V – Heterónimos do amigo crítico
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V – Heterónimos do amigo crítico
V – Heterónimos do amigo crítico Pascal Paulus (org.) 2012 Este livro faz parte de uma coleção de cinco livros, produzidos pela equipa de educação do programa K’CIDADE – Fundação Aga Khan Portugal, no âmbito da sua ação no programa de apoio às escolas. Organicamente interligados, cada livro forma uma unidade possibilitando leituras independentes A coleção: Processos de emancipação A numeracia no interstício entre educação infantil e primeira escola Desocultar a diversidade na escola e na formação Intervir na escola com as pessoas da escola Voluntários na alfabetização Heterónimos do amigo crítico V – Heterónimos do amigo crítico (organizado por Pascal Paulus) Histórias para contar ..............................................................................................................4 Um conceito de amigo crítico ................................................................................................6 Da melhoria da escola .........................................................................................................6 Do amigo crítico na escola ..................................................................................................7 Amigo crítico ou avaliador ...........................................................................................9 Da relação com a avaliação ........................................................................................10 Da escola de amigos críticos .............................................................................................12 Um contexto ...............................................................................................................12 Um enquadramento .....................................................................................................14 Uma aprendizagem .....................................................................................................18 Referências bibliográficas .................................................................................................21 Heterónimos do amigo crítico ..............................................................................................22 #1 Mal-amado, bem-amado ..............................................................................................22 Apanhado na rede .......................................................................................................24 Um novo começo ........................................................................................................26 Trabalhar em grupo? ...................................................................................................28 Notas finais .................................................................................................................31 #2 Amigo Multi-mundi. .....................................................................................................32 Projeto encomendado, prenda envenenada? ...............................................................33 As pessoas no projeto .................................................................................................37 Laços de trabalho ........................................................................................................42 Nota final ....................................................................................................................45 #3 A procura de líderes .....................................................................................................46 Aprendendo com coordenadores de estabelecimento .................................................46 A lógica da delegação .................................................................................................51 Um assunto transversal – o GAAF .............................................................................52 #4 O amigo multiplicado ..................................................................................................57 Um líder, um projeto ...................................................................................................57 Amigos críticos mútuos, na escola .............................................................................57 Notas finais .................................................................................................................64 Referências bibliográficas ..........................................................................................64 #5 Amigo das perguntas ...................................................................................................65 O observatório do amigo ............................................................................................65 O observatório do agrupamento ..................................................................................67 O observatório do aluno..............................................................................................69 Nota final ....................................................................................................................72 Historias sem fim .................................................................................................................73 Histórias para contar O lançamento de uma segunda versão de um programa de apoio a escolas públicas portuguesas1 levou a tutela a incluir, para os agrupamentos e as escolas que se candidataram, a obrigatoriedade de formalizar uma parceria com um amigo crítico. Um ano mais tarde, o termo amigo crítico foi renomeado para o termo consultor, muitas vezes pelos próprios intervenientes. Dois anos mais tarde, a identificação do parceiro externo ganhou o nome de perito externo. A equipa de educação do programa K’CIDADE, tutelada pela fundação Aga Khan, foi entretanto convidado, entre 2008 e 2012, por cada vez mais agrupamentos de escolas para celebrar com eles uma parceria como amigo crítico. Atualmente interage com nove agrupamentos e uma escola secundária, dentro e fora do programa inicialmente previsto pelo Ministério de Educação Português. O ensaio que segue esclarece porque a equipa se afirmou como amigo crítico e como entende o alargamento do conceito, tanto para si, como entre as pessoas das escolas que acompanha. Não se trata de um estudo de impacto, nem de uma discussão de resultados. Cabe a outros o fazer. Aqui, pessoas falam das suas aprendizagens, que o programa que abraçaram lhes proporcionou, porque deu uma oportunidade de interagir com escolas. O presente escrito foi inicialmente pensado como uma vontade de testemunho das relações que se estabelecem entre quem está dentro da organização escolar e quem, de forma cúmplice, acompanha processos de formação e transformação que nela decorrem, a partir do olhar do segundo. Foi desenhado por um pequeno grupo de amigos críticos de três instituições diferentes, com o intuito de destacar algumas mudanças ocorridas e que se consideram positivas, e perceber, em retrospetiva, a evolução das relações entre as pessoas envolvidas, bem com a evolução da aprendizagem deste amigo externo a medida que a escola se vai apoiando em amigos críticos internos que surgem da ação. Pensou-se em algumas histórias, na primeira pessoa e que seria possível perceber as diferentes formas de se relacionar com quem processa intervenções transformadoras, de observar também a dinâmica de um grupo de pessoas numa organização escolar, utilizando várias lentes: 1 Programa TEIP II para escolas situados em o que se convencionou como zonas educativas de intervenção prioritária. 4 − O percurso dos amigos críticos dentro da escola. − As motivações dos amigos críticos − A forma de trabalhar em grupo − A forma como se acolhe os amigos críticos na escola − A evolução no seu pensamento ao conhecer a instituição de instalação − A evolução das dificuldades da intervenção a evolução nas próprias dificuldades Pensou-se ainda que quem trabalha com mais do que um agrupamento poderia desenvolver tópicos diferentes a partir de agrupamentos diferentes. E depois... depois tornou-se mais difícil pegar na caneta e escrever. Ficaram, na segunda parte deste livro, cinco histórias de três contextos diferentes. Três surgem diretamente do trabalho da equipa do K’CIDADE. Uma quarta história é de outra equipa de amigos críticos com a qual alguns de nós colaboraram. A última história conta a relação de um amigo crítico unipessoal na sua relação com a escola. Agradecemos a Ana Maria Bettencourt que foi quem provocou, em primeira instância, este escrito. Quando, no meio de um congresso, atendi o telefone, numa pausa, direta como sempre, disse: “Tu não podes escrever umas coisas sobre o amigo crítico? Parece-me existir alguma confusão acerca do conceito”. Foi o que tentamos fazer num curtíssimo primeiro capítulo “Um conceito de amigo crítico”. Para o escrever, tivemos o apoio precioso de Carmen Correia que nos ajudou na sistematização da informação que lhe serviu de base. Devemos ao Vitor Alaiz, a amizade crítica durante o processo de gestação deste texto. No fim do processo brindou-nos com o nome do segundo capítulo “Heterónimos do amigo crítico” que consideramos também o adequado como título. Pascal Paulus, Setembro 2012 5 Um conceito de amigo crítico Da melhoria da escola Os locais da ação de que falamos nas páginas seguintes são sempre escolas de agrupamentos situados em zonas que foram definidas como territórios de intervenção educativa prioritária. Por isso candidatos ao projeto TEIP II promovido pelo Ministério de Educação Português através da então Direção Geral da Inovação Curricular (DGIDC), atual Direção Geral do Ensino (DGE). O enfoque, de quem iremos definir como amigo crítico, é de considerar a melhoria das aprendizagens associada a uma melhoria da escola como local que faculta a aprendizagem. Porém, o conceito “melhoria de escola” é muito difuso e pouco clara, como nos lembra Macbeath, referindo-se a dois projetos que acompanhou (2006: 7): “In many of the countries represented by these two projects ‘school improvement’ has little meaning except in the common sense notion of getting better.” O autor explícita que muitas vezes não existe um foco sobre a escola como um todo. Para muitos a importância dos dados estatísticos é relativa. Para outros, a própria associação de melhoria de aprendizagem à melhoria de escola, como um todo, nem sempre é considerada incondicionalmente de bom. Refere como, em alguns países, os tópicos no questionário acerca do compromisso do professor com a escola, foram retirados, por se considerar ausente de sentido (Macbeath, 2006: 7). Um outro conceito sensível é aquele que é entendido por melhoria das aprendizagens e consequente melhoria da escola. “Universities and employers share some concerns about the narrowness of many students who may be subject smart but not at all smart when it comes to independent thought, initiative, critical analysis, creativity and teamwork and social relationships - those things that ultimately matter once much of the subject content has been left behind and what has been taught is too shallow roots to be learned.” (Macbeath, 2010: 42), Constatamos nós também que a preocupação de muitos professores, nas escolas básicas que acompanhamos, reside na eficaz transmissão de saberes factuais2. Quando questionados sobre a eficácia do seu método de ensino 2 Este texto foi escrito antes da publicação das metas para o ensino básico, pelo governo 6 pela hierarquia e pela inspeção, assentam as suas ações numa forma escolar lasalliana, prescrita e normativa, baseando-se em propostas didáticas que partem da relação do professor com o saber e recorrendo a organização da transmissão do conhecimento, nos vários formatos apresentados, por produtores de conhecimento escolarizado. Os modelos organizacionais que fomos encontrando nas escolas mantêm, com rara exceções, uma lógica hierarquizada e fracionada do saber. Frequentemente niveladora e normativa, a avaliação dos alunos e dos professores consiste em comparar os seus resultados com um padrão previamente estabelecido. Só muito raramente encontram-se situações em que a intervenção de professores ou líderes escolares provocam atitudes reflexivas entre alunos ou docentes. Do amigo crítico na escola O trabalho que se apresenta pretende devolver a aprendizagem de quem é externo ao agrupamento ou à escola e atua com os outros atores do cenário escolar. Para definir esta figura, recorremos ao termo amigo crítico, conceito que nos pareceu de escolha feliz para explicitar o papel desempenhado, não necessariamente em simultaneamente, em nove agrupamentos. Estes estão todos inseridos em territórios considerados de intervenção educativa prioritária e, na sua grande maioria, no programa TEIP II. Distinguimos o conceito dos termos consultor e perito externo, muitas vezes utilizados como se se tratasse de sinónimos. A definição de consultor, no dicionário Priberam da língua portuguesa é “a pessoa qualificada que, junto de uma empresa, dá pareceres e trata de assuntos técnicos da sua especialidade”. Esta pessoa disponibiliza o seu conhecimento numa lógica de prestação de serviços da qual o tomador da prestação é recetor. O perito, por outro lado, apresenta-se, num dos seus significados, e segundo o mesmo dicionário, como o conhecedor, ou quem tem experiência, mas também “o que é nomeado pelo juízo para proceder a um exame médico, avaliação, vistoria, etc.” ou ainda o “avaliador”. O amigo, por último, é quem está ligado por uma afeição recíproca, e é crítico quem critica, analisa. A polissemia do termo “perito” provoca múltiplas interpretações, enquanto o caráter técnico dado ao termo “consultor” remete para um papel passivo e secundário quem procura a consulta. O amigo crítico, envolvido, de relação recíproca, observador, para analisar, Passos Coelho. Estas metas vão ao encontro ao que estes professores preconizam. 7 aparece como mediador de aprendizagens, e na sua reciprocidade como aprendente mediado pelos outros interlocutores. Trata-se de uma relação dialética e dialogante. Esta relação permite repensar papéis e funções entre quem avalia, seja ele adulto ou criança, interno ou externo à organização escolar. Seria portanto extremamente redutor definir o amigo crítico como uma espécie de consultor envolvido. Procuramos desenvolver, junto com a comunidade escolar, uma atuação holística, recorrendo às capacidades e aos saberes de todos os atores da comunidade escolar, adultos e crianças3. Trata-se de uma figura qualificada pela prática e na teoria, que se construiu empiricamente, por um saber que consegue conciliar com quadros de referência teóricos que vai aperfeiçoando através da sua própria reflexão provocada pelos outros participantes na relação. Criança tutora, professor de turma, líder escolar, ator externo, está disponível para ouvir o que outro tem para dizer, de ajudar a refletir com base em diferentes experiências e, no caso dos adultos, em textos de autores de referência, bem como de apoiar o outro a esboçar algumas mudanças na sua prática. Em suma, um amigo crítico recorre a uma vasta experiência da práxis na qual ele se apresenta como interlocutor do outro promovendo simultaneamente uma reflexão e uma teorização da mesma práxis. Numa abordagem mais ampla, o amigo crítico foi definido por Van der Velden et al (2009) como alguém que: 1) Tem com missão fazer com que os projetos tenham êxito4. 2) Procura uma aproximação informal, de um amigo, com olhar crítico. 3) Facilita amigavelmente, uma análise honesta e crítica, bem como reflexões profissionais entre elementos da equipa de projeto. 4) Mantém a confidencialidade, a franqueza, a sensibilidade e independência. 5) Providencia aconselhamento e sugestões tanto ‘políticos’ como práticos. Os autores continuam, afirmando que amigos críticos: 1) Não avaliam, não supervisionam nem atuam como consultores. 2) Não decidem pela equipa de projeto. 3) Não reportam formalmente para os outros interessados no projeto / programa 3 4 Utilizamos aqui o critério das Nações Unidas, considerando criança quem tem menos de 18 anos, salvo legislação nacional em contrário. Tradução dos autores 8 Percebe-se que introduzir o conceito de amigo crítico no meio escolar obriga a uma revisão das relações hierárquicas e com todas as dimensões do saber. Para o que nos concerne, procurámos distinguir de forma clara a figura de amigo crítico da figura do avaliador, através de um processo isomórfico. Procuramos situar-nos como amigo crítico com a liderança da escola, desenvolver processos com as pessoas e colocar dispositivos que permitam o aparecimento em cena do amigo crítico em grupos de trabalho de professores e na sala de aula, num claro alargamento do conceito, baseando-nos sobre as propostas de dois investigadores neste campo: John Macbeath na esfera anglo-saxónica e Anne Jorro na esfera francófona. Amigo crítico ou avaliador A distinção entre o trabalho de amigo crítico e o de avaliador surgiu-nos como uma barreira muitas vezes difícil de transpor. Encontramos no trabalho da Anne Jorro elementos que ajudam a perceber a função crucial da avaliação no contexto do conceito de amigo crítico. Numa ampliação do conceito, Jorro (2009) considera amigo crítico, aquele que ajuda e medeia, a partir da sua experiência e do seu saber empírico. Nesta asserção, o próprio professor de turma torna-se amigo crítico das crianças quando ajuda a construir sentido, quando reveste de interesse uma determinada situação, procurando com as crianças a diferenciação dos pontos de partida. É amigo crítico em relação aos pais, quando explicita o que a criança sabe fazer. E é amigo crítico quando se relaciona também como aprendente com cada uma das outras pessoas com as quais desenvolve processos de trabalho. Aqui a avaliação não corresponde, portanto, a uma aferição dum sistema, a fiscalização de uma ação, nem aparece o fiscalizador ou inspetor. Aqui é no plano das relações com os atores, no processo reflexivo sobre a sua ação e a ação dos outros que se delineiam as estratégias de avaliação. Anne Jorro defende que no trabalho de acompanhamento, “je me situerai délibérément du côté de l’acteur en défendant l’idée de formations du type expérientiel, où l’évaluation est travaillée à partir de contextes précis.” (Jorro, 2006: 2) A atuação do amigo crítico que incentiva a reflexão acaba por colocá-lo nos dispositivos de formação, não como transmissor de saberes, mas como envolvido crítico, apoiando a reformulação das questões, com adultos e crianças, numa atividade pedagógica, que Meirieu (1996) intitula de “bricolage”. Jorro afirma que: “Le colloque de l’Association pour le Développement des Méthodolo9 gies d’Évaluation en Éducation (ADMEE) – Europe a permis de prendre conscience de la nécessité de partir des dimensions empiriques, d’emboîter le pas des acteurs pris dans les multiples contraintes du terrain, tout en précisant les compétences évaluatives susceptibles d’être mises en œuvre.” (Jorro, 2006: 3) O trabalho como amigo crítico na sala de aula obriga aos mesmos cuidados, evitando a normalização e homogeneização, que Jorro refere como “fúria pedagógica”. Diz: “Effectivement, si on tombe dans la dérive de l’acharnement pédagogique, l’effet est absolument désastreux: on produit des gens qui détestent la classe, se refusent à produire quoi que ce soit” (Jorro, 2009: 8) Consideramos então, que quem se prepara como possível amigo crítico deverá esclarecer para si próprio a relação que se constrói com a avaliação. Da relação com a avaliação Jorro (2006: 8) afirma que a avaliação nunca é uma diligência “lisa”: existem muitos obstáculos e muitos perigos quanto à utilização de um dispositivo de avaliação. Lembra que existem três grandes grupos de práticos, quando os categoriza na sua relação com a avaliação (Jorro, 2006: 2). Um primeiro, de improvisadores, resultante de uma solidão na prática, associada ao mau domínio de instrumentos e técnicas. Inventa-se, recorrendo a instrumentos académicos ou de investigação, pouco adequados para a situação. Um segundo, que identifica como de industriais da avaliação. Em relação a estas dois primeiros grupos, lembra que recorrem a métodos elaborados, propícios a uma verdadeira engenheira avaliativa. Constata que, dentro do contexto socioeconómico atual, a relação com este tipo de avaliação folgou. Identifica um terceiro grupo como de relação clandestina com a avaliação. São atores que não se inscrevem nem na primeira, nem na segunda relação com a avaliação e que se esquivam, como se a avaliação fosse um obstáculo a ação. Continua: “Ces trois grandes catégories, esquissées rapidement, n’enlèvent rien à une dernière catégorie de praticiens qui pensent et mettent en œuvre l’évaluation de façon continue. Mais cette dernière approche reste rare: elle concerne plus volontiers des évaluateurs qui ont acquis une certaine expérience.” (Jorro, 2006: 2) É esta experiência que apresenta como sendo um conjunto de competências que o avaliador vai adquirindo na prática, muitas vezes de forma empírica, 10 em combinação com os gestos avaliativos a eles associados que permitam, segundo a mesma autora, evoluir para se constituir amigo crítico. Antes de entrarmos na escola de amigos críticos, revemos aqui as cinco competências e os cinco gestos avaliativos que Jorro apresenta. Competências avaliativas Uma situação avaliativa permite descrever um ato de trabalho, de aprendizagem e de perceber como