmente
a aprendizagem. Este modelo mental,
transformado em algoritmos e implantado em um sistema computacional,
permite a construção automatizada
de intervenções personalizadas que
reconstrua a integralidade do indivíduo como sujeito aprendente e
epistêmico.
Este modelo científico pode
oferecer o acesso de crianças, a uma
rede inteligente de plataformas de
geração de metaconhecimentos que
estejam disponíveis para grandes
massas sociais, que poderão fazer uso
contínuo dessas competências.
A neuropsicopedagogia explica
que somente a acumulação de conhecimento é insuficiente para garantir
que algum benefício seja usufruído.
O conhecimento eficaz deve ser articulado, operante, metacognitivo,
capaz de ser utilizado para a solução
de problemas que surgem diante do
indivíduo. Para atingir esse objetivo, a neuropsicopedagogia associa
a construção do conhecimento às
funções neuropsicológicas cognitivas
e metacognitivas. A neuropsicopedagogia informatizada amplia o
alcance dessas competências a todos
as crianças que em qualquer situação
tenham o acesso a um computador.
Neste ponto, a neuropsicopedagogia metacognitiva não se limita a
oferecer um acesso aparente ao conhecimento, mas um acesso real ao
processamento cognitivo consciente
através do automonitoramento, de
forma que esse conhecimento possa
ser garantidamente uma ferramenta
do pensamento autônomo, reflexivo,
recursivo, complexo e abstrato em sua
modelação lógica e gramatical.
Este modelo científico pode
oferecer o acesso de crianças a uma
rede inteligente de plataformas de
geração de metaconhecimentos
que estejam disponíveis a grandes
massas sociais, que poderão fazer uso
contínuo dessas competências. Para
tanto, pesquisadores da computação
no NCE-UFRJ estão agregando ao
projeto toda a tecnologia mais recente, fruto de pesquisas e teses de
mestrado já defendidas e em andamento na área de desenvolvimento
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.12, Jan-Jun 2008
ESPAÇO ABERTO
O paradigma da metacognição e o da existência da
mente dependente da atividade cerebral necessitam
ser reconhecidos e implantados nas práticas escolares.
de software fidedigno, sistemas WEB
2.0, sistemas distribuídos peer to peer,
persistência distribuída, plataformas
móveis, computação nomádica e
convergência tecnológica. Todo
o desenvolvimento dos sistemas
neuroinformáticos está calcado
em um processo de construção de
software fidedigno. Esse processo
tem sido aplicado há mais de quatro anos na construção do software
administrativo da universidade e
ensinado em cursos de graduação e
mestrado. A construção dos sistemas
consolidará as práticas que garantem
a fidedignidade do software com o
desenvolvimento baseado em testes
automatizados, programação em
pares, refatoração continuada e comunicação direta com o cliente. Esse
modelo fidedigno estará embutido no
modelo de construção e expansão do
sistema, persistindo em todo o seu
desenvolvimento e sendo propagado
para todos os colaboradores que
queiram consolidar a sua pesquisa
agregando novas funcionalidades
ao sistema. Um dos principais intuitos desse sistema é atingir toda
a população infantil, surda ou não,
em fase escolar. Para tanto se espera
que a ubiqüidade da computação
atinja a todos os tipos de criança,
como os programas que destinam
um computador para cada aluno
(UCA/OLPC – Classmate). Como
modelo de computação univalente,
está sendo adotada a computação
soberana, que inclui o caráter social
dos sistemas computacionais respeitando os direitos e a individualidade
da pessoa humana. O modelo de
ubiqüidade soberana que está sendo
implementado prevê um middleware
que integra sistemas peer to peer
com servidores de aplicação WEB
através de protocolos leves da WEB
2.0 REST e JSON. A ubiqüidade,
a disponibilidade e a segurança da
informação são suportadas pela migração nomádica adaptativa de dados
e códigos baseada em informações
segmentadas e replicadas nos moldes
do protocolo bittorrent. Cada usuário
identificado no sistema adquire um
contexto ubíquo que o acompanha
em cada dispositivo computacional
com que ele tenha contato.
A
NEUROPSICOPEDAGOGIA
DOS JOGOS CRIA CONTO:
O PRIMEIRO JOGO
COMPUTADORIZADO
O PROTÓTIPO PRINCIPAL
A apresentação do layout deste
protótipo encontra-se disponibilizado no sítio do You Tube, para
acesso livre.
O primeiro protótipo elaborado
pela equipe do mestrado (NCEUFRJ), durante a disciplina de
Neuropedagogia e Informática, foi o
jogo Cria Conto. Propusemos, através
de um jogo, a viabilidade do atendimento personalizado em grande
escala, direcionado a crianças de sete
a doze anos de idade, para mediar o
desenvolvimento do imaginário por
meio do processamento metacognitivo. Nesse projeto, desenvolvemos a
implementação, que contou com o
apoio de profissionais das áreas tecnológicas, artísticas e neurocientíficas,
reunidos pelo trabalho colaborativo.
Desde a elaboração da arquitetura
ao fechamento do protótipo, a programação foi conduzida por equipes
de trabalho interdisciplinar.
Figura 1: Tela de abertura do jogo Cria
Conto
O jogo também tem como objetivo a avaliação das estruturas cognitivas do imaginário, descrevendo
o perfil da criança, além de servir de
intervenção neuropsicopedagógica em
habilidades e competências envolvidas
na construção de metamodelos que
promovem saltos qualitativos no
conhecimento.
Figura 2: Tela de construção do
protótipo Cria Conto
Este protótipo tornou-se um
paradigma de solução, a ser aplicado
em centenas de novos jogos, a serem
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apresentados ao usuário e disponibilizados em plataformas Web portáveis,
que são independentes do sistema
operacional utilizado, possibilitando
o uso em larga escala. O processo
de aplicação oferece uma interface
para o jogador (criança) e outra para
o aplicador (técnico ou professor).
Tal procedimento é viabilizado pela
tecnologia P2P, que torna possível
que jogador e aplicador possam
estar em ambientes distintos e o
procedimento seja realizado através
de videoconferência.
Figura 3: Colocação de personagens
O IMAGINÁRIO: OBJETIVO
GERAL DE TODOS OS
JOGOS
A escolha do imaginário como
tema do paradigma principal é estratégica na elaboração da infra-estrutura
teórica. Essa estrutura permite o
desenvolvimento prático dos jogos
neuropedagógicos e metacognitivos
por serem todos, obrigatoriamente,
elementos de promoção da atividade
básica e contínua do pensamento.
De acordo com Seminério,
Partimos do pressuposto de que
haja uma plataforma cognitiva
para o imaginário, constituída pelo
nexo inato da causalidade, capaz de
interligar os conteúdos desse fluxo.
Esse seria em nosso entender o eixo
sintagmático ou combinatório – por
analogia com os termos da lingüística
– capaz de reunir os componentes
episódicos num encadeamento
‘temporalizado’. Por outro lado, os
contextos ou mitos constitutivos dos
conteúdos imaginários representariam os paradigmas do processo,
o eixo seletivo da imaginação. Este
modelo metodológico foi elaborado
em equivalência às etapas do desenvolvimento da lógica postuladas por
J. Piaget (1946/1978).
Portanto, o imaginário parece ser
a condição fundamental intrínseca
a todos os jogos, pelo fato de estes
estarem sempre inseridos em contextos mais amplos de conhecimento,
significação e cultura.
O ponto crucial da proposta é a
estimulação do imaginário articulado
à metacognição para desenvolver
funções mentais superiores (atenção, memória, percepção, funções
executivas e linguagem) durante a
experiência com os objetos lúdicos.
A condição essencial para isso é a
organização dos jogos por fases sucessivas de elaboração dirigida, divididas
por tipos diferentes de interação,
em partes progressivas de mediação
de regras e transmissão de modelos
(meta-regras), baseados no princípio
de modelação de Bandura.
O objetivo final é capacitar multiplicadores (técnicos e professores),
a partir da elaboração de um manual
técnico capaz de instrumentalizá-los
na operacionalização sistemática destes tipos de jogos em sala de aula.
MATERIAIS E MÉTODOS:
CARACTERÍSTICAS DA
AMOSTRA POPULACIONAL
DAS PESQUISAS EM
ANDAMENTO
Este esforço de adaptação de
novos conhecimentos científicos à
produção de metodologias pedagó-
gicas produzirá reflexos indiscutíveis
na organização da atividade cerebral
e dos processos intelectuais da criança, observáveis no comportamento
expressivo e simbólico, dependendo,
contudo, do grau, extensão e natureza
da deficiência, como ainda da idade
em que a deficiência apareceu.
Sujeitos:
1 - grupos de crianças separadas
por idade, escolaridade, graus e tipos
de surdez e de deficiência visual, por
níveis de domínio da língua de sinais
(LIBRAS) e ainda pela idade da perda
e da entrada na escola;
2 - seiscentas crianças surdas, entre
sete e doze anos de idade, estudantes
do INES, incluindo também grupos
específicos com identificação de problemas de aprendizagem, possíveis
comorbidades em relação a suspeitas
de transtornos clínicos gerais, psiquiátricos e neurológicos, envolvendo
o comprometimento quantitativo e
qualitativo das áreas:
t neurocognitiva
t neurolingüística
t neuropsicopedagógica
t comportamental
A
NEUROPSICOPEDAGOGIA:
IMPLICAÇÕES
PEDAGÓGICAS DO
NEUROLABINES
O paradigma da metacognição e
o paradigma da existência da mente
dependente da atividade cerebral
necessitam ser reconhecidos e implantados nas práticas escolares.
O trabalho fundamental deste
projeto envolve serviços à comunidade
geral e escolar, através de um laboratório de neuropsicologia cognitiva
aplicado à criança surda, disponibi-
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.14, Jan-Jun 2008
ESPAÇO ABERTO
lizando recursos e instrumentos para
oferecer a possibilidade de uma nova
área de pesquisa pedagógica.
Após a “escola nova”, a escola
construtivista e sociointeracionista,
pretende-se contribuir para a experimentação investigativa da escola
neuropsicopedagógica incluindo os
procedimentos das neurociências e
estratégias da aprendizagem metaprocessual ou metacognitiva.
O salto de paradigma – como
“revolução científica” que as neurociências e a metacognição vêm
estabelecendo no plano epistemológico – pode assinalar um avanço
correspondente nas reflexões acerca
das atividades pedagógicas.
O paradigma da metacognição e
o da existência da mente dependente
da atividade cerebral necessitam
ser reconhecidos e implantados nas
práticas escolares.
A metacognição promove uma
elaboração ampla e complexa, na
atividade cognitiva da criança, na
medida em que modelos e principalmente metamodelos são transmitidos
como fonte de dedução e heurística
subseqüente.
A veiculação de regras e metaregras, devidamente elaboradas no
contato com jogos computadorizados que promovam a elaboração
dirigida (Seminério, 1988), instiga o
raciocínio, provocando e acelerando
sucessivos saltos de escala.
Espera-se poder constituir um passo significativo para estimular a experimentação desse modelo de atividade
pedagógica no ensino fundamental,
para estudar o problema das funções
mentais superiores e suas formas de
processamento cognitivo-lingüístico
simultâneo e sucessivo, em surdos,
com o intuito de auxiliar meios de
comunicação, de compreensão e de
ensino para essa população.
As investigações realizadas sobre
o desenvolvimento neuropsicológico
da criança surda podem alcançar
resultados conclusivos.
Espera-se a divulgação de um manual técnico, sistematizando as regras
essenciais deste campo de pesquisa.
Figura 6: Primeiro livro com
trabalhos teóricos dos orientadores do
NEUROLAB-INES/NeuroLog REDE
INES
ESPAÇO
Jan-Jun/08
AS PLATAFORMAS
AMPLIANDO AS
PLATAFORMAS A OUTRAS
ÁREAS DE DEFICIÊNCIA E
A CRIANÇAS EM SITUAÇÃO
DE RISCO
Figura 7: Conjunto de dez plataformas
computadorizadas interinstitucionais
Figura 4: Mapa de plataformas computadorizadas e instituições colaboradoras.
*OGPSNBUJWP5ÏDOJDP$JFOUÓmDP&TQBÎP*/&43JPEF+BOFJSPOQ+BO+VO
15
INES
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Jan-Jun/08
16
ESPAÇO ABERTO
São dez plataformas computadorizadas interinstitucionais, com a
ONU, e executadas pelo NCE/UFRJ,
que trabalhará com a colaboração e
participação de instituições diversas:
INDC, IPUB, IFF-FIOCRUZ,
USP, HC-USP, UNIFESP, UFF,
UNIRIO,UERJ, COPPE, IBC,
INES, SEE, SME, PUC-RJ, USF,
FUNDAÇÃO CESGRANRIO,
REDE LAB’S DOR e ABRAPA.
A Plataforma NEUROLAB-IBC
– Laboratório de Neuropsicologia
Cognitiva e Neurociências da
Deficiência Visual – avaliação neuropsicopedagógica de crianças com
deficiência visual (o estudo dos processos corticais simultâneos e sucessivos,
visuo-motores e audiofonéticos através
de testes neuropsicológicos)
A PLATAFORMA
NEUROLABIBC
Esta plataforma, especializada nas neurociências da
deficiência visual, também
promove o acesso à comunicação
integrativa, à aprendizagem colaborativa entre pesquisadores e
profissionais, além de estar voltada
para a capacitação técnica. O objetivo é oferecer meios teóricos para
o desenvolvimento de programas
computadorizados para crianças com
deficiência visual, incluindo situações
de co-morbidades, patologias ou
atrasos no desenvolvimento.
A PLATAFORMA IBC
A Plataforma IBC contribuirá para um maior
conhecimento da produção de pesquisas de nível internacional,
possibilitando o apoio a crianças com
deficiência visual e seu acesso direto a
novos softwares educativos fundamentados nas ciências da cognição e nas
neurociências, dentro de uma visão
de desenvolvimento inclusivo.
Inclusão social é o desejo das
pessoas com deficiência, assim como
o direito ao brincar é o de todas as
crianças. Este trabalho apóia-se na
legislação nacional e internacional
para construir meios de acesso ao
desenvolvimento cognitivo-lingüístico
de crianças deficientes visuais através
da ludicidade e da informática, principal tarefa desta plataforma.
A PLATAFORMA
NEUROLABIBC
A Plataforma CRISTAAL
oferece apoio à computação na reabilitação
intelectual e aos sistemas de testagem
para a aprendizagem acelerada das
linguagens, visando à promoção da
convenção, instituída pela ONU,
sobre os direitos das crianças com
deficiência intelectual.
A PLATAFORMA TUIA
A Plataforma TUIA
é um sistema computadorizado de informação, para suporte
à Educação, à Saúde e aos cuidados
sociojurídicos à criança vítima de
violência, abuso e negligência.
Este trabalho consiste na construção de um instrumento que sirva de
referência no planejamento das ações
de combate à violência contra a criança, nas práticas dos profissionais e na
articulação dessas práticas. Para isso,
verificou-se a validade de protocolos de
avaliação, construídos por especialistas
de áreas diversas, que selecionaram um
grupo específico de questões referen-
tes ao grau de intensidade, ao tipo e
duração do abuso, questões essas que
possuem alta relevância e co-relação
com as alterações psiconeurobiológicas
identificadas em testes e avaliações
comportamentais e clínicas.
A PLATAFORMA ESGRIMA
 PARA A PROMOÇÃO DO
DIREITO DE APRENDER E
DO DIREITO DE BRINCAR
O Centro de Informação
das Nações Unidas
(UNIC-Rio), com o apoio
da ABRAPA e do NCE-LABASEUFRJ, implementou a Plataforma
EsGRIMA como sistema de apoio
à decisão em Educação, através da
prestação de serviços de capacitação de
profissionais e incentivo à pesquisa.
A Plataforma EsGRIMA possibilita
o acesso direto de milhares de crianças
a softwares educativos inovadores, fundamentados nas ciências da cognição,
metacognição e nas neurociências, dentro de uma visão de desenvolvimento
social inclusivo. Também envolve, para
intervenção psicoeducativa, jogos de
avaliação e salas metacognitivas, que
se constituem de diversos módulos de
jogos computadorizados, abrangendo
basicamente o desenvolvimento de
áreas fundamentais da cognição.
A PLATAFORMA OURO  DE
APOIO À DECISÃO MÉDICA
A Plataforma OURO,
para a promoção da integração comunicativa e
aprendizagem colaborativa na construção social do conhecimento em
neurociências, facilita a divulgação
científica e a disseminação democrática de tecnologias especializadas, de alta
relevância para o ensino universitário,
além de propiciar grande impacto
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.16, Jan-Jun 2008
ESPAÇO ABERTO
INES
ESPAÇO
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O pré-requisito para se eliminarem – ou pelo menos reduzirem – as diferenças
entre as classes sociais não seria, em nosso entender, econômico e sim cognitivo,
por ser este o determinante efetivo das transformações e da produtividade
em qualquer nível. Espera-se, portanto, que estas novas técnicas, além de
beneficiarem todas as crianças, possam promover um desenvolvimento cognitivo
mais acentuado em crianças carentes, compensando as limitações de recursos
informacionais dos seus ambientes.
A SALA DA PAZ
para o desenvolvimento de pesquisas
científicas, permitindo a divulgação
de dados e a publicação de artigos,
auxiliando na capacitação de professores e colaborando com a construção
de materiais pedagógicos que possam
ser utilizados para o desenvolvimento
de conteúdos interdisciplinares e
em temas transversais, em direção
às práticas colaborativas envolvidas
em projetos de participação social,
cidadania e abertura de uma visão
mais abrangente do mundo.
A Sala da Paz foi criada
especialmente com o objetivo de disponibilizar
material para favorecer a aprendizagem na área de Direitos Humanos,
com busca e consulta de informações
por alunos de diferentes faixas etárias
e níveis de ensino. A professores e
técnicos servirá como ferramenta
A Plataforma
ESCOLA DA
PAZ assenta-se
nos princípios e valores promovidos
pelas Nações Unidas – tais como
Direitos Humanos, Paz e Segurança
Internacional, Desenvolvimento
Social, Defesa dos Direitos das
Mulheres e das Crianças, entre outros
social dos resultados na qualidade
do atendimento das instituições de
saúde prestado à população.
O desenvolvimento do projeto
é essencialmente da plataforma web
de gerenciamento e das ferramentas
de streaming/armazenamento de
dados/segurança de dados médicos/
processamento remoto/integração
de dados radiológicos, clínicos e
neuropsicológicos.
–, “considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos
os membros da família humana e de
seus direitos iguais e inalienáveis é o
fundamento da liberdade, da justiça
e da paz no mundo”, incluindo-se
o respeito a diferentes identidades,
direito à expressão livre, à educação
e ao acesso a bens culturais.
O projeto consiste em preparar
jovens voluntários, sensibilizando-os
para se tornarem multiplicadores destes princípios e valores, enriquecendo
suas atuações nas diversas áreas. Essa
preparação baseia-se na formação de
estagiários, através do desenvolvimento de atividades relacionadas a esses
temas , com treinamento e suporte
teórico-prático dado pelo Unic-Rio
em parceria com a UFRJ. Dessa
forma, o projeto contribui para uma
consciência global e para um mundo
mais pacífico e sustentável.
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.17, Jan-Jun 2008
17
INES
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ESPAÇO ABERTO
Jan-Jun/08
18
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Q
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.18, Jan-Jun 2008
ESPAÇO ABERTO
1
2
3
4
6
7
8
9
Dr.ª Maria Luiza Teixeira de Assumpção Lo Presti Seminério.
UFRJ.
Dr. Ivan da Costa Marques
UFRJ-NCE. Pós-Doutorado em
New School for Social Research,
N.S.S.R., Estados Unidos. Doutorado em Electrical Engineering
And Computer Science. University Of California At Berkeley,
U.C. BERKELEY.
Dr. Giancarlo Summa. Dretor
UNIC-Rio – ONU.
Dr. Ageu Cavalcanti Pacheco Junior. NCE – UFRJ. Doutorado
em Ciência da Computação no
Queen Mary College London.
%S $BSMP &NNBOVFM 5PMMB EF
Oliveira. NCE–UFRJ. Doutor
em informática pela UCL – Universidade de Londres.
Dr.ª Claudia Motta. NCE–
UFRJ. Doutora em Informática.
Programa de Pós-Graduação em
Informática (PPGI - IM/NCE) –
COPPE/UFRJ.
Dr. Marcos Borges. NCE-UFRJ.
Pós-Doutorado pela Universidade
Politécnica de Valencia, UPV, Espanha. Pós-Doutorado em Santa
Clara University, SCU, Estados
Unidos. Doutorado em Sistemas
de Informação pela University of
East Anglia, ANGLIA, Inglaterra.
Dr. Jayme Luiz Szwarcfite. LivreDocência pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-Doutorado pela Université de Paris
XI (Paris-Sud), U.P. XI, França.
Pós-Doutorado pela University
of Cambridge, CAMBRIDGE,
Inglaterra. Pós-Doutorado pela
University of Califórnia – U.C.,
Estados Unidos. Doutorado em
Ciência da Computação pela
University of Newcastle Upon
Tyne, TYNE, Inglaterra, em Teoria da Computação.
Dr. Leonardo Azevedo. IFF-FIOCRUZ. Doutor em Neurobiologia pela UFRJ.
10 Dr. Vladimir Lazrev. IFF-FIOCRUZ. Ph.D. em Psicologia
pelo Instituto de Psicologia da
Academia de Ciências da URSS,
Moscou. Pesquisador Sênior em
Psicofisiologia, da Comissão Superior de Classificação do Conselho de Ministros da URSS. Doutor em Ciências Biológicas pela
Universidade Estatal de Moscou.
11 Dr.ª Rachel Niskier Sanchez. Médica pediatra – IFF-FIOCRUZ.
12 Dr. Jorge Moll Neto. REDE
LABS D’OR. Pós-Doutorado –
NATIONAL INSTITUTES OF
HEALTH, NIH, Estados Unidos.
Doutorado em Ciências na USP.
13 Dr.ª Fernanda Tovar Moll. REDE
LABS D’OR. Doutora em Ciências Morfológicas pela UFRJ.
14 Dr.ª Beatriz Lefevre – HCUSP.
Neuropsicóloga. Presidente do
conselho Consultivo da ABRANEP.
%S‹3PTÉOHFMB.BSUJOT"MDBOUBra Zagaglia. Doutora em Direito
pela Universidade Museo Social
Argentino. Decana do Centro de
Ciências Sociais da UERJ.
16 Dr.ª Deize Vieira dos Santos. Doutora em Lingüística pela UFRJ.
17 Dr.ª Aniela França. Doutora em
Lingüística pela UFRJ.
18 Dr.ª Eloisa Mota Saboya Pinheiro. Doutora em Saúde Mental
pelo IPUB – UFRJ.
19 Dr. Jesus Landeira – PUC–. Doutorado em Neurociências e Comportamento pela University of
California at Los Angeles, UCLA.
20 Dr. Darcy Roberto Lima – INDC
– UFRJ. Pós-Doutorado em História da Medicina pela Royal Society of Apothecaries and British
Medical Association, London.
21 Dr.ª Maria Aparecida Mamede –
PUC. Doutora em Educação.
22 Dr. Alexandre Farbiarz – PUC.
Doutor em Design.
23 Luís Antônio Coelho – PUC.
Pós-Doutorado pela University
Of Reading, UR, Grã-Bretanha.
24 Esteban Walter Gonzalez Clua –
UFF. Doutorado em Informática
pela PUC.
%S (VJMIFSNF EF "MNFJEB 9Bvier. Mestre em Design pela
PUC.
26 Dr.ª Alessandra Capovilla. PósDoutorado em Psicologia pela
USP.
27 Dr. Fernando César Capovilla.
PHD em Experimental Psychology pela Temple University, T.U.,
Estados Unidos. Livre-Docência
na USP.
28 Dr.ª Heloísa Brasil – UFRJ. Doutora em Psiquiatria pela UNIFESP.
29 Dr.ª Lígia Elliot – FUNDAÇÃO
CESGRANRIO. Doutora em
Educação pela UCLA. Pós Doutorado na UFRJ.
30 Dr.ª Nilma Fontanive – FUNDAÇÃO CESGRANRIO. Doutora em Educação pela UFRJ.
31 Dr. Josefino Cabral Melo Lima
– UFRJ. Doutorado e Pós-Doutorado pela Université Pierre et
Marie Curie – UPMC, França.
32 Dr. Adriano Joaquim de Oliveira
Cruz. Doutorado em Electronic
Engineering, na University of
Southampton, Inglaterra.
33 Dr. Paulo Henrique de Aguiar
Rodrigues – UFRJ. Doutorado e
Pós-Doutorado na University of
California – UCLA.
34 Dr. Jose Antonio dos Santos
Borges – NCE-UFRJ. Mestre
em Informática pela COPPEUFRJ.
%S 'BCJP 1SPUUJ %PVUPSBEP FN
Engenharia de Sistemas e Computação pela UFRJ.
36 Dr. Marcos da Fonseca Elia. Doutorado em Science Education pela
University of London, UL.
37 Dr. Fabio Ferrentini Sampaio –
UFRJ. Doutorado em Science
and Technology pela University
of London, UL.
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INES
ESPAÇO
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19
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38 Dr. Miguel Jonathan. Doutorado em Engenharia de Sistemas e
Computação pela UFRJ.
39 Dr.ª Sueli Bandeira Teixeira Mendes – UFRJ. Doutorado em Mathematical Logic pela Stanford
University.
40 Dr. Luis Alfredo Vidal de Carvalho. Doutorado em Engenharia
de Sistemas e Computação pela
UFRJ.
41 Dr. Felipe Maia Galvão França
– UFRJ. Doutorado em Neural
System Engineering pelo Imperial College Of Science Technology
And Medicine, IC, Inglaterra.
42 Dr.ª Flávia Maria Santoro – UNIRIO. Doutorado pela UFRJ.
Pós-Doutorado na Université
Pierre et Marie Curie – Paris VI,
UPMC, França.
43 Dr.ª Leila Cristina Vasconcelos
de Andrade – UFF. Doutorado
em Informática pela UFRJ.
44 Dr.ª Simone Bacellar Leal Ferreira – UFRJ. Doutorado em Informática pela PUC.
%S‹3PTB.BSJB&TUFWFT.PSFJSB
da Costa – UERJ. Doutorado em
Engenharia de Sistemas e Computação pela UFRJ.
46 Dr. Elio Monteiro – UFF. Doutorado em Neurocirurgia pela
University Of London, UL.
47 Dr. Geraldo Marcos Nogueira
Pinto. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade
Museo Social Argentino.
48 Alexandre Antunes – Teatro Municipal do Rio De Janeiro. Doutorado em música pela Michigan
State University.
49 Dr.ª Isabel Bordin – UNIFESP.
Doutora em Psiquiatria pela
USP.
%S‹ 7BOFTTB 0MJWFJSB #BUJTUB o
UFRJ. Doutora em Direito pela
UFMG.
%S‹ -VDJBOB #PJUFVY o 6'3+
Doutora em Direito pela USP.
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.20, Jan-Jun 2008
DEBATE
A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NO RIO GRANDE DO SUL:
DELINEANDO AS PRIMEIRAS ANÁLISES
Deaf education in Rio Grande do Sul: delineating the first analyses
Maura Corcini Lopes*
Betina S. Guedes**
* Educadora Especial. Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação (UNISINOS).
Coordenadora do Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Educação de Surdos (GIPES). Entre suas publicações destacam-se: o livro Surdez & Educação, publicado pela editora Autêntica em 2007; capítulos dos livros de que também é
organizadora: A Invenção da Surdez e A Invenção da Surdez II, ambos publicados pela editora EDUNISC, entre outros.
E-mail: [email protected]
** Fonoaudióloga. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos
Sinos (UNISINOS). Integrante do Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Educação de Surdos (GIPES).
E-mail: [email protected]
Material recebido em setembro de 2007 e selecionado em outubro de 2007.
RESUMO
Este trabalho discute a situação
lingüística e de comunicação dos
alunos surdos matriculados nas escolas
regulares e nas escolas de surdos existentes nas regiões que compreendem
o Vale dos Sinos até a Serra Gaúcha.
Compreendendo um total de 26 municípios, essa investigação integra uma
pesquisa maior intitulada A educação
dos surdos no Estado do Rio Grande
do Sul, financiada pelo CNPQ.
Mapeamos, nas regiões acima citadas,
330 alunos surdos matriculados em 62
FTDPMBTTFOEPRVFEFTUBTQPTTVFN
alunos surdos incluídos na rede regular
de ensino, oito escolas possuem classe
especial e uma escola é específica para
alunos surdos. Dezessete intérpretes
de Língua de Sinais trabalham em 10
escolas, sendo que nove atuam em
sala de aula, um realiza, no mínimo,
uma vez por semana algum tipo de
atendimento aos alunos surdos e os
demais atuam como intérpretes eventualmente nas instituições. Diante da
situação educacional e comunicativa
dos alunos surdos levantada perante as
Coordenadorias de Ensino, Secretarias
Municipais de Educação e escolas,
questionamos as condições de inclusão, de comunicação e, articuladas
a essas, as condições de ensino e de
aprendizagem em que os alunos se
encontram. Conceitos trabalhados
nos campos dos Estudos Surdos, dos
Estudos Culturais e nas teorizações
foucaultianas, tais como identidade,
comunidade, inclusão, comunicação e
diferença surda, são centrais no texto
e usados como ferramentas analíticas
para que outras formas de pensar e
de fazer educação de surdos sejam
mobilizadas, não só pelas instâncias
políticas competentes, como também
pelas escolas que atuam diretamente
com os alunos surdos.
Palavras-chave: Aluno surdo.
Língua de Sinais. Identidade surda.
Inclusão. Comunidade.
ABSTRACT
This paper discusses the linguistic and
communication situations of the deaf
students enrolled in both regular and
deaf schools in 26 towns in Sinos Valley
and Rio Grande do Sul Highlands.
This investigation is part of a more
comprehensive research called Deaf
Education in Rio Grande do Sul, funded
by CNPQ. We have traced 330 deaf
students enrolled in 62 schools in the
regions studied. Fifty-three out of these
schools have deaf students included in the
regular teaching network, eight schools
provide special classes, and one school
is specifically directed to deaf students.
Seventeen Sign Language interpreters
work in ten schools; nine of them work
in the classroom; one performs some
activities with deaf students at least
once a week, and the others occasionally
work as interpreters in those institutions.
Considering the educational and
communicative situation of deaf students,
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INES
ESPAÇO
Jan-Jun/08
21
INES
ESPAÇO
Jan-Jun/08
22
DEBATE
according to Teaching Coordinations,
Education Secretaries, and schools,
we have questioned their inclusion
and communication conditions, and
articulated with those, both their
teaching and learning conditions.
Some concepts from the Deaf Studies
and Cultural Studies fields and from
Foucauldian theorizations, such
as identity, community, inclusion,
communication, and deaf difference,
are central to this text and have been
used as analytical tools, so that other
ways of thinking and making deaf
education may be mobilized, not only
at competent political levels, but also
by schools that work directly with deaf
students.
Keywords: Deaf student. Sign
Language. Deaf identity. Inclusion.
Community.
O CONTEXTO
DA PESQUISA
Este artigo traz para a problematização parte dos dados produzidos
em duas regiões que integram a
pesquisa realizada pelos componentes do Grupo Interinstitucional de
Pesquisa em Educação de Surdos
(GIPES/CNPQ), através da pesquisa
intitulada A Educação dos Surdos no
Rio Grande do Sul, patrocinada pelo
CNPQ. Os dados sobre a situação
educacional e lingüística dos surdos
nas escolas que estão entre as regiões
de abrangência da Universidade do
Vale do Rio dos Sinos nos possibilitam
problematizar a situação lingüística,
de comunicação, de aprendizagem
e de ensino e de inclusão em que os
alunos se encontram nas escolas.
Antes de entrarmos especificamente em nossas análises pensamos
ser importante contextualizar a
pesquisa na qual estamos inseridas.
Compomos um grupo de pesquisa,
credenciado no CNPQ, denominado
Grupo Interinstitucional de Pesquisa
em Educação de Surdos (GIPES),
formado por pesquisadoras que
atuam em distintas Universidades
localizadas no Estado do Rio Grande
do Sul (RS). Em cada uma das seis
universidades onde atuam uma ou
duas das pesquisadoras1 do GIPES,
núcleos de pesquisa são constituídos, integrados por professores,
mestrandos, doutorandos e bolsistas
de iniciação científica, aos quais se
atribui a responsabilidade de investigar a situação educacional dos
surdos da região de abrangência das
Universidades a que estão vinculados
os componentes desses núcleos. As
universidades que integram a pesquisa
são: Universidade do Vale do Rio dos
Sinos (UNISINOS), Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM),
Universidade Federal de Pelotas
(UFPEL), Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS),
Universidade de Passo Fundo (UPF)
e Faculdade Cenecista de Osório
(FACOS). O objetivo maior que
mobiliza o grupo amplo de pesquisa
é o de conhecer as condições lingüísticas e de escolarização na educação
básica dos surdos em escolas públicas
estaduais e municipais, e em escolas
particulares conveniadas à rede pública, localizadas nas regiões do Rio
Grande do Sul.
A pesquisa subdivide-se em duas
fases. A primeira compreende o
levantamento de dados numéricos
sobre as matrículas, os intérpretes, a
formação de professores e a análise de
documentos das escolas. A segunda
fase corresponde às etapas de visitas
a escolas e de análise dos materiais
levantados nessas unidades e nas
Secretarias e CRE.
Na primeira fase, já em conclusão,
está sendo feito um levantamento
geral de dados sobre as escolas,
os professores e os alunos surdos,
especificando-se: o âmbito da escola
(municipal, estadual, federal ou
particular), a modalidade de ensino
(escola de surdos, classe especial ou
inclusão), o número de alunos matriculados (Educação Infantil, Ensino
Fundamental, Ensino Médio e EJA),
o número de professores (ouvintes e
surdos) e o de intérpretes. Em relação
aos alunos surdos especificamente,
estão sendo coletadas as seguintes
informações: as séries de ensino em
que se encontram, a condição de repetentes ou não e de usuários ou não
da Língua de Sinais. Nessa primeira
fase também está prevista a análise
de projetos político-pedagógicos
das escolas, bem como o registro
das políticas de educação de surdos
disponibilizadas pelas secretarias de
educação, dos currículos escolares e
de eventuais cursos de capacitação
de professores em andamento nas
instituições. Na segunda fase (já
em processo em muitas regiões),
nas escolas que possuem surdos em
classe especial, incluídos em turmas
de alunos ouvintes e em escolas de
surdos, estão sendo realizadas observações e entrevistas com alunos,
professores e intérpretes.
1 As professoras pesquisadoras que integram o núcleo do GIPES são: Dr.ª Maura Corcini Lopes (Coordenadora do GIPES e da pesquisa credenciada no CNPQ/
UNISINOS); Dr.ª Márcia Lise Lunardi (Vice-Coordenadora do GIPES/UFSM); Dr.ª Madalena Klein (Vice-Coordenadora da Pesquisa/UFPEL); Dr.ª Adriana
da Silva Thoma (UFRGS); Dr.ª Lodenir Karnopp (UFRGS); Dr.ª Tatiana Bolivar Lebedeff (UPF) e Dr.ª Liliane Ferrari Giordani (FACOS).
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.22, Jan-Jun 2008
DEBATE
Com as análises dos dados da
pesquisa busca-se: conhecer a situação educacional dos alunos surdos,
a situação profissional, lingüística
e de formação dos professores que
atuam em escolas onde existam
alunos surdos matriculados; subsidiar, com os dados produzidos, os
órgãos estaduais, municipais e de
representação da comunidade surda; analisar a situação educacional
dos surdos no RS, tomando como
referência as condições históricas,
sociais e culturais da comunidade
surda e da comunidade acadêmica, a
partir da segunda metade da década
de 1990.
Essa demarcação temporal devese à grande mobilização política da
comunidade surda que ocorreu no
Brasil, principalmente durante a
mencionada década de 90. Grande
parte das reivindicações referiramse à oficialização da LIBRAS (Lei
n.° 10.436, de 24/04/2002), seu
reconhecimento político e inserção
no contexto escolar. Mais especificamente em relação ao Rio Grande do
Sul, houve uma grande mobilização
política conduzida por pesquisadores
da área da educação, corroborando a
constituição do Núcleo de Pesquisas
em Políticas Educacionais para Surdos
(NUPPES)2, que realizou e articulou
pesquisas acadêmicas, formação de
professores e militância nos movimentos surdos, criando espaços de
problematização e de proposições
na educação de surdos.
Cabe salientar que diversos cursos
de formação estavam sendo realizados
nessa época, subsidiados, de uma
forma geral, por concepções clínicoterapêuticas de surdez. A principal
questão que emergia desses contextos
de formação era o ensino da língua
de sinais, que nem sempre era concebida como elemento fundamental
na educação dos surdos. Seu uso se
artificializou nas escolas e muitas
vezes foi caracterizado equivocadamente pelas instituições como
a materialização de uma educação
bilíngüe3.
Afirmamos que os contextos educativos, por estarem utilizando sinais,
mas nem sempre a língua de sinais,
eram equivocadamente caracterizados
como bilíngües devido ao lugar e ao
status que a língua dos surdos ocupava
nas escolas. Na grande maioria das
instituições de ensino, a língua de
sinais era reconhecida como importante para facilitar a comunicação;
como elemento que possibilitaria
aos alunos um desenvolvimento
parecido com o do ouvinte; como
um método de ensino do português
e como segunda língua. Conforme
análise de Skliar, a língua de sinais
era incluída nas instituições como
“(...) experiência controlada, com
prescrições de horários, atividades
formais, seqüências preestabelecidas,
modelos lingüísticos e humanos
estereotipados, etc”. (SKLIAR,
1999, p.9) Podemos dizer que raras eram as instituições de ensino
no Estado do RS que entendiam
a Língua de Sinais como expressão
da cultura surda e primeira língua
dessa comunidade.
Com movimentos de inclusão
de surdos na Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, destinados
a fazê-los participar de grupos de
pesquisa, de discussões acadêmicas e
das investigações que vinham sendo
realizadas, a comunidade surda se
aproximou dos pesquisadores que
estavam na universidade qualificando
substancialmente as produções de
ambos os grupos. Acreditamos e
caracterizamos como um marco, na
história dos surdos e das pesquisas nos
campos da Educação e da Lingüística,
a aproximação surda da universidade.
