Potencialidades da atividade de tertúlia literária
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Potencialidades da atividade de tertúlia literária
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE PEDAGOGIA POTENCIALIDADES DA ATIVIDADE DE TERTÚLIA LITERÁRIA DIALÓGICA PARA CRIANÇAS EM IDADE ESCOLAR Lívia Carolina Beneton TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO EM PEDAGOGIA SÃO CARLOS 2007 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE PEDAGOGIA POTENCIALIDADES DA ATIVIDADE DE TERTÚLIA LITERÁRIA DIALÓGICA PARA CRIANÇAS EM IDADE ESCOLAR Lívia Carolina Beneton Trabalho de Conclusão de curso em Pedagogia da Universidade Federal de São Carlos, como parte dos requisitos para obtenção de título de Licenciada em Pedagogia. Orientadora: Profª. Drª. Roseli Rodrigues de Mello Co-orientadora: Profª Ms.Vanessa Cristina Girotto SÃO CARLOS Dezembro de 2007 BANCA EXAMINADORA Profª. Drª Roseli Rodrigues de Mello __________________________ Profª. Drª. Maria Waldenez de Oliveira __________________________ Profª.Ms.Adriana Marcela Bogado _________________________ Dedico este trabalho à minha família. AGRADEÇO À minha família. Mãe- obrigada por me apoiar em todos os momentos da minha vida e, principalmente, por me incentivar a realizar este sonho de concluir uma graduação numa universidade pública. Tio Gallo- obrigada por tudo, principalmente por sua preocupação com o meu futuro e Naty obrigada pelo carinho. À profª Drª Roseli Rodrigues de Mello, pela orientação e amizade e por sempre se pôr a sonhar junto com outras pessoas na busca por um mundo mais justo e igualitário. À Ms. Vanessa Cristina Girotto, co-orientadora e amiga, que com muita dedicação, disposição e responsabilidade me auxiliou na realização deste trabalho. Ao Giancarlo, namorado e amigo. Agradeço pelo seu companheirismo e amor durante todo o período de realização deste trabalho, tanto nos momentos tranqüilos, como nos momentos mais difíceis. Às amigas maravilhosas que tive a oportunidade de conhecer no curso de Pedagogia: Juliana Navea, Cícera, Francisca, Luciana, Fabiana e Glaciele. À Cínthia, Renata e Vanessa, amigas que mesmo à distância sempre participaram da minha vida. Aos amigos e amigas do NIASE, pelos momentos de aprendizagens e reflexões e por me fazerem acreditar que é possível construirmos um mundo melhor. Aos professores/as do curso de Pedagogia que contribuíram e MUITO para a minha formação profissional. Às meninas do RUGBY, principalmente à Chris, pela amizade, carinho, pelas aprendizagens e risadas suscitadas durante os treinos. Às professoras que compuseram a banca: Adriana Marcela Bogado e Maria Waldenez de Oliveira. Por fim, agradeço a Deus que sempre iluminou o meu caminho. Muito Obrigada a todos e todas! RESUMO O objetivo deste trabalho é apresentar a atividade de Tertúlia Literária Dialógica e suas potencialidades para a aprendizagem de crianças em idade escolar. Buscou-se através de um estudo bibliográfico entender os princípios da aprendizagem dialógica: diálogo igualitário; inteligência cultural; transformação; dimensão instrumental; criação de sentido; solidariedade e igualdade de diferenças. Tais princípios foram criados por Flecha (1997) que a partir dos conceitos de dialogicidade de Paulo Freire e de ação comunicativa de Jürgen Habermas construiu este conceito. Buscou-se também compreender as dinâmicas da atividade e suas formas de contribuição para os processos educativos. O objetivo da atividade é a leitura de livros da literatura clássica universal com a finalidade de propiciar ao participante a reflexão sobre a obra a partir de sua visão de mundo, não sendo admitida a imposição de idéias e valores pautados na relação de poder, mas no argumento explicitado. Esta leitura da literatura clássica possibilita a mediação da aprendizagem dialógica, superando a idéia de que esta leitura é restrita a grupos mais favorecidos economicamente, marginalizando as pessoas mais empobrecidas. Também apresentamos um retrospecto da história da educação e das visões de infância, eixos estreitamente ligados que se apresentam, na maioria das vezes, sob o domínio das elites; o que torna a educação seletiva e aponta o lugar da criança na sociedade. Também fizemos uma breve retrospectiva da história da literatura para evidenciar a importância da leitura da literatura para aprendizagens instrumentais e de valores como o respeito e a solidariedade, pautados em reflexões e transferências de aprendizagens do contexto da vida para a literatura. Os resultados deste estudo apontam que a atividade de Tertúlia propicia processos educativos importantes de serem aplicados na escola, por exemplo, a relação com a literatura de uma maneira diferenciada, a aprendizagem dialógica, a aprendizagem instrumental, a solidariedade, o prazer em ler, a reflexão e o posicionamento sobre as obras, o compartilhamento de opiniões, a solidariedade. Palavras-chave: Literatura Clássica. Educação. Aprendizagem Dialógica. SUMÁRIO INTRODUÇÃO..................................................................................................................01 1. TRANSFORMAÇÕES NA ESCOLA: DA GRÉCIA ANTIGA AO ATUAL CONTEXTO.......................................................................................................................04 1.1.Resgate histórico da formação da escola e sua função social....................................... 04 1.2.A infância na História e sua influência na educação..................................................... 19 1.3.A leitura e literatura na sociedade e na escola………..………………………………..23 2. TERTÚLIA LITERÁRIA DIALÓGICA SEUS PRINCÍPIOS DINÂMICAS.......29 2.1 Experiências da atividade de Tertúlia Literária Dialógica na cidade de São Carlos.... 34 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................41 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 43 1 INTRODUÇÃO Durante a minha graduação em Pedagogia na UFSCar sempre tive o privilégio de participar em projetos de extensão, pois para mim é um espaço importante de troca de aprendizagens entre universitários/as e comunidade, o que na minha concepção traz um sentido maior para a minha formação acadêmica. O primeiro projeto de extensão em que participei foi o de "Tertúlias Literárias” 1 que foi desenvolvido na Instituição Social “Círculo de Amigos da Paróquia Santa Madre Cabrine”, nos anos de 2004-2005. Esta Tertúlia foi desenvolvida com grupos de crianças e adolescentes sob a coordenação da profª Drª Maria Waldenez de Oliveira, pelo Departamento de Metodologia de Ensino da Universidade Federal de São Carlos. A participação nesta atividade trouxe novos sentidos para a minha formação enquanto ser humano e profissional, um deles foi o de me perceber como um ser inacabado que sempre está disposto a aprender nas interações com outras pessoas e, neste espaço, especialmente com as crianças e adolescentes participantes. Durante estes anos lemos: “A Odisséia”, de Homero e “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri. Mais tarde passei a integrar o Núcleo de Investigação Social e Educativa - NIASE, como participante do projeto “Comunidades de Aprendizagem” 2. Dentro deste grupo pude participar, como pessoa de apoio, em uma Tertúlia Literária Dialógica entre crianças e adolescentes, entre setembro e dezembro de 2006, em uma escola municipal de São Carlos. Nesta participação de três meses pude ler com as participantes “Histórias da Preta”, de Heloisa Pires Lima. As participações nestas Tertúlias possibilitaram-me a vivência da atividade nos seus princípios e dinâmicas, o que me motivou a desenvolver este trabalho sob o olhar de estudante da temática. Assim sendo, realizei uma revisão e 1 Atividade pautada na leitura e reflexão sobre livros da literatura clássica universal, apoiadas nos princípios de aprendizagem dialógica, o que veremos no capítulo 2, deste trabalho. 2 Projeto que promove a transformação social e cultural da escola e de seu entorno, pois implica na mudança de hábitos e valores por parte das famílias, dos agentes educacionais, dos/as alunos/as e de toda a comunidade com o objetivo de construir uma escola onde todos/as aprendam. 