ele se desenvolveu. Retomámos o referencial de competências que Jorro (2006: 4-5) propõe, a partir da formação inicial de professores e que foi, mais tarde, utilizado por formadores do sector social e de alfabetizadores por exemplo, como “instrumentário”. Como afirma a autora, estas competências servem, por si só, de referência operatória para o ato avaliativo. As competências são elas teóricas, metodológicas, de engenharia pedagógica, semióticas e éticas. Teóricas, porque um avaliador se obriga a conhecer os modelos teóricos de avaliação, ainda que o conhecimento teórico não um fim em si. Metodológicas porque a diversidade das práticas avaliativas acompanha a exigência de validação e fiabilidade de dados obtidos. De engenharia pedagógica, quando o prático evite confusão entre finalidades do projeto e o que será objeto de avaliação. Semióticas, revelando capacidade de escuta e de observação, incluindo a observação compreensiva de situações. Éticas também, acolhendo o erro, fazendo, dele, uma questão coletiva, acompanhando iniciativas e inovações, aceitando questionar novamente o próprio dispositivo de avaliação. Gestos avaliativos Jorro (2006) considera o gesto avaliativo como essencial para quem trabalha com o outro numa situação de avaliador, porque revela uma atitude simbólica da preocupação de transmitir ao avaliado os valores da ação. Identifica cinco gestos avaliativos no âmbito dum estudo exploratório sobre quadros do sistema educativo na sua função educativa: o gesto de definição do objeto, de referenciação, de interpretação, de conselho e de comunicação. O gesto de definição do objeto consiste em tornar público o objeto de avaliação e revela da competência de problematização. O gesto de referenciação é um gesto de partilha de valores e normas, obrigando a negociação e deliberação. O gesto de interpretação desenvolve-se em condições intersubjetivas com cuidados de linguagem. O gesto de conselho pressupõe a procura de um equilíbrio entre o que é possível realizar e o que se pode promover, evitando, pela própria posição do avaliador situações de exaustão. O gesto de comunicação por fim, tende a valorizar cada um dos atores 11 nos seus projetos e nos seus atos. A autora considera cada um, destes gestos avaliativos, uma baliza para o avaliador. Relaciona-os com o trabalho de investigação feito ao longo da década de 90 em torno da avaliação, do trabalho de consultores, peritos e avaliadores. Associa-as como elementos identificadores suscetíveis de alimentar a práxis dos atores de práticas de coavaliação, relacionando desta forma a figura de avaliador com a figura de amigo crítico conceptualizado nos trabalhos de Macbeath. Atualmente e em algumas situações é-nos possível vislumbrar, entre professores e líderes, que se tornaram reflexivos por intermédio do trabalho desenvolvido por formadores que se posicionaram eles próprios como amigos críticos, facilitadores de um processo de coavaliação e explicitação da troca de experiências exibindo estes mesmos gestos avaliativos. Quando isto acontece, mais do que promover a presença do amigo crítico na escola, parece-nos que existem indícios de caminharmos para a escola de amigos críticos. Da escola de amigos críticos Um contexto Macbeath (2006) explica que a escola eficaz é aquela que foca as aprendizagens de todos. Estas aprendizagens de todos obrigam a uma escuta atenta de todos, adultos e crianças, pelo que os dispositivos de escuta e análise obrigam a uma escolha cuidada de instrumentos para o efeito. A intervenção refletida do líder de escola influencia esta escolha, o que por sua vez influencia o trabalho entre professores e o trabalho entre os professores e os alunos. Relata o projeto Carpe Vitam que teve como objetivo partilhar o pensamento e a construção de redes de aprendizagem além-fronteiras. Para o efeito, foram identificados e treinados amigos críticos, para um trabalho dentro e fora das fronteiras: “As in the Carpe Vitam Project, sharing thinking and building learning networks across national boundaries and language barriers was a key element and, like that project, critical friends were appointed to work across country boundaries - Portugal with Hungary, Switzerland and Poland, Greece, with the Czech Republic and Slovakia. A surprising aspect of the latter critical friend relationship was for the Greek critical friend, George Bagakis, to discover the close and particular cultural af- 12 finity with those two countries. Workshops for critical friends and translators were held in Budapest, Brno and Athens, not unlike the fours acts of Carpe Vitam, experiencing an intensive storming phase in which people struggled to establish a common frame of reference and come to terms with concepts which made little sense in their own countries and within their own school conventions. Two years on at the final Budapest conference, which brought representatives from the participating schools together, there was a sense of euphoria at how far these schools had moved in their thinking and practice within a relatively short time frame. Teachers, principals and school students reported on their evaluation of their schools, on the follow-up in-depth inquiry, and six groups of students working across national boundaries presented their photo evaluations of the conference itself.” (Macbeath, 2006: 7) O autor (2006: 28) explícita que as discussões acerca da escola como lugar de aprendizagem, levaram pela primeira vez os professores, mas também os alunos e os seus pais e mães a ver “ensinar” de uma nova maneira e a perceber o propósito mais vasto que pode ter o local escola. Não existem dúvidas que um amigo crítico, munido do referencial avaliativo como acima descrito, ajuda uma equipa de projeto a mover de forma bem explícita em direção a uma prática reflexiva. Reflexões, produzidas por professores com quem trabalhámos, evidenciam que estes encontraram instrumentos e atitudes que lhes serão úteis para o desenvolvimento da sua prática, incluindo gestos avaliativos que os colocam como amigo crítico para com colegas ou alunos. Macbeath reforça que a coavaliação, base para este trabalho de amigo crítico, quando realizado além-fronteiras, agita as fundações do nosso mundo de ideias: “Visiting a school in another country shakes the foundations of our ‘thought world’ (Douglas, 1987) - ‘a set of basic assumptions that are taken as axiomatic; that is, it is assumed that they exist, that are shared by the majority in the field and their presence is evoked whenever a practice is challenged’ (quoted in Czarniawska, 1997, p.68)” (2006: 26) O projeto Carpe Vitam, mas também o projeto associado, centrado sobre os amigos críticos, “Bridges across Boundaries” (Macbeath, 2006) serviramnos de base para o enquadramento das linhas de ação que nos propomos desenvolver, quando aceitámos interagir com a comunidade educativa para 13 o melhoramento da escola. O trabalho de Anne Jorro permite-nos sustentar que é possível evoluir de uma escola hierárquica com amigo crítico para uma escola co avaliadora, de amigos críticos. A mudança de prática permitindo diminuir os números do insucesso escolar e melhorar a participação dos aprendentes tornar-se-á mais sustentável assim? Um enquadramento A investigação-ação Carpe Vitam conduzida em vários países da Europa e associada a “Bridges across Boundaries”, estabelece parcerias mútuas entre escolas, e faz afirmar Macbeath (2006: 17) que dispõe de dados empíricos que apontam que o melhoramento das escolas passa por seis aspetos: (1) O foco está sobre a aprendizagem; (2) A aprendizagem passa por cima das fronteiras de papel ou estatuto; (3) A liderança é uma atividade que se desenvolve de forma orgânica a partir dum foco de aprendizagem; (4) A liderança é sincronizada com vozes e larguras de banda diferentes; (5) A liderança cria o tempo e o espaço para o que interessa; (6) A liderança tem um alcance alargado – local, nacional e internacionalmente. Para o nosso propósito, discutimos alguns destes pontos. Utilizamos os mesmos títulos do artigo de Macbeath para facilitar a leitura. 1. O foco está sobre a aprendizagem Macbeath (2006: 8) realça que os projetos partem de três pressupostos: (a) as escolas, como comunidades que são, conseguem aprender; (b) uma boa escola, ou uma escola “eficaz” é maior do que a soma das suas partes; (c) o pensamento e a prática saem reforçados se os professores aprendem uns com os outros e com os seus estudantes. Nas escolas onde intervimos, encontramos indicadores que vão no mesmo sentido: a partilha de prática entre professores, a análise, em conjunto, das reflexões sobre os diários de bordo profissionais é apontada como elementos que ajudam no desenvolvimento de uma prática em que o próprio professor se torne amigo crítico dos seus alunos. Apesar de formas de organização muito diferentes de país em país, Macbeath (2006: 12) refere que o que é comum em qualquer escola, em toda a parte, é a dificuldade de encontrar tempo para aprender ou para refletir sobre a aprendizagem. As afirmações de professores de várias escolas acompanhadas vão no mesmo sentido. Vê-se confirmado a afirmação de Illich que a organização escolar investe a maior parte do tempo dos seus profissionais nas atividades da própria organização, fiscalização e classificação. Nas escolas de amigos críticos mútuos, a tomada de consciência da importância 14 das trocas e das reflexões sobre a aprendizagem resultaram em mais do que uma situação, na organização de mais um grupo de trabalho entre professores, numa mobilização voluntária de tempo e de espaço, indicador que o foco sobre a aprendizagem é motor de mobilização de pessoas, potenciais amigos críticos de outros na mesma ou em outra escola. Observamos também a voluntária deslocação para momentos de discussão nem sequer inscritas nos procedimentos normalizados da formação contínua, em escolas de todo tipo. O projeto Carpe Vitam evidenciou quando se foca a aprendizagem ela se torne visível e explícita. O trabalho do amigo crítico David Perkins é aqui referido quanto a sua habilidade para desocultar o trabalho em sala de aula, através de discussões, e a capacidade de ilustrar aspetos teóricos com exemplos práticos apresentados. Da mesma forma encontramos no nosso trabalho como amigos críticos, formadores em contexto, a intervenção que leva à reflexão sobre a prática, tanto em grupos de pivôs, entre facilitadores de vária ordem, como em oficinas de formação. 2. A aprendizagem passa por cima das fronteiras de papel ou estatuto Melhor do que mostrar práticas de outros sítios, os amigos críticos têm procurado relacionar professores de várias escolas e de vários agrupamentos para trocarem entre eles as suas aprendizagens. Organizaram-se alguns seminários entre professores de agrupamentos diferentes em 2007-2008, fomentou-se o encontro entre professores que escrevem diários de bordo, procurou-se promover encontros entre diretores e líderes intermédias para que possam contactar com a realidade do outro. A introdução de elementos da própria prática do amigo crítico para promover o intercâmbio fez todo sentido. Como afirma Jorro: “Ainsi, dans un rapport de proximité-distance, l’ami critique apporterait une collaboration constructive. À coup sûr, les professionnels de l’éducation et de la formation considéreraient cette figure comme féconde” (2006: 7) A prática de apresentação do trabalho realizado entre pares foi também opção da direção de um dos agrupamentos com os quais trabalhamos, no que se pode considerar o que Hardgreaves e Gladwell (apud Macbeath, 2006: 20) definiram como um modelo epidemiológico: “novas práticas “colam”, quando existe uma cultura nutritiva, suportada por uma liderança presciente”. Registaram-se o mesmo tipo de afirmações entre coordenadores que apresentaram a evolução que sentiram nas suas escolas num dos seminários 15 já referidos. Macbeath analisou fenómenos parecidos, além-fronteiras. Afirma: “There were beginnings of a common language and some notable examples of sharing of practice. Teachers and head teachers began to share leadership dilemmas acting as critical friends across national boundaries. Incipient networks began to take shape and cross country exchanges and visits were negotiated” (2006: 2) 3. A liderança desenvolve-se de forma orgânica a partir dum foco de aprendizagem As lideranças de escolas com as quais interagimos mostram sinais que começam a procurar criar contextos através dos quais os educadores e professores tenham condições mais favoráveis para o exercício da profissão. O figurino de jornadas pedagógicas internas e o incentivo à reflexão, entre crianças e adultos, acerca do projeto educativo são duas formas de agir que encontramos mais frequentemente atualmente. Nalguns casos, procurou-se facilitar esta reflexão, disponibilizando espaços e algum tempo, inclusivamente através de uma reorganização da gestão de créditos de horas. Em alguns casos, facilitou-se e encorajou-se a formação em contexto, centrada sobre a sala de aula, recorrendo a formadores, eles próprios com a experiência suficiente para serem amigos críticos. Quando sugerimos este tipo de propostas, fazemo-lo no sentido da resposta dada por Anne Jorro à pergunta de como um diretor pode ser amigo crítico do seu corpo docente: “En cherchant à les valoriser dans l’exercice de leur métier et à les aider à l’accomplir dans les conditions les plus favorables.” (2009: 9) A atuação dos amigos críticos, quando se prolongar no tempo, reforça, junto aos diretores executantes do projeto educativo do seu agrupamento a ideia que: “Taking the lead, creative discontent and challenging inert ideas all require initiative and action. So leadership arises spontaneously and organically out of close encounters with learning.When this happens schools become, in David Green’s (2002) words ‘leader full’ communities.” (Macbeath, 2006: 22) No mesmo texto, Macbeath lembra: “Evidence from student focus groups in this Brisbane school illustrated a range of ways in which students were exercising leadership, from initi16 atives in classroom learning to being band leaders and setting up studygroups. The role of students as consumers was depicted as moving to one in which they were seen as resources for learning for their teachers.” (2006: 23) Faz lembrar testemunhos de professores, optando por se tornar mediadores da aprendizagem dos seus alunos, quando descrevem como as crianças passaram a ganhar capacidade de estudo e argumentação, ao regular e apresentar a sua produção nos tempos de trabalho de estudo autónomo e de trabalho em projeto. Outros testemunhos revelam como as crianças, que foram convidadas a se manifestar através de rotinas organizacionais, denominado de assembleia ou conselho de turma, e desenvolvidas desde o início do século passado no contexto de uma forma escolar menos prescrita, revelaram o seu potencial. Numa situação, devido ao sucesso claro, optou-se por integrar a voz das crianças na gestão da escola através do observatório de avaliação. Existe mais uma vez um certo efeito epidemiológico decorrente do questionamento e do apelo à reflexão por parte dos formadores envolvidos, eles próprios se colocando na posição de amigo crítico. 4. A liderança é sincronizada com vozes e larguras de banda diferentes Quando falamos de liderança, estamos a falar tanto da gestão da escola como da gestão da sala de aula e do estilo de liderança do professor ou da professora. Da mesma forma como reconhece a importância do amigo crítico para a sua reflexão acerca da prática, ele (ela) também procura que a sua forma de atuar “est sous-tendue par les valeurs d’éducabilité: tôt ou tard, l’élève ‘accrochera’, pour autant qu’il ne se heurte pas à un langage blessant.” (Jorro, 2009 : 8) O reconhecimento do trabalho das crianças, a sua valorização e a apresentação feita aos pais e a restante comunidade, algo que é expresso nalguns diários de bordo de professores e que aparece em escolas que evoluem de uma relação “folclórica” com a diferença para uma relação de interação, fazem emergir o amigo crítico da criança em relação aos pais. Ou, como afirma Jorro (2009:9) : “Cette posture d’ami critique vaut également pour l’enseignant vis-à-vis des parents, ou encore pour le chef d’établissement vis-à-vis des membres de l’équipe éducative. Il est ami critique quand il explicite ce que sait faire l’enfant, qu’il communique avec précision sur ses apprentissages. Il évite les étiquettes comportementales, la "psychologisation" du caractère de l’enfant.” 17 5. A liderança cria o tempo e o espaço para o que interessa A importância de cruzar informações, de ver outras experiências, de recorrer a outros, fazer visitar diretores e professores os agrupamentos, uns dos outros, foi importante. Como amigos críticos, escolhemos levar algumas pessoas fora das suas fronteiras para perceber outros contextos, algo que, como referimos, nos parece muito importante. Urge fazê-lo ao nível internacional de forma mais alargada. As organizações, também as organizações escolares, são determinadas pelas ações e os projetos dos atores que nelas atuam. Macbeath corrobora Argyris: “‘Organizations are generally less intelligent than their individual members’, claims Argyris (1993) because they do not have, or have not found, ways to bring to fruition the hidden capital of their staff and students.” (2006: 23) O que existe nas turmas de exceção serve de base para provocar a extinção da exceção e sugerir a possibilidade de governo em cooperação, permitindo criar um presente inteligível contando com a inteligência de todos. Os blogues criados por alunos e professores, nas turmas com Programa Integrado de Educação e Formação PIEF, ou de Cursos de Educação e Formação (CEF) e de currículo adaptado – como se fosse possível não o adaptar ao contexto de trabalho –, bem como o trabalho de escrita publicado em ateliês de português língua não materna, mostraram a importância da criação de espaços e tempos que permitem a circulação da informação. Em todos estes espaços, professores e educadores esforçaram-se para atuar como amigo crítico. Uma aprendizagem A escola de amigos críticos é uma aspiração. O trabalho com os agrupamentos que acompanhamos tem-nos ensinado que intervimos em ambientes escolares muito diferentes entre si. Esboçámos em 2008, a partir dos diários de bordo dos professores com os quais trabalhávamos na altura, e com ele, uma matriz que se revelou consistente com o que fomos aprendendo em contextos diferentes, com sabores diferentes, vestindo peles diferentes. Recentemente, numa reunião de líderes e coordenadores do programa TEIP, tornou-se mais claro que, no universo onde temos trabalhado, existe uma forte correlação entre uma escola de amigos críticos e o maior êxito em relação às exigências da tutela referente à disciplina, ao desaparecimento do abandono escolar e aos resultados académicos. Não sendo isso o foco da nossa argumentação no presente texto, não deixa de ser um ponto de atenção, ainda que constatamos melhorias de resultados em todas as escolas com 18 as quais temos interagido como amigo crítico. Como já referimos, perceber os contextos das escolas, foi importante para todos: para os líderes escolares, para os professores e os técnicos que nelas trabalham e para os amigos críticos que com elas interagem. Junto com os técnicos das escolas explicitamos quatro elementos que nos parecem importantes para uma melhoria sustentável na escola, mesmo se cada um deles contém em si uma armadilha: 1) A adaptação curricular e o componente local do currículo melhoram os resultados académicos. Sugere-se incentivar a discussão pedagógica e a produção contextualizada em cada sala de aula, apoiando-se eventualmente em tutorias. O momentâneo sucesso estatístico que se obtém com a separação não equitativa, através de adaptações curriculares em turmas específicas, constitui uma armadilha e não garante a manutenção de melhores resultados. 2) A participação na regulação, por parte de todos os atores da escola, reduz a indisciplina. Sugere-se estimular conselhos de cooperação e assembleias de crianças a vários níveis da escola. Percebeu-se que as assembleias que regulam tudo menos a aprendizagem se esgotar rapidamente. 3) A interpretação do conceito de diversidade implica processos diferenciados em sala de aula na relação pedagógica. Sugere-se incentivar processos de aprendizagem para adultos em como lidar com a diversidade, isomórficos com os processos pretendidos com as crianças. Existe alguma tentação em ficar só pela organização de festas de fim de ano que contemplam culturas diferentes. 