Desde então a comunidade surda,
articulada aos militantes da causa
surda e aos pesquisadores, começaram
uma luta política objetivando a
divulgação da Língua de Sinais na
esfera pública e sua implantação nos
currículos das escolas em que houvesse
alunos surdos. Reivindicou-se também
a admissão de professores surdos
nesses contextos. De uma forma geral
o objetivo da militância surda nesse
período, meados da década de 1990,
era garantir aos surdos o direito de
se comunicarem e aprenderem na
sua Língua.
Todo um movimento político foi
posto em funcionamento em prol
da divulgação e da oficialização da
LIBRAS, partindo-se do entendimento de que essa conquista embasaria a
2 O NUPPES constituiu-se em 1997, sob a coordenação do professor Carlos Skliar. Era vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em 2006 os pesquisadores do NUPPES encerraram oficialmente suas atividades. Com o fim do NUPPES, mas com a
continuidade das pesquisas e dos trabalhos que o grupo realizava, sete das pesquisadoras que o compunham decidiram formar o atual GIPES e credenciá-lo no CNPQ.
O GIPES é coordenado por Maura Corcini Lopes, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), e Márcia Lise Lunardi, da Universidade Federal de santa
Maria (UFSM).
3 Skliar (1999, p.7) salienta que a educação bilíngüe para surdos é algo mais do que o domínio de duas línguas. De acordo com o autor, a proposta de educação
bilíngüe para surdos pode ser definida como “(...) uma oposição aos discursos e às práticas clínicas hegemônicas – características da educação e da escolarização
dos surdos nas últimas décadas – e como um reconhecimento político da surdez como diferença”.
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.23, Jan-Jun 2008
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ESPAÇO
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23
INES
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24
DEBATE
discussão e a elaboração de políticas
educacionais que atendessem as especificidades lingüísticas e culturais das
pessoas surdas. Com isso, operou-se
uma mudança de perspectiva em
relação às possíveis formas de narrar
os surdos e a surdez, enfocando a
possibilidade de se “olhar a surdez
de outro lugar que não o da deficiência, mas o da diferença cultural”.
(LOPES, 2007, p.9)
Após todo esse período de mobilização política intensa, as conquistas
foram gradativamente sendo consolidadas, tais como: a oficialização
da Língua Brasileira de Sinais, o
fortalecimento da comunidade surda, a oferta de cursos de formação
de professores, de instrutores e de
intérpretes, o aumento da produção
de pesquisas na área da educação de
surdos, a implantação da Língua
de Sinais na educação de surdos e a
revisão do currículo das escolas.
Frente a essa rápida contextualização histórica e às atuais condições
de possibilidade, que se estabeleceram em relação à Língua de Sinais
e à educação dos surdos, gestadas
principalmente pelas políticas inclusivas, propusemo-nos analisar dados
referentes à situação educacional e
lingüística dos surdos matriculados
em escolas estaduais, municipais
e particulares, localizadas entre as
regiões do Vale do Rio dos Sinos até
a Serra Gaúcha. Com nossas análises
queremos problematizar a relação
entre aluno surdo, Língua de Sinais
e intérprete, entendendo essa relação como uma tríade fundamental,
para que a educação de surdos possa
ser pensada com qualidade e com
garantia de respeito às diferenças
culturais e à igualdade de condições
de aprendizagem resguardando as
diferenças lingüísticas e culturais
dos surdos.
EDUCAÇÃO DE SURDOS:
ENTRE O ESPECIAL E O
INCLUSIVO
A Educação Especial, em um
sentido amplo, surgiu no final do
século XIX e início do século XX,
quando as possibilidades de educação
dos sujeitos considerados deficientes
começaram a ser problematizadas.
No Brasil, as primeiras instituições
destinadas ao atendimento escolar dos
portadores de deficiência surgiram na
segunda metade do século XIX como
uma iniciativa de Dom Pedro II. Tais
como as instituições européias essas
escolas destinavam-se aos deficientes
auditivos e visuais, por acreditar-se
que eles necessitavam de adaptações
de procedimentos pedagógicos mais
simples em relação às demais deficiências (LUNARDI, 2003).
Foi na França do século XVIII
que a educação pública para surdos
começou a surgir, juntamente com
uma comunidade que se articulou ao
redor da primeira escola fundada em
1761 em Paris. Nessa escola a Língua
de Sinais era reconhecida e usada
nos procedimentos pedagógicos. Em
meio ao surgimento dessa Instituição
Escolar Imperial situa-se também a
proposta educacional desenvolvida
pelo abade Charles Michel de L’Epée
(1712–1789), que, devido aos resultados metodológicos positivos, veio a
influenciar na fundação de inúmeras
escolas para surdos na Europa e nos
Estados Unidos, com profissionais
surdos e ouvintes. Cabe ressaltar que,
no decorrer de todo esse movimento, a Língua de Sinais passou a ser
reconhecida como uma das formas
de comunicação apropriada para a
educação de surdos. E juntamente
com os recursos visuais utilizados
servia como base para uma pedagogia
especial, na qual a religião, a moral
e a língua nacional constituíam o
núcleo do currículo, fazendo com
que a Língua de Sinais e os surdos
que dela faziam uso adquirissem
certa visibilidade para a sociedade
(LULKIN, 2000).
Após a Revolução Francesa, o
Estado assumiu a responsabilidade
pela educação de todas as crianças,
estabelecendo como objetivo principal o acesso à cidadania. Nesse
viés a educação de surdos passou ao
domínio público, sendo julgada por
diferentes perspectivas, que compartilhavam a noção de que não havia
motivos suficientes para se investir
na educação de sujeitos incapazes.
Alguns representantes políticos defendiam que o ensino de surdos não
servia a ninguém, nem mesmo aos
surdos, por serem sujeitos rejeitados
pela natureza e impossibilitados de
superar a sua condição considerada
inferior. Diante do projeto político
e econômico de tornar todos os
cidadãos úteis, inclusive os surdos,
houve uma necessidade crescente de
profissionalização, enfatizando-se
os ofícios manuais. Em decorrência
dessas circunstâncias, as prioridades
na educação de surdos mudaram, e
a fala tornou-se imprescindível para
inserir o surdo “cidadão e trabalhador” nesse novo contexto social.
(LULKIN, 2000). A negação da
Língua de Sinais teve seu ápice em
1880, no Congresso de Milão, que
promulgou a extinção da língua surda
de todos os contextos educacionais,
e a partir daí outros movimentos
foram sendo articulados.
A educação de surdos buscou subsídios em diferentes teorias e vertentes
de pensamento. E a Língua de Sinais,
em meio a todo esse movimento
histórico, transitou entre distintas
posições, sendo negada, tolerada e
nos dias atuais exaltada. Exaltada pela
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.24, Jan-Jun 2008
DEBATE
inclusão escolar, eleita nesse contexto
como instrumento de integração e de
aproximação da comunidade escolar
com os surdos, e sendo utilizada pelas
políticas inclusivas como elemento
de acessibilidade dos alunos surdos
à escola regular. Significada dessa
forma nesse espaço inclusivo, vê-se
a surdez sendo mantida na condição
de deficiência, a educação de surdos
permanecendo compensatória e
a língua de sinais tendo seu status
lingüístico e cultural reduzido a
um meio de acesso aos conteúdos
escolares. Frente a isso, muito se tem
questionado sobre a viabilidade e os
efeitos da inclusão dos surdos no
ensino regular, em relação ao espaço
constituído na escola especial, que,
devido à aproximação dos surdos
com seus pares, possibilitou a identificação cultural e a consolidação
da comunidade surda.
Diante de todas as deficiências
que a educação inclusiva se propõe
comportar, a surdez, ao se colocar
em consonância com a militância
surda, mostra um deslocamento
em relação a essa esfera patológica,
passando a ser constituída em outras
tramas, o que lhe possibilita ser lida
e entendida a partir de outros lugares
e adquirir outras possibilidades de
significação ao ser narrada pelo viés
da diferença cultural. Disso resultam
outras formas de olhar, interpretar
e narrar a diferença surda no contexto pedagógico que até então fora
estabelecido, fundamentalmente, na
escola especial para surdos, não como
uma forma de isolamento, mas como
uma possibilidade de aproximação
surda e, mais recentemente, de
melhores condições de aprendizado
em decorrência do acesso à Língua
de Sinais.
Ancoradas nesse aspecto lingüístico do movimento político-cultural
dos surdos, as atuais políticas de
inclusão em vigor no país deliberam
que todos os alunos das escolas ou
classes especiais sejam incluídos no
ensino regular, inclusive os surdos.
Com base em adaptações arquitetônicas, tecnológicas, curriculares,
e, no caso dos surdos, lingüísticas,
as políticas inclusivas propõem-se
transformar a escola em um espaço
que acolhe as diferenças e com elas
convive.
Nas campanhas publicitárias, a
inclusão escolar tem sido promovida,
e, especificamente em relação aos
surdos, as estratégias de aceitação
têm sido atreladas à celebração da
Língua de Sinais na escola. A mídia
anuncia que a Língua de Sinais agora
faz parte do cotidiano das escolas,
circulando de forma “harmônica”
entre professores e alunos. Com base
nas políticas públicas e na difusão
midiática, o chamado aos alunos
surdos para a escola inclusiva temse apoiado no principal elemento
que dá visibilidade à cultura surda,
a Língua de Sinais. A ênfase dada
à Língua de Sinais tem mobilizado
pessoas de segmentos distintos a
buscarem cursos de extensão para
que possam aprender a se comunicar
DPNQFTTPBTTVSEBT²JOUFSFTTBOUF
observar os públicos que buscam tal
aprendizado, pois eles parecem ter
interesses e objetivos diferentes. Em
nossa experiência na universidade
com cursos de extensão em Língua
Brasileira de Sinais, podemos ver
que o que mobiliza professores a
buscarem o curso é a necessidade
de ensinar e se comunicar com
os alunos; já o que tem motivado
familiares é a necessidade de compreensão e educação dos filhos,
enquanto o que parece mobilizar
outros interessados que não possuem ligação direta com pessoas
surdas é a curiosidade e, também,
a possibilidade de transformar o
domínio da LIBRAS em mais uma
fonte de renda.
Se a Lei n.° 10.436/2002, que
oficializou a LIBRAS, e o Decreto
OEFHBSBOtem toda a estrutura pedagógica e
profissional para a inclusão do surdo
no ensino regular, a presença do
intérprete em todos os momentos
pedagógicos deveria ser inquestionável e garantida. Um dos objetivos
da pesquisa que embasa este texto
é verificar a presença desses profissionais nas escolas onde há surdos
matriculados, por acreditarmos que
a interação entre o aluno surdo, a
Língua de Sinais e o intérprete caracterize condição primordial para
que a educação de surdos possa
ser pensada em termos de práticas
pedagógicas e demais elementos
curriculares. Língua de Sinais e
reconhecimento da necessidade de
um intérprete na escola regular que
possui um aluno surdo incluído são
condições fundamentais para que a
comunicação e o respeito às diferenças seja garantido. Quando nos
referimos à condição fundamental,
estamos pensando na situação de os
surdos poderem reconhecer-se como
tais, ou seja, de poderem compartilhar com seus pares a construção de
uma identidade surda. Lopes (2007,
p.9), ao argumentar sobre a surdez
como uma diferença primordial,
salienta:
Não nego a falta de audição do
corpo surdo, porém desloco meu
olhar para o que os próprios surdos
dizem de si quando articulados e
engajados na luta por seus direitos
de se verem e de quererem ser vistos
como sujeitos surdos, e não como
sujeitos com surdez. Tal diferença
embora pareça sutil, marca substancialmente a constituição de
uma comunidade específica e a
*OGPSNBUJWP5ÏDOJDP$JFOUÓmDP&TQBÎP*/&43JPEF+BOFJSPOQ+BO+VO
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DEBATE
constituição de estudos que foram
produzindo e inventando a surdez
como um marcador cultural primordial. (LOPES, 2007, p.9)
As reivindicações da comunidade
surda para que a escola de surdos seja
preservada vai na direção da necessidade da convivência surda com seus
pares. Em nada se relaciona a um
princípio de exclusão dos ouvintes
das relações surdas, mas sim com a
luta surda pela preservação de uma
cultura e pela necessidade de convivência entre surdos para que elos
identitários sejam estabelecidos.
Partindo da crença da necessidade
do conviver com seus pares surdos
para que a cultura seja recriada e
mantida e da possibilidade de a
escola ser um dos principais espaços de articulação entre surdos,
principalmente aqueles que não
participam de outros espaços surdos
devido à pouca idade, passamos a
olhar para os dados de nossa pesquisa nas escolas. Tais dados nos
deixam preocupadas com as atuais
condições educacionais e lingüísticas
a que os alunos estão submetidos,
principalmente os matriculados em
escolas e turmas de ouvintes. Dos 26
municípios levantados nas 2.ª, 3.ª e
16.ª Coordenadorias de Educação,
62 escolas foram apontadas como
tendo alunos surdos matriculados,
entre as quais uma é escola de surdos.
No total desses municípios somamos
330 alunos surdos, sendo que destes
78 estão na escola de surdos.
Das 62 escolas pesquisadas, 17 são
NVOJDJQBJT
FTUBEVBJT
e 10 particulares (16%). Até então, não
houve nenhuma referência a escolas
federais. Em relação à modalidade de
ensino, foram quantificadas uma escola
EFTVSEPTDMBTTFTFTQFDJBJTFFTDPMBT
com surdos incluídos. Vale chamar
a atenção para o número de escolas
30
20
10
0
E. Municipais
E. Estaduais
E. Federais
E. Particulares
E. de Surdos
Classe Especial
Inclusão
0%
2%
16%
14%
27%
84%
Escolas Estaduais
Escolas Federais
Escolas Municipais
Escolas Particulares
Âmbito de ensino
com alunos surdos em classe regular
(84%). Tais dados nos mobilizam a
perguntar pelas condições educativas
e lingüísticas desses alunos nas escolas
em que estão matriculados, pois sabemos que o número de intérpretes
existentes para atender tais escolas é
insuficiente. Atualmente contamos,
para os 26 municípios, com 17 profissionais intérpretes, porém nem todos
exercem suas funções, ou seja, 9 atuam
como intérpretes em 10 escolas, um
presta atendimento esporádico e 7
intérpretes capacitados estão atuando
como professores. Nesses casos a função
de intérprete fica restrita à tradução
em eventos ou na escola, quando há
reuniões, dias festivos, etc.
Escolas de Surdos
Classe Especial
Inclusão
Modalidade de ensino
41%
6%
Atuando em sala de aula
Não atuam na função
Atendimento Esporádico
Intérpretes
Há situações em que os intérpretes atuam uma vez por semana nas
escolas onde há surdos matriculados.
Em um dos maiores municípios do
Vale do Rio dos Sinos, há referência
a um intérprete que participa três
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.26, Jan-Jun 2008
DEBATE
vezes por semana, traduzindo as
aulas de uma turma de alfabetização
de jovens e adultos (EJA), em um
Núcleo de Atendimento Pedagógico
do Município. Essa turma tem
também aula de informática uma
vez por semana com intérprete.
Em outro município foi referida a
presença de intérprete em uma escola apenas em reuniões específicas.
Há menção, também, a uma escola
que conta com um monitor surdo
auxiliando na educação infantil. O
restante dos intérpretes presentes nas
instituições, apesar de provavelmente
qualificados para a função, atuam
como docentes.
&OUSFBTFTDPMBTQFTRVJTBEBT
apontaram que os professores ouvintes
utilizam a Língua de Sinais nas aulas.
Apenas 4 escolas contam com professores surdos em seu corpo docente,
totalizando 6 profissionais.
No que se refere aos 330 alunos
surdos matriculados nessas escolas,
18 estão na Educação Infantil, 239
no Ensino Fundamental, 44 no
Ensino Médio e 29 no EJA. Cabe
chamar a atenção para a desigualdade
e o desequilíbrio das matrículas nos
diferentes níveis de escolarização.
Entre a Educação Infantil e o Ensino
Médio há um aumento considerável
do número de alunos matriculados,
dado que sugere a falta de acesso das
120
100
80
60
40
20
0
Muito mais urgente do que inserir a Língua de
Sinais nos currículos e disponibilizar intérpretes
nas escolas, é garantir aos surdos o acesso à Língua
de Sinais na educação infantil, para que a aquisição
dessa primeira língua ocorra o mais precocemente
possível. Com base nessa condição primeira, podemse então passar a discutir condições de inclusão dos
surdos no ensino regular, condições de comunicação
na escola e condições de ensino e de aprendizagem,
tanto na escola inclusiva quanto na especial.
crianças surdas à educação nos primeiros anos de escolarização. Entretanto,
os dados que chamam mais atenção
referem-se à relação que se estabelece entre os Ensinos Fundamental
e Médio. Entre esses dois níveis de
ensino há uma redução considerável
no número de alunos surdos que
permanecem freqüentando a escola
nos anos finais da educação básica.
Frente a isso, há que se questionar
que fatores estão influindo nessa
suposta evasão escolar, ou seja, que
elementos estão contribuindo para
que os surdos abandonem a vida
escolar em alguma das etapas do
período em questão. Considerando-se
101
4 6 8
Ed. Infantil
Escola de Surdos
Classe Especial
Inclusão
44
21
14
0
E. Médio
ESPAÇO
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74
INES
0
E. Fundamental
EJA
8
o contexto dessa pesquisa, uma das
justificativas mais prováveis para essa
evasão dos alunos surdos refere-se às
condições lingüísticas que lhes são
oferecidas na escola.
Os dados até então produzidos,
concernentes à Região do Vale dos
Sinos e à Serra Gaúcha, mostram que
o contexto escolar em que os alunos
surdos estão imersos permite-nos
levantar questões que necessitam ser
observadas de perto. Referimo-nos
às condições de comunicação, de
formação dos professores, de ensino e de aprendizagem e, por fim,
às condições dos próprios sujeitos
surdos que se encontram isolados
de sua comunidade surda. Diante
do grande número de alunos surdos
incluídos na rede regular de ensino,
vale perguntar quantos deles dominam
e quantos não dominam a Língua de
Sinais, e quantos professores usam
sinais para se comunicarem com os
alunos.
Estabelecendo uma relação entre
os dados apontados anteriormente,
percebe-se que há uma grande quantidade de alunos surdos incluídos,
ou mesmo em classe especial, que
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.27, Jan-Jun 2008
27
INES
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28
DEBATE
não contam com a atuação de um
intérprete de língua de sinais em sala
de aula, traduzindo os conteúdos
escolares fornecidos pelo professor
ouvinte em língua portuguesa. Diante
da constatação de que não há professores que dêem conta da língua
de sinais, e da constatação de que
muitos alunos surdos incluídos em
escolas de ouvintes não conhecem
nem utilizam sinais convencionados
na comunidade surda, levantamos um
dos maiores problemas – a falta de
condições entre alunos e professores
para definirem um código comum
de comunicação que lhes permita
interagir.
Soma-se a essa questão a atual
celebração da língua de sinais pela
mídia, que, ao promover o espaço
escolar como um ambiente que acolhe
as diferenças e com elas convive, vem
produzindo a redução da diferença
surda a questões de acessibilidade.
Nesse contexto a Língua de Sinais
não é entendida como o principal
elemento cultural que dá visibilidade
à cultura surda, mas como um meio
de acesso ao conhecimento, sendo
mantida numa relação de subordinação à Língua Portuguesa, tanto na
modalidade oral quanto na escrita.
E nesse movimento midiático em
relação à Língua de Sinais nas escolas, fica evidente outra contradição,
que vem de encontro aos usos que
estariam sendo feitos da Língua de
Sinais na escola regular: a quantidade
insuficiente de intérpretes atuando
em sala de aula. Se não há intérpretes
suficientes nesses contextos, há que se
considerar a possibilidade de que os
professores estejam tentando promover
aulas “bilíngües”. Algo como uma
tradução simultânea, algo como uma
banalização do status lingüístico da
Língua de Sinais, dessa forma reduzida
a um português sinalizado.
Frente a isso, são extremamente
preocupantes as formas pelas quais
a educação dos surdos está sendo
articulada nos dias atuais, em relação: a) às condições lingüísticas
e de aprendizado que estão sendo
oferecidas aos surdos; b) à menor probabilidade de aproximação com seus
pares pelos surdos na escola regular;
c) à importância desse encontro para
que elos identitários se estabeleçam;
d) às reduzidas possibilidades de
identificação com um modelo lingüístico surdo, considerando-se a
pequena quantidade de professores
surdos em face do número de alunos
quantificados na pesquisa.
Somando-se a isso, verificamos
ainda o número reduzido de surdos
que têm acesso à escola durante a
educação infantil, e mais reduzido
ainda dos que têm acesso a escolas
com professores surdos, salientadose que, de uma forma geral, é nesse
contexto que a criança surda (geralmente filha de ouvintes) estabelecerá
os primeiros contatos com a Língua
de Sinais, com os pares surdos e com
a cultura surda.
Essa situação educacional é ainda
mais preocupante se pensarmos nos
surdos sem fluência em Língua de
Sinais e sem domínio mínimo da
língua portuguesa (tanto em sua modalidade oral como escrita). Estando
em uma escola regular entre ouvintes
e sendo interpelados por meio de
uma língua que não dominam, esses
surdos ditos incluídos têm ainda
mais reduzidas as suas possibilidades de convivência e aprendizado,
considerando-se que nem mesmo
o auxílio de um intérprete lhes seria
suficiente. Isso deixa claro que a
discussão que envolve a educação
dos surdos não se resolve apenas na
questão do intérprete. O intérprete
é fundamental para surdos que já
tiveram a oportunidade prévia de
estabelecer contato com a comunidade surda e com a língua de sinais.
Considerando-se que grande parte
dos surdos são filhos de ouvintes e
que em decorrência disso o contato
com a cultura surda acaba sendo
tardio em relação ao processo de
escolarização, a questão do ensino e
da aprendizagem dos surdos acaba se
distanciando da inserção da Língua
de Sinais na escola e da necessidade
de tradução do intérprete.
Ao analisarmos a situação escolar
e lingüística dos surdos dessa forma,
não estamos depositando na escola
especial a condição de contexto
ideal para a educação dos surdos.
Por mais que a escola especial favoreça a aproximação surda e todas as
questões culturais e de identidade,
ela também é fortemente permeada
e constituída por discursos clínicoterapêuticos. Não há um contexto
escolar, seja ele especial ou inclusivo, que se mantenha imune a esses
atravessamentos.
Muito mais urgente do que inserir
a Língua de Sinais nos currículos e
disponibilizar intérpretes nas escolas, é garantir aos surdos o acesso à
Língua de Sinais na educação infantil,
para que a aquisição dessa primeira
língua ocorra o mais precocemente
possível. Com base nessa condição
primeira, podem-se então passar a
discutir condições de inclusão dos
surdos no ensino regular, condições
de comunicação na escola e condições de ensino e de aprendizagem,
tanto na escola inclusiva quanto na
especial.
Frente a esse contexto delineado
em relação aos dados produzidos pela
pesquisa em questão, encaminhamonos para a última seção deste texto,
na qual nos lançaremos ao exercício
de estabelecer algumas relações entre
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.28, Jan-Jun 2008
DEBATE
os elementos discutidos até então e
propor alguns fechamentos.
ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES...
Diante dos dados apresentados
pela pesquisa, está-nos sendo possível
delinear os contextos escolares que
constituem a educação dos surdos
na Região do Vale dos Sinos e da
Serra Gaúcha. Frente às recorrências e semelhanças observadas nas
produções bibliográficas de outros
Estados e na abrangência nacional das
políticas de inclusão, pensamos ser
possível estender nossas constatações
a outros Estados do País, propagando
a necessidade de que a discussão
proposta aqui seja desdobrada em
outros contextos.
Iniciamos nossas considerações
finais, indicando que podemos estar
diante de um processo de enfraquecimento da Língua de Sinais e da
cultura surda promovido pela sua
celebração midiática e sua inserção
no contexto escolar inclusivo. Ao
verificar a falta de adequações curriculares e pedagógicas nas escolas para
receber esses alunos, constatamos a
carência de intérpretes e de professores
surdos em sala de aula, bem como
os lugares lingüísticos que professores ouvintes vêm ocupando nesses
contextos, quando se autorizam,
por exemplo, a avaliar a fluência de
surdos na Língua de Sinais e depositam nesse argumento as possíveis
dificuldades de aprendizagem dos
surdos, desdobrando essas supostas
limitações em tantos outros aspectos.
Dessa forma, desprovidos do acesso
adequado à língua, ou tendo a Língua
de Sinais subjugada ao aprendizado
do Português, o surdo, apesar de ter
sido deslocado do lugar da deficiência pelos discursos culturalistas,
é situado em lugares que remetem
agora a deficiências lingüísticas, o
que produz renovadas estratégias de
normalização que têm como base um
processo de patologização de cunho
lingüístico.
Dessa forma, o principal elemento que dá visibilidade à cultura
surda, ao tornar-se meio de inclusão
do surdo, pode estar produzindo
gradativamente um enfraquecimento
da cultura e da língua surda, ao ser
inserida na escola sem a atuação
permanente de intérpretes, restando como elemento isolado que
embasa o direito à acessibilidade,
utilizada como recurso pedagógico
e justificativa para a reafirmação
da condição de deficiência do
surdo. Dessa forma, a inclusão é
resumida à igualdade de acesso,
não condizendo com igualdade
de permanência no espaço escolar,
nem com igualdade de ensino e
de aprendizagem. Dessa forma, o
surdo está tendo a sua diferença
pulverizada em estratégias políticas
de normalização. Paralelamente a
esse processo, a causa política surda
pode estar sendo gradativamente
desarticulada.
Já as condições de aprendizado
dos surdos que não são fluentes em
Língua de Sinais nos remetem a um
outro fator recorrente na educação
desses sujeitos, citado anteriormente:
a falta de acesso das crianças surdas
à Educação Infantil em contextos
escolares que contemplem a Língua
de Sinais. Soma-se a isso a falta
de professores surdos nas escolas,
principalmente nesses momentos
iniciais. Para os surdos que não
são fluentes na Língua de Sinais, a
atuação do intérprete não produz
muitos resultados, considerandose que, mesmo com a tradução, a
compreensão dos conteúdos per-
manecerá limitada. Com base na
situação desses surdos, outro amplo
campo de discussão se abre para
nós, pesquisadores e educadores da
área da surdez. Por mais que seja
garantida a presença de intérpretes
em todos os momentos pedagógicos,
não podemos depositar na atuação
desses profissionais, pensada de
forma isolada, o aprendizado e o
desenvolvimento escolar do surdo. Não basta traduzir conteúdos
utilizando-se a Língua de Sinais; é
preciso que os currículos também
sejam repensados. E isso vale tanto
para a escola inclusiva quanto para
a especial.
Salientamos que repensar o currículo não quer dizer esquadrinhar
e categorizar em uma estrutura de
determinações pedagógicas a diferença
surda, resumida nos currículos, freqüentemente, às disciplinas de Língua
de Sinais e história surda. A diferença
surda é inapreensível; ela sempre nos
escapa nas tentativas de determinação
ou de apropriação em diagnósticos
clínicos e/ou pedagógicos, por mais
que tentativas de captura sejam operadas no sentido de determinar uma
identidade surda padrão, com a qual
todos os surdos culturais deveriam
identificar-se. Entendemos o currículo
como algo muito mais amplo do que
grades de horários, determinações
de séries e turmas, e de conteúdos a
serem cumpridos. Sugerimos que o
currículo seja pensado como “aquilo que nos acontece dentro de um
universo pensado e impensado de
experiências escolares cotidianas”.
(LOPES, 2006, p.39)
Trazendo para a relação as articulações possíveis de serem pensadas entre a tríade surdo, língua de
sinais e intérprete, como condição
fundamental para que a educação
de surdos possa ser pensada em
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Por mais que seja garantida a presença de intérpretes em todos os momentos
pedagógicos, não podemos depositar na atuação desses profissionais, pensada
de forma isolada, o aprendizado e o desenvolvimento escolar do surdo. Não
basta traduzir conteúdos utilizando-se a Língua de Sinais; é preciso que os
currículos também sejam repensados. E isso vale tanto para a escola inclusiva
quanto para a especial.
diferentes contextos, tanto especiais
quanto inclusivos, deixamos também
em destaque a necessidade de as
crianças surdas terem contato com
a Língua de Sinais o mais precocemente possível. Salientamos que
a escola especial também não está
isenta de ser problematizada, pois,
apesar de constituir um terreno que
propicia a aproximação surda, constituindo e mantendo a comunidade,
não deve ser lida como um tipo de
instituição livre de tensionamentos
e instabilidades. Ressalte-se que a
origem da Educação Especial está
vitalmente atrelada aos discursos
da Medicina e da deficiência, e
vinculada fortemente a pedagogias
corretivas. Sendo assim, acreditamos
que só é possível repensarmos a
educação dos surdos se os olhares
em relação a eles também forem
repensados e permanentemente
problematizados.
O desafio é, então, partir de
outros lugares que possibilitem
lançar outros olhares aos surdos e à
TVSEF[²EBSBPTVSEPPEJSFJUPEF
viver a surdez, sem colocá-lo em uma
perpétua fronteira entre a surdez e
PTEJUPTQBESÜFTEFOPSNBMJEBEF²
conceber a aquisição da Língua de
Sinais como um direito da criança
surda, seja na escola ou em outros
DPOUFYUPTTPDJBJT²EFTWJODVMBSB
surdez das lentes da deficiência,
possibilitando outras leituras, outras
experiências, outros currículos, outras
práticas pedagógicas. Não localizamos em nenhuma modalidade de
ensino específica a condição ideal de
aprendizado para os surdos. Tanto
a escola regular quanto a escola de
surdos podem constituir ambientes
que contemplem a diferença surda
e produzam condições favoráveis de
ensino e de aprendizagem. Desde que
se disponham a repensar suas práticas.
Desde que se disponham a usar outras
lentes para olhar esses sujeitos e para
significar a surdez dentro desse amplo
campo de significações que constitui
a diferença cultural.
Sem a intenção de esgotar a
discussão que propomos, encerraremos este texto deixando em aberto
as reflexões que desenvolvemos até
aqui, tendo como base a pesquisa que
estamos realizando no Estado do Rio
Grande do Sul, enfocando a Região
do Vale do Rio dos Sinos e da Serra
Gaúcha. Indo de encontro a outras
possibilidades de significar a surdez
e os surdos no âmbito educacional,
sem localizar e restringir a discussão
ao campo de análise determinado
pela pesquisa, nossa intenção é deixar
essas problematizações em aberto para
que continuem sendo pensadas em
outros espaços em que os surdos se
fizerem presentes.
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Referências Bibliográficas
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______. O direito de aprender na escola de surdos. In: THOMA, Adriana da Silva; LOPES, Maura Corcini
(Orgs.). A invenção da surdez: espaços e tempos de aprendizagem na educação de surdos. Santa Cruz do Sul:
EDUNISC, 2006.
LULKIN, Sérgio Andrés. O discurso moderno na educação dos surdos: práticas de controle do corpo e a expressão cultural amordaçada. In: SKLIAR, Carlos (Org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre:
Mediação, 1998, p. 33-49.
LUNARDI, Márcia. A produção da anormalidade surda nos discursos da educação especial. 2003. Tese (Doutorado
em Educação). Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre: FACED/PPGEDU.
SKLIAR, Carlos. Uma perspectiva sócio-histórica sobre a psicologia e a educação de surdos. In: _____. (Org.).
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______. A localização política da educação bilíngüe para surdos. In: _____(Org.). Atualidade da educação
bilíngüe para surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999.
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ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
SOBRE ETNOGRAFIA E EDUCAÇÃO: QUAIS AS
PERSPECTIVAS E DILEMAS?
About ethnography and education: perspectives and dilemmas
Tania Dauster*
* Professora Emérita do Departamento de Educação da PUC-Rio. Fundadora da Cátedra Unesco de Leitura PUC-Rio.
Coordenadora do Grupo de Estudos de Antropologia da Leitura e da Educação.
E-mail: [email protected]
Material recebido em novembro de 2007 e selecionado em dezembro de 2007.
RESUMO
O objetivo deste texto é discutir
as utilizações da etnografia na investigação e nas práticas educativas. E
também discutir as possibilidades
e limitações da etnografia fora das
ciências sociais.
Palavras-Chave: Etnografia.
Pesquisa. Prática educacional.
ABSTRACT
The aim of this text is to discuss the
uses of ethnography in research and in
educational practices and ethnography’s
possibilities and limitations outside the
social sciences.
Keywords: Ethnography. Research.
Educational practice.
O presente texto tem como objetivo refletir sobre a contribuição
do fazer etnográfico na pesquisa
e na prática educacionais através
de minha trajetória e experiência
profissionais.
Na qualidade de professora,
pesquisadora e orientadora, incorporei as discussões sobre as práticas
etnográficas ao campo da pesquisa
educacional. As considerações em
torno da “leitura” e das relações
sociais concretas, assim como acerca
de seus significados, a etnografia, o
trabalho de campo, a observação
participante, a captação e escuta das
categorias nativas foram dimensões
trabalhadas com os estudantes a
partir do confronto com a literatura
do campo antropológico.
Sempre julguei esta “démarche”
enriquecedora para o pesquisador
da área da educação. Ao mesmo
tempo acredito que o professor, na
sua prática de ensino e de sala de aula,
se enriquece com o conhecimento
da abordagem antropológica, pois
passa a olhar seu alunado com outras
lentes, estando apto para analisar
a heterogeneidade e a diversidade
socioculturais em uma sala de aula.
Por outro lado, tinha como hipótese
que os conhecimentos antropológicos
permitiriam que o professor desenvolvesse uma visão crítica em face de
suas possíveis posturas etnocêntricas
que, por vezes, o levariam a considerar
as diferenças de estilos e de histórias
de vida dos estudantes como uma
manifestação de circunstâncias de
inferioridade, incapacidade ou “privação cultural”.
Os trabalhos investigativos que,
desde então, vêm sendo realizados
no âmbito da pós-graduação em
Educação da PUC-Rio passam-se
no meio urbano e estão marcados
pela ótica sintetizada nas palavras
de Gilberto Velho:
A possibilidade de partilharmos patrimônios culturais com os membros de
nossa sociedade não nos deve iludir
a respeito das inúmeras descontinuidades e diferenças provindas de
trajetórias, experiências, e vivências
específicas. Isto fica particularmente
nítido quando fazemos pesquisa em
grandes cidades e metrópoles onde a
heterogeneidade provinda da divisão
social do trabalho, a complexidade
institucional e a coexistência de numerosas tradições culturais expressam-se
em visões de mundo diferenciadas
e até contraditórias. Sob uma perspectiva mais tradicional poder-se-ia
mesmo dizer que é exatamente isto
que permite ao antropólogo realizar
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.32, Jan-Jun 2008
ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
Do contraste entre o um e o múltiplo, ou entre
o mesmo e o “outro”, nasce a problemática da
cultura, contribuição relevante da Antropologia
para as ciências humanas e sociais, na busca de
interpretar as diferenças sociais e culturais entre os
grupos humanos.
investigações na sua própria cidade.
Ou seja, há distâncias culturais nítidas
internas no meio urbano em que
vivemos, permitindo ao “nativo”
fazer pesquisas antropológicas com
grupos diferentes do seu, embora
possam estar basicamente próximos.
(VELHO, 1980)
A opção por essa abordagem
ocorreu em função da necessidade
de produzir uma atitude de “estranhamento” por parte do pesquisador
da educação, segundo a qual outros
sistemas de referência que não os seus
próprios fossem por ele percebidos.
Ou seja, o pesquisador, a partir
desse exercício, estaria sensível para
compreender outras formas de representar, definir, classificar e organizar
a realidade e o cotidiano. Em outras
palavras, o especialista desenvolveria
os seus potenciais para apreender
maneiras de sentir, pensar e fazer
distintas daquelas que são suas.
Sintetizando, no que tange ao
ensino e à pesquisa, através dos enfoques acima mencionados, exerci meu
ofício docente, buscando formar um
profissional, fora da área das ciências
sociais, apto, entre outros aspectos,
a ultrapassar estereótipos, preparado
para compreender a diferença e a especificidade de um determinado universo
social. Tal perspectiva, a meu ver, faz
parte dos usos da Antropologia no
campo da Educação e, certamente,
do instrumental que a etnografia
oferece, mesmo considerando-se que
existem diferentes concepções sobre
a sua prática.
Para desenvolver essas reflexões,
passo a apresentar, a seguir, outros
aspectos conceituais e metodológicos
da disciplina antropológica e a forma
pela qual entendo a contribuição da
etnografia para o campo da educação.
Todos esses ângulos estão profundamente enraizados nas minhas maneiras
de ensinar e pesquisar.
Começarei meus comentários
pelo conceito de cultura, tendo como
ponto de vista que as dimensões de
que falo neste trabalho constituem-se
como partes de um todo e, portanto,
a compreensão do que aqui apresento
depende desta articulação.
CULTURA  CONCEITO
EMBLEMÁTICO DA
ANTROPOLOGIA
Tenho agora como objetivo focalizar o termo cultura a partir
do enfoque antropológico. Busco,
entre outros pontos, situá-lo, tendo em vista a questão dos valores
e a sua relevância quando se quer
entender o dilema constitutivo da
Antropologia, que assim pode ser
resumido: compreender a unidade
biológica da espécie humana e a sua
diversidade cultural, percebida através
da pluralidade de costumes, atitudes,
concepções, práticas, em suma, de
múltiplos modos de vida.
Assim sendo, do contraste entre o
um e o múltiplo, ou entre o mesmo
e o “outro”, nasce a problemática da
cultura, contribuição relevante da
Antropologia para as ciências humanas
e sociais, na busca de interpretar as
diferenças sociais e culturais entre
os grupos humanos.
Cultura é termo polissêmico. Não
se trata, evidentemente, de percebê-lo
dentro da lógica do senso comum,
que dá margem a declarações sobre
os grupos que diferem de nós, em
tons que podemos identificar nas
seguintes expressões: “eles não têm
cultura, são selvagens, sem moral, têm
costumes bárbaros”. (DA MATTA,
1986) Essas são afirmações reveladoras
de posturas etnocêntricas.
A menção ao etnocentrismo
merece explicação. Afinal, qual o
significado desse termo?
