Potencialidades da atividade de tertúlia literária

Transcrição

Potencialidades da atividade de tertúlia literária
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE PEDAGOGIA
POTENCIALIDADES DA ATIVIDADE DE TERTÚLIA LITERÁRIA
DIALÓGICA PARA CRIANÇAS EM IDADE ESCOLAR
Lívia Carolina Beneton
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO EM PEDAGOGIA
SÃO CARLOS
2007
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE PEDAGOGIA
POTENCIALIDADES DA ATIVIDADE DE TERTÚLIA LITERÁRIA
DIALÓGICA PARA CRIANÇAS EM IDADE ESCOLAR
Lívia Carolina Beneton
Trabalho de Conclusão de curso em
Pedagogia da Universidade Federal de São
Carlos, como parte dos requisitos para
obtenção de título de Licenciada em
Pedagogia.
Orientadora: Profª. Drª. Roseli Rodrigues de Mello
Co-orientadora: Profª Ms.Vanessa Cristina Girotto
SÃO CARLOS
Dezembro de 2007
BANCA EXAMINADORA
Profª. Drª Roseli Rodrigues de Mello
__________________________
Profª. Drª. Maria Waldenez de Oliveira
__________________________
Profª.Ms.Adriana Marcela Bogado
_________________________
Dedico este trabalho à minha família.
AGRADEÇO
À minha família. Mãe- obrigada por me apoiar em todos os momentos da minha vida e,
principalmente, por me incentivar a realizar este sonho de concluir uma graduação numa
universidade pública. Tio Gallo- obrigada por tudo, principalmente por sua preocupação
com o meu futuro e Naty obrigada pelo carinho.
À profª Drª Roseli Rodrigues de Mello, pela orientação e amizade e por sempre se pôr a
sonhar junto com outras pessoas na busca por um mundo mais justo e igualitário.
À Ms. Vanessa Cristina Girotto, co-orientadora e amiga, que com muita dedicação,
disposição e responsabilidade me auxiliou na realização deste trabalho.
Ao Giancarlo, namorado e amigo. Agradeço pelo seu companheirismo e amor durante todo
o período de realização deste trabalho, tanto nos momentos tranqüilos, como nos
momentos mais difíceis.
Às amigas maravilhosas que tive a oportunidade de conhecer no curso de Pedagogia:
Juliana Navea, Cícera, Francisca, Luciana, Fabiana e Glaciele.
À Cínthia, Renata e Vanessa, amigas que mesmo à distância sempre participaram da minha
vida.
Aos amigos e amigas do NIASE, pelos momentos de aprendizagens e reflexões e por me
fazerem acreditar que é possível construirmos um mundo melhor.
Aos professores/as do curso de Pedagogia que contribuíram e MUITO para a minha
formação profissional.
Às meninas do RUGBY, principalmente à Chris, pela amizade, carinho, pelas
aprendizagens e risadas suscitadas durante os treinos.
Às professoras que compuseram a banca: Adriana Marcela Bogado e Maria Waldenez de
Oliveira.
Por fim, agradeço a Deus que sempre iluminou o meu caminho.
Muito Obrigada a todos e todas!
RESUMO
O objetivo deste trabalho é apresentar a atividade de Tertúlia Literária Dialógica e suas
potencialidades para a aprendizagem de crianças em idade escolar. Buscou-se através de
um estudo bibliográfico entender os princípios da aprendizagem dialógica: diálogo
igualitário; inteligência cultural; transformação; dimensão instrumental; criação de
sentido; solidariedade e igualdade de diferenças. Tais princípios foram criados por Flecha
(1997) que a partir dos conceitos de dialogicidade de Paulo Freire e de ação comunicativa
de Jürgen Habermas construiu este conceito. Buscou-se também compreender as dinâmicas
da atividade e suas formas de contribuição para os processos educativos.
O objetivo da atividade é a leitura de livros da literatura clássica universal com a finalidade
de propiciar ao participante a reflexão sobre a obra a partir de sua visão de mundo, não
sendo admitida a imposição de idéias e valores pautados na relação de poder, mas no
argumento explicitado. Esta leitura da literatura clássica possibilita a mediação da
aprendizagem dialógica, superando a idéia de que esta leitura é restrita a grupos mais
favorecidos economicamente, marginalizando as pessoas mais empobrecidas.
Também apresentamos um retrospecto da história da educação e das visões de infância,
eixos estreitamente ligados que se apresentam, na maioria das vezes, sob o domínio das
elites; o que torna a educação seletiva e aponta o lugar da criança na sociedade. Também
fizemos uma breve retrospectiva da história da literatura para evidenciar a importância da
leitura da literatura para aprendizagens instrumentais e de valores como o respeito e a
solidariedade, pautados em reflexões e transferências de aprendizagens do contexto da vida
para a literatura. Os resultados deste estudo apontam que a atividade de Tertúlia propicia
processos educativos importantes de serem aplicados na escola, por exemplo, a relação
com a literatura de uma maneira diferenciada, a aprendizagem dialógica, a aprendizagem
instrumental, a solidariedade, o prazer em ler, a reflexão e o posicionamento sobre as
obras, o compartilhamento de opiniões, a solidariedade.
Palavras-chave: Literatura Clássica. Educação. Aprendizagem Dialógica.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................01
1.
TRANSFORMAÇÕES NA ESCOLA: DA GRÉCIA ANTIGA AO ATUAL
CONTEXTO.......................................................................................................................04
1.1.Resgate histórico da formação da escola e sua função social....................................... 04
1.2.A infância na História e sua influência na educação..................................................... 19
1.3.A leitura e literatura na sociedade e na escola………..………………………………..23
2. TERTÚLIA LITERÁRIA DIALÓGICA SEUS PRINCÍPIOS DINÂMICAS.......29
2.1 Experiências da atividade de Tertúlia Literária Dialógica na cidade de São Carlos.... 34
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................41
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 43
1
INTRODUÇÃO
Durante a minha graduação em Pedagogia na UFSCar sempre tive o
privilégio de participar em projetos de extensão, pois para mim é um espaço
importante de troca de aprendizagens entre universitários/as e comunidade, o que
na minha concepção traz um sentido maior para a minha formação acadêmica. O
primeiro projeto de extensão em que participei foi o de "Tertúlias Literárias” 1 que
foi desenvolvido na Instituição Social “Círculo de Amigos da Paróquia Santa
Madre Cabrine”, nos anos de 2004-2005.
Esta Tertúlia foi desenvolvida com grupos de crianças e adolescentes sob
a coordenação da profª Drª Maria Waldenez de Oliveira, pelo Departamento de
Metodologia de Ensino da Universidade Federal de São Carlos.
A participação nesta atividade trouxe novos sentidos para a minha
formação enquanto ser humano e profissional, um deles foi o de me perceber
como um ser inacabado que sempre está disposto a aprender nas interações com
outras pessoas e, neste espaço, especialmente com as crianças e adolescentes
participantes.
Durante estes anos lemos: “A Odisséia”, de Homero e “A Divina
Comédia”, de Dante Alighieri.
Mais tarde passei a integrar o Núcleo de Investigação Social e Educativa
- NIASE, como participante do projeto “Comunidades de Aprendizagem” 2.
Dentro deste grupo pude participar, como pessoa de apoio, em uma
Tertúlia Literária Dialógica entre crianças e adolescentes, entre setembro e
dezembro de 2006, em uma escola municipal de São Carlos. Nesta participação de
três meses pude ler com as participantes “Histórias da Preta”, de Heloisa Pires
Lima.
As participações nestas Tertúlias possibilitaram-me a vivência da
atividade nos seus princípios e dinâmicas, o que me motivou a desenvolver este
trabalho sob o olhar de estudante da temática. Assim sendo, realizei uma revisão e
1
Atividade pautada na leitura e reflexão sobre livros da literatura clássica universal, apoiadas nos
princípios de aprendizagem dialógica, o que veremos no capítulo 2, deste trabalho.
2
Projeto que promove a transformação social e cultural da escola e de seu entorno, pois implica na
mudança de hábitos e valores por parte das famílias, dos agentes educacionais, dos/as alunos/as e de toda
a comunidade com o objetivo de construir uma escola onde todos/as aprendam.
2
uma análise das obras utilizadas neste trabalho, tendo como base a aprendizagem
de diversas teorias conquistadas na graduação em Pedagogia considerando
também minhas reflexões sobre as vivências obtidas na atividade.
A minha identificação com esta proposta de atividade foi grande, já que
sempre gostei da ler e de compartilhar histórias. Desse modo, poder compartilhar
da leitura e da reflexão com as crianças e adolescente com quem convivi nessas
experiências de Tertúlias foi maravilhoso. Adorava estar junto com as crianças e
poder ajudar no processo de decifrar as palavras, achava bonito ver a riqueza de
suas contribuições para as discussões, também a “viagem” coletiva no mundo das
histórias era emocionante.
Tais aprendizagens e interações me motivaram a aprofundar o estudo
sobre Tertúlia Literária Dialógica, neste trabalho de conclusão de curso. Assim,
estudei a teoria da aprendizagem dialógica com mais ênfase bem como voltei meu
olhar de pesquisadora para os processos culturais e educativos presentes na
atividade.
Tendo em vista a Tertúlia Literária Dialógica, somada ao estudo de
textos e de discussões na disciplina "Pesquisas e Práticas Pedagógicas em
diferentes espaços", oferecida ao curso de Pedagogia da UFSCar, pude entender
que os processos de ensino e de aprendizagem também acontecem em ambientes
não-escolares e que podem contribuir, e muito, para a aprendizagem escolar.
Dentre as aprendizagens que se dão em contexto não-escolar,
especificamente na Tertúlia, temos, por exemplo, o conhecimento instrumental.
Um exemplo desse conhecimento foi o dia em que as crianças da instituição
Madre Cabrine, participantes da atividade de Tertúlia tiveram a idéia de criar um
dicionário para registrar palavras aprendidas com a leitura. Através da busca do
significado de palavras desconhecidas, junto com familiares ou dicionários, as
crianças apreendiam os seus significados e os exemplificavam com situações
cotidianas. Esta relação entre o lido e o vivido enriquecia muito as aprendizagens.
E foi uma das potencialidades que percebi na atividade de Tertúlia Literária
Dialógica (T.L. D).
Neste trabalho, aponto as potencialidades da Tertúlia Literária Dialógica
na aprendizagem de crianças em idade escolar, apoiando-me em teóricos e
pesquisadores do tema.
3
A metodologia que assumimos é pautada em fichamentos e resumos
críticos (Gonçalves, 2001).
Este momento de pesquisa foi importante para que eu revisse,
complementasse e aprofundasse a minha compreensão sobre a atividade,
entendendo seus mecanismos e as aprendizagens nela suscitadas.
Acredito na relevância social do estudo, pois está voltado para os
processos educativos não-formais que tanto contribuem para a aprendizagem de
crianças em ambiente escolar. Também penso que este estudo seja relevante aos
profissionais da educação, no sentido de abordar reflexões que possam contribuir
para um re-pensar na sua prática docente como: As crianças têm espaço de fala
sobre o lido? Como a leitura é estimulada na escola?
Espero que o trabalho traga contribuições para o NIASE/UFSCar
(Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa), que investiga e trabalha há
alguns anos com a Tertúlia Literária Dialógica.
Para tentar responder as questões anteriormente suscitadas, estabeleço
uma seqüência de capítulos que estão assim dispostos:
No capítulo 1, abordo a história da escolaridade ao longo dos séculos,
focalizando o olhar nas maneiras como as crianças aprendiam e na visão da escola
em relação à criança.
Já no capítulo 2, apresento e discuto teoricamente os princípios e as
dinâmicas da Tertúlia Literária Dialógica, com o objetivo de responder à questão:
Quais as potencialidades da atividade de Tertúlia Literária Dialógica para
crianças em idade escolar? Neste capítulo, traço as potencialidades de
aprendizagem suscitadas nos encontros entre as crianças participantes, a partir do
estudo da dissertação de mestrado de Girotto (2007).
Por fim, nas conclusões, teço os significados da Tertúlia Literária
Dialógica para os processos educativos escolarizados, sugerindo um olhar mais
atento para as diferentes aprendizagens possibilitadas por essa atividade,
ressaltando os princípios que podem possibilitar aos educadores/as um re-pensar
sobre o trabalho escolar, sobre a criança e sobre a leitura de literatura.