2 uma análise das obras utilizadas neste trabalho, tendo como base a aprendizagem de diversas teorias conquistadas na graduação em Pedagogia considerando também minhas reflexões sobre as vivências obtidas na atividade. A minha identificação com esta proposta de atividade foi grande, já que sempre gostei da ler e de compartilhar histórias. Desse modo, poder compartilhar da leitura e da reflexão com as crianças e adolescente com quem convivi nessas experiências de Tertúlias foi maravilhoso. Adorava estar junto com as crianças e poder ajudar no processo de decifrar as palavras, achava bonito ver a riqueza de suas contribuições para as discussões, também a “viagem” coletiva no mundo das histórias era emocionante. Tais aprendizagens e interações me motivaram a aprofundar o estudo sobre Tertúlia Literária Dialógica, neste trabalho de conclusão de curso. Assim, estudei a teoria da aprendizagem dialógica com mais ênfase bem como voltei meu olhar de pesquisadora para os processos culturais e educativos presentes na atividade. Tendo em vista a Tertúlia Literária Dialógica, somada ao estudo de textos e de discussões na disciplina "Pesquisas e Práticas Pedagógicas em diferentes espaços", oferecida ao curso de Pedagogia da UFSCar, pude entender que os processos de ensino e de aprendizagem também acontecem em ambientes não-escolares e que podem contribuir, e muito, para a aprendizagem escolar. Dentre as aprendizagens que se dão em contexto não-escolar, especificamente na Tertúlia, temos, por exemplo, o conhecimento instrumental. Um exemplo desse conhecimento foi o dia em que as crianças da instituição Madre Cabrine, participantes da atividade de Tertúlia tiveram a idéia de criar um dicionário para registrar palavras aprendidas com a leitura. Através da busca do significado de palavras desconhecidas, junto com familiares ou dicionários, as crianças apreendiam os seus significados e os exemplificavam com situações cotidianas. Esta relação entre o lido e o vivido enriquecia muito as aprendizagens. E foi uma das potencialidades que percebi na atividade de Tertúlia Literária Dialógica (T.L. D). Neste trabalho, aponto as potencialidades da Tertúlia Literária Dialógica na aprendizagem de crianças em idade escolar, apoiando-me em teóricos e pesquisadores do tema. 3 A metodologia que assumimos é pautada em fichamentos e resumos críticos (Gonçalves, 2001). Este momento de pesquisa foi importante para que eu revisse, complementasse e aprofundasse a minha compreensão sobre a atividade, entendendo seus mecanismos e as aprendizagens nela suscitadas. Acredito na relevância social do estudo, pois está voltado para os processos educativos não-formais que tanto contribuem para a aprendizagem de crianças em ambiente escolar. Também penso que este estudo seja relevante aos profissionais da educação, no sentido de abordar reflexões que possam contribuir para um re-pensar na sua prática docente como: As crianças têm espaço de fala sobre o lido? Como a leitura é estimulada na escola? Espero que o trabalho traga contribuições para o NIASE/UFSCar (Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa), que investiga e trabalha há alguns anos com a Tertúlia Literária Dialógica. Para tentar responder as questões anteriormente suscitadas, estabeleço uma seqüência de capítulos que estão assim dispostos: No capítulo 1, abordo a história da escolaridade ao longo dos séculos, focalizando o olhar nas maneiras como as crianças aprendiam e na visão da escola em relação à criança. Já no capítulo 2, apresento e discuto teoricamente os princípios e as dinâmicas da Tertúlia Literária Dialógica, com o objetivo de responder à questão: Quais as potencialidades da atividade de Tertúlia Literária Dialógica para crianças em idade escolar? Neste capítulo, traço as potencialidades de aprendizagem suscitadas nos encontros entre as crianças participantes, a partir do estudo da dissertação de mestrado de Girotto (2007). Por fim, nas conclusões, teço os significados da Tertúlia Literária Dialógica para os processos educativos escolarizados, sugerindo um olhar mais atento para as diferentes aprendizagens possibilitadas por essa atividade, ressaltando os princípios que podem possibilitar aos educadores/as um re-pensar sobre o trabalho escolar, sobre a criança e sobre a leitura de literatura. 4 CAPÍTULO 1 TRANSFORMAÇÕES NA ESCOLA: DA GRÉCIA ANTIGA AO ATUAL CONTEXTO Visando compreender as transformações que sofreu a instituição escolar, o presente capítulo retoma momentos históricos, sociais e educacionais. Assim, no item 1.1 faremos um resgate histórico da formação da escola e sua função social. Para tal, nos apoiaremos nos estudos de Manacorda (2002), Petitat (1994) e Gabassa (2007). Na seqüência, dando continuidade ao nosso estudo, no item 1.2 denominado “A infância na História e sua influência na educação escolar”, apresentaremos visões sobre a criança, vinculada à educação, no decorrer dos séculos no mundo e no Brasil. Para isso, nos pautaremos na contribuição de Yamim (2007). Já no item 1.3 falaremos sobre a “A leitura e a literatura na sociedade e na escola”, e apresentaremos alguns aspectos sobre a Literatura mundial e nacional, com o objetivo de entender a sua importância e influências na educação, tendo como base os trabalhos de Chartier (2001), Soares (1986), Girotto (2007). 1.1. Resgate histórico da formação da escola e sua função social A educação na Grécia Antiga, segundo Manacorda (2002), apresentava um modelo educativo pautado na separação da educação por critério social em que a classe governante era preparada para os exercícios do poder: o “fazer” (guerra) e o “falar” (política), já para os "governados" não havia uma escola, mas um treinamento para o trabalho, enquanto que a classe excluída não tinha acesso, nem à escola e nem ao treinamento para o trabalho. Ademais temos, neste período, a subdivisão da educação em duas vertentes: homérica e a hesiodéica, a primeira era mais voltada para os "governantes", pois preparava os alunos para a vida política, já a segunda vertente moralizava os alunos para o trabalho. Vale ressaltar que esta educação era individualizada e de caráter particular. 5 Já no período clássico grego, a educação homérica ressurge através da música e da ginástica, sendo que a primeira tinha o caráter de aculturação e a segunda tinha o objetivo de preparar o guerreiro. Paralelamente a estes modelos educacionais surge em Creta e Esparta, a educação como tarefa do Estado, realizada pelo "pedônomo" (legislador da infância), sendo realizada nas tropas ou nos coros (escolas). E, através desta iniciação nestas instituições os adolescentes eram preparados para a vida adulta. Manacorda (ibid) nos indica que no século VI a.C. nasce a escola de Filósofos, criada por Pitágoras, e que traz à tona uma reflexão de grande relevância pedagógica que é a concepção do jovem como fundamento da sociedade. Cabe destacar que esta escola era seletiva e de caráter particular e também era dividida em quatro graus: os acústicos, que tinham contato com a educação musical; os matemáticos, que estudavam aritmética, geometria, astrologia e música; os físicos, que estudavam a ciência e a filosofia e os sebásticos que estudavam as ciências sagradas e esotéricas. A preocupação com a educação em Atenas leva à elaboração de uma legislação sobre a escola, sendo criada por Sólon, no século VI a.C. Nesta legislação constam os deveres dos pais em fazer seus filhos aprenderem a ler. Aos filhos de pessoas de camadas populares cabia a aprendizagem dos ofícios, enquanto que os filhos de pais ricos deveriam aprender música, equitação e filosofia. Tal lei também apresentava disposições voltadas para a organização escolar como o horário de início e término das aulas, números de alunos por sala, etc. Somado a isso temos, segundo Manacorda (2002), o surgimento da escola de escrita alfabética que se apresenta como um meio democrático de comunicação e de educação se abrindo a todos os cidadãos, ou seja, homens, adultos, filhos de pai e mãe atenienses. O referido autor esclarece como as crianças aprendiam: meninos aprendiam com seus pais, mais tarde a nutriz, a mãe, o pai e o pedagogo o educam. Posteriormente, os meninos são encaminhados ao mestre que lhes ensina as letras, também a música, a ginástica, e, por fim, as leis para que aprendam a viver de acordo com as normas sociais. 