Aula 4 – Romantismo II – Gerações Brasileiras

Transcrição

Aula 4 – Romantismo II – Gerações Brasileiras
EXTENSIVO 2013
Disciplina: Literatura
Professor: Caique Franchetto / [email protected]
Estudante:_________________________________________________________
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AULA 4 – ROMANTISMO II – AS GERAÇÕES BRASILEIRAS
Relembrando a última aula (Romantismo I)
- Exacerbação dos sentimentos e dos pensamentos (subjetividade):
Demain, dès l’aube...
[Tradução] Amanhã, assim que amanhecer
Demain, dès l’aube, à l’heure où blanchit la campagne,
Je partirai. Vois-tu, je sais que tu m’attends.
J’irai par la forêt, j’irai par la montagne.
Je ne puis demeurer loin de toi plus longtemps.
Amanhã, assim que amanhecer, à hora na qual branqueia a campanha.
Eu partirei. Vejas, eu sei que tu me esperas.
Eu vou à floresta, eu irei à montanha.
Não posso demorar-me longe de ti por muito tempo mais.
Je marcherai les yeux fixés sur mes pensées,
Sans rien voir au dehors, sans entendre aucun bruit,
Seul, inconnu, le dos courbé, les mains croisées,
Triste, et le jour pour moi sera comme la nuit.
Caminharei com o olhar fixo em meus pensamentos,
Sem nada ver de fora, sem compreender nenhum ruído.
Sozinho de costas curvadas, os braços cruzados, desconhecido,
O dia será como a noite, para mim, deprimido.
Je ne regarderai ni l’or Du soir qui tombe,
Ni les voiles au loin descendant vers Harfleur,
Et, quand j’arriverai, je mettrai sur ta tombe
Un bouquet de houx vert et de bruyère em fleur.
Eu não vi nem o ouro do sol no início da penumbra
Nem os véus e as velas de Harfleur, ao longe na direção,
E , quando eu chegar, colocarei sobre tua tumba
Um buquê de azevinhos verdes e de urze em floração.
Victor Hugo. In: Les Contemplations (3 septembre 1847).
Tradução: Caique Franchetto, 2012.
Música: Für Elise,
Composição: Ludwig van Beethoven (Alemanha, séc. XIX)
1)
2)
3)
4)
A sua tonalidade é em lá menor, aliás tonalidade sombria e triste (melancólica);
Na segunda parte, Beethoven mudando de tonalidade, revela certa alegria e excitação (genialidade que
nasce da melancolia) retomando depois ao caráter melancólico e depressivo da melodia principal;
Por fim, na terceira parte, o compositor parece que entra em inquietação, alvoroço e tumulto (revolta
romântica) retomando finalmente o tema principal da bagatela (peça musical).
Assim como todas as obras musicais revelam o estado anímico do compositor, também esta bagatela não
foge à regra. Revela nostalgia, tristeza, certa alegria, excitação, inquietação, alvoroço e tempestade.
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Romantismo no Brasil: A Literatura, a Nacionalidade, o Social e a Subjetividade
Como construir a identidade literária de um país? Essa foi a pergunta feita pelos
primeiros românticos brasileiros. Inspirados pela Independência, jovens idealista
começaram a buscar símbolos verdadeiramente brasileiros que pudessem ser cantados
em verso e prosa. Um Estado-Nação deveria ter uma Constituição (formulada por D.
João VI e D. Pedro I); uma Língua (Português); e produtos artísticos (a Literatura, por
exemplo).
Contexto Histórico
1808: Chegada da Família Real e a Corte Portuguesa ao Brasil (fugidos da invasão de Napoleão
a Portugal). Início da publicação da Gazeta do Rio de Janeiro (primeiro jornal oficial do Brasil);
1814: Criação da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro;
1821: D.João VI (Imperador do Brasil) retorna a Portugal. D.Pedro I torna-se Imperador do Brasil;
1822: Proclamação da Independência do Brasil, por D.Pedro I;
1824: Proclamação da Primeira Constituição Brasileira;
1833: Início oficial do Romantismo Brasil com o surgimento da Revista Niterói e publicação da obra Suspiros poéticos e saudades, de
Gonçalves de Magalhães, em Paris;
1840: D.Pedro II (com 14 anos) assume o Império do Brasil;
1850: Lei Eusébio de Queirós extingue o tráfico de escravos no Brasil;
1855: Publicação de Noite na taverna, de Álvares de Azevedo;
1880: Fundação da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão e da Ass. Central Abolicionista; Publicação da obra Os escravos, de Castro Alves;
1888: Promulgação da Lei Áurea abolindo a escravidão no Brasil; Proclamação da República Independente do Brasil.