4) O processo de aprendizagem co-construido a partir das histórias contadas facilita dar sentido ao trabalho escolar. Sugere-se incentivar processos de formação e aprendizagem colaborativos com professores, focando a regulação das aprendizagens. Aqui, a armadilha está no perigo de existirem tutorias e coadjuvações desconectadas do trabalho com o professor titular da turma ou da disciplina. Como constatamos sempre que estamos com elas, as escolas vivem das relações entre as pessoas. A perceção que se constrói de determinado contexto facilita a escolha de abordagem como amigo crítico para que exista uma evolução positiva no trabalho de aprendizagem. Assim sendo, não nos parecer existir uma forma única de interagir. Além de mais, a mudança de uma pessoa pode significar uma alteração importante num determinado contexto. Consideramos somente que existem escolas que lidam mais facilmente com 19 a diversidade e a diferença do que outras, mas que todas têm possibilidades de se tornarem estruturas aprendentes, com menor ou maior facilidade. Na escola da memória curta e do eterno recomeço pouco é escrito e a mobilidade é grande. Novas dificuldades são interpretadas como mais obstáculos. Aqui, é mais fácil encontrar uma comunidade que se define mono-cultural. Os ambientes ricos de aprendizagem ficam frequentemente circunscritos a algumas turmas, pela ação dos seus professores. Entre os líderes, o olhar administrativo prevalece sobre o olhar pedagógico na gestão. Os amigos críticos internos isolam-se e limitam em muitos casos a sua ação à sala de aula. Pontualmente interagem com outros amigos críticos de outros contextos. Na escola de ganho relativo, observamos a diferenciação em sala de aula derivando normalmente de um relacionamento mais firme com a comunidade, eventualmente com alguma intervenção comunitária. O olhar pedagógico espreita em segundo plano, a partir de um líder sombra ou de um líder deixado na sombra. Constroem-se núcleos, as vezes efémeros, de amigos críticos internos. O trabalho em projeto com alunos facilita a pontual interação com outros núcleos da mesma ou de outras escolas. A escola que hesita entre a diferenciação na turma ou a diferenciação entre turmas, considera a diversidade existente. Em função das diferenças, há quem defende a organização de turmas diferenciadas entre si, mas há também quem defende a diferenciação intra muros envolvendo as crianças ativamente na regulação do trabalho. Aqui, a clarificação das atitudes a tomar, depende mais facilmente da liderança da escola. Com preocupações pedagógicas claras, mas que nem sempre se traduzem num plano de ação eficaz, a escola está, regra geral, aberta à reflexão crítica. Na escola de amigos críticos mútuos, as dificuldades apresentam-se normalmente como um desafio para todos. Os atores da comunidade escolar têm uma participação significativa, que se alarga a participação na regulação de aspetos da escola e de aspetos da aprendizagem às crianças. Entre pares, os projetos são definidos, executados e descritos. O olhar pedagógico prevalece sobre o olhar administrativo. Tende como referência, os heterónimos do amigo crítico se situam, aprendem e refletem. As cinco histórias que seguem exprimem as suas aprendizagens e os seus questionamentos. 20 Referências bibliográficas Jorro, Anne (2006) “Devenir ami critique. Avec quelles compétences et quels gestes professionnels?” In MESURE ET ÉVALUATION EN ÉDUCATION, VOL.29, N° 1, pp 31-44. Jorro, Anne (2009) “Devenir ami critique” in Entrées Libres, nº 38, pp 8 – 9. Macbeath, John (2006), Stories of improvement: exploring and embracing diversity in http://www.leadership.fau.edu/ICSEI2006/Papers/macbeath.pdf consultado em 27 de Julho de 2010. Macbeath, John (2010), Other Learning Experiences: a reason for being in http://cd1.edb.hkedcity.net/cd/lwl/ole/post_symposium_2010/booklet/boo klet_p37_75.pdf consultado em 27 de Julho de 2010. Meirieu, Philippe (1996). Frankenstein, pédagogue. Paris : ESF. Myers, J. K. (eds.). No quick fixes: perspectives on schools in difficulty. Londen: Falmer Press Paulus, P. (2010). Relatório parcial do projeto – Julho 2010. Setúbal: ESE projeto “Melhorar as aprendizagens, educar para a cidadania”. Vandervelden, Gwen et al (2009), Critical Friends Effective Practice Guidelines, http://critical-friends.org/ consultado em 27 de Julho de 2010. 21 Heterónimos do amigo crítico O contexto de trabalho aqui referido abrange nove agrupamentos, todos com jardim-de-infância, mais do que uma escola de 1º ciclo e cada um com uma escola sede de 2º e 3º ciclo. Com esses agrupamentos desenvolvemos uma relação de trabalho possibilitado pela circunstância de todos eles se situarem em território educativo de intervenção prioritária. Fomos amigo crítico junto à direção do agrupamento, aos responsáveis para a gestão pedagógica da escola (diretores de conselhos de turma, coordenadores de estabelecimentos, coordenadores de departamento) e, em diversas situações, estivemos diretamente envolvidos no dispositivo de formação interna destes mesmos agrupamentos. Cada um dos agrupamentos agrega pessoas que fazem a sua interpretação do amigo crítico e do seu papel, e fomos recebidos em consonância. Não há duas escolas iguais porque não há duas equipas de gestores de escola iguais, nem professores iguais nem contextos de aprendizagem iguais. Em cada agrupamento fomos recebidos de maneira específica e em cada local foi nos possível aprofundar aspetos diferentes da relação pedagógica. Escolhemos cinco histórias a partir do nosso vivido. Cinco histórias de encontros de pessoas, na vida da escola, procurando melhorar processos de aprendizagem dos outros e dos seus. Porém, aqui apresentamos o que aprendemos desempenhando o papel de amigo crítico. Poder-se-á reconhecer, numa ou outra situação, um contexto específico de um agrupamento, mas o foco permanece sobre quem está criticamente ao lado e com os outros, no seu local de trabalho. Pensamos que nos ficou mais claro como pode surgir o amigo crítico nos diferentes espaços-tempo da escola: em salas de aula, na discussão e reflexão entre professores e na relação com a liderança da escola. Apercebemonos a capacidade mobilizadora subjacente a dispositivos de intervenção baseados na figura do amigo crítico, a partir das duas outras realidades. Mal-amado ou bem-amado, amigo multi-mundi, amigo à procura de líderes que partilham entre eles, amigo multiplicado, amigo das perguntas, cada um conta a sua história. #1 Mal-amado, bem-amado Um agrupamento relativamente pequeno solicitou-nos a parceria como amigo crítico. Como todas as escolas, tem uma população diversa. Como em todas as escolas, há quem percebe que todos aprendem de maneira diferente, como em todas as escolas há quem considera este facto sem interesse: desde 22 que as aulas são corretamente dadas, a escola cumpriu a sua missão. Nesta escola, a diversidade é talvez menos visível. A escola é inserida numa zona urbana onde não se lê pelas aparências físicas que por trás de cada rosto está uma pessoa que pensa diferente, que tem uma história de vida diferente, que tem contributos para dar que diferem dos contributos do vizinho. Aqui, três anos depois de se ter inserido no programa TEIP, primeiro a dois, depois a 4 e atualmente outra vez a dois, recebemos um resumo de uma reunião do grupo de monitorização do projeto educativo no qual se escreve que serviu para discutir as questões “levantadas pelo nosso amigo crítico”. Entre diferentes assuntos há um que nos chama a atenção. O grupo considera que é preciso criar um sentimento de pertença do projeto entre os adultos que trabalham neste agrupamento, para que os alunos também se sintam envolvidos no trabalho proposto nas escolas. Sugere-se que o sentimento de pertença deverá passar pela realização de reuniões em pequenos grupos de trabalho, permitindo reavivar algumas atividades que estavam desde há muito no papel. A apropriação das atividades por um grupo mais alargado pessoas parece, talvez, finalmente possível. Mesmo se as propostas continuam a mostrar algumas vulnerabilidades, avançou-se e muito. A colaboração entre diferentes ciclos de ensino, porém, que, com o surgimento dos agrupamentos, pelo menos no papel devia ter-se alastrado, continua teimosamente difícil. Na maioria das situações reduz-se a uma visita mais ou menos organizada dos pequenos aos maiores: o jardim-de-infância visita o 1º ciclo, que visita o 2º ciclo, que visita eventualmente o 3º ciclo. Este por sua vez, visita a escola do ensino secundário. As visitas a seguir já são por conta de quem se organiza individualmente. Por isso, pareceu-nos interessante ver sugestões de trabalho efetivo, em conjunto, em atividades experimentais, na matemática por exemplo, com uma reinvenção de clubes de atividades trans-ciclo. O agrupamento consegui reduzir em muito os números de abandono e absentismo, o que, globalmente foi um avanço. Tem agora outro dilema. Como trabalhar com esta população tão diversa, fazendo subir os resultados académicos globais? Continuando a perseguir a impossibilidade da turma homogénea, investindo pouco na diversificação pedagógica dentro da sala de aula, procuram-se criar estruturas de apoio que envolvem tutores adultos para adultos e crianças e tutores crianças para crianças. O nosso percurso como amigo crítico teve, neste agrupamento uma fase que identificamos de “apanhado na rede”, durante a qual eramos frequentemente solicitados para a intervenção direta, provavelmente resultado de uma outra intervenção anterior com outras pessoas, no mesmo agrupamento. Em 23 “um novo começo” revemos alguns pontos que facilitaram a ligação entre o amigo crítico, o trabalho nas escolas e uma proposta de formação. Com alguma prudência poderemos nos perguntar se o “trabalho em grupo” ganha expressão entre os atores envolvidos nas escolas deste grupo. Apanhado na rede A forma de acolhimento na escola dos amigos críticos A evolução no seu pensamento ao conhecer a instituição A evolução das dificuldades da intervenção É difícil. Entra-se na escola e existe por parte de quem lá trabalha uma expetativa que o amigo crítico fará a candidatura ao programa TEIP. Algumas pessoas confundam-nos com quem da tutela acompanha os agrupamentos no programa. Trabalhamos em equipa, naquele agrupamento, como em alguns outros. Nos corredores cruzamo-nos. Há quem nos considera formador interno. Há quem nos associa com o gabinete técnico de apoio à família. Há quem espera por respostas. E o que apetece, é fazer perguntas: – Onde irá encontrar o grupo de monitorização as evidências para a anunciada melhoria? – Como irá observar os dados recolhidos? – Fala-se de evidências de articulação entre grupos. Mas também afirmase que o “público-alvo” não adere. Que evidências são então? – Como separar queixas de evidências? – Como explicitar que a invocação do meio, do contexto, das famílias é útil, mas para determinar o que nos é exterior, o que é correlação, e não necessariamente uma causa de um efeito observado? – Como fazer para concentrar as atenções sobre o que está na esfera da atuação possível, de quem está na escola: o trabalho pedagógico e o que funcionou e não funcionou, no seio das direções de turma? – Como lidar com as rivalidades? – Altera-se a estrutura de turmas. Numa turma há melhoria, na outra os resultados académicos não melhoram. Como evitar as comparações fáceis. Como evidenciar que algumas "melhorias" são circunstanciais e não se repetirão? No primeiro ano as relações são distantes. Estas e outras perguntas ficam sem grande resposta. É como se não existisse relação entre o projeto educativo e o programa TEIP. No início do segundo ano, reforçamos a nossa equipa no agrupamento e 24 passamos a ser um trio. Tentamos provocar mais discussão a partir das perguntas que nos passaram pela cabeça e que reformulamos com quem coordena a execução das ações inscritas no programa TEIP II. Regularmente são conversas a dois ou a três, que parecem proveitosos na altura. Sentimo-nos bem recebidos, mas é como se algum muro invisível separasse o espaçotempo do responsável pela monitorização connosco e o espaço-tempo da comunidade escolar como um todo. Continuam a surgir momentos pontuais de trabalho em conjunto, em que se solicita apoio técnico. Com o gabinete de apoio ao aluno e à família, uma reunião de trabalho serve para constituir dossiês técnico-pedagógicos, outro para operacionalizar circuitos de comunicação e outro ainda para relacionar a intervenção do animador de recreio com o serviço de psicologia e orientação (SPO). As conversas são técnicas, mas mais administrativas do que pedagógicas. A relação pedagógica é algo que só dificilmente se aborda. Quando discutimos as ações, ficamos frequentemente pela descrição da informação, raramente ela é interpretada ou analisada, muito menos traduzida em reformulações de ações existentes ou em sugestões de novas formas de atuar. Registamos uma dezena de encontros, na escola, sempre com a pessoa responsável pela coordenação da execução das ações. Temos de vez em quando a sensação que não só ela é considerada responsável como também a única executante das ações inscritas no plano de trabalho deste agrupamento. Os encontros continuam a ter um conteúdo mais administrativo: análise de relatórios, análise de resultados de provas e exames, afinação de instrumentos de monitorização. A interação fez-nos pensar as vulnerabilidades da intervenção como amigo crítico, em que muito do que se faz depende da vontade do outro. Não muito diferente do trabalho em sala de aula, onde o sucesso também depende do sentido que o trabalho tem, tanto para quem aprende, como para quem ensina. Será que existem agrupamentos onde a ação do amigo crítico não serve de todo? Será que existe um momento em que se desiste? Ou vale sempre a pena? Quando passa mais de metade do ano escolar, parece haver uma ligeira mudança. Participamos em três reuniões, com professores responsáveis por algumas das ações no primeiro e no segundo ciclo. As perguntas são pertinentes: para quê a monitorização? Como é que isto ajuda, se o aluno não quer aprender? Levantam uma evidência: durante quanto mais tempo pode- 25 se continuar a ter a parede invisível se entretanto ela está claramente representada em mais cabeças? A dois, começamos a estudar como reorganizar a interação entre a coordenação da equipa de monitorização e a própria equipa, bem como entre a equipa e as outras pessoas da escola. E temos novamente a sensação que estamos a ser apanhados a substituir os atores da escola. Com o mesmo entusiasmo de sempre faz-se uma última reunião no fim do ano letivo para preparar o relatório semestral entregue à tutela. No plano de melhoria ficou a proposta de envolver mais ativamente toda a equipa de monitorização nas reflexões regulares nas quais participamos na qualidade de o amigo crítico. Ela seria retomada em setembro do ano letivo a seguir. Ficamos expectantes. Um mês depois do início das aulas, a escola informa que quem coordenava a equipa de monitorização deixou de exercer funções. Um novo começo O percurso dos amigos críticos dentro da escola A mudança de coordenação da equipa de monitorização provocou algumas dificuldades de articulação. Só depois de alguma hesitação retomaram-se as reuniões regulares com dois professores da equipa. Uma primeira reunião servira para fazer a ponte entre a anterior coordenação e a nova coordenação e rapidamente percebeu-se que aqui, novamente, estamos muito envolvido. Para fazer o histórico, disponibilizamos toda a informação que nos próprios fomos organizando nos últimos dois anos. Descobrimos que se perderam de qualquer forma alguns registos de momentos de trabalho nos quais não estivemos fisicamente presente. Para ajudar, enviamos os nossos apontamentos e as nossas notas e levamos outras, o que permitiu reviver algumas discussões que já foram feitas com outras pessoas do agrupamento. Ensinou-nos que os dez momentos de trabalho, do ano anterior, no próprio agrupamento, mais outros tantos com pessoas de outros agrupamentos, deram o que pensar. Descobrimos que foi importante estar em todas as reuniões com a tutela, acompanhando a equipa de monitorização do projeto, muitas vezes virtual ou mal preparada. Tornou-se claro para todos que o projeto tinha aspetos desejados pela tutela mas não vivido pelas pessoas da escola. Dita de outra forma, ao rever o primeiro ano de trabalho, constatamos um trabalho bemintencionado entre direção, tutela e o primeiro amigo crítico mas pouca informação para a restante população escolar, nem um claro pedido de envol26 vimento. No fim do segundo período o responsável pela monitorização solicitou-nos para organizar uma sessão de trabalho com responsáveis de departamento, tendo como ponto principal na agenda a informação acerca da recolha de dados para a monitorização do programa TEIP neste agrupamento. Estávamos a caminhar, mesmo que ainda longe de um envolvimento direto com as pessoas. Mais ou menos na mesma altura, começa a existir uma maior abertura para discutir os assuntos com os outros. Dois dos responsáveis de ações mostraram interesse em participar nos encontros que organizávamos periodicamente com responsáveis de outras escolas e outros agrupamentos. A partir daquela altura estiveram sempre presentes, levando regularmente um ou outro colega envolvido no assunto abordado. Conhecemos, em reuniões fora do agrupamento, mais algumas das pessoas de que sugerimos que deveriam fazer parte do grupo de monitorização do trabalho, por terem contributos específicos para dar. A burocracia financeira de parte do programa permitiu-nos desenvolver uma parceria de trabalho como os técnicos que integram o gabinete de apoio ao aluno e a família. Entre setembro de 2010 e maio de 2012 evoluímos de uma relação na qual eramos considerados como consultor externo, distante, para uma de parceiro de trabalho, com quem é se discute abertamente fraquezas de determinadas ações com uma grande franqueza e abertura. Os fins de anos letivos porém continuam a ser um problema: a escola fecha, as pessoas mais novas e contratadas não voltam e são substituídas por outras pessoas contratadas. Quem ficou na escola não dispõe necessariamente de todo o historial dos processos e dos caminhos percorridos. Naquele anos ficamos até com algumas dúvidas se se a nossa continuação como amigo crítico é desejada ou não. Assim, procuramos reatar laços, quando escrevemos: “Não tendo informações em contrário, partimos do princípio que o vosso agrupamento de escolas continua no projeto. Aproximando-se um momento de avaliação da execução do programa TEIP, reafirmamos a nossa disponibilidade para fazer um ponto da situação na monitorização e para revermos os dados necessários para esta mesma avaliação das ações ainda em curso. Sugerimos uma reunião de trabalho para efeito bem como para calendarizar os nossos encontros ao longo do ano letivo em curso. Ainda a este respeito, anexamos o relatório com a atividade do amigo crítico no ano letivo transato, caso o relatório intermédio exigir alguma informação neste sentido.” 27 A escrita provocou o efeito que alguns telefonemas não provocaram. Voltamos a mesa de trabalho e começamos a insistir em alargar o grupo de reflexão interno. Trabalhar em grupo? As motivações dos amigos críticos A forma de trabalhar em grupo Ao longo deste terceiro ano de trabalho, sentimos progresso no nosso trabalho. Deixamos aqui notas do nosso diário de bordo. Primeira reunião Quase no fim do primeiro período, os encontros entre equipa de monitorização e amigo crítico começaram a ganhar forma. Mais uma vez, tivemos que fazer a ponte de um ano letivo para outro, porque quem coordenava a equipa deixou de fazer parte do corpo docente do agrupamento. Mais uma vez, insistimos que a monitorização do projeto educativo e do programa TEIP seja vista como uma só atividade e que seria importante envolver mais pessoas nesta monitorização. Segunda reunião Continuamos a ser recebidos unicamente pelo responsável da equipa de monitorização. Fizemos uma leitura dos dados que foram recolhidos no fim do primeiro período do ano letivo em curso e comparamos os mesmos com a informação disponível do ano passado. Surgiram uma série de perguntas que mereceram desenvolvimento, ao observarmos uma ligeira melhoria de resultados nalguns domínios: − A diminuição resulta de menos participações nos espaços fora de sala de aula ou de sala de aula? − Qual é o papel do gabinete de apoio ao aluno e a família na pacificação fora da sala de aula (para podermos argumentar futuramente a pertinência da existência da estrutura? − Que dados são devolvidos aos diretores de turma? Como é a evolução da diminuição nas salas de aula? É uma diminuição geral, ou uma concentrada em alguns alunos / professores? Tem a ver com mudanças de turma por parte de alunos ou por parte de professores? Há uma análise do tipo de participação? − Esta diminuição é constante ao longo dos 3 anos TEIP? É flutuante? É consistente com a diminuição nos outros anos? Em relação com os outros anos, podemos prever a manutenção destes valores, ou é possível que eles sobem novamente a medida que o ano escolar avança? 28 O maior sucesso académico de alunos de algumas turmas em relação a outros levantava igualmente algumas perguntas. As respostas podiam dar algumas pistas sobre a futura organização do trabalho. Ajudaria: − avaliar a pertinência da manutenção do reforço (apoio) nas turmas em que este se realiza; − perceber que medidas que poderão ser necessário; − saber se estas medidas seriam diferentes de ciclo para ciclo; − entender quando é que a coadjuvação era efetiva e eficaz. Era também preciso perceber se e como a intervenção personalizada alterava (ou não) o resultado dos alunos. − clarificar as dificuldades que professores e alunos tinham em relação a introdução do novo programa de matemática e tipificá-los será de ajuda, para no departamento de matemática fazer algumas recomendações e pensar em adaptação de material para preparar melhor desde o mais cedo que possível. Nesta altura havia uma grande preocupação por parte dos responsáveis da escola em relação aos resultados académicos obtidos pelos alunos, pelo que nos foi pedido analisar em conjunto e em pormenor uma serie de tendências. As perguntas que a leitura levantava não eram fáceis de responder, porque faltavam as pessoas que poderiam dar pistas para as respostas o que se repetia também com a leitura dos resultados obtidos pelo gabinete de apoio ao aluno, pelo que se concordou que o trabalho só tinha sentido continuar quando reunidas as informações. Agendou-se um novo momento, relativamente próximo mas a reunião não teve grandes resultados. A informação não tinha chegado. A situação de empate desbloqueou-se por iniciativa dos responsáveis da escola. Foi o que aspirávamos desde há muito. Finalmente, as reuniões com o amigo crítico passaram a incluir a equipa de monitorização toda. Terceira reunião Reunimos com uma equipa de trabalho. Discutimos perfis de saída o que permitiu refletir sobre o conhecimento prévio que os professores têm dos alunos que acompanham ou tutoreiam. Refletiu-se também sobre o envolvimento do próprio tutorado no processo de diagnóstico e de monitorização. Pela primeira vez a ideia de uma lista de verificação simples ganhou sentido, podendo servir de instrumento de monitorização para tutor e tutorando. Desta reflexão saíram as seguintes questões: − Precisamos de saber se a ação está a produzir alterações de comportamento, quais são e quais estratégias foram eficazes. 