6 Entre os procedimentos metodológicos da época para o ensino da escrita estavam o ensino oral das letras e depois o ensino das letras na forma escrita. Este ensino, segundo o mesmo autor, pautava-se em técnicas mnemônicas e no rigor da disciplina. Destaca também que no caso de indisciplina, durante estas aprendizagens, o menino recebia castigos físicos. Em algumas passagens, ele expõe a violência ora do mestre contra o discípulo e ora do discípulo contra o seu mestre. Mais tarde, segundo Manacorda (ibid), houve uma difusão da escola que, devido aos investimentos de benfeitores, foi gradativamente se tornando uma escola estatal. Este processo significou a melhoria das condições econômicas e do prestígio social dos mestres, que até então não eram bem vistos em sociedade. Com relação à sociedade romana, de acordo com Manacorda (op. cit.), temos como primeiro educador o pater famílias (pai), por isso não havia uma educação pública para a primeira infância, como existia na Grécia. Desse modo, o pai ensinaria a seus filhos as letras, o direito, e as leis e à mãe caberia ensinar os primeiros elementos do falar e do escrever. Esta aprendizagem também se dava por meio de brinquedos, além disso, era exercida por especialistas que preparavam as crianças para a arte do poder: o “dizer” e o “fazer”, já vistos na Grécia. Quanto aos escravos e plebeus, estes recebiam somente uma instrução profissional para o trabalho. Em 169 a.C. surgiu a escola de nível mais elevado: a de gramática que ensinava sons, línguas e palavras, e a de retórica que ensinava o falar, escrever e a oratória. A gramática era entendida como crítica dos textos, sendo por isso criticada e desvalorizada pelos romanos. A retórica enfrentou também a oposição dos romanos, visto que preparava pessoas do povo a falarem latim nos conselhos e nas assembléias, ou seja, preparava para a participação democrática na vida pública. Daí a sua proibição. Na literatura temos a divisão entre literatura latina, que era praticada pelo cidadão romano e que tratava do direito e da moral – escrita em prosa, como registro, também havia a poesia lírica, a épica e as narrativas de guerra, além do teatro - e a literatura grega, praticada por escravos gregos, que escreviam poesias 7 épicas e líricas, como forma de sobrevivência. Sobre essa diferenciação, Manacorda (2002, p.84) afirma: A literatura do cidadão romano deve ser de participação nos atos públicos ou de manifestação de suas funções privadas, como a de administrador ou de educador, jamais poderia ser uma arte ou uma profissão exercida para viver: nesse caso é uma profissão somente para escravos estrangeiros; que não têm direitos a funções administrativas nos negócios públicos e privados. De acordo com Manacorda a escola romana tinha três níveis: mestre de be-a-bá, que ensinava as letras, gramático, que fornecia instrução, e o retor, que ensinava eloqüência. Vale ser destacado que, como na Grécia a didática era repetitiva. “O mestre falava e os alunos repetiam: a memória era instrumento principal do ensino” (ibid, p. 92). O enfado desta didática, o medo do sadismo, somado à distância entre os interesses dos jovens e da sociedade, não motivava os estudos. Sendo assim, a escola passa a ser questionada sobre a sua função. Manacorda (ibid) fala da interferência do Estado na educação, que se deu no século IV d.C. com a reorganização do império por Diocleciano, que através do Edito sobre os preços das coisas venais, estabelece os ordenados dos profissionais, entre eles, o dos professores. Neste contexto, surge o Império Bizantino, no século V, que culminou na desintegração do império romano e na instalação de novos reinos romanobarbáricos, o que gerou outra divisão de classes e de povos, refletindo na divisão das tarefas sociais. Nesta mistura de povos, passa a imperar a vertente católica, que propunha o estudo da Bíblia, enquanto a cultura helênica indicava o estudo da gramática e da retórica, que perdia espaço, visto o fortalecimento da escola cristã. De acordo com Manacorda (ibid), quanto à leitura de textos clássicos, constata-se que ela foi terminantemente proibida aos bispos, segundo disposições do Concílio de Cartago, em 400 d.C. Verificamos, de acordo com os estudos desse autor, que as primeiras escolas cristãs, criadas em 418 d.C., além de formar sacerdotes, instruíam leigos, que deviam optar entre o sacerdócio e o matrimônio. Nestas escolas, havia uma 8 preocupação com a formação moral e a participação na liturgia, além de uma educação literária, indicada em alguns registros. Segundo Manacorda (ibid), a pedagogia cristã é um elemento novo de consideração da idade infantil, aparecendo cada vez mais clara e exigente, tendo uma atenção particular e um cuidado afetuoso da parte dos educadores para com as crianças. No entanto, o sadismo pedagógico (castigos físicos e morais) não é excluído do processo educativo, pois a idéia que prevalecia era a de que a criança não tinha capacidade para entender através dos argumentos e o castigo se apresentava mais eficaz. Quanto ao conteúdo de ensino, temos a gramática – ensinada para a compreensão das Sagradas Escrituras – e o cálculo – instrumento para calcular as estações e horas da liturgia. No seu aspecto instrumental, o ensino ainda guarda vestígios da cultura clássica tradicional: ensino do bê-á-bá, técnicas mnemônicas, etc. Ainda neste contexto, temos a divisão das disciplinas entre o trivium e o quadrivium. O primeiro abordava a retórica, a gramática e a dialética e o segundo, a aritmética, a geometria, astronomia e a música. Nesse contexto também temos uma atuação maior do Estado na educação, exemplo disso, é a preocupação de Carlos Magno quanto à freqüência dos alunos à escola. Também em 825, na Itália, vemos a Igreja sendo liberada da função de instruir leigos, entretanto esta ainda aparece como a principal fonte de instrução. Passamos a ver a configuração de uma escola de Estado para leigos e uma escola paroquial, episcopal e cenobiais que formavam os clérigos, com ressalva para a escola paroquial que também estava aberta aos leigos. Estas escolas religiosas, segundo o referido autor, lançaram os princípios para a “formação profissional do clero”. Porém, de acordo com Manacorda (op.cit.), na Baixa Idade Média, período compreendido entre os séculos X e XV, a Igreja ainda dominava a educação, visto que havia uma relação estreita entre imperador e igreja, o que garantia o monopólio eclesiástico na instrução. Os mestres das escolas cristãs eram os bispos que, no entanto, transferiam sua função aos magischola (mestres), que por sua vez, passavam suas atribuições aos proscholus (monitores), através da venda de suas licenças de 9 docência a estes, a qual era proibida pela Igreja. Na visão do referido autor, esta venda da ciência seria um prenúncio do capitalismo. Manacorda (ibid) nos informa que no século XIV houve uma divisão da instrução em três níveis: clérigo, que estudava as Sagradas Escrituras; o leigo (nobre) que se preparava para as profissões liberais (medicina, direito, entre outros) e a burguesia que se preparava para as armas. Nesse contexto, também temos muitos pais pagando pela educação de seus filhos a tabeliões (livres profissionais) que forneciam um treinamento aos alunos, voltado para o comércio. Esta escola acabou substituindo as escolas paroquiais, episcopais e cenobiais. E, de acordo com Petitat (1994), o renascimento cultural, a renovação urbana nas cidades e a maior autonomia política possibilitaram mudanças no setor educativo. Com o desenvolvimento das cidades, as escolas fogem dos limites religiosos e escapam do controle da Igreja. Esta expansão é