4
CAPÍTULO 1
TRANSFORMAÇÕES NA ESCOLA: DA GRÉCIA ANTIGA AO ATUAL
CONTEXTO
Visando compreender as transformações que sofreu a instituição escolar,
o presente capítulo retoma momentos históricos, sociais e educacionais. Assim, no
item 1.1 faremos um resgate histórico da formação da escola e sua função
social. Para tal, nos apoiaremos nos estudos de Manacorda (2002), Petitat (1994) e
Gabassa (2007).
Na seqüência, dando continuidade ao nosso estudo, no item 1.2
denominado “A infância na História e sua influência na educação escolar”,
apresentaremos visões sobre a criança, vinculada à educação, no decorrer dos
séculos no mundo e no Brasil. Para isso, nos pautaremos na contribuição de
Yamim (2007).
Já no item 1.3 falaremos sobre a “A leitura e a literatura na
sociedade e na escola”, e apresentaremos alguns aspectos sobre a Literatura
mundial e nacional, com o objetivo de entender a sua importância e influências
na educação, tendo como base os trabalhos de Chartier (2001), Soares (1986),
Girotto (2007).
1.1.
Resgate histórico da formação da escola e sua função social
A educação na Grécia Antiga, segundo Manacorda (2002), apresentava
um modelo educativo pautado na separação da educação por critério social em que
a classe governante era preparada para os exercícios do poder: o “fazer” (guerra) e
o “falar” (política), já para os "governados" não havia uma escola, mas um
treinamento para o trabalho, enquanto que a classe excluída não tinha acesso, nem
à escola e nem ao treinamento para o trabalho.
Ademais temos, neste período, a subdivisão da educação em duas
vertentes: homérica e a hesiodéica, a primeira era mais voltada para os
"governantes", pois preparava os alunos para a vida política, já a segunda vertente
moralizava os alunos para o trabalho. Vale ressaltar que esta educação era
individualizada e de caráter particular.
5
Já no período clássico grego, a educação homérica ressurge através da
música e da ginástica, sendo que a primeira tinha o caráter de aculturação e a
segunda tinha o objetivo de preparar o guerreiro.
Paralelamente a estes modelos educacionais surge em Creta e Esparta, a
educação como tarefa do Estado, realizada pelo "pedônomo" (legislador da
infância), sendo realizada nas tropas ou nos coros (escolas). E, através desta
iniciação nestas instituições os adolescentes eram preparados para a vida adulta.
Manacorda (ibid) nos indica que no século VI a.C. nasce a escola de
Filósofos, criada por Pitágoras, e que traz à tona uma reflexão de grande
relevância pedagógica que é a concepção do jovem como fundamento da
sociedade.
Cabe destacar que esta escola era seletiva e de caráter particular e
também era dividida em quatro graus: os acústicos, que tinham contato com a
educação musical; os matemáticos, que estudavam aritmética, geometria,
astrologia e música; os físicos, que estudavam a ciência e a filosofia e os
sebásticos que estudavam as ciências sagradas e esotéricas.
A preocupação com a educação em Atenas leva à elaboração de uma
legislação sobre a escola, sendo criada por Sólon, no século VI a.C. Nesta
legislação constam os deveres dos pais em fazer seus filhos aprenderem a ler. Aos
filhos de pessoas de camadas populares cabia a aprendizagem dos ofícios,
enquanto que os filhos de pais ricos deveriam aprender música, equitação e
filosofia. Tal lei também apresentava disposições voltadas para a organização
escolar como o horário de início e término das aulas, números de alunos por sala,
etc.
Somado a isso temos, segundo Manacorda (2002), o surgimento da
escola de escrita alfabética que se apresenta como um meio democrático de
comunicação e de educação se abrindo a todos os cidadãos, ou seja, homens,
adultos, filhos de pai e mãe atenienses.
O referido autor esclarece como as crianças aprendiam: meninos
aprendiam com seus pais, mais tarde a nutriz, a mãe, o pai e o pedagogo o
educam. Posteriormente, os meninos são encaminhados ao mestre que lhes ensina
as letras, também a música, a ginástica, e, por fim, as leis para que aprendam a
viver de acordo com as normas sociais.
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Entre os procedimentos metodológicos da época para o ensino da escrita
estavam o ensino oral das letras e depois o ensino das letras na forma escrita.
Este ensino, segundo o mesmo autor, pautava-se em técnicas
mnemônicas e no rigor da disciplina. Destaca também que no caso de indisciplina,
durante estas aprendizagens, o menino recebia castigos físicos. Em algumas
passagens, ele expõe a violência ora do mestre contra o discípulo e ora do
discípulo contra o seu mestre.
Mais tarde, segundo Manacorda (ibid), houve uma difusão da escola que,
devido aos investimentos de benfeitores, foi gradativamente se tornando uma
escola estatal.
Este processo significou a melhoria das condições econômicas e do
prestígio social dos mestres, que até então não eram bem vistos em sociedade.
Com relação à sociedade romana, de acordo com Manacorda (op. cit.),
temos como primeiro educador o pater famílias (pai), por isso não havia uma
educação pública para a primeira infância, como existia na Grécia.
Desse modo, o pai ensinaria a seus filhos as letras, o direito, e as leis e à
mãe caberia ensinar os primeiros elementos do falar e do escrever. Esta
aprendizagem também se dava por meio de brinquedos, além disso, era exercida
por especialistas que preparavam as crianças para a arte do poder: o “dizer” e o
“fazer”, já vistos na Grécia.
Quanto aos escravos e plebeus, estes recebiam somente uma instrução
profissional para o trabalho.
Em 169 a.C. surgiu a escola de nível mais elevado: a de gramática que
ensinava sons, línguas e palavras, e a de retórica que ensinava o falar, escrever e a
oratória.
A gramática era entendida como crítica dos textos, sendo por isso
criticada e desvalorizada pelos romanos. A retórica enfrentou também a oposição
dos romanos, visto que preparava pessoas do povo a falarem latim nos conselhos e
nas assembléias, ou seja, preparava para a participação democrática na vida
pública. Daí a sua proibição.
Na literatura temos a divisão entre literatura latina, que era praticada pelo
cidadão romano e que tratava do direito e da moral – escrita em prosa, como
registro, também havia a poesia lírica, a épica e as narrativas de guerra, além do
teatro - e a literatura grega, praticada por escravos gregos, que escreviam poesias
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épicas e líricas, como forma de sobrevivência.
Sobre essa diferenciação,
Manacorda (2002, p.84) afirma:
A literatura do cidadão romano deve ser de participação nos atos
públicos ou de manifestação de suas funções privadas, como a de
administrador ou de educador, jamais poderia ser uma arte ou uma
profissão exercida para viver: nesse caso é uma profissão somente
para escravos estrangeiros; que não têm direitos a funções
administrativas nos negócios públicos e privados.
De acordo com Manacorda a escola romana tinha três níveis: mestre de
be-a-bá, que ensinava as letras, gramático, que fornecia instrução, e o retor, que
ensinava eloqüência. Vale ser destacado que, como na Grécia a didática era
repetitiva. “O mestre falava e os alunos repetiam: a memória era instrumento
principal do ensino” (ibid, p. 92).
O enfado desta didática, o medo do sadismo, somado à distância entre os
interesses dos jovens e da sociedade, não motivava os estudos. Sendo assim, a
escola passa a ser questionada sobre a sua função.
Manacorda (ibid) fala da interferência do Estado na educação, que se deu
no século IV d.C. com a reorganização do império por Diocleciano, que através do
Edito sobre os preços das coisas venais, estabelece os ordenados dos
profissionais, entre eles, o dos professores.
Neste contexto, surge o Império Bizantino, no século V, que culminou na
desintegração do império romano e na instalação de novos reinos romanobarbáricos, o que gerou outra divisão de classes e de povos, refletindo na divisão
das tarefas sociais.
Nesta mistura de povos, passa a imperar a vertente católica, que
propunha o estudo da Bíblia, enquanto a cultura helênica indicava o estudo da
gramática e da retórica, que perdia espaço, visto o fortalecimento da escola cristã.
De acordo com Manacorda (ibid), quanto à leitura de textos clássicos,
constata-se que ela foi terminantemente proibida aos bispos, segundo disposições
do Concílio de Cartago, em 400 d.C.
Verificamos, de acordo com os estudos desse autor, que as primeiras
escolas cristãs, criadas em 418 d.C., além de formar sacerdotes, instruíam leigos,
que deviam optar entre o sacerdócio e o matrimônio. Nestas escolas, havia uma
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preocupação com a formação moral e a participação na liturgia, além de uma
educação literária, indicada em alguns registros.
Segundo Manacorda (ibid), a pedagogia cristã é um elemento novo de
consideração da idade infantil, aparecendo cada vez mais clara e exigente, tendo
uma atenção particular e um cuidado afetuoso da parte dos educadores para com
as crianças. No entanto, o sadismo pedagógico (castigos físicos e morais) não é
excluído do processo educativo, pois a idéia que prevalecia era a de que a criança
não tinha capacidade para entender através dos argumentos e o castigo se
apresentava mais eficaz.
Quanto ao conteúdo de ensino, temos a gramática – ensinada para a
compreensão das Sagradas Escrituras – e o cálculo – instrumento para calcular as
estações e horas da liturgia. No seu aspecto instrumental, o ensino ainda guarda
vestígios da cultura clássica tradicional: ensino do bê-á-bá, técnicas mnemônicas,
etc.
Ainda neste contexto, temos a divisão das disciplinas entre o trivium e o
quadrivium. O primeiro abordava a retórica, a gramática e a dialética e o segundo,
a aritmética, a geometria, astronomia e a música.
Nesse contexto também temos uma atuação maior do Estado na
educação, exemplo disso, é a preocupação de Carlos Magno quanto à freqüência
dos alunos à escola. Também em 825, na Itália, vemos a Igreja sendo liberada da
função de instruir leigos, entretanto esta ainda aparece como a principal fonte de
instrução.
Passamos a ver a configuração de uma escola de Estado para leigos e
uma escola paroquial, episcopal e cenobiais que formavam os clérigos, com
ressalva para a escola paroquial que também estava aberta aos leigos. Estas
escolas religiosas, segundo o referido autor, lançaram os princípios para a
“formação profissional do clero”.
Porém, de acordo com Manacorda (op.cit.), na Baixa Idade Média,
período compreendido entre os séculos X e XV, a Igreja ainda dominava a
educação, visto que havia uma relação estreita entre imperador e igreja, o que
garantia o monopólio eclesiástico na instrução.
Os mestres das escolas cristãs eram os bispos que, no entanto,
transferiam sua função aos magischola (mestres), que por sua vez, passavam suas
atribuições aos proscholus (monitores), através da venda de suas licenças de
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docência a estes, a qual era proibida pela Igreja. Na visão do referido autor, esta
venda da ciência seria um prenúncio do capitalismo.
Manacorda (ibid) nos informa que no século XIV houve uma divisão da
instrução em três níveis: clérigo, que estudava as Sagradas Escrituras; o leigo
(nobre) que se preparava para as profissões liberais (medicina, direito, entre
outros) e a burguesia que se preparava para as armas.
Nesse contexto, também temos muitos pais pagando pela educação de
seus filhos a tabeliões (livres profissionais) que forneciam um treinamento aos
alunos, voltado para o comércio. Esta escola acabou substituindo as escolas
paroquiais, episcopais e cenobiais.
E, de acordo com Petitat (1994), o renascimento cultural, a renovação
urbana nas cidades e a maior autonomia política possibilitaram mudanças no setor
educativo. Com o desenvolvimento das cidades, as escolas fogem dos limites
religiosos e escapam do controle da Igreja. Esta expansão é acompanhada por uma
diferenciação no ensino, as escolas elementares estabelecem um currículo pautado
no alfabeto e no canto religioso, já as faculdades de artes ensinavam as sete artes
liberais (trívium e quadrivium) as quais preparavam os alunos para aprendizagens
posteriores. Também havia escolas que atendiam aos interesses dos comerciantes e
voltava-se para as atividades comerciais.
A transmissão do conhecimento nas cidades da Idade Média se dava por
meio da aprendizagem direta, ou seja, através de corporações de artes e ofícios
(comunidades profissionais), em que os aprendizes aprendiam trabalhos artesanais
com seus mestres. Não havia uma escola para o trabalho, pois o próprio trabalho
era a escola. Este ensino era pago aos mestres, entretanto, alguns não o pagavam
devido à pobreza de suas famílias.