29 − Quais são as ações onde tivemos que alterar instrumentos de monitorização? − Quais são as ações onde ainda estamos a desenvolver instrumentos? Quarta reunião No diário de bordo de um de nós, uma nota: “hoje estou mesmo fisicamente cansado da reunião...”. Foi uma sessão de trabalho com muitas entradas, com os responsáveis da escola preocupados com os resultados de algumas turmas que desviam muito de outras turmas. A tentação de enveredar para soluções fora da escola é sempre grande. Insistiu-se em criar alternativas fora da turma e de preferência fora da escola. Desenvolvemos uma discussão acerca das resistências à diferenciação por parte de alguns professores, das lógicas instaladas, das oposições sentidas. Esta discussão gerou outra acerca da devolução da informação recolhida. Falamos de aprendizagens na escola e como a informação é importante para que exista uma vontade de aprender e daí uma vontade de investir e de trabalhar. Sugerimos que os professores desta escola fossem conhecer outras realidades em outros contextos. Foi interessante ouvir como começaram as tutorias, pela responsável que se tornou defensora desta modalidade de apoio às crianças. Enquanto houve notáveis progressos com alguns pares de tutores e tutorados, depressa se descobriu também que há quem não tem perfil para ser tutor. A responsável lamentou alguma a falta de seriedade numa ou outra situação. Disse que no próximo ano será necessário ter mais cuidado na maneira como se identifica tutores, não podendo-se limitar a completar horários. Antes da reunião, recebemos do coordenador do programa TEIP da escola uma pequena reflexão acerca do trabalho em curso e do agrupamento onde trabalham. Desta reflexão extraímos que o grupo mais ativo sabe que têm algumas situações difíceis de gerir: alguns dos professores mais novos (contratados) começaram a participar ativamente na reflexão e na ação, mas no próximo ano, devido a redução de pessoal decretado pelo governo, poderão não estar na escola... Na própria reunião contrapomos, mostrando o trabalho que feito pelos responsáveis para a matemática. A forma como organizaram a avaliação continua com as turmas do 2º ciclo fez aumentar em muito o número de alunos com resultados positivos. Esta avaliação mais formativa e um acompanhamento mais consistente do trabalho de estudo e de treino pedido para ser feito em casa, bem como o tempo de aumento de participação dos alunos em 30 discussões em torno da matéria trabalhada foram outros aspetos a serem explicitados como atuações que facilitam a aprendizagem e se afiguram portanto como prática promissora, de fácil aplicação por qualquer professor de matemática, desde que coordenado no respetivo departamento. Ficou aqui a sugestão de fazer um apontamento de formas de trabalhar que surgiram como eficazes e das quais a sustentabilidade não depende só da escola, bem como as que dependem só das pessoas que trabalham na escola. A interação com a equipa de monitorização tornou-se mais fácil. A própria discussão tornou-se mais rica agora que se discute as coisas como elas são e não como gostavam que sejam. A formação onde nós podemos ter alguma intervenção, como amigo crítico, passou a estar no reino das possibilidades. Notas finais Mais uma vez, estivemos presentes na reunião de trabalho com a pessoa que representa a tutela. As pessoas da escola sentiram se mais confiantes no fim da reunião. O que fez com que nos chegou o seguinte apanhado de outra reunião sem a nossa presença: Esta reunião teve como base as questões levantadas pelo nosso amigo crítico, que nos levou a questionar-nos sobre o que teríamos de alterar no projeto, que atividades deveríamos desenvolver e redefinir metas, caso no próximo ano haja continuidade do projeto. […] Quanto às atividades a desenvolver, ficou claro que é necessário um maior envolvimento dos docentes do agrupamento e nesse intuito torna-se claro que a distribuição de tarefas deve abranger um maior número de elementos de forma que todos se apropriem do projeto. Sendo assim, é necessário estender a monitorização a todas as disciplinas para criar uma perceção de pertença em todos os elementos e criar atividades que se entrelacem nos diferentes ciclos de ensino ministrados no agrupamento. Neste âmbito, foi sugerido como atividades, que poderiam fazer a ponte entre ciclos: − O apadrinhamento dos alunos de 1º Ciclo por alunos do 2º e 3º Ciclos. − Os docentes do 2º e 3º Ciclos prepararem atividades que seriam desenvolvidas nas turmas de 1º ciclo, de forma a despertar a curiosidade destes últimos para o estudo e o mundo que os rodeia. Ex: atividades experimentais; jogos matemáticos; hora do conto; etc. − Implementação dos clubes de música e de expressões, abertos a 31 todos os ciclos de ensino. − Foi equacionada a possibilidade de criação das turmas +, contudo, conhecendo a realidade dos nossos alunos, levanta-se a questão se existiriam elementos suficientes para implementar a atividade. O conceito poderia ser aplicado a alunos com maiores dificuldades. É difícil. Voltamos a falar mais uma vez antes da interrupção do verão. Continua a ser complicado encarar a diferença dentro da sala de aula, em vez de em salas de aula que reproduzem os contextos que mostraram ser ineficazes. Entretanto tivemos uma discussão interessante sobre a lógica hierárquica em que se considera haver um topo e uma base, em vez de se considerar uma interligação entre pessoas. #2 Amigo Multi-mundi. Lisboa suburbana: escolas pouco caraterísticas, edifícios baixos entre torres de habitação. Uma zona de periferia de grande cidade na Europa, igual a muitas outras. De uma das escolas, colocada numa colina, ainda se vislumbra um pouco do bairro que a circunda. Na escola, muitos mundos se cruzam. O mundo dos imigrantes internos, ainda com laços às terras de origem, os mais velhos à espera da reforma para, durante alguns anos ainda, conseguir um vai e vem, entre apartamento na torre e a casa na aldeia, partilhada entre irmãos, para períodos de tempo passados lá. O mundo dos netos destes imigrantes é organizado em torno dos horários de comboio que os leva para o divertimento para a cidade. Depois, há o mundo dos que dizem não terem laços com nenhum lugar específico. Não têm laços com a terra, dizem, assumindo que onde vivem não é a sua terra: é um lugar não-lugar. Estes mundos cruzam-se com os mundos dos que vieram “de fora”, um “fora” demasiado próximo na história e nas relações coercivas, de “outras guerras”, como se ouve dizer. São referidos como “os africanos”, “os de descendência africana”, “os das ex-colónias”. Para uns, não está nos planos pensar nalgum regresso: a linha que traçam é uma que se afasta do local de origem. Para outros, o regresso, muitas vezes não concretizado ou impossível de concretizar, fica como um sonho, na cabeça e nas falas. Entretanto, as crianças nascem e criaram o seu mundo, numa encruzilhada de impressões. Uns com os adultos bem presentes, outros com os adultos quase desaparecidos. Existe também o mundo dos recém-chegados, ainda sem saber se irão ficar, o que depende de outros ou, nalgumas situações, deles próprios. Ainda há o mundo de quem trabalha nas escolas. Um mundo de adultos, 32 radicados perto da zona suburbana onde trabalham. E mais um mundo, de jovens adultos, imigrantes internos, recentes candidatos a funcionários, à procura de estabilidade que sonham, numa profissão que escolheram. Nisso diferem muitas vezes dos imigrantes pais ou avós das crianças que recebem como alunos. Estes na sua maioria, não escolheram a profissão; apanharam uma forma para ganhar a vida, às vezes com sucesso às vezes nem tanto. Para todos estes mundos é difícil encontrar o seu local de pertença no hic et nunc. A escola não é um local de pertença, mas um local meramente de passagem; para uns como ganha-pão, para outros porque sabem que faz parte das regras do jogo, vestir o papel de aluno cinco à seis horas por dia. As crianças mais novas acolham muitas vezes de forma mais entusiasta este jogo de papéis entre crianças e adultos. Muitas vezes o que acontece nos primeiros anos da escola marca os anos que se seguem. Foi pensando nisso que a nova liderança se apresenta no agrupamento, sonhando um lugar coletivamente apropriado, de forma mais intensa do que atualmente, por quem aí passa muitas horas, todos os dias. Em três anos letivos, fizemos, como amigo crítico, 33 reuniões na escola, de forma irregular. No primeiro ano, depois de um frenético arranque, não se passou mais nada, até perto do fecho do ano. Marcávamos presença através do acompanhamento de dois grupos de professores de atividades de enriquecimento curricular. Depois de um ano, os laços fortaleceram-se. No fim do segundo ano, a liderança da escola reorganizou-se, ganhando mais um elemento, vindo de fora da zona suburbana. Foi um ganho para todos. Projeto encomendado, prenda envenenada? Do acolhimento na escola Das motivações dos amigos críticos Neste agrupamento, como em outros, com o programa K'CIDADE, amigo crítico somos três, disponíveis para interagir com as pessoas da escola em diferentes ações, além de acompanhar a equipa de monitorização. O nosso interesse para este agrupamento advém do conhecimento que já tínhamos do trabalho realizado nas escolas do 1º ciclo do ensino básico. Parecia haver algumas condições para apoiar a equipa dirigente da escola no sentido de criar condições para que a escola se tornasse mais um local de pertença. Desde cedo, consideramos que se podia interagir com as pessoas em três situações distintas: no desenvolvimento de um interface mais eficaz entre o trabalho em sala e os tempos e os lugares fora da sala de aula, na recolha, interpretação e devolução de informação referente à relação pedagógica no sentido lato, e nos processos de ensino-aprendizagem na primeira escola. 33 Esta motivação foi sempre abertamente explicitada com os líderes da escola que tomaram a iniciativa de propor à tutela a nossa contratação como amigo crítico. O relacionamento com as outras pessoas da escola não foi sempre fácil. Durante muito tempo – e ainda hoje, nalguns aspetos – há quem divide a escola em duas zonas: uma TEIP e uma não TEIP. Quem o faz, posiciona-se, a seguir, na zona não TEIP e apresenta uma postura de oposição passiva ou ativa ao que as ações inscritas no projeto educativo pretendem, nomeadamente as que sugerem a diferenciação pedagógica. Aqui, a forma como o projeto se moldou e a pressa que existia na altura por parte da tutela em fazer aparecer um projeto formal, protocolizado, pode ter criado mais alguma resistência. Houve quem se desvinculou dum projeto que não foi nem coletivo, nem participado, na sua conceção. O primeiro texto do projeto foi escrito por responsáveis vindo da tutela, baseado em sugestões da recente empossada direção do agrupamento, celeremente reformulado, para assegurar a assinatura do contrato e viabilizar as verbas para os animadores de espaços exteriores e para obras financiáveis pelo programa. Tudo foi resolvido antes do início das aulas, enquanto muito pessoal ainda estava por contratar. Nesta fase da elaboração com um grupo restrito de pessoas, o amigo crítico também esteve presente, o que nem sempre facilitou a relação mais alargado, a seguir. Um ano e meio depois do arranque, sedimentou-se a ação que previa o relacionamento com a comunidade. Na escola do 2º e 3º ciclo esta era complicada, há muito tempo, com uma associação de pais que não representava todos os pais, enquanto no primeiro ciclo se recuperou uma relação mais próxima, como aquela que existia alguns anos antes do trabalho em conjunto. A recuperação foi feita através das atividades de enriquecimento curricular e a mostra de trabalho no fim do ano letivo, dois anos antes, organizado em parceria com uma das coordenadoras de escola do 1º ciclo e alguns professores. Incentivamos a ideia de uma “feira do mundo” partilhando saberes e sabores provenientes de locais de origem, dentro e fora do país, na sua segunda edição organizada por pais, crianças e professores de algumas turmas, coordenados pela equipa de professores de atividades de enriquecimento curricular. O êxito da primeira feira abriu portas para uma feira intercultural ou multicultural, no pátio da escola do 2º e 3º ciclo. A liderança da escola e o grupo de professores de atividades de enriquecimento curricular trabalharam junto com a equipa de técnicos do gabinete de apoio ao aluno e à família (GAAF), com a nossa colaboração sempre que éramos solicitados. Quando se discutiu 34 a colaboração de associações e coletividades, percebemos que havia uma nova preocupação: para evitar limitar-se a uma quermesse, só com comidas e representações de danças e canções, era importante continuar a mobilizar professores para apresentar produtos autênticos na mostra de fim de ano. Ao mesmo tempo considerou-se necessário visitar as associações existentes na zona da escola, para perceber o seu potencial numa eventual colaboração. Estas visitas foram feitas parcialmente pelos técnicos do gabinete de apoio ao aluno e à família (GAAF) e parcialmente por nós. Enquanto se foi avançando no tempo, percebemos que os técnicos do gabinete de apoio estavam a mobilizar-se cada vez mais para a concretização da feira. Chamaram a si algumas atividades e delinearam estratégias para envolver pais e mães. Aos professores sugeriu-se a exploração do conhecimento coletivo vindo de várias culturas de origem. No fim do ano letivo, as portas da escola estavam abertas para receber a primeira feira intercultural, com a participação ativa de mães e pais para a parte da quermesse. Ligar a escola à comunidade foi uma das aspirações que a liderança do agrupamento e nos, na qualidade de amigo crítico, tiveram em comum, nessa zona suburbana. Explica o forte envolvimento de um de nós, para apoiar a reorganização complicada da associação de pais do 1º ciclo, depois de uma longa saga de dificuldades financeiras devido a substituição dos ateliers de tempos livres pagos por atividades de enriquecimento curricular grátis. O processo de dissolução da anterior associação e do nascimento da nova levou mais de um ano e terminou no início do ano letivo 2011 – 2012 com a assembleia geral para apresentação do projeto educativo do núcleo associativo de pais. Estiveram 81 famílias presentes nesta assembleia apoiada pela diretora de agrupamento. A nova associação de pais arrancou com 42 inscrições de sócios e 5 pessoas disponíveis para colaborar diretamente com eles. Entretanto, o financiamento de algumas ações no âmbito do programa TEIP continua, ações vistas como algo interferindo num grupo de crianças, separado do resto da escola. O grupo de reflexão, juntando mensalmente os responsáveis das ações, numa reunião connosco alargou-se consideravelmente desde novembro de 2011. E no último período do ano letivo de 2012, a discussão, acerca do primeiro relatório semestral para a tutela, tinha como ponto único, a troca de ideias em torno das ações inscritas no eixo "melhoria de aprendizagem". Na proposta inicial para o programa TEIP, uma ação contemplava três turmas com percurso curricular adaptado (PCA) e um curso de educação e formação (CEF), decisão que foi polemica para todos, ainda que por razões 35 diferentes. Três anos mais tarde impunha-se perceber se estas turmas ajudaram ou não a escola para melhorar os seus resultados. Durante a discussão sugeriu-se haver três cenários possíveis: 1. as turmas por si só fazem subir o número de alunos com sucesso; entretanto o sucesso nas turmas regulares aumenta ou fica igual. 2. as turmas fazem com que existem alunos com sucesso e outros que não; as turmas regulares mostram a mesma tendência. 3. as turmas não fazem aumentar o número de alunos com sucesso. Em função destes três cenários, propôs-se fazer uma interpretação que permitiria orientar o agrupamento a seguir. Concordou-se que esta interpretação passaria por perceber: − Como é que as turmas beneficiam (ou não) os alunos ai inscritos? − Como é que as turmas poderiam beneficiar outros alunos? − Se era preciso rever os critérios de seleção dos alunos para estas turmas? − Se era necessário aumentar o número de turmas com PCA? − Se havia estratégias de trabalho nessas turmas que poderiam interessar as outras. Propusemos ainda que, perante os resultados, era bom fazer uma análise para perceber (1) a evolução dos alunos apoiados com esta medida, (2) a relação entre estes alunos e os outros, olhando para as notas e (3) a eficácia das estratégias adotadas e a forma como estas estratégias poderiam ser integradas, numa perspetiva de uma diversificação pedagógica dentro da sala de aula. Até ao fim do ano letivo, os dados eram inconclusivos. Porém, a reformulação do plano de melhoria que se entregou à tutela focou, pela primeira vez, as questões relacionadas com o trabalho em sala de aula em geral, abrindo espaço para retomar as perguntas em aberto. Entretanto, e ao pedido de duas das responsáveis pelas respetivas ações, discutimos a ficha de avaliação qualitativa, na qual aparecem sequencialmente atitudes, saberes, estratégias e eficácia das estratégias que ajudariam a perceber os percursos dos alunos mas que se procurava ser de mais fácil leitura. Procurava-se também integrar eventuais tutorias ou apoios. Não foi possível ainda, fazer acolher a sugestão que há vantagens em fazer participar os alunos na gestão das suas aprendizagem e do seu plano de trabalho, o que só será possível quando tenham a informação necessário acerca do currículo que têm que percorrer. Os três anos de parceria – que se prevê prolongar para o próximo ano letivo 36 – não foram os suficientes para levar à mesa todos os tópicos que nos motivaram trabalhar como amigo crítico neste agrupamento. No primeiro ano, em que existia um trabalho prático sobretudo relacionado com o 1º ciclo e com as atividades de enriquecimento curricular, o projeto educativo da escola e as ações no âmbito do programa TEIP eram vistos como dois programas de trabalho independentes um do outro. A exigência da monitorização, que se tornou mais burocrática, com os dossiês técnico-pedagógicos obrigatórios para a linha de financiamento do programa TEIP foi o objeto de discussão no segundo ano de trabalho. Só no terceiro ano de trabalho começou a haver espaço e tempo para abrir a discussão, que terá que ser alargada a todo o agrupamento, acerca das opções pedagógicas e da relação pedagógica em sala de aula. É esta abertura que nos levou a aceitar mutuamente continuar a trabalhar com o agrupamento. As pessoas no projeto Da forma de trabalhar em grupo Do percurso dos amigos críticos dentro da escola A maturação do processo de monitorização acima traçado decorre do clima de entendimento e confiança que gradualmente se instalou em torno do desafio de melhorar a relação pedagógica, facilitando assim a aprendizagem dos alunos. À medida que se criou espaço para discutir pontos de vista, às vezes antagónicas, mais pessoas se apropriaram do projeto de trabalho. Como em muitos locais de trabalho, onde projetos surgem sem ter havido uma participação alargada na sua génesis, um número importante de docentes e não docentes da escola, estiveram durante demasiado tempo só esporadicamente em contacto com o processo e com os interlocutores no mesmo processo. Além disso, e também sem surpresa, havia, entre quem integrou a equipa de monitorização alargada, três grupos de pessoas: os desconfiados, os sonhadores e os acompanhantes. No primeiro grupo encontravam-se professores com muitos anos na mesma escola, muitos deles com tarefas de liderança intermédia. Situaram-se ora em oposição passiva à alteração de práticas, ora contrários à proposta de integrar o programa TEIP II destinado a escolas em território educativo de intervenção prioritária. Consideravam que o que dificultam o trabalho da escola, nomeadamente de infraestrutura, não se encontrava solução através deste programa. Não eram adeptos de reorganizações, nem para abrir cursos de educação e formação (CEF) ou turmas com um projeto curricular adaptado (PCA), nem para consideram a diferenciação pedagógica em sala de aula. 37 O programa avançou, incluindo um contributo importante para a requalificação do espaço físico, e muitos integraram o grupo de trabalho responsável pela monitorização do mesmo, às vezes por inerência de funções. O segundo grupo apresentou originalmente o projeto para a escola, confiante da viabilidade. Deste grupo fazia parte uma dirigente que conhecia