acompanhada por uma diferenciação no ensino, as escolas elementares estabelecem um currículo pautado no alfabeto e no canto religioso, já as faculdades de artes ensinavam as sete artes liberais (trívium e quadrivium) as quais preparavam os alunos para aprendizagens posteriores. Também havia escolas que atendiam aos interesses dos comerciantes e voltava-se para as atividades comerciais. A transmissão do conhecimento nas cidades da Idade Média se dava por meio da aprendizagem direta, ou seja, através de corporações de artes e ofícios (comunidades profissionais), em que os aprendizes aprendiam trabalhos artesanais com seus mestres. Não havia uma escola para o trabalho, pois o próprio trabalho era a escola. Este ensino era pago aos mestres, entretanto, alguns não o pagavam devido à pobreza de suas famílias. Também, neste contexto, ocorre a proliferação do humanismo que propõe a volta da leitura dos clássicos latinos e gregos não mais sob o enfoque da gramática. Então o humanismo passou a criticar o modelo tradicional de escola que se pautava numa metodologia repetitiva e na disciplina severa. Tendo o humanismo como embasamento surge a pedagogia humanística, que passa a valorizar a criança e, também, propõe a educação de acordo com a índole desta. Porém, na visão de Manacorda (ibid) esta educação servia simplesmente para conservar a divisão social. 10 Outros temas também estão presentes nesta pedagogia como: a leitura direta dos textos, estudos acompanhados por passeios, os jogos e as brincadeiras, o respeito aos adolescentes e a exclusão das punições corporais. Já no século XVI, assistimos ao nascimento da escola elementar de caridade a qual era destinada aos pobres. Petitat (ibid) se detém no estudo das escolas de caridade francesas, buscando entender porque o alfabeto leva à escolarizações distintas e porque as tentativas de integração sócio-políticas das classes dominadas adotam o modelo escolar. A novidade apontada pelo autor é que elas alteram a trajetória escolar, pois além de ser um esforço para a reprodução das posições dominadas e de garantia das posições dominantes, a escola passa a gerar também uma nova cultura (escrita) para os pobres, diferente da cultura oral que vigorava até então. Manacorda (2002) explica que mais tarde, com a Reforma Luterana, na Alemanha, a proposta de Lutero para a instrução de todos era de que estes estivessem livres para ler e interpretar a Bíblia sem a intermediação do clero. A sua proposta também incluía o ensino para meninas. Indo contra a Reforma Protestante, surge a Contra-Reforma que, segundo o autor acima citado: É caracterizado por uma defesa tão intransigente da prerrogativa da Igreja católica sobre a educação que acaba evolvendo na condenação tanto das iniciativas alheias à extensão da instrução às classes populares como toda inovação cultural. (op.cit, p.200) Desse modo, a orientação educativa da Igreja católica foi fixada no Concílio de Trento (1545-1564) que proibiu a leitura de vários livros, listando-os no Index Librorum Prohibitorum ("Índice dos Livros Proibidos"). Este Concílio também propôs a reorganização das escolas católicas: regulamentou o ensino de gramática, das Sagradas Escrituras e da Teologia; instituiu seminários destinados a educar religiosamente e instruir nas disciplinas eclesiásticas os novos sacerdotes. Porém, segundo Manacorda (2002), para ingressar nos seminários os jovens deviam saber ler e escrever, já os mestres do clero deveriam ter uma formação para ensinar. De acordo com o autor, todo o regulamento do ensino jesuítico foi registrado no Ratio Studiorum (1586-1599). Dentro dele temos a organização das classes, dos horários, dos programas e das disciplinas. 11 O ensino escolástico jesuítico obedece ao referido documento, ou seja, abrange a seguinte organização: Seis anos de studia inferiora, que contemplava três cursos de gramática, um de humanidades e um de retórica; também um triênio de studia superiora de filosofia (lógica, física e ética), um ano de metafísica, matemática superior, psicologia e fisiologia; e após a repetitio generali, e um período de prática de magistério, passava-se ao estudo de Teologia que durava quatro anos. Ademais, este ensino jesuítico selecionava todo o seu conteúdo, segundo Petitat (1994, p.82): “eles garimpam os textos dos escritores antigos, pagãos e profanos, extraindo o que serve à fé católica. Os personagens gregos e romanos são despojados de sua historicidade”. Manacorda (2002) pontua que, além disso, a premiação, a competição entre alunos, entre outras formas de motivar os estudos, são técnicas utilizadas para garantir a assiduidade dos alunos frente ao ensino nada motivador aos alunos. Avançando no nosso estudo, nos deparamos com a Idade Moderna, época em que vemos diferentes propostas de educação. Dentre estas propostas, podemos falar de Jan Amos Comenius e sua visão sobre a organização da educação. A sua proposta era a de “ensinar tudo a todos totalmente”. Assim, na sua “Didática Magna” explicava como deveria ser organizado o ensino das línguas e das ciências. Sua indicação previa a experimentação concreta das coisas, o uso mecânico e prático das ciências. Com o mesmo espírito moderno, temos John Locke, que se preocupava com a formação do gentleman, e não das classes populares. Na sua visão, a educação deveria contemplar as virtudes morais, a cultura e, por fim, os conhecimentos da leitura e escrita. Quanto às classes populares, ele propunha uma aprendizagem voltada para o trabalho industrial. Sobre isso podemos citar que, segundo Manacorda (2002, p.225): Não há neste espírito moderno a inspiração humanitária dos religiosos, católicos e pietistas, cuja obra, todavia quase sempre se reduz a fornecer, a custa da sociedade uma mão-de-obra menos rude para as novas indústrias, mas há somente o senso do gentleman que se não fecha os olhos perante a existência de um problema social, também não fica preocupado por causa dele. 12 Por outro lado, no século XVIII, as iniciativas voltadas para a educação popular são nítidas. Temos as propostas de católicos, como a de La Salle, que iam além do assistencialismo; pois segundo Manacorda (2002, p.228): “são um primeiro esboço das escolas técnico-profissionais e as primeiras escolas ‘normais’ para leigos, chamados também para a atividade de instrução, tradicionalmente reservada ao clero”. Assim, La Salle incorpora as idéias que permeavam a educação e a sua organização, propondo um ensino pautado na disciplina, na divisão dos conteúdos por turmas: iniciantes, médios e avançados, divididos de acordo com o rendimento do aluno. A didática desta iniciativa apoiava-se na divisão entre o ler e o escrever. Assim, o ler condizia ao ensino religioso - aculturação moral e religiosa - e, o escrever voltava-se para pré-aprendizagem das profissões artesanais mercantis. De acordo com Petitat (1994), os lassalistas explicitavam que a alfabetização que eles propunham melhorava a condição dos pobres, entretanto, não os tiravam de sua condição social. Por outro lado, segundo Manacorda (2002), os reformados tiveram iniciativas educacionais mais inovadoras. Assim, na Alemanha é proposto não só o ensino religioso, mas também escolas ‘normais’, voltadas para os pobres. Elas conservam ainda o rigor disciplinar, porém trazem novidades como o arrefecimento do ensino de latim e a ampliação do ensino de ciências (matemáticas, naturais e humanas). Quanto à disciplina, neste período, Manacorda (ibid), nos informa que a vigilância e as punições eram constantes. O mesmo autor especifica as formas de punição: "por palavras, pela penitência, pela férula, pelo chicote, pela expulsão" (p.233), usadas como ferramenta didática. Tais punições incutiriam a moral e a aprendizagem da escrita. Para Manacorda (ibid), o humanismo entra em crise com o advento do Iluminismo. O fato das ciências modernas se desenvolverem junto às línguas nacionais, leva os ensinamentos antigos da cultura humanista e o latim a perderem espaço na sociedade. Assim, a prerrogativa da educação passa a ser requisitada por governantes, apoiados por pensadores como Rousseau. 