Também, neste contexto, ocorre a proliferação do humanismo que
propõe a volta da leitura dos clássicos latinos e gregos não mais sob o enfoque da
gramática. Então o humanismo passou a criticar o modelo tradicional de escola
que se pautava numa metodologia repetitiva e na disciplina severa.
Tendo o humanismo como embasamento surge a pedagogia humanística,
que passa a valorizar a criança e, também, propõe a educação de acordo com a
índole desta. Porém, na visão de Manacorda (ibid) esta educação servia
simplesmente para conservar a divisão social.
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Outros temas também estão presentes nesta pedagogia como: a leitura
direta dos textos, estudos acompanhados por passeios, os jogos e as brincadeiras, o
respeito aos adolescentes e a exclusão das punições corporais.
Já no século XVI, assistimos ao nascimento da escola elementar de
caridade a qual era destinada aos pobres. Petitat (ibid) se detém no estudo das
escolas de caridade francesas, buscando entender porque o alfabeto leva à
escolarizações distintas e porque as tentativas de integração sócio-políticas das
classes dominadas adotam o modelo escolar. A novidade apontada pelo autor é
que elas alteram a trajetória escolar, pois além de ser um esforço para a
reprodução das posições dominadas e de garantia das posições dominantes, a
escola passa a gerar também uma nova cultura (escrita) para os pobres, diferente
da cultura oral que vigorava até então.
Manacorda (2002) explica que mais tarde, com a Reforma Luterana, na
Alemanha, a proposta de Lutero para a instrução de todos era de que estes
estivessem livres para ler e interpretar a Bíblia sem a intermediação do clero. A
sua proposta também incluía o ensino para meninas.
Indo contra a Reforma Protestante, surge a Contra-Reforma que, segundo
o autor acima citado:
É caracterizado por uma defesa tão intransigente da prerrogativa da
Igreja católica sobre a educação que acaba evolvendo na condenação
tanto das iniciativas alheias à extensão da instrução às classes
populares como toda inovação cultural. (op.cit, p.200)
Desse modo, a orientação educativa da Igreja católica foi fixada no
Concílio de Trento (1545-1564) que proibiu a leitura de vários livros, listando-os
no Index Librorum Prohibitorum ("Índice dos Livros Proibidos").
Este Concílio também propôs a reorganização das escolas católicas:
regulamentou o ensino de gramática, das Sagradas Escrituras e da Teologia;
instituiu seminários destinados a educar religiosamente e instruir nas disciplinas
eclesiásticas os novos sacerdotes. Porém, segundo Manacorda (2002), para
ingressar nos seminários os jovens deviam saber ler e escrever, já os mestres do
clero deveriam ter uma formação para ensinar.
De acordo com o autor, todo o regulamento do ensino jesuítico foi
registrado no Ratio Studiorum (1586-1599). Dentro dele temos a organização das
classes, dos horários, dos programas e das disciplinas.
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O ensino escolástico jesuítico obedece ao referido documento, ou seja,
abrange a seguinte organização: Seis anos de studia inferiora, que contemplava
três cursos de gramática, um de humanidades e um de retórica; também um triênio
de studia superiora de filosofia (lógica, física e ética), um ano de metafísica,
matemática superior, psicologia e fisiologia; e após a repetitio generali, e um
período de prática de magistério, passava-se ao estudo de Teologia que durava
quatro anos.
Ademais, este ensino jesuítico selecionava todo o seu conteúdo, segundo
Petitat (1994, p.82): “eles garimpam os textos dos escritores antigos, pagãos e
profanos, extraindo o que serve à fé católica. Os personagens gregos e romanos
são despojados de sua historicidade”.
Manacorda (2002) pontua que, além disso, a premiação, a competição
entre alunos, entre outras formas de motivar os estudos, são técnicas utilizadas
para garantir a assiduidade dos alunos frente ao ensino nada motivador aos alunos.
Avançando no nosso estudo, nos deparamos com a Idade Moderna,
época em que vemos diferentes propostas de educação.
Dentre estas propostas, podemos falar de Jan Amos Comenius e sua
visão sobre a organização da educação. A sua proposta era a de “ensinar tudo a
todos totalmente”. Assim, na sua “Didática Magna” explicava como deveria ser
organizado o ensino das línguas e das ciências. Sua indicação previa a
experimentação concreta das coisas, o uso mecânico e prático das ciências.
Com o mesmo espírito moderno, temos John Locke, que se preocupava
com a formação do gentleman, e não das classes populares. Na sua visão, a
educação deveria contemplar as virtudes morais, a cultura e, por fim, os
conhecimentos da leitura e escrita.
Quanto às classes populares, ele propunha uma aprendizagem voltada
para o trabalho industrial. Sobre isso podemos citar que, segundo Manacorda
(2002, p.225):
Não há neste espírito moderno a inspiração humanitária dos
religiosos, católicos e pietistas, cuja obra, todavia quase sempre se
reduz a fornecer, a custa da sociedade uma mão-de-obra menos rude
para as novas indústrias, mas há somente o senso do gentleman que
se não fecha os olhos perante a existência de um problema social,
também não fica preocupado por causa dele.
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Por outro lado, no século XVIII, as iniciativas voltadas para a educação
popular são nítidas. Temos as propostas de católicos, como a de La Salle, que iam
além do assistencialismo; pois segundo Manacorda (2002, p.228): “são um
primeiro esboço das escolas técnico-profissionais e as primeiras escolas ‘normais’
para leigos, chamados também para a atividade de instrução, tradicionalmente
reservada ao clero”.
Assim, La Salle incorpora as idéias que permeavam a educação e a sua
organização, propondo um ensino pautado na disciplina, na divisão dos conteúdos
por turmas: iniciantes, médios e avançados, divididos de acordo com o rendimento
do aluno.
A didática desta iniciativa apoiava-se na divisão entre o ler e o escrever.
Assim, o ler condizia ao ensino religioso - aculturação moral e religiosa - e, o
escrever voltava-se para pré-aprendizagem das profissões artesanais mercantis.
De acordo com Petitat (1994), os lassalistas explicitavam que a
alfabetização que eles propunham melhorava a condição dos pobres, entretanto,
não os tiravam de sua condição social.
Por outro lado, segundo Manacorda (2002), os reformados tiveram
iniciativas educacionais mais inovadoras. Assim, na Alemanha é proposto não só o
ensino religioso, mas também escolas ‘normais’, voltadas para os pobres. Elas
conservam ainda o rigor disciplinar, porém trazem novidades como o
arrefecimento do ensino de latim e a ampliação do ensino de ciências
(matemáticas, naturais e humanas).
Quanto à disciplina, neste período, Manacorda (ibid), nos informa que a
vigilância e as punições eram constantes. O mesmo autor especifica as formas de
punição: "por palavras, pela penitência, pela férula, pelo chicote, pela expulsão"
(p.233), usadas como ferramenta didática. Tais punições incutiriam a moral e a
aprendizagem da escrita.
Para Manacorda (ibid), o humanismo entra em crise com o advento do
Iluminismo. O fato das ciências modernas se desenvolverem junto às línguas
nacionais, leva os ensinamentos antigos da cultura humanista e o latim a perderem
espaço na sociedade.
Assim, a prerrogativa da educação passa a ser requisitada por
governantes, apoiados por pensadores como Rousseau.
13
Para Petitat (1994), a instrução pública tinha o objetivo de inculcar nos
cidadãos as bases da ordem fundamentada na propriedade. Assim, o Estado
deveria cuidar dos métodos, programas, etc. Para o referido autor, havia uma
contradição quanto ao caráter educativo, pois a igreja se recusava a abrir mão da
educação, a moral religiosa ainda era defendida e o ensino primário procurava
excluir os mais pobres.
No século XVIII, temos um ensino primário público voltado para a
moralização do povo e o ensino secundário e superior voltado para a elite.
Por outro lado, tínhamos os iluministas a favor das escolas elementares
voltadas para a classe popular, ao passo que propõem a sua redefinição e
secularização.
No Antigo Regime, o Estado dominava o ensino através da abertura de
escolas, entretanto, a administração ficava a cargo das instituições religiosas que
gerenciavam o ensino. Esta divisão entre os poderes da Igreja e do Estado
desintegrou-se nos séculos XVIII e XIX e medidas contra os jesuítas na Europa
foram suscitadas: por exemplo, a expulsão da Companhia de Jesus das colônias e a
assunção da educação pelo Estado.
O papel da instrução pública era o de inculcar nos cidadãos as bases da
ordem fundamentada na propriedade a qual propunha o direito a esta como um
fundamento da nova ordem social.
A revolução industrial propiciou a transformação do trabalho e dos
modos de produção, influenciando a educação que passa a atender às novas
necessidades modernas de produção. Assim, a pedagogia moderna segue duas
vias: reprodução, na fábrica, dos métodos da aprendizagem artesanal e a criação
de escolas técnicas e profissionais.
E, segundo Petitat (1994), a relação entre industrialização e alfabetização
implica num aprendizado suficiente para a realização de tarefas mecânicas e
repetitivas, exemplo disso, é a Inglaterra que entre 1800 e 1840 que manteve o
nível de analfabetismo praticamente o mesmo. Também, nota-se que o trabalho
infantil nas indústrias afastava as crianças das escolas.
Na época da Revolução Francesa, Condorcet (1792), cientista e secretário
da Assembléia Legislativa, sustentava a necessidade de uma instrução para todo o
povo aos cuidados do Estado, baseado no ensino gratuito, laico e neutro.
14
De acordo com Manacorda (2002), concomitante à Revolução Francesa,
surge na Inglaterra o ensino mútuo. Tal ensino propunha que os mestres
instruíssem alguns alunos, para que eles atuassem como seus monitores junto à
turma. Para o referido autor, este ensino reduziria os gastos com a educação e
contribuiria para a aprendizagem dos alunos. Mais tarde, este ensino se difundiu
pela Europa.
Quanto a este ensino Manacorda (ibid) afirma:
Esta nova prática de ensino mútuo, que tem a vantagem de associar
leitura e escrita que atinge não individualmente mas simultaneamente
muitos alunos, não muda os antigos procedimentos com sua
seqüência de silabar e soletrar. (p. 259).
Também é importante mencionar que o rigor disciplinar e a competição
ainda eram muito utilizados neste ensino. Porém, os castigos que antes eram
comuns, são descartados neste processo.
Na Suíça, temos a iniciativa de Pestalozzi (1801) que propõe a psicologia
infantil e a didática como pontos de partida para uma nova pedagogia. Assim, a
didática pautava-se na gradualidade do ensino que partia do concreto e chegava ao
abstrato.
Manacorda (2002) explica que a igreja foi excluída da função de
assistência e de instrução e conduziu uma batalha em defesa de seu direito sobre
estas. E, como parte integrante da tradição católica, temos Dom Bosco, que
através da congregação salesiana, impôs a presença católica ao mundo moderno. A
sua obra se destaca pela reflexão pedagógica e pela iniciativa na educação popular
profissional.
Já ao final do século XIX, tivemos a cultura socialista que se opunha ao
capitalismo. Quanto à educação, temos seus defensores criticando a burguesia pela
incapacidade de realizar o que propunham: laicidade, universalidade, gratuidade.
Assim, na concepção de Marx, citado por Manacorda (ibid), a instrução
deveria englobar: a instrução intelectual, a educação física, o treinamento
tecnológico, que transita entre os fundamentos de processos da produção e
introduz as crianças e adolescentes no manuseio de elementos de todos os ofícios.
O pensador concebia uma união entre instrução e trabalho prevendo uma formação
total de todos os homens.
15
Mais tarde, surgem as escolas novas como resultado da combinação entre
o trabalho e a psicologia infantil, em que o primeiro caminho volta-se para o
desenvolvimento das capacidades produtivas e, o segundo volta-se para descoberta
da criança, desenvolvendo a sua psique, através da educação sensório-motora e
intelectual, por meio do jogo e da livre atividade. Nesta proposta, o jogo, a
espontaneidade e o trabalho são considerados elementos educativos, e o último
não é mais relacionado ao desenvolvimento industrial, mas, ao desenvolvimento
da criança.
Na Europa, excetuando-se algumas iniciativas de inovação na instituição
escolar, como as de Tolstói e Froebel, esta continua livresca e autoritária. Perante
ela, a escola americana mostrava-se muito diferente. O desenvolvimento desta
escola se deu após a guerra de secessão, e teve como principal nome John Dewey,
que criou um sistema ligado às experiências concretas de trabalho, o learning by
doing, o aprender fazendo, é o centro de sua proposta educativa.