bem a vida de muitas das crianças, interessando-se para cada pormenor, sobretudo quando se apercebia que existiam dificuldades de interação com os outros, ou quando as crianças pareciam não aprender bem. O grupo era reforçado por duas pessoas que têm uma visão pedagógica própria, clara e bem definida, pragmática. Mais tarde, e com a integração de mais uma escola no agrupamento, houve uma alteração na equipa dirigente tornando-a ainda mais coesa. O terceiro grupo era mais difuso. Por um lado, havia quem não fala, quando se lança o trabalho. Pelo menos duas pessoas limitavam-se a ouvir. De início, não se apropriaram deste novo projeto, posicionando-se de forma neutra. Outros dois, interessados, analisaram a proposta TEIP estritamente como um contributo financeiro para orçamento do agrupamento, permitindo a execução do seu projeto educativo. Também eles pragmáticos, veem a monitorização quase como um instrumento de gestão financeira. Uma reunião memorável Em 2009, a pressão inicial da tutela para reformular um texto de projeto, baseado em ideias de algumas pessoas do agrupamento, resultou num denso e longo texto, que precisava de ser transformado em plano de ação. Muito trabalho para poucas pessoas, um pouco perdidas perante a encomenda. Agendou-se uma reunião de trabalho ainda antes do ano escolar começar, com o pessoal do agrupamento, já cansado e a sentir que não dominava a situação. Para aumentar o sentimento de mal-estar, os recados da tutela nem sempre ajudavam. Foi assim que nos encontrámos pela primeira vez, formalmente, com uma equipa na qual mesmo os mais entusiastas estavam apreensivos perante a constante interferência e alguns mal-entendidos de parta a parte. Juntamonos ao grupo de trabalho da escola, como mini-equipa de amigos críticos, disponibilizando três pessoas. Tornar-se-ia uma reunião-maratona, retomando acontecimentos do último ano. Constataram que no ano letivo que ia começar, algumas ações inscritas no plano de melhoria poderiam estar hipotecadas, porque os horários nem sempre contemplavam tutorias e ações específicas. A descrença era muito e era quase geral. Para cada eventual proposta 38 de solução elencavam-se os obstáculos de antemão: assumia-se que parcerias iam ser difíceis, por não encontrar parceiros disponíveis; atividades para os alunos com furos no horário, eram pouco úteis, porque se assumia que eles não deveriam estar interessados; trocar uma sala por outro para resolver um problema técnico de cablagem, deveria ser complicado porque a outra sala já tinha destino o que obrigava a desarrumações. Ouvimos os suspiros de quem antes era opositora à candidatura e agora a defende. Concordamos que muito diálogo se impunha. Cientes que a opacidade burocrática constituía um entrave real, intervimos, sugerindo modificar o circuito dos papéis. Os quadros resumo tornaram-se de leitura mais eficaz, numerou-se as ações, para evitar a repetição da introdução de informação. Sugerimos agendar sessões de trabalho para ouvir quem tiver dúvidas ou quem não concordar com algumas das medidas propostas. Percebeu-se que era preciso procurar consensos acerca das parcerias pedagógicas. Havia alguns receios que a parceria obrigava a haver dois adultos a tempo inteiro na sala de aula. Era preciso criar consenso também acerca do trabalho de animação. Não era claro o que seria o papel dos animadores e dos professores respetivamente, por exemplo nas bibliotecas das escolas. A vida do dia seguinte Depois daquela primeira reunião, era claro para todos que o caminho seria longo e lento. Procurou-se em primeiro lugar estabelecer pontes de comunicação com quem tinha mais relutância em relação ao projeto educativo e o programa TEIP. Procuramos, com a coordenadora da equipa de monitorização do programa, encontrar formas para envolver outros colegas no projeto, tornando mais explicito o que cada ação representava. Sugeriu-se a realização de workshops, de participação voluntária, ao longo da semana, que serviriam de sensibilização para os aspetos pedagógicos do programa TEIP no contexto do projeto educativo. Dois anos mais tarde, percebemos que a sugestão de participação voluntária foi decisiva. Em contracorrente com a crescente creditação de toda atividade que pode ser considerada de formação continua, encontramos neste e em outros agrupamentos sempre de novo, pessoas dispostas a discutir as suas dúvidas e partilhar práticas promissoras, sem mais, quase como em tertúlia, com o alívio de não ter que embarcar em processos pesados de avaliação que retiram o prazer e o sentido que uma determinada ação proporcionou. Como equipa dos amigos críticos mediamos em várias ocasiões momentos de partilha de experiências, sempre que possível e com as pessoas interessa39 das e disponíveis. Entretanto, em fins de Outubro de 2009, com conhecimento da equipa de monitorização do programa TEIP na escola, enviamos, em nome da equipa do amigo crítico, uma nota de otimismo para a tutela. A partir deste momento e até meados do ano letivo seguinte, a nossa ação como amigo crítico situou-se no acompanhamento de atividades no terreno. Apoiamos o gabinete de apoio ao aluno e a família, os professores de atividades de enriquecimento curricular, a associação de pais e alguns diretores de turma. Numa estratégia de facilitar a partilha, fomentamos encontros entre equipas de monitorização de vários agrupamentos, nas quais participaram regularmente dois dos elementos da equipa deste agrupamento. Em meados do ano letivo de 2010 – 2011 voltamos a sentar-nos à mesa com um dos elementos da equipa de monitorização. Ouvimos que passou a existir um cronograma de execução do programa TEIP, de fácil leitura. Percebemos também que já foi possível identificar as ações que foram mais úteis à escola, para serem apresentadas no relatório intermédio para a tutela. Como em outros agrupamentos, parte desta reunião e de outras a seguir tornou-se muito técnico devido às exigências em torno do financiamento através do programa operacional de potencial humano (POPH) que desviou rapidamente uma monitorização que se queria pedagógica para um insustentável circuito de gestão de dossiês técnicos que de pedagogia só têm o nome. Para minimizar os estragos, sugerimos uma partilha de saberes com diretores e coordenadores de outros agrupamentos com que estamos em contacto. Entretanto, apercebemo-nos que, em vários contextos, se complicava a recolha de evidências por querer juntar demasiados pormenores. Propomos que para a monitorização que nos interessava, se trabalhasse a partir do cronograma existente. Só era necessária dispor de uma matriz de recolha, onde constava de cada ação o responsável, o objetivo ou a meta, derivados da rubrica "efeitos esperados", o indicador e as evidências recolhidas. Sobre este documento, de preferência elaborado e mantido pelo responsável da respetiva ação, podia se depois fazer uma análise SWOT (Strengths, Weaknesses Opportunities, Threats), em português às vezes referida como análise FOFA (Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças), visualizando de cada ação os fatores internos e externos que facilitam e os fatores internos e externos que dificultam o processo. A reunião, no fim do ano, na qual nos foi explicitado como o trabalho foi feito e que leituras que se fizeram acerca da evolução da implementação das ações financiadas pelo programa TEIP, período a período, decorreu num 40 clima otimista. Novos impulsos No início do ano letivo 2011 – 2012 a reforçada equipa diretiva e a equipa do amigo crítico delineiam o trabalho em torno de algumas ações ainda a decorrer no âmbito do programa TEIP e outros que se consideram importantes implementar. Deles fizeram parte alguns clubes “Conto Contigo”, acompanhados pelo programa K’CIDADE, bem como o acompanhamento de o que denominamos de facilitadores da diversidade, que, em base voluntária ajudam na “desocultação” da diversidade em contexto pedagógico. Foi notório que, ao longo do ano anterior, mais docentes se apropriaram do projeto educativo e das medidas que se tornaram possíveis através do programa TEIP. Refletiu-se imediatamente nas reuniões da equipa de monitorização nas quais sempre participamos, como amigo crítico. Passaram a se organizar em base regular e tiveram uma agenda pedagógica forte a partir de janeiro de 2012. A articulação entre a direção e o grupo de monitorização decorreu em função de perguntas mais precisas que careciam de resposta. No fim do 1º período percebeu-se com mais clareza o que era possível analisar em relação às notas que os alunos receberem e algumas das variáveis em jogo. A pergunta “Sabemos o suficiente?” obrigou a formulação de mais perguntas: − O que exatamente queremos saber? − O que queremos saber está relacionado com as metas que nos colocamos? − Os instrumentos que temos e principalmente a descrição de causas possíveis de resultados obtidas por turmas que ficam aquém de 75% de sucesso numa disciplina, permitam perceber a evolução comparando 1º períodos? − Os instrumentos permitam perceber a evolução de uma turma de ano para ano? Permitam identificar alunos que apresentem mais dificuldades para obterem sucesso escolar? É possível tipo de interações já desenvolvidas com eles? Questionou-se como são devolvidos os resultados aos diretores de turma, professores titulares de turma e conselhos de turma e com que perguntas de apoio para proceder à análise. Era possível perceber o que iria ser feito em cada turma (e sobretudo naquelas em que o sucesso está aquém dos 75 %) para que mais alunos obtivessem uma nota positiva? Como é que se podia ajudar para concentrar a discussão sobre “o que nós podemos fazer”, depois de enunciar todos os variáveis que escapam à ação da escola e à relação pe41 dagógica entre alunos e professores? Ou seja, como rever o problema, tendo a certeza que ele não se resolve de forma normalizado e que uma medida agora tomada não garante uma reavaliação de aqui um ou dois meses. Por último, aprofundou-se o questionamento acerca das estratégias relacionadas com a tutoria de alunos. É preciso mostrar aos alunos que esta medida lhes é útil. Para isso, sugerimos que os alunos tenham o testemunho de outros para quem foi útil ter tido um momento de trabalho extra com um professor, formulando mais algumas perguntas: − Como é que alunos do 7º ano com mais sucesso devido a apoio individualizado apresentam o benefício disso a alunos de 6º? − Os alunos são envolvidos num plano de melhoria? Sabem de onde partem e o que devem alcançar? − Os alunos têm conhecimento dos passos que irão percorrer junto com os professores que os apoiam? Entretanto foi nos pedido retomar com os diretores de turma a conversa acerca de "estratégias de trabalho" no caso de haver baixos valores de sucesso académico numa turma. Revelou-se uma discussão muito complexa. Percebe-se que continuam a existir discordâncias acerca do rumo a tomar na escola. Parece-nos que a devolução e leitura da informação recolhida e analisada ainda não são feitas da melhor maneira. Ainda não se pode falar de um processo interativo, o que dificulta também a perceção de processos interativos de análise de problemas com os próprios alunos. Pareceu-nos um assunto para retomar nos próximos anos letivos. Laços de trabalho A evolução no pensamento ao conhecer a instituição A evolução da dificuldade da intervenção Em setembro de 2009, pensamos que seria necessário apoiar no esclarecimento em que o novo projeto educativo podia ser útil à escola. Apercebemonos que a própria ideia da monitorização assustava as pessoas, mesmo algumas que faziam parte da equipa. As dificuldades das crianças fora da sala de aula e fora da escola eram muitas vezes apontadas como uma variável incontrolável. Não era possível mostrar, na altura, que, com esta excelente análise, se tinha as bases para se concentrar sobre a única variável que o professor controla efetivamente: a da relação pedagógica. Houve longas conversas acerca da forma como envolver outros colegas na área de projeto, e como o animador de biblioteca, poderia ter um papel interessante neste 42 contexto. Entretanto algumas ideias, como uma semana da educação interna, com workshops ao longo da semana, que sirvam de sensibilização para aspetos pedagógicos incluídos em ações do programa TEIP se tornaram possíveis. Quem participa e mais tarde queira entrar em formação, terá esta participação creditada. A colaboração com a equipa de monitorização da escola permitiu a criação de alguns instrumentos de regulação do trabalho, permitindo um lento arranque da discussão pedagógica propriamente dita. O trabalho que desenvolvemos como amigo crítico, não se limitou aos contornos definidos por lei. Criaram-se laços entre o agrupamento e o amigo crítico. Estes laços mantêm-se em pelo menos três projetos complementares ao projeto educativo do agrupamento. Da feira multicultural O ano letivo de 2010-2011 foi muito produtivo para o trabalho com os gabinetes de apoio ao aluno e à família em vários agrupamentos. Neste agrupamento em concreto e percebendo que, apesar da visão da direção, era difícil conceber o mundo da escola como um mundo multicultural, sugerimos discutir o assunto a partir duma iniciativa já referida do primeiro ciclo: a feira do mundo. Procurou-se identificar turmas e professores do 2º e 3º ciclo com quem os professores do 1º ciclo, nomeadamente os professores coadjuvantes para a educação física e as expressões podiam facilmente partilhar informação e contribuir com trabalho pedagógico baseado na riqueza cultural duma turma. Sabendo que uma das ações previstas no agrupamento era o melhoramento da articulação vertical, apoiamos os encontros entre técnicos dos vários níveis de ensino e a direção. Do primeiro encontro saíram um peddy paper para as crianças dos 4ºs anos com o tema “uma aventura na escola do 2º ciclo” e um esboço de uma atividade transversal para o fecho do ano letivo, com o maior envolvimento possível de pais, professores, alunos do ensino regular e “alunos da noite” e com uma mostra de trabalho realizado na escola. Em Maio de 2011, a feira do mundo ganhou corpo. Às escolas juntam-se algumas associações locais e a Junta de Freguesia. Algumas turmas organizam-se para expor trabalhos realizados ao longo do ano. Registamos contudo que, enquanto o objetivo inicial era partilhar conteúdos sobre as origens dos alunos do agrupamento, através de trabalho de sala de aula, agora parecia ter-se criado uma bolsa de associações. Corolário a este evento, criou-se 43 uma ligação entre o gabinete de apoio aos alunos e à família e uma das associações envolvidas no sentido de dar uma resposta eficaz a alunos e pais que precisam de legalizar a sua situação em Portugal. O envolvimento por parte da comunidade do 2º e 3º ciclo continuava difícil. Os professores alegaram já terem mostrado o trabalho em vários eventos ao longo do ano letivo. Por isso, fez-se coincidir a feira multicultural com o dia do patrono, no fim do ano letivo de 2011-2012: recebemos um convite para a feira multicultural. Desta vez, a escola assumiu a plena responsabilidade para a sua organização. A associação de professores de atividades de enriquecimento curricular que entretanto se criou, com o apoio da escola e do município, para permitir a continuação do trabalho iniciado nos anos anteriores e que foi reconhecido como de grande qualidade, continuou o seu apoio. Nesta feira multicultural em que participarem perto de mil pessoas, a quermesse envolvia, através de pais e mães, a representação de seis países africanos, quatro países asiáticos, três países da América Latina e três regiões de Portugal. Um dos pavilhões da escola servia de local de exposição, com uma mostra do Jardim-deinfância e dos primeiros anos do 1º ciclo, bem como alguns trabalhos de expressão do 2º ciclo. Além dos muitos pais e mães, muitos professores estiveram presentes, alguns ativamente envolvidos na organização do evento. Do conto contigo Integrado nas atividades de enriquecimento curricular, mas com vida própria, articulada entre professores titulares de turma e a equipa do amigo critico, organizaram-se atividades de leitura e escrita, em pequenos grupos, com crianças, que, por várias razões, se mostram algo confusos na apropriação do código da escrita. Estas atividades, com caráter lúdico, proporcionam-se em curtos momentos que identificamos como Clubes Conto Contigo e que são pensadas especificamente para crianças com 5 ou 6 anos de idade. No último ano letivo fez-se uma adaptação ao ritual da atividade, que passou a ter um momento em sala de aula, para todas as crianças da turma. A partir desta adaptação que foi positiva na maioria dos casos, apresentou-se uma proposta de trabalho para este e outros agrupamentos, com os professores do 1º ciclo, para integrar os Clubes Conto Contigo na rotina da sala de aula, desde que existe alguma possibilidade para a necessária diferenciação das atividades. Do criagente Na fase terminal do acompanhamento direto dos professores de atividades 44 de enriquecimento curricular, pensou-se passar a gestão destas atividades para a associação de pais do agrupamento. Por razões circunstanciais, isto não foi possível. A direção do agrupamento, ciente da mais-valia de um grupo de professores para as atividades de enriquecimento, quase residentes, desafiou alguns dos professores para se formarem associação. Com este figurino legal, e com o acordo da Câmara Municipal, a associação CriAgente se tornou o prestador de serviços para as atividades de enriquecimento curricular neste agrupamento. Assim, a relação com os professores desta associação passou a apresentar, no ano letivo 2011-2012, caraterísticas da relação entre um grupo na escola e o amigo crítico. Além da discussão pedagógica, as reuniões de trabalho incluem assuntos como as dificuldades de cash flow que influenciam o trabalho pedagógico; o envolvimento de pais nas atividades, inclusivamente na recolha de material e a participação no Banco do Tempo ou ainda uma reflexão sobre os instrumentos de monitorização, mais centrado sobre a gestão. Ao longo do ano de trabalho, o grupo solicitou a intervenção do amigo crítico, nalguns momentos específicos. Um destes momentos revelou-se antes um momento de consultoria relacionada com a gestão da associação, que pelo número de professores empregados se afigura como uma pequena estrutura empresarial, embora totalmente dependente do erário público para a sua atividade principal. Atrasos na disponibilização de verbas obrigam a uma articulação muito estreita com o agrupamento. Outro momento foi dedicado a uma discussão em torno do portefólio da associação, que pode servir para procurar, mais uma vez, algum financiamento para atividades que já faz, ou em troca de novas atividades, com outras entidades que possam estar interessados. A associação solicitou o amigo crítico também para algumas atividades formativas com os professores que com eles trabalham, nomeadamente em torno da planificação articulada entre atividades e com os professores titulares e em centrado sobre a diversidade. Aqui, tem-se explorado, junto com estes professores, valores, crenças, posturas que eles próprios transmitem consciente ou inconscientemente no trabalho com as crianças. Como a equipa regularmente faz, aqui também recorre a uma proposta de trabalho isomórfico com o que se sugere para o trabalho em sala de aula, recorrendo às competências, aos conhecimentos e aos instrumentos de que cada um do grupo já dispõe, para desenvolver novas aprendizagens. Nota final Neste agrupamento de muitos mundos, também nós, amigo crítico coletivo, 45 apresentamo-nos com muitas facetas. Às vezes consultor, às vezes protagonista de uma iniciativa, na maioria das vezes ouvinte e facilitador para uma discussão complexa entre técnicos que, lentamente, procuram dar mais sentido a sua ação educativa. O trabalho foi e continua a ser lento, e de pequenos avanços e recuos. Os resultados do agrupamento, recolhidos através dos instrumentos de monitorização confirmam a nossa hipótese, que começamos a discutir com a direção e a equipa de avaliação: o que se podia melhorar na periferia da sala de aula, se conseguiu. Continuar a melhorar resultados académicos passa pela relação pedagógica dentro da sala de aula e pela diferenciação necessária, dentro da sala de aula, sempre que possível. Depois de um trabalho dos mediadores para diminuir os números de absentismo poderão surgir momentos de “novo cansaço”. Ficamos muito expetantes para a continuação do trabalho. #3 A procura de líderes Calamo-nos. Amigo crítico, amigo que ouve. Procuramos ouvir o que quem lidera a escola conta. Percebemos que era importante fomentar momentos de partilha e entender como trabalhar a partir das várias representações da realidade. Num espaço de três anos, ouvimos um grupo de coordenadores de estabelecimento, ouvimos diretores de escola, ouvimos o que o gabinete de apoio ao aluno e a família significa. Aprendendo com coordenadores de estabelecimento A evolução no seu pensamento ao conhecer a instituição de instalação A evolução das dificuldades da intervenção A evolução nas dificuldades O trabalho intensivo com coordenadores de estabelecimento em escolas TEIP ajudou-nos a perceber como coordenadores se organizam e como interpretam a sua atividade. O “olhar pedagógico” sobre a atividade de coordenador, sobre o projeto educativo e sobre o papel dos coordenadores nele, para a sua execução, não é sempre claro e é interpretado de muitas maneiras diferentes. Por isso, pareceu-nos importante perceber as lógicas e as interpretações de quem assume uma liderança. Num curto atelier, no âmbito do programa TEIP II, convidamos perto de vinte coordenadores de estabelecimento, para executarem duas tarefas: elaborar a sua lista de tarefas como coordenador, e descrever um dia típico do trabalho de coordenador. A informação recolhida foi de seguida discutida em conjunto. Fruto deste trabalho intensivo, ficaram várias pistas de reflexão, úteis para desenvolver o diálogo entre amigo crítico e quem assume 46 responsabilidade de gestão no agrupamento. 