13 Para Petitat (1994), a instrução pública tinha o objetivo de inculcar nos cidadãos as bases da ordem fundamentada na propriedade. Assim, o Estado deveria cuidar dos métodos, programas, etc. Para o referido autor, havia uma contradição quanto ao caráter educativo, pois a igreja se recusava a abrir mão da educação, a moral religiosa ainda era defendida e o ensino primário procurava excluir os mais pobres. No século XVIII, temos um ensino primário público voltado para a moralização do povo e o ensino secundário e superior voltado para a elite. Por outro lado, tínhamos os iluministas a favor das escolas elementares voltadas para a classe popular, ao passo que propõem a sua redefinição e secularização. No Antigo Regime, o Estado dominava o ensino através da abertura de escolas, entretanto, a administração ficava a cargo das instituições religiosas que gerenciavam o ensino. Esta divisão entre os poderes da Igreja e do Estado desintegrou-se nos séculos XVIII e XIX e medidas contra os jesuítas na Europa foram suscitadas: por exemplo, a expulsão da Companhia de Jesus das colônias e a assunção da educação pelo Estado. O papel da instrução pública era o de inculcar nos cidadãos as bases da ordem fundamentada na propriedade a qual propunha o direito a esta como um fundamento da nova ordem social. A revolução industrial propiciou a transformação do trabalho e dos modos de produção, influenciando a educação que passa a atender às novas necessidades modernas de produção. Assim, a pedagogia moderna segue duas vias: reprodução, na fábrica, dos métodos da aprendizagem artesanal e a criação de escolas técnicas e profissionais. E, segundo Petitat (1994), a relação entre industrialização e alfabetização implica num aprendizado suficiente para a realização de tarefas mecânicas e repetitivas, exemplo disso, é a Inglaterra que entre 1800 e 1840 que manteve o nível de analfabetismo praticamente o mesmo. Também, nota-se que o trabalho infantil nas indústrias afastava as crianças das escolas. Na época da Revolução Francesa, Condorcet (1792), cientista e secretário da Assembléia Legislativa, sustentava a necessidade de uma instrução para todo o povo aos cuidados do Estado, baseado no ensino gratuito, laico e neutro. 14 De acordo com Manacorda (2002), concomitante à Revolução Francesa, surge na Inglaterra o ensino mútuo. Tal ensino propunha que os mestres instruíssem alguns alunos, para que eles atuassem como seus monitores junto à turma. Para o referido autor, este ensino reduziria os gastos com a educação e contribuiria para a aprendizagem dos alunos. Mais tarde, este ensino se difundiu pela Europa. Quanto a este ensino Manacorda (ibid) afirma: Esta nova prática de ensino mútuo, que tem a vantagem de associar leitura e escrita que atinge não individualmente mas simultaneamente muitos alunos, não muda os antigos procedimentos com sua seqüência de silabar e soletrar. (p. 259). Também é importante mencionar que o rigor disciplinar e a competição ainda eram muito utilizados neste ensino. Porém, os castigos que antes eram comuns, são descartados neste processo. Na Suíça, temos a iniciativa de Pestalozzi (1801) que propõe a psicologia infantil e a didática como pontos de partida para uma nova pedagogia. Assim, a didática pautava-se na gradualidade do ensino que partia do concreto e chegava ao abstrato. Manacorda (2002) explica que a igreja foi excluída da função de assistência e de instrução e conduziu uma batalha em defesa de seu direito sobre estas. E, como parte integrante da tradição católica, temos Dom Bosco, que através da congregação salesiana, impôs a presença católica ao mundo moderno. A sua obra se destaca pela reflexão pedagógica e pela iniciativa na educação popular profissional. Já ao final do século XIX, tivemos a cultura socialista que se opunha ao capitalismo. Quanto à educação, temos seus defensores criticando a burguesia pela incapacidade de realizar o que propunham: laicidade, universalidade, gratuidade. Assim, na concepção de Marx, citado por Manacorda (ibid), a instrução deveria englobar: a instrução intelectual, a educação física, o treinamento tecnológico, que transita entre os fundamentos de processos da produção e introduz as crianças e adolescentes no manuseio de elementos de todos os ofícios. O pensador concebia uma união entre instrução e trabalho prevendo uma formação total de todos os homens. 15 Mais tarde, surgem as escolas novas como resultado da combinação entre o trabalho e a psicologia infantil, em que o primeiro caminho volta-se para o desenvolvimento das capacidades produtivas e, o segundo volta-se para descoberta da criança, desenvolvendo a sua psique, através da educação sensório-motora e intelectual, por meio do jogo e da livre atividade. Nesta proposta, o jogo, a espontaneidade e o trabalho são considerados elementos educativos, e o último não é mais relacionado ao desenvolvimento industrial, mas, ao desenvolvimento da criança. Na Europa, excetuando-se algumas iniciativas de inovação na instituição escolar, como as de Tolstói e Froebel, esta continua livresca e autoritária. Perante ela, a escola americana mostrava-se muito diferente. O desenvolvimento desta escola se deu após a guerra de secessão, e teve como principal nome John Dewey, que criou um sistema ligado às experiências concretas de trabalho, o learning by doing, o aprender fazendo, é o centro de sua proposta educativa. Já no século XX, mais precisamente após a Revolução Russa, temos a pedagogia soviética de Makarenko, que propunha a conexão entre instrução e trabalho produtivo, a educação dos sentimentos e o coletivo. Segundo Manacorda (2002) o trabalho, a colaboração, e perspectiva de alegria a todos os homens eram os métodos e os fins da pedagogia de Makarenko. Além das interferências políticas e sociais na educação, a partir do século XIX, temos a vertente da psicologia indicando caminhos para a educação. Vygotsky, pensador da vertente psicológica, aponta a existência de uma zona de desenvolvimento potencial, cuja definição é “a divergência entre o nível da realização das tarefas executadas sob a guia e com a ajuda de adultos, e o nível das tarefas realizadas autonomamente pela criança”. Vygotsky (apud MANACORDA, ibid, p.326). Sua idéia é de que o ensino eficaz é aquele que antecede o desenvolvimento, estimulando-o e o principal compromisso com a educação é criar o desenvolvimento potencial. Por outro lado, temos Piaget, cuja vertente é a construtivista, e concebe que a aprendizagem se dá na relação entre o indivíduo e a realidade. Para ele, a educação deveria se adequar ao desenvolvimento do aluno, contrastando com a idéia de Vygotsky de se criar a zona de desenvolvimento potencial. Manacorda (ibid) afirma que após a Segunda Guerra Mundial, houve a divisão do mundo em dois blocos: no lado capitalista, temos a pedagogia inspirada 16 nos ideais de Dewey; já no lado socialista a educação embasa-se nas teses de Marx. De acordo com Petitat (1994), na década de 50, a educação tecnológica e científica passa a ser valorizada, pois as tecnologias passam a ser vistas como uma fonte de transformação social. Como conseqüência, a educação tecnológica – técnica e cientifica- é concebida como um meio de progredir economicamente. Também houve uma democratização do ensino que, entretanto, ao nosso ver, continuava desigual, pois consta que, no século XIX, as lutas escolares manifestaram a tomada de consciência da importância da escola para a mudança social e cultural. Já na atualidade, estamos vivendo na sociedade da informação que acarretou em mudanças na economia e no modo de viver das pessoas. As transformações tecnológicas e a economia global provocaram mudanças culturais e educativas. E no âmbito do trabalho exige-se das pessoas uma maior capacidade de selecionar e processar informações rapidamente. Sendo assim, neste contexto, a educação escolar torna-se fundamental. Segundo Gabassa (2007), atualmente a educação escolar no Ocidente, tem três propósitos: a socialização das novas gerações na