Já no século XX, mais precisamente após a Revolução Russa, temos a
pedagogia soviética de Makarenko, que propunha a conexão entre instrução e
trabalho produtivo, a educação dos sentimentos e o coletivo. Segundo Manacorda
(2002) o trabalho, a colaboração, e perspectiva de alegria a todos os homens eram
os métodos e os fins da pedagogia de Makarenko.
Além das interferências políticas e sociais na educação, a partir do século
XIX, temos a vertente da psicologia indicando caminhos para a educação.
Vygotsky, pensador da vertente psicológica, aponta a existência de uma
zona de desenvolvimento potencial, cuja definição é “a divergência entre o nível
da realização das tarefas executadas sob a guia e com a ajuda de adultos, e o nível
das
tarefas
realizadas
autonomamente
pela
criança”.
Vygotsky
(apud
MANACORDA, ibid, p.326). Sua idéia é de que o ensino eficaz é aquele que
antecede o desenvolvimento, estimulando-o e o principal compromisso com a
educação é criar o desenvolvimento potencial.
Por outro lado, temos Piaget, cuja vertente é a construtivista, e concebe
que a aprendizagem se dá na relação entre o indivíduo e a realidade. Para ele, a
educação deveria se adequar ao desenvolvimento do aluno, contrastando com a
idéia de Vygotsky de se criar a zona de desenvolvimento potencial.
Manacorda (ibid) afirma que após a Segunda Guerra Mundial, houve a
divisão do mundo em dois blocos: no lado capitalista, temos a pedagogia inspirada
16
nos ideais de Dewey; já no lado socialista a educação embasa-se nas teses de
Marx.
De acordo com Petitat (1994), na década de 50, a educação tecnológica e
científica passa a ser valorizada, pois as tecnologias passam a ser vistas como uma
fonte de transformação social. Como conseqüência, a educação tecnológica –
técnica e cientifica- é concebida como um meio de progredir economicamente.
Também houve uma democratização do ensino que, entretanto, ao nosso
ver, continuava desigual, pois consta que, no século XIX, as lutas escolares
manifestaram a tomada de consciência da importância da escola para a mudança
social e cultural.
Já na atualidade, estamos vivendo na sociedade da informação que
acarretou em mudanças na economia e no modo de viver das pessoas. As
transformações tecnológicas e a economia global provocaram mudanças culturais
e educativas.
E no âmbito do trabalho exige-se das pessoas uma maior capacidade de
selecionar e processar informações rapidamente.
Sendo assim, neste contexto, a educação escolar torna-se fundamental.
Segundo Gabassa (2007), atualmente a educação escolar no Ocidente,
tem três propósitos: a socialização das novas gerações na história da humanidade,
o que resultou na obrigatoriedade da educação a todas as camadas da população; a
preparação para o mundo do trabalho e a formação do cidadão/ã para a vida
pública de forma a preservar o equilíbrio das instituições, bem como, as normas de
convivência impostas na sociedade.
Quanto ao ensino e à didática, Gabassa (2007) aponta a importância do
reconhecimento da racionalidade aplicada na aprendizagem, que, por sua vez,
pauta-se em correntes psicológicas.
Temos, por exemplo, Piaget, que em seus estudos estabelece as bases da
didática baseado nas ações sensório-motoras e nas operações mentais, a partir do
qual o conhecimento pode se aprofundar nas transformações do real, sendo
resultado não dos objetos, mas das ações dos indivíduos ao manipularem e
explorarem a realidade objetiva. De acordo com a mesma autora, este modelo de
aprendizagem construtivista, prevalece na realidade. Assim é dada ao aluno/a a
oportunidade de construção de aprendizagens a partir da experiência e da própria
17
investigação. E, ao professor/a cabe elaborar as melhores formas de intervir nesta
construção.
Este enfoque faz uso da racionalidade instrumental como a técnica, pois
considera a melhor maneira para desenvolver o alunado, considerando a melhor
forma de desenvolvê-los individualmente, entendendo que os objetos e o mundo
têm significados diferentes para cada um deles, de acordo com a realidade em que
estão inseridos/as.
Porém, na escola esta idéia é apresentada como o respeito ao ritmo do/a
aluno/a não considerando as desigualdades de contexto em que vivem as crianças,
como se o/a aluno/a fosse o responsável por sua aprendizagem, e no caso de seu
fracasso ele é o culpado, o que acaba gerando o aumento das desigualdades de
aprendizagem.
Por outro lado, temos Vigotsky, que desenvolveu o conceito de zona de
desenvolvimento potencial (ZDP), já explicitada acima. Neste enfoque temos que
a aprendizagem escolar estimula processos internos de desenvolvimento e a
função do processo educativo é contribuir para o aparecimento deste
desenvolvimento.
Segundo Gabassa (2007), esta corrente psicológica apresenta as bases
teóricas para a construção de uma outra racionalidade que se paute no diálogo e
nas interações. Entretanto, é usada de uma forma em que a educação escolar fique
sob a égide da racionalidade instrumental a qual não transforma, mas adapta e
perpetua as desigualdades sociais em vez de potencializar a aprendizagem do
alunado.
A mesma autora também afirma que o currículo que guia o conteúdo e os
objetivos da escola é decidido à margem dos/as professores/as, bem como, a
administração que se apresenta como um controle do trabalho dos agentes
educacionais é pautada na racionalidade instrumental, determinando a organização
da escola tanto no currículo, como na administração e evidenciando a ausência de
um diálogo na organização da escola.
Diante da argumentação da autora acima citada e do exposto pelos
autores até este momento, podemos entender que a educação escolar grega e
posteriormente a européia, aplicada nas colônias, ao longo dos séculos vem sendo
seletiva, antidialógica e sempre pautada na racionalidade instrumental, que por sua
18
vez, não permite a superação das situações de desigualdade social, educativa e
cultural.
Para Girotto (2007), na sociedade atual, além de um grande número de
pessoas não terem acesso aos meios de informações há na educação escolar a
desqualificação de pessoas pertencentes à classe popular, pois apesar do acesso
aos meios de informação, o conhecimento mais aceito e valorizado na sociedade é
o de grupos privilegiados: cultura branca, masculina e ocidental.
Frente a esta situação, há de se destacar Flecha (1997), autor que
apresenta a possibilidade de luta contra as desigualdades sociais engendradas na
sociedade da informação, apontando a busca de uma sociedade da informação para
todos/as.
Indo ao encontro com a proposta acima citada, temos a perspectiva
comunicativa com Freire (1997, 2001, 2003, 2004) e Habermas (1978), os quais
nos dão as bases para a aprendizagem dialógica.
Este conceito da Aprendizagem Dialógica
3
foi criado por Flecha e
desenvolvido no Centro Especial de Investigação em Teoria e Práticas
Superadoras de Desigualdades (CREA). Tal conceito traz novas perspectivas para
uma educação mais justa e igualitária pautada no diálogo igualitário, e será
utilizado aqui como uma alternativa possível de transformação da realidade e
conseqüentemente da maneira de se fazer a escola.
Destacamos a importância do conceito de racionalidade para Habermas,
nas palavras de Girotto (2007 p. 26):
Na racionalidade instrumental, haveria um uso instrumental de saber
para alcançar determinados fins preestabelecidos no mundo objetivo,
e n racionalidade comunicativa, o saber é um instrumento que acessa
e dá acesso tanto ao mundo objetivo como a intersubjetividade do
contexto onde se dá a ação.
De acordo com Girotto (ibid), Habermas também explica que existem
quatro tipos de ações que permeiam as nossas atuações na sociedade, a saber: ação
teleológica - em que o ator escolhe os melhores meios para conseguir um fim,
ação regulada por normas - os membros de um grupo social orientam as ações
sociais conforme as normas da sociedade em que está inserido, ação dramatúrgica
3
Tal conceito será discutido no capitulo posterior junto à atividade Tertúlia Literária Dialógica, sendo
este conceito o centro da atividade.
19
- em que as pessoas se comportam como se as outras fossem seu público; a ação
comunicativa- que é a interação entre sujeitos capazes de linguagem e ação.
De acordo com Girotto (ibid) a perspectiva da ação comunicativa, supera
a teoria da racionalização (criada por Weber que entendia a racionalidade como a
utilização de melhores meios para atingir fins práticos), pois prioriza a relação
interpessoal em detrimento da relação solitária, substituindo a linguagem
perlocutória (que busca causar um efeito no ouvinte) pela ilocucionária (que busca
comunicar).
Em Freire (2005, apud GIROTTO, 2007), temos que a busca da
coerência das pessoas no mundo se faz através do diálogo, que vê a palavra como
um direito de toda pessoa e não como privilégio de alguns. Freire concebe a
palavra dentro do diálogo como uma práxis que requer a ação e reflexão para que
não se torne ativismo – ação sem reflexão- nem verbalismo - reflexão sem ação.
Considerando o percurso realizado no presente item, sobre como a
educação escolar veio se constituindo através dos séculos, pode-se dizer que ela
sempre previu um tratamento desigual para os diferentes grupos sociais e
culturais. Nesta perspectiva, a visão de criança também foi se alterando, além de
haver diferentes visões para as crianças de diferentes grupos. E a isso que vamos
nos dedicar no item que segue.
1.2.
A infância na História e sua influência na educação escolar
Em nossos estudos pudemos constatar que a concepção de infância
alterou-se ao longo dos séculos.
Segundo Yamim (2006), na Grécia, as crianças eram tidas como seres
inferiores, porém eram concebidas como um instrumento de transformação da
pólis.
Na Idade Média, a infância era tida como um período de transição ao
mundo adulto e o sentimento em relação a elas baseava-se na preservação moral e
religiosa.
De acordo com a mesma autora, que se pauta nos estudos de Àries
(1981), no século XVII, houve a descoberta e aceitação da particularidade
infantil.
Assim, a família passou a basear-se em relações de carinho com a
criança, lembrando que a severidade no tratamento com esta era corrente.
20
As crianças foram retiradas do mundo adulto e inseridas nas escolas,
havendo uma preocupação com a formação destas. Entretanto, alguns setores da
sociedade (eclesiásticos, homens da lei...) não aprovaram esta “paparicação”4 da
criança. Então, propuseram métodos educativos pautados na cristandade.
Por outro lado, a iniciativa de Rousseau - como expressão da revolução
burguesa e de seu modelo familiar, cuja relação afetiva impulsionava o bem estar
do Estado - passou a considerar a “natureza infantil”, acentuando que o
desenvolvimento da criança se daria com a maturação de suas faculdades, com o
seu ritmo de crescimento, ente outros fatores.
Mais tarde no século XIX, segundo a autora, o sentimento de infância
ganhou força e este momento da vida passou a sofrer influências de várias
instituições sociais.
A imagem da criança foi alterada com a Revolução Industrial (século
XVIII-XIX) atrelando-a ao mundo do trabalho, assim tivemos escolas de caridade,
iniciadas por proprietários de indústrias que assumiam a educação de crianças com
o objetivo de inculcar nelas valores do trabalho (ordem, disciplina, uso econômico
do tempo, obediência). Por outro lado, também houve a iniciativa estatal com o
objetivo de preparar as crianças para a atuação social.
A referida autora ainda aponta que no contexto brasileiro, tivemos a
doutrinação das crianças, segundo o viés da Igreja Católica e da Coroa Portuguesa,
iniciado no século XVI.
Mais tarde, com a urbanização, somada a influência dos Iluministas e a
restrição da escravidão vimos a formação de um novo sentimento de infância.
Yamim (2006) também menciona que com o início da industrialização
atrelado ao alto custo de vida e a inexistência de assistência social e educacional, a
miséria se prolifera e empurra as crianças ao trabalho na indústria. A imagem da
criança, neste cenário, era a de futuro operário, sendo elas muito valorizadas pelos
proprietários de indústrias devido ao baixo custo de sua mão-de-obra.
A autora evidencia que houve uma inserção da criança no mercado de
trabalho, o que servia para isolá-las das ruas e do contato “prejudicial” com as
outras crianças. Também tivemos a “proteção” do Estado para com as crianças
abandonadas e carentes. Nesta ação demonstravam dois sentidos de infância: a que
4
Conceito que YAMIM (2006) retirou do trabalho de Àries (1981) que se refere ao sentimento de
valorização da criança.
21
era culpada por sua situação social e, portanto, deveria ser protegida para não
contaminar a sociedade, e a que era considerada um “vítima”, que precisava de
assistência para garantir a mão-de-obra futura.