Conforme a própria palavra revela,
trata-se da centração nos próprios
valores e na própria cultura ou etnia.
Tal tendência, se bem que universal, é
a lente que pode constituir obstáculo
a olhar o “outro” na sua dignidade e
positividade; é o véu que alimenta as
ideologias sobre a carência cultural
como explicações sobre os modos
de vida alheios.
A primeira definição científica
de cultura foi cunhada por E. Tylor
em1871:
Cultura e civilização, tomadas em
seu sentido mais vasto, são um
conjunto complexo que inclui o
conhecimento, as crenças, a arte,
a moral, o direito, os costumes e
as outras capacidades ou hábitos
adquiridos pelo homem enquanto
membro da sociedade. (TYLOR,
BQVE-"3"*"Q
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ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
Esse conceito inaugural, investido
da teoria evolucionista do século
XIX, nos seus desdobramentos,
enfatizava mais a unidade do que
a diferença entre os grupamentos
humanos. Frisava, ainda, a idéia de
que a cultura, enquanto artefato
criado pelo homem, se distinguia
da natureza.
Sem dúvida desde sempre, a
visão antropológica abria-se para a
compreensão dos modos de vida em
todos os seus aspectos: as maneiras
de comer, vestir, andar, as técnicas
corporais, e as formas de nascer e
morrer. Sendo que essas dimensões
particulares expressam os significados
e as visões de mundo dos sujeitos nos
seus contextos de existência.
Entretanto, o conceito de cultura,
pela sua própria força e disseminação,
difundiu-se, mostrando inúmeras
definições de acordo com posturas
teóricas no campo disciplinar. Daí
a importância de fazer escolhas, e
mostrar com que definição de cultura
se está trabalhando. Assim sendo,
na segunda metade do século XX,
o antropólogo americano Clifford
Geertz escreveu sobre a relevância
de delimitá-lo.
Escolhendo o caminho da semiótica, Geertz vê o homem como
um animal amarrado a teias de
significado que ele mesmo teceu, e
a cultura, como essas teias (1978, p.
%FTFOWPMWFOEPTFVQFOTBNFOto, declara que a cultura é pública
e que o comportamento humano é
ação simbólica, pois tem significado
(1978, p. 20). Por sua vez, o papel da
cultura na vida humana, segundo o
mesmo autor, aproxima-se da idéia
de um “programa” ou “sistemas organizados de símbolos significantes
que orientam a existência humana”
Q
Mas, em tempos de globalização, como fica a discussão sobre a
cultura?
De acordo com Geertz (1999),
a diversidade cultural faz parte da
sociedade complexa, considerando-se
tanto os grupos étnicos como outras
diferenças que podem ser examinadas,
por exemplo, em função de geração,
de gênero e de classe.
Geertz propõe a idéia de que o
significado é socialmente construído. Confrontando o enigma da
diversidade cultural e seus usos, ele
indica que estamos hoje desafiados a
pensar a diversidade por outra ótica.
Por quê? No lugar de pensarmos em
termos de espaços sociais e fronteiras bem delineadas, confrontamos
um mundo com maneiras de viver
distintas, que se misturam e se
interpenetram tal qual uma colagem, cujas bordas são irregulares
e moventes. Essa imagem, na sua
riqueza, significa a nossa experiência
urbana e cotidiana.
Para o antropólogo americano,
vive-se, então, em uma imensa
colagem, ou seja, em um mundo
de texturas e símbolos variados e
superpostos, que pode ser percebido
nas expressões da mídia, no acesso
freqüente às linguagens outrora
vistas como exóticas e distantes, na
migração intensa de outras culinárias e gostos gastronômicos, assim
como no consumo de artigos de
vestimenta e mobiliário de distintas
e longínquas regiões. Temos acesso
a essa experiência no dia-a-dia: a
vivência em uma colagem e a cultura
da mistura.
Como interpretar seu significado? O mundo globalizado, para ser
entendido, demanda um exercício
discriminatório constante, tendo
em vista situar os elementos que
configuram as colagens e suas intermediações. Esse contexto requer
a percepção das relações entre os
elementos, as mediações, assim
como seus sentidos identitários,
NFTNPRVFnVJEPT²VNDFOÈSJP
que continua a exigir para a sua
interpretação um olhar descentrado, que estranha os estereótipos,
buscando um ponto de vista em
relação aos significados do “outro”
nos seus próprios termos.
Em outras palavras, o exercício
antropológico situa os fenômenos
na especificidade do social, o que
significa desnaturalizá-los, ou seja,
mostrar que, entre outros fatores,
as atitudes, os comportamentos e os
gostos são socialmente construídos e
nada têm de naturais, pois pertencem
ao campo da cultura e das relações
sujeito/sujeito e sujeito/objeto. Tratase de buscar significados, sistemas
simbólicos e de classificação, em uma
postura antropológica, que pressupõe
a quebra de visão dissimuladora da
homogeneidade.
Um outro aspecto merece atenção
no que diz respeito a essa prática.
Em suas análises, Velho (1981)
alerta para o risco metodológico
de ver segmentos sociais como se
fossem unidades independentes,
autocontidas e isoladas. Refletindo
sobre o contexto urbano, o autor
sinaliza para a heterogeneidade social
que a noção de sociedade complexa
comporta, lançando uma pergunta
crucial: “Como localizar experiências
suficientemente significativas para
criar fronteiras simbólicas?” (ibidem,
p. 16). Por outro lado, o que pode ser
comunicado e partilhado, quais os valores, quais os limites das negociações
simbólicas? (ibidem, p.18-19). Tais
perguntas são igualmente relevantes
para a prática educacional.
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.34, Jan-Jun 2008
ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
ANTROPOLOGIA,
ETNOGRAFIA
E EDUCAÇÃO
Não se trata de uma área nova
de trabalho. Assim vale registrar,
de forma sucinta, a contribuição
de autores consagrados e outros
desenvolvimentos no campo.
Nos anos 30, a antropóloga
americana Margareth Mead faz da
educação objeto privilegiado da
Antropologia no interior da corrente
Cultura e Personalidade. Sua obra
clássica, intitulada Growing up in
New Guinea, buscava entender como
valores, gestos, atitudes e crenças
eram inculcados nas crianças pelos
que a adolescência, com as características conhecidas por nós, é um
fenômeno sociocultural e não uma
questão fisiológica (ERNY, 1982). Ou
seja, os comportamentos, as atitudes,
as crises de crescimento não podem
ser reduzidas a fatores biológicos,
orgânicos ou hormonais.
Essa abordagem revelava não só
a insuficiência de explicações ditadas
pelas considerações ligadas à natureza, que pecam pelo essencialismo e
pela argumentação reificadora, mas
deslocava as explicações da construção de gênero, por exemplo, para o
reino da cultura e das especificidades
sociais. Ademais, Mead travou um
intenso diálogo com a psicologia e
a psicanálise, tendo em vista susten-
quais as relações entre Antropologia,
Etnografia e Educação podem ser
dimensionadas.
/PT JEPT EB EÏDBEB EF EP
século passado, Claude Lévi-Strauss
FTDSFWFOEPTPCSFPMVHBSEB
Antropologia e problemas de seu
ensino, teceu considerações sobre o
projeto antropológico que, a meu
ver, continuam relevantes, mesmo
considerando-se as transformações
histórico-teóricas no seu âmbito e que
podem servir para as considerações
feitas no caso em apreço.
Ao definir o que é Antropologia,
Lévi-Strauss explica que ela emerge
de uma forma específica de expor
problemas, a partir do estudo das
chamadas sociedades simples, tendo-
No lugar de pensarmos em termos de espaços sociais e fronteiras bem delineadas,
confrontamos um mundo com maneiras de viver distintas, que se misturam e se
interpenetram tal qual uma colagem, cujas bordas são irregulares e moventes.
Essa imagem, na sua riqueza, significa a nossa experiência urbana e cotidiana.
adultos com o objetivo de formá-los
para viver dentro de sua sociedade.
A autora investigou tanto os modos
de transmissão das gerações mais
velhas para as mais novas, como a
própria formação da personalidade e
as formas de aprendizagem existentes. (BONTE; IZARD, 1991) Essa
referência é particularmente importante, uma vez que a antropóloga
demonstrou, ao lado da dimensão
científica, a preocupação pedagógica,
buscando, a partir de sua experiência
etnográfica, influenciar as atitudes em
face das crianças e dos adolescentes no
seu país, no sentido de uma menor
repressão. A pesquisadora mostrou
tar a existência de “personalidades
culturais”.
Um outro enfoque localiza-se
na vertente da Escola Sociológica
Francesa. Pierre Bourdieu trabalha
a noção de habitus, tendo em vista o processo educativo, que por
intermédio de sua teoria surge de
forma dinâmica, como inculcação
de disposições duráveis, matriz de
percepções, juízos e ações que configuram uma “razão pedagógica”,
ou seja, como lógica e estratégias
que uma cultura desenvolve para
transmitir os seus valores.
Estas breves notas têm o intuito
de apontar alguns ângulos através dos
se voltado, no seu desenvolvimento,
para a investigação das sociedades
complexas, objetivando entender a
cultura e a vida social. Uma das vias
para a construção desse conhecimento é a etnografia concebida como
descrição, observação e trabalho
de campo a partir de uma experiência pessoal. Segundo o autor, o
antropólogo, a partir desse ponto
de vista, ultrapassando suas próprias
categorias, visa elaborar a ciência social do observado. Construindo um
conhecimento fundado na experiência
etnográfica, na percepção do “outro”
do ângulo das suas razões positivas,
e não da sua privação, buscando o
*OGPSNBUJWP5ÏDOJDP$JFOUÓmDP&TQBÎP*/&43JPEF+BOFJSPOQ+BO+VO
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ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
sentido emergente das relações entre
os sujeitos, ele estaria transpondo as
suas próprias referências com aquelas
do contexto observado.
SOBRE ETNOGRAFIA
Eis aí, resumidamente, um dos
legados da Antropologia para as
Ciências Sociais e Humanas.
²FTTFPVUSPPMIBSFTTBGPSNB
alternativa de problematização dos
fenômenos que busco evocar a princípio ao usar a Etnografia no campo
da Educação.
Mas, convém penetrar um tanto mais no que vem a ser o fazer
etnográfico ou pelo menos quais as
minhas principais leituras sobre o
assunto antes de dar continuidade
a esta explanação.
O antropólogo francês François
Laplantine (1998), preocupado com
o ensino da Antropologia para públicos mais vastos que os estudantes
das ciências sociais, ao comentar
algumas das dificuldades de tal empreendimento, aponta para os usos
de vários termos que compõem o
vocabulário da disciplina. Toma de
Lévi-Strauss a seguinte postura: tanto
a Etnografia quanto a Etnologia e a
Antropologia integram instantes de
uma mesma perspectiva disciplinar.
A Etnografia visa à coleta direta,
minuciosa de fenômenos observados
na vida social, através sucessivas aproximações e impregnação continuada.
A Etnologia implica a percepção da
lógica específica do universo estudado
através dos dados etnográficos coletados em um primeiro movimento
de abstração do material empírico.
Já a Antropologia realiza a construção de modelos segundo os quais as
sociedades podem ser comparadas.
JCJEQ
Dando continuidade a estas
considerações, não poderia deixar
de mencionar B. Malinowski (18841942), um dos “pais fundadores da
Etnografia”. Este antropólogo marca
a história da disciplina na medida em
que é o criador da teoria do trabalho
de campo, ou, em outras palavras,
é quem teoriza pela primeira vez as
regras da Etnografia e da observação
participante. A concepção metodológica apresentada e publicada por
Malinowski em 1922, na introdução
ao seu livro Os Argonautas do Pacífico
Ocidental, é leitura imprescindível e
referência para o aspirante a etnógrafo,
em que pesem as mudanças internas
no corpo da disciplina.
A imersão do pesquisador no cotidiano do universo estudado, a relação
direta com os sujeitos no campo, a
maneira de coletar e interpretar os
dados empíricos inaugura uma outra
visão da sociedade observada, uma
verdadeira revolução do olhar. A
categoria “selvagem” é desconstruída na medida em que as chamadas
sociedades primitivas passam a ser
vistas como possuidoras de regras,
códigos, princípios e costumes.
Tais descobertas etnográficas
fundaram princípios metodológicos
para apreender o ponto de vista
do outro, em resumo: a busca da
compreensão integral do universo
estudado, a coleta exaustiva de dados
concretos, a captação das regras e das
regularidades, o entendimento das
peculiaridades da vida social e das
maneiras de pensar e sentir captadas
através da linguagem e das assim
chamadas categorias “nativas”.
Geertz ocupa um outro lugar
EPGB[FSFUOPHSÈmDP²JNQPSUBOUF
mencioná-lo na medida de sua apro-
priação pelo campo educacional. Ao
falar em descrição das culturas, o autor
enfatiza que estas são as descrições
elaboradas pelos antropólogos e
que, portanto, são aquelas que esse
profissional imagina como sendo
as construções feitas pelos sujeitos
que está investigando. Ou seja, são
interpretações de segunda e terceira
NÍPQ
QPSUBOUPTÍP
ficções, pois somente o nativo faz
uma interpretação de primeira mão.
Ademais, convoca o pesquisador a
captar o fluxo do comportamento,
ou melhor, as ações sociais, buscando
o significado, o papel e o uso no
padrão de vida estudado. Geertz
resume sua descrição densa ou etnográfica em quatro características:
ela é interpretativa, a interpretação
busca o fluxo do discurso social, o
antropólogo capta o significado e a
descrição é microscópica.
Como pode ser depreendido da
breve exposição já feita, são significativas as diferenças de enfoque nos
exemplos apresentados, e, portanto,
o mesmo termo – etnografia – possui
significados distintos.
Tais tópicos, embora incompletos
e provisórios, levam-me de volta
ao meu tema: o uso ou o significado do fazer etnográfico na área
educacional.
Como fazê-lo?
Não se trata de reduzir a etnografia
a uma técnica, mas, sim, tratá-la como
uma opção teórico-metodológica, o
que já implica conceber a prática e
a descrição etnográficas ancoradas
nas perguntas provenientes da teoria
antropológica.
No meu entendimento, Peirano
NPTUSBRVFOÍPFYJTUFEJTTPDJBção entre pesquisa teórica e empírica,
sendo a história da disciplina ao
mesmo tempo história e teoria, e as
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ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
monografias instâncias constitutivas
do próprio desenvolvimento da disciplina e da teoria antropológica.
Vale relembrar que a postura de
base antropológica visa o entendimento das diferenças culturais ou
da alteridade a partir de um projeto
universalista. Como diz Peirano,
nesse mesmo ensaio, a Antropologia
pretende não só o conhecimento
contextualizado de cada universo
cultural. Nos seus horizontes universalistas, supõe que o que se encontra
em uma dada cultura estará em outra,
embora de forma distinta.
Essa discussão é relevante para
o debate sobre a relação entre a
Antropologia e o campo da Educação
– relação essa que apresenta contornos desafiantes e problemáticos.
A pergunta que segue é bastante
reveladora das possíveis tensões interdisciplinares emergentes entre os
dois campos. Senão, vejamos: como
articular o projeto antropológico de
conhecimento das diferenças com o
projeto educacional de intervenção na
realidade? (NOVAES, 1992). A meu
ver, tomando como um dado que a
prática educacional é normativa e imbuída de um “dever-ser” pedagógico
e de um projeto de transformação,
como o educador poderá colocar-se
na posição de produzir conhecimentos descentrados e incorporar
outras lógicas cognitivas? Como
esse profissional poderá estabelecer a
“dúvida metódica” sobre seus próprios
valores e crenças tendo em vista a
construção de uma interpretação ou
o possível conhecimento do “outro”
nos seus termos?
Do â n g u l o d o e n s i n o d a
Antropologia na área da Educação,
cabe a pergunta: Como o antropólogo poderá propor-se introduzir a
“antropo-lógica” em um contexto
em que muitos estudantes não têm
informações sobre a disciplina antropológica? Um outro aspecto a ser
levado em conta reside na incorporação dessa lógica em um contexto
no qual se vive um outro clima
acadêmico, gerado e alimentado por
outras intenções e significados. Quais
as tensões, limites e possibilidades
que, por hipótese, podem emergir
do encontro entre a Antropologia
e a Educação no contexto de cursos
superiores de educação?
² CPN GSJTBS RVF TF FYJTUFN
distâncias, no que diz respeito aos
métodos, crenças, referenciais e “pais
fundadores” entre as duas disciplinas,
existem também proximidades, uma
vez que ambas têm como objeto os
modos de vida, os valores, as formas
de socialização (GUSMÃO, 1997) e
as sociabilidades, ou seja, as formas
de interação entre os indivíduos.
Portanto, é estimulante perceber
que, se existem diferenças significativas de abordagens entre as duas
disciplinas, há, também, proximidades e pontes a serem construídas.
Até porque ambas têm como solo
as relações entre o indivíduo e a
sociedade e tanto uma quanto outra
tratam da existência humana.
Mesmo crendo, portanto, nessa
aposta interdisciplinar como um
caminho promissor e enriquecedor
para ambos os lados, há dilemas que
devem ser examinados.
SOBRE O ENSINO,
A PESQUISA E AS
ORIENTAÇÕES DE TESES E
DISSERTAÇÕES
Dando continuidade as questões
apresentadas, volto a posicionar-me
sobre o ensino de Antropologia na
área de Educação. Antes de qualquer
outra coisa, reitero que o contato com
a literatura antropológica permite
que o educador venha a apreender
outras relações e posturas. Trata-se
da aprendizagem de uma outra linguagem, de um outro código que
possibilita levantar questões acerca
dos fenômenos tidos como educativos
dentro e fora da escola. Geram-se
possibilidades na área da produção
de conhecimentos, que conduzem
à des-construção de estereótipos
(VELHO, 1980) a partir do encontro
do educador com outros sistemas de
referências, propiciando a busca do
entendimento de um outro universo
social nos seus próprios termos.
Segundo Geertz (1978), o entendimento do que é uma ciência passa
pelo conhecimento de seu exercício.
De acordo com essa orientação, tive
como proposta de ensino o trabalho
intensivo sobre as práticas de investigação etnográfica, através do contato
dos estudantes com autores e suas
monografias, discutindo escolhas
teórico-metodológicas e trabalhando
conceitos forjados no âmbito da
disciplina.
O mergulho na literatura antropológica e nas etnografias permite
que o especialista da área de educação
descubra outras lentes para observar
os fenômenos educacionais. Esse
profissional abre-se para perguntas inspiradas na Antropologia, fabricando
outras versões e interpretações sobre
fenômenos de seu interesse. Tenho
classificado esta elaboração, que é
produzida pelo educador nessa prática
interdisciplinar, como um saber de
fronteira, um saber híbrido entre a
Antropologia e a Educação.
No que tange às atividades de
orientadora, muitas das dissertações
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ATUALIDADES
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Quais as tensões, limites e possibilidades que, por hipótese, podem emergir do
encontro entre a Antropologia e a Educação no contexto de cursos superiores de
educação?
e teses vincularam-se às pesquisas
institucionais.
No contexto destas reflexões,
preciso reconhecer que não tenho os
mesmos objetivos que outros antropólogos; que são outras as relações
que estabeleço com a disciplina, até
porque o público estudantil ao qual
me dirijo, e as relações que vivencio
com os estudantes na minha trajetória,
implicam um exercício de mediação1
e uma busca de diálogo.
Passo agora a comentar a organização do trabalho da chamada
pesquisa institucional, uma vez que
se trata de um âmbito importante
para o exercício dos orientandos
enquanto pesquisadores e da própria
orientação acadêmica.
O que vem a ser o trabalho de
campo e a observação participante
em termos de um trabalho de equipe
no interior de uma pesquisa institucional? Estou refletindo sobre a
prática investigativa que resulta de um
projeto docente apoiado pelo CNPq
por meio de bolsa de pesquisador
e de bolsas de iniciação científica,
sustentado, ainda, por outros recursos
financeiros provenientes de órgãos
de apoio ao desenvolvimento da
pesquisa no país, como a FAPERJ.
Refiro-me, ademais, a um contexto
acadêmico no qual a relação ensino
e pesquisa é um valor.
Tendo essas condições em vista,
pode-se dizer que as pesquisas institucionais são parte importante da
orientação acadêmica e da formação
de pesquisadores. Pelo estatuto da
universidade, os mestrandos devem
matricular-se durante um semestre,
enquanto os doutorandos se integram
durante um ano letivo em uma das
pesquisas em curso no departamento, e os graduandos, por períodos
determinados por suas bolsas de
iniciação científica.
Meus critérios de seleção da
equipe apresentam uma dose de
subjetividade e levam em conta as
afinidades intelectuais, como também pressupõem as necessidades da
pesquisa e as trajetórias e interesses
intelectuais dos alunos em qualquer
dos níveis considerados.
As atividades a serem desenvolvidas pela equipe compreendem
reuniões semanais, realização de
leituras com elaboração de resumos
críticos, levantamentos bibliográficos,
participação na pesquisa de campo e
na realização de entrevistas, participação na análise de dados do trabalho
de campo, confecção de relatórios e
artigos e participação em seminários.
Em todos os momentos, a minha
atuação se faz presente ao buscar
construir um processo dinâmico no
qual, e em função do qual, o objeto
da pesquisa é coletivamente construído, mesmo levando-se em conta a
hetrogeneidade dos estudantes.
Pesquisar, então, está longe de ser
um ato de argonauta mitológico e
solitário que faz um mergulho em
mares desconhecidos. Trata-se de
uma prática distante da concepção
etnográfica como experiência eminentemente pessoal e aproxima-se de
uma vivência complexa, em que o
individual e o coletivo se misturam.
Até que mestrandos e doutorandos
façam o seu vôo solo a partir do
momento em que, por suas escolhas
e trajetórias exclusivas, mesmo guardando sintonia com os chamados
projetos institucionais, precisam
estabelecer um distanciamento da
equipe para a necessária e irrevogável
experiência “autoral”.
Venho desenvolvendo um programa de investigações sobre práticas e
representações de leitura em diferentes contextos sociais. Ao pesquisar
tais práticas, tenho, como proposta
paralela, a transmissão do “ofício”
do etnógrafo, isto é, o exercício de
interpretação da vida social, a observação de sociabilidades, a captação dos
sistemas de organização e classificação,
apreendendo os valores e os sistemas
de crença, buscando as lógicas e os
significados, tendo em vista ir além
da descrição empírica factual, na
busca do suposto ponto de vista do
“outro” nos seus termos.
Mas, quais os problemas? Limites
1 Lembro a discussão de Gilberto Velho (2001) a propósito deste tema, quando supõe que nas sociedades complexas existem indivíduos que fazem o trânsito
e assumem o papel de mediadores entre mundos socioculturais distintos, estabelecendo relações entre estilos de vida, ethos e experiências diversas.
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.38, Jan-Jun 2008
ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
de várias ordens se impõem considerando-se a questão do tempo ou as
próprias dificuldades de apreensão e
interpretação de dados etnográficos.
Os limites estão postos quanto a
uma vivência prolongada e quanto
ao mergulho em profundidade que
se espera do trabalho de pesquisa
qualitativa. A investigação é fracionada pelas múltiplas atividades
que aparecem no dia-a-dia. Vive-se
uma outra fragmentação no grupo
de pesquisa que, por regras e razões
institucionais, passa por mudanças
periódicas na sua composição, com
a saída e a entrada sazonal de seus
membros.
Esses constrangimentos são,
em parte, compensados por uma
observação flutuante, um estado de
alerta permanente, no qual a equipe se coloca para captar os dados
significativos no contexto de uma
relação de alteridade. Ademais, as
elaborações e interpretações de
natureza antropológica durante as
reuniões de equipe são um momento
no qual os exercícios da oralidade, da
argumentação e do debate constituem
uma verdadeira produção social
de conhecimento, que poderia ser
entendida, quem sabe, como uma
autoria coletiva.
As práticas de pesquisa institucional, pelas características que
apresentam em congregar os três
níveis de orientação no mesmo espaço
e tempo acadêmico, possibilitam
trocas intensas e fecundas entre os
QBSUJDJQBOUFT ² B NFV WFS VNB
experiência formadora e, como disse,
propiciadora do surgimento de temas
particulares de investigação, recortes
originais e específicos de dissertações
e teses, embora associados ao projeto
institucional do professor-orientador.
Ao lado dessas tão fecundas experiên-
cias de produção de conhecimento,
vejo que se operam transformações
de visão de mundo, do olhar e da
subjetividade e que pesquisadores
vão sendo formados nos meandros
da pesquisa etnográfica.
Além de propiciar um outro
“olhar”, as leituras de Antropologia
e a apropriação de suas formas de
operar – o trabalho de campo – possibilitam a construção de um saber
híbrido ou de fronteira quando da
elaboração e da escrita de dissertações
e teses, gerando-se um outro perfil
para esses trabalhos acadêmicos no
campo da Educação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dilemas e limites comentados
não podem servir de obstáculo para
o fazer etnográfico no campo da
Educação. Mesmo considerando-se
que haja distâncias incomensuráveis
entre as maneiras de apropriação de
autores e escolas antropológicas, esteja o leitor situado em uma posição
dentro ou fora das ciências sociais.
Lanço mão do conceito-chave
de leitura de Roger Chartier para
apoiar-me nesta argumentação sobre
as apropriações de autores e de textos
antropológicos fora do seu mundo
de referência.
Nas palavras desse historiador,
No ponto de articulação entre o
mundo do texto e o mundo do sujeito
coloca-se necessariamente uma teoria
da leitura capaz de compreender a
apropriação dos discursos, isto é, a
maneira como estes afetam o leitor
e o conduzem a uma nova norma
de compreensão de si próprio e
do mundo. (CHARTIER, 1990,
p. 26)
Por outro lado, o mesmo autor
mostra que as obras não têm um
sentido único e intrínseco e que
são apropriadas por práticas plurais
e leitores concretos que lhes dão
contraditória e diferencialmente significados segundo suas competências,
posições e disposições. A meu ver,
essas são as questões em jogo e que
me apraz aprofundar: como migram
autores e textos da Antropologia para
outras áreas. O que se lê? Como se
lê? Quando se lê?
Volto assim ao ensino de
Antropologia na minha trajetória.
Estudantes da graduação e pósgraduação tornam-se leitores de textos
(mas não de obras) de antropólogos
durante um semestre. Ao se tornarem meus orientandos, são então
convidados a explorar intensamente
a literatura da área.
Apreender no trabalho de campo os significados
inerentes e específicos vislumbrados nas práticas
e nas narrativas dos sujeitos investigados.
Lembrando, como diz Roberto Cardoso de Oliveira
(1998), que informam o trabalho do antropólogo os
atos cognitivos de “olhar, ouvir e escrever”.
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ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
Dar aula na graduação e na pós
são experiências distintas no que
pesam o volume e a intensidade de
leituras e questões.
Fazendo um balanço e correndo
o risco de generalizações, diria que
ler Antropologia é uma experiência
transformadora da subjetividade e
das formas de estar no mundo e de
nele atuar e, certamente, de construir
outras problematizações na esfera
do conhecimento, no que concer-
ne à relação entre o profissional da
Educação e essa literatura, mesmo
considerando-se a heterogeneidade
desse universo e distintos níveis de
atuação possíveis. Em outras palavras,
apreender no trabalho de campo os
significados inerentes e específicos
vislumbrados nas práticas e nas
narrativas dos sujeitos investigados.
Lembrando, como diz Roberto
Cardoso de Oliveira (1998), que
informam o trabalho do antropólogo
os atos cognitivos de “olhar, ouvir e
escrever”.
O que foi dito mostra que existe um processo de migração da
Antropologia para uma outra área fora
das fronteiras das chamadas Ciências
Sociais, no caso a Educação. Mesmo
considerando-se as distâncias em
termos de crenças, valores e atitudes
entre esses dois campos disciplinares,
as mediações vêm se realizando nas
suas margens.
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ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
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ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
A DESCOBERTA DE SI: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA
DE UNIVERSITÁRIAS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
Self discovery: reading and writing practices of university students in the information society
Tania Dauster*
Anderson Tibau**
Lucelena Ferreira***
*Antropóloga. Professora Emérita da PUC-Rio. Fundadora da Cátedra UNESCO de Leitura da PUC-Rio. Pesquisadora do CNPq. Consultora da FAPERJ e Coordenadora do Grupo de Estudos de Antropologia da Leitura e da
Educação (GEALE).
E-mail: [email protected]
**Doutor em Educação pela PUC-Rio. Consultor Pedagógico da Cátedra UNESCO de Leitura da PUC-Rio. Pesquisador do Centro Regional de Fomento do Livro na América Latina, Caribe, Espanha e Portugal (CERLALC/AECI).
Pesquisador do GEALE. Professor de Antropologia e Educação e Tecnologias de Informação e Comunicação pela
USS. Professor de Liderança e Ética e Comunicação Empresarial pelo IBMEC.
E-mail: [email protected]
***Doutora em Letras pela PUC-Rio. Doutoranda em Educação Brasileira pela PUC-Rio. Consultora da Cátedra
UNESCO de Leitura da PUC-Rio. Pesquisadora do GEALE. Professora da pós-graduação em Letras da PUC-Rio.
Professora Adjunta do Mestrado em Educação da UNESA.
E-mail: [email protected]
Material recebido em novembro de 2007 e selecionado em dezembro de 2007.
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO
Este texto tem como objetivo
discutir as representações de leitura
e escrita de alunas de Pedagogia no
contexto da sociedade da informação,
buscando compreender o processo de
descoberta de si vivenciado a partir
de suas práticas.
In this text we discuss the
Pedagogy students’ representations of
reading and writing in the context
of the information society, trying to
understand the self discovery process
generated from their own reading and
writing experiences.
Keywords: Reading–writing.
Representations. Society of the
information.
No ponto de articulação entre
o mundo do texto e o mundo do
sujeito, coloca-se necessariamente
uma teoria da leitura capaz de
compreender a apropriação dos
discursos, isto é, a maneira como
estes afetam o leitor e o conduzem a
uma nova norma de compreensão de
si próprio e do mundo. (Chartier, R.
1990, p.26)
Palavras-Chave: Leitura-escrita.
Representações. Sociedade da
informação.
Eu escrevo, consigo descobrir
muita coisa. De mim mesma.
(Celeste, universitária)
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ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
Este texto1 resulta da pesquisa
Escrita na Universidade – os universitários e as relações entre leitura e
escrita2 , desenvolvida pelo Grupo de
Estudos de Antropologia da Leitura
e da Escrita (GEALE), um grupo
heterogêneo e interdisciplinar que, ao
longo do tempo, passou por mudanças
na sua composição. Atualmente, além
da própria coordenadora, o GEALE
reúne estudantes de pós-graduação,
doutores, doutorandos, mestres e
graduados pertencentes às áreas de
Educação e Letras. Tais características marcaram toda a elaboração das
interpretações.
Entretanto, aqui, a heterogeneidade do grupo foi suavizada pelo
interesse comum em desvelar as
representações de leitura e escrita de
alunas de Pedagogia no contexto da
sociedade da informação, buscando
compreender o processo de descoberta
de si que vivenciam a partir de suas
práticas de leitura e escrita.
Para contextualizar as relações
de estudantes universitárias com
as tecnologias da informação e comunicação – TIC, tomamos como
referência a noção de Martín-Barbero
(2006, p. 01) sobre sociedade da
informação:
A lo que la noción de la sociedad de la
información se refiere es a las mutaciones societales ligadas a la “revolución
tecnológica” que atraviesa, por primera
vez, tanto nuestra idea como la realidad
del mundo. Pues no se trata sólo de lo
que le sucede a parte de la población
conectada sino tanto o más a la desconectada, ya que ahondando en la
vieja división internacional del trabajo
o en las tradicionales y las modernas
desigualdades sociales, el mundo padece
hoy la más gigantesca operación de
exclusión social, política y cultural de
la historia humana. Lo que sociedad
de la información significa entonces es
algo no pensable en términos de “mera
técnica” – instrumentos, máquinas,
aparatos – ni tampoco en términos del
espacio/tiempo de la sociedad, que ha
sido hasta ahora la categoría central
de las ciencias sociales3. (MARTÍNBARBERO, 2006, p.1)
Ao reportamo-nos às tecnologias da informação e comunicação
(TIC), ou novas tecnologias, como
também são conhecidas, nos referimos aos instrumentos técnicos e
métodos de informação e comunicação surgidos no contexto da
Terceira Revolução Industrial, cujo
início remete à segunda metade do
século XX. Dentre eles, podemos
destacar o computador pessoal
(personal computer – PC), software,
powerpoint, datashow, impressora,
câmera digital, webcam, aparelho de
CD e DVD, disquete, CD-ROM,
HD, cartão de memória, pen drive,
telefone celular, Tv a cabo, correio
eletrônico, Internet, acesso remoto
(wireless), entre outros. Para Masseto
Q
BTOPWBTUFDOPMPHJBT
em educação estão relacionadas
mais freqüentemente aos usos do
computador, Internet, hipermídia,
multimídia, chats, e e-mail.
Nesse contexto, o enfoque do
colombiano Jesús Martín-Barbero
sobre sociedade da informação iluminará os dados empíricos coletados na
investigação. Trataremos das relações
das alunas com a leitura e a escrita e
sua contribuição para o processo de
descoberta de si, levando em conta a
tensão gerada pela inserção das TIC
no currículo do curso de Pedagogia de
uma universidade particular da zona
sul da cidade do Rio de Janeiro.
Trabalhando com “representações
e práticas culturais de leitura e escrita”
(CHARTIER, 1990), buscamos o
leitor concreto e a construção diferencial dos atos de ler e escrever. Para
este autor a noção de representação
está associada à prática cultural.
As atividades de representação são
esquemas construídos, não são neutros
e correspondem aos lugares sociais
daqueles que os produzem, segundo
seus interesses. Ademais, o conceito de
representação conduz à vida social, às
relações sociais concretas, pressupondo
atividades de classificação e delimitação
vistas como construções sociais.
Resumidamente, podemos dizer,
por outro lado, que as relações dos
sujeitos com o mundo são expressas
em práticas sociais.
1
Uma observação acerca do corpo do texto diz respeito ao modo de ler as categorias nativas, categorias teóricas, citações e outras expressões nele contidas. Para
o primeiro caso adotou-se o uso do termo entre “aspas”. As categorias teóricas e citações foram escritas entre “aspas e itálico”. As expressões e termos em outro
idioma, bem como grifos dos autores estão identificados pela grafia em itálico.
2 Pesquisa desenvolvida no PPGE/PUC-RIO pelo GEALE, com financiamentos do CNPq e FAPERJ.
3
Tradução livre do autor: A noção de sociedade da informação se refere às mutações sociais ligadas à “revolução tecnológica” que atravessa, pela primeira vez, tanto
nossa idéia, como a realidade do mundo. Pois, não se trata somente do que sucede à parcela da população conectada, senão, tanto ou mais à parcela desconectada, uma
vez que o mundo padece hoje da mais gigantesca operação de exclusão social, política e cultural da história humana. O que a sociedade da informação significa então
é algo não pensável em termos de “mera técnica” – instrumentos, máquinas, aparatos – nem tampouco em termos da relação espaço/tempo da sociedade nacional,
que até aqui foi a categoria central das ciências sociais.
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.43, Jan-Jun 2008
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ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
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Resumidamente, podemos dizer, por outro lado,
que as relações dos sujeitos com o mundo são
expressas em práticas sociais.
Para mantermos o foco na questão
perguntamos: como essas estudantes se relacionam com a leitura e a
escrita?
resumo, a problemática teóricometodológica enfrentada tanto no
trabalho de campo quanto na análise
da empiria.
O DESCENTRAMENTO
DO OLHAR
AULANET:
UMA PRÁTICA NA PRÁTICA
A opção teórico-metodológica pela
pesquisa etnográfica, assim como foi
em nosso caso, implica observação
participante, remete ao contato direto
com o universo estudado e à busca do
conhecimento de dentro, a partir do
ponto de vista dos atores sociais em
contextos específicos, estabelecendo
situações de entrevista com os sujeitos
investigados.
No campo interdisciplinar que
vem sendo por nós construído, ou seja,
na articulação entre a Antropologia,
a História Cultural e a Educação,
espera-se que o investigador opere um
descentramento do olhar no exercício
do entendimento da alteridade, isto
é, simplificadamente, das relações
entre o eu e o outro.
Esta estratégia metodológica
compreende a desnaturalização dos
fenômenos, para percebê-los como
histórica e socialmente construídos.
O enfoque reside no “estranhamento
do familiar” (VELHO, 1978), na
busca da diferença e da diversidade
sociocultural em uma perspectiva
relativizadora. Em outras palavras,
almeja-se a construção de um conhecimento que ultrapasse as categorias
lógicas do investigador. Esta é, em
Foi escolhida como universo
da pesquisa uma prática de ensino
desenvolvida na disciplina Prática de
Ensino I, da graduação em Pedagogia
de uma universidade particular da
zona sul da cidade do Rio de Janeiro.
O planejamento da referida disciplina
apresentou um formato original,
pois articulou aulas no centro de
informática e aulas presenciais nas
salas convencionais da universidade.
A aulanet, como era chamada a prática
de ensino observada, tinha como
horizonte formar professoras para o
Curso Normal, estabelecendo uma
parceria com a informática. Segundo
os responsáveis pela disciplina, essa
experiência tinha um duplo objetivo:
habilitação na informática e apropriação de conteúdos pedagógicos.
Em suma, fazer um uso pedagógico
da informática. Para tal, permanentemente, havia três professoras em
sala de aula com papéis diferentes,
a saber: pedagógico, tecnológico e
mediador.
Observou-se que, além de outras
práticas de sala de aula (a concepção
do tempo dedicado às atividades da
disciplina – presenciais, monitoradas
e a distância – regulava as relações das
alunas com os professores e com o
conteúdo de ensino), novas categorias
surgiam no vocabulário e no sistema
de classificações dos sujeitos. A disciplina Prática de Ensino I passou a ser
chamada simplesmente de aulanet;
os textos a serem discutidos e que,
em grande parte, eram disponibilizados via web, eram chamados de
“documentação” e “conferências”, e
“obrigatórios” ou “complementares”, os
comentários online feitos pelos alunos
sobre os textos relacionados em uma
lista organizada pelos professores e
mediadores durante a semana.
Uma parte do curso se passava
no centro de informática, um espaço específico da universidade em
que se encontram várias salas com
computadores disponíveis para aulas,
pesquisas e uso pessoal dos alunos.