1ª tarefa Cada participante elaborou uma listagem das atividades e tarefas que lhe compete como coordenador(a), na ordem em que se lembrava delas. De seguida, trocaram-se as listas elaboradas entre os presentes. Cada participante foi identificando, na lista recebida, as atividades ou as tarefas que considerava de pedagógicas. Depois de devolver a lista de tarefas a quem as escreveu, abrimos um espaço de discussão, durante o qual quem assim o quisesse argumentou porquê estava de acordo ou em desacordo com o que lhe foi referenciado como atividade pedagógica. Um posterior sistematização, devolvido a todos os participantes, tornou mais claro o que é considerado trabalho pedagógico e o que não o é e onde existem desacordos. A primeira tabela agrupa 98 das 189 tarefas, listadas entre 19 pessoas e junta as tarefas ou atividades não consideradas pedagógicas ou que não geraram consenso no grupo. Na segunda tabela aparecem as 91 tarefas deste conjunto de 189 que, de forma mais consistente, foram referidas pelos participantes, como pedagógicas, ainda que, na discussão, apareciam interpretações diversas tanto acerca da tarefa como sobre o seu carácter pedagógico. Tarefas listadas 189 Tarefas consideradas não pedagógicas 98 Tarefas consideradas pedagógicas 1. identificadas como não pedagógicas 51 4.1. Avaliação 46 4.2. Auscultar / dialogar 25 50 1.1. Burocracia 1.2. Processos pessoas 3 4.3. Organização da escola 1.3. Contactos com o exterior 1 4.4. Contactos com comunidade 1.4. Defesa grupos de pessoas 1 2. Identificadas pedagógicas ou não 36 2.1. Avaliação 5 2.2. Auscultar / dialogar 8 2.3. Organização escola 15 2.4. Alunos 6 2.5 Burocracia 2 3. Atividades dispersas 91 9 7 11 Tabela 1 Tabela 2 Para chegar a estes quatro grupos com os seus respetivos subgrupos, categorizamos da seguinte forma as tarefas e atividades referidas: 1. Tarefas consideradas não pedagógicas e não identificadas como tal. 47 Burocracia: papéis (32) e reuniões (14); Processos pessoas: alunos (1), adultos (1), avaliação sumativa (2); 2. Tarefas consideradas não pedagógicas embora identificadas por 1 ou mais participantes como tal. Avaliação: construção grelha autoavaliação (profs.) (1), avaliação de adultos (4); auscultar / dialogar: com subgrupos (4), ouvir e refletir (2), partilhar experiências (2); organização da escola: participar em projetos da escola (1), supervisão projetos (2), reuniões (4), reuniões visitas / EE (3), organização curricular de projetos (3), organização de visitas de estudo (2); alunos: resolver problemas (4), encaminhar (2); burocracia: mapas do leite e do almoço (2) 3. Atividades dispersas. (não categorizado: atender telefonemas, conversas fornecedores, por exemplo). 4. Tarefas consideradas pedagógicas e identificadas como tal Avaliação: Produzir material de avaliação (3), avaliação e supervisão de professores (3), supervisão da escola (1), avaliação do trabalho (2); Auscultar/dialogar: resolver problemas: (genérico) (4), com adultos (2), com crianças (3), entre adultos e crianças (4), de forma genérica (2), ser apoiante (4), refletir (2), partilhar (4); organização da escola: produção de materiais (4), organizar e articular o PAA (25), reuniões e articulações (18), articular com a empresa AEC (3) 2ª tarefa Cada uma das pessoas presentes descreveu um seu típico dia de trabalho, na qualidade de coordenador(a) de estabelecimento ou de departamento. Da descrição resultou um dia genérico que tem, geralmente, quatro blocos horários: três destes blocos situam se dentro do que podemos convencionar como horário do expediente (9 – 18 horas) e um está fora deste horário, sempre no final do dia. É o caso para 13 das 19 pessoas que participaram neste exercício. Cada um dos participantes procurou, na sua própria descrição, os blocos de tempo nos quais existem atividades que consistem em “ouvir crianças” ou “ouvir adultos” depois da descrição e da explicitação através da leitura de algumas provocações de Miguel Angel Santos Guerra5, chegandose a conclusão que de facto, três quartos do tempo dum dia típico de trabalho consiste em ouvir as pessoas. Em geral ouve-se duas vezes mais os adultos do que as crianças, e, no caso dos primeiros, são mais os momentos formais, em situação de reunião ou em contexto. As crianças são ouvidas em 5 Santos Guerra, Miguel Angel (2002). Uma pedagogia da libertação. Porto: Asa. 48 relação a assuntos formais ou ocorrências de vária ordem, enquanto os coordenadores com turma misturam o ato de ouvir as crianças da escola com o ato de ouvir as crianças da sua turma. Dia típico coordenador(a) - Total ouvir Ouvir adultos – total ocorrências sinalizadas Em reuniões formais 59 40 Ouvir crianças – total ocorrências sinalizadas 10 19 Acerca das atividades de enriquecimento curricular (AEC) 1 Ao telefone 2 Acerca de aspetos formais dos estudos 3 Lendo correio 2 Em pequenos grupos ou individualmente 2 Lendo correio em mão – cadernos, recados, etc 1 Estar disponível 2 Em conversas (informais?) de pequeno grupo 4 Acerca de problemas com crianças (envolvidas ou não) 3 12 Organizando uma visita de estudo 1 No ato de supervisão das AEC 1 Na sala de aula / não como coordenador(a) 6 Em reuniões de sub-grupo Contactos formais com superiores hierárquicos 4 contactos formais com encarregados 2 Com colegas acerca de estratégias para alunos 2 Contexto de oficina de formação / reflexão 1 Aprendemos que em muitas situações a tarefa não é ou deixa de ser pedagógica, quando o coordenador a considera como um simples ato burocrático, executado pelo professor, para cumprir uma ordem hierárquica da qual nem sempre procura ou entende o sentido. Mas qualquer um destes atos pode também ser um instrumento de regulação da vida da escola e das turmas, quando envolvendo os atores todos no processo pedagógico de aprendizagem e ensino para analisar, em conjunto, uma determinada situação e para perceber que existe um risco de absentismo, uma situação de aparente malestar do outro, uma chamada de atenção pela necessidade de diversificar algumas atividades. Parece-nos que muito do trabalho da gestão da escola pode passar por uma participação mais presente de crianças e professores e que mapas de recolha de informação devolvidos a quem forneceu dados para serem desmistificados, são um passo importante. Assim, o mapa dos almoços pode ser associado a um mapa de avaliação da qualidade e da apresentação da comida e in- 49 cluir um projeto, que visa o melhoramento do serviço dos almoços, interpretando o currículo como um guião flexível e impregnado da componente local nele previsto. Na discussão, as perguntas: “Quando é que a produção de material de avaliação é pedagógica, no sentido de ajudar a aprendizagem, através de processos de avaliação formativas? Quando é que esta produção se transforma numa situação de classificação, que não tem elemento formativo, mas um simples objetivo de seriação de crianças, sujeitas a regras de classificação, definidas por outras pessoas, e que não passaram por um processo de assimilação” ajudaram para a clarificação do trabalho com os coordenadores em relação a avaliação. O esclarecimento da atitude pedagógica ou administrativa por parte do coordenador, também nas questões de avaliação tem-se de facto, mostrado um elemento importante na perceção da escola e da identificação de “amigos críticos” internos. Da mesma forma, pode a organização do plano anual de atividades (PAA) constituir uma atividade meramente administrativa, de informação, como muito pedagógica: em que medida existe a articulação com os projetos curriculares de turma? Em que medida é que o PAA reflete os verdadeiros projetos dos grupos-turma, alunos e professores, para determinadas atividades, visitas, propostas, saídas e entradas? Foi-nos mostrado, com vários exemplos, que existe sempre o perigo que o PAA não passa dum instrumento conciliador entre instituições, que articulam, com a escola, atividades de ensino transmissivo por terceiros ou coadjuvados por terceiros e não revela preocupação nem da componente local do currículo nem da relação do aprendente com o saber, ou seja de um relacionamento de aprendizagem com o saber. No que nos foi dado a perceber, os coordenadores com quem trabalhámos consideraram que ouvir ocupa parte importante da sua rotina diária. Porém, esta escuta está, em muitos momentos, embutida em reuniões de trabalho. Quando a reunião é referida como conselho pedagógico ou de conselho de docentes, ela é quase automaticamente associada ao ato de ouvir os outros adultos. Qual é a diferença entre o ouvir a montante ou a jusante da cadeia hierárquica? O que é que esta diferença, se ela existe, provoca no dia-a-dia da escola, no relacionamento entre crianças e adultas. A nossa experiência nos conselhos pedagógicos e de docentes, faz-nos questionar novamente: de que tipo de ouvir se fala? É um ouvir para esclarecer dúvidas institucionais? Dúvidas acerca da interpretação de um documento legal? Ou é uma escuta centrada na descrição de um trabalho com crianças, 50 trabalho que foi discutido e regulado para procurar ultrapassar um determinado obstáculo para aprendizagem de uma ou outra criança? O que se passa com o que se ouviu nas reuniões? Que interpretação lhe é feita? Que ação decorre dessa interpretação? As crianças, na instituição escolar identificadas como os principais aprendentes, são, em termos absolutos, as menos ouvidas. Menos ouvidas do que os adultos significa que elas continuam a serem infantes, impedidas da palavra, por incapacidade de falarem? De quanto tempo dispõe um adulto na escola, para escutar uma criança ou um grupo de crianças, enquanto exerce as suas funções de coordenação? E o que se faz com o que se ouviu? Quem atua? Crianças? Docentes? As tarefas de avaliação estão mais ligadas a organização do que a forma. Por outro lado é dado bastante importância, no que se refere ao tempo, ao trabalho de planificação anual de atividades. Aqui, pareceu-nos importante perceber se a linguagem pedagógica se torne mais unificada em torno de um projeto de escola, e que grau de envolvimento existe dos vários atores. As nossas observações preliminares tendem a confirmar que quanto mais a escuta é traduzida, para que as palavras se tornem mais clara, em equipa, mais sentido ganha o projeto, porque mais suportado por muitos. A lógica da delegação As motivações dos amigos críticos A forma de acolher os amigos críticos Durante uma parte do processo da afinação da relação dos projetos de escola, fomos encontrando, com a equipa, o mesmo tipo de perguntas e de dúvidas, muitas vezes, nos diferentes agrupamentos onde intervimos. Sugerimos na primavera de 2010 um encontro entre líderes escolares, aproveitando a presença de Jan Dekker, professor na escola superior de educação de Enschede (Países Baixos) para um almoço de trabalho provocando uma discussão que se centrou sobre a forma de como lidar com contextos multilingues, trazendo a experiência neerlandesa. Durante o ano de 2010-2011, os encontros com líderes de escolas, nos quais os próprios se fizeram representar por responsáveis pela execução das ações do projeto educativo no âmbito do programa TEIP ou por responsáveis de departamento, em determinadas ocasiões, contribuíram para partilharmos e discutirmos os elementos chave que facilitam uma cultura de escola de mútuos amigos críticos. Os encontros permitiram quebrar a receção, às vezes bastante formal, de um consultor ou perito, no conforto do local de perma51 nência, para abrir portas a uma partilha, como Mcbeath a defende. Este processo, que não está concluído, mostrou mais claramente os quatro os elementos estruturantes para melhorar a escola e que apresentamos anteriormente: (1) a adaptação curricular e o componente local do currículo melhoram os resultados académicos; (2) a participação na regulação, por parte de todos os atores da escola, reduz a indisciplina; (3) A interpretação do conceito de diversidade implica processos diferenciados em sala de aula na relação pedagógica e (4) O processo de aprendizagem co-construido a partir das histórias contadas facilita dar sentido ao trabalho escolar. Confirmou-se a importância que tem o olhar pedagógico de quem lidera. Percebeu-se a importância de ter em atenção a diferença, no sentido mais lato da palavra, a importância de ambientes de estimulação rica para fomentar literacia e numeracia, a importância do envolvimento de todos os atores na regulação e o efeito que provoca na aderência a projetos da escola, e por fim, o papel importante do registo das histórias das pessoas, dos acontecimentos, das vivências, ou seja a escrita da história do grupo. O que aprendemos no fim do ano escolar 2011-2012, olhando para as avaliações internas dos vários agrupamentos de que a DGE forneceu os dados foi que uma correlação entre ambientes de maior amizade crítica no agrupamento e os resultados globais deste mesmo agrupamento. Ou seja, estes elementos estruturantes, sozinhos ou combinados condizem com uma escola com bom desempenho. Esta correlação foi discutida durante uma reunião de trabalho com os líderes e responsáveis para a execução do programa TEIP das respetivas escolas, no sentido de ponderar o delineamento das ações a privilegiar nos próximos planos de melhoria. Um assunto transversal – o GAAF O percurso dos amigos críticos dentro da escola A forma de trabalhar em grupo O ano 2009-2010 foi importante para perceber e compilar a experiência dos gabinetes de apoio ao aluno e à família (GAAF), que em alguns agrupamentos ganharam outro nome. O texto que segue foi produzido em conjunto com líderes de escola e técnicos de gabinetes e serviu de base para uma informação enviada à então DGIDC acerca do lugar que o GAAF ocupa no agrupamento. A iniciativa testemunha o trabalho em grupo, que neste contexto foi possibilitado pelo simples facto de, como amigo crítico em vários locais, termos a possibilidade de facilitar encontros onde pessoas tomam a 52 palavra. Trabalho de bastidores – o menos divulgado A ação dos técnicos, inseridos nos GAAF, e que têm como foco principal o apoio às famílias e aos alunos, é tanto mais eficaz quanto menos tempo de gabinete se gasta. O seu trabalho está essencialmente direcionado para a relação com as pessoas, pelo que muitas vezes passa despercebido, tanto dentro como fora da escola. Testemunhamos aqui a importância do seu trabalho e do contributo que significam para as famílias, os alunos, os docentes, o “clima” da escola e para a relação da escola com a comunidade em geral. Contributo para as famílias O GAAF tem intervindo e ajudado em situações nas quais as instituições e os serviços falham. Além de trabalhar a relação com a escola, construiu-se, em muitos casos, uma relação de proximidade que faz com que os técnicos do GAAF contactem, por exemplo, os serviços de fornecimento de água, gás e luz, servindo de intermediário entre pessoas pouco ou não letradas e a linguagem técnica ou opaca dos prestadores de serviços. Em outras situações têm impulsionado a organização de ações de solidariedade, instalando um ponto de recolha de comida e de roupa, para quem precisa, muitas vezes para o próprio bairro. Esta relação escola /família provoca − “mais envolvimento das famílias” (coordenadora) − “a ligação às famílias, nomeadamente através das técnicas sociais, valorizando e acompanhando o agregado familiar cujos elementos se encontram nas diferentes escolas do agrupamento.(vice-diretor) − “[uma] intervenção mais alargada [que se reflete] na relação das famílias com a escola.” (vice-diretora) Contributos para os alunos O GAAF revelou-se uma pequena estrutura, eficaz para o próprio desenvolvimento das ações que foram inscritas no programa TEIP da escola, e sustenta algumas atividades reguladoras de conflitos: − “Melhora a articulação entre as atividades do programa TEIP, nomeadamente as atividades de carácter menos formais e que implicam o envolvimento direto dos alunos – ex. assembleia dos alunos.” (coordenadora) − “Incrementa práticas e dinâmicas de sociabilização e grupo de pertença. (coordenadora) Complementarmente, os técnicos do GAAF têm a possibilidade de seguir 53 uma criança ou um adolescente, como membro de uma família, relacionado com outras pessoas, algumas das quais eventualmente também alunos da escola, permitindo um conhecimento mais global da pessoa e do seu contexto. Em agrupamentos com muitas escolas, e / ou com muitos alunos, eles facilitam também o olhar sobre um contexto familiar, podendo inclusivamente recorrer às lógicas familiares quando precisa estabelecer ligação entre a escola e a família. Uma miniequipa do género permite relacionar situações e intervir junto dos vários professores, das várias escolas onde alunos provenientes de uma mesma família se encontram. Em situações de abandono, ou de carências graves, é um fator importante para o “acompanhamento do percurso escolar, familiar e social dos alunos.” (Técnica GAAF). Aqui joga também o fator tempo. O tempo de qual os professores não dispõem, ao contrário dos técnicos do GAAF. Pela proximidade que vão obtendo junto às famílias, eles passam a ser aceites na mediação e no trabalho de reflexão com os alunos: “O GAAF é essencial, pois são os técnicos (Assistentes sociais; animadores; mediadores; educadores sociais) que identificam as problemáticas dos alunos. Desenvolvem junto dos alunos e famílias um trabalho contínuo e de reflexão sobre esses mesmos problemas.” (Técnica GAAF) Contributos para os docentes Nos vários agrupamentos que nos aceitaram como amigo crítico e onde técnicos do GAAF intervêm, verifica-se uma gradual articulação entre os diretores de turma e os próprios técnicos. Constata-se não só que os diretores de turma conseguem resolver mais facilmente conflitos entre alunos e a turma, mas também de diminuir o risco de abandono, devido ao diálogo constante entre os vários envolvidos. Não é de estranhar que, nestas situações, o técnico do GAAF aparece como uma espécie de tutor ou mediador da criança. É uma “mais-valia para os diretores de turma.” (coordenadora). Mesmo em escolas com as quais colaboramos como amigo crítico e que não integram o programa TEIP, um técnico do gabinete é muito importante para criar “condições para a elaboração de projetos [de vida e de trabalho].” (Vicediretor) E o “clima” da escola? A pacificação das relações, na escola, sente-se muito rápido, ainda antes que os números confirmam a tendência. O aparecimento dos técnicos, sobretudo nos recreios do 2º e 3º ciclo, tiveram um impacto imediato. Tirá-los seria contrariar o início de um processo que mostra a “diminuição do abandono e 54 da violência escolar” (coordenadora), “do absentismo e abandono escolar” (Técnica GAAF). Ao mesmo tempo, tornou-se um gabinete importante de auxílio à gestão do agrupamento “devido à importância no apoio ao nível estrutural, logístico, material, estatístico (instrumento de avaliação).” (Vice-diretor) Favorecer equipas de trabalho Como já referimos, sentiu-se que o “GAAF permite um trabalho articulado entre vários elementos, todos eles com diferentes saberes. Permite ainda a possibilidade de intervir de forma lúdica/pedagógico além da sala de aula. (Técnico GAAF). É importante mencionar que o GAAF foi considerado, pelos participantes aos encontros, um local de encontro de uma equipa multidisciplinar. E aqui, a constituição em rede de equipas GAAF, algo que foi fomentado entre equipas de agrupamentos que têm amigos críticos do programa K’CIDADE e até alargado a outros agrupamentos quando os seus amigos críticos souberam da iniciativa, tem permitido a partilha de algumas práticas promissoras, “de desenvolvimento de competências pessoais e sociais”. (coordenadora) Uma permanente pequena equipa GAAF agiliza este tipo de partilha e permite uma maior abertura do agrupamento. Quando existem problemas graves Uma equipa GAAF permite tornar as medidas disciplinares em situações em que elas se impõem mais eficazes, porque está permanente disponível para articular com parceiros. Uma medida que consiste em prestar serviço cívico só tem impacto quando existe um controlo apertado. Com uma estrutura GAAF é possível a “relação com os parceiros comunitários, nomeadamente com protocolos com entidades que visam o apoio ao aluno e famílias, ex. CPCJ, Tribunal, Cruz Vermelha, etc.” (coordenadora) e o “desenvolvimento duma cultura de não-violência em contexto escolar, familiar e social” (Técnico GAAF) Da comunidade para a sociedade O GAAF, enquanto pequena estrutura de intervenção, contando com pessoas dinâmicas, passa a ser uma entidade muito importante no agrupamento, mas também na comunidade na qual o agrupamento está inserido, o que ficou mais claro, neste momento, nos agrupamentos a partir dos quais aqui falamos. Com a comunidade O desenvolvimento das atividades de interligação escola comunidade não é 55 um trabalho exclusivo do GAAF mas ele é o catalisador para estabelecer a ponte. “Através do trabalho de todos os membros nele envolvido, permite um maior envolvimento da comunidade local pois o contacto com os parceiros existentes na zona é uma constante e com o contributo de todos, todos juntos ajudamos para criar uma identidade de escola.” (técnica GAAF). Pensando na intervenção na sociedade Nas reuniões de trabalho entre responsáveis, líderes de escola, técnicos e amigos críticos, foi mais do que uma vez afirmado que estamos a trabalhar em zonas onde uma falsa calma rapidamente se transforma em situações explosivas. A permanência de mediadores e educadores sociais e a “existência de equipas multidisciplinares de técnicos (sociais, mediadores, etc) nas escolas públicas, inseridas em comunidades problemáticas e de intervenção prioritária.” (diretor) é uma solução eficaz e barata para ajudar a evitar faíscas no barril de pólvora. Julgamos ter sido útil tornar o trabalho das equipas GAAF mais visível, dentro e fora das escolas. Foi interessante ver como o trabalho dos técnicos nos GAAF obrigou a colocar a relação pedagógica na agenda. Temos verificado que as escolas que envolvem ou procuram envolver todos os atores na regulação dos conflitos e na elaboração dos procedimentos internos, conseguem estender a discussão acerca da relação pedagógica para os conselhos de turma, ver, provocar a participação por parte das crianças na organização do processo de aprendizagem. Conseguem também a sustentabilidade dos baixos valores de indisciplina, abandono ou absentismo, quando estes dois últimos fenómenos se relacionam com o trabalho escolar stricto sensu e não derivam de situações de força maior6. O empenhamento ativo de todos os envolvidos é um marco constante e condição para melhorar as relações de autoridade e de respeito dentro da instituição escolar. Não se confunde aqui a autoridade do adulto sobre a criança com a sega obediência de adultos e crianças a normas que lhes são externos e impostos. O que temos verificado, é que, em situação de conflito, uma deficiente informação acerca do outro, neste caso, em relação à criança, provoca desentendimentos, que por sua vez 6 Ultimamente fomos variadíssimas vezes informados por diretores de escola que há crianças a faltar devido à incapacidade de custear os passes de transportes, quando a escola não fica à distância que se percorre a pé. Conhecemos também situações de abandono e absentismo devido aos baixos rendimentos dos pais e às deficientes estruturas sociais que não têm resposta para a guarda de crianças em idade de creche ou jardim-deinfância, obrigando irmãos mais velhos a encarregar-se de tarefas familiares. Outras situações ainda resultam de políticas de realojamento não sempre acompanhadas de reajustamentos da rede escolar. 