1ª Geração – Nacionalista ou Indianista
- Discurso de Nacionalidade: Busca de uma identidade literária brasileira;
- Natureza (cenário) e Índio (herói) como símbolos desta identidade literária;
- Resgate da Cultura Indígena (mitos, crenças, costumes e língua);
- Ideia do Exílio (saudade da terra – no caso, saudade da terra sagrada brasileira).
Autores da 1ªGeração:
- Gonçalves de Magalhães (Suspiros poéticos e saudades; Revista Niterói);
- José de Alencar (O Guarani; Iracema);
- Gonçalves Dias [1823-1864] (Primeiros...; Segundos...; Últimos cantos);
Canção do Exílio
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossas vidas mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá,
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Gonçalves Dias
O canto do guerreiro
I
Aqui na floresta
Dos ventos batida,
G.Dias
Façanhas de bravos
Não geram escravos,
Que estimulem a vida
Sem guerra e lidar.
- Ouvi-me, Guerreiros.
- Ouvi meu cantar.
II
Valente na guerra
Quem há, como eu sou?
Quem vibra o tacape
Com mais valentia?
Quem golpes daria
Fatais, como eu dou?
- Guerreiros, ouvi-me;
- Quem há, como eu sou?
Gonçalves Dias
2ª Geração – Mal-Do-Século (Male-Du-Siècle) ou Byroniana (Lord Byron – poeta inglês)
Amor e morte, medo e solidão, culto a uma natureza sombria, idealização absoluta da realidade: os
ultrarromânticos levaram a extremos a expressão de sentimentos contraditórios, vividos pela maioria
deles de modo atormentado. A literatura que produziam exprime esse modo de sentir e, algumas vezes,
manifesta um olhar juvenil para os temas da época.
- Expressão do sentimento arrebatado por meio da solidão e da natureza sombria (elementos noturnos);
- Pessimismo: a solução para os problemas da vida (ilusões amorosas e sociedade injusta) é a boemia
e/ou a morte;
- Amor totalmente idealizado; e exacerbação máxima dos sentimentos;
- O “mórbido” (satanismo, sobrenatural);
- A mulher fatal/a virgem pálida: a mulher inalcançável gera o sofrimento do poeta;
- Sonho (delírio) como fuga da realidade e alcance da mulher amada;
- Spleen: tédio – a vida social é desinteressante;
- Locus horrendus: natureza tempestuosa como retrato do estado sentimental do poeta;
Autores
- Casimiro de Abreu; Fagundes Varela; Álvares de Azevedo;
*** Brito Broca em Românticos, pré-Românticos e ultra-Românticos:
- Os autores românticos de 2º geração eram estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco (Atual
USP/Sé);
- Entre o acervo da Biblioteca, encontrava-se exemplares dos românticos franceses e ingleses, sobretudo Lord
Byron (autor ultrarromântico e satânico);
- Entre o hábito destes jovens, a boemia nas tavernas e os passeios pelo cemitério eram atividades casuais.
Álvares de Azevedo (1831-1852)
- Lira dos vintes anos (antologia poética póstuma ultrarromântica);
- Noite na taverna (antologia de contos boêmios sobre satanismo, morte e sobrenatural);
- Macabro (poema teatral);
A lira de Álvares de Azevedo é marcada pelo sentimentalismo e egocentrismo (subjetivismo), que registra o fascínio pela ideia de
morrer e a atração pelas virgens pálidas e frias. Nelas, a possibilidade de concretização do amor fica confinada ao mundo dos sonhos e
da imaginação;
Pálida imagem
Lembrança de Morrer
No delírio da ardente mocidade
Por tua imagem pálida vivi!