O centro de informática impacta o
observador pelo clima de extrema
segurança reinante, explicável na
medida em que o grande número de
máquinas disponíveis para a clientela
universitária mostra o investimento
financeiro da instituição para prover
e democratizar o acesso aos recursos
EBTPDJFEBEFEFJOGPSNBÎÍP²VN
espaço vigiado eletronicamente,
gradeado, silencioso e um tanto
cinzento, com regras estritas de uso,
havendo, entre a entrada e o acesso às
salas de computação, uma roleta que
serve para disciplinar a passagem dos
usuários. Estes são atendidos por um
funcionário através de uma cabine
gradeada. Por ele, são distribuídas
senhas – mecanismos de segurança
e controle – e feitos cadastramentos,
segundo um sistema classificatório que
discrimina os alunos de graduação
e de pós-graduação. Portanto, de
maneira semelhante ao que ocorre no
espaço da biblioteca, o usuário deve
possuir uma senha para identificar-se
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.44, Jan-Jun 2008
ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
e não pode carregar consigo água e
alimento, uma das normas de uso
das salas do centro de informática.
Contudo, as alunas da aulanet tinham
a sua passagem liberada, uma vez
que a sua sala já estava previamente
reservada.
Até aqui, foram apresentados
aspectos da arquitetura do espaço,
a ritualização da entrada e o clima
silencioso e de segurança do centro
de informática. Nota-se, também, um
intenso uso do espaço, pois, em geral,
as salas estão cheias de estudantes
concentrados na execução de suas
tarefas. Percebe-se um ambiente mais
regrado em face do espaço externo
mais informal, onde são vistos muitos
estudantes com seus laptops.
A HETEROGENEIDADE
NO UNIVERSO FEMININO
Por se tratar de um grupo eminentemente feminino, nasceu a
idéia de construir uma interpretação
focada nas relações entre mulheres,
cultura letrada e tecnologia nas suas
diferentes manifestações. O universo
feminino diretamente entrevistado
foi composto por treze alunas em
diferentes períodos do curso de
Pedagogia.
Essa homogeneidade de gênero,
quando examinada de perto, revelou
consideráveis diferenças socioculturais. A faixa etária variava entre vinte
e quarenta e cinco anos. Quanto ao
estado civil, nove eram solteiras e
quatro casadas. Considerando-se as
representações colhidas nas entrevistas, seis julgavam-se ambiguamente
“classe média economicamente desfavorecida” – sendo três moradoras
em favelas –, três viam-se como
classe média, uma definiu-se como
média alta e as três restantes como
pertencentes à classe alta. Eram
moradoras de bairros da zona sul,
norte e oeste de nossa cidade. Sete
cursaram escola pública e seis, escolas
particulares. Na turma, apenas quatro eram mães. Quase todas tinham
computadores em casa, exceto em
dois casos. Somente uma entre todas
tinha um computador exclusivamente para si. Quanto ao uso, tanto
encontramos aquelas que desde a
infância ou adolescência acessavam
o computador como aquelas que só
recentemente entraram no mundo da
informática e que dependem exclusivamente das máquinas do centro
de informática, tanto para fazer seus
trabalhos acadêmicos, quanto para
usar as diferentes ferramentas da
*OUFSOFU²JNQPSUBOUFMFNCSBSRVF
duas dentre essas alunas, no início do
semestre letivo, não sabiam ligar os
computadores. Desse modo, todas as
alunas estavam conectadas, embora
em graus distintos.
Um fator de impacto imediato
para o grupo pesquisado, e também
para os alunos em geral dessa universidade, é a regra de que os trabalhos
devem ser apresentados digitados.
Isso faz com que o centro de informática disponibilize cem impressões
por semestre para cada aluno. Se o
número de impressões se esgotar
antes do término do período letivo,
é possível obter mais cem impressões
ao preço de dez reais.
Tanto as estudantes com recursos econômicos maiores quanto as
demais acessavam freqüentemente a
Internet. Pode-se dizer que a cultura
da informação era o solo comum
para a pesquisa, mas a relação estabelecida entre indivíduos e máquinas
apresentava-se de maneira diferencial
e heterogênea.
As distintas condições sociocul-
turais observadas eram geradoras
de dois grandes agrupamentos em
sala de aula, propiciando arranjos
de interação e relações. Tais relações
preferenciais e de sintonia podiam ser
observadas em escolhas para trabalhos
em grupo, nas redes de convivência
diária e nas formas de distribuição
e proximidade espacial de ocupação
das carteiras em salas de aula.
O OFÍCIO DO ALUNO
Os objetivos da disciplina observada previam o uso pedagógico da
informática a partir de uma lógica
híbrida que tanto incluía a apropriação de conteúdos quanto a habilitação
informática. Durante a observação
participante, constataram-se outros
procedimentos de sala de aula e um
outro ofício a ser exercido tanto pelo
professor quanto pelo aluno. Isto
causou divisões nas representações e
práticas do grupo. Segundo posições
na sociedade e trajetórias de vida,
gostos, emoções e valores culturais,
enfim, pelos modos de vida, as alunas
foram afetadas diferenciadamente,
em especial, pelas práticas culturais
de leitura e escrita. O que entender
por isso?
Estar “afetado” é estar atingido.
Remete tanto a um processo cognitivo, como a distintas formas de
relação com objetos circundantes,
implicando razão, emoções, sentimentos, afetos e visões de mundo.
Podemos evocar Roger Chartier
(1990) sobre essa questão, quando
diz que a apropriação dos discursos
está associada à maneira pela qual
o leitor é afetado e às suas próprias
transformações em relação ao olhar
sobre si mesmo e sua visão de mundo.
Em outras palavras, o modo de ser
*OGPSNBUJWP5ÏDOJDP$JFOUÓmDP&TQBÎP*/&43JPEF+BOFJSPOQ+BO+VO
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INES
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ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
afetado pelos objetos circundantes
implica outras formas de pensar e
ler o mundo.
A organização da disciplina, como
já foi mencionado, baseia-se em dois
tempos no centro de informática e
dois nas salas de aula convencionais,
com três professores atuando tanto
durante as aulas como nos bastidores,
para a preparação e os encaminhamentos necessários, pois, mesmo
nos feriados por exemplo, é possível
realizar as atividades. Uma das três
professoras disse em depoimento que
“como é virtual, não existe feriado”. A
própria ementa da disciplina associa
essa experiência a uma “sala de aula
sem paredes”. Isto vai implicar outras
relações, considerando-se o tempo e o
espaço, a comunicação e a mediação,
as professoras e as alunas.
Em relação ao que denominamos
ofício do aluno, isto é, o papel por ele
exercido no cotidiano da sala de aula,
pudemos observar algumas peculiaridades. Cada aluno tem que ter uma
“senha” e um “login” para acessar o
computador, a “documentação” referente a cada aula e às “conferências”.
Em outras palavras, estar interativo
com e por meio da Internet, para
fazer comentários sobre os textos
apresentados pelos coordenadores do
curso e sobre os outros comentários
feitos pelos pares. A “senha”, além
de ser um mecanismo de segurança,
significa que aquele que a possui faz
parte da “comunidade”, foi aceito,
identificado, reconhecido, mas,
também, pode ser controlado.
Nesse sentido, por exemplo,
embora faça parte da organização
do curso que o aluno monitore a sua
movimentação na “rede”, podendo
buscar diversos “sites”, ficam-lhe
proibidos o Orkut e “sites” sobre
sexualidade. Faz parte, ainda, do
ofício, a “postagem” de trabalhos.
Os comentários, que devem ser
escritos, são, por sua vez, alvo das
avaliações feitas pelos mediadores
e professores.
Em suma, a julgar pela proposta, o
ofício do aluno pressupõe participação
ativa, entrada no ambiente aulanet,
familiarização com os links, acesso
à documentação, participação em
conferências, envio dos comentários
sobre os textos lidos, que por sua
vez podem ser comentados pelos
mediadores. Durante o trabalho de
campo, houve a oportunidade de
observar as práticas de leitura e escrita
desenvolvidas pelas alunas.
Já que a linguagem digital é uma
invenção e construção histórica e
social, há que saber as regras que
estão sendo geradas. O que está
em jogo vai além da relação com o
mundo digital e com a sociedade da
informação, pois abrange a história
da cultura letrada e o universo da
oralidade. Ao abordar a questão da
linguagem da Internet, coloca-se
também a sua influência sobre o
domínio da norma culta.
Um aspecto da relação com o
computador é que o seu uso mascara, até certo ponto, a habilidade
ortográfica do usuário. Para alguns
estudantes, “aprende-se a escrever com
a máquina”, que corrige eventuais
erros de ortografia. Este recurso,
acessível através do computador,
constitui-se em um diferencial positivo da escrita digital em relação
à manuscrita, no que diz respeito à
elaboração da escrita “acadêmica”,
aos olhos das alunas.
Por outro lado, a escrita digital
das alunas revelou forte influência
dos modos da comunicação oral.
Dessa maneira, os textos produzidos no computador eram híbridos
e afastavam-se muito da escrita
“acadêmica”, livres de pontuação.
As alunas pareciam escrever como se
estivessem dialogando. Mantinham
um tom informal, usavam recursos
gráficos para a expressão das emoções,
apresentavam textos e comentários
sintéticos, com excesso de uso de caixa
alta – o que na comunicação pela
Internet representa estar gritando.
Nas abreviações, depreendia-se uma
relação econômica com o tempo.
Percebia-se uma escrita ambígua
entre a oralidade e a escrita, com
muitos erros de digitação, mesmo
considerando-se a representação corrente de que o “computador ensina”.
Portanto, foram percebidas falhas
no domínio da norma culta e uma
redação informal, apesar de serem as
alunas pressionadas pelas monitoras
a não usar o chamado internetês,
linguagem escrita inventada a partir
da relação com o computador.
MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA,
COMUNICAÇÃO E
PARTICIPAÇÃO
A mediação entre o pedagógico
e o tecnológico suscita, por um
lado, o debate sobre comunicação
e participação, e, por outro, uma
atenção especial às novas tecnologias
da educação, tendo em vista suas
possibilidades e limites.
Esta análise é importante em nosso
caso, porque, de forma recorrente,
as alunas questionaram o papel do
diálogo e do debate nas situações
de ensino–aprendizagem. Isso nos
leva a pensar sobre a necessidade
de articulação entre comunicar e
participar. Nesse sentido, a comunicação figuraria como condição sine
qua non do ensino e a mediação da
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.46, Jan-Jun 2008
ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
aprendizagem exigiria a participação
do professor. Desse modo, o professor
mediador se insere na “cena fundamental” (MARTÍN-BARBERO,
2001, p. 14) da prática ao organizar
e estabelecer entre os alunos e as
novas tecnologias um cotidiano de
interação, apropriação e uso não
simulado. Se concordamos com
Martín-Barbero (2003, p. 79) quando
diz que “comunicar es compartir la
significacion e participar es compartir
la acción”, a aula é, então, a própria
cena fundamental da mediação, o
lugar da aprendizagem situado entre
o significado e a ação.
Do ponto de vista das alunas o
computador nem sempre facilitou
a comunicação, o que justifica a
preferência declarada pelas situações
face a face para a troca de idéias.
Para o universo pesquisado, o texto
para uso pedagógico na Internet
deveria ser diferente, em termos de
escrita; a leitura de textos longos
na tela é desconfortável, e não faz
sentido imprimir textos pequenos;
os textos tipicamente da Internet
foram vistos como supérfluos e
superficiais; o uso do computador
aparece bloqueando a comunicação,
em algumas situações.
Ao considerar as diferenças socioeconômicas do grupo pesquisado, o
que significa, neste caso, constatar
dissonâncias quanto ao acesso mais
trivial às TIC, percebemos que o
uso do computador e da Internet
como conteúdo de ensino, para
determinadas alunas, soa como algo
de importância fundamental na
sua formação pessoal e no trabalho
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ESPAÇO
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Na representação sobre o processo de ensinoaprendizagem, professores e alunos são afetados
de modo distinto, o que provoca leituras e modos
de conceber também distintos. Trata-se, em certa
medida, de mais uma das contradições do processo.
como futuras docentes, e ao mesmo
tempo gera, em outras, a sensação
de déja vu.
A observação mostrou que, se
algumas alunas lucraram com o
formato da disciplina, outras consideraram desnecessária a ida ao
centro de informática, pois, em se
tratando de uma proposta deste
gênero, bastava estar online para
atender os requisitos da disciplina,
podendo-se utilizar o espaço da
informática apenas para aquelas
com dúvidas a sanar. Foi percebida
uma certa frustração em relação ao
aproveitamento das próprias características da Internet na estrutura
da aulanet, como uma escrita mais
ágil e a construção de blogs. Ou seja,
criar, dentro da Prática de Ensino I,
situações de uso real da Internet, o
que significaria evitar a subutilização
dos recursos do computador e da
Internet, construindo “situações
de verdade” e evitando didatizar o
uso das ferramentas. Se a Internet
muda o jeito de aprender, como não
transformar o jeito de ensinar?
Não raro, a economia do pensamento escolar formal faz crer que o
processo de ensino-aprendizagem é
uma ação una. Não obstante, profes-
sores e alunos orbitam nessa espécie
de reificação das práticas educativas
de forma controversa, o que justifica
a visão recorrente de que o ensino é
responsabilidade do professor, e a
aprendizagem uma ação restrita ao
aluno. Por mais que as teorias da
aprendizagem e o cotidiano da sala de
aula – na escola básica ou no nível superior, ambos submersos em “automatismos verbais” 4 – não deixem dúvidas
quanto à necessidade de conceber o
processo de ensino-aprendizagem em
uma relação de reciprocidade, ainda é
distante o horizonte de transformação
das práticas.
Nesse sentido, vê-se que tanto
professores quanto alunos concordam
que a educação precisa melhorar, mas
o exame de suas queixas revela a dificuldade bilateral em compartilhar a
responsabilidade pelo mesmo processo. O fato é que ensino-aprendizagem
deveria pressupor um processo de
interação e intercâmbios.
Em outras palavras, se, em nossa
pesquisa, as alunas, fora do setting de
aula, reivindicam do professor situações de uso real da Internet durante
a aulanet, não percebem o quanto o
professor desconhece essa demanda
provocada por ele mesmo e o quanto
4 Segundo Bourdieu, “Os automatismos verbais e os hábitos de pensamento têm por função sustentar o pensamento, mas também podem, nos momentos de
‘baixa tensão’ intelectual, dispensar de pensar. Embora devam auxiliar a dominar o real com poucos gastos, podem também encorajar aos que a eles recorrem
para fazer economia de referência ao real” (1974, p. 209).
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ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
elas se ausentam do processo pela
falta de comunicação.
Na representação sobre o processo
de ensino-aprendizagem, professores e
alunos são afetados de modo distinto,
o que provoca leituras e modos de
conceber também distintos. Tratase, em certa medida, de mais uma
das contradições do processo. Por
exemplo, se uma parcela das alunas
quer evitar o didatismo no uso das
ferramentas, propondo uma aula
construída a partir de “situações de
verdade”, não percebe o quanto a
sugestão didatiza o próprio uso da
Internet para aquela outra parcela de
alunas que se satisfaz, pelo menos,
em conhecer e dominar os procedimentos técnicos básicos. Desse modo,
a “situação de verdade” relativiza-se
em virtude de como as alunas distintamente experimentam a prática em
aula. Nota-se um desacordo entre os
objetivos do professor e de parte das
alunas – sendo que estas, na diversidade, também apresentam objetivos
distintos na busca de soluções para
os dilemas do grupo, em que uns
revelam insatisfações, enquanto
outros sentem-se remediados de seu
analfabetismo digital.
Daí configurar-se certa tensão entre
o que a aulanet promete e oferece, e
o que poderia ser uma tensão entre
um pólo do universo de alunas para
o qual estas práticas não oferecem
novidade e o outro que usufruiu das
possibilidades de aprendizagem do uso
do computador. Como lidar com a
diferença sem nivelar por baixo, risco
que se apresenta ao docente quando
enfrenta turmas heterogêneas em
qualquer etapa do ensino?
O processo de ensino-aprendizagem, assim como há décadas, ainda
se sustenta pela oposição professor
X aluno na chamada construção do
conhecimento. Bourdieu e Passeron,
ao analisarem o ritmo do tempo universitário dos estudantes de distintas
camadas sociais de Paris, afirmam:
“O professor tem sempre por tarefa
criar a propensão ao consumo do
saber e ao mesmo tempo satisfazer
esse consumo e o estudante não
contribui em nada para orientar a
‘produção’ ou a transmissão do saber”
(1968, p. 74). Assim, se, mesmo com
a inserção das TIC no processo de
ensino-aprendizagem, o pressuposto
é de que a Internet por si só muda
o jeito de aprender e que, por conseqüência, está a cargo do professor
a responsabilidade pela melhoria no
modo de ensinar, é preciso relativizar
em que termos isto se dá.
A mediação é o exato oposto da
polarização. Nela não se concebe o professor de um lado e o aluno do outro,
cada qual inerte em seus papéis. Na
mediação pedagógica o aluno tornase o agente do pensar pelo auspício
docente e a aprendizagem se realiza
no deciframento do sentido, o que em
nosso caso se daria pela construção de
um significado para o uso das novas
tecnologias na educação.
AS REPRESENTAÇÕES
DE ESCRITA: PESSOAL E
ACADÊMICA
Para além da situação específica
da disciplina semipresencial, pudemos perceber, pelas representações
de leitura e escrita das alunas, duas
categorias de escrita: uma classificada
como “acadêmica” – realizada para
atender às demandas da graduação
em Pedagogia – e outra como “pessoal” – em que as alunas em geral
expressavam suas emoções, percepções
mais íntimas. Estas duas categorias
de escrita admitem dois suportes
básicos: papel e computador.
A escrita “acadêmica” aparece
mais associada ao computador,
também por conta da já mencionada
regra de se entregarem digitados os
trabalhos pedidos pelos professores.
Das entrevistas, podemos destacar as
seguintes unidades recorrentes no
campo semântico da escrita “acadêmica”, que fornecem indícios da
representação que as alunas constroem
para este tipo de escrita: “obrigação”,
“trabalho”, “exigência”, “dificuldade”,
“dúvida”, “formalidade”. Nos termos
das entrevistadas, a escrita “acadêmica”
exige “palavras de pedagogo”, “palavras de universitário”, “palavras que
você não usa no cotidiano”, “palavra
mais profissional”.
A auto-representação de alunas
oriundas das camadas populares passa
por uma auto-apontada “defasagem”
ou “fragilidade” ou “dificuldade” na
área da escrita, obstáculo às demandas
que procuram atender em relação à
escrita “acadêmica”. Algumas alunas
revelam sua falta de domínio da norma culta – confirmada na oralidade –,
suas dificuldades em compreender e
produzir textos para a faculdade, bem
como as preocupações e angústias que
isso gera, relacionadas, entre outras
coisas, à correção e às críticas que
recebem dos professores. A representação de escrita “acadêmica” destas
alunas inclui: “medo”, “angústia” e,
num caso mais extremo, “bloqueio”.
Nesse ponto, sobram críticas feitas
por parte das alunas à qualidade do
ensino público que receberam. Na
universidade, o medo da correção
gera estratégia de consulta às colegas
para pré-correção da escrita “acadêmica”. Com isto, cria-se uma rede de
solidariedade, especialmente entre as
alunas que têm dificuldades. Mas essa
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ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
rede inclui, eventualmente, alunas
que têm mais domínio sobre leitura e
escrita, o que vem a estabelecer uma
interação entre alunas de distintos
segmentos socioculturais.
Contrastes nas habilidades de
manejo da norma culta neste grupo
e dentro do curso de Pedagogia são
apontados também por estudantes
que consideram ter boa formação na
área. Portanto, à heterogeneidade da
turma em relação à competência no
uso do computador soma-se o domínio diferenciado da norma culta,
que influi na relação das alunas com
a prática da escrita “acadêmica”.
Ao observar as representações de
leitura e escrita do grupo, percebe-se
que estas são um valor para as alunas,
associado, entre outras coisas, às
possibilidades de expressão pessoal e
de boa colocação profissional. Nessa
linha, algumas entrevistadas revelaram
o desejo de que a faculdade suprisse
a lacuna percebida na sua formação
escolar em relação à competência para
ler e escrever. E julgam que o curso
de Pedagogia não dá muita ênfase a
disciplinas para estímulo e proficiência
nessas áreas. Em outras palavras, elas
esperam que a faculdade promova seu
“letramento”5, incluindo o digital, ou
seja, a competência para atender às
demandas sociais associadas à leitura
e escrita “acadêmica” e digital.
A entrega dos trabalhos impressos cria uma relação obrigatória
entre escrita “acadêmica” e digital.
Buscando a representação do grupo
para escrita digital, percebemos que a
quase totalidade das alunas destaca a
“facilidade”, “rapidez” e “praticidade”
deste tipo de escrita, bem como sua
adequação à elaboração de trabalhos
acadêmicos, já que sua lógica é a
da “colagem” – que emerge como
categoria nativa em quase todas as
falas. O uso dos termos “cortar e
colar” – e seus derivados – é recorrente no grupo. Para elas, a escrita
digital é uma escrita “de colagem”.
Com a possibilidade de “cortar e
colar”, o suporte digital confere uma
mobilidade espacial ao texto na tela,
que pode ser “ajeitado”, “arrumado”,
sem deixar vestígios de desistências,
de erros ou incoerências iniciais.
Assim, quando se trata de escrita no
computador, fala-se em “organizar”
e “administrar” um texto.
Dentro da lógica da “colagem”,
raramente o texto que é escrito inicialmente na tela é o que permanece,
sendo que a escrita digital permite
não apenas consertar como apagar,
esconder o erro, gerando um aspecto
“clean”, sem rasuras, mudanças ou
hesitações aparentes. Outro aspecto
ressaltado pelas entrevistadas é a
“economia de tempo” que a escrita
digital permite, que vai ao encontro
de uma queixa recorrente das alunas:
a falta de tempo, ocasionada pelo
excesso de atividades e demandas
da vida moderna.
Em referência ao termo “colagem”, cabe-nos lembrar que se trata
de uma categoria social e teórica.
Com isso trazemos a nossa cena a
discussão de Clifford Geertz (1999).
Para esse autor a diversidade cultural
faz parte da sociedade complexa,
considerando-se tanto os grupos
étnicos como outras diferenças que
podem ser examinadas, por exemplo
em função de geração, gênero e classe.
Nas palavras do antropólogo, vivemos
em um mundo onde as fronteiras e
espaços interpenetram-se tal qual
uma “colagem”, cujas bordas são
irregulares e moventes. Essa imagem,
na sua riqueza, significa a nossa experiência urbano-cotidiana, sendo
metáfora da própria representação
do mundo da cultura letrada digital,
considerando-se o ponto de vista do
universo investigado.
Como afirma Roger Chartier
(2002), o advento do suporte digital
(que ele associa à revolução do texto
eletrônico) comanda “novas maneiras
de ler, novas relações com a escrita,
novas técnicas intelectuais”. Segundo
afirmam algumas alunas, a escrita
“de colagem”, que o computador
permite, gera “outra construção do
conhecimento”, interferindo no “raciocínio”. Uma idéia recorrente foi a
do raciocínio que “vai e volta”, sem
obrigação de seguir uma lógica “linear,
seqüencial e dedutiva” (CHARTIER,
2002), já que a “arrumação” poderá vir
depois. O texto vai sendo montado,
colado, o que é diferente do processo
de escrita encadeada no papel. Assim,
esse raciocínio mais “livre”, menos
“linear” acaba fazendo “fluir melhor
o texto”. Na representação de escrita
digital do grupo, em contraste com
a escrita a mão, essa “facilidade” na
construção do texto, derivada da
possibilidade de “cortar e colar”,
aparece como qualidade central.
Dentro dos conceitos de letramento, adotamos aqui o desenvolvido por Magda Soares, a saber: “o estado ou condição de indivíduos ou de grupos sociais de
sociedades letradas que exercem efetivamente as práticas sociais de leitura e de escrita, participam competentemente de eventos de letramento” (2002, p.3).
Estes indivíduos ou grupos “têm as habilidades e atitudes necessárias para uma participação ativa e competente em situações em que práticas de leitura e/ou
de escrita têm uma função essencial, mantêm com os outros e com o mundo que os cerca formas de interação, atitudes, competências discursivas e cognitivas
que lhes conferem um determinado e diferenciado estado ou condição de inserção em uma sociedade letrada” (2002, p.3).
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ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
Com o advento da escrita digital
e sua lógica de “colagem”, o rascunho
manuscrito para trabalhos acadêmicos torna-se uma prática que vai
perdendo o sentido e, portanto, seu
uso vai expressivamente diminuindo.
Algumas alunas revelam não gostar
mais de escrever à mão (lápis ou
caneta “machuca o mindinho”, “tem
que ficar apagando com a borracha”,
“o papel acaba manchando”).
O contexto observado nos faz
considerar a hipótese de que, predominantemente, as práticas de escrita
no curso de Pedagogia não vêm se
configurando como “experiência”.
Sônia Kramer trabalha com a distinção entre vivência e experiência:
[...] na vivência, a ação se esgota no
momento da sua realização (por isso
é finita); na experiência, a ação é
contada a um outro, compartilhada,
se tornando infinita. Esse caráter
histórico, de permanência, de ir além
do tempo vivido e de ser coletiva
constitui a experiência. (KRAMER,
1999, p. 106)
Ao se refletir sobre práticas e
representações de leitura e escrita do
grupo estudado, algumas inquietações
vão surgindo: qual a natureza das
práticas de escrita predominantes
neste curso de Pedagogia? Será que
a representação de algumas alunas
deriva-se apenas de dificuldades com
a norma culta?
Na aulanet a prática central de
escrita era o debate virtual. Dentro
do ofício do aluno, uma atribuição era
participar de debates pela Internet
sobre textos que as professoras lá deixavam a cada semana. Essa prática foi
classificada pelas entrevistadas como
“artificial”, “forçada”, “desnecessária”.
Alguns problemas comprometeram
sua realização. Segundo as alunas,
pela proposta inicial, as professoras
comentariam a contribuição escrita
(obrigatória) de cada uma. De acordo
com os depoimentos, isso raramente
ocorria, gerando “frustração”, dando
outro sentido a essa escrita. Como a
disciplina era semipresencial, algumas
entrevistadas questionaram o porquê
de não se fazer o debate ao vivo, que
funcionaria melhor, na opinião da
maioria, podendo ensejar discussões
“mais vivas”.
Uma questão relevante foi a falta
de interesse que a quase totalidade
dos textos – considerados pouco
aprofundados ou fora do tema central
da disciplina: o Curso Normal – provocou nas alunas. Outro problema
foi o desinteresse em ler a produção
escrita dos colegas.
Se a produção dos alunos não é
lida – nem pelos colegas nem pelos
professores –, se não há intercâmbio,
se o diálogo se esvazia, corre-se o risco
de se reforçar uma lógica da escrita
apenas para cumprir exigência escolar,
escrita percebida e executada como
“tarefa” obrigatória, que se esgota
no momento em que se aperta a
última tecla. O que fica para além
desse momento? O que permanece
a partir dessa escrita “para cumprir
tarefa”?
“ESCRITA PARA MIM”:
A LETRA E O ESPELHO
A percepção das alunas (na sua
quase totalidade) é de que lêem
e escrevem muito pouco fora das
demandas da faculdade, embora email, orkut, msn e outras formas de
sociabilidade via computador (escrita
digital) façam parte de sua rotina
diária. A maioria das entrevistadas
que abordaram o assunto afirma
que praticamente só escreve a mão
para a faculdade. Aqui podemos
incluir as provas, anotações de aula
e, ainda, o habitus6 acadêmico de
ler anotando nas margens do texto
(ou sublinhando o texto), citado por
várias entrevistadas (esta é uma das
razões que leva as alunas a preferir
ler o texto impresso, recorrência
enfática neste grupo. Outro motivo
muito citado é o cansaço que a leitura na tela gera nos olhos). Afirma
a estudante Célia7:
[...] eu escrevo tudo direto no computador. As únicas coisas que eu faço
escrita a mão: eu estou lendo um texto
e vou anotando do lado ou no próprio
texto ou numa folha, anotando as
frases que eu achei que sintetizaram
bem o pensamento daquele autor
que eu estou lendo. Então eu vou
escrevendo a mão, mas e escrita do
trabalho em si, como eu vou pensar,
é direto no computador.
Nas práticas de escrita a mão das
alunas, para além das demandas da
universidade, predominam apenas
recados e pequenas anotações.
Do grupo pesquisado, quatro
BMVOBT$FMFTUF)FMFOB*WPOF«VSFB
afirmam dedicar-se a um outro tipo
de escrita, classificada como “pessoal”8,
cujo campo semântico incluiu as
seguintes unidades: “sentimento”,
“liberdade”, “prazer”, “vontade”,
“sem obrigação”, “querer”, “gosto”,
6 Segundo Bourdieu “O habitus, como indica a palavra, é um conhecimento adquirido e também um haver, um capital”.(1998, p.61)
7 Os nomes de alunas citados no texto são fictícios.
*OGPSNBUJWP5ÏDOJDP$JFOUÓmDP&TQBÎP*/&43JPEF+BOFJSPOQ+BO+VO
ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
“expressão”, “minha letra” e, por fim,
“identidade”.
A fala de Helena dá alguma pista
sobre a lógica dessa escrita “pessoal”:
“escrevo para mim, pelo prazer de
escrever”. Mais de uma vez, as alunas
afirmam que a escrita “pessoal” é uma
escrita para elas:
[...] quando é alguma coisa para
mim eu gosto que tenha a minha
letra, a minha identidade. Eu estudo
identidade, eu acredito que a nossa
MFUSBÏJEFOUJEBEF«VSFB
[...] eu e a escrita não vivemos separadas. (Ivone)
[...] eu escrevo pra mim, sei lá. Pra
mim, que depois eu penso até em
fazer um livro depois, não sei. Se eu
vou publicar depois. Poesia, reflexão...
Sabe? Coisas do dia-a-dia... [...] Eu
escrevendo consigo descobrir muita
coisa. De mim mesma. (Celeste)
Aqui se percebe a representação
da escrita como modo de conhecimento de si mesma, caminho para
autodescoberta. Escrita-espelho.
Nessa linha, a estudante Helena,
que expressa seu “medo” pela instituição em que estuda, utiliza a
escrita como forma de se apropriar
(CHARTIER, 1990) da universidade,
desta cultura estranha e ameaçadora.
Escreve sobre a universidade, sobre
as coisas que observa lá dentro, para
tentar elaborar, compreender, “para
desabafar”:
Eu costumo observar tudo. Se eu
estou no pátio sentada, eu escrevo
o que eu estou olhando. Se eu estou
na sala de aula, às vezes eu não estou
prestando atenção na aula, mas estou
escrevendo para mim sobre a aula.
Não estou olhando para o professor,
mas eu estou pensando sobre a aula,
como ela poderia ser melhor.
Depois, segundo conta, joga fora.
Dentre tudo que escreve, só guarda
a escrita valorizada pela cultura
universitária: a escrita “acadêmica”.
A escrita “pessoal” parece não ser
assumida como um valor.
A vontade de expressar-se por meio
da escrita “pessoal”, que Celeste deixa
entrever quando revela sua vontade
de publicar o que escreve, também
aparece na fala de Ivone, quando
se refere aos seus escritos pessoais:
“talvez eu goste muito de escrever
porque eu gosto muito de falar, eu
gosto muito de me expressar, eu
gosto muito de dançar”.
Como recorrência, verificamos
que a escrita “pessoal” é feita preferencialmente a mão: “gosto de
escrever o que sinto quando estou
escrevendo a mão”, afirma Helena.
«VSFBEJ[RVFOÍPQBTTBQBSBPDPNputador: “todas as minhas escritas
pessoais, tudo que é meu, que não
me exigem forma”.
Celeste tem um caderno para sua
escrita “pessoal”, além de escrever em
papéis soltos. Ela afirma que sempre
tem papel ao lado dela. Helena
escreve em qualquer folha de papel
que esteja à mão: “Escrevo atrás da
apostila, em qualquer lugar”. Ivone
tem um “caderninho”, que também
chama de “diário”, que leva sempre
consigo, para poder escrever quando
tem “vontade, sem obrigação”. Para
as alunas, o papel ainda oferece uma
mobilidade maior, amparando a escrita
a qualquer momento, em qualquer
lugar. Portanto, torna-se mais apropriado para essa escrita “pessoal” que
“não tem hora marcada”.
Mas a preferência pela escrita
a mão tangencia outros motivos,
para além da praticidade do papel.
Mesmo quando Ivone escreve coisas
pessoais no computador (“quando
estava sentindo muita coisa, às vezes
eu ia para o computador, porque
era mais rápido”), depois imprime
e cola no caderninho. Ao justificar
sua preferência pelo manuscrito, fala
também em “privacidade”:
As coisas mais pessoais eu escrevo
no papel e escondo. Computador
não tem gaveta com chave. As coisas
pessoais eu prefiro escrever a mão.
²NBJTpessoal tem a minha letra. E
geralmente eu gosto, não sei.
A questão da privacidade é retomada por Celeste. Esta afirma
que está pensando em comprar um
computador, e se mostra em dúvida
se vai passar a realizar sua escrita
“pessoal” no suporte digital: “pode
ser uma coisa que eu possa até pensar
melhor. O que é que eu vou botar no
computador? Porque alguém pode
entrar e ver, entendeu?”. E conclui
afirmando que o papel ela sempre
poderá esconder para ninguém ler.
Celeste prefere escrever em caderno pautado, porque as folhas ficam
presas, conferindo alguma organização (ela compara os dois suportes,
afirmando que, no computador, os
escritos ficam mais organizados).
Porém, ela afirma:
“mas escrevo no papel também pra
bagunçar mesmo, sabe? Pra escrever,
rasgar... Eu gosto também de escrever em papel porque parece que dá
pra soltar a criatividade²NFMIPS
A forma que você vai escrever. O
8 Categoria nativa, incorporada pelos entrevistadores em algumas entrevistas.
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computador parece que tem uma
forma ali pra você escrever, agora
no papel você acaba criando, sabe?
Pode escrever de trás pra frente... Às
vezes eu escrevo assim. Ao contrário.
Você pode escrever fazendo pirâmide,
não sei”.
A escrita “pessoal” foi definida por
uma das alunas como “escrita fora
da norma”, situando-se, assim, como
contraponto à escrita “acadêmica”.
Para a escrita no papel, a maioria
das alunas prefere lápis a caneta,
pela possibilidade de apagar. Esta,
inclusive, é apontada como uma das
vantagens do computador: esconder
o erro sem deixar vestígio algum,
eliminar as hesitações, o que foi
desconsiderado pelo autor: “eu não
consigo escrever mais nada direto no
papel porque eu já estou acostumada
a escrever no computador, apaga, só
apertar delete. No papel, não: você
rabisca, tem que colocar em outro
lugar” (Diana).
Está claro que a preferência que
algumas alunas demonstram pelo
papel para a escrita “pessoal” está
ligada também à materialidade deste
suporte. Como afirma Chartier, para
se compreender uma comunidade de
leitores (como “interpretive communitie”), é importante observar
como as formas materiais afetam
os sentidos (1994, p.27). O papel
permite um contato físico, táctil,
uma proximidade que parece se
coadunar com idéia de intimidade
com o escrito, constituindo-se em
um suporte que se harmoniza com
as escritas pessoais: “tenho um valor
sentimental pelo meu diário. Gosto
de ter aqui na minha mão”, diz
Ivone, referindo-se ao caderninho
que sempre carrega consigo.
Mas, em relação ao manuscrito,
este grupo apresenta descontinuidades
simbólicas relevantes. A maioria das
entrevistadas prefere o computador
ao papel, e considera a escrita a mão
“desconfortável”, se comparada à
digital. Roberta, por exemplo, utiliza
o manuscrito apenas para pequenos
recados, para fazer prova na faculdade,
sublinhar e anotar textos. A aluna Sofia
é mais radical, e afirma: “odeio escrita
a mão!”. Priscila também privilegia
a escrita digital no seu dia-a-dia, e
vaticina: “talvez chegue um momento da vida em que a pessoa só use o
computador”. Mas, até então, ambas as
práticas (escrita a mão e digital) ainda
convivem no cotidiano das alunas,
com maior ou menos intensidade: “na
faculdade, a gente copia as coisas do
quadro, copia o que o professor fala,
as coisas importantes. Então, a todo
momento você tá nos dois lados, você
tá usando as duas formas: escrita a mão
e escrita no computador” (Priscila).
Como afirma Chartier,
insistir na importância que manteve
o manuscrito após a invenção de
Gutenberg é uma forma de lembrar
que as novas técnicas não apagam
nem brutal nem totalmente os antigos
usos, que a era do texto eletrônico será
ainda, e certamente por muito tempo,
uma era do manuscrito e do impresso.
(CHARTIER, 2002, p. 8)
A DESCOBERTA DE SI  O
EXEMPLO DE CELESTE
A partir da leitura das entrevistas
realizadas em uma linha de história
de vida, tendo em vista o recorte
das relações entre as estudantes com
as práticas de leitura/escrita, ficou
claro que um material denso havia
ali sido coletado para a elaboração de
uma antropologia das relações entre
mulheres e a cultura letrada.
Pode-se captar entre estes relatos
uma dimensão universal do significado
que a literatura possui. Nesta situação
particular, altamente heterogênea,
pois misturava mulheres de várias
classes sociais, neste recorte microssociológico da investigação em pauta,
colhemos sentimentos e emoções em
face do texto literário e do exercício
da escrita, que perpassam teorizações
de pesquisadores e escritores da história das mulheres, suas atitudes, suas
representações e práticas, e, também,
seus valores quando em contato com
o mundo letrado. Diríamos, portanto, que esta pesquisa não somente é
iluminada pelas relações da leitura e
da escrita feminina, quanto representa
uma contribuição à história cultural
deste campo de conhecimento.
Na busca dos significados das
práticas e representações de leitura/
escrita das alunas, destacamos a
seguinte frase, ouvida em uma das
entrevistas: “Eu escrevendo, consigo
descobrir muita coisa. De mim mesma.” Estas são palavras de Celeste,
jovem universitária, moradora da
Rocinha, cursando uma universidade
de elite da zona sul do Rio de Janeiro,
que descobriu a literatura no curso
pré-vestibular e quer ser escritora.