56 dificultam a autoridade do adulto na sua função pedagógica e de mediação. Utilizar a informação disponível, para em conjunto analisar a situação e em função dela agir, inclusivamente fazendo propostas de alteração às regras, faz parte das possibilidades como algumas equipas evidenciaram. #4 O amigo multiplicado Um líder, um projeto O percurso dos amigos críticos dentro da escola. O acolhimento dos amigos críticos na escola Outra escola de periferia. A direção da escola inclui no seu projeto educativo um plano de formação, centrado sobre o trabalho de estudo autónomo e o trabalho em projeto, nos diferentes ciclos. Em função desta orientação curricular para a escola e do respetivo plano de formação, os líderes da escola foram à procura de modelos que lhes podiam ser úteis. De seguida, contrataram uma equipa de amigos críticos que, desde o início, foram apresentados na escola como equipa de formação, num processo de investigação-ação. Convidou-se os professores dos diferentes níveis de ensino para fazerem visitas de estudo a outras escolas, com projetos pedagógicos que iam ao encontro do que se imaginava ser interessante para a concretização das ideias esboçadas. Não se tratou portanto de nenhum processo de co construção de um projeto educativo de agrupamento. Procurou-se antes pelo contrário, provocar a população docente da escola para desenvolver formas de atuar e uma relação pedagógica diferentes àquelas que estava habituada. Parte da equipa de amigos críticos contratados já tinha colaborado com a escola e tinha feito um rastreio da situação junto com a direção. Depois de uma reorganização interna, fomos convidados para esboçar um plano de acompanhamento de três anos. Nestes três anos iriamos acompanhar os professores com turmas e/ou com tarefas de gestão na organização da escola para desenvolver modos de trabalhar que favorecem a interação entre as pessoas e que facilitam a gestão da diferença. Amigos críticos mútuos, na escola As motivações dos amigos críticos A forma de trabalhar em grupo A evolução no seu pensamento ao conhecer a instituição As visitas que o corpo docente deste agrupamento efetuou a outras escolas, 57 públicas e privadas, surtiram o efeito desejado. Ainda que não generalizado, pequenos grupos de interessados perfilaram-se e disponibilizaram-se para experimentar uma reorganização parcial, às vezes radical, do seu dia de trabalho e da sua interação com os alunos. A nossa presença na escola tornouse mais intensivo, logo no primeiro período do primeiro ano de intervenção. Passamos dias inteiros nas várias escolas do agrupamento. Primeiro nos corredores, na sala de professores e nos espaços de lazer ou de atividades extracurriculares para os alunos. Depois, quando se organizaram os grupos de formação de professores, nalgumas das turmas, normalmente como coadjuvante do professor titular da turma ou da disciplina lecionada. Desde cedo ficou claro que a agenda das interações ia ser definida por quem trabalhava na escola e não por nós. Mesmo com uma constante presença, os amigos críticos externos não tomavam a iniciativa; acompanhavam a iniciativa dos outros, ancorando a sua interação nela, questionando as opções e ações no sentido de as clarificar, de as tornar procedimentos conscientes. Numas escolas do agrupamento mais depressa do que noutras, pessoas procuraram organizar-se em grupos, para se constituir amigos críticos uns dos outros. Na sala de aula, crianças tornam-se tutores de outras crianças. Professores utilizaram parte do seu horário para se disponibilizar como tutores. Na sua reflexão e na sua escrita, os atores envolvidos no projeto comentavam e descreviam o seu trabalho, que em muitos aspetos, se vislumbrava como uma interação de amigo crítico em relação às pessoas que acompanham, crianças ou adultos. Com e entre crianças A introdução dos Tempos de Estudo Autónomo (TEA) nas rotinas de trabalho das turmas alterou, para os intervenientes, o teor da relação pedagógica. Muitas crianças utilizam o TEA para discutir dúvidas, normalmente com a professora, ou, quando se trata de assuntos que se resolvem facilmente, recorrendo às informações disponíveis ou a um colega. A atuação das crianças despertou, entre os adultos, interesse em perceber melhor como se procedem estas interações. Aceitando uma sugestão nossa, os professores envolvidos começaram a manter um diário de bordo que eles próprios analisaram, para depois discutir em conjunto as suas inquietações e interrogações, bem como as observações que faziam na sua própria sala. Para o fazer, recorriam em primeira instância aos grupos de formação existentes nas escolas, dinamizadas pelos amigos críticos externos. As curtas discussões entre adultos facilitaram a implementação de processos de interação e de gestão partilhada do trabalho, como dezassete dos profes58 sores, que participam, acabaram por testemunhar (Correia & Paulus (org.), 2012). A título de exemplo, referimos aqui o que uma das professoras nos contou. Depois de ter sugerido e discutido com as crianças a utilidade da introdução de um sistema de tutorias, e reformulando as suas interrogações, o surgimento de uma sistematização, como a que segue, permitiu a todos ver mais claramente como se poderão a seguir organizar melhor: Aspectos Positivos Aspectos Negativos • foram estabelecidas novas relações de trabalho dentro da turma • os tutores foram nomeados por mim, a turma não foi ouvida • as modificações do trabalho foram bem aceites por todos • há tutores que, apesar de terem boas notas, não conseguem transmitir aos colegas os seus conhecimentos • começa a notar-se uma maior responsabilização pela definição / realização / conclusão dos trabalhos • é complicado definir horários que consigam ser “flexíveis” para todos os envolvidos • há poucos tutores e muitas solicitações de ajuda • há alunos que não foram considerados por mim como tutores mas que são muito solicitados pelos colegas Propostas de Alteração • deixar que haja novas propostas feitas pela turma no sentido de alterar os tutores ou juntar novos elementos ao grupo de tutoria • eliminar a professora do grupo de tutores e deixá-la apenas a trabalhar com o grupo do segundo ano, durante o tempo de TEA (Vaz, Susana. 2012: 58) Neste caso específico, o grupo resolveu adaptar a grelha de registo que utilizava para o TEA, tornando a tutoria mais explícita e mais contratualizado entre todos, facilitando a tomada de decisão das próprias crianças nas suas tutorias cruzada, que, retomando uma ideia de Anne Jorro (2009), se apresenta como trabalho de amigo crítico mútuo entre crianças. No caso do trabalho com as crianças, o professor amigo crítico interveio também na gestão de conflitos, no sentido de ajudar a esclarecer, recorrendo a instrumentos de nas quais encontra potencialidades. A coresponsabilização afigura-se como uma possibilidade para ajudar as crianças nesta gestão. Houve quem introduziu alterações na forma como eram discutidos os assuntos na sala de aula. Deixamos aqui novamente um 59 exemplo: “… alguns alunos manifestavam-se e achavam que deveria haver castigos para quem se portasse mal. Ficou no ar a ideia de elaborar uma lista de castigos em conjunto com os alunos. “Mas como? Qual a melhor forma para tratar deste problema da turma?” pensava eu. Foi aqui que surgiu a ideia de vir a implementar a assembleia de turma na sala mas ainda não me sentia muito à vontade para o fazer, não sabia bem como o fazer em termos de organização. Entretanto, numa das sessões da formação foi abordado este tema e houve explicação, mostra e partilha de alguns instrumentos utilizados por [colegas] na sua sala de aula: o diário de turma com os seguintes parâmetros: não gostámos, gostámos, fizemos e propomos.” (Gonçalves, A.P., 2010: 123) A introdução na sala de aula de um instrumento de gestão, como o referido diário de turma, que outros identificam como diário de parede, e, nalguns casos, de jornal de parede, permite uma discussão mais cuidada a partir de uma agenda mais organizada, permitindo focar a resolução de situações de problema em vez da cega aplicação de regras em função do desvio a uma norma. Continuando como o grupo com o qual ilustramos esta ideia, percebemos que: “A discussão dos conflitos inscritos no Diário de Turma era analisada no Conselho e democraticamente, eram discutidas as situações prejudiciais ao grupo. É pelo grupo e para o grupo que as regras são reajustadas e avaliadas permitindo que todos se sintam responsáveis por esta regulação.” (Gonçalves, A.P., 2010: 123) A escuta feita às crianças permitiu uma gradual e cada vez maior intervenção delas na organização e na planificação do trabalho. Preferindo, como aqui também se ilustrou, o termo conselho ao termo assembleia, para designar o espaço e o tempo dedicado ao órgão regulador do grupo, a mudança de nome ocorreu na presente situação quando se constatou que as crianças utilizaram este novo espaço, e que ela se foi apropriando ao mesmo tempo, para sugerir atividades, para regular o trabalho, para gerir um projeto. Consideramos que neste espaço e tempo, é possível ser amigo crítico das crianças, alunos da turma, ouvindo, apoiando e conduzindo as sugestões que são feitas neste espaço de regulação. De igual forma, vemos aqui também a possibilidade de crianças serem amigo crítico umas das outras, no espaço-turma regulado pelo conselho. 60 Com e entre professores Neste agrupamento vimos dois movimentos ao mesmo tempo, quando consideramos as relações de amigo crítico. Por um lado existia uma proposta mais institucional, que passava pela introdução de professores pivôs, que asseguraram o fluxo de informação entre todos, baseado na sistematização daquilo que cada um disponibilizava do seu diário de bordo, e por outro, surgiu uma organização, em dois anos consecutivos, de um ou mais pequenos grupos que tomaram o formato de uma comunidade de aprendizagem entre pares, nos quais uma, ou mais do que uma, pessoa assumia o papel de mediador e facilitador. No primeiro ciclo o grupo mais institucional de pivôs, foi inicialmente constituído pelas coordenadoras das escolas e mais três professores das escolas maiores. Ao longo do ano juntou-se uma professora ao grupo de pivôs na sequência do trabalho desenvolvido na formação. Pretendia-se que este pequeno grupo de pivôs se constituía amigos críticos, treinando-se para o efeito, através de encontros mensais, intercalados com as reuniões de formação com o grupo todo, nos quais analisavam as reflexões que elas próprias e as suas colegas faziam a partir dos seus diários de bordo. As discussões que seguiam iam no sentido de preparar as sessões de grupo e discutiam formas de abordar estas. No início este trabalho não foi sempre fácil, contando com algumas resistências: “Tenho de referir que nem sempre a tarefa foi fácil. As colegas, por vezes, referiam as dificuldades que tinham em dar continuidade ao projeto.” (Cachaço, F., 2012: 20) A escolha dos pivôs estava parcialmente predefinida, uma vez que a liderança do agrupamento sugeriu a inclusão das coordenadoras de estabelecimento no grupo. De resto, colocou-se ao critério das coordenadoras quem envolver mais nesta tarefa, que implicava mais horas de trabalho. Assim, alguns amigos críticos no papel de pivô, tiveram que ganhar credibilidade junto de colegas mais velhas ou com mais anos de serviço. Na maior parte das situações, isto aconteceu quando se percebia a vantagem de passar a contar com quem refletisse com todo o grupo, a partir de uma sistematização facilitadora de observações, ideias e fixação de ocorrências críticas por escrito. A partilha de recursos e estratégias e a organização de alguns instrumentos de regulação, ou que permitiam a diferenciação pedagógica, foi outro elemento importante para que houvesse uma instalação de algumas rotinas de intercâmbio. 61 Por outro lado, o papel de uma das coordenadoras foi importante nessa perceção gradual que o que se pretendia não era mais do que “Eu tenho um saber que ponho à tua disposição para que tu faças uso dele” como ela própria refere (Gomes, N., 2010: 22). Assim, da evolução de o que é a função do pivô, esboçou-se outra proposta, mais abrangente, de pessoas que assumiam que existem formas de ver a realidade, e que estas formas de ver dependem do percurso de cada um, bem como dos saberes, dos dogmas e dos preconceitos que cada um leva consigo. Por isso, alguns professores organizaram-se num grupo de reflexão espontâneo que fica referido como grupo de autoformação cooperado, reforçando o papel de amigo crítico recíproco, interno à escola. Neste grupo de trabalho, os professores apoiaram-se uns nos outros, partilharam as suas dúvidas e inquietações e continuaram a relatar a sua prática pedagógica e a refletir sobre ela, juntos. Em cada sessão de trabalho definiuse o que pretendiam discutir e como resultado desta discussão e partilha: “houve alterações no desenho e nos modos de utilização dos Planos Individuais de Trabalho, na regulação do Trabalho Autónomo, na regulação das parcerias dos alunos e apoios individualizados dos professores, nas sessões coletivas do Trabalho de Texto e a introdução de um registo individual de apoio ao trabalho de revisão de texto.” (Correia, C. e Gomes N., 2012: 156) Grupos deste tipo possibilitam o questionamento mútuo, afigurando-se parcerias entre amigos críticos recíprocos mas ao mesmo tempo permitam o acompanhamento de recém-chegados, o que faz perfilar uma espécie de tutoria para a profissão, como foi possível de nos aperceber a partir do testemunho de uma das professoras participantes neste espaço-tempo de reflexão: “Na escola do Cabo, surgiu um grupo cooperativo, cujo objetivo era discutir algumas estratégias de aprendizagem-ensino. A Cármen Correia, a Filipa Rodrigues e o Tiago Favinha partilharam com um grupo de professores uma série de atividades e rotinas relacionadas com a organização da sala de aula, que punham em prática com os seus alunos. Com esta partilha, passei a utilizar o diário de turma e a realizar o conselho de turma. No entanto, surgiram algumas dúvidas e, por isso, reunime com a Cármen na escola da Granja, onde discutimos questões de organização da sala de aula e estratégias a desenvolver em relação ao trabalho de melhoramento de texto.” (Lopes, S. cit. in Correia & Paulus (org.) 2012: 157) 62 O trabalho com os professores do 2º e 3º ciclo organizou-se em primeiro lugar em torno dos conselhos de turma (dos professores) e dos diretores de turma. Uma reorganização no desenho curricular permitiu proporcionar a cada turma um bloco diário de 90 minutos de Trabalho de Estudo Autónomo (TEA) regulado por um plano individual de trabalho. Numa primeira fase foi necessário implementar esquemas de formação, na qual a formadora se assumiu amiga crítica de um processo e de um grupo de professores que lideravam um processo. A dificuldade residiu sobretudo no facto de existir pouca confiança na capacidade autorreguladora de crianças e adultos, quando confrontados com um instrumento de monitorização como o é o plano individual de trabalho. Assim surgiram no início, propostas de trabalho que pouco tinham a ver com diferenciação através da utilização do mesmo plano: no concreto, os professores planificavam quinzenas de trabalho para os seus alunos, sem sempre averiguar a pertinência de algumas propostas quando vistas à luz da integração disciplinar. Além disso, continuaram a definir quase por inteiro o trabalho a ser feito pelas crianças. Aqui, ainda mais do que no 1º ciclo, as tutorias foram importantes, para que professores e alunos se ponham a planificar em conjunto. A relação de amigo crítico entre professores e alunos, mas também os relatos dos alunos tutores de outros, ajudaram a reorganizar os planos de trabalho no sentido de serem de maior pertença de quem que o execute. Esta evolução teve o seu reflexo nos conselhos de turma dos professores, reconvertidos em espaços de formação contínua, baseadas na interação entre todos os intervenientes nos blocos de trabalho em TEA. Tal como no 1º ciclo, foi introduzido a figura de pivô numa estratégia de manter sustentável a reorganização curricular, nomeadamente sob ponto de vista pedagógica. Com as lideranças de topo e as lideranças intermédias. O trabalho entre os amigos críticos e os coordenadores de departamento e de estabelecimento não se revelou sempre fácil. Mesmo com um forte empenho por parte da direção da escola, para incentivar a reflexão pedagógica, existiam contradições organizacionais, e nem sempre era possível promover a reflexão partilhada entre professores. Nalgumas situações foi necessário rever a atribuição de serviço, decisões nem sempre compreensíveis, nem com resultados imediatos. Muitos dos documentos produzidos acerca deste agrupamento, evidenciam uma direção, na maioria das vezes com postura de amigo crítico. Exatamente por essa razão, a gestão se tornou-se mais com63 plexa, porque se assume a discussão entre pares, o que não impede que há momentos em que decisões se impõe, não porque são as melhores decisões, mas porque são o compromisso possível no momento em que são tomadas, entre uma gestão escolar que se diz com maior autonomia do estado, e que na prática não se verifica, e uma proposta de reorganização do trabalho focado no sucesso de cada criança individualmente, o que em muitas situações leva tempo. O trabalho de amigo crítico obriga a um paciente olhar, neste caso como em todos os outros, sobre a realidade que a escola do 2º e 3º ciclo apresentam. Notas finais A evolução da dificuldade da intervenção A evolução nas dificuldades O trabalho dos amigos críticos internos e externos neste agrupamento obedeceu a um processo atípico e caro. Durante três anos foi contratada uma pequena equipa de amigos críticos externos, polivalentes, três dos quais passaram em média 15 horas por semana nas escolas do agrupamento. Este investimento inicial permitiu consolidar, em parte do 2º e 3º ciclo, a reorganização dos tempos de estudo autónomo e a condução dos processos de coadjuvação e de reflexão, primeiro com os amigos críticos externos, depois com os amigos críticos internos. No 1º ciclo foi possível envolver aproximadamente a metade do corpo docente em grupos de discussão e numa rede de partilha, sobretudo interna à escola. De certa forma, o mais fácil foi vencer os obstáculos iniciais, incluindo as resistências de professores para desvendar o seu trabalho em sala de aula. Uma das virtudes que também é uma das fraquezas da intervenção é que parte do trabalho se baseia em atividades assumidas voluntariamente. De facto, confirmou-se que o processo é lento, e por ser lento, também caro, não concluído, na altura em que escrevemos, a execução do projeto educativo do agrupamento. Referências bibliográficas Correia, C. & Gomes, N. (2012). “Criação de um grupo de auto-formação cooperada” in Correia, C & Paulus, P. Trabalho escolar com sentido. Lisboa: E-livro. Correia, C. & Paulus, P. (2012). Trabalho escolar com sentido. Lisboa: Elivro. Gonçalves, A. P. (2012) “Diário de turma / Conselho de turma” in Correia, 64 C. & Paulus, P. Trabalho escolar com sentido. Lisboa: E-livro. Vaz, S. (2012). “Trabalho em Tutoria” in Correia, C & Paulus, P. Trabalho escolar com sentido. Lisboa: E-livro #5 Amigo das perguntas A forma de acolhimento na escola Um agrupamento com duas realidades. As escolas do primeiro ciclo, fechados nos seus respetivos bairros, recebem unicamente crianças do bairro. A escola de 2º e 3º ciclo recebe as crianças de todas as escolas de primeiro ciclo. Existia, há alguns anos atrás, um ambiente difícil, originado pela complicada mistura das pessoas provenientes de bairros diferentes. A proposta de trabalho da direção do agrupamento consistia sobretudo em fomentar o diálogo e o conhecimento do outro. Tinha uma ideia bastante clara sobre o que queria fazer. Queria um amigo crítico que pudesse acompanhar as sucessivas iniciativas e ações, limitando-se a fazer perguntas e explorar cenários. Apresentou um projeto de escola que deveria permitir a participação de todos os envolvidos na elaboração de uma identidade de escola. Dividi o texto em três blocos, em torno da palavra observatório, uma das palavras-chave aqui. A observação incitou sempre a intervenção, de todos os envolvidos em cada espaço de observação. O observatório do amigo O percurso do amigo crítico dentro da escola. As motivações do amigo crítico. Conhecemo-nos numa reunião de trabalho, organizado pela tutela para explicitar o âmbito do programa TEIP 2. Aqui, a direção do agrupamento apresentou, entre pares, uma breve caraterização do contexto de trabalho e as ações que gostava de desenvolver para concretizar o seu objetivo de tornar o agrupamento um local com interações dialogantes, entre todos os atores, seja no que se refere às crianças provenientes dos diferentes bairros e das diferentes escolas neles integradas, seja entre adultos e crianças, a partir de projetos curriculares de turma mais consistentes. A relação com a escola e as pessoas da escola revelou-se extremamente fácil. Muito do trabalho estava em função da devolução da informação. As primeiras reuniões serviram para conhecer as ações, proporcionando uma reflexão crítica com cada um dos responsáveis dos projetos e das ações incluídos no financiamento TEIP, acerca dos pontos de partida e dos resultados existentes, traçando objetivos, discutindo o ajustamento da recolha de 65 provas em função da monitorização pretendida. Três meses depois, terminou-se uma segunda ronda, que tinha sido pensada como reuniões de seguimento da fase de arranque do projeto, e que permitiram ajustar instrumentos de recolha de informação e uma primeira análise de tendências, o que facilitou a reformulação do plano de melhoria logo no fim do primeiro ano de financiamento. Devido ao seu carater de cariz essencialmente pedagógico, as ações relacionadas à gestão do projeto curricular de turma, bem como as ações relacionadas com tutorias e coadjuvação, previram pequenos momentos de trabalho com os respetivos professores para os quais fui convidado e nos quais participei em várias ocasiões. Como existem no agrupamento e na direção pessoas com grande capacidade de fomentar a reflexão entre todos, a instalação de momentos de reflexão em base regular tornou-se possível. Foi outra fonte de motivação. No primeiro ano do programa TEIP participei em alguns ateliers ao longo do ano. Fazem neste momento parte das rotinas de trabalho do agrupamento, tal como as jornadas pedagógicas (ver infra). Da mesma forma como me foi proporcionado uma relação de trabalho com todos os responsáveis da ação, também me foi possível acompanhar de perto, em sucessivas reflexões críticas, com a direção e o coordenador TEIP, a gradual implementação e divulgação do projeto educativo e da sua apropriação por parte dos alunos e da restante comunidade educativa. Muitas das sugestões aqui deixadas eram adaptadas à realidade local, revelando um olhar sempre muito atento por parte de todos os envolvidos nas discussões. Senti desde cedo existir a possibilidade de aumentar a intervenção ativa das crianças e dos adultos não dirigentes, pelo que passou a ser uma das principais motivações, interagir neste sentido com a liderança da escola, procurando criar instrumentos de monitorização, fáceis de usar e que permitiam um rápido retorno a todos os envolvidos. Assim, baseou-se num cronograma de execução, assinalando os desvios nos prazos de execução previstos, duas fichas de trabalho por ação: uma com a identificação das ações, responsáveis, objetivos, indicadores, evidências e fontes de verificação, outra descrevendo o desenvolvimento da própria ação, através do registo de ocorrências. No fim do ano escolar 2011-2012, pensamos em mais uma ação que despoletava reflexão, em torno de perguntas simples que podiam facilitar a adaptação de projetos curriculares de turma, nos momentos de transição de ciclo. Apontamos que o trabalho com os professores poder-se-ia basear em perguntas do tipo: “2 ou 3 coisas que assumem as crianças trazerem consigo do ciclo anterior”; “2 ou 3 coisas que as crianças trazem e que não estavam a 66 espera”; “2 ou 3 coisas que assumem que as crianças levem consigo para o próximo ciclo”. O observatório do agrupamento A forma de trabalhar em grupo O trabalho de amigo crítico facilitado pela postura dos interlocutores possibilitou ao longo do primeiro ano, uma interação que se aproxime do figurino de uma investigação-ação, com constante escuta e de devolução, aos interlocutores no agrupamento, da reflexão, a partir desta escuta. Esta atitude revelou-se muito frutífera. Depois de abordar algumas dificuldades de gestão dos espaços exteriores, a direção identificou como pontos de intervenção necessários: − Fazer um apanhado geral da problemática verificada em várias situações que eventualmente ocorram no espaço Escola: Refeitório, Ginásio, Polivalente, Recreios e outros; − Enfrentar situações problema ligando-as à determinação de objetivos pedagógicos; − Implementar o desenvolvimento de técnicas de observação e análise orientadas, de situações problema; − Praticar a cidadania através de abordagens reais; (documento de trabalho, Direção do Agrupamento) O documento serviu de base para o lançamento do observatório dos alunos de que falo a seguir. Entretanto, e questionada acerca do envolvimento dos alunos no dia-a-dia da escola, a direção procurou perceber em que medida era possível que as crianças se apropriassem do projeto educativo da escola. A resposta surgiu sob forma de material audiovisual, em que professores e alunos do 1º ciclo, mas também educadoras de jardim-de-infância procuraram uma tradução do projeto educativo em linguagem abordável pelas crianças do 1º ciclo e tradução em língua gestual, incluído no sítio da escola. Na esperança que este trabalho facilitasse a referida apropriação, ficou o desafio para que as crianças e os professores escrevessem o seu conteúdo, participando ativamente na sugestão e realização de projetos de trabalho para a sua concretização. Interrogado sobre a forma como acompanhar o trabalho pedagógico em sala de aula, referi a utilização de diários de bordo autoanalisados e posteriormente discutidos em conjunto. Experimentou-se a escrita com quem estiver disponível para o fazer. Assim, lemos numa das interrogações discutidas: “Nós, professoras continuamos a inovar, através de ideias que nos vão 67 surgindo, sugestões dos próprios alunos e meios complementares como: inquéritos, diário de turma, o livro de reclamações da turma, as grelhas de observação, grelha de autoavaliação, de leitura e de comportamento. Através destes registos fazemos uma leitura mais precisa das atitudes, valores e evolução dos alunos a vários níveis, o que nos permitirá, se for necessário tomar novas direções” (Análise disponibilizado de DT) Suscita um comentário por parte dum elemento da direção que revela do interesse em se colocar numa postura de amigo crítico: “Reparem que ao refletirem conseguem dar um passo em frente, mesmo que a resposta não seja óbvia. De momento já há resultados que podem colocar na coluna “resultados”: indicadores, situações que conseguiram construir em conjunto e que resulta no trabalho da turma. (…) Sugiro também que façam o registo da evolução do grupo turma: mais empenhados/ dificuldades ultrapassadas ou não. (Diário de bordo reunião DT’s) No fim do primeiro ano de intervenção, a direção convidou um grupo de professores com quem se reuniu ao longo do ano em ateliês pedagógicos, a participar numa partilha de experiências interna, sugerindo que cada um que quisesse, apresentasse um curto momento de prática que gostasse de partilhar com os outros. Foi uma proposta pensada em conjunto, para dar oportunidade a quem tinha estado nos ateliers pedagógicos ao longo do ano, mostrar o seu percurso entre pares. Acompanhei esta troca de experiências, reforçando a ideia de treinar amigos críticos internos na escola. De facto, a partir do segundo ano do programa, os ateliers passaram a estar abertos a todos, em base voluntário, o que provocou um aumento de participantes. Dois anos e meio mais tarde participei numa apresentação feito por alunos e técnicos, à direção da escola. Trata-se do visionamento de uma encomenda para ajudar a perceber como se gera indisciplina, com comentários por quem passou por ser conotado como indisciplinado. Com a autorização dos pais, criou-se, em curtos filmes, uma serie de situações que potenciam malentendidos e comportamentos agressivos, de parte a parte. Na altura discutimos algumas questões com o convite de as tratar, onde for possível: “Qual é a mensagem a passar? Como funciona o “respeito”? Qual a relação entre sala e assembleia de escola? Quais os locais mais propícios para discutir?” Entretanto, há uma situação que preocupa. Alguns professores, novos no agrupamento argumentam que “dar nota negativa serve de chamada a atenção”. É difícil demonstrar que a nota negativa não serve de estratégia para 68 motivar seja quem for. Fala-se da aceitação que existe entre os alunos para o trabalho de tutoria bem orientado. Fica a sugestão de abordar o assunto numa conversa entre alunos e professores, por exemplo na sequência do filme sobre a gestação de focos de indisciplina. O trabalho com crianças que estiveram muito tempo fora da escola e que agora se estão a frequentar as aulas com mais alguma regularidade é também propício a momentos de difícil gestão. Aqui, falamos de formas de atuar no contexto das turmas especiais, na França, sugerindo alguma discussão em torno de textos de Philippe Meirieu ou de Fernand Oury. Os ateliers continuaram e continuei a participara pontualmente neles. Para uma sessão de trabalho em torno do novo programa de matemática para o 1º ciclo, preparamos um dia a partir de perguntas previamente entregues pelos professores participantes. Focou-se, através de exigências concretas do currículo não negociável (operações básicas, raciocínio matemático, desenvolvimento de conceitos geométricos), a elaboração de processos de trabalho de longa duração, explorando o Geoplano, o material Cuisenaire e problematizações matemáticas, a partir de situações reais. Montaram-se linhas estratégicas de intervenção, procurando perceber pontos de passagem obrigatórios dentro de uma abordagem flexível decorrente das caraterísticas diferentes das turmas. Não tudo é fácil. Falámos da dificuldade que alguns professores do 1º ciclo continuam a ter em partilhar informação. Focámos neste fim de 3º ano de execução do projeto educativo, da dificuldade que outros adultos têm em assumir a diferença entre as crianças. A discussão é complicada, porque o percurso de curricula adaptado, fora da turma de referência, espreita sempre. A diferenciação dentro da sala de aula ainda é de difícil aceitação, sobretudo no ensino por disciplinas. O observatório do aluno Numa das últimas reuniões do ano letivo 2011-2012 revimos a implementação do observatório do aluno. Fizemos um pouco a história do envolvimento dos alunos na escola, sabendo que neste momento existem assembleias de turma ou equivalente em 100% do JDI e dos 2/3 ciclo e 80% do 1º ciclo. Sem dúvida, a provocação para traduzir o PEA em linguagem entendível pelas crianças, foi importante. Envolveu professores de 1º ciclo, alunos ouvintes e surdos, e monitores de língua gestual. Colocou-se a tradução do PEA no site da escola. Três anos depois, a LGP está nos AEC e é oferta de escola para o 3º ciclo. Ouvintes aprendem a comunicar com surdos, um con- 69 ceito diferente do que a integração de surdos. Pouco a pouco, alunos e professores envolveram-se num trabalho de escuta e de registo, analisando o tipo de problemas. Esta análise, periodicamente entregue ao observatório interno do agrupamento, permitiu aos adultos que nele participavam, sugerir a implementação de rotinas reguladas. Nas escolas criaram-se os observatórios de alunos. As crianças observam e sugerem (condição para ser aceite a observação). Existem dois cenários: envolve externos, é feito pela escola. A intervenção é eficaz em várias situações, ligadas a gestão da escola e não tanto ligadas a gestão das aprendizagens: − Com os cortes nas verbas para o expediente, o dinheiro para água e eletricidade não abunda. Vigia-se em conjunto a poupança de energia através do controlo coletivo da utilização de luz e aparelhos elétricos e a análise das faturas é feito junto o observatório de alunos − As filas de espera entre adultos e crianças, na cantina foram sujeitas a regras determinadas em conjunto. − Discutiram-se algumas regras de atuação para, entre adultos e crianças, preocupar-se da forma como se fala uns com os outros, dentro do recinto escolar. Atualmente também observa-se como intervir junto aos “adultos mal humorados”, na vizinhança. − Analisa-se em conjunto os gastos com produtos de higiene e limpeza. O controlo coletivo destes gastos leva a que 3 anos depois, a escola gasta menos em produtos e horas de limpeza, porque suja-se menos. Do observatório do aluno convém referir ainda que se apontou, como condição para o êxito, ele nunca conter informação acusatória, mas que se rege pela sinalização de situações com sugestões de resolução. Nenhuma sinalização fica sem resposta, mesmo quando se trate de esclarecimentos que podem levar tempo a chegar, como no caso de aspetos de gestão, para os quais o agrupamento depende de outras instâncias. Nem todas as turmas se organizam da mesma forma. Embora com grande número de turmas a organizar uma assembleia prévia ao observatório, depende sempre da turma o que será levado para aquele órgão. É importante verificar que a agenda que existe em cada turma permite tratar dos assuntos da turma em própria sede. Só é levado para o observatório, que funciona como uma espécie de assembleia geral de cariz representativa, o que não se consegue tratar na turma, pelo teor do assunto abordado. Não é permitido a acumulação de cargos. Na maioria dos casos a assembleia de turma, mais frequente, tem rotatividade na presidência, enquanto a representação no observatório é feito por um delegado, por norma não presidente 70 de assembleia de turma. As assembleias de turma dos 2º e 3º ciclos raramente discutem a condução do currículo. Isto só acontece em algumas turmas do 1º ciclo, como também existem turmas de jardim-de-infância que discutem projetos de trabalho que irão desenvolver. Não é uma situação frequente no agrupamento. Por outro lado, a estrutura não acumula todo. Há lugar para iniciativas espontâneas ou paralelas, decorrentes de projetos ou de vontades. Foi o que se verificou com a horta da escola, que se generalizou a partir do trabalho incluído no currículo para a vida (a escola é escola de referência para crianças deficientes) e baseado em trabalho voluntário. Um outro projeto que não passou pelo observatório é o banco imaginário da leitura, que se baseia no voluntariado entre crianças em ler livros para outras turmas, sem pedir nada em troca. Da mesma forma, a sala de estudo voluntária, envolvendo alunos e professores, para apoio, em momentos livres, sem nada pedir nada em troca se regula por si própria. Nos fins de 2012, assisti a uma das reuniões do observatório, com a presença da vereadora de educação, permitindo abordar alguns assuntos relacionado com a manutenção dos edifícios e a recolha de lixo, bem como do equipamento de escolas de primeiro ciclo. Existe a propostas de avançar com o observatório da qualidade da cidadania no agrupamento, incluindo o atual observatório, um observatório relacionado com o incumprimento do regulamento interno, incluindo aqui a atuação dos adultos nalguns aspetos relacionados com a organização da escola, como a gestão de marcação de testes por exemplo. Este observatório da qualidade da cidadania no agrupamento envolveria também um projeto de mediação de conflitos entre crianças e entre adultos e crianças, incluindo a formação para a mediação em contexto de oficinas internas abertas para crianças e adultos. O observatório do aluno está consolidado. As reuniões com os representantes são regulares. As assembleias de turma nos 2º e 3º ciclo ganharam estatuto em muitas turmas. Neste momento há um potencial foco de tensão. Perante as observações e intervenções dos alunos, há alguns professores que se questionam sobre o efeito desta democratização nos órgãos consultivos. Por enquanto é uma preocupação intelectual, não necessariamente hostil. Prevemos para o futuro próximo uma intervenção minha para discutir com os professores as evoluções da forma escolar deste agrupamento, as consequências que isto traz para toda a comunidade e que focos de atenção surgem a partir daí. 71 Nota final A evolução Registo apenas algumas observações que me foram feitas pela responsável para a monitorização das ações TEIP. Foi me contado que há tantos professores a se inscreverem voluntariamente para oficinas pedagógicas, não só para ouvir, mas também para apresentar um ou outro trabalho realizado pelos alunos. A diretora considera que a “A nossa cultura é muito de devolução”. O entusiasmo de quem começou a participar, professor ou aluno, faz observar uma das coordenadoras de departamento: “não sei para onde isto nos leva”. E como referiu um aluno, o observatório “não é uma questão de só tomar conta”. 72 Histórias sem fim Escolhemos cinco heterónimos do amigo crítico. Três situam-se diretamente na equipa de educação do programa K’CIDADE – apoio às escolas. Dois outros interlaçam-se com a equipa mas desenvolvam ou desenvolveram o seu trabalho fora da área de intervenção do programa. Histórias sem fim, ou histórias que ficam para contar? Aqui estão cinco, de amigos críticos que trabalham num universo que ao todo reúne cento e cinco agrupamentos. Explicitamos porque nos consideramos amigos críticos e o que nos separa dos consultores ou dos peritos externos. Fieis a uma vontade de trabalhar com as pessoas, como o faz o verdadeiro educador lembrado por Paulo Freire, quisemos construir caminho à partir da experiência e da vontade dos outros com quem nos relacionamos. Colocamos sempre o nosso saber ao dispor, partilhando as nossas vivências com as vivências e o saber daqueles que nos procuraram e que procuramos. Não sabemos se em todos os cento e cinco agrupamentos há um amigo crítico. Cruzamo-nos com alguns e convidámo-los para a escrita das suas histórias. Ficamos contentes por saber que há quem se pôs a escrever. Significa que haverá menos histórias que ficarão para contar. Histórias sem fim. Nenhumas das cinco aqui relatadas têm fim. A amizade que se desenvolve com as pessoas que fomos encontrando ao longo dos anos e os projetos que procuramos desenvolver em conjunto, os momentos de alegria, de zanga e de desespero, não terminam pelo simples facto de os pôr em papel. Aliás, o que procuramos fazer não foi mais do que contar um processo de reflexão e de aprendizagem, de quem se envolve com os outros numa amizade crítica e profissional. A gravação do filme acaba no momento da devolução deste texto, mas os atores continuam a trabalhar nos seus contextos. E nós, amigos críticos, continuamos a sentirmo-nos atores convidados. Poderemos continuar a história do amigo no multi-mundi, onde se adivinha um desenvolvimento interessante no momento em que a escrita para. Os observatórios do amigo das perguntas irão inspirar certamente novas aprendizagens de parte a parte, que poderão ser contados em outro momento. Foi fascinante perceber como foi possível desenvolver uma relação de amizade crítica numa escola onde a partida o plano de melhoria parecia estar condenado ao fracasso. Haverá certamente mais para contar a medida que se continua a reflexão e a aprendizagem em conjunto. A busca de líderes não acabou. Estamos muito interessados em continuar a refletir com quem tem res73 ponsabilidades de gestão nas escolas acerca dos elementos estruturantes que permitem que a escola se torne um lugar mais apetecível. As histórias não acabam aqui. Porque são histórias que contam a aprendizagem, fruto de processos de interação e de pesquisa sobre a relação pedagógica na escola do futuro, numa altura em que, demasiadas vezes, se vislumbra o regresso à escola normativa de La Salle e Demia, concebida para disciplinar os pobres. As histórias, dos amigos críticos, aqui contadas não terminam agora, porque são histórias que se inscrevem no futuro. Não acabaram no passado, nem ficaram refém do presente. São, por isso também, histórias sem fim. 74