história da humanidade, o que resultou na obrigatoriedade da educação a todas as camadas da população; a preparação para o mundo do trabalho e a formação do cidadão/ã para a vida pública de forma a preservar o equilíbrio das instituições, bem como, as normas de convivência impostas na sociedade. Quanto ao ensino e à didática, Gabassa (2007) aponta a importância do reconhecimento da racionalidade aplicada na aprendizagem, que, por sua vez, pauta-se em correntes psicológicas. Temos, por exemplo, Piaget, que em seus estudos estabelece as bases da didática baseado nas ações sensório-motoras e nas operações mentais, a partir do qual o conhecimento pode se aprofundar nas transformações do real, sendo resultado não dos objetos, mas das ações dos indivíduos ao manipularem e explorarem a realidade objetiva. De acordo com a mesma autora, este modelo de aprendizagem construtivista, prevalece na realidade. Assim é dada ao aluno/a a oportunidade de construção de aprendizagens a partir da experiência e da própria 17 investigação. E, ao professor/a cabe elaborar as melhores formas de intervir nesta construção. Este enfoque faz uso da racionalidade instrumental como a técnica, pois considera a melhor maneira para desenvolver o alunado, considerando a melhor forma de desenvolvê-los individualmente, entendendo que os objetos e o mundo têm significados diferentes para cada um deles, de acordo com a realidade em que estão inseridos/as. Porém, na escola esta idéia é apresentada como o respeito ao ritmo do/a aluno/a não considerando as desigualdades de contexto em que vivem as crianças, como se o/a aluno/a fosse o responsável por sua aprendizagem, e no caso de seu fracasso ele é o culpado, o que acaba gerando o aumento das desigualdades de aprendizagem. Por outro lado, temos Vigotsky, que desenvolveu o conceito de zona de desenvolvimento potencial (ZDP), já explicitada acima. Neste enfoque temos que a aprendizagem escolar estimula processos internos de desenvolvimento e a função do processo educativo é contribuir para o aparecimento deste desenvolvimento. Segundo Gabassa (2007), esta corrente psicológica apresenta as bases teóricas para a construção de uma outra racionalidade que se paute no diálogo e nas interações. Entretanto, é usada de uma forma em que a educação escolar fique sob a égide da racionalidade instrumental a qual não transforma, mas adapta e perpetua as desigualdades sociais em vez de potencializar a aprendizagem do alunado. A mesma autora também afirma que o currículo que guia o conteúdo e os objetivos da escola é decidido à margem dos/as professores/as, bem como, a administração que se apresenta como um controle do trabalho dos agentes educacionais é pautada na racionalidade instrumental, determinando a organização da escola tanto no currículo, como na administração e evidenciando a ausência de um diálogo na organização da escola. Diante da argumentação da autora acima citada e do exposto pelos autores até este momento, podemos entender que a educação escolar grega e posteriormente a européia, aplicada nas colônias, ao longo dos séculos vem sendo seletiva, antidialógica e sempre pautada na racionalidade instrumental, que por sua 18 vez, não permite a superação das situações de desigualdade social, educativa e cultural. Para Girotto (2007), na sociedade atual, além de um grande número de pessoas não terem acesso aos meios de informações há na educação escolar a desqualificação de pessoas pertencentes à classe popular, pois apesar do acesso aos meios de informação, o conhecimento mais aceito e valorizado na sociedade é o de grupos privilegiados: cultura branca, masculina e ocidental. Frente a esta situação, há de se destacar Flecha (1997), autor que apresenta a possibilidade de luta contra as desigualdades sociais engendradas na sociedade da informação, apontando a busca de uma sociedade da informação para todos/as. Indo ao encontro com a proposta acima citada, temos a perspectiva comunicativa com Freire (1997, 2001, 2003, 2004) e Habermas (1978), os quais nos dão as bases para a aprendizagem dialógica. Este conceito da Aprendizagem Dialógica 3 foi criado por Flecha e desenvolvido no Centro Especial de Investigação em Teoria e Práticas Superadoras de Desigualdades (CREA). Tal conceito traz novas perspectivas para uma educação mais justa e igualitária pautada no diálogo igualitário, e será utilizado aqui como uma alternativa possível de transformação da realidade e conseqüentemente da maneira de se fazer a escola. Destacamos a importância do conceito de racionalidade para Habermas, nas palavras de Girotto (2007 p. 26): Na racionalidade instrumental, haveria um uso instrumental de saber para alcançar determinados fins preestabelecidos no mundo objetivo, e n racionalidade comunicativa, o saber é um instrumento que acessa e dá acesso tanto ao mundo objetivo como a intersubjetividade do contexto onde se dá a ação. De acordo com Girotto (ibid), Habermas também explica que existem quatro tipos de ações que permeiam as nossas atuações na sociedade, a saber: ação teleológica - em que o ator escolhe os melhores meios para conseguir um fim, ação regulada por normas - os membros de um grupo social orientam as ações sociais conforme as normas da sociedade em que está inserido, ação dramatúrgica 3 Tal conceito será discutido no capitulo posterior junto à atividade Tertúlia Literária Dialógica, sendo este conceito o centro da atividade. 19 - em que as pessoas se comportam como se as outras fossem seu público; a ação comunicativa- que é a interação entre sujeitos capazes de linguagem e ação. De acordo com Girotto (ibid) a perspectiva da ação comunicativa, supera a teoria da racionalização (criada por Weber que entendia a racionalidade como a utilização de melhores meios para atingir fins práticos), pois prioriza a relação interpessoal em detrimento da relação solitária, substituindo a linguagem perlocutória (que busca causar um efeito no ouvinte) pela ilocucionária (que busca comunicar). Em Freire (2005, apud GIROTTO, 2007), temos que a busca da coerência das pessoas no mundo se faz através do diálogo, que vê a palavra como um direito de toda pessoa e não como privilégio de alguns. Freire concebe a palavra dentro do diálogo como uma práxis que requer a ação e reflexão para que não se torne ativismo – ação sem reflexão- nem verbalismo - reflexão sem ação. Considerando o percurso realizado no presente item, sobre como a educação escolar veio se constituindo através dos séculos, pode-se dizer que ela sempre previu um tratamento desigual para os diferentes grupos sociais e culturais. Nesta perspectiva, a visão de criança também foi se alterando, além de haver diferentes visões para as crianças de diferentes grupos. E a isso que vamos nos dedicar no item que segue. 1.2. A infância na História e sua influência na educação escolar Em nossos estudos pudemos constatar que a concepção de infância alterou-se ao longo dos séculos. Segundo Yamim (2006), na Grécia, as crianças eram tidas como seres inferiores, porém eram concebidas como um instrumento de transformação da pólis. Na Idade Média, a infância era tida como um período de transição ao mundo adulto e o sentimento em relação a elas baseava-se na preservação moral e religiosa. De acordo com a mesma autora, que se pauta nos estudos de Àries (1981), no século XVII, houve a descoberta e aceitação da particularidade infantil. Assim, a família passou a basear-se em relações de carinho com a criança, lembrando que a severidade no tratamento com esta era corrente. 