Suas condições de vida jamais facilitaram essa adesão ao letramento,
ou seja, a ultrapassagem dos usos
mais imediatos das letras para uma
apropriação de esferas recônditas de
prazer e expressão, como diria Magda
Soares. Nas palavras de Celeste, “ler é
uma coisa que eu gosto muito e que
me ajudou muito pra própria pessoa
que eu sou. Dá certa autonomia de
você compreender aquilo que quer
dizer”. Celeste articula tal autonomia
com a possibilidade de produção
de conhecimento. O seu discurso
entremeia leitura com escrita, a
importância da leitura com a questão
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Insistir na importância que manteve o manuscrito
após a invenção de Gutenberg é uma forma de
lembrar que as novas técnicas não apagam nem
brutal nem totalmente os antigos usos, que a era do
texto eletrônico será ainda, e certamente por muito
tempo, uma era do manuscrito e do impresso.
de lutar com as palavras que remete
à escrita, e segundo ela mesma: “eu
falo que com a escrita você acaba
descobrindo coisas”.
Buscando os significados da
cultura letrada para Celeste, destacamos algumas categorias sociais que
aparecem na suas falas. Do ponto de
vista dessa aluna, o significado ou a
importância da leitura está associado
a auto-desenvolvimento, autonomia,
consciência, ao tornar-se crítico, ao
poder escolher. “Literatura foi o
que me chamou para a leitura”, nos
diz ela. Por outro lado, cita Carlos
Drummond de Andrade para falar
da “luta com as palavras”. O encontro com a poesia de Drummond
operou mudanças nas suas práticas
escritas:
[...] antes eu escrevia um pouco sim,
mas parece que deu uma luz. Escrevo
DBEBWF[NBJT²BUÏPQPFNBRVF
ele fala da luta com as palavras. Eu
tenho que lutar com as palavras já
que eu gosto de escrever. Não tenho
como fugir. Aí, acaba saindo coisas.
Por isso eu falo que com a escrita
você acaba descobrindo coisas. A
universidade me ajudou muito
também na questão da escrita. E
até da leitura também. Como eu
comecei tarde este contato... Hoje eu
posso dizer que escrevo bem melhor.
Estou aprendendo a escrever bem.
Mas é mais a partir de uma leitura
literária. Acho que me ajuda muito
a escrever, pois é mais criativa, mais
interessante, mais accessível.
Estas palavras nada revelam
de novo para o teórico da leitura.
Contudo, achamos digno de nota ressaltar o significado da literatura para
esta jovem, nascida em um ambiente
no qual a leitura não constitui uma
prática e um valor cotidianos.
Almejamos desvendar, no contexto
estudado, o brilho de uma expressão
universal das relações entre mulheres
e a leitura das palavras, reveladora
dos sentimentos apaixonados entre
mulheres e livros, que se desdobram
de formas contraditórias, intranqüilas e sofridas na descoberta de si.
/PTUFSNPTEF"EMFS#PMMNBOO
(2006) encontramos a expressão “la
quête de soi”, que traduz as emoções
de leitoras no que tocam o caráter
tanto encorajador quanto ilusório
da leitura.
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ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
O TEXTO ETNOGRÁFICO EM QUESTÃO
The ethnographic text in question
Pedro Benjamim Garcia*
* Professor do Mestrado em Educação da Universidade Católica de Petrópolis. Graduado em Filosofia pelo Instituto
de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Mestre em Educação pela PUC-Rio. Doutor em Antropologia Social (Museu
Nacional/UFRJ). Pesquisador do CNPq. Desenvolve trabalhos ligados à formação do leitor na Universidade e em
favelas do Rio de Janeiro.
E-mail: [email protected]
Material recebido em novembro de 2007 e selecionado em dezembro de 2007.
RESUMO
ABSTRACT
Este artigo é uma reflexão acerca
do texto etnográfico, mais especificamente sobre o significado da escrita na
legitimidade do trabalho de campo do
antropólogo. Simplificando, temos,
de um lado, os que “naturalizam” a
escrita, como se ela fosse um mero
veículo descritivo da prática e, de
outro, os que advogam que a escrita
é o que valida a etnografia.
Palavras-chave: Texto etnográfico. Trabalho de campo.
This article is a reflection on the
ethnographic text; more specifically, on
the significance of writing in legitimating
the anthropological fieldwork. In simple
terms, there are, on the one side, those
who take a “naturalistic” approach
to writing and treat the text as a
mere description of the ethnographic
practice. On the other, we can find
those who believe that the validation
of ethnography is in its writing.
Keywords: Ethnographic text.
Fieldwork.
Este artigo é uma reflexão acerca
do texto etnográfico, mais especificamente sobre o significado da escrita
na legitimidade do trabalho de campo
do antropólogo. Simplificando temos,
de um lado, os que “naturalizam” a
escrita, como se ela fosse um mero
veículo descritivo da prática e, de outro
lado, os que advogam que a escrita é
o que valida a etnografia.
A partir de textos publicados em
“Retóricas de la Antropología”, coletânea organizada por James Clifford
e George E. Marcus; do livro Obras
e vidas: o antropólogo como autor, de
Clifford Geertz; e do artigo de Teresa
Caldeira, Antropologia e poder: uma
resenha de etnografias americanas recentes, busquei acompanhar esse debate
colocando o meu ponto de vista.
Geertz, no livro citado, faz uma
análise detalhada e exaustiva de
etnografias clássicas, comentando
seus impasses e alternativas. Ele vai
fundo. Entra no debate proposto
pelos antropólogos pós-modernos,
que supervalorizam a escrita na
produção da etnografia, e, aceitando
alguns dos pressupostos advogados
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por eles, procura responder o que
lhe parece fundamental: a razão
pela qual os textos etnográficos são
convincentes.
Mesmo que chegue à conclusão
de que os pós-modernos prometem
mais do que realizam – e creio que
esta é também a opinião de Caldeira
–, não há dúvida de que a área da
Antropologia não ficou imune a
essas críticas.
Geertz coloca a questão do fazer etnográfico em dois extremos:
“Não pense na etnografia, apenas
pratique-a” ou: “Não pratique a etnografia, apenas pense nela”. (GEERTZ,
2002, p. 182) A primeira postura é
naturalizada, não se questiona acerca
da produção do texto; a segunda,
leva ao imobilismo.
Aceitar a existência de “artifícios”
na construção do texto etnográfico
OÍPRVFTUJPOBBTVBMFHJUJNJEBEF²
o que Geertz nos diz:
De algum modo, supõe-se que
atentar para coisas como imageria,
as metáforas, a fraseologia ou a voz
leva a um relativismo corrosivo, no
qual tudo não passa de uma expressão
mais ou menos sagaz de opiniões. A
etnografia, dizem, torna-se um mero
jogo de palavras, como se presume
sejam os poemas e os romances.
Expor de que modo a coisa é feita
equivale a sugerir que, tal como a
mulher serrada ao meio, ela simplesmente não se faz. (GEERTZ,
2002:12-13)
“Mero jogo de palavras”, ilusionismo. Nem a poesia, nem a novela,
nem a etnografia podem ser meros
jogos de palavras. Cada uma delas,
para ser (a poesia, poesia; a novela,
novela; e a etnografia, etnografia),
tem que produzir um efeito (poético,
ficcional e etnográfico). Ou seja, tem
– no dizer de Guattari – que funcionar: “o que interessa é fazer com que
um texto funcione”. (GUATTARI,
1981, p. 77) E um texto só funciona
se ultrapassa a “barreira” das palavras,
se comunica algo a alguém.
Geertz identifica o medo de
enfrentar a questão do texto no
fato de que
[...] se houvesse um entendimento
melhor do caráter literário da antropologia, alguns mitos profissionais
sobre como ela consegue ser persuasiva tornar-se-iam insustentáveis.
Em particular, talvez fosse difícil
defender a visão de que os textos
etnográficos convencem, na medida
em que chegam a ser convincentes,
pelo simples poder de sua substancialidade factual. A ordenação de
um imenso número de detalhes
culturais sumamente específicos
tem sido a principal maneira pela
qual a aparência de verdade – a
verossimilhança, a vraisemblance,
a wahrscheinlichkeit – é buscada
nesses textos. (GEERTZ, 2002,
p. 13-14)
Admitindo aspectos ficcionais nas
etnografias, descartando a “substantividade factual” como o que consegue
“convencer”, Geertz chega ao cerne
da questão:
A capacidade dos antropólogos de
nos fazer levar a sério o que dizem
tem menos a ver com a aparência
factual, ou com o ar de elegância
conceitual, do que com sua capacidade de nos convencer de que o
que eles dizem resulta de haverem
realmente penetrado numa outra
forma de vida (ou, se você preferir,
de terem sido penetrados por ela) –
de realmente haverem, de um modo
ou de outro, “estado lá”. E é aí, ao
nos convencer de que esse milagre
dos bastidores ocorreu, que entra a
FTDSJUB(&&35;Q
No confronto com os pós-modernos, Geertz não só aceita críticas
que alguns deles fazem ao texto
etnográfico como as aprofunda e
BFMBTBDSFTDFOUBPVUSBT²DPNPTF
quisesse ir ao “fundo do poço” para
– de forma incontestável – “dar a
volta por cima”.
Neste sentido, afirma que os pressupostos teóricos de Malinowski, “em
outro tempo uma torre imponente,
como poucas, está basicamente em
ruínas, mas ele continua a ser o suprasumo do etnógrafo”. (GEERTZ, 2002,
Q
1PSRVFJTTPPDPSSF Geertz passa em revista as obras
de Malinowski, Evans-Pritchard1,
Lévi-Strauss e Ruth Benedict. Em
cada uma delas mostra os “artifícios”
ou, melhor dizendo, as estratégias
de construções de suas etnografias.
E isto não as invalida. Malinowski
continua imponente, apesar de seu
arcabouço teórico em ruínas:
Seja qual for o estado da reflexão
sobre a natureza das trocas do Kula
no momento atual, e ela vem se
modificando rapidamente, a imagem
fornecida dessas trocas em Os argonautas do Pacífico Ocidental continua
indelével, para todos os fins práticos.
(GEERTZ, 2002, p.16)
Algum escrito de Malinowski
que se encontrasse hoje seria visto
com unção quase religiosa; já um
texto análogo que buscasse imitar o
mestre estaria totalmente defasado.
Estranha situação. Um soneto imitando Camões e, hipoteticamente,
1 Geertz prefere desconfiar de sua capacidade de observação e análise do que pôr em questão a mesma capacidade em alguém da estatura de Evans-Pritchard.
2 Sobre a questão da autoria, ver FOUCAULT, M. O que é um autor? Lisboa: Vega, 1992.
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ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
atingindo sua perfeição, teria escasso
valor estético? A questão da autoria
se impõe2. Por que um quadro imitando Picasso e tão perfeito nessa
imitação – a ponto de o próprio
Picasso não perceber a diferença – é
desqualificado?3
Há aí uma curiosa relação entre
o valor intrínseco de uma obra, a
legitimidade de quem a realizou e o
seu contexto histórico. Tentar penetrar
nessa questão exigiria incursionar
pelos temas da “aura”, que Walter
#FOKBNJOQ
QSPQÜF
da originalidade e da autoria. Mas
isso me afastaria do tema central
deste texto.
Faço apenas uma visita a Platão,
que coloca a autoria em termos
“polifônicos”:
Sócrates – A respeito de quem é
o autor de um texto, e a quem ele
pertence depois de escrito, quem está
mais certo: aquele que diz que todo
discurso é obra de apenas um homem,
e portanto a ele pertence por inteiro,
ou aquele que pensa que um discurso
é apenas uma espécie de mosaico,
resultando da colagem de pedaços
de muitos outros discursos?
Fedro – Aquele que vê o discurso
como mosaico teria razão.
Sócrates – Você diria então, meu caro
Fedro, que não pode nunca haver um
discurso totalmente original, fruto
apenas da inspiração das musas, e
que todo o discurso é, ao menos
em parte, cópia de outros discursos
já existentes?
'FESPo²FYBUBNFOUFFTUFPNFV
modo de ver as coisas. Mas há ainda algo que precisa ser esclarecido,
Sócrates. Se pensarmos o discurso
como uma colagem, todo o homem,
fosse ele poeta ou não, seria capaz
de compor belos discursos, simplesmente colhendo aqui e ali trechos
já ditos por outros e colocando-os
lado a lado.
Sócrates – Muito me surpreenderia
que as coisas sucedessem de tal
forma! Ainda que seja verdadeiro
que o discurso não é fruto apenas
da inspiração, é preciso que aquele
que compõe seja capaz de combinar,
segundo as regras da harmonia e
obedecendo aos preceitos divinos,
diversos elementos recolhidos em
diferentes textos que ele tenha lido,
acrescentando ainda a estes alguns
trechos que ele terá pessoalmente
composto, juntando-os de forma
harmoniosa num novo texto, que
saberá falar por si mesmo. Ora, é
preciso levar em conta a dificuldade
de tal tarefa, quando pensamos na
quantidade imensa de textos que
há atualmente, e no número virtualmente infinito de combinações
QPTTÓWFJT²TFNEÞWJEBOFOIVNB
uma grande arte, esta de saber
encontrar fragmentos adequados
em meio aos discursos existentes, e
depois combiná-los num todo que
seja iluminado pelos ideais do que
é belo e verdadeiro.
Fedro – Não lhe parece que este
novo texto seria pouco mais que uma
cópia, feita, é certo, com particular
arte e atenção, mas ainda assim
uma cópia?
Sócrates – Não, Fedro, nunca houve
um original. Na verdade tudo que
sempre fizemos foi re-escrever, nas
novas linguagens que surgem ao longo
da história, os muitos ancestrais de
nossa raça, que são comuns a todos
PTIPNFOT²OJTTPRVFDPOTJTUFB
literatura”. (PLATÃO apud IRINEU,
1989, p. 201-202)
Isso posto, de forma tão clara e
concisa, como convém aos clássicos,
volto ao significado do texto – o que
ele esconde e revela.
Carlos Irineu afirma que “um
texto só é um texto se ele esconde ao
primeiro olhar a lei de sua concepção
e a regra de seu jogo”. (IRINEU,
1989, p. 201) Creio que é a esse
tipo de argumentação que se apegam
os pós-modernos ao desvelarem as
“regras do jogo” de composição das
etnografias.
Sustento, ao contrário, que o
desvelamento das regras não desmancha o encanto ou a legitimidade
EFVNUFYUP²PRVFEJ[.PSJOFN
suas considerações sobre o cinema.
Afirma que o fato de conhecermos
a técnica cinematográfica não tira a
emoção que um determinado filme
pode nos transmitir. Exemplo disso
é “A mulher do tenente francês”, que
mostra os bastidores da filmagem,
com os dramas dos atores, e a própria narrativa da história, como se
estivéssemos assistindo a dois filmes
em um só, “ambos” consistentes e
bem realizados. Em síntese, não é
o conhecimento da forma como se
realiza uma obra que retira dela o
seu encanto ou legitimidade.
Nessa mesma linha de reflexão,
podemos nos reportar ao texto clássico de Marcel Mauss: “A expressão
obrigatória dos sentimentos”, que
explicita os comportamentos que
devemos ter, e que todos esperam que
tenhamos, em determinados rituais.
O fato de chorarmos ou termos uma
postura compungida em um enterro
– que é exigido socialmente de todos
nós –, não elimina o sofrimento que
sentimos, como tão bem formulou
Fernando Pessoa no seu poema
Autopsicografia:
3 Frank Wynne aborda esta questão a partir da história de Han van Meegeren, especialista em criar quadros que reproduziam o estilo e a técnica do pintor
Johannes Vermeer. WYNNE, Frank. Eu fui Vermeer: A lenda do falsário que enganou os nazistas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
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O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
(PESSOA, 1960, p. 97)
A dor não está ausente no fingimento, confunde-se com ele e
transparece, apesar dele.
Voltando à construção do texto,
etnográfico ou qualquer outro, seria
o caso de questionar se poderia haver
um texto sem regras. Algo diáfano
e puro. Mesmo a experiência transcendente de São João da Cruz só
pode ser expressa através de palavras,
mesmo admitindo-se que as palavras
não captam a transcendência. Mas
é o que temos e é com esse material
que, como os alquimistas, buscamos
algo além das palavras, mas através
delas.
E o “além das palavras”, ou de
qualquer outra linguagem, pressupõe
algo mais do que a técnica. Exemplo:
um pianista que nos encanta pela
forma como executa Beethoven tem
menos mérito (acho eu) do que aquele
que nos faz esquecer a técnica e nos
transporta emocionalmente para a
obra do compositor.
O texto é uma construção. Um
leitor arguto, com vocação para
detetive, encontrará rastros dessa
construção. Nesse jogo, o autor às
vezes se diverte, como é o caso de
Nabokov, que joga pistas falsas e verdadeiras para a interpretação da sua
obra. Diria que o texto de Nabokov
a si mesmo se observa. E o texto que
a si mesmo se observa no processo de
construção adquire autoconsciência
aguda. Defesa e ataque. Empreende
uma escaramuça e, no mesmo instante, olha para os lados para não
ser surpreendido. Adquirindo ares
de sujeito, busca não cair em armadilhas. Essa agudeza – pretensa ou
real – dependendo de quem a cria,
se tira a “naturalidade” do escrever,
produz uma saudável sensação de se
estar marchando apesar de tudo. A
autoconsciência não estiola a produção (pelo menos seria desejável que
não o fizesse).
Claro que a construção literária
não é a mesma da etnografia, por mais
que se assemelhem. A primeira não
tem compromisso com a veracidade1,
o que não ocorre com a segunda.
Seja como for, sempre fazemos
alguma coisa por meio de. No nosso
caso, por meio de palavras. E a questão
é: “Como fazer coisas com palavras?”
(GEERTZ, 2002, p. 180)
Nesse sentido, não cabe a crítica
de Teresa Caldeira a um livro de
Taussig, quando ela afirma que “ele
quer provocar reações no leitor, talvez
náusea, mas só tem palavras impressas
para fazer isso”. (CALDEIRA, 1988,
p. 42) Não é sempre assim? Só se
têm palavras. O desafio é “domá-las”
ao nosso desejo em direção ao que
almejamos.
Voltando ao texto etnográfico...
Muda alguma coisa, na construção do
texto etnográfico, após a crítica pósmoderna? Acredito que sim. Penso
que é nessas águas, aparentemente
com mais obstáculos, que temos que
navegar. E não há saída. Não será a
atitude enganosa do avestruz que
irá resgatar o que já passou. Não se
trata de uma opção; é que não há
FTDPMIB²VNBRVFTUÍPRVFQSFDJTB
ser encarada de frente. E algumas
perguntas se impõem. Na medida
em que concepções e regras do texto
etnográfico foram desveladas, ele
teria perdido em eficácia? Poderia
ganhar em eficácia justamente pela
exposição do seu fazer?
Segundo Geertz, o foco dos
pós-modernos, tanto nas críticas
quanto em novas alternativas para
o fazer etnográfico, concentra-se no
UFYUP²BQBSUJSEBÓRVFRVFTUJPOBN
as etnografias realizadas até então,
cuja fórmula de construção da
autoridade etnográfica repousaria
na ambigüidade de aparecer e desaparecer. Aparecer para dizer “eu
estive lá”, desaparecer para manter
a neutralidade (científica?) do que
está sendo dito.
Marcus e Cushman descrevem
nove convenções textuais nas etnografias clássicas. Além das duas já
mencionadas (do aparecer, desaparecer), apontam:
[...] o texto está em geral estruturado
seqüencialmente, apresentando as
unidades nas quais considerava-se
que as culturas (ou sociedades)
estavam divididas;
[...] o indivíduo não tem lugar na
etnografia realista, fala-se do povo em
geral, ou de indivíduos típicos;
[...] para enfatizar o caráter de realidade das vidas retratadas, acumulam-se
detalhes da vida cotidiana;
[...] pretende-se apresentar não o
ponto de vista do antropólogo, mas
o ponto de vista nativo, idéia que se
assenta no pressuposto de que esse
ponto de vista existe pronto para ser
representado aqui (no texto);
4 De forma não despida de ironia, Guimarães Rosa dirá que suas histórias são sempre verdadeiras, porque inventadas: “E assim se passaram pelo menos seis
ou seis anos e meio, direitinho deste jeito, sem tirar nem pôr, sem mentira nenhuma, porque esta aqui é uma estória inventada, e não um caso acontecido”.
304"(VJNBSÍFT"IPSBFBWF[EF"VHVTUP.BUSBHB*O4BHBSBOB3JPEF+BOFJSP+PTÏ0MZNQJPQ
*OGPSNBUJWP5ÏDOJDP$JFOUÓmDP&TQBÎP*/&43JPEF+BOFJSPOQ+BO+VO
ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
Embora anteriormente não se ignorasse o estilo dos
autores, a precisão narrativa e analítica etc, o que
não se levava em conta é que o fazer antropológico
também residia nisso.
[...] apesar de cada trabalho de campo
ser muito específico, nas etnografias
tendeu-se a generalização;
[...] usa-se o jargão, exigência
científica;
[...] faz-se a exegese de termos e
conceitos nativos – e reafirma-se
a competência lingüística do antropólogo. (CALDEIRA, 1989, p.
137-138)
Considerando-se essas convenções
na elaboração do texto etnográfico,
não é gratuito se falar, conforme
Geertz, de “ficção antropológica”.
O que não significa caracterizar a
etnografia como “literatura”, o que
a descaracterizaria como tal.
Embora anteriormente não se ignorasse o estilo dos autores, a precisão
narrativa e analítica etc, o que não se
levava em conta é que o fazer antropológico também residia nisso.
Em síntese, o que os pós-modernos desvelam, em suas críticas,
são as normas que ressaltam a veracidade das etnografias. Normas
(convenções) que encobrem limitações, dando impressão de totalidade e harmonia ao que é parcial
e contraditório.
Como alternativa ao que criticam,
os pós-modernos
[...] vão tentar romper tanto o caráter
de separação das culturas, quanto o
de re-criação da totalidade. Para eles
a etnografia não deve ser uma interpretação sobre, mas uma negociação
com, um diálogo, a expressão da troca
entre uma multiplicidade de vozes.
[...] A proposta é, então, escrever
etnografias tendo como modelo o
diálogo ou, melhor ainda, a polifonia
[...], e para isso todos os meios podem
ser tentados: citações de depoimentos,
autoria coletiva, ‘dar voz ao povo’ ou o
que mais se possa imaginar. O objetivo
final, no que diz respeito ao autor, seria
fazer com que ele agora se diluísse no
texto, minimizando em muito a sua
presença, dando espaço aos outros,
que antes só apareciam através dele.
(CALDEIRA, 1989, p. 141)
Essa proposta tem as seguintes
conseqüências:
t a perda, por parte do antropólogo, do status de “sujeito
cognoscente privilegiado.
Perdendo o status de sujeito
cognoscente privilegiado, o
antropólogo é igualado ao
nativo e tem que falar sobre o
que os iguala: suas experiências
cotidianas”;
t a necessidade de encontrar meio
de representar a “diversidade
irredutível de experiências” (já
que se nega a “possibilidade de
reconstruir uma totalidade que
dê sentido a todas as posições
diversas”);
t com todas as vozes equiparadas, “o que se representa
são sujeitos individuais e não
papéis sociais”;
t por último, o autor não se
esconde para afirmar sua
autoridade científica, mas
se mostra para dispersar sua
autoridade; não analisa, apenas
sugere e provoca. Com isso
a concepção de leitor muda
radicalmente: ele não é mais
aquele que se informa, mas deve
ser agora participante ativo na
construção do sentido do texto,
que apenas sugere conexões
de sentido. (CALDEIRA,
1989, p. 141)
Diante de tais argumentos talvez
se possa concluir que perdemos
a inocência. Para ultrapassá-la ou
reconquistá-la (se isto é possível),
é necessário não ser ingênuo e reconhecer os limites, as perdas e os
ganhos. E verificar se há recomeço
possível e como recomeçar. Algo na
linha de uma reflexão de Umberto
Eco, que Regina Novaes recuperou
num texto que tem o sugestivo título
de “Nada será como antes, entre
urubus e papagaios” (NOVAES,
Q
Penso na atitude pós-moderna como a
de um homem que ama uma mulher
muito culta e sabe que não pode
dizer-lhe ‘eu te amo desesperadamente’, porque sabe que ela sabe (e
ela sabe que ele sabe) que esta frase
foi escrita por Liala. Entretanto,
existe uma solução. Ele poderá dizer:
‘Como diria Liala, eu te amo, desesperadamente’. A esta altura, tendo
evitado a falsa inocência, tendo dito
claramente que não se pode mais falar
de maneira inocente, ele teria dito
à mulher o que queria dizer: que a
ama, mas que a ama em uma época
de inocência perdida. Se a mulher
entrou no jogo, terá igualmente
recebido uma declaração de amor.
Nenhum dos dois interlocutores
se sentira inocente, ambos terão
aceitado o desafio do passado, do
já dito que não se pode eliminar,
ambos jogarão conscientemente e
com prazer o jogo da ironia... Mas
*OGPSNBUJWP5ÏDOJDP$JFOUÓmDP&TQBÎP*/&43JPEF+BOFJSPOQ+BO+VO
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ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
ambos terão conseguido mais uma
vez falar de amor. (NOVAES, apud
ECO, 1993, p. 33)
Em etnografia talvez se possa
utilizar recurso similar ao sugerido
por Eco: “Como diriam os pósmodernos...”. E esperar que com
isso se possa, em tempos de perda de
ingenuidade, olhar o texto etnográfico
como uma construção do fazer etno-
gráfico. Até que novamente advenha
uma nova “denúncia” do que se faz
e tudo se refaça em outros termos.
Esta parece ser a trama sem fim do
conhecimento sempre reposto.
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WYNNE, Frank. Eu fui Vermeer: a lenda do falsário que enganou os nazistas. São Paulo: Companhia das Letras,
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Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.60, Jan-Jun 2008
ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
A ESCOLA NA FRONTEIRA INTERCULTURAL: PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS E O CAMPO DA DIDÁTICA
The school in the intercultural border: pedagogical practices and the field of didactics
Kelly Russo*
* Kelly Russo é graduada em Comunicação Social pela UERJ, Mestre em Ciências Sociais e Educação pela Faculdade
Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO Argentina) e Doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro. Tem especialização em Direitos Humanos e Diversidade Cultural pela Fundação UnidaUniversidade Bolivariana (AR-Chile) e atualmente é pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Cotidiano, Educação
e Cultura(s), coordenado pela profa. Vera Candau, e do Grupo de Pesquisa sobre Educação e Mídia, coordenado
por Rosália Duarte, PUC-Rio. Em 2003 ganhou o concurso “Poder y Nuevas Formas Democráticas de America Latina y
Caribe” organizado pelo Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso), sendo financiada para a realização do
trabalho de campo junto ao povo Xavante, do Território Indígena Rio das Mortes. Desde 2004 desenvolve projetos de
capacitação e apoio aos professores indígenas e não indígenas deste território.
E-mail: [email protected]
Material recebido em outubro de 2007 e selecionado em novembro de 2007.
RESUMO
ABSTRACT
Em 1988 o Brasil mudou sua
Constituição e reconheceu o caráter
multicultural, plurilíngüe e multiétnico de seu território. Resultado de
mudanças no contexto internacional
e da ação de grupos indígenas, essa
mudança abriu espaço para um novo
desafio: a construção de um sistema
educativo que respeite a diversidade.
A partir da experiência protagonizada
pelo grupo indígena Xavante (região
Amazônica, Mato Grosso, Brasil),
esse artigo discute como a Educação
Indígena vem sendo desenvolvida
no país e analisa a relação entre
professores e o sistema público de
educação.
Palavras-chave: Educação Intercultural. Povos Indígenas, Práticas Pedagógicas. Didática.
In 1988, Brazil changed its
National Constitution to recognize
the multicultural, plurilingual and
multiethnic character of its territories.
This was a result of changes in the
international setting and of the action
of indigenous groups, who needed to
face a new challenge: the reconstruction
of the public educational system in the
country to include the diversity in it.
Based on the Xavante indigenous group
experience (Amazonian group, Brazil),
this article analyzes the relations between
governmental actors and indigenous
teachers and gives a panoramic view
of the development of Intercultural
Education in Brazil.
Ke y w o rd s : In tercu l tu ra l
Education. Aboriginal People.
Pedagogical Practices. Didactics.
A CULTURA DA ALDEIA
NA ESCOLA: A SOCIEDADE
XAVANTE
Os Xavante, ou, como se autodenominam, A´uwê Uptabi, “O
Povo Verdadeiro”, são conhecidos
historicamente por seu ethos guerreiro e por sua resistência ao contato
pacífico com a sociedade nacional.
Conviveram com não-indígenas pela
primeira vez no século XVIII, mas
se negaram a esse contato em fins do
XIX, migrando para o interior do
país. Essa decisão não foi unânime,
tendo provocado divisões internas
e variados destinos para subgrupos
Xavante (LOPES DA SILVA, 2000,
Q
A população dessa etnia é estimada em treze mil pessoas, distribuídas em seis Territórios Indígenas:
Sangradouro, São Marcos, Marechal
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ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
Rondon, Parabubure, Areões e Rio
das Mortes. Este último, cenário principal da pesquisa, possui
329.000 hectares e cerca de dois
mil habitantes, divididos em cinco
BMEFJBT5BOHVSP $BÎVMB «HVB
Branca, Wede´rã, e Etêñeritipa1. Essa
população possui menos de sessenta
anos de contatos pacíficos com a
sociedade nacional, é praticamente
monolíngüe em idioma nativo e
conta com cinco escolas municipais.
Trabalhamos na Escola Municipal
de Ensino Básico Pimentel Barbosa
(EMEB Pimentel Barbosa), situada
na aldeia Etêñeritipa, com cerca de
duzentos alunos.
Essa EMEB foi construída em
1992, pela Secretaria Municipal de
Canarana, a cidade mato-grossense
onde está situada a maior parte do
Território. Até 1994, a escola possuía
cerca de cinqüenta alunos matriculados nas séries iniciais e um professor
não-indígena2, que atualmente a
dirige e coordena sete professores
– dos quais cinco são Xavante –,
nenhum com título de docência.
Entretanto, todos participam, desde
EFVNDVSTPEFGPSNBÎÍPQBSB
professores indígenas, organizado
pela Secretaria de Educação de Mato
Grosso, em parceria com o setor
educativo da FUNAI. Realizada essa
breve apresentação sobre a população
estudada, partimos para as etnografias
escolares.
A CULTURA ESCOLAR NA
ALDEIA: UMA AULA DE
EDUCAÇÃO ARTÍSTICA
04 de agosto de 2004, quarta-feira.
EMEB Pimentel Barbosa.
A escola não apresenta, em uma
primeira aproximação, nenhuma
característica “indígena”. Construída
com tijolos e cimento, forma um
retângulo frio e maltratado pelo
tempo. O branco e o azul-marinho
das paredes estão sujos e descascados,
e grades barrentas emolduram as
antigas janelas de ferro. Para a aula de
hoje chegaram dezesseis alunos, todos
meninos. Com idades entre sete e oito
anos, estão em sua maioria descalços e
usam shorts e camisetas folgados para
seus corpos. Levam o barro vermelho
do chão da aldeia nas roupas e nos
cabelos, bastante despenteados. Não
parecem ter um cuidado especial para
vir à escola: chegam exatamente como
costumam ficar na aldeia. José3, o
professor Xavante monolíngüe, que
nunca estudou na cidade, entra na
sala de aula trazendo alguns livros
e cadernos. Deixa-os sobre a mesa
de professor e em silêncio escreve o
cabeçalho da aula de hoje:
“EMEB Pimentel Barbosa
(com giz azul)
04 de agosto de 2004 (em vermelho)
Educação Artística (em azul)”
A chegada do professor não muda a
movimentação dos alunos. Não se
preocupam em arrumar as cadeiras
(como foi possível perceber em
outras aulas). Correm ou brincam
entre elas. Após escrever o cabeçalho,
José distribui folhas brancas para os
alunos, que se sentam, sempre ruidosamente. Um dos alunos caminhou
em minha direção, trazendo com
todo cuidado uma folha branca.
Enquanto caminhava, repetia em
voz alta: “Warazu! Warazu! 4” e,
entregando-me a folha, me incluía
na aula de Educação Artística. Sorri,
agradeci e coloquei a folha branca
sobre a carteira escolar, um pouco
incomodada de “atrapalhar” a atenção
dos alunos.
Finalizada a distribuição de folhas,
José se senta e de sua mesa chama
pelo nome cada um dos alunos.
Entrega lápis de diferentes cores. Os
meninos chegam à mesa, dobram
a parte de baixo de suas camisas e
assim formam “bolsas” onde carregam
seus lápis coloridos até as carteiras.
Repetem o modo que suas mães
e irmãs usam seus vestidos: como
“bolsas” improvisadas para carregar
raízes e frutos.
Agora sentados, os alunos copiam o
cabeçalho em constante atividade:
cantam em Xavante, conversam e
brincam entre si de modo bastante
agitado. O professor parece não se
incomodar e escreve no quadro o
enunciado do exercício:
“Desenhar um alimento tradicional
Xavante e um homem caçando”.
Animados, os alunos fazem seus desenhos. Ao terminarem, vão à mesa
do professor para mostrar a tarefa
realizada. Como essa movimentação
1 Falar em um número total de aldeias é um risco, visto que as segmentações no grupo Xavante são freqüentes. Em 2006, por exemplo, parte da população de
Etêñeritipa se dividiu e formou uma nova aldeia. Atualmente, ambas dividem a mesma escola municipal instalada na aldeia original.
2 Há três gerações a família desse professor vive e trabalha com os Xavante do território Rio das Mortes. Ele domina a língua nativa e participou de todos os ritos de
GPSNBÎÍPEFTTBFUOJB²DPOTJEFSBEPQFMBTMJEFSBOÎBT9BWBOUFDPNPVNBMJBEPEPHSVQP"TTJNDPNPPTEFNBJTQSPGFTTPSFTEFTTBFTDPMBOÍPQPTTVJGPSNBÎÍPEPDFOUF
e estudou apenas até a terceira série do Ensino Fundamnetal em escolas públicas da região e agora completa sua formação na própria escola da aldeia.
3 Nome fictício.
4 Warazu é o termo que os Xavante utilizam para designar os não-Xavante ou os não-indígenas.
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.62, Jan-Jun 2008
ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
A rotina da escola da aldeia reflete uma tensão
constante entre a cultura local e uma cultura escolar.
A escola não só reproduz cultura, como também
possui uma cultura própria, repleta de códigos e
práticas muito características que conformam uma
determinada “gramática educativa”
se transforma em um tumulto ao
redor de sua mesa, o professor se
levanta e pergunta à turma quais são
os alimentos tradicionais Xavante.
Os meninos respondem: “manga”,
“arroz”, “mamão”. A cada resposta,
José corrige: “warazu sapetá”, ou seja,
esses não são tradicionais Xavante,
foram trazidos pelos brancos. Surgem
novas respostas: “u`pa” (mandioca)
e “mo`oni” (raiz, parecida com a
batata). Estes, sim, são considerados
corretos pelo professor, que retorna
satisfeito à sua mesa para continuar
com sua leitura.
Os alunos, sempre em movimento, vão de mesa em mesa olhar o
exercício de algum colega, trocam
constantemente de lápis com algum
companheiro, limpam as borrachas
nas paredes, cantam ou dançam na
sala de aula enquanto fazem seus
exercícios. Um deles vem ver o que
eu escrevo e começa a me ensinar
palavras em Xavante e eu, um pouco
sem graça por me sentir mais uma
vez “atrapalhando” a aula, procuro ser
discreta. Outros alunos se aproximam
falando novas palavras para que eu
repita, até que o primeiro “alunoprofessor” agarra uma cartilha da
língua Xavante e, mostrando desenhos
e repetindo a palavra em Xavante,
observa o modo desajeitado com que
eu repito cada uma delas. Sorri dos
meus erros ou confirma com “`hê”
a pronúncia correta.
Em menos de duas horas de aula,
eu havia me tornado o centro das
atenções, e quase todos os alunos
estavam ao meu redor, repetindo
palavras, mostrando-me seus desenhos e um deles, que me pareceu o
mais inquieto de todos, fazia caretas
ou retorcia os olhos, tentando me
assustar. O professor continuava
impassível, em sua mesa de trabalho
quando, animado, um dos alunos
sobe em uma cadeira e agarra uma
aranha para jogá-la em mim, mas
fui “salva” pela cozinheira. A palavra
mágica “merenda” foi mais forte que
qualquer brincadeira com “warazu”.
Os alunos saíram correndo da sala de
aula, repetindo animados “Boracha!
Boracha!” e assim terminou seu
dia de aula.
A rotina da escola da aldeia reflete uma tensão constante entre a
cultura local e uma cultura escolar. A
escola não só reproduz cultura, como
também possui uma cultura própria,
repleta de códigos e práticas muito
características que conformam uma
determinada “gramática educativa”
5:"$,$6#"/Q
Nessa gramática, a acentuada rigidez e a pouca permeabilidade para
lidar com o contexto sociocultural
em que se situa cria uma grande
distância entre os saberes “escolares”
e os saberes comunitários. Mas essa
gramática se transforma no cotidiano da escola indígena e será nesse
espaço de confronto e tensão que os
professores Xavante irão desenvolver
suas atividades.
A organização dos horários e das
disciplinas da escola Pimentel Barbosa
se aproxima daquela estruturada pela
Secretaria Municipal de Canarana6.
Os professores das quatro primeiras séries do Ensino Fundamental
elaboram as aulas tendo como base
uma pequena tabela em que cada
dia da semana corresponde a uma
disciplina escolar. Segunda-feira é
dia de Língua Materna; terça-feira,
de História e Geografia; quarta-feira,
de Matemática; quinta-feira, de
Ciências e sexta-feira, de Educação
Física ou Educação Artística. As
aulas duram cerca de três horas e,
para planejá-las, professores dizem
utilizar livros didáticos distribuídos pelo MEC (comuns a todas as
escolas do município de Canarana,
indígenas ou não). Explicam que suas
aulas são preparadas de acordo com
as orientações recebidas da equipe
pedagógica da Secretaria Municipal:
adaptam e traduzem para a língua
materna as atividades existentes nos
livros didáticos. Na aula descrita, por
exemplo, o professor aproveita um
típico exercício presente nos livros
de educação infantil.