A flor de coração do amor dos anjos
Orvalhei-a por ti!
O expirar de teu canto lamentoso
Sobre teus lábios que o palor cobria,
Minhas noites de lágrimas ardentes
E de sonhos enchia!
Foi por ti que eu pensei que a vida
inteira
Não valia uma lágrima – sequer,
Senão num beijo trêmulo de noite...
Num olhar de mulher
(...)
Álvares de Azevedo
Quando em meu peito rebentar-se a
fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nenhuma
lágrima
Em pálpebra demente.
(...)
Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro,
... Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;
Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade... é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.
[...]
Se uma lágrima as pálpebras me
inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.
Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo...
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!
Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam
nela:
Foi poeta - sonhou - e amou na vida.
Sombras do vale, noites da montanha
Que minha alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe canto!
Mas quando preludia ave d’aurora
E quando à meia-noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos...
Deixai a lua pratear-me a lousa!
Álvares de Azevedo
Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta destas flores...
3ª Geração – Condoreira (Condor – símbolo americano da Liberdade), Hugoana (Victor Hugo – poeta francês) ou Social
A humanidade pode tolerar a submissão de todo um povo? Essa é a pergunta que fazem os poetas da
terceira geração romântica. Conscientes da sociedade em que vivem, eles se interessavam mais pelo
conflito entre liberdade e escravidão do que pela idealização amorosa.
- Poesia urbana, engajada na ordem social;
- Denúncia social contra a escravidão, a opressão e as desigualdades sociais;
- Objeto de discurso: o negro/africano e suas condições de vida;
- Objetivo de atingir o maior público possível, deste o cortiço até a corte;
- Ascensão do gênero romance nacional (preocupação com o Regional e com o Urbano);
- Idealização da Abolição como possível liberdade dos escravos;
- Lirismo amoroso mais maduro do que o da 2ª geração.
Autores
- Sousândrade;
- Castro Alves;
- Manuel Antônio de Almeida (Memórias de um sargento de milícias);
Castro Alves (1847-1871)
- Espumas flutuantes (antologia poética lírico-amorosa);
- Os escravos / O navio negreiro (antologia poética que canta sobre a escravidão, liberdade e dignidade
humana, organização social, etc.)
A produção literária de Castro Alves revela um importante deslocamento em relação aos textos dos autores da
1ª e 2ª gerações românticas: o sentimento da natureza é substituído pelo da humanidade; a ordem do coração é
trocada pela do pensamento.
Três amores
I
Minh'alma é como a fronte sonhadora
Do louco bardo, que Ferrara chora...
Sou Tasso!... a primavera de teus risos
De minha vida as solidões enflora...
Longe de ti eu bebo os teus perfumes,
Sigo na terra de teu passo os lumes...
— Tu és Eleonora...
II
Meu coração desmaia pensativo,
Cismando em tua rosa predileta.
Sou teu pálido amante vaporoso,
Sou teu Romeu... teu lânguido poeta!...
Sonho-te às vezes virgem... seminua...
Roubo-te um casto beijo à luz da lua...
— E tu és Julieta...
III
Na volúpia das noites andaluzas
O sangue ardente em minhas veias
rola...
Sou D. Juan!... Donzelas amorosas,
Vós conheceis-me os trenos na viola!
Sobre o leito do amor teu seio brilha...
Eu morro, se desfaço-te a mantilha...
— Tu és Júlia, a Espanhola!...
Castro Alves
O Navio Negreiro
I
'Stamos em pleno mar... Doudo no
espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
'Stamos
em
pleno
mar...
Do
firmamento
Os astros saltam como espumas de
ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...
'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o
oceano?...
'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as
velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...
Donde vem? onde vai? Das naus
errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o
espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.
Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o
firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!
Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto
ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!
Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!
Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta
selvagem,
livre
poesia
Orquestra — é o mar, que ruge pela
proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
(...)
IV
Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em
sangue
a
se
banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a
noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega
o
sangue
das
mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz
doudas
espirais
...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E
chora
e
dança
ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão
puro
sobre
o
mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz
doudas
espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras
voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...
Castro Aves