20 As crianças foram retiradas do mundo adulto e inseridas nas escolas, havendo uma preocupação com a formação destas. Entretanto, alguns setores da sociedade (eclesiásticos, homens da lei...) não aprovaram esta “paparicação”4 da criança. Então, propuseram métodos educativos pautados na cristandade. Por outro lado, a iniciativa de Rousseau - como expressão da revolução burguesa e de seu modelo familiar, cuja relação afetiva impulsionava o bem estar do Estado - passou a considerar a “natureza infantil”, acentuando que o desenvolvimento da criança se daria com a maturação de suas faculdades, com o seu ritmo de crescimento, ente outros fatores. Mais tarde no século XIX, segundo a autora, o sentimento de infância ganhou força e este momento da vida passou a sofrer influências de várias instituições sociais. A imagem da criança foi alterada com a Revolução Industrial (século XVIII-XIX) atrelando-a ao mundo do trabalho, assim tivemos escolas de caridade, iniciadas por proprietários de indústrias que assumiam a educação de crianças com o objetivo de inculcar nelas valores do trabalho (ordem, disciplina, uso econômico do tempo, obediência). Por outro lado, também houve a iniciativa estatal com o objetivo de preparar as crianças para a atuação social. A referida autora ainda aponta que no contexto brasileiro, tivemos a doutrinação das crianças, segundo o viés da Igreja Católica e da Coroa Portuguesa, iniciado no século XVI. Mais tarde, com a urbanização, somada a influência dos Iluministas e a restrição da escravidão vimos a formação de um novo sentimento de infância. Yamim (2006) também menciona que com o início da industrialização atrelado ao alto custo de vida e a inexistência de assistência social e educacional, a miséria se prolifera e empurra as crianças ao trabalho na indústria. A imagem da criança, neste cenário, era a de futuro operário, sendo elas muito valorizadas pelos proprietários de indústrias devido ao baixo custo de sua mão-de-obra. A autora evidencia que houve uma inserção da criança no mercado de trabalho, o que servia para isolá-las das ruas e do contato “prejudicial” com as outras crianças. Também tivemos a “proteção” do Estado para com as crianças abandonadas e carentes. Nesta ação demonstravam dois sentidos de infância: a que 4 Conceito que YAMIM (2006) retirou do trabalho de Àries (1981) que se refere ao sentimento de valorização da criança. 21 era culpada por sua situação social e, portanto, deveria ser protegida para não contaminar a sociedade, e a que era considerada um “vítima”, que precisava de assistência para garantir a mão-de-obra futura. Já no século XX, com a industrialização se consolidando, tivemos um fortalecimento econômico das famílias burguesas, que buscavam manter uma relação agradável com as crianças. Assim, houve um amadurecimento da instituição familiar que exigia uma educação para seus filhos, que os transformassem em cidadãos que dominassem a sociedade, política e economicamente. Quanto às classes populares, Yamim (ibid) menciona que estas, por necessidades econômicas, traçavam o destino de suas crianças, doando-as para lares de adoção; as menores eram adotadas por famílias e, quando maiores, eram resgatadas por seus pais a fim de ajudarem na economia familiar. Nesse sentido, a educação valorizada era aquela que preparasse a criança para um ofício. A mesma autora ainda aponta que as camadas populares só foram valorizadas após o período republicano, recebendo apoio do Estado que as preparavam a fim de minimizar os efeitos da escravidão. Ainda, de acordo com a autora, o sentido de infância, explicitado em 1927, no Código do Menor, expressa um duplo caráter em relação à criança: a cidadã, que deveria ser atendida moralmente e fisicamente para reestruturar a sociedade, e a abandonada, destinada à instituições assistenciais. Já na década de 60, havia a idéia de “carência cultural” da infância pobre como um problema social a ser resolvido. Frente a isso, Soares (1986) nos ensina que esta vertente entendia que as diferenças de aptidões levariam a diferenças sociais. Conseqüentemente as pessoas mais empobrecidas seriam menos aptas aos estudos, o que geraria o fracasso escolar. Já na década de 70, devido à dificuldade de se recuperar do fracasso escolar nas primeiras séries, introduziu-se um discurso de respeito à cultura e a linguagem das pessoas pobres, porém essa linguagem é desvalorizada e descartada na escola o que levaria estas pessoas ao fracasso. Assim, surgiram programas de educação pré-escolar voltados para a alfabetização, a socialização das crianças pobres e políticas de ações compensatórias e assistenciais. E, sobre essas políticas, Soares (1986) acrescenta que havia uma propaganda de uma “igualdade de oportunidades”, já que o ponto 22 de partida para o sucesso das crianças estava dado, ou seja, tiveram o acesso à escola; quanto à sua permanência e sucesso nos estudos dependia somente delas mesmas. Porém, sabemos que o sucesso estava designado somente às pessoas mais favorecidas economicamente, pois a cultura popular não se enquadrava na escola, o que levava as pessoas desta classe à serem marginalizadas. Mais tarde, na década de 80, houve uma preocupação maior com a criança, vista como sujeito de direitos e com potencialidades a serem desenvolvidas, tendo como base o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). Apesar das lutas pelo direito da criança à educação desde o seu nascimento, as incoerências entre as reivindicações e a realidade eram evidentes, culpava-se a criança pelos seus problemas econômicos e sociais. (Yamim, 2006). Mais uma vez temos a criança pobre concebida como um problema a ser resolvido. E a aceitação da marginalidade e da pobreza, eliminava a questão de que “(...) o foco do problema é a cultura da pobreza e não a própria pobreza”. (REDIN, 1988, apud YAMIM, 2006, p.17.) Para Yamim (ibid), temos diversas instituições retomando a função de socialização da criança. Porém, ela questiona o fato de que apesar de diversas conquistas que tivemos no âmbito infantil, a criança pode não estar ainda tendo melhores condições de vida. Quanto ao potencial de transformação que a criança possui, Yamim (ibid), diz que temos um exemplo de atuação infantil em movimentos sociais de luta pela terra. Para a autora, tal processo se daria através da construção de uma consciência revolucionária que se forma em processos educativos, formais (aprendizagem escolarizada) e não-formais (aprendizagem pautada em relações familiares, literatura, organizações sociais, etc.). Frente ao que foi apresentado, pensamos que a infância é um período de muitas aprendizagens, formais e não-formais, sendo que a última, muitas vezes, não é valorizada pelos adultos e nem pelas instituições escolares. Acreditamos que a criança é um sujeito cultural que aprende através de instituições sociais (família, escola, etc), pautadas na sociedade em que está inserida, na sua classe social, no momento histórico em que está inserida, etc. Defendemos a aprendizagem não-formal como um espaço que possibilita aprendizagens que são importantes para o espaço escolar, dentro dela, temos a 23 Tertúlia como um espaço que valoriza a inteligência cultural da criança, e também que possibilita transformações pessoais, pautadas numa relação de respeito à infância. Sendo assim, no próximo item, apresentaremos o nosso entendimento sobre leitura de literatura, para no próximo capitulo, defender a idéia da atividade de Tertúlia Literária Dialógica como um espaço de leitura, reflexão e aprendizagens. 