Já no século XX, com a industrialização se consolidando, tivemos um
fortalecimento econômico das famílias burguesas, que buscavam manter uma
relação agradável com as crianças. Assim, houve um amadurecimento da
instituição familiar que exigia uma educação para seus filhos, que os
transformassem em cidadãos que dominassem a sociedade, política e
economicamente.
Quanto às classes populares, Yamim (ibid) menciona que estas, por
necessidades econômicas, traçavam o destino de suas crianças, doando-as para
lares de adoção; as menores eram adotadas por famílias e, quando maiores, eram
resgatadas por seus pais a fim de ajudarem na economia familiar. Nesse sentido, a
educação valorizada era aquela que preparasse a criança para um ofício.
A mesma autora ainda aponta que as camadas populares só foram
valorizadas após o período republicano, recebendo apoio do Estado que as
preparavam a fim de minimizar os efeitos da escravidão.
Ainda, de acordo com a autora, o sentido de infância, explicitado em
1927, no Código do Menor, expressa um duplo caráter em relação à criança: a
cidadã, que deveria ser atendida moralmente e fisicamente para reestruturar a
sociedade, e a abandonada, destinada à instituições assistenciais.
Já na década de 60, havia a idéia de “carência cultural” da infância pobre
como um problema social a ser resolvido. Frente a isso, Soares (1986) nos ensina
que esta vertente entendia que as diferenças de aptidões levariam a diferenças
sociais. Conseqüentemente as pessoas mais empobrecidas seriam menos aptas aos
estudos, o que geraria o fracasso escolar.
Já na década de 70, devido à dificuldade de se recuperar do fracasso
escolar nas primeiras séries, introduziu-se um discurso de respeito à cultura e a
linguagem das pessoas pobres, porém essa linguagem é desvalorizada e descartada
na escola o que levaria estas pessoas ao fracasso.
Assim, surgiram programas de educação pré-escolar voltados para a
alfabetização, a socialização das crianças pobres e políticas de ações
compensatórias e assistenciais. E, sobre essas políticas, Soares (1986) acrescenta
que havia uma propaganda de uma “igualdade de oportunidades”, já que o ponto
22
de partida para o sucesso das crianças estava dado, ou seja, tiveram o acesso à
escola; quanto à sua permanência e sucesso nos estudos dependia somente delas
mesmas. Porém, sabemos que o sucesso estava designado somente às pessoas
mais favorecidas economicamente, pois a cultura popular não se enquadrava na
escola, o que levava as pessoas desta classe à serem marginalizadas.
Mais tarde, na década de 80, houve uma preocupação maior com a
criança, vista como sujeito de direitos e com potencialidades a serem
desenvolvidas, tendo como base o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990).
Apesar das lutas pelo direito da criança à educação desde o seu
nascimento, as incoerências entre as reivindicações e a realidade eram evidentes,
culpava-se a criança pelos seus problemas econômicos e sociais. (Yamim, 2006).
Mais uma vez temos a criança pobre concebida como um problema a ser
resolvido. E a aceitação da marginalidade e da pobreza, eliminava a questão de
que “(...) o foco do problema é a cultura da pobreza e não a própria pobreza”.
(REDIN, 1988, apud YAMIM, 2006, p.17.)
Para Yamim (ibid), temos diversas instituições retomando a função de
socialização da criança. Porém, ela questiona o fato de que apesar de diversas
conquistas que tivemos no âmbito infantil, a criança pode não estar ainda tendo
melhores condições de vida.
Quanto ao potencial de transformação que a criança possui, Yamim
(ibid), diz que temos um exemplo de atuação infantil em movimentos sociais de
luta pela terra.
Para a autora, tal processo se daria através da construção de uma
consciência revolucionária que se forma em processos educativos, formais
(aprendizagem escolarizada) e não-formais (aprendizagem pautada em relações
familiares, literatura, organizações sociais, etc.).
Frente ao que foi apresentado, pensamos que a infância é um período de
muitas aprendizagens, formais e não-formais, sendo que a última, muitas vezes,
não é valorizada pelos adultos e nem pelas instituições escolares.
Acreditamos que a criança é um sujeito cultural que aprende através de
instituições sociais (família, escola, etc), pautadas na sociedade em que está
inserida, na sua classe social, no momento histórico em que está inserida, etc.
Defendemos a aprendizagem não-formal como um espaço que possibilita
aprendizagens que são importantes para o espaço escolar, dentro dela, temos a
23
Tertúlia como um espaço que valoriza a inteligência cultural da criança, e também
que possibilita transformações pessoais, pautadas numa relação de respeito à
infância. Sendo assim, no próximo item, apresentaremos o nosso entendimento
sobre leitura de literatura, para no próximo capitulo, defender a idéia da atividade
de Tertúlia Literária Dialógica como um espaço de leitura, reflexão e
aprendizagens.
1.3. A leitura e a literatura na sociedade e na escola
Tendo em vista as discussões anteriores sobre as mudanças da escola
frente aos novos acontecimentos sociais, e voltando a nossa análise para o
contexto atual, temos visto que na sociedade existem desigualdades relacionadas
tanto ao acesso às informações, quanto às competências que os indivíduos devem
ter para poder transitar nesta sociedade.
Entendemos a importância da leitura e da literatura para a formação de
pessoas críticas e reflexivas e a defendemos como um direito de todos e todas.
A leitura da literatura possibilita aprendizagens instrumentais (como o ler
e o escrever), bem como nos ensina aspectos históricos, culturais e sociais de
sociedades que antecederam a nossa, permitindo a todos/as que lêem, um contato
com saberes historicamente produzidos. Acreditamos que esta leitura auxilie os/as
alunos/as a refletir sobre acontecimentos sociais que vivenciam, comprovando a
sua importância no contexto escolar.
Entretanto, conforme o estudo que aqui apresentaremos, vemos que o
acesso a livros da literatura clássica universal não é possível a todas as pessoas, já
que esta produção é tida como patrimônio das elites.
Concordando com a idéia de Girotto (2007), quando se refere à
superação da visão de que a literatura deve ser acessível apenas às pessoas de elite
e com formação acadêmica, acreditamos na luta pela democratização do
conhecimento através da leitura de literatura clássica universal por todas as
pessoas.
Para destacar a sua importância social, apresentaremos brevemente o seu
surgimento e desenvolvimento no contexto mundial e brasileiro, pautando-nos nos
24
escritos de Girotto (ibid). Assim, sabemos que antes de ter o significado atual era
tida como formas de:
(...) erudição, de conhecimentos gramaticais, de domínio de línguas
clássicas..., foi só a partir do século XVIII que a palavra literatura foi
tendo atenuado seu significado de atividade intelectual superior mais
generalizada, e fortalecido o significado mais próximo do que hoje
ela nos sugere. (LAJOLO 1982, apud GIROTTO, ibid, p. 38).
Na Grécia, a literatura clássica veio da tradição de autores e tinha como
leitores cidadãos letrados, ou seja, era voltado para a elite.
Com a cristianização, a leitura dos clássicos passou a ser restrita, pois era
considerada uma arte pagã, contra os princípios religiosos.
Na Idade Média, a literatura era feita por pessoas patrocinadas pela elite,
e que tinham por objetivo agradar o patrono, já que este lhe financiava o trabalho.
Esta forma de fazer literatura era tida como atividade de luxo e o escritor visto
como ocioso.
Também temos que os contadores de história transmitiam sua cultura,
seus valores, através da contação de história, que, mais tarde, passou a ser
registrada em livros, a partir do século XVII, através da tradição popular.
Girotto (ibid) se embasa na origem popular da literatura e aponta que as
primeiras fontes, que originaram a literatura popular européia são orientais.
E, nos séculos IX e X, vemos transitar oralmente uma literatura popular,
que hoje é conhecida como folclórica e infantil. Essas histórias derivam de
narrativas orientais ou gregas retratando valores de comportamento social e ético.
Já a literatura de origem culta, baseou-se nas novelas de cavalaria, de tradição
ocidental, que apresenta elementos de um mundo mágico, distante da realidade.
Na Baixa Idade Média, a leitura era permitida somente ao clero.
No Humanismo, nos séculos XV e XVI, vemos a retomada da leitura de
livros clássicos latinos e gregos, que até então eram utilizados como modelos
gramaticais e estilísticos. Frente a tantas mudanças, a pedagogia passa a valorizar
a criança e seu universo.
O renascimento, as grandes navegações e os “descobrimentos”
possibilitaram mudanças sociais. Dentre eles a Reforma Protestante, que permitiu
a livre interpretação da bíblia e impulsionou a liberdade de pensamento, já a
25
Contra-Reforma, como vimos anteriormente, foi uma reação da igreja que
condenou a leitura de livros da literatura clássica.
É, nesse contexto, que os jesuítas vieram para o Brasil, dando início à
catequização indígena.
As escolas criadas entre 1549 e 1570 eram destinadas aos índios e a
filhos de colonos brancos, para o aprendizado da leitura e escrita, do português, da
doutrina cristã, do teatro, do aprendizado profissional, etc. Posteriormente, a
educação passou a excluir os indígenas e voltou-se para os filhos dos colonos
brancos.
De acordo com Freire, (1989, apud GIROTTO, 2007) havia nesta
educação elementos medievais (castigos, retórica, gramática, latim) e elementos
modernos (recreio, a autorização de se falar a língua vernácula no recreio, a
premiação dos alunos).
Também a educação era diferenciada: às elites cabiam os estudos,
enquanto que o trabalho manual voltava-se para as classes populares.
Enfim, esta educação não se preocupava com a alfabetização tampouco
se pautava na gratuidade; reforçava e reproduzia desigualdades, na qual a cultura
dominante e cristã era reproduzida e a cultura da camada popular era negada.
Mais tarde, no século XIX, as leituras infanto-juvenis foram adaptadas de
obras voltadas para adultos.
Nesse cenário, Chartier (2001) menciona que existia uma diferença no
acesso à leitura e ao seu conteúdo, como exemplo, temos leituras indicadas para
mulheres, como forma de prepará-la para afazeres do lar. E, nas escolas, a sua
aprendizagem ficava restrita à leitura e ao fiar, enquanto que aos homens, desde
cedo, aprendiam a ler e escrever, nas escolas de gramática.
A leitura também sai de uma tradição oralizada, baseada no contar e no
escutar de acontecimentos bíblicos para uma leitura particular e silenciosa, que
permitia reflexões pessoais, ou seja, garantia a autonomia da pessoa na sua
interpretação. Chartier (ibid) também menciona o precário domínio na
competência da leitura e da escrita por parte de algumas pessoas em diferentes
meios sociais.
No Brasil, temos os estudos de Soares (2003) que apontam duas
concepções em torno da educação: o letramento e a alfabetização. Para a autora,
estes dois conceitos se complementam e se confundem, apesar de serem tratados
26
como coisas diferentes. Ela menciona que esse enraizamento do conceito de
letramento no conceito de alfabetização pode ser detectado em fontes como: os
censos demográficos, a mídia, a produção acadêmica. No censo demográfico,
constam as alterações no conceito de alfabetização, ao longo das décadas, que
permitem identificar uma progressiva extensão desse conceito chegando ao
letramento. Quanto ao conceito de alfabetizado entendemos que foi modificado ao
longo dos anos. Em 1940, de acordo com o Censo, aquele que declarasse saber ler
e escrever -o que era interpretado como capacidade de escrever o próprio nomeera alfabetizado. Mais tarde, foi considerado alfabetizado, aquele capaz de ler e
escrever um bilhete simples, ou seja, capaz de não só saber ler e escrever, mas de
já exercer uma prática de leitura e escrita, ainda que bastante trivial, adotado a
partir do Censo de 1950.
A autora aponta que atualmente as pesquisas em torno da alfabetização
concentram-se nos anos de escolarização e constatam que o que há nas escolas é o
letramento e não a alfabetização. A autora explica a alfabetização como sendo um
processo de aprendizagem da técnica, do domínio do código convencional da
leitura e da escrita e das relações fonema/grafema, do uso dos instrumentos com
os quais se escreve, não é pré-requisito para o letramento. Já o letramento é
concebido pela autora como um sentido ampliado da alfabetização, designando
práticas de leitura e escrita. A entrada da pessoa no mundo da escrita se dá pela
aprendizagem de toda a complexa tecnologia envolvida no aprendizado do ato de
ler e escrever.