“Boracha” é uma variação da palavra “bolacha” em português. Não existe o fonema correspondente à letra “l” na fonética Xavante.
6 O momento de definição do cronograma anual da escola indígena Pimentel Barbosa é sempre bastante tenso. Por um lado, a comunidade indígena exige
uma organização específica, que obedeça às prioridades e aos ritmos presentes em seu cotidiano; por outro, funcionários da Secretaria Municipal apresentam
resistência a qualquer mudança no sistema.
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ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
Na pergunta pelos “alimentos
tradicionais”, é interessante destacar
a diferença entre a expectativa do
professor e as respostas dos alunos. O
primeiro procura resgatar os hábitos
alimentares praticados por esse povo
antes do contato com a sociedade
nacional, mas, para os alunos com
idades entre oito e nove anos, seus
alimentos tradicionais são realmente
os comuns na aldeia em que vivem:
o arroz, a manga ou o mamão. A
dieta Xavante vem-se modificando
bastante nos últimos dez anos, e nesse
descompasso entre uma cultura que
faz parte de um passado distante e
aquela vivenciada pelos alunos, surge
a tensão entre o que é considerado
moderno e o tradicional7 pelas lideranças dessa população.
Durante o trabalho de campo,
foi possível perceber como a atual
liderança da comunidade convive
com essa tensão. Foram presenciadas
discussões e decisões sobre a chegada
ou não de computadores à aldeia, sobre a viabilidade do desenvolvimento
de projetos turísticos sustentáveis
dentro da reserva indígena, ou ainda
a definição de regras para que vícios
considerados “perigosos” (como
bebidas alcoólicas e drogas) ficassem
longe de seu cotidiano. Essa liderança
se mostrou em constante negociação
para o fortalecimento do que chama
de “raiz Xavante”, ao mesmo tempo
em que reconheceu a necessidade
de se apropriar de conhecimentos
não-tradicionais importantes para a
relação com a sociedade envolvente.
O uso de telefones ou a apropriação
da escola são exemplos dados por eles
como elementos que “não interferem
na tradição”. E para que a escola
realmente não interfira na tradição,
diferentes modos de transmissão
de conhecimento estarão presentes
nessa escola.
A educação e a sociabilidade das
crianças Xavante ocorrem de modo
gradual e contínuo em diversos
espaços comunitários. As crianças
acompanham os mais velhos nos
afazeres domésticos, sem a existência
de uma clara diferenciação entre o
que seriam atividades infantis ou de
adultos. Os meninos parecem ter
maior liberdade durante a primeira
infância, sem deveres ou responsabilidades muito definidos, mas, como
as meninas, colaboram com as tarefas
domésticas e participam das atividades
cerimoniais. Através da relação com
seus familiares e “brincando de fazer
coisas de verdade” (NUNES, 2002,
p. 73), é que meninos e meninas
Xavante aprendem a identificar os
limites e códigos que regem a sua
sociedade. De modo fluido e pouco
formalmente estruturado, acontece
a educação das crianças. Entre os
Xavante, as crianças raramente sofrem punições. O pai nunca o faz e
as mães somente em casos extremos,
já que consideram a infância e com
ela se relacionam de modo bastante
particular: a criança não será; ela já
é alguém consciente e responsável
por seus atos. O trazer essa prática
cultural para a escola significa que,
para convencer um aluno de algo,
é necessária “muita conversa”, e não
coação, como explicou o professor
observado.
Na Escola Municipal Pimentel
Barbosa não existe o sistema estru-
turado para limitar e disciplinar seus
alunos, comum nas escolas da rede
pública do município de Canarana.
Os professores não classificam os
alunos nem aplicam avaliações formais. Dizem saber se cada um pode
passar para a série seguinte a partir
das observações em aula ou por
meio de exercícios específicos. Nesta
escola não existe nenhum tipo de
punição, porque “os alunos é que
TBCFN²EBDBCFÎBEFMFTTFRVFSPV
não aprender”, conforme explicado
pelo professor que ministrou a aula
descrita. Dessa forma, foi possível
verificar que, na realidade da população de Pimentel Barbosa, não existe
um corte, uma forte ruptura entre as
práticas cotidianas desses alunos na
vida comunitária e aquela vivenciada
na rotina escolar, mas sim um espaço
híbrido, que mescla elementos das
duas culturas.
O professor define o conteúdo da
aula, reproduz gestos e ritmos de fala
muito semelhantes aos presentes na
prática de professores não-indígenas,
mas mantém uma relação com os
seus alunos muito similar à que
vivencia no ambiente comunitário.
Estes, por sua vez, referem-se ao
professor de modo informal, pelo
apelido, por exemplo, e terminam
por determinar o próprio ritmo da
aula: uma constante movimentação.
A relação professor-aluno acompanha uma forma de transmissão de
conhecimentos específica, como
explicou um dos professores indígenas
entrevistados:
Eu não vou começar a gritar com
eles ou exigir pra fazerem leitura,
ou ficarem quietos, eu não posso,
7 Ambas as especificações utilizadas pela liderança dessa aldeia.
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.64, Jan-Jun 2008
ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
Entre os Xavante, as crianças raramente sofrem
punições. O pai nunca o faz e as mães somente
em casos extremos, já que consideram a infância e
com ela se relacionam de modo bastante particular:
a criança não será; ela já é alguém consciente e
responsável por seus atos.
eu quero continuar respeitando a
minha cultura (...). Se eles querem
TBCFS FMFT QFSHVOUBN ² NVJUP
difícil concentrar eles, mas também
não podemos falar com eles, eles
mesmos têm que sacar. Isso já vem
da tradição da gente. Não podemos
dar uma idéia e eles serem obrigados
(...) Eles é que têm que pensar no
futuro deles.8
Na sociedade Xavante a criança é
considerada como alguém capaz de
decidir e “sacar” o que é o melhor
para si. São os aprendizes que devem
demonstrar interesse e perguntar, e
não o tutor quem define os saberes
necessários para eles. Essa relação
tem continuidade na rotina escolar
assim como podemos identificar
outros aspectos. A sala de aula, por
exemplo, não parece ser considerada
como um lugar “diferenciado”, que
exija determinados comportamentos
para se entrar ou permanecer nela.
Qualquer pessoa da comunidade
entra nesse espaço e dele sai sem
precisar pedir licença ao professor ou
ao coordenador, e a movimentação
é constante. Foi possível identificar
uma mescla entre um modelo escolar
aprendido pelos professores, que
tentam reproduzi-lo na sala de aula
8
(divisão do tempo, a organização
das disciplinas, o uso dos materiais
didáticos), e a forma livre do convívio comunitário, que não permite
a implementação integral daquela
gramática educativa. Pelo menos para
os alunos desse grupo de idade.
Como veremos mais detalhadamente a seguir, a sociedade Xavante
possui uma complexa segmentação
interna, com a existência de diferentes
categorias de idade, que fazem referência ao crescimento do indivíduo
e às classes de idade, relacionadas às
divisões clânicas e de metades existentes na aldeia. Cada fase do ciclo
de vida corresponde a uma categoria
de idade específica. A passagem de
uma categoria a outra ocorre de
acordo com um marcado sistema de
classes de idades. A educação nessa
sociedade significa alcançar e ultrapassar diferentes categorias e classes
de idade vividas sempre coletivamente
(MAYBURY-LEWIS, 1984 [1967];
LOPES DA SILVA, 1986; NUNES,
1999). Os alunos dessa aula fazem
parte da categoria de idade anterior
a sua inclusão no sistema de classes
Xavante. Eles exemplificam a condição
de total liberdade vivenciada antes
de seu ingresso naquela que será a
instituição educativa tradicional dessa
sociedade, o Hö.
Todos os meninos Xavante, ao
completarem idade entre 9 e 11
anos, deixam as casas de suas famílias para ingressar no Hö, a “Casa
dos Solteiros”, onde vivem por
cinco anos. Nela são educados por
seus padrinhos. Durante essa vivência, participam de um modelo
educativo em que “a corporalidade
deve ser entendida como um dos
mecanismos centrais do processo
de aprendizagem e transmissão de
conhecimentos”. (NUNES, 2002,
p. 37) Essa mudança de status vivida
por essas crianças também irá refletir
uma forte mudança na rotina escolar,
como veremos a seguir.
A escola e o sistema de classes: uma
aula de geografia
02 de julho de 2004, sexta-feira.
EMEB Pimentel Barbosa.
Terceira série do Ensino Fundamental.
Aula de Geografia.
Por volta das 10h 30m chega à escola
o professor Augusto9, caminhando
entre os alunos, quase todos seus afilhados no Hö. Estão todos de banho
tomado, roupas limpas, cabelos bem
penteados, com chinelos ou sapatos.
Trazem seu material escolar: livros,
cadernos, lápis e caneta. Ao chegar
à escola, Augusto deixa seu material
sobre a mesa de professor e escreve
o cabeçalho: “Geografia”. Enquanto
isso, os alunos arrumam as carteiras
em filas perfeitas, sentam-se silenciosamente e copiam com cuidado
o cabeçalho em seus cadernos.
Augusto, já sentado, indica a página
do livro didático de geografia e fala
Supretaprã, comunicação pessoal: 2004.
9 Nome fictício.
*OGPSNBUJWP5ÏDOJDP$JFOUÓmDP&TQBÎP*/&43JPEF+BOFJSPOQ+BO+VO
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ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
em Xavante que a lição de hoje é
“O Município”. O livro utilizado
é um dos distribuídos pelo MEC
para as escolas da rede pública,
portanto, todo escrito em português. Nesta lição, pequenos textos e
fotos apresentam cidades brasileiras:
Tocantins, Porto Alegre e São Paulo.
O professor lê alto frase por frase,
e seus alunos, também em voz alta,
acompanham em português a leitura
do texto. Depois de cada parágrafo,
lido em português, Augusto explica
em Xavante o texto, chama a atenção
para a pronúncia de alguma palavra.
Tudo em um clima muito descontraído, entremeado com brincadeiras e
risos dos alunos.
Existe uma forte sintonia no grupo.
Quando começam a ler com uma
voz mais baixa ou quando alguém
pronuncia mal a palavra, Augusto faz
alguma brincadeira e todos sorriem.
Terminada a leitura, o professor vai
até o quadro negro e copia do livro
as perguntas de interpretação do
texto. Depois de escrever em português, explica em Xavante o que o
exercício pede para ser respondido
e os alunos começam a responder,
também em português, em seus
cadernos. Enquanto copiam, o
professor sai algumas vezes de sala,
conversa com outros professores e
funcionários da escola e os alunos
não saem de seus lugares. Fazem o
exercício e conversam entre si em
voz baixa. Ao terminarem, um de
cada vez levanta silenciosamente
e leva seu caderno ao professor.
Incrível como sempre esperam o
outro colega se sentar na carteira
para que se levantem e caminhem
até a mesa do professor!
Seus exercícios são corrigidos individualmente, na mesa do professor.
A aula prossegue assim até a hora
da merenda. Antes de sair de sala,
esperam que os mais novos formem a fila da merenda e só depois
aproximam-se da janela onde se
distribui a comida. Um grupo bastante descontraído, mas altamente
disciplinado!
A EMEB Pimentel Barbosa foi
instituída em uma organização seriada anual, com turmas definidas
a partir da idade de nascimento das
crianças e não no conjunto de saberes
ou características físicas observadas
entre elas, como acontece com as
categorias de idade existentes na
cultura Xavante. As turmas, então,
não são organizadas de acordo com
a complexa divisão social existente
nessa sociedade e, na opinião dos
professores, esse é um dos fatores
para a baixa assiduidade e pouca
continuidade dos alunos na vida
escolar. Apesar de matriculados, a
maior parte dos alunos não terminam
o Ensino Fundamental. Para solucionar esse impasse, a comunidade
vem organizando turmas em que
a maioria dos alunos faça parte de
uma mesma classe de idade. A aula
referida possui uma particularidade: é
a única composta por uma maioria de
jovens de uma mesma classe de idade;
neste caso, 80% da turma é wapté9
e seu professor, um Danhohui´wa,
um “padrinho” responsável pela
educação desse grupo morador do
Hö. Essa experiência parece ter dado
bons resultados: aumentou a freqüência, a assiduidade e a participação
dos alunos.
Torna-se bastante produtivo
contrastar o comportamento desses
alunos de terceira série com os da
segunda série descrita anteriormente.
O comportamento disciplinado
dos wapté não é resultado de uma
estrutura escolar rígida e destinada a
formar “corpos dóceis”, como diria
Foucault, mas sim de um processo
de educação endógeno ao próprio
grupo. Os meninos Xavante parecem
ter uma vida mais livre no contexto
comunitário até completarem aproximadamente dez anos, quando se
tornam wapté e entram na “casa de
solteiros”, o Hö. Para as meninas,
o casamento é o marco de ingresso
na vida adulta. Elas também fazem
parte do sistema de classes, mas não
vivem em um espaço similar ao Hö.
Sua inclusão nesse sistema é definida
em referência à classe de idade dos
homens com idades relativas.
A incorporação dos valores e o
processo de aprendizagem das meninas ocorrem na convivência com seus
familiares, no núcleo doméstico, de
onde nunca saem: quando se casam,
são seus maridos que passam a viver
nessa mesma casa, o que ocasiona
um histórico de baixa assiduidade
FTDPMBS%FTEFQBSBNFMIPSBS
a permanência das meninas e mulheres na escola, essa comunidade
desenvolve modificações entre as
quais está a organização de uma
turma multisseriada só para elas.
Essa experiência vem resultando em
uma maior inclusão das mulheres na
vida escolar10, mas, por uma questão
de espaço, este artigo se limitará à
experiência vivida pelos meninos da
comunidade.
Durante o período vivido no Hö,
os meninos são separados de suas
famílias e vivem em uma casa afastada
das demais. Interagem de maneira
9 Wapté: nome Xavante que designa a categoria de idade relativa – de forma aproximada – ao que classificamos pré-adolescentes e adolescentes.
10 &NQFMBQSJNFJSBWF[NFOJOBTDIFHBWBNËRVBSUBTÏSJFEPQSJNFJSPHSBVFFNEVBTUVSNBTGPSBNBCFSUBTTØQBSBNVMIFSFT.VJUBTSFUPSOBWBN
à escola depois de mais de dez anos de evasão.
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.66, Jan-Jun 2008
ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
reduzida com os demais moradores da aldeia, principalmente com
mulheres (mesmo as de seu núcleo
doméstico). Todas as atividades ficam
restritas aos seus pares, em conjunto
com os quais devem sempre atuar.
Desse modo é criada uma profunda
solidariedade entre seus habitantes,
que será incorporada e encorajada
pelos padrinhos, responsáveis pela
formação do grupo. Cada um dos
adolescentes tem seu padrinho, mas
todo um grupo de adultos pertencentes à categoria de idade Danhohui´wa
é responsável pela educação do grupo
wapté. São os padrinhos, e não os
pais, os responsáveis pela formação
e iniciação desses meninos. Durante
a etapa vivida no Hö, os adolescentes
aprendem a “fazer coisas de Xavante”,
como dito por um aluno: caçar,
pescar e conhecer as especificidades
das pinturas corporais e dos cantos.
Aprendem a “falar sempre baixo”,
“respeitar os mais velhos” e “não falar
com as mulheres da aldeia”11.
No caso da aula descrita, o professor é o Danhohui´wa desse grupo
de alunos, e essa é uma das razões
para que o fluxo de informação e
comunicação entre eles seja muito
mais contínuo e atento. A relação
entre padrinhos e wapté parece ser
marcada por uma grande informalidade, mas também por respeito.
No Hö, costumam conversar do
modo tradicional Xavante, ou seja,
deitados em suas esteiras, lado a
lado. As brincadeiras entre ambos
são comuns, assim como a forte
ligação que estará presente em todas
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Os meninos Xavante parecem ter uma vida mais
livre no contexto comunitário até completarem
aproximadamente dez anos, quando se tornam
wapté e entram na “casa de solteiros”, o Hö. Para
as meninas, o casamento é o marco de ingresso na
vida adulta. Elas também fazem parte do sistema de
classes, mas não vivem em um espaço similar ao Hö.
Sua inclusão nesse sistema é definida em referência
à classe de idade dos homens com idades relativas.
as cerimônias vividas por esses adolescentes.12 A educação no Hö reflete
o estilo de aprendizagem comum à
rotina comunitária: mais através de
exemplos e de competições práticas
marcadas também pelo gênero, que
por meio de lições orais. Essa educação
é desenvolvida de modo espontâneo
assim como a vida na comunidade,
como explica Nunes:
[...] essa falta de ordem, ou melhor,
uma ordem vivida de outro modo,
imersa num espírito lúdico, espontânea e sem compromisso, que pode
estar no cerne de todo um processo
educacional. Afinal, o que pode
parecer caótico e sem regras obedece
a esquemas rigorosos de construção
e transmissão de saberes, e é deste
modo que as crianças os incorporam
e deles vão tomando consciência.
(2002, p. 72)
O grande desafio vivenciado por
esse grupo é criar na escola – sem que
esta perca a sua função principal – mais
espaços para as formas endógenas
de transmissão de conhecimentos.
Segundo a pesquisa realizada com quase
40% da população dessa comunidade,
os Xavante consideram “importante”
a escola construída em sua aldeia, reconhecem nela um meio fundamental
para conseguir informações e melhorar
a autonomia do grupo em relação à
sociedade nacional, mas ainda não
têm muito claro como fazê-la, de
fato, um espaço intercultural. Como
organizar um currículo que contemple
o diálogo entre as duas culturas sem
hierarquizações? Como devem ser
divididos os tempos escolares de modo
a respeitar sua organização social? A
escola deve priorizar o resgate de uma
cultura considerada tradicional ou
evidenciar a historicidade e a dinâmica
que transforma todas as culturas? E
em relação ao particular e o universal:
como solucionar essa tensão comunitária no universo escolar também
refletida no currículo?
11 Expressões utilizadas pelos alunos entrevistados (Comunicação pessoal, 2004).
12 Diferentes rituais e cerimônias marcam a passagem de categorias e classes de idades vividas na sociedade Xavante. A principal delas é o ritual de iniciação, o
wate´wa, ou “furação de orelha”, que acontece na saída dos meninos da casa do Hö. Nesse ritual, suas orelhas são furadas, o que significa que esses indivíduos
estão socialmente preparados para usar os brincos tradicionais utilizados pelos homens dessa sociedade.
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ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
Apesar de não saberem com
muita clareza qual caminho seguir,
foi possível verificar que a prática
de ensino-aprendizagem é muito
mais eficiente quando esta dialoga
com a cultura e organização social
local, como ocorre com a turma dos
wapté, cujas aulas têm maior duração,
maior produtividade (quantidade de
atividades realizadas), assiduidade e
participação dos alunos. Nesse processo de busca da construção de uma
educação escolar que corresponda às
necessidades comunitárias, professores
e comunidade Xavante procuram
desenvolver novas práticas e rotinas
na escola municipal presente em sua
aldeia. De modo autônomo e ativo,
reconhecem que a escola estabelece
mudanças na rotina comunitária,
mas, ao considerarem a cultura local, impõem mudanças na própria
rotina escolar.
CONCLUSÕES: A
DIDÁTICA NA FRONTEIRA
INTERCULTURAL
A educação escolar indígena é
um fenômeno recente no Brasil, e
seu desenvolvimento não é um fato
consumado, com limites precisos,
mas um processo em andamento.
Nesse campo, as análises devem
sinalizar seus fluxos descontínuos
e a ausência de respostas absolutas.
Por outro lado, o campo da Didática
também procura renovar seus limites
para superar reducionismos e ampliar
o entendimento sobre o processo de
ensino-aprendizagem. Propõe novas
experiências e práticas educativas
que articulem as dimensões técnicas,
humanas e políticas inerentes a esse
processo. Neste artigo, ao propor
um diálogo entre esses dois campos,
mais do que conclusões, apresentamos algumas reflexões que poderão
servir de base para futuros estudos
e discussões que aprofundem esta
temática.
Ao analisar a experiência Xavante,
não pretendemos propor a exclusividade de um dos estruturantes
presentes no processo de ensino
aprendizagem – neste caso, o contexto
sociocultural –, mas incluí-lo entre
as dimensões que compõem a prática
pedagógica e ampliar o campo de
análise desta. A escola, como modelo
quase exclusivo de educação, refere-se
ao tempo em que se defendia uma
identidade única e homogeneizadora
de nação – período no qual também
se consolidava uma concepção quase
absoluta de infância. Com as mudanças ocorridas nas últimas décadas, o
atual desafio para todos aqueles que
trabalham com educação no Brasil é
incluir, de fato, uma diversidade não
considerada no período de formação
do sistema educativo.
Na busca por um método que
fosse capaz de “ensinar tudo a todos”,
a Didática minimizou as diferenças e
agora se vê frente ao desafio de superar
formalismos para dar conta de um
cenário social complexo no qual se
localiza o atual cotidiano escolar. São
muitas as forças sociais que influem
nesse espaço educativo: globalização,
tecnologia de informação, movimentos étnicos e demandas de gênero ou
opção sexual; são muitas as questões
que envolvem uma discussão mais
aprofundada sobre como a diferença
é tratada neste cotidiano. Mas ainda parecem ser muito reduzidas as
experiências práticas nessa direção.
Como definiu Barreiros (2006), ao
comparar as realidades sociais encontradas e as práticas pedagógicas
O grande desafio vivenciado por esse grupo é criar na escola – sem que esta perca
a sua função principal – mais espaços para as formas endógenas de transmissão
de conhecimentos. Segundo a pesquisa realizada com quase 40% da população
dessa comunidade, os Xavante consideram “importante” a escola construída em
sua aldeia, reconhecem nela um meio fundamental para conseguir informações e
melhorar a autonomia do grupo em relação à sociedade nacional, mas ainda não
têm muito claro como fazê-la, de fato, um espaço intercultural.
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ATUALIDADES
EM EDUCAÇÃO
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Talvez essa experiência desenvolvida em uma aldeia,
numa realidade muito particular, possa indicar
um caminho produtivo para a construção de uma
prática pedagógica que dê conta das diferenças:
aquela que considere a tensão intercultural existente
no espaço escolar; que identifique as diferenças
e que reconheça os conflitos como parte de um
contexto social que também relaciona cultura,
conhecimento e poder.
desenvolvidas no ambiente escolar,
o espaço da sala de aula pode ser
comparado a uma “arena onde se
confrontam a monocultura – do
currículo, da expectativa e do projeto
do(a) professor(a) – e a multiculturalidade – das experiências dos(as)
alunos(as)” (2006, p. 27).
Na experiência Xavante, as especificidades lingüísticas e culturais
cristalizam e tornam evidentes as
tensões entre uma cultura local e
outra escolar. Neste caso, o professor
possui uma turma mais homogênea
culturalmente – em que todos, inclusive ele, fazem parte de uma mesma
comunidade –, mas precisa enfrentar
um clima institucional que impõe
determinadas relações sociais. Mas,
de modo ativo, alunos e professores
participam da construção de outro
clima institucional, que seja capaz de
facilitar o diálogo intercultural. Em
suas práticas, professores Xavante
trazem para o espaço escolar a tensão
vivida em seu cotidiano. Reconhecem
as diferenças e procuram desenvolver
uma organização e metodologias que
considerem, na prática, o conflito
entre culturas (comunitária x escolar;
indígena x sociedade nacional). E como
outros grupos étnicos minoritários, que
sofreram por séculos uma situação de
subalternidade, essa população inclui
nessa tensão uma relação de poder:
fortalecer a “raiz Xavante” significa
manter uma posição de resistência
frente a uma cultura mais forte, numérica e economicamente.
Talvez essa experiência desenvolvida em uma aldeia, numa realidade
muito particular, possa indicar um
caminho produtivo para a construção
de uma prática pedagógica que dê
conta das diferenças: aquela que considere a tensão intercultural existente
no espaço escolar; que identifique
as diferenças e que reconheça os
conflitos como parte de um contexto
social que também relaciona cultura,
conhecimento e poder. Como bem
definiu Giroux, a cultura escolar é
um campo de batalha, e conquistar
esse território simbólico exige uma
maior aproximação crítica sobre seu
funcionamento. Dessa forma, quem
sabe, estaremos mais próximos de
uma didática capaz de lidar com as
dinâmicas presentes nessa escola, que
é fronteira entre tantas diferenças.
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.69, Jan-Jun 2008
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EM EDUCAÇÃO
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Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.70, Jan-Jun 2008
REFLEXÕES
SOBRE A PRÁTICA
PIADAS SURDAS COMO UMA PRÁTICA DE RESISTÊNCIA1
Deaf jokes as a resistance practice
Maria Clara Maciel de Araújo Ribeiro*
* Doutoranda em Estudos Lingüísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais. Bolsista PROF/CAPES.
E-mail: [email protected]
Material recebido em setembro de 2007 e selecionado em outubro de 2007.
RESUMO
ABSTRACT
Partindo do princípio de que
a comunidade surda determina de
maneira específica o seu funcionamento lingüístico-cultural interno,
este estudo objetiva refletir sobre o
gênero piada nessa comunidade. Para
tanto, duas piadas surdas narradas
em Libras por um surdo universitário serão analisadas. Concluímos,
ao fim, que tais piadas pertencem a
um rico acervo que se origina dos
saberes surdos e da vivência visual,
seguindo um esquema próprio, uma
lógica surda que se mostra original
e independente. Não se trata de
transferir significados ou questões
simbólicas gerais para o universo
surdo, mas de expressar, através do
humor, os discursos que constituem
a rede simbólica e discursiva da
comunidade surda.
Palavras-chave: Piadas. Gênero. Comunidade surda.
This study brings some reflections on
the joke gender in the deaf community
assuming that this community determines
and specifies its own cultural and
linguistic mechanisms. Two deaf jokes
narrated in LIBRAS (Brazilian Sign
Language) by a Brazilian student are
analyzed. We conclude that such jokes
belong to a rich collection originated
from the deaf knowledge and the related
visual experience of an original and
independent deaf logic and specific
scheme. Opposing the idea that these jokes
consist of a simple transfer of meaning
or of general symbolic issues to the deaf
universe, deaf jokes express, through
humor, discourses from a symbolic and
discursive network, specific of the deaf
community.
Keywords: Jokes. Gender. Deaf
Community.
CONSIDERAÇÕES
PRELIMINARES
A questão das minorias tem sido
amplamente discutida na pós-modernidade, principalmente pelos Estudos
Culturais. Os movimentos sociais,
sejam lingüísticos, étnicos, religiosos
ou nacionalistas, freqüentemente
“reivindicam uma cultura ou uma
história comum como fundamento
de sua identidade”. (WOODWARD,
Q
No caso dos surdos, o fundamento
da identidade se calca em questões
lingüísticas e culturais. Nas últimas
décadas, assistimos à reinvenção
da surdez: ela tem sido deslocada
do campo médico para o campo
lingüístico e cultural, tanto no universo acadêmico, quanto nas práticas
sociais. Na universidade, o interesse
por questões relacionadas à surdez
cresceu horizontalmente, fazendo
crescer a incidência de pesquisas em
diversos departamentos, como o da
Educação, da Lingüística, da Psicologia
e da Sociologia, demonstrando, nesses
espaços, crescimentos agora verticalizados, ou seja, quantitativos. Na
prática social, o lugar de ocupação
1 Uma versão simplificada deste estudo foi apresentada e publicada no I Seminário Nacional de Professores de Português do CEFET, em maio de 2008.
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.71, Jan-Jun 2008
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REFLEXÕES
SOBRE A PRÁTICA
surda comprova esse deslocamento
teórico: das APAEs e Escolas Especiais
para as escolas comuns; das poltronas
da clínicas fonoaudiológicas para as
cadeiras das universidades. Como
pode ser percebido, esse deslocamento parece acontecer em rede,
ocasionando rupturas e realocações
outras, reorganizando as relações de
saber-poder da surdez consigo mesma
e da surdez na sociedade.
O deslocamento básico, a partir do
qual outros foram possíveis, questiona
a norma ao definir agora a surdez
como uma diferença, não mais como
uma deficiência. Diferença lingüística,
sobretudo, mas calcada em questões
culturais e identitárias.
Atualmente, muitos são os autores
(GESUELI, 2006; GUARINELLO,
4« 1*/50 SKLIAR, 1998; PERLIN, 1998)
que apresentam a surdez como lugar
de cultura e identidade específica.
A concepção socioantropológica da
surdez na pós-modernidade define
os surdos como pertencentes a uma
comunidade lingüística minoritária
– ainda discriminada, acrescentamos
– que utiliza e compartilha uma
língua visual e modos de socialização
próprios, assim como costumes e
hábitos específicos porque fundados
pela surdez. A experiência de vida
estritamente visual, não-auditiva,
segundo esses autores, fundaria uma
forma outra de perceber a vida.
Mas esse conceito não é unanimemente aceito. Para Sá (2002), a
cultura surda aparece no imaginário
social como uma cultura patológica,
ou como uma subcultura, uma vez
que a resistência e a diferença não
costumam ser interpretadas positivamente. Aqueles que argumentam
contrariamente a esse conceito fomentam discussões acerca da real
soberania da língua nas relações
culturais (apenas a língua definiria a
cultura?) ou sobre a cisão social entre
surdos e não-surdos, hipoteticamente
subentendida pelo conceito, ou a
respeito dos jogos nas relações de
poder – poder social, para os surdos,
e poder acadêmico, para os pesquisadores – que são fomentados pelo
conceito, como o fazem Santana;
#FSHBNP
QPSFYFNQMP
O que nos interessa, no entanto, é
determinar que as piadas veiculadas na
comunidade surda fazem referência a
uma organização social, lingüística e
cultural paralela, que ao mesmo tempo
em que reserva o seu lugar na grande
cultura, determina de maneira específica o seu funcionamento próprio,
em um movimento dialético entre o
lingüístico-cultural no qual são
criadas. Esse é o caso da maioria das
QJBEBTDJSDVMBEBTOPNFJPTVSEP²
delas que trataremos aqui.
A NOÇÃO DE GÊNERO
Dias (2007), a partir de reflexões
feitas por Rastier (1998), apresenta a seguinte perspectiva para o
estudo dos gêneros textuais: gêneros são duplamente regulados por
normatividades lingüísticas e por
práticas sociais, das quais os textos
se originam. A normatividade e a
prática permitem “que os gêneros
circulem com regularidade e sejam
reconhecidos como instrumento de
regulação das práticas de convivência
A cultura surda aparece no imaginário social como
uma cultura patológica, ou como uma subcultura,
uma vez que a resistência e a diferença não
costumam ser interpretadas positivamente
macro e o microssistema.
As piadas surdas podem ser vistas como narrativas de resistência, e
veremos o porquê no decorrer deste
trabalho. Existe um acervo de piadas
surdas ainda a ser linguisticamente
estudado – acervo esse que não se
subordina, em sua maioria, às piadas conhecidas. Esse rico acervo se
origina da própria vivência visual,
dos saberes surdos, seus conflitos e
EFMFJUFT²WFSEBEFRVFHSBOEFQBSUF
das piadas são universais, facilmente
adaptáveis a culturas distintas. Mas
é também verdade que algumas
delas só fazem sentido no contexto
social”. (DIAS, 2007, p. 318) Isso
significa dizer, entre outras coisas,
que as práticas de linguagem ganham
estabilidade e significado no gênero,
sendo este um princípio organizador
da linguagem.
Para o presente estudo, tomaremos
a normatividade (DIAS, 2007) em
duas distintas manifestações: a primeira diz respeito ao lugar textual que
prevê o tipo de produtor autorizado
sociocuturalmente para validar o ato
de linguagem, entendida aqui como
normatividade externa. Isso pode ser
facilmente exemplificado na esfera
jurídica, onde os documentos e pro-
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.72, Jan-Jun 2008
REFLEXÕES
SOBRE A PRÁTICA
nunciamentos oficiais só têm validade
se devidamente assinados/proferidos
por aqueles que podem outorgá-los.
Outro exemplo seria dizer que o gênero
sermão, por exemplo, proferido por
um fiel, não tem a mesma validade
e não instaura a mesma prática que
um sermão proferido por um bispo,
por exemplo.
A segunda manifestação pode ser
definida a partir da materialidade
lingüística, referindo-se, portanto, a
regularidades lingüístico-gramaticais,
ou seja, a questões concernentes
à estrutura formal da linguagem,
definida aqui como normatividade
interna. Um dos exemplos fornecidos
por Dias (2007) refere-se ao estudo
da ocupação do lugar gramatical do
sujeito no gênero provérbio, sempre
materializado nos pronomes relativos
“quem” e “aquele que”, sendo esta,
portanto, uma normatividade lingüística que compõe certo subcorpus
do gênero provérbio.
Em relação à questão da prática
social, o referido autor afirma que
todo texto, tendo em vista seu gênero,
situa-se numa prática social, a partir
da qual ele pode garantir tanto o
seu reconhecimento, quanto a sua
eficácia. Para Vaz (2007), assumir
que um gênero é uma prática social
(discursiva) é admitir que condições
sociais podem determinar as propriedades do discurso. Se o gênero é
uma prática social, isto é, um artefato
cultural socialmente construído,
ele está submetido a convenções,
coerções e a dada situacionalidade
histórica.
A prática de vida que possibilita
na comunidade surda a invenção
de um acervo de piadas originais,
que segue uma lógica própria, parece ser a prática da resistência.
“Resistência a quê?”, podem pensar
alguns. Resistência frente à presença
hegemônica ouvinte, ora essa, que
pode, de maneiras muito variadas e
até mesmo sem intenção, abafar e
reprimir a vida surda por entendêla como um desvio. O surdo resiste
quando apresenta idéias, saberes
e percepções próprias em relação
ao grande e ao pequeno mundo
ao seu redor, usando de estratégias
humorísticas para interagir com os
seus iguais e expressar, às vezes de
forma irônica e sarcástica, questões
próprias ao seu grupo.
No que concerne a este estudo,
refletir sobre o gênero piada na comunidade surda significa olhar mais de
perto para os seus possíveis enunciadores, ou seja, para os integrantes da
chamada comunidade surda – surdos
e intérpretes, principalmente – e para
as relações socioculturais estabelecidas
nesse meio. Seria preciso olhar ainda
para as regularidades lingüísticas,
para o modo de funcionamento
lingüístico-discursivo desse gênero
na língua sinalizada. Para isso, no
entanto, as piadas deveriam ser analisadas em Língua de Sinais Brasileira
(Libras), o que demandaria tempo,
inclusive para a sua devida tradução
em “sign writing”2, além de um esforço analítico ainda maior, uma vez
que poucos são os estudos realizados
sobre peças textuais em Libras. Além
disso, o estudo seria direcionado a
uma pequena comunidade capaz de
ler e entender a transcrição e análise
a partir da escrita dos sinais. Como
o nosso objetivo é tecer reflexões
sobre o gênero textual piada na comunidade surda (e não na língua em
si), a nossa reflexão foi direcionada
para o grupo social e para os sentidos
construídos nessa prática. Por esse e
outros motivos, neste estudo trabalharemos com a tradução e análise
em língua portuguesa, reservando
para estudos posteriores a análise em
língua de sinais.
Para a análise, trabalharemos com
a noção de subcorpus apresentada por
Rastier (1998), ou seja, refletiremos
não sobre o grande gênero piadas, mas
sobre as piadas criadas e veiculadas
pelos surdos. Delimitando ainda mais,
refletiremos, exclusivamente, sobre o
subcorpus de piadas surdas em que a
oposição surdo x ouvinte se presentifica.
Apesar disso, as piadas surdas serão
compreendidas a partir do entendimento que se tem de outras piadas,
pois, para Rastier (1998), o texto é
o lugar de encontro do intertexto e
do contexto. A noção de intertexto
apresentada por esse autor diverge,
em certa medida, da noção clássica
dessa categoria nos estudos textuais.
Em Rastier (1999), tal noção visa a
relação do texto com o corpus genérico
em que ele se insere, isto é, com o conjunto de textos que constituem o seu
gênero, ou seja, as piadas surdas serão
tomadas a partir do entendimento
que se tem de outras piadas.
Neste trabalho, portanto, pensaremos as piadas surdas a partir
sobretudo de duas perspectivas: uma
que aponta para a normatividade e
outra para a prática social. Para tanto,
duas piadas correntes no meio surdo
serão analisadas.
2 Sign Writing é o nome que se deu ao sistema de escrita das línguas visuais. Devido aos propósitos e ao caráter reflexivo deste estudo, não tomamos a análise
em Libras como imprescindível, pois o nosso foco de análise está no plano do conteúdo (discurso), não no plano de expressão (forma).
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REFLEXÕES
SOBRE A PRÁTICA
SOBRE O HUMOR
Em uma situação de comunicação concreta, o humor pode ser
visto como uma estratégia dentro
de vários gêneros possíveis, isto é, às
vezes ele não é o fim, mas apenas o
meio. Podemos ver, por exemplo, o
humor como uma estratégia pontual
em dada publicidade, sem que toda
ela se torne uma piada.
Assim como a linguagem, o humor parece ser inerente ao homem.
O humor se apresenta como uma
peça importante na vida de todos
nós. O que seria da vida em grupo
se não fossem os furtivos e breves
momentos de riso e descontração,
tanto nos momentos oportunos,
quanto nos relances breves e nem tão
oportunos assim? Se por um lado o
humor é um importante elemento
que perpassa a nossa existência, por
outro, nas pesquisas acadêmicas, ele
figura como uma temática periférica,
ou melhor, por não se caracterizar
como uma área canônica nas pesquisas
em linguagem, muitos podem não
perceber o campo vasto e profícuo
que se abre a partir da análise lingüística do humor, seja na piada, no
chiste, na paródia, no pastiche, na
publicidade, etc.
Para Possenti (2002, p. 27), piadas
são um tipo de material altamente
interessante para os estudiosos da
linguagem em geral, em especial aos
estudiosos do discurso, uma vez que
seu funcionamento pode exemplificar
“qualquer domínio tematizado por
uma teoria lingüística”; portanto, para
ilustrar princípios de análise lingüística,
ao invés de utilizar exemplos descon-
textualizados, pouco verossímeis ou até
mesmos enfadonhos, os profissionais
da linguagem poderiam escolher uma
piada corrente, na opinião do autor.
Com isso, através de exemplos vivos
e autênticos, poder-se-ia “envolver os
interlocutores em verdadeiros problemas de interpretação, e, mesmo,
proceder às abstrações necessárias para
exibir um mecanismo lingüístico de
certo tipo”.