1.3. A leitura e a literatura na sociedade e na escola Tendo em vista as discussões anteriores sobre as mudanças da escola frente aos novos acontecimentos sociais, e voltando a nossa análise para o contexto atual, temos visto que na sociedade existem desigualdades relacionadas tanto ao acesso às informações, quanto às competências que os indivíduos devem ter para poder transitar nesta sociedade. Entendemos a importância da leitura e da literatura para a formação de pessoas críticas e reflexivas e a defendemos como um direito de todos e todas. A leitura da literatura possibilita aprendizagens instrumentais (como o ler e o escrever), bem como nos ensina aspectos históricos, culturais e sociais de sociedades que antecederam a nossa, permitindo a todos/as que lêem, um contato com saberes historicamente produzidos. Acreditamos que esta leitura auxilie os/as alunos/as a refletir sobre acontecimentos sociais que vivenciam, comprovando a sua importância no contexto escolar. Entretanto, conforme o estudo que aqui apresentaremos, vemos que o acesso a livros da literatura clássica universal não é possível a todas as pessoas, já que esta produção é tida como patrimônio das elites. Concordando com a idéia de Girotto (2007), quando se refere à superação da visão de que a literatura deve ser acessível apenas às pessoas de elite e com formação acadêmica, acreditamos na luta pela democratização do conhecimento através da leitura de literatura clássica universal por todas as pessoas. Para destacar a sua importância social, apresentaremos brevemente o seu surgimento e desenvolvimento no contexto mundial e brasileiro, pautando-nos nos 24 escritos de Girotto (ibid). Assim, sabemos que antes de ter o significado atual era tida como formas de: (...) erudição, de conhecimentos gramaticais, de domínio de línguas clássicas..., foi só a partir do século XVIII que a palavra literatura foi tendo atenuado seu significado de atividade intelectual superior mais generalizada, e fortalecido o significado mais próximo do que hoje ela nos sugere. (LAJOLO 1982, apud GIROTTO, ibid, p. 38). Na Grécia, a literatura clássica veio da tradição de autores e tinha como leitores cidadãos letrados, ou seja, era voltado para a elite. Com a cristianização, a leitura dos clássicos passou a ser restrita, pois era considerada uma arte pagã, contra os princípios religiosos. Na Idade Média, a literatura era feita por pessoas patrocinadas pela elite, e que tinham por objetivo agradar o patrono, já que este lhe financiava o trabalho. Esta forma de fazer literatura era tida como atividade de luxo e o escritor visto como ocioso. Também temos que os contadores de história transmitiam sua cultura, seus valores, através da contação de história, que, mais tarde, passou a ser registrada em livros, a partir do século XVII, através da tradição popular. Girotto (ibid) se embasa na origem popular da literatura e aponta que as primeiras fontes, que originaram a literatura popular européia são orientais. E, nos séculos IX e X, vemos transitar oralmente uma literatura popular, que hoje é conhecida como folclórica e infantil. Essas histórias derivam de narrativas orientais ou gregas retratando valores de comportamento social e ético. Já a literatura de origem culta, baseou-se nas novelas de cavalaria, de tradição ocidental, que apresenta elementos de um mundo mágico, distante da realidade. Na Baixa Idade Média, a leitura era permitida somente ao clero. No Humanismo, nos séculos XV e XVI, vemos a retomada da leitura de livros clássicos latinos e gregos, que até então eram utilizados como modelos gramaticais e estilísticos. Frente a tantas mudanças, a pedagogia passa a valorizar a criança e seu universo. O renascimento, as grandes navegações e os “descobrimentos” possibilitaram mudanças sociais. Dentre eles a Reforma Protestante, que permitiu a livre interpretação da bíblia e impulsionou a liberdade de pensamento, já a 25 Contra-Reforma, como vimos anteriormente, foi uma reação da igreja que condenou a leitura de livros da literatura clássica. É, nesse contexto, que os jesuítas vieram para o Brasil, dando início à catequização indígena. As escolas criadas entre 1549 e 1570 eram destinadas aos índios e a filhos de colonos brancos, para o aprendizado da leitura e escrita, do português, da doutrina cristã, do teatro, do aprendizado profissional, etc. Posteriormente, a educação passou a excluir os indígenas e voltou-se para os filhos dos colonos brancos. De acordo com Freire, (1989, apud GIROTTO, 2007) havia nesta educação elementos medievais (castigos, retórica, gramática, latim) e elementos modernos (recreio, a autorização de se falar a língua vernácula no recreio, a premiação dos alunos). Também a educação era diferenciada: às elites cabiam os estudos, enquanto que o trabalho manual voltava-se para as classes populares. Enfim, esta educação não se preocupava com a alfabetização tampouco se pautava na gratuidade; reforçava e reproduzia desigualdades, na qual a cultura dominante e cristã era reproduzida e a cultura da camada popular era negada. Mais tarde, no século XIX, as leituras infanto-juvenis foram adaptadas de obras voltadas para adultos. Nesse cenário, Chartier (2001) menciona que existia uma diferença no acesso à leitura e ao seu conteúdo, como exemplo, temos leituras indicadas para mulheres, como forma de prepará-la para afazeres do lar. E, nas escolas, a sua aprendizagem ficava restrita à leitura e ao fiar, enquanto que aos homens, desde cedo, aprendiam a ler e escrever, nas escolas de gramática. A leitura também sai de uma tradição oralizada, baseada no contar e no escutar de acontecimentos bíblicos para uma leitura particular e silenciosa, que permitia reflexões pessoais, ou seja, garantia a autonomia da pessoa na sua interpretação. Chartier (ibid) também menciona o precário domínio na competência da leitura e da escrita por parte de algumas pessoas em diferentes meios sociais. No Brasil, temos os estudos de Soares (2003) que apontam duas concepções em torno da educação: o letramento e a alfabetização. Para a autora, estes dois conceitos se complementam e se confundem, apesar de serem tratados 26 como coisas diferentes. Ela menciona que esse enraizamento do conceito de letramento no conceito de alfabetização pode ser detectado em fontes como: os censos demográficos, a mídia, a produção acadêmica. No censo demográfico, constam as alterações no conceito de alfabetização, ao longo das décadas, que permitem identificar uma progressiva extensão desse conceito chegando ao letramento. Quanto ao conceito de alfabetizado entendemos que foi modificado ao longo dos anos. Em 1940, de acordo com o Censo, aquele que declarasse saber ler e escrever -o que era interpretado como capacidade de escrever o próprio nomeera alfabetizado. Mais tarde, foi considerado alfabetizado, aquele capaz de ler e escrever um bilhete simples, ou seja, capaz de não só saber ler e escrever, mas de já exercer uma prática de leitura e escrita, ainda que bastante trivial, adotado a partir do Censo de 1950. A autora aponta que atualmente as pesquisas em torno da alfabetização concentram-se nos anos de escolarização e constatam que o que há nas escolas é o letramento e não a alfabetização. A autora explica a alfabetização como sendo um processo de aprendizagem da técnica, do domínio do código convencional da leitura e da escrita e das relações fonema/grafema, do uso dos instrumentos com os quais se escreve, não é pré-requisito para o letramento. Já o letramento é concebido pela autora como um sentido ampliado da alfabetização, designando práticas de leitura e escrita. A entrada da pessoa no mundo da escrita se dá pela aprendizagem de toda a complexa tecnologia envolvida no aprendizado do ato de ler e escrever. Além disso, o/a aluno/a precisa saber fazer uso e envolver-se nas atividades de leitura e escrita. Segundo a autora, a alfabetização deve ser ensinada de forma sistemática, não devendo ficar diluída no processo de letramento, o que para ela é uma das principais causas do que vemos acontecer hoje: a precariedade do domínio da leitura e da escrita pelos alunos. Dessa forma, a autora defende a união das duas coisas que não podem ser vistas em separado, propondo a reinvenção da alfabetização, ou seja, a consideração da aquisição do sistema da escrita (alfabética e ortográfica) que deve se dar num contexto de letramento (etapa inicial de aprendizagem da leitura e escrita). Concordamos com esta idéia da autora de unir o universo da leitura ao processo de alfabetização, pois este processo facilita e dá mais sentido para a aprendizagem. 27 E nesse sentido, ao tratarmos do nascimento da literatura infantil, é possível notar que, no período da abolição da escravatura e do advento da República, esta foi fruto de adaptações de produções européias, notadamente, as portuguesas. Nessas adaptações, verifica-se um movimento de nacionalização para nacionalismo em que a literatura infantil passa a ser um instrumento de exaltação do país, etc. Na escola, o nacionalismo também se faz presente, e os conteúdos de leitura enfatizavam o nacionalismo