Além disso, o/a aluno/a precisa saber fazer uso e envolver-se nas
atividades de leitura e escrita. Segundo a autora, a alfabetização deve ser ensinada
de forma sistemática, não devendo ficar diluída no processo de letramento, o que
para ela é uma das principais causas do que vemos acontecer hoje: a precariedade
do domínio da leitura e da escrita pelos alunos.
Dessa forma, a autora defende a união das duas coisas que não podem ser
vistas em separado, propondo a reinvenção da alfabetização, ou seja, a
consideração da aquisição do sistema da escrita (alfabética e ortográfica) que deve
se dar num contexto de letramento (etapa inicial de aprendizagem da leitura e
escrita). Concordamos com esta idéia da autora de unir o universo da leitura ao
processo de alfabetização, pois este processo facilita e dá mais sentido para a
aprendizagem.
27
E nesse sentido, ao tratarmos do nascimento da literatura infantil, é
possível notar que, no período da abolição da escravatura e do advento da
República, esta foi fruto de adaptações de produções européias, notadamente, as
portuguesas.
Nessas adaptações, verifica-se um movimento de nacionalização para
nacionalismo em que a literatura infantil passa a ser um instrumento de exaltação
do país, etc. Na escola, o nacionalismo também se faz presente, e os conteúdos de
leitura enfatizavam o nacionalismo, e não era lida por prazer, mas para reforçar a
ideologia dominante.
Após a instalação do império no Brasil, entramos na fase de
transformações na educação escolar, que passa a ser vista como uma fonte de
ascensão social.
A educação, em todos os seus níveis, passa por reformas cujo objetivo é a
estruturação nacional, orientada pelas diretrizes iluministas.
No século XIX, ainda os livros de literatura eram baseados nas produções
européias, porem esta ação passa a ser criticada e vários autores tentam fazer uma
literatura infantil diferenciada.
Entretanto, de acordo com Girotto (2007) que pauta-se nos estudos de
Coelho (1991), no Brasil, só se vê uma literatura infanto-juvenil a partir de
Monteiro Lobato.
Na década de 20, vemos o movimento de modernização e
desenvolvimento do país, mas na literatura isso não ocorre devido ao controle de
alguns grupos sobre as produções literárias.
Já na década de 30, há a emergência do romance regionalista, que
denunciava as condições desumanas de pessoas, principalmente do Norte e
Nordeste.
Em 1937, houve um crescimento da produção de literatura infantil a qual
tinha fins pedagógicos explícitos, assim transmitia “informações úteis, civismo,
etc”. Devido ao clima da época, que evidenciava o realismo, os contos de fadas e
as fantasias são criticados.
Nos anos 40, se expande um acervo de qualidade literária, que fez uso da
fantasia, aventura e imaginação.
Já após a Segunda Guerra Mundial, o Brasil recebe influência cultural
dos países democráticos: EUA, França e Inglaterra.
28
Segundo Girotto (ibid), esta literatura se apresenta menos popular, de
público cada vez mais escolarizado. Já a cultura de massa (cinema e televisão) é
consumida pela burguesia, enquanto que a classe popular tinha acesso ao rádio e
às chanchadas.
Dez anos mais tarde, com a divulgação da literatura como entretenimento
e não como leitura escolar, também vemos o aumento da circulação das revistas
em quadrinhos, apesar de muitos a criticarem.
Chegando na década de 60, temos na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei nº 4024, de 20/12/61) o enfoque da democratização do
ensino e a sua obrigatoriedade.
A literatura, mais uma vez, passa a apoiar a aprendizagem escolar,
especialmente a gramática. E na década de 70, os livros passam a apresentar uma
ficha de leitura que auxiliava a professora no seu trabalho. Também as produções
nacionais ganham força e passam a erigir produções inovadoras, criativas, não
deixando de abordar um questionamento da sociedade em constante mudança.
A sociedade capitalista informacional se fortifica dando inicio a grandes
influências na literatura.
Pensamos que a leitura é um importante meio de formação de pessoas
críticas, autônomas e com capacidade de selecionar e processar informações. E, no
ambiente escolar, ela muitas vezes apresenta-se de forma obrigatória, para auxiliar
na aprendizagem dos alunos, tornando-se desprazarosa. Desse modo, o gosto pela
leitura e o prazer em aprender com e através dos livros, se distancia de cada leitor.
Na busca de um outro olhar sobre a literatura, como possibilidade de
reflexão a respeito das experiências individuais, é que a seguir apresentaremos a
atividade de Tertúlia Literária Dialógica. Esta atividade também se apresenta
como espaço de superação de desigualdades educativas e sociais através de uma
nova racionalidade (ação comunicativa) pautada no diálogo, na solidariedade e na
possibilidade de transformação, através da proposta da leitura de livros da
literatura clássica universal e nacional e do diálogo igualitário, transformando
experiências pessoais e possibilitando aprendizagens diversas, que são essenciais
para a vida do participante na escola, e na vida em sociedade.
Os estudos abordados neste capítulo levam-nos a concluir que as
situações de desigualdade social e cultural interferiram, ao longo de nossa história,
no acesso e na qualidade da educação escolar. E, sempre houve uma separação
29
dinstrução entre as classes sociais. Ademais, tivemos a visão de infância sendo
alterada de acordo com as mudanças sociais, também pautada na relação de
classes. Também vimos que a literatura se subdividia de acordo com classes
sociais e, na escola, tornou-se numa ferramenta para o trabalho do professor.
Entretanto, a leitura na escola é esvaziada de reflexão, de autonomia, e não é
colocada como uma atividade prazerosa; faço este apontamento com base nas
minhas experiências vivenciadas no ensino fundamental.
Defendendo uma educação de qualidade para todos e todas, pautadas na
consideração da criança - do seu conhecimento adquirido no mundo da vida - e
entendendo a importância da leitura reflexiva e compartilhada para a formação do
sujeito crítico e autônomo, vemos na Tertúlia Literária Dialógica um espaço para a
potencialização de aprendizagens. E é sobre essa atividade que discorremos a
seguir.
CAPÍTULO 2
TERTÚLIA
LITERÁRIA
DIALÓGICA
SEUS
PRINCÍPIOS
E
DINÂMICAS
O presente capítulo tem por objetivo apresentar a dinâmica e os
princípios envolvidos com a atividade de Tertúlia Literária Dialógica.
Assim, no item 2.1 discorreremos sobre as “Experiências da atividade
de Tertúlia Literária Dialógica na cidade de São Carlos” explicitando as
aprendizagens suscitadas na Tertúlia Literária Dialógica, voltada para crianças em
idade escolar, realizada numa escola da cidade de São Carlos.
A Tertúlia Literária Dialógica é uma atividade cultural e educativa que
surgiu em 1978, na Escola de Educação de Pessoas Jovens e Adultas de La
Verneda de Sant Martí, em Barcelona, na Espanha. E, foi criada por educadores/as
e educandos/as progressistas no sentido de desfrutarem da leitura de livros da
literatura clássica universal, expondo a idéia de que a leitura e o entendimento de
obras clássicas não é privilégio somente de pessoas com formação acadêmica.
Também, tem demonstrado que a leitura pode unir diversos conhecimentos, sejam
eles tácitos (provenientes do mundo da vida), sejam eles escolarizados (adquiridos
no ambiente escolar).
A Tertúlia vem sendo realizada em centros culturais e comunitários,
associações populares em diversas organizações educacionais sendo divulgada em
30
todo o mundo através da Confederação de Federações e Associações de
Participantes em Educação e Cultura Democrática de Pessoas Adultas
(CONFAPEA), da Espanha, através do projeto “Mil y una Tertúlias Literárias
Dialógicas por Todo el Mundo”.
Tal atividade proporciona resultados positivos com relação às pessoas
jovens e adultas, pelo fato de possibilitar um processo transformador das
aprendizagens: assim a atividade foi estendida a outros contextos como a educação
primária e secundária, a qual é discutida por Miguel Loza na revista “Cuadernos
de Pedagogia” publicada em 2004 a questão das Tertúlias Literárias em escolas
primárias e secundárias na Espanha.
Flecha (1997) nos ensina que a Tertúlia Literária Dialógica constitui-se
numa reunião semanal de duas horas em torno da leitura de livros da literatura
clássica universal. Na atividade, as pessoas decidem coletivamente o livro e a
parte a comentar nos encontros. Todas as pessoas lêem, refletem sobre o lido e
conversam com familiares e amigos durante a semana. Cada uma traz um
fragmento eleito para lerem em voz alta e explicar o que mais lhe foi significativo.
O diálogo se vai construindo a partir dessas contribuições. Os debates entre
diferentes opiniões se resolvem apenas através de argumentos. Se todo o grupo
chega a um acordo, então se estabelece um consenso, cada pessoa mantém sua
própria postura; não há ninguém que, por sua posição de poder, explique o ponto
de vista certo e o errôneo.
Entre os participantes há um compromisso em ler o trecho do livro que
foi combinado e de marcar um parágrafo que tenha chamado atenção.
A importância da leitura na atividade de Tertúlia não está apenas em
estudar literatura, mas lê-la com profundidade, assim, a idéia da Tertúlia não é
interpretar o que o autor quis dizer na sua obra, mas promover uma reflexão a
partir das diversas opiniões sobre o mesmo assunto, o que torna possível a criação
de novos conhecimentos a partir da leitura da obra e do diálogo coletivo.
Dentro da atividade de Tertúlia, há o moderador que tem a função de
mediar sa falas, dando prioridade às pessoas que sofrem maiores riscos de
exclusão na sociedade, como por exemplo, as mulheres, os negros, as crianças
com dificuldade na leitura e na escrita, etc. que conseqüentemente são os/as que
menos intervém. Isso ocorre de forma a possibilitar uma participação igualitária
para todos/as. O moderador é apenas mais um participante dentro da Tertúlia e não
31
pode impor sua verdade, mas deixar que todas as pessoas exponham seus
argumentos de tal maneira que possam refletir e discutir de maneira igualitária.
Ele também deve se inscrever para fazer sua contribuição.
Ademais, é importante se ter uma pessoa de apoio a fim de garantir a
participação e o diálogo igualitário na atividade. E é fundamental que esta pessoa
conheça os princípios que dão base a atividade para assim ajudar o moderador na
manutenção do diálogo igualitário.
A teoria da aprendizagem dialógica é o princípio orientador da atividade
de Tertúlia. Tal conceito foi formulado pelo Centro de Investigação em Teorias e
Práticas Superadoras de Desigualdades (CREA), da Universidade de Barcelona, na
Espanha, pautado nas idéias sobre Educação de Paulo Freire e na proposta
Sociológica de Jürguen Habermas e diz respeito a um novo modo de conceber a
aprendizagem.
A aprendizagem dialógica pauta-se em sete princípios indissociáveis.
O primeiro princípio é o diálogo igualitário, que aponta a importância de
se respeitar igualmente todas as falas. Ademais expõe que não se aceite que
nenhuma pessoa imponha sua idéia como válida. Também pressupõe que todas as
pessoas são capazes de linguagem e ação, sendo que todas as manifestações são
consideradas em função da validade dos argumentos, e não da posição de poder de
umas pessoas sobre outras.
O conceito de inteligência cultural expõe que todas as pessoas aprendem
muitas coisas ao longo da vida e de maneiras muito diversas. Assim, todas as
pessoas têm uma inteligência que é construída através de suas interações com
outras pessoas dentro de um contexto cultural e, com isso, entende-se que todas as
pessoas têm iguais condições de participar num diálogo igualitário. Esta
inteligência das pessoas pode se desenvolver segundo os contextos e interações,
possibilitando, portanto, reformulações a partir de novas inserções e interações.
Este aspecto da aprendizagem dialógica evidencia o equívoco dos
pensadores da década de 60, que acreditavam na “carência cultural” de pessoas
com a origem pobre, entendendo que estas seriam menos aptas aos estudos, o que
geraria o fracasso escolar.
A transformação dentro da perspectiva da aprendizagem dialógica
possibilita que as pessoas mudem suas formas de pensar e agir, além de contribuir
32
para a valorização das aprendizagens pelas quais passam ao longo de suas vidas.
Frente a esta idéia Flecha nos indica:
As pessoas que participam da tertúlia transformam o sentido de suas
existências da forma que elas mesmas desejam. Os relatos lidos,
comentários compartilhados e a superação de exclusões educativas
abrem inexplorados espaços e experiências. Passar de situações de
exclusão a outras de criação cultural modifica profundamente suas
relações familiares, laborais e pessoais (1997, p.32).