Para Charaudeau (2008)3, o ato
humorístico é ambivalente, ou seja,
pode tanto agredir como fazer sorrir.
A direcionalidade desses sentimentos
vai depender de como se concebe esse
mecanismo discursivo: por se tratar
de uma situação triádica, locutor/
alvo/destinatário, o lugar e o papel
desempenhado pelo destinatário será
EFUFSNJOBOUF²QSFDJTPEFUFSNJOBS
por exemplo, se o destinatário será
cúmplice, testemunha ou vítima
(nesse último caso, coincidindo assim
com o alvo, ou seja, ele se relacionaria
como o motivo do riso). O alvo,
como propósito do ato humorístico,
pode ser uma pessoa individual ou
coletiva, uma situação, dadas crenças,
opiniões, etc. Nas piadas surdas que
aparecerão neste trabalho, a situação
de comunicação típica será a seguinte: locutor= surdo/ alvo= ouvintes/
destinatário=surdo. Entenderemos as
piadas surdas em seu locus natural,
ou seja, refletiremos sobre como elas
se realizam em situações concretas
de interação.
ALGUMAS ANÁLISES
Piadas não são apenas expressões
caricaturadas e grosseiras de situações
cômicas, ridículas ou inusitadas
do dia-a-dia. Elas cumprem também funções sociais, erigindo-se,
sobretudo, de temas socialmente
controversos. São, muitas vezes,
veículos de discursos proibidos,
subterrâneos, como afirma Possenti
(2001). No plano social, as piadas
parecem ainda resolver questões
patêmicas, quer dizer, as emoções
precisam ser comunicadas. Para
+"#-0/4,*#"/(²Q
07), assim como a expressão da raiva
pode evitar agressões, “a expressão
humorística parece servir ao propósito social de criar um certo senso
de comunalidade, de aproximação
entre pessoas, o que contribui para
fortalecer o tecido social”.
Em um grupo socialmente específico, piadas que brincam com a “causa”
desse grupo podem desenvolver o
sentimento de união de uma maneira
consistente. Rir de terceiros, nesse
tipo de situação, parece “aquecer” o
grupo, ocasionando o aumento das
interações, como água em processo
de ebulição, “através da aproximação
coletiva pela via do destino comum:
o escárnio de algum objeto, pessoa
ou situação que, por alguma razão,
se preste como objeto de riso para
todo o grupo”. (op. cit, p. 07)
Mas como podemos definir o
que vem a ser uma piada? Uma boa
definição é a apresentada a seguir:
O gênero piada parte de um ponto
de vista coletivo (sócio-cultural) e é
atravessado pelos discursos produzidos na sociedade (...). Apresenta
dois scripts opostos que, geralmente,
dizem respeito a algum estereótipo
(tema), seja lingüístico ou social, que
serão ativados através de um gatilho
(...). Para que o desfecho produza
3 Conferência proferida em 01/04/2008 no III Simpósio Internacional sobre Análise do Discurso, na Universidade Federal de Minas Gerais.
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.74, Jan-Jun 2008
REFLEXÕES
SOBRE A PRÁTICA
humor, principal função da piada, o
leitor/ouvinte terá que buscar amparo
no contexto, uma vez que a piada vai
“brincar” tanto com fatos lingüísticos,
como com fatos concernentes ao
entorno sócio-cultural para veicular
discursos geralmente “não-autorizados”
socialmente. (MUNIZ, 2004, p. 144.
Grifos nossos)
Nesse fragmento, interessam-nos
principalmente três questões, devidamente grifadas no texto citado: a)
o compartilhamento de um ponto
de vista coletivo (sociocultural); b) o
amparo no contexto; c) a veiculação
de discursos não autorizados socialmente. Essas questões serão abordadas
no decorrer do trabalho.
A primeira dessas questões diz que
piadas são socioculturais. Possenti
(2001) considera uma obviedade dizer
que piadas são culturais. Aliás, para ele,
essa afirmação deixa subentendido que
haveria coisas não-culturais, enquanto
que, a rigor, tudo é cultural. Mas acreditamos que, às vezes, é útil pedir ao
óbvio que se justifique. Principalmente
quando a relação de cultura atribuída
ao meio em que a piada circula pode
ser questionada. Referimo-nos ao termo
cultura surda, ao mesmo tempo louvado
e rejeitado na esfera acadêmica.
As piadas surdas são, sim, socioculturalmente estabelecidas. As
piadas que circulam no meio surdo
seguem um esquema próprio, uma
lógica surda que se mostra original
e independente. Não se trata de
transferir significados ou questões
simbólicas gerais para o universo
surdo, mas de expressar, através do
humor, os discursos que constituem a
rede simbólica e discursiva do grupo.
Um exemplo interessante seria dizer
que nem toda piada surda pode ser
devidamente captada pelos nãosurdos, ou, se captada, não produz
os devidos efeitos de sentidos.
Observemos as piadas a seguir:
PIADA I
Um ouvinte sentou-se à beira de um
lago cercado de árvores para pescar.
Colocou a isca no anzol e alegremente
lançou a vara ao rio. Ao sentir alguma
coisa puxar o anzol, ele rapidamente
recolhe a vara, decepcionando-se ao
ver que havia pescado apenas uma
bota velha. Ele coloca outra isca no
anzol e novamente lança a vara ao
rio. Após algum tempo, sentindo
novamente um peso na varinha, ele a
recolhe e vê, com ainda mais decepção, que havia pescado, novamente,
apenas lixo. Ele passa todo o dia ali,
e nada de peixe, quando, de repente,
vê um surdo se aproximar:
- O que é que você está fazendo
aí? - sinaliza o surdo.
- Tentando pescar, mas ainda não consegui nada – responde o ouvinte.
- Espera aí que vou pegar uns peixes
para você.
- Você? Pegar peixe? Hahaha, essa é
boa! Só quero ver.
- Então olhe só.
O surdo colocou uma bacia na beira
do rio, sinalizou movendo os braços
e as mãos diante do rio e os peixes
então pularam todos em cascata
para dentro da bacia. O ouvinte
não entendeu nada, apenas coçou a
cabeça e olhou com cara de espanto.
O surdo, então, respondeu:
- Eles são surdos, ora!4
PIADA II
Dois homens, ambos militares, um
surdo e o outro ouvinte, caminhavam
jogando conversa fora, quando o
surdo sugeriu:
- Está a fim de estourar umas
granadas?
- Vamos, vamos sim – respondeu
o ouvinte.
-OK, eu sou o primeiro.
O surdo então arranca a argola da
granada com os dentes, cuspindo-a
no chão. Segura a granada em uma
das mãos, enquanto põe-se a contar
DPNBNÍPMJWSF
8, 9, 10, lançando a granada ao ar
e rindo da explosão instantânea à
sua frente.
O ouvinte gostou da exibição e se
aventurou a repetir o ato. Igualmente
arrancou a argola com os dentes,
segurando a granada em uma das
mãos, usando a outra para contar, 1,
QSFDJTBOEPEBPVUSBNÍP
para terminar de contar, sem saber o
que fazer com a granada, ele a segura
no meio das pernas, terminando de
contar com as duas mão 6, 7, 8, 9,
10, (boom) justamente quando a
4 Com o intuito de coletar dados para o presente estudo, solicitamos a um surdo universitário da cidade de Montes Claros (MG), usuário de Libras, conhecido
na comunidade como um bom contador de piadas, que nos narrasse, em Libras, algumas das peças mais apreciadas pelo grupo. Diante de uma miríade de
piadas, selecionamos as duas citadas por apresentarem características comuns, formando assim um subcorpus regular. Além disso, algumas peças apresentadas
pelo sujeito são artisticamente esculpidas pela Libras, ricas em detalhes e efeitos de sentidos imagéticos, características que poderiam ser negligenciadas na
tradução em português.
²QSFDJTPSFTTBMUBSRVFBUSBEVÎÍPEB-4QBSBB-1OFNTFNQSFDPOUFNQMBEFNBOFJSBTBUJTGBUØSJBPTBTQFDUPTFYQSFTTJWPTFNFUBGØSJDPTQSØQSJPTË-4TFUFOUPV
fazer aqui foi apenas uma das traduções possíveis – tradução que, além de interlingual, é também intersemiótica, vale lembrar.
*OGPSNBUJWP5ÏDOJDP$JFOUÓmDP&TQBÎP*/&43JPEF+BOFJSPOQ+BO+VO
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REFLEXÕES
SOBRE A PRÁTICA
As piadas surdas são, sim, socioculturalmente
estabelecidas. As piadas que circulam no meio surdo
seguem um esquema próprio, uma lógica surda que
se mostra original e independente. Não se trata de
transferir significados ou questões simbólicas gerais
para o universo surdo, mas de expressar, através
do humor, os discursos que constituem a rede
simbólica e discursiva do grupo.
granada estoura bem no meio de
suas pernas.
Em língua portuguesa, dirigida a
um público ouvinte, as piadas acima
podem parecer sem sentido ou sem
graça. No entanto, concebidas em
Libras, para o público surdo, uma
infinidade de interpretações e lugares
engraçados podem ser projetados, ou
seja, as piadas surdas compartilham
um ponto de vista coletivo, sócioculturalmente definido e corrente na
comunidade surda.
Conforme Perlin e Quadros
(2006, p. 170) discutem, “ser ouvinte6 é o oposto do ser surdo”. Ser
surdo significou, por muito tempo, se
desenrolar apenas como o diferente,
como o outro do ouvinte, o avesso
da norma. Nas piadas surdas, no
entanto, o ouvinte é agora o outro
do surdo. A partir desse prisma (centralidade surda e periferia ouvinte),
não dominar a língua de sinais e,
portanto, não saber contar até dez
usando apenas uma das mãos, pode
ser visto como uma desvantagem
fatal (piada II), assim como ignorar
o meio de vida surdo (até mesmo
de peixes), pode ser visto como uma
incapacidade (piada I).
Apenas um surdo sabe como
pode ser divertido debochar dos
ouvintes, não do ser empírico, mas
da representação daquele que se
elege como norma, reservando aos
usuários de outro sistema de comunicação a redutora expressão “minoria
lingüística”7. Em outras palavras: a
figura do ouvinte pode-se referir ao
lugar social de “normalidade”, em
nome do qual sujeitos surdos foram
por séculos dominados e subjugados8,
ou seja, para que se compreenda a
“graça” de se zombar dos ouvintes, é
preciso um amparo no contexto, tanto
histórico-social, quanto imediato.
²QSFDJTPFTDMBSFDFSOPFOUBOUP
que tal zombaria não fomenta malestar entre os grupos. Não mesmo.
Zombamos dos portugueses, das
loiras, dos maridos e esposas, dos
padres e dos falecidos e isso não
ressoa de forma negativa nas relações
sociais. Caso exista certo mal-estar em
algumas situações que se originam
em piadas, ele é anterior à piada e
pode ser transformado em riso pelo
humor; pode ser, de alguma forma,
“resolvido” pelo humor. Ao contrário,
desconfiamos que as piadas possam,
muitas vezes, reforçar o enlaçamento
social ao extravasar, através do ato
de linguagem humorístico, certas
tensões sociais. As piadas surdas
que colocam a figura do intérprete
como “muletas” chatas e necessárias
aos surdos, por exemplo, recebem
de volta, por parte dos intérpretes,
as piadas que colocam os surdos
perigosamente “nas mãos” desses
profissionais, tudo em um clima de
descontração, deboche e amizade.
Podemos supor que as piadas
surdas sempre veiculam alguma crítica? Provavelmente não. Isso parece
ser verdade em relação ao subcorpus
aqui analisado (surdos x ouvintes),
mas pode não ser válido em relação a
outros corpora. Para Possenti (2001,
p. 49), a afirmação segundo a qual
as piadas criticam é muito parcial.
6 “Ouvinte” é o termo pelo qual os não-surdos são designados. Trata-se do “outro” do surdo.
7
"JEÏJBEFRVFiNJOPSJBMJOHàÓTUJDBwSFEV[BDJWJMJ[BÎÍPTVSEBFTFVTJTUFNBMJOHàÓTUJDPFODPOUSBTFFN1FSMJO2VBESPT
8 A história dos surdos é uma história de dominação. Os surdos já foram vistos como dementes, como incapacitados legalmente e como usuários de uma linguagem
perversa que os distanciaria do aprendizado da língua oral. Eles foram proibidos de utilizar a língua sinalizada e obrigados a treinar duramente a fala. Atualmente,
sabe-se que as línguas de sinais possuem gramática própria e completa e servem como base para a aquisição de outras línguas. Boa parcela do movimento surdo
rejeita a chamada reabilitação, ou seja, a possibilidade de treinar a fala e a audição, e declaram-se felizes e completos com os sinais.
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.76, Jan-Jun 2008
REFLEXÕES
SOBRE A PRÁTICA
Pensando na normatividade, podemos supor que
as piadas surdas apresentam-se necessariamente
como manifestações lingüísticas e discursivas
do povo surdo, produzidas necessariamente em
Libras, ou seja, o tipo de produtor autorizado
socioculturalmente para validá-las, enquanto
expressão cultural específica e prática de resistência
de um grupo, é o próprio povo surdo. Uma piada
surda, contada em português, de ouvinte para
ouvinte, nunca evocará os mesmos efeitos de
sentidos suscitados quando a piada é veiculada em
Libras, de surdo para surdo.
Se algumas piadas criticam, “não
se deve esquecer que elas, de fato,
reproduzem, e só indiretamente,
discursos que já circulam de alguma forma na sociedade. Ou seja, a
crítica da piada não é uma crítica
nova”, fato que corrobora as nossas
reflexões anteriores.
Se as críticas veiculadas nas piadas
não são novas, ou seja, se elas não
foram “criadas” para e pelas piadas,
preexistindo de maneira tácita na
sociedade, tampouco podem ser
resgatadas de maneira consciente
pela memória, ou seja, o “esquecimento” também constitui a memória
discursiva. Referimo-nos à ilusão
a que somos submetidos, segundo
Pêcheux (1997), ao nos esquecermos de que não somos a origem
do nosso dizer: o discurso parece
ser composto por um emaranhado
de vozes distintas, apresentadas
em uníssono e nem sempre recuperáveis – fato que dissimula o
reconhecimento das partes, ou seja,
o interdiscurso, entendido agora
como “pré-construído” discursivo,
é dissimulado no intradiscurso.
Ao atribuir aos ouvintes os lugares antes ocupados pelos surdos,
nas piadas daqueles, percebemos
não apenas a ocorrência de aspectos ideológicos correntes no meio
surdo, resgatados no interdiscurso,
mas também a inversão da lógica
ouvinte. Tal inversão coloca agora
a surdez como norma, não como
desvio. Os ouvintes é que agora são
vistos como “privados”. Privados
do uso da língua visual. Assim, o
ouvinte que não consegue contar
de 1 até 10 com apenas uma das
mãos, forma padrão de se contar em
Libras, é classificado como estúpido
por deixar a bomba explodir no meio
de suas pernas (piada 1); o pescador
que ignora a surdidade dos peixes, é
incapaz de pescá-los (piada dois 2).
A figura “língua” parece ser determi-
nante nas piadas em que aparecem
TVSEPTFPVWJOUFT²QPSOÍPTBCFS
Libras que os sujeitos não-surdos se
dão mal. Além disso, na piada II,
pode-se perceber a Libras como o
“alimento do espírito” para aqueles
que não ouvem: os peixes não são
atraídos pela isca, alimento para o
corpo, mas pela palavra sinalizada,
alimento para a alma.
Pensando na normatividade,
podemos supor que as piadas surdas apresentam-se necessariamente
como manifestações lingüísticas e
discursivas do povo surdo, produzidas necessariamente em Libras, ou
seja, o tipo de produtor autorizado
socioculturalmente para validá-las,
enquanto expressão cultural específica
e prática de resistência de um grupo,
é o próprio povo surdo. Uma piada
surda, contada em português, de
ouvinte para ouvinte, nunca evocará
os mesmos efeitos de sentidos suscitados quando a piada é veiculada
em Libras, de surdo para surdo. Em
contrapartida, quando essas piadas,
provas vivas da manifestação cultural
surda, circulam de surdo para surdo,
trazem à tona não apenas as possibilidades de sentidos mencionadas
acima, mas também a bandeira da
resistência, da luta contra a dominação, da consolidação de sua identidade
e, contraditoriamente, ao mesmo
tempo, da situação de descomprometimento, descontração e deboche
que são próprias às piadas. Os surdos,
assim, “brincam” com questões que
aparecem na superfície textual como
cômicas, mas que, se resgatadas em
sua estrutura profunda, são críticas
e historicamente determinadas,
veículos de discursos não-autorizados
socialmente.
Ao fim, fica um questionamento,
não central, mas também não menos
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REFLEXÕES
SOBRE A PRÁTICA
importante: as piadas surdas foram
aqui compreendidas a partir de sua
relação com outros textos do gênero,
como proposto por Rastier (1999),
e logo nos perguntamos: a relação
de pertinência das piadas surdas,
enquanto gênero, se daria em relação
às piadas comuns, ou em relação às
próprias piadas surdas? Não seria
este termo, piadas surdas, um outro
gênero discursivo?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na medida em que as piadas
surdas sustentam uma organização
social outra, demarcam os produtores
legitimados a proferi-las. Ao mesmo
tempo, demarcam, também, uma
transgressão de valores: os surdos
ocupam o papel central no enredo da
piada, principalmente se pensarmos
em termos semióticos (greimasianos),
em que o protagonista é aquele que
realiza as ações. Os surdos agora são
os “espertos”, detentores do poder,
poder que se dá através da língua
de sinais.
Se pensarmos no lugar de ocupação do sujeito surdo nas piadas
contadas pelos ouvintes, veremos
que ele não corresponde ao lugar
ocupado pelos surdos nas piadas
surdas. Nas piadas ouvintes, o nãoouvir refere-se sempre ao lugar da
menos-valia. Ou a comunicação é
ineficiente, ridícula ou bizarra, ou a
ausência de sons coloca o sujeito em
situações desprivilegiadas. A figura
“surdo” é quase sempre tida como
menos esperta, se contrastada com
o seu oposto, o ouvinte.
Nas piadas analisadas, no entanto,
a lógica se inverte. A prática social de
vida surda determina tal inversão. Tais
piadas são contadas principalmente
em locais em que os surdos se vêem
juntos, seja nas escolas, nas associações
de surdos ou nos congressos surdos e,
assim, descontraídos e fortalecidos.
O humor possibilita tal inversão ao
transpor essa lógica para o plano da
brincadeira e da descontração, não
do confronto direto.
Os surdos, assim, “brincam” com questões que
aparecem na superfície textual como cômicas, mas
que, se resgatadas em sua estrutura profunda, são
críticas e historicamente determinadas, veículos de
discursos não-autorizados socialmente.
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.78, Jan-Jun 2008
REFLEXÕES
SOBRE A PRÁTICA
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REFLEXÕES
SOBRE A PRÁTICA
INCLUSÃO DA PESSOA SURDA: A ARTE E OS MITOS
COMO POSSIBILIDADE MEDIADORA
The deaf person inclusion: the art and the myths as a mediating possibility
Graça Maria Silva*
* Arte-Educadora, arte-terapeuta e fonoaudióloga. Trabalha com arte há mais de 25 anos. É arte-terapeuta dedicada ao
atendimento clínico individual e em grupos. É arte-educadora, especializada no trabalho com surdos, no INES. Atuou
também como fonoaudióloga.
E-mail: [email protected]
Material recebido em outubro de 2007 e selecionado em dezembro de 2007.
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO
Este artigo foi produzido a partir
de uma pesquisa desenvolvida no
INES, com os alunos do Núcleo de
Artes, e teve como objetivo compreender as articulações simbólicas que
movem o pensamento destes alunos
surdos e suas expressões plásticas
mediante o estímulo de mitos e algumas obras de arte, com o intuito
de contribuir para o enriquecimento
de seu imaginário. O trabalho foi desenvolvido através dos mitos Faetonte
e Hefesto. Chegamos a conclusão
de que é relevante manter em uma
instituição educacional para surdos o
espaço onde a arte e os mitos possam
ser utilizados. As imagens “falam”
e podem ser trazidas a consciência
para que se tornem ação.
Palavras-chave: Surdos. Arte.
Mitos. Imaginário. Imagens.
This article is based on a research
which was developed at INES with
students from the art center. Its aim is
to understand the symbolic articulations
that are present in these deaf students’
minds and their plastic expressions
through myth stimulus and some
practical works of art. The intention
was to enrich their imaginary. This
work was developed through the myths
of “Faetonte” and “Hefesto”. The
conclusion we have come to is that it is
relevant to keep a space for myths and
art in an educational institution. The
images that appear in the works made
by those students “talk” on behalf of them
and can be brought into conscience to
be turned into actions.
Keywords: Deaf. Art. Myth.
Imaginary. Images.
Se voltarmos no tempo e observarmos o surdo por uma perspectiva
histórica, ela irá por certo refletir as
dificuldades que determinaram sua
trajetória para se afirmar enquanto
sujeito.
Na verdade, ao longo da história,
sempre tem havido tentativas de
tornar o surdo um ouvinte, muitas
vezes forçando-o a repetir palavras
sem o menor sentido prático, o que
de alguma forma faz com que se
torne o que, efetivamente, não é:
um ouvinte. Isso também não leva
em conta sua especificidade, que é
a de ter uma enorme facilidade de
desenvolver a leitura visual. A compreensão do surdo pode ser facilitada
pela imagem.
Em face dos obstáculos que o
surdo enfrenta no seu dia-a-dia, é
importante que se ofereça a ele, entre
outras possibilidades, uma leitura
de mundo através de sua exposição
à leitura de imagens. Além disso,
o verdadeiro sentido do mundo é
pressentido por nós através de ima-
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REFLEXÕES
SOBRE A PRÁTICA
gens e símbolos. Esse simbolismo
suscitado através de mitos propicia
uma compreensão interior que nem
o melhor dos intérpretes de uma
língua poderia transmitir.
Segundo Silveira (1997), para
Jung
[...] um símbolo não traz explicações;
impulsiona para além de si mesmo
na direção de um sentido ainda distante, inapreensível, obscuramente
pressentido e que nenhuma palavra
de língua falada poderia exprimir de
maneira satisfatória. (p.71)
A prática como professora no
INES faz crer que a arte constitui
fonte de entendimento indispensável para que pessoas surdas possam
desenvolver novas sensibilidades,
não só porque a identidade surda
se constrói principalmente dentro
de uma cultura visual, mas também
porque é uma oportunidade de
entendimento intuitivo do mundo
que as cerca.
Quando o artista dá expressão
à sua arte, ele representa não só o
sentimento vivido como também o
intuído. A imaginação do artista traz
do mundo uma imagem. Quando
imaginamos, temos a oportunidade
de criar imagens a partir do que foi
vivido por nós.
Além da arte, temos também os
mitos. Ao longo dos séculos, temas
mitológicos fizeram parte da educação de várias civilizações, e hoje,
na ocidental, parecem esquecidos.
Atualmente, estamos perdendo informações mitológicas, provenientes
dos tempos antigos, o que parece
constituir-se em prejuízo para nossa
sociedade. O mito integra; isso faz
parte de sua natureza. Campbell e
Moyers (1990, p.8) em um diálogo
relatam que uma sociedade necessita
de mitos. Do contrário, se ela não
abriga uma mitologia poderosa e
vive sem rituais, irá defrontar-se
no presente com atos destrutivos
e violentos praticados por jovens
que não sabem se comportar numa
sociedade civilizada, pois que esta
não lhes forneceu rituais por meio
dos quais eles se tornariam membros
da comunidade.
Para responder ao objetivo proposto nesta pesquisa, compreender as
articulações simbólicas que movem
o pensamento desses alunos surdos
e suas expressões plásticas mediante o estímulo de mitos e algumas
obras de arte, com o intuito de
contribuir para o enriquecimento
de seu imaginário, todo o trabalho
desenvolvido foi fundamentado
pela teoria de Gilbert Durand.
Acreditamos que o autor possui
uma metodologia de observação e
classificação das imagens bastante
profunda. Durand reforça a importância das imagens afirmando que
são portadoras de um sentido que
só deve ser procurado, enquanto
significação, no imaginário.
Foram também estudados alguns
outros autores que, por suas idéias
afins, puderam compor com Durand
um resultado proveitoso. Foram eles:
Campell, Morin e Jung.
A ARTE E SUA
IMPORTÂNCIA PARA O
SURDO
Ser surdo, sem outras alterações
sensoriais ou cognitivas, é, antes de
tudo, uma vivência e uma ampliação
visual. O sentido da visão passa a ser o
mais importante para suas referências
de compreensão e integração com o
mundo. Uma importante qualidade
que caracteriza a apreciação das artes plásticas passa igualmente pela
capacidade visual.
Ostrower destaca que “é justamente o caráter não-verbal da
comunicação artística que constitui
o motivo concreto da arte ser tão
acessível e não exigir a erudição
das pessoas para ser entendida.
Exige inteligência sim, e sempre
sensibilidade” (1987, p. 23). A arte
enquanto linguagem, enquanto
símbolo, expressa o que se pensa
através do que é produzido.
Barbosa comenta sobre um grupo
de pesquisadores comprometidos com
a arte-educação de Harvard:
[...] partindo da idéia da mente como
veículo entre homem e mundo, os
membros desse grupo subscrevem o
conceito de símbolo enunciado por
Cassirer. Concebem o símbolo como
meio usado pelo ser humano para
determinar, classificar e explicar seu
meio ambiente e representá-lo para
si mesmo. Símbolos são, portanto,
instrumentos da atividade cognitiva
e do processo de realização. A arte
é um dos sistemas de símbolo acomodando representação, expressão
e exemplificação e propriedades
formais. Conseqüentemente, a capacidade do homem e da mulher
de produzir e ler símbolos deve
ser o ponto de partida da estética.
Q
Parece difícil estabelecer fronteiras
entre a arte, entre os símbolos, entre
as imagens e entre a imaginação do
homem. Eles estão sempre estabelecendo relações entre si.
A capacidade que a arte tem de
ser um elemento de ligação entre
diferentes povos, em diferentes
épocas, pode ser a ponte que rompe
o isolamento para se tornar um dos
instrumentos mediadores da relação
do sujeito surdo com o meio, favorecendo, assim, sua inclusão.
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REFLEXÕES
SOBRE A PRÁTICA
OS MITOS E SUA
RELAÇÃO COM A ARTE
Parece importante fortalecer na
pessoa surda o mundo do imaginário,
para que, por meio de práticas simbólicas, ela venha a organizar ainda
melhor o real. Os mitos podem ser
valiosos, pois têm o papel de afirmar
valores, alimentar a imaginação, facilitar a compreensão dos impasses e
oferecer um sentido mais profundo à
existência humana. Teixeira (1999),
apud Durand (1994), sublinha que
“o imaginário é, pois, o conector
necessário por meio do qual se constitui toda a representação humana,
encontrando-se, então, subjacente aos
modos de ser, de pensar e de agir (das
mentalidades) dos indivíduos, das
culturas e das sociedades”. (p. 27)
AS IMAGENS NA
ATUALIDADE
Em nossa cultura ocidental, a
imagem ocupa papel de destaque,
invade nosso cotidiano através do
cinema, da televisão, das máquinas
digitais, etc. No entanto, é importante também creditar a ela valor
como possibilidade catártica, como
símbolo, como possibilidade de
transformações e cura.
De acordo com Gilbert Durand,
“o pensamento ocidental e especialmente a filosofia francesa têm
por constante tradição desvalorizar
ontologicamente a imagem e psicologicamente a função da imaginação”.
(2002, p. 21)
Como podemos perceber ao
longo da história da humanidade,
as imagens sempre se impuseram e
reinaram soberanas nas mais diversas
formas de expressão do homem.
Devido a sua natureza simbólica, as
representações são dotadas de poder
transformador, uma vez que podem
conter referências ao inconsciente
coletivo, podendo então ser comuns
a várias pessoas.
As imagens são fonte inesgotável
de conhecimento. Destacamos, assim,
também suas qualidades terapêuticas,
que podem resultar em forças capazes
de trazer à consciência o que até então
eram apenas emoções tumultuadas e
estabelecer conexões com a vida das
pessoas que dela se utilizam, oportunizando transformações profundas e
eficazes, capazes não só de restaurar
uma vida como também de torná-la
mais feliz.
JUNG E AS IMAGENS,
SÍMBOLOS E ARQUÉTIPOS
O processo simbólico é, para Jung
(2000), uma vivência na imagem e
da imagem. Quando voltamos no
tempo e nos remetemos aos povos
primitivos, vemos a importância e o
poder que as imagens tinham sobre
eles. Aquelas pinturas nas paredes da
caverna de Altamira ou de Lascaux
ofereciam àquele homem a possibilidade catártica de submeter o animal
ao seu poder.
Jung pondera que:
[...] a humanidade sempre teve em
abundância imagens poderosas que
a protegiam magicamente contra as
coisas abissais da alma, assustadoramente vivas. As figuras do inconsciente sempre foram expressas através
de imagens protetoras e curativas,
e assim expelidas da psique para o
espaço cósmico. (2000, p. 21)
O que determinada cultura interioriza faz parte de seu universo imaginativo, que por sua vez irá resultar
em sistemas de representação que se
distinguem uns dos outros e que são
sempre dinâmicos. Convertem-se
dessa forma em símbolos, mitos e
arquétipos.
Jung poderia dizer-nos sobre
isso que o inconsciente coletivo é
herdado e constituído por arquétipos que, por serem de natureza
universal, possuem conteúdos que,
embora nunca tenham estado na
consciência, são os mesmos em
toda parte e em todos os indivíduos.
Arquétipo da criança, da sombra,
do velho sábio, do pai, do herói,
entre outros.
Para Jung
[...] há tantos arquétipos quantas
situações típicas na vida. [...] Quando
algo ocorre na vida que corresponde
a um arquétipo, este é ativado e
surge uma compulsão que se impõe
a modo de uma reação contra toda
vontade”. (2000, p. 99)
O que determinada cultura interioriza faz parte
de seu universo imaginativo, que por sua vez
irá resultar em sistemas de representação que
se distinguem uns dos outros e que são sempre
dinâmicos. Convertem-se dessa forma em símbolos,
mitos e arquétipos.
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REFLEXÕES
SOBRE A PRÁTICA
METODOLOGIA
DE OBSERVAÇÃO E
CLASSIFICAÇÃO DAS
IMAGENS POR GILBERT
DURAND
Para Durand, em As estruturas
antropológicas do imaginário (2002),
a forma possível de estudar-se concretamente o imaginário é o caminho
antropológico, que é permeado por
um conjunto de ciências que estuda
o homem. O autor considera que
sua concepção se assimelha com a de
Bachelard quando este afirma que “a
imaginação é dinamismo organizador,
e esse dinamismo organizador é fator
de homogeneidade na representação”
(2002, p. 30).
Dessa forma, o símbolo é sempre o
produto dos imperativos biopsíquicos
pelas intimações do meio. O meio
material e social é o lugar onde emergem as imagens. A pulsão individual
tem sempre “leito” social.
Para classificar as imagens, o autor
faz a proposta de bipartição entre dois
regimes do simbolismo: o diurno e
o noturno, e a tripartição estrutural:
heróica, mística e sintética. Os dois
regimes, diurno e noturno, são aspectos dos símbolos da libido. Durand
(2002), em sua teoria utiliza primeiramente elementos mais abstratos e
em seguida, os mais concretos. Seus
elementos básicos são: os “schèmes”,
os arquétipos, os símbolos, os mitos
e as estruturas. “Schèmes” formam o
esboço funcional da imaginação; os
arquétipos constituem o ponto de
junção entre o imaginário e os processos
racionais; os símbolos abrangem vários
sentidos (quando o símbolo perde
a polivalência, torna-se um simples
signo) e as estruturas funcionam como
pontos cardeais do espaço.
Durand partiu da hipótese da
semanticidade das imagens e verificou ser possível que os símbolos e
os agrupamentos sejam reveladores
de estruturas. Restou então estudar
o sentido do semantismo do imaginário em geral. O autor passa então
da morfologia classificadora das
estruturas do imaginário à fisiologia da função da imaginação. Essa
filosofia foi chamada de fantástica
transcendental, pois é motivada por
uma forma universal, os arquétipos.
Para Durand, “há uma realidade
idêntica e universal do imaginário”
(2002, p. 378).
A psicanálise evidenciou fenômenos de compensação e, dessa
forma, “a imagem tem por missão
suprir, contrabalançar ou substituir
uma atitude pragmática. A riqueza
e o regime da imaginação podem
muito bem não coincidir com o
aspecto geral do comportamento ou
do papel psicossocial.” (DURAND,
2002, p.381). Nosso autor oferece
um bom exemplo sobre essa questão
contando que J.S.Bach compunha
músicas de um misticismo sereno,
embora fosse um bom vivant e bastante colérico.
Além disso, Durand discorda de
algumas teses segundo as quais a função da imaginação seria secundária e o
símbolo, um simples fenômeno. Para
ele, o estudo antropológico permitiu
um alargamento do domínio imaginário. Através desse estudo demonstrou
que a imagem simbólica é semântica
e, dessa forma, não separa seu conteúdo da sua mensagem, enquanto
o recalcamento reduz a imagem ao
símbolo recalcado. Ele afirma que “o
mito é sempre primeiro em todos os
sentidos do termo e que, longe de
ser produto de um recalcamento
ou de uma derivação qualquer, é o
sentido figurado que prima o sentido
QSØQSJPwQ
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uma grande importância catártica
de representar o destino através das
funções da imaginação, pois, quando o representamos, conseguimos
dominá-lo.
METODOLOGIA
O estudo teve uma abordagem de
caráter qualitativo, pois o tema foi
pesquisado pelo viés do imaginário,
uma vez que queríamos compreender
significados e símbolos que pudessem
aparecer a partir das imagens plásticas
que foram colhidas dentro da análise
da relação pedagógica, entre alunos
e professora.
A pesquisa foi realizada com
o alunado no INES, no segundo
semestre de 2006, em duas turmas
da 3ª série do Ensino Fundamental.
Não houve seleção prévia dos alunos
que participaram da pesquisa. A
seleção da turma de alunos foi feita
pelo departamento pedagógico, não
sendo possível à professora escolher
individualmente. As duas turmas de
terceira série da professora formaram
o grupo de pesquisa.
MITOS
Foram escolhidos os mitos de
Faetonte e de Hefesto, pois, segundo Durand, relembram aspectos da
condição humana e ambos permitem
integrar beleza e feiúra; luz e escuridão
e outras ambigüidades. Dessa forma,
a intenção foi nos reportarmos a
esses conflitos de forma simbólica
e também como um dos estímulos
para alimentar a imaginação e colher
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REFLEXÕES
SOBRE A PRÁTICA
imagens para o desenvolvimento
deste trabalho.
FAETONTE
A descrição do mito de Faetonte
foi retirada do texto produzido por
(SFFOF#VSLFQ
O mito de Faetonte fala de um
adolescente ávido de liberdade, que
pensa que já sabe e entende de tudo,
que tem força suficiente para dominar
o mundo; no entanto, ainda é muito
jovem. Ele quer dirigir o carro do sol,
não quer dar atenção aos conselhos do
pai e acaba passando por problemas
que o levam à morte.
HEFESTO
A referência a este Mito foi retirado da obra de Bolen. (2002, p.
318)
O mito de Hefesto foi escolhido
por falar sobre um deus rejeitado e
ferido por ter nascido coxo. Ele é
jogado do Olimpo por sua mãe.
DESENVOLVIMENTO
DO TRABALHO
Na primeira etapa, foi mostrada
uma imagem mítica para inserir o aluno nesse mundo imaginário (imagem
1). O primeiro mito apresentado foi
Faetonte. Após o conto, iniciava-se
então uma proposta plástica para que
vivenciassem o mito contado através
de alguma técnica de arte. Em uma
segunda atividade, eram oferecidas
imagens de obras de arte de algum
artista plástico (imagens 2 e 3). Havia
sempre mais de uma imagem, para
que os alunos tivessem a oportuni-
A fragilidade necessita da força, a confusão necessita
da clareza. A queda busca a elevação, e através dela
o imaginário do homem pode transcender as trevas
para uma ascensão solar e para a luz. O arquétipo
central é o da “barreira” que separa as trevas da luz.
Esse regime busca, sobretudo, a claridade, a elevação.
dade de escolher entre elas alguma
que lhes agradasse. Pedia-se, então,
que fizessem livremente releituras ou
interferências. Após cada trabalho
plástico, havia conversas informais
sobre as vivências. Ao final dessa primeira fase, iniciou-se o trabalho com
o segundo mito, Hefesto, seguindo-se
as mesmas etapas do trabalho anterior
JNBHFOTF
Ao final do trabalho, reunimos as
produções dos alunos para observação
das imagens e símbolos que surgiram
e que influenciam o imaginário desses
adolescentes, jovens e adultos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise dos referenciais
teóricos aqui utilizados e das imagens
que surgiram como conseqüência
de nosso trabalho, acreditamos que
a arte e os mitos podem beneficiar,
sim, esses alunos. Nas imagens elaboradas por eles, constatamos que há
um número significativo delas que se
expressam como símbolos ascensionais do regime diurno da imagem.
Esses símbolos aparecem quando
há, como estudamos, uma tentativa
de reconquistar uma potencialidade
perdida. O regime diurno é descrito
aqui como o regime da antítese, em
que o herói se volta contra as trevas.
A fragilidade necessita da força, a
confusão necessita da clareza. A queda
busca a elevação, e através dela o imaginário do homem pode transcender
as trevas para uma ascensão solar e
para a luz. O arquétipo central é o
da “barreira” que separa as trevas da
luz. Esse regime busca, sobretudo,
a claridade, a elevação. No entanto,
como foi dito, o comportamento da
personalidade não tem que coincidir
com o conteúdo das representações,
pois, através das imagens, como diz
Jung, vai havendo a autoconstrução
da psique.
Foi possível perceber em nossos
alunos uma atitude mais serena, mais
tranqüila e interessada, na medida
em que dávamos andamento aos encontros. A descida interior em busca
de conhecimento culminou com a
intenção de nossa contribuição para
este estudo, que era a de provocar um
melhor entendimento de si mesmo
e do mundo. Parece relevante destacar a construção dessa harmonia
pelo regime noturno da imagem,
em que a queda torna-se descida e
transforma-se em prazer e em busca
do conhecimento.