Deste modo, a aprendizagem das pessoas através do diálogo igualitário
permite viver transformações pessoais quanto à maneira de se pôr no mundo,
produzindo transformações nas relações com outras pessoas e no entorno
imediato.
A dimensão instrumental da aprendizagem é o acesso ao conhecimento
sistematizado em conteúdos e habilidades acadêmicos os quais não são
desprezados na Tertúlia. Segundo Flecha:
A aprendizagem dialógica abarca todos os aspectos que se decidem
aprender. Inclui, portanto, a aprendizagem instrumental de
conhecimentos e habilidades que se considera necessário possuir. O
dialógico não se opõe ao instrumental, sim a colonização tecnocrática
da aprendizagem (1997, p.33).
Através do dialogo igualitário entre as pessoas pode ressurgir a criação
de sentido que é a possibilidade de sonhar e agir dando sentido a própria
existência. Ao se unirem os conhecimentos provenientes de diversos âmbitos da
vida, como conhecimento cotidiano e formal, é proporcionado um enriquecimento
mútuo desses dois âmbitos e a criação de sentido se faz presente. Ao ler uma obra
que gosta o sujeito se interessa pelo que acontecia na época quando foi escrita. A
criação de sentido é possibilitada pela solidariedade, outro eixo da aprendizagem
dialógica.
A solidariedade na Tertúlia se expressa na sua organização, pois é aberta
a todos; não tem critérios econômicos e acadêmicos. E, também, na dinâmica da
atividade em que é evidenciada e fortalecida no momento em que o respeito e o
apoio ao outro na superação de dificuldades e no apoio às pessoas que tem
vergonha de expor suas idéias acontecem. Assim, das pequenas ações de
solidariedade nos encontros possibilita-se a criação de grande rede de
solidariedade com a comunidade de entorno, o que contribui para a criação de
sentido por parte das pessoas que passam a ter outro olhar sobre elas mesmas.
33
A igualdade de diferenças considera que todas as pessoas têm o igual
direito de viver de formas diferentes sendo que todos/as são respeitados/as. Dessa
maneira, todas as pessoas têm garantido o direito a expor suas idéias e argumentar,
não se pretendendo opiniões homogêneas, mas o conhecimento das diferentes
formas de pensar e viver, o que resulta num processo mais profundo de reflexão
pessoal.
A metodologia da Tertúlia é embasada na leitura dialógica entendida
como um processo de ler e criar sentido a partir de uma obra. Assim Loza (2004)
expõe a importância de tal atividade:
Leitoras e leitores fomentam a compreensão, aprofundam suas
interpretações literárias e refletem criticamente sobre a vida e a
sociedade através do diálogo com outros leitores. Desta, maneira se
geram possibilidades de transformação pessoal e social. Este tipo de
atividade gera um novo sentido ao processo educativo e cultural de
ler (p. 67).
A Tertúlia Literária Dialógica é um espaço aberto em que todos/as
podem participar, tanto crianças, como jovens e adultos têm livre acesso.
Loza (2004) demonstra uma importante experiência de Tertúlia Literária
Dialógica dentro do contexto escolar - um trabalho que ainda não foi realizado no
Brasil, e que pode trazer novos sentidos para a educação. E evidencia que os/as
alunos/as adolescentes que não gostavam de leitura criaram o hábito de ler devido
à dinâmica da atividade que se difere da proposta escolar, que prevê a leitura de
livros como um ato obrigatório e individualizado, e que não permite a troca de
conhecimentos e não motiva a leitura. Também despertaram grandes
aprendizagens como o respeito aos colegas, melhoria da maneira de se expressar,
no caso de crianças que eram muito tímidas, e, solidariedade entre as crianças que
apresentam maiores dificuldades, entre outras.
Já no ensino primário em que também foi implantada a Tertúlia na escola
CP Padre Orbiso de Victoria-Gasteiz, os resultados não poderiam ser diferentes:
foi notado o aumento da auto - estima dos alunos mediante o diálogo igualitário, a
solidariedade e a melhora na leitura e no vocabulário. Observe o relato de uma
aluna apresentado no artigo de Loza: “[...] pouco a pouco vamos compreendendo o
significado da leitura [...] Esta atividade, além de servir para ler serve também
para escrever bem as palavras [...]” (2004, p.69).
34
Neste sentido, a pesquisadora enquanto participante de Tertúlias, também
pôde ter contato com um ambiente rico em aprendizagens e ensinamentos. Dentre
estas estavam a melhoria de leitura e escrita, a compreensão de novos vocábulos, o
respeito ao ritmo da leitura e o auxílio no entendimento das palavras, a
solidariedade, o respeito às opiniões divergentes pautados no diálogo igualitário,
em que os/as participantes não precisavam omitir seus pensamentos por medo de
serem discriminados, o que muitas vezes acontece na sociedade.
2.1. Experiências da atividade de Tertúlia Literária Dialógica na cidade de
São Carlos
Neste item será abordada a trajetória das Tertúlias Literárias Dialógicas
no Brasil. Para tal, nos embasaremos em artigos escritos por membros do NIASE e
na dissertação de mestrado de Girotto (2007).
Nos anos de 2001 e 2002 alguns participantes do NIASE5 puderam
vivenciar e pesquisar a atividade de Tertúlia Literária Dialógica na escola da
Verneda de Sant-Martí, localizada na cidade de Barcelona, Espanha. E, ao
chegarem a São Carlos trouxeram junto com eles/as o sonho de implantar tal
atividade aqui no Brasil. Assim, no ano de 2002, realizaram o sonho instituindo a
primeira Tertúlia Literária Dialógica, na cidade de São Carlos.
A atividade de Tertúlia foi implantada a princípio na Universidade
Aberta da Terceira Idade (UATI), contando com a participação de homens e
mulheres de diferentes idades, grupos sociais, ascendências e graus de
escolaridade, divididos em dois grupos de Tertúlia (ver Mello, 2003 e Mello et al.,
2004, p.32) uma pela manhã e outra a tarde.
Assim, desde então a divulgação da Tertúlia vem sendo difundida numa
parceria entre os participantes da UATI e membros do NIASE.
Também foi criada uma Tertúlia numa Biblioteca de uma escola estadual
do ensino médio em que os jovens leram “A Revolução dos Bichos”, de George
Orwell. Houve ainda a criação da quarta Tertúlia Literária Dialógica, a qual foi
5
Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa o qual é composto por professores universitários,
alunos/as de graduação, mestrado e doutorado da Universidade Federal de São Carlos e de outras
instituições. O núcleo desenvolve ações de pesquisa, ensino e extensão em que são consideradas as
diferentes praticas sociais e educativas, com o objetivo de contribuir para a superação de situações de
exclusão social, cultural e educativa (MELLO, et al, 2002).
35
implantada no Curso Pré-Vestibular da Universidade Federal de São Carlos, na
qual participaram quinze alunos. O livro cujos alunos escolheram ler foi
“Primeiras Histórias”, de Guimarães Rosa.
Posteriormente, em 2004 nasceu mais uma Tertúlia junto a uma turma de
educação de jovens e adultos que cursavam o equivalente às séries iniciais do
ensino fundamental. Eles escolheram como primeira leitura o livro “Vidas Secas”,
de Graciliano Ramos e depois foram lidos alguns contos de “Primeiras Estórias”
livro de João Guimarães Rosa, o livro de Miguel de Cervantes intitulado “Dom
Quixote de la Mancha” e atualmente lêem “A Revolução dos Bichos”, de George
Orwell. A atividade começou a acontecer na Biblioteca da escola, sendo que foi
nesta instituição que surgiu a idéia de desenvolver Tertúlias Literárias Dialógicas
com crianças as quais iam às divulgações da atividade e pediam que se abrissem
Tertúlias Literárias Dialógicas direcionadas à elas.
Dessa forma, surgiu a primeira Tertúlia com crianças e adolescentes
estabelecendo alguns acordos entre a coordenadora da atividade e as crianças, que
foram: a leitura de livros da literatura clássica universal e participação em eventos
relacionados à Tertúlia dos adultos.
Depois da definição desses acordos escolheram como o primeiro livro
para a leitura “Os Miseráveis” de Victor Hugo e a leitura propiciou a reflexão e
discussão sobre temas como a Revolução Francesa e desigualdade social,
momento em que puderam discutir estas questões com base nos contextos em que
vivem.
Devido às férias, a Tertúlia não foi retomada, porém, para a equipe do
NIASE estava nítida a idéia de retomar a atividade com as crianças, devido a
interesses já mencionados por elas. Então, em 2006, a atividade foi retomada.
Cabe destacar que entre o segundo semestre de 2004 e o ano de 2005 foi
realizada uma experiência de Tertúlia Literária voltada para crianças e
adolescentes no Projeto Social Madre Cabrini, sob a responsabilidade da Profª Drª
Maria Waldenez de Oliveira, como já citado no capítulo 1 desse trabalho. É
interessante ser ressaltado que a autora teve a oportunidade de vivenciar este
espaço de Tertúlia podendo ter um primeiro encontro com seus princípios e
dinâmicas, o que foi suficiente para motivar o aprofundamento do estudo do tema
36
com este trabalho de conclusão de curso. Nesta experiência lemos “A Divina
Comédia” de Dante Alighieri e “A Odisséia”, de Homero6.
Em abril de 2005, iniciou-se uma Tertúlia Literária Dialógica na EMEB
“Janete Maria Martineli Lia” com a participação de pessoas adultas e o primeiro
livro que os/as participantes escolheram para ler foi “Vidas Secas”, de Graciliano
Ramos. Posteriormente realizaram a leitura de “Iracema”, de José de Alencar e
releram “Vidas Secas”.
A segunda Tertúlia foi realizada no Centro Comunitário da Cidade Aracy
a qual também foi iniciada com a leitura do livro “Vidas Secas”.
No ano de 2006, surgiram mais três Tertúlias as quais estavam
funcionando em salas de alfabetização de pessoas adultas e, também, se iniciou
outra Tertúlia na EMEB “Dalila Galli” em que a primeira leitura foi a do livro
“Iracema”, de José de Alencar. Ainda tivemos a Tertúlia para crianças
desenvolvida na EMEB “Antônio Stella Moruzzi”. Há de ser ressaltado que apesar
da atividade de Tertúlia acontecer no espaço escolar, ela não é trabalhada de
maneira escolarizada, pois é um espaço aberto à comunidade escolar e de entorno,
onde os participantes escolhem ou não dela participar.
O anseio de se ter mais Tertúlias vem sendo desenvolvido pelo Núcleo de
Investigação Social e Educativa (NIASE), com o apoio do programa de extensão
universitária “Democratização do conhecimento e do acesso à educação” desde o
ano de 2002, através de parcerias com diversas instituições e projetos sociais,
culturais e educativos.
Entende-se que a Tertúlia Literária Dialógica possibilita a superação de
situações de exclusão social a qual se dá através de transformações pessoais e da
criação de sentido no momento em que as pessoas percebem que podem ler e
compreender os livros da literatura clássica. O fato das pessoas terem a
possibilidade de transformar o conhecimento recebido em saberes, ajudam-nas a
redefinirem suas responsabilidades e ações propiciando transformação na sua
própria prática cultural.
Dentro da perspectiva da aprendizagem dialógica é interessante ser
destacados os objetivos da atividade, segundo Mello (2004, p. 02):
6
Ao final de 2005 a pesquisadora passou a integrar o Niase e a fazer parte do projeto Comunidades de
Aprendizagem e no ano de 2006 participou como apoio numa Tertúlia realizada na “EMEB Antônio
Stella Moruzzi” de São Carlos.
37
Promover o encontro de pessoas distintas entre si (diferentes
religiões, regiões de origem, descendências, etc.) com obras da
literatura clássica internacional ou nacional.
Promover o diálogo e reflexão entre diferentes pessoas em torno de
obras lidas e dos temas que elas suscitam.
Estimular o acesso a diferentes conhecimentos e modos de vida,
como a ampliação da solidariedade e da possibilidade de convívio
entre as pessoas.
Explicitar a existência da inteligência cultural como capacidade de se
aprender diferentes coisas ao longo de toda a vida.
Auxiliar na criação de sentido para a leitura como atividade cultural,
de direito de todos.
Frente aos objetivos da atividade acima mencionados, pode-se entender
que a Tertúlia Literária Dialógica é uma atividade que propicia o desenvolvimento
de processos de transformação pessoal e de entorno próximo, pelo fato de tornar
possível a reflexão pessoal sobre as experiências vividas a partir da leitura de
livros da literatura clássica.
Na Tertúlia Literária Dialógica realizada com crianças, os resultados não
poderiam ser diferentes, pois a interlocução entre o mundo da vida e a leitura de
clássicos é possível e, também, propicia a transformação pessoal.
Tendo em mente a importância da Tertúlia Literária Dialógica para os
processos educativos dos participantes, buscamos apresentar as aprendizagens
suscitadas e as formas como são engendradas neste espaço de diálogo igualitário
como forma de responder à questão: Quais as potencialidades da Tertúlia Literária
Dialógica para a aprendizagem de crianças em idade escolar?
Para tanto recorremos às contribuições de Girotto (2007) que em seu
trabalho apresenta uma experiência de Tertúlia Literária Dialógica com crianças e
adolescentes. A referida autora apresentou alguns relatos de aprendizagens
vivenciadas pelas participantes as quais nos ajudam a pensar, também, no trabalho
educativo escolarizado.
Nesse sentido, Girotto (2007) apresentou e analisou falas de participantes
que exemplificam as aprendizagens vivenciadas no espaço da Tertúlia,
possibilitadas
pela
dinâmica
e
princípios
da
aprendizagem
dialógica.
Destacaremos aqui algumas dessas falas para ilustrar a riqueza da atividade e sua
relação com a aprendizagem dialógica.
38
A aprendizagem dialógica, segundo Flecha (1997), pauta-se em sete
princípios: diálogo igualitário, inteligência cultural, transformação, dimensão
instrumental, criação de sentido, solidariedade e igualdade de diferenças.
Assim, temos o diálogo igualitário, como um princípio que possibilita a
validade do argumento e não da posição de poder que a pessoa ocupa. Isso é
entendido pelas participantes como algo positivo, como podemos notar na fala de
Minerva (10 anos)
7
diz: “quem vai falar é Íris que tem menor escolaridade”.
(GIROTTO, 2007, p. 110). Aqui vemos que as participantes entendem a
importância de respeitar a fala de todas as envolvidas na atividade, principalmente
as que mais sofrem com processos exclusores.
Também constatei, em participações nas Tertúlias, que os/as
participantes
podem
transformar
seus
conhecimentos,
ampliando
as
aprendizagens; por exemplo, muitos/as passaram a contruir frases com palavras
que não conheciam antes transportando-as para o cotidiano de modo simples. Esta
é mais uma potencialidade da Tertúlia revelada no diálogo igualitário.
Quanto à inteligência cultural, temos que esta na atividade de Tertúlia
Literária Dialógica possibilita um vínculo entre leitura e experiências vividas já
que a pessoa, neste espaço, compartilha seus conhecimentos e experiências por
meio da interação. Cada participante pode apresentar determinada opinião sobre
um tema discutido, pois cada um reporta-se às suas experiências de vida e a sua
visão de mundo. Esta idéia é evidenciada por uma participante e é registrada por
Girotto (2007, p. 110):
(...) porque assim cada um pode expressar o que acha, duas pessoas
podem destacar o mesmo parágrafo, mas podem ver nele o sentido
diferente, entendeu, eu acho legal, porque assim cada um pode
expressar o seu pensamento de forma diferente mesmo com os
mesmos parágrafos, eu acho bem interessante isso”. (Afrodite, 17
anos)
Já a transformação acontece entre as participantes que alteram a forma de
se relacionar com as pessoas em diferentes espaços. Vejamos a seguinte opinião
de uma participante quanto a isso, relatada por Girotto (2007, p. 112):
7
Todas as falas das participantes, usadas nesse trabalho de conclusão de curso, foram retiradas da
dissertação de mestrado de Vanessa Girotto (2007).
39
quando eu falo eu explico que Tertúlia é ..peraí...leitura de livros
clássicos, ah é que é bom, que a gente aprende bastante coisa,
principalmente na dinâmica, as pessoas falam, “ah você mudou
depois que você começou a participar da Tertúlia”, porque antes eu
não deixava ninguém falar, ninguém se expressar, ai vi que não tinha
razão, ai quando eu comecei a participar da Tertúlia e eu fui
aprendendo os princípios, vi que todo o mundo tem o direito de falar,
de se expressar”. (Afrodite, 17 anos)
Na atividade de Tertúlia Literária Dialógica há espaço para a leitura e
discussão de obras da literatura clássica o que garante a dimensão instrumental.
Então, notamos que a melhoria na leitura e na escrita, o que é imprescindível
para as crianças e adolescentes na escola e na sociedade, pois diminui as chances
de desqualificação destas e as ajudam a se movimentarem na sociedade atual.
Além de contribuir para o letramento, num sentido ampliado da alfabetização, de
acordo com Magda Soares (2003). A entrada da pessoa no mundo da escrita se
dá pela aprendizagem de toda a complexa tecnologia envolvida no aprendizado
do ato de ler e escrever.
Girotto (ibid, p.114) demonstra:
O legal na Tertúlia é que, vamos supor que se tivesse uma palavra eu
estaria em casa aprendendo sozinha, pode ter certeza que eu
demoraria mais para aprender a ler. A tertúlia facilitou a minha vida
para aprender a ler. (Íris, 14 anos)
A autora ainda aponta que a solidariedade foi um processo que surgiu na
relação entre as participantes de diferentes idades (crianças e adolescentes), em
que destaca os processos de uma criança ou adolescente ensinar o que a outra não
sabe. Essas aprendizagens puderam ser transferidas para outros âmbitos, como a
escola, segundo a mesma autora.
Finalmente, no princípio igualdade de diferenças, que é o igual direito de
ser diferente, temos o seguinte relato apresentado por Girotto (ibid, p. 119): “(...)
mas o que é bom na Tertúlia é que um ajuda o outro e que todo mundo tem
capacidade, ninguém é diferente do outro (...)”. (Deméter, 11 anos). Neste relato
podemos ver que o respeito com o outro e a valorização de cada participante
acontecem na atividade.
40
A autora acima citada também destaca que as aprendizagens suscitadas
na atividade de Tertúlia Literária Dialógica não ficam presas só às crianças, pois
na interação delas com seus familiares elas resgatam alguns princípios e
demonstram a importância da leitura para suas vidas. Em alguns relatos, a autora
aponta que as crianças acabaram incentivando seus pais a também lerem os
clássicos lidos na atividade de Tertúlia Literária Dialógica. Esta ação possibilita o
surgimento de novos sentidos na vida dos/as participantes, que podem auxiliar na
criação de sentido em relação aos estudos e aos livros de literatura.
Acreditamos que as experiências que citamos possam contribuir para a
reflexão de educadores/as, no sentido de possibilitar um novo olhar sobre a leitura
de literatura na escola. Pensamos que a leitura compartilhada, reflexiva e pautada
nos princípios da aprendizagem dialógica suscitem ricas aprendizagens para
crianças em idade escolar, por exemplo, contribui para o processo de
alfabetização, permite a superação de dificuldades em relação a leitura, a timidez,
e ao medo de falar em público já que pauta-se na solidariedade e no respeito a
leitura e as falas das participantes. Também permite a aprendizagem da escuta
atenta e do respeito ao que o outro tem a dizer.
Ademais, auxilia na compreensão e no questionamento da realidade em
que vivemos, pois através da reflexão coletiva permite que os/as participantes
relatem suas experiências de vida. Nestes relatos, muitas vezes, os/as participantes
expõe situações de exclusão e preconceito pelo qual passaram e passam,
evidenciando o que pensam a respeito o que permite a reflexão sobre as diferenças
sociais que estão postas na sociedade atual.
Todos os processos educativos suscitados na atividade de Tertúlia
Literária Dialógica podem contribuir, mas não substituir, a aprendizagem
escolarizada.
Tendo em mente o exposto acima e as diversas aprendizagens
conquistadas pela autora ao escrever este trabalho de conclusão de curso, nos
dedicaremos no próximo item a escrever algumas conclusões que foram possíveis
chegar.
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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao retomar a questão de pesquisa: Quais as potencialidades da Tertúlia
Literária Dialógica para a aprendizagem de crianças em idade escolar? Penso que
o trabalho, ao longo dos capítulos pôde contribuir para o entendimento da
importância da leitura em diferentes contextos, pois foi apresentada a importância
da leitura, da literatura clássica universal para a atividade de Tertúlia Literária
Dialógica, ressaltando os seus princípios.
Assim, no decorrer deste trabalho pudemos acompanhar a trajetória da
educação ocidental, numa viagem que começou na Grécia Antiga e percorreu os
séculos até a atualidade. Com este estudo, constatamos o quanto ela foi seletiva e
voltou-se para a perpetuação das diferenças sociais.
Descobrimos que a imagem da criança foi se modificando, conforme os
avanços da sociedade, antes era concebida com um “adulto em miniatura”, sem a
particularidade da idade infantil. Porém, hoje a criança é um ser reconhecido na
sua peculiaridade e protegida por um Estatuto que preconiza seus direitos e seus
deveres. Entretanto, situações de desigualdade, de exclusão, que ferem seus
direitos, acabam acontecendo, por exemplo, na escola, vemos a exclusão de
crianças pobres, negras, meninas. Percebemos que não há um tipo de infância,
mas, várias infâncias em jogo, as quais pautam-se nas relações postas na
sociedade, que valoriza os saberes e a cultura da classe dominante.
Quanto à leitura, percebemos que ela passou pelo mesmo processo de
seleção e exclusão, tanto que hoje temos este vestígio, pois ainda existe a idéia de
que as classes populares e os não-acadêmicos não têm condições de ler e entender
textos clássicos. Porém, nos nossos estudos sobre a Tertúlia pudemos constatar o
contrário, ou seja, as pessoas de classe popular são capazes não só de interpretar
os livros clásicos, como também são capazes de se posicionar sobre as afirmações
pontuadas por autores, com análises preciosas e carregadas de conhecimentos que
foram construídos ao longo da vida.
Tendo em mente a aprendizagem instrumental, entendemos que a
atividade de Tertúlia Literária Dialógica faz-se importante neste processo já que
pode ser um suporte para os/as professores/as, no sentido de contribuir para:
alfabetização, conhecimento de novos vocábulos, ensino de gramática, a
motivação e a melhora da leitura, a cooperação e o respeito entre os/as educandos,
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também evidencia as inteligências culturais de cada participante, contribuindo
para a auto-estima de pessoas que acreditavam antes não ter conhecimentos.
Ademais, entendemos a importância da leitura e da literatura para a
formação de pessoas críticas e reflexivas e a defendemos como um direito de
todos e todas.
A leitura da literatura possibilita aprendizagens instrumentais (como o ler
e o escrever), bem como nos ensina aspectos históricos, culturais e sociais de
sociedades que antecederam a nossa, permitindo, a todos/as que lêem, um contato
com saberes historicamente produzidos. Acreditamos que esta leitura auxilie os/as
alunos/as a refletir sobre acontecimentos sociais que vivenciam, comprovando a
sua importância no contexto escolar
Nesta atividade de leitura de livros da literatura clássica universal,
evidencia-se que cada pessoa que participa traz conhecimentos adquiridos ao
longo de sua vida, entrelaçando-os à história, o que dá uma nova dimensão para a
criança no que se refere à leitura, a pesquisa; pois o/a participante se interessa pela
história, pelo contexto em que se passou, o que o/a motiva a buscar novos
conhecimentos a partir desta experiência. O ato de compartihar opiniões (a cultura
da criança é valorizada) é importante para a criança em idade escolar aprender, por
exemplo, a se colocar, a escutar o outro, etc.
Também o fato de levar a cultura popular para a escola é uma
potencialidade importante da atividade, pois permite que a classe popular, a qual
passa por muitos processos exclusores na sociedade, tenha espaço para falar e
apresentar seus conhecimentos, cultura, e experiências, as quais foram se
acumulando durante a vida e que são fundamentais para a formação dos sujeitos.
Assim, acreditamos que a Tertúlia seja um importante meio de humanização e
superação de desigualdades.
Enfim, a Tertúlia possibilita uma relação com a literatura de uma
maneira diferenciada, pois é uma proposta diferente da escolar que limita, muitas
vezes, a leitura apenas ao que o autor quis dizer ou ainda, a responder
questionários; podendo contribuir para a reflexão docente a respeito de como
trabalhar com a literatura clássica na sala de aula de maneira autônoma, motivante,
compartilhada, dialogada e que explicite e possibilite aprendizagens, desde
instrumentais, até aprendizagens como: o respeito, a solidariedade; importantes
para a formação do cidadão crítico e consciente. Além do prazer em ler.
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