Existe então nas imagens grande
importância catártica, pois elas nos
contam sobre um sentimento que
não se revela por palavras, mas por
meio de imagens. Segundo também
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REFLEXÕES
SOBRE A PRÁTICA
foi estudado, quando representamos
essas imagens através das funções da
imaginação, parece que conseguimos
dominar melhor os sentimentos e
dar-lhes forma.
A importância dos mitos e da arte,
como mais uma forma de a pessoa
surda simbolizar seus sentimentos
e encontrar um sentido maior para
sua vida, ficou clara no decorrer
deste estudo. As imagens produzidas
são retratos da alma dessas pessoas
e por isso podem, segundo sua
classificação, revelar sentimentos e
desejos mais profundos. Portanto,
concluímos que é importante manter
em uma instituição educacional o
espaço da arte como terapia para
alunos surdos, que, através de suas
imagens, “falam” de si e demonstram um sentimento comum que
precisa ser considerado, trabalhado
e trazido à consciência para que se
torne ação.
Dadas as limitações de tempo,
temos consciência de que não esgotamos todas as possibilidades de
pesquisa sobre o tema. O que fizemos
foi apenas aquietar alguns de nossos
questionamentos. Sugerimos, então,
que outros pesquisadores o abracem
e ampliem os estudos aqui realizados,
considerando que as imagens possibilitam, em um trabalho importante, a
assunção de aspectos antes submersos
no inconsciente.
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VISITANDO O
ACERVO DO INES
ATUAÇÃO DA PRIMEIRA MULHER SURDA COMO
REPETIDORA NO PERÍODO DE 1864/1868
The first woman working as a repetitor –1864/1868
Solange Maria da Rocha*
* Doutoranda em Educação - PUC-RJ. Mestre em Educação Especial - UERJ. Licenciada e Bacharelada em História UFF. Professora do INES.
E-mail: [email protected]
Material recebido em maio de 2008 e selecionado em junho de 2008.
Inúmeras eram as funções do
profissional repetidor no Instituto.
Além de assistir as aulas e depois
repetir as lições do professor, deveria
acompanhar os alunos no recreio e
no retorno à sala de aula, bem como
acompanhar os visitantes do Instituto,
pernoitar com os alunos internos,
corrigir os exercícios e substituir
os professores. Eram nomeados se
provassem estar habilitados quanto
aos conteúdos da matéria escolhida. Havia um repetidor para cada
disciplina. Por conta de mudanças
regimentais essa função passou por
muitas reformulações tendo sido
ocupada por surdos e ouvintes. Nos
primeiros anos de funcionamento da
instituição era exercida por alunos
das classes mais avançadas ou que
já haviam concluído o curso. A
primeira e única aluna que, na qualidade de mulher, exerceu a função
de repetidora no Instituto foi Maria
Pereira de Carvalho, no período de
1864/1868. Seu ingresso no Instituto,
como aluna, aos nove anos de idade,
foi ainda sob a gestão de E. Huet,
OPBOPEF4FVOPNFDPOTUB
junto com os dos seus dois irmãos,
no primeiro documento pedagógico
da instituição. Eram naturais de Rio
Claro, município de Barra Mansa,
no Rio de Janeiro. Durante a gestão
de Manoel de Magalhães Couto,
fora contratada, aos quinze anos de
idade, para atuar como repetidora
das classes femininas.
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.86, Jan-Jun 2008
PRODUÇÃO
ACADÊMICA
HISTÓRIA DO POVO SURDO EM PORTO ALEGRE:
IMAGENS E SINAIS DE UMA TRAJETÓRIA CULTURAL
History of the deaf people in Porto Alegre: images and signs of a cultural trajectory
Gisele Maciel Monteiro Rangel*
* Dissertação de Mestrado em Educação (Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande Sul, 2005).
Orientador: Profª Drº Carlos Bernardo Skliar
E-mail: [email protected]
Material recebido em maio de 2008 e selecionado em junho de 2008
Esta dissertação, História do
povo surdo em Porto Alegre, imagens
e sinais de uma trajetória cultural traz
a narrativa, através de fotografias,
da evolução das políticas surdas em
Porto Alegre. O referencial teórico
utilizado para embasar as narrativas em seus contextos históricos e
culturais foi o dos Estudos Surdos,
Estudos Culturais e Análise de
Fotografias. A documentação destes
eventos importantes para o povo
surdo local possibilitou o registro
do desenvolvimento e das articulações feitas pelas pessoas surdas em
busca de seu reconhecimento como
grupo cultural e não como sujeitos
EFmDJUÈSJPTEFTEFBEÏDBEBEF
até os dias atuais. As histórias registradas nas fotografias, narradas
por seus protagonistas, mostram a
construção do povo surdo, passo a
passo, historicamente.
Palavras-chave: Estudos Culturais. Estudos Surdos. Fotografia.
Narrativa.
A documentação destes eventos importantes para o povo surdo local possibilitou o
registro do desenvolvimento e das articulações feitas pelas pessoas surdas em busca
de seu reconhecimento como grupo cultural e não como sujeitos deficitários, desde
a década de 1950 até os dias atuais.
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PRODUÇÃO
ACADÊMICA
O FILOSOFAR NA ARTE DA CRIANÇA SURDA:
CONSTRUÇÕES E SABERES
Phylosophy in the deaf child’s art: constructions and knowledges
Ana Luiza Paganelli Caldas*
* Dissertação de Mestrado em Educação (Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande Sul, 2006).
Orientadora: Profª Drª Esther Beyer
E-mail: [email protected]
Material recebido em Janeiro de 2008 e selecionado em fevereiro de 2008.
Esta dissertação analisou como
se deu o filosofar na arte das crianças
surdas e na busca por práticas estéticas
visuais no processo da construção
deste filosofar. Para isto, foram
realizadas entrevistas (individuais e
coletivas) com 10 sujeitos surdos de
uma escola municipal de surdos de
Gravataí no Estado do Rio Grande
do Sul, onde foram apresentadas algumas pinturas dos artistas Da Vinci,
Picasso, Portinari e Baird (artista
surdo). O objetivo foi o de provocar
uma reflexão destes sujeitos, a partir
de experiências estéticas, no sentido
de que cada um pudesse expressar
seus saberes, praticar a vivência
do olhar, trazendo suas hipóteses
e contribuições sobre as pinturas,
observando como estas experiências
podiam colaborar para a construção
dos filosofares na arte dos sujeitos
surdos. Os principais pressupostos
teóricos foram os estudos de Michael
J. Parsons sobre os níveis estéticos
de compreensão da arte, que foram
tabulados e sistematizados para uma
melhor análise qualitativa dos dados,
proposta metodológica adotada para
a pesquisa. Marly Meira e Walter
Kohan perpassam a pesquisa como
os alicerces da criação filosófica e
O objetivo foi o de provocar uma reflexão destes
sujeitos, a partir de experiências estéticas, no sentido
de que cada um pudesse expressar seus saberes,
praticar a vivência do olhar, trazendo suas hipóteses
e contribuições sobre as pinturas, observando
como estas experiências podiam colaborar para a
construção dos filosofares na arte dos sujeitos surdos.
o pensar sobre o pensar. Destaco
também os estudos de Duarte para
a educação do sensível e de Pillar
na educação para o olhar. Pôde-se
notar que houve uma notável relação entre as experiências estéticas e
os diálogos com as possibilidades
de novas compreensões sobre arte
e com a criação de novos pensares
filosóficos.
Palavras-chave: Filosofar da
Criança. Compreensão da Arte.
Linguagem Visual. Educação dos
Surdos.
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.88, Jan-Jun 2008
RESENHAS
DE LIVROS
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CULTURA E COTIDIANO
ESCOLAR
Inclusive Education: culture and school daily routine
Resenha do Livro: EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CULTURA E COTIDIANO ESCOLAR
Autora: GLAT, R. (Org.). Rio de Janeiro: 7Letras, 2007.
Maurício Rocha Cruz*
*Graduado em Pedagogia (UERJ). Mestre em Educação (UFF).
Prof. do Instituto Superior Bilíngüe de Educação (INES).
E-mail: [email protected]
Material recebido em maio de 2008 e selecionado em junho de 2008.
Este livro condensa a reflexão de
vinte e um autores sobre a educação
inclusiva. A forma com que o livro
foi organizado conduz o leitor por
uma interessante articulação entre os
textos. A defesa por uma educação
inclusiva é aqui abordada sob uma
análise cultural e posicionando-se a
favor dos direitos e especificidades
do diferente, que precisa estar em
contato com as demais crianças na
escola regular. Glat nos informa, logo
na apresentação, que não se trata de
um manual da educação inclusiva e
que não tem a intenção de oferecer
“receitas de bolo”, mas que oferece
encaminhamento de atividades e
práticas que podem ser aproveitadas
pelos professores.
O livro se divide em duas partes.
A primeira, “Educação inclusiva: conceituando uma nova cultura escolar”,
concentra os três primeiros artigos.
O debate entre educação especial e
educação inclusiva marca o início
das reflexões. Nesse momento o livro
apresenta versatilidade e conduz o
leitor para além das brigas dicotômicas em defesa de um ou outro
modelo. De uma forma bastante
sutil são apresentadas as barreiras
atuais que separam os dois referidos
conceitos, além da convocar os mais
entusiasmados a uma defesa dos
direitos educacionais daqueles que
apresentam alguma dificuldade e/ou
especificidade educativa especial. Em
seguida, temas como “adaptações”
e “acessibilidades” curriculares permeiam a discussão em busca de uma
educação para todos.
Na segunda parte, “Incluindo
alunos com necessidades educacionais
especiais no cotidiano escolar”, estão
concentrados os outros sete artigos
que compõem o livro. Os textos
então fornecem ao leitor abordagens
específicas. Alunos com dificuldade
e distúrbios de aprendizagem estão
presentes no início deste segmento. Logo em seguida, a deficiência
mental é abordada sob o enfoque
de estratégias pedagógicas no ensino
regular que amenizem as dificuldades encontradas pelos sujeitos do
processo de ensino-aprendizagem.
Da mesma forma, um capítulo é
destinado à deficiência auditiva e
contribui com algumas propostas
pedagógicas para o ensino regular.
Em seguida, é a vez de a deficiência visual ser tratada no cotidiano
escolar como um desafio a mais
para a escola. Mais à frente, o livro convoca o leitor para o novo
Glat nos informa, logo na apresentação, que não se
trata de um manual da educação inclusiva e que não
tem a intenção de oferecer “receitas de bolo”, mas
que oferece encaminhamento de atividades e práticas
que podem ser aproveitadas pelos professores.
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RESENHAS
DE LIVROS
contexto de sala de aula em que a
deficiência física e múltipla deve ser
observada. O caminho trilhado para
esta segunda parte continua especificando diferentes deficiências e/
ou especificidades de aprendizagem,
quando então recai sobre o aluno
que apresenta condutas típicas. Por
fim, no último capítulo, o aluno com
altas habilidades é trazido à reflexão
e pode despertar no leitor a sensação
de que, de fato, o livro trata de “uma
prática em construção”.
Assim, o livro apresenta um
cabedal de informações particulares
à educação inclusiva e que perpassa
obrigatoriamente pelo terreno da
educação especial, sem desconsiderar
as especificidades educativas dos mais
diferentes envolvidos no processo
educacional. Isso não significa, por
outro lado, que a condução do texto
esteja isenta de defesa por um ou
outro modelo. Porém, o livro traz
uma redação que motiva o leitor a
questionar-se sobre peculiaridades
com as quais precisa se defrontar.
Trata-se de um livro que pode servir
à formação de professores e que apresenta um conjunto de experiências
consideráveis às práticas confusas de
muitos de nossos educadores. Caberá
ao leitor o uso crítico desse material,
tornando-se assim responsável por
(re)significar essas experiências,
problematizando suas práticas e
alimentando o mundo com seus
novos conhecimentos.
Trata-se de um livro que pode servir à formação de professores e que apresenta
um conjunto de experiências consideráveis às práticas confusas de muitos de
nossos educadores.
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.90, Jan-Jun 2008
RESENHAS
DE LIVROS
MULTICULTURALISMO: DIFERENÇAS CULTURAIS E
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
Multiculturalism: cultural differences and pedagogical practices
Resenha do livro: MULTICULTURALISMO: DIFERENÇAS CULTURAIS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
Autores: Moreira, Antonio Flávio; Candau, Vera Maria (Org.).
Petrópolis, RJ.
Kelly Russo*
* Kelly Russo é graduada em Comunicação Social pela UERJ, Mestre em Ciências Sociais e Educação pela Faculdade
Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO Argentina) e Doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro.
E-mail: [email protected]
Material recebido em abril de 2008 e selecionado em maio de 2008.
Nos últimos anos, o debate sobre
diferenças culturais toma cada vez
mais espaço na educação escolar.
Políticas públicas e práticas pedagógicas são repensadas quando a
homogeneidade cultural não serve
mais como resposta em um mundo de transformações constantes.
Contudo, são poucas as publicações que viabilizam uma reflexão
ampla sobre o multiculturalismo,
unindo teoria a alternativas pedagógicas. Multiculturalismo: Diferenças
Culturais e Práticas Pedagógicas oferece
esta reflexão através de oito artigos
oriundos de pesquisas sobre temas
recorrentes no cenário educativo
brasileiro: identidade, raça, gênero,
sexualidade, religião, cultura juvenil
e saberes escolares.
Como os organizadores alertam
na primeira página do livro, “o
multiculturalismo pode significar
tudo e, ao mesmo tempo, nada.”
E ao considerar a polissemia do
conceito, esclarecem a posição do
grupo de autores “a favor da luta
contra a opressão e a discriminação
a que certos grupos minoritários
têm, historicamente, sido submetidos por grupos mais poderosos e
privilegiados.” Dessa forma, mais
do que uma discussão teórica de
maior profundidade sobre as tensões presentes no desenvolvimento
de políticas de reconhecimento e
os impactos destas nas sociedades
contemporâneas, suas escolhas e
análises teóricas priorizam tornar
visíveis as desigualdades presentes
no “chão da escola” e discutir possibilidades de práticas pedagógicas
comprometidas com a perspectiva
multicultural.
No primeiro artigo,
“Multiculturalismo e educação: desafios para a prática pedagógica”,
Vera Candau apresenta as diferentes
abordagens ou dimensões do multiculturalismo para incluir entre
elas a perspectiva intercultural, e
vê a prática pedagógica como um
processo de negociação cultural:
professores, diretores e coordenadores
pedagógicos são convidados a assumirem os riscos e desafios inerentes
a esta negociação. No segundo,
Antonio Flavio e Michelle Câmara
abordam o processo de construção
de identidades e, pela complexidade
do tema, ressaltam a necessidade de
se estabelecerem metas e estratégias
claras ao se abordar esta questão em
sala de aula. O artigo “Reflexões sobre
currículo e identidade: implicações
para a prática pedagógica”, além de
indicar algumas das metas possíveis,
oferece um material capaz de esclarecer e instrumentalizar professores e
estudantes de cursos de formação a
partir de exemplos e dados empíricos
próximos ao cotidiano escolar.
No terceiro artigo, Nilda Gomes
contextualiza a implementação da Lei
n.º 10.639/2003 e desenvolve um
artigo quase justificativo sobre como
esta modificação nos currículos poderá
provocar no cotidiano escolar, mas
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RESENHAS
DE LIVROS
não apenas nele, questionamentos
profundos sobre a nossa formação
sócio-histórica. A autora reconhece as
resistências que essa mudança provoca,
mas, ao expor seus argumentos, não
deixa espaço para uma apresentação
mais aprofundada sobre as reflexões
contrárias à lei, que tendem a ser
muito mais tensas e profundas que
a defesa cega de um mito de democracia racial. De qualquer modo, a
autora embasa de modo consistente
sua argumentação ao abordar a discussão como uma luta política na
sociedade civil.
Os três artigos seguintes tocam
temas pouco explorados no campo
educativo. Marília Carvalho propõe
uma análise instigante ao relacionar
a questão de gênero com o desempenho escolar. Analisa como professores (em sua maioria do gênero
feminino) desenvolvem um sistema
de avaliação, geralmente difuso
e variável, repleto de elementos
subjetivos, que tende a valorizar
o comportamento em detrimento
da aprendizagem dos alunos. No
artigo seguinte, “Sexualidades em
sala de aula: discurso, desejo e teoria
queer”, Luiz Lopes discute a dificuldade de a escola tratar temáticas
relacionadas ao corpo, ao prazer e
à sexualidade e introduz a teoria
queer como uma alternativa para se
“ampliar os repertórios de sentidos
dos/das alunos/as e professores/as na
compreensão dos desejos”. Segundo
o autor, a visão predominante de
defesa das “minorias” é essencialista
e não discute a relação de poder
existente na heteronormatividade.
A heterossexualidade não pode ser
vista como “natural”, mas como uma
das construções possíveis sobre a
sexualidade humana. Proposta bem
menos transgressora é a de Stela
Caputo, que, cuidadosamente, tenta
um início de conversa sobre como o
fundamentalismo religioso ameaça a
convivência democrática em escolas
públicas no Rio de Janeiro.
Mais do que um artigo analítico,
“Ogan, adósu òjé, ègbónmi e ekedi – O
candomblé também está na escola. Mas
como?” é um convite à sensibilidade,
onde leitores penetram na desconhecida (e discriminada) cultura dos
terreiros de candomblé. A autora
historiciza a religião e apresenta
um pouco do cotidiano de crianças
que desempenham atividades de
grande prestígio nos terreiros de
candomblé, mas precisam esconder
suas vivências ao passarem os portões
da escola. Ao terminar o artigo, não
sabemos se ele será capaz de quebrar
resistências, mas sua leitura torna
evidente um obstáculo silencioso
e poderoso para a consolidação de
um sistema que se pretenda laico
e inclusivo.
O sétimo artigo, “Identidades
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.92, Jan-Jun 2008
RESENHAS
DE LIVROS
Multiculturalismo: Diferenças Culturais e Práticas
Pedagógicas oferece esta reflexão através de
oito artigos oriundos de pesquisas sobre temas
recorrentes no cenário educativo brasileiro:
identidade, raça, gênero, sexualidade, religião,
cultura juvenil e saberes escolares.
culturais juvenis e escolas: arenas de
conflitos e possibilidades”, de Paulo
Carrano, discute as diferenças geracionais entre professores e alunos.
Ressalta a urgência de espaços que
permitam a emergência da multiplicidade sociocultural dos sujeitos
escolares e apresenta alguns exemplos
de como trazer essa discussão para
a prática escolar. O autor desenvolve uma rica reflexão sobre as
culturas juvenis e as práticas sociais
protagonizadas por estes em espaço
intra e extra-escolares, mas oferece
uma alternativa pontual e limitada
ao sugerir o uso do rap e do funk
no ensino de disciplinas “duras” e
distantes da realidade dos alunos.
Contorna, em lugar de enfrentar o
cerne da questão: como construir
“currículos flexíveis”, capazes de
possibilitar novas produções de
sentido, se ainda não encontramos
consensos sobre os saberes essenciais
que devem ser ensinados nas escolas
e, por conta disso, jovens e professores lidam com currículos extensos
e quase enciclopédicos?
²DPNFTTBQFSHVOUBFNNFOUF
que chegamos ao último artigo,
“Conhecimento escolar, cultura e poder:
desafios para o campo do currículo em
‘tempos pós’ ”, de Carmen Gabriel. Mas
ela não propõe respostas, ao contrário:
em “tempos pós”, talvez seja mais
fecundo insistir em perguntas que
propor respostas absolutas. Sob esta
perspectiva, a autora tenta encontrar
no atual processo de hibridização de
discursos e sentidos, referenciais que
confirmem a escola pública como
local privilegiado para a construção
e socialização de conhecimentos.
Eficaz a organização do livro: se
os primeiros capítulos amenizam
as dúvidas e sugerem alternativas
para a inclusão das diferenças nas
práticas pedagógicas, os últimos
desequilibram qualquer indício de
estabilidade e nos recordam que
vivemos em um período de incertezas. A rotina escolar, portanto,
não poderia esperar uma realidade
diferente.
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.93, Jan-Jun 2008
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MATERIAL
TÉCNICO-PEDAGÓGICO
O INES E A EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL:
ASPECTOS DA TRAJETÓRIA DO INSTITUTO NACIONAL
DE EDUCAÇÃO DE SURDOS EM SEU PERCURSO
DE 150 ANOS
INES and the education of the deaf in Brazil: some aspects of the 150-year trajectory of the National
Institute for the Education of the Deaf
O livro idealizado e desenvolvido pela
professora de História Solange Rocha, lanÎBEPOBPDBTJÍPEBDPNFNPSBÎÍPEPT
anos de fundação do Instituto Nacional de
Educação de Surdos (INES), traduz-se em
material de extrema relevância para todos
aqueles que apreciam a documentação
histórica e, em paralelo, desejam conhecer,
em detalhes, a história do Instituto e seu
processo de consolidação como Centro
de Referência em Educação e Surdez.
Intitulada “O INES e a EDUCAÇÃO
DE SURDOS NO BRASIL: aspectos
da trajetória do Instituto Nacional de
Educação de Surdos em seu percurso de
wBQVCMJDBÎÍPBQSFTFOUBFYQSFTTJWP
material iconográfico oriundo do acervo do
próprio Instituto, pesquisa em diferentes
fontes históricas, jornais, além de entrevistas
com personagens que ajudaram a construir
a memória dessa trajetória. Possui, ainda,
um encarte em mídia eletrônica que contém
parte do conteúdo da obra interpretado
em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS).
Com tiragem de 13.000 exemplares, a
publicação encontra-se disponível em
diferentes bibliotecas do país.
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.94, Jan-Jun 2008
AGENDA
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Congresso Brasileiro sobre Dificuldades de Aprendizagem e do Ensino
Data do evento: 24 a 26 de janeiro de 2008
Local: Centro de Convenções do Ceará, Fortaleza – Ceará
Site: http://www.futuroeventos.com.br/Fortaleza_2008/index.htm
Organização: Futuros Eventos.
II Congresso Internacional – diálogos sobre diálogos
Data do evento: 03 a 06 de março de 2008
Local: Universidade Federal Fluminense, Niterói – Rio de Janeiro
Site: http://www.grupalfa.com.br/congressoII/index.asp
Organização: Grupalfa / UFF.
IV ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino
Data do evento: 27 a 30 de abril de 2008
Local: PUC/RS, Porto Alegre – Rio Grande do Sul
Site: http://www.pucrs.br/eventos/endipe/
Organização: ENDIPe.
60ª Reunião Anual da SBPC
Data do evento: 13 a 18 de julho de 2008
Local: Universidade Estadual de Campinas, Campinas – São Paulo
Site: http://www.sbpcnet.org.br/eventos/60ra/
Organização: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
VII Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação
Data do evento: 20 a 23 de junho de 2008
Local: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto - Portugal
Site: http://web.letras.up.pt/7clbheporto/
Organização: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.
*OGPSNBUJWP5ÏDOJDP$JFOUÓmDP&TQBÎP*/&43JPEF+BOFJSPOQ+BO+VO
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NORMAS
PARA PUBLICAÇÃO
CARACTERIZAÇÃO DAS SEÇÕES DA REVISTA ESPAÇO
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t
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t
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Espaço Aberto: artigos de relevância teórica pertinentes à área da surdez.
Debate: tema previamente escolhido a ser discutido por diversos autores.
Atualidades em Educação: artigos de relevância teórica pertinentes à área da Educação.
Reflexões sobre a Prática: discussões e relatos de experiências de profissionais sobre sua prática.
Visitando o Acervo do INES: apresentação de material de relevância histórica constante no acervo do
INES.
t Produção Acadêmica: referência de dissertações de mestrado e teses de doutoramento na área da surdez e/
ou temas afins realizadas em instituições nacionais e/ou internacionais.
t Resenha de Livros: apresentação de resumos de obras.
t Material Técnico-Pedagógico: divulgação de materiais.
Os interessados em enviar artigos para a Revista ESPAÇO devem seguir, obrigatoriamente, o seguinte
padrão editorial:
1. A ESPAÇO aceita para publicação artigos inéditos de autores brasileiros e estrangeiros que tratem de educação,
resultantes de estudos teóricos, pesquisas, reflexões sobre práticas concretas, discussões etc. Excepcionalmente
poderão ser publicados artigos de autores brasileiros ou estrangeiros editados anteriormente em livros e periódicos
que tenham circulação restrita no Brasil.
2. Os ARTIGOS devem ter no mínimo trinta mil e no máximo cinqüenta mil caracteres com espaços, incluindo
as referências bibliográficas e as notas (contar com Ferramentas do processador de textos (Word ou Star Office,
por exemplo).
3. A publicação de ARTIGOS está condicionada a dois pareceres de membros do Conselho Editorial ou de colaboradores ad hoc. A seleção de artigos para publicação toma como critérios básicos sua contribuição à Educação
Geral, à Educação Especial e à Educação de Surdos e áreas afins, bem como à linha editorial da ESPAÇO, a
originalidade do tema ou do tratamento dado ao mesmo, assim como a consistência e o rigor da abordagem
teórico-metodológica. Eventuais modificações de estrutura ou de conteúdo, sugeridas pelos pareceristas ou pela
Comissão Editorial, só serão incorporadas mediante concordância dos autores.
4. De acordo com a caracterização das seções, a ESPAÇOUBNCÏNQVCMJDB3&'-&9¿&440#3&"13«5*$"
RESENHAS e RESUMOS DE TESES E DISSERTAÇÕES.
"T3&'-&9¿&440#3&"13«5*$"OÍPEFWFNVMUSBQBTTBSWJOUFNJMDBSBDUFSFTFEFWFSÈBUFOEFSBPTEFNBJT
requisitos dos artigos.
6. As RESENHAS não devem ultrapassar oito mil caracteres com espaços e os RESUMOS DE TESES E
%*44&35"±¿&4RVBUSPNJMDBSBDUFSFT²JOEJTQFOTÈWFMBJOEJDBÎÍPEBSFGFSÐODJBCJCMJPHSÈmDBDPNQMFUBEBPCSB
resenhada ou comentada e a digitação e a formatação devem obedecer à mesma orientação dada para os artigos.
As RESENHAS serão submetidas aos pareceristas ad hoc.
7. Textos que tratem de temas polêmicos ou que debatam algum assunto, com defesa de posicionamentos, poderão ser publicados na seção DEBATE. Nesse caso, a ESPAÇO procura publicar no mínimo dois artigos com
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.96, Jan-Jun 2008
NORMAS
PARA PUBLICAÇÃO
diferentes abordagens. Os textos devem obedecer ao limite de cinqüenta mil caracteres e atender aos demais
requisitos dos artigos
8. Os originais poderão ser encaminhados à comissão editorial da ESPAÇODPNJTTBPFEJUPSJBM!JOFTHPWCS
ou pelo correio. Nesse último caso, é obrigatório o envio de uma via impressa e do arquivo correspondente em
disquete ou CD.
9. Os artigos e outros textos para publicação devem ser digitados em um dos programas de edição de texto em
formato Word for Windows. As orientações para formatação estão especificadas ao final destas Normas.
10. As menções a autores, no correr do texto, devem subordinar-se à forma (Autor, data) ou (Autor, data: p.),
como nos exemplos: (Ferreira, 2004) ou (Ferreira, 2004: p. 39). Diferentes títulos do mesmo autor, publicados
no mesmo ano, deverão ser diferenciados adicionando-se uma letra depois da data, como por exemplo: (Jordan,
2001a), (Jordan, 2001b).
11. As Referências Bibliográficas devem conter exclusivamente os autores e textos citados no trabalho e ser apresentadas ao final do texto, em ordem alfabética, obedecendo às normas atualizadas da ABNT. Textos que não
contenham as referências bibliográficas ou que as apresentem de forma incorreta não serão considerados para
exame e publicação. Observa-se que as bibliotecárias das Universidades estão aptas a oferecer orientações relativas
ao seu uso correto. Exemplos da aplicação das normas da ABNT encontram-se ao final destas Normas.
12. As notas de rodapé devem ser exclusivamente explicativas. Todas as notas deverão ser numeradas e aparecer
no pé de página (usar comando automático do processador de textos: Inserir/Notas).
13. Todos os artigos devem conter, no início, título em português e em inglês, resumo (em português) e abstract
(em inglês) que não ultrapassem mil caracteres cada, com indicação de pelo menos três palavras-chave e key
words.
14. Ao início do texto, o autor deve também fornecer dados relativos à sua maior titulação, instituição e área em
que atua, bem como indicar o endereço eletrônico e o endereço postal completo para correspondência.
0TRVBESPTHSÈmDPTNBQBTJNBHFOTFUDEFWFNTFSBQSFTFOUBEPTFNGPMIBTTFQBSBEBTEPUFYUPJOEJDBOEPTF
os locais em que devem ser inseridos), devendo ser numerados e titulados e apresentando-se indicação das fontes
correspondentes. Sempre que possível, deverão ser confeccionados para sua reprodução direta.
16. O envio de qualquer colaboração implica automaticamente a cessão integral dos direitos autorais.
17. A ESPAÇO não se obriga a devolver os originais das colaborações enviadas.
Orientação para a formatação dos textos
1. Digitar todo o texto em fonte Times New Roman, tamanho 12, entrelinha simples, sem fontes ou atributos
diferentes para títulos e seções.
2. Utilizar negrito e maiúsculas para o título principal, e negrito e maiúsculas e minúsculas nos subtítulos das
seções.
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NORMAS
PARA PUBLICAÇÃO
3. Assinalar os parágrafos com um único toque de tabulação e dar Enter apenas no final do parágrafo;
4. Separar títulos de seções, nome do autor etc. do texto principal com um duplo Enter;
1BSBÐOGBTFPVEFTUBRVFOPJOUFSJPSEPUFYUPVUJMJ[BSBQFOBTJUÈMJDP
6. As citações diretas com mais de três linhas devem aparecer em Times New Roman, tamanho 11, separadas
do texto principal com duplo Enter e introduzidas com recuo de 4 centímetros da margem esquerda, sem as
aspas.
Orientação para aplicação das normas da ABNT
1. Livros: sobrenome(s) do(s) autor(es) em maiúscula /VÍRGULA/ respectivos nomes em maiúscula e minúscula
/ nome do livro em itálico seguido de dois pontos e subtítulo (se houver) em fonte normal /PONTO/ nome
do tradutor (quando houver e em fonte normal) /PONTO/ edição / local seguido de dois pontos / editora /
VÍRGULA/ ano da publicação /PONTO.
Exemplo: SACKS, Oliver. Vendo Vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. Tradução: Laura Teixeira Motta. 2ª
FE4ÍP1BVMP$PNQBOIJBEBT-FUSBT
2. Artigos: sobrenome(s) do(s) autor(es) em maiúscula /VÍRGULA/ respectivos nomes em maiúscula e minúscula
/ título do artigo em fonte normal /PONTO/ título do periódico em itálico /VÍRGULA/ volume /VÍRGULA/ número do periódico /VÍRGULA/ páginas correspondente ao artigo /VÍRGULA/ ano da publicação /PONTO.
Exemplo: MACHADO, L.R.S. Cidadania e trabalho no ensino de segundo grau. Em Aberto, v. 4, nº 28, p.
3. Coletâneas: sobrenome(s) do(s) autor(es) em maiúscula /VÍRGULA/ respectivos nomes em maiúscula e
minúscula /PONTO/ título do capítulo em fonte normal /PONTO/ In: /sobrenome do(s) organizador(es) em
maiúscula seguido(s) das iniciais dos respectivos nomes / Org(s) entre parênteses / título da coletânea em itálico
/ dois pontos e subtítulo (se houver) em fonte normal /PONTO/ nome do tradutor (quando houver e em fonte
normal) /PONTO/ edição, local da publicação seguido de dois pontos / editora /VÍRGULA/ ano da publicação
/PONTO.
Exemplo: AZÙA, Félix. Sempre em Babel. In: LARROSA, J. e SKLIAR, C. (Orgs.) Habitantes de Babel: políticas
e poéticas da diferença. Tradução: Semíramis Gorini da Veiga. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
4. Dissertação ou tese acadêmica: sobrenome do autor em maiúscula /PONTO/ nome em maiúscula e minúscula /PONTO/ título da obra (em itálico) /DOIS PONTOS/ subtítulo, se houver, em fonte normal /PONTO/
ano da defesa /PONTO/ tipo (dissertação ou tese) / grau acadêmico obtido (entre parênteses) /TRAVESSÃO/
Instituição onde foi apresentada /PONTO.
Exemplo: COSTA, Rejane Pinto. O Ensino de Inglês em uma Ótica Multicultural. 2001. Dissertação (Mestrado
em Educação) – Faculdade de Educação, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, da UFRJ.
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.98, Jan-Jun 2008
GUIDELINES FOR
SUBMISSION OF ARTICLES FOR
PUBLICATION
CHARACTERIZATION OF THE SECTIONS OF ESPAÇO
t
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Espaço Aberto / Open Space: theoretically relevant articles related to the area of deafness.
Debate / Debate: articles with different approaches on a previously chosen theme.
Atualidades em Educação / News on Education: theoretically relevant articles on Education.
Reflexões Sobre a Prática / Reflections on the Practice: articles describing and discussing professional experiences.
Visitando o Acervo do INES / Visiting INES Collection: comments on historically relevant material in the
permanent collection of INES.
t Produção Acadêmica / Theses and dissertations abstracts: abstracts of masters dissertations or doctoral
theses in the area of or related to deafness, approved by universities in Brazil or abroad.
t Resenhas de Livros / Reviews: critical book reviews.
Format and Preparation of the manuscripts
1. ESPAÇO publishes original articles of Brazilian and foreign authors that discuss education based on theoretical studies,
research, reflections about concrete practices, as well as polemic discussions and the like. Exceptionally it can publish
national or international articles previously edited in books or journals that have narrow circulation in Brazil.
2. The articles should be of the minimum length of thirty thousand and maximum of fifty thousand characters
with spaces, including bibliographic references and notes, counted with the Tools of the Word processor - either
Word or Star Office, for instance).
3. The publication of articles is conditioned to two appraisals by referees from the Editorial Board and/or by ad
hoc referees. The selection of articles for publication takes into account its contribution to General Education,
Special Education, Education of the Deaf and similar areas and to the editorial line of ESPAÇO, as well as the
originality of the theme and of its discussion and the rigor and consistency of its theoretical and methodological
framework. Any eventual change in structure or content as suggested by either the referees or the Editorial Board
is only incorporated into the text with the thorough agreement of the authors.
4. According to the characterization of its sections, ESPAÇO also publishes REFLECTIONS ON THE
PRACTICE, REVIEWS and THESES AND DISSERTATION ABSTRACTS.
3&'-&$5*0/40/5)&13"$5*$&TIPVMECFPGUIFNBYJNVNMFOHUIPGUXFOUZUIPVTBOEDIBSBDUFST
with spaces and should fulfill all the other requirements.
6. BOOK REVIEWS should not exceed eight thousand characters with spaces and THESES and DISSERTATIONS
ABSTRACTS should not consist of more than four thousand. Complete bibliographic references are obligatory
for reviewed or commented texts and the typing and formatting should follow the same instructions given for
the articles. The BOOK REVIEWS will be submitted to the ad hoc referees.
7. Texts that discuss polemic subjects or that debate a particular point of view or opinion on a subject can be published
in the section named DEBATE. In this case, ESPAÇO tries to publish at least two articles with different approaches.
The texts should not exceed fifty thousand characters with spaces and should fulfill all the other requirements.
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.99, Jan-Jun 2008
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ESPAÇO
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GUIDELINES FOR
SUBMISSION OF ARTICLES FOR
PUBLICATION
8. The original manuscripts can be sent to the Executive Committee of ESPAÇO either by mail (including one
copy in press and the corresponding file in a floppy disk) or by the e-mail: DPNJTTBPFEJUPSJBM!JOFTHPWCS
9. The articles and other texts for publication should be typed in one of the programs of text editors in Words
for Windows format. Instructions for formatting the manuscripts can be found at the end of this guideline.
10. Citations of authors within the text should be as follows: (Author, date) or (Author, date: page.), as in the
following examples: (Ferreira, 2004) or (Ferreira, 2004: p. 39). Different titles of the same author that have been
published in the same year should be mentioned with a different letter after the date, as for instance: (Jordan,
2001a), (Jordan, 2001b) and so forth.
11. Bibliographic references should have only the authors and texts cited within the article and should be presented
at the end of it, in alphabetic order. Articles without bibliographic references or works that inappropriately present
the references will not be considered for publication.
12. References at the bottom of the page should be exclusively of a clarifying nature. All of those should be numbered
and be presented at the bottom of the page (please use the automatic computer key that reads Insert/Notes).
13. All the articles should have, in the beginning, a title in English and in Portuguese, a summary (in Portuguese) and an
abstract (in English). Those should not be longer than a thousand characters each, indicating at least three key words.
14. In the beginning of the paper, the author should also present data relative to his/her highest degree,
institution and area of knowledge, as well as full e-mail and postal address for correspondence.
5BCMFTHSBQITNBQTJNBHFTBOEPUIFSTTIPVMECFQSFTFOUFEJOTFQBSBUFTIFFUTBOEUIFQMBDFTXIFSFUIFZTIPVME
be inserted should be presented. They also should be numbered and have titles attached to them, as well as present
their corresponding sources. Whenever possible, they should be available in a direct reproduction mode.
16. Sending an article for publication implies in the cession of copyrights to ESPAÇO.
17. ESPAÇO is not complied to give back the manuscripts it has received.
Instructions in order to format the manuscripts
1. The whole manuscript should be typed in Times New Roman, size 12, with simple lines between them, without
any special fonts or attributes for titles and sections.
2. Use bold and capital letters for the main title, and bold and capital and normal letters for the sub-titles of sections.
3. For highlighting purposes within the manuscript, use only italics; also, paragraphs should be signaled only
with a touch of tabulation and by touching the Enter key only.
4. Separate titles of sections, name of the author and so on from the main text with a double Enter.
'PSUSBOTDSJQUJPOTVTFUIFTBNF5JNFT/FX3PNBOTJ[FTFQBSBUFEGSPNNBJOUFYUXJUIBEPVCMFEnter
and introduced with two tabulation touches.
Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 29, p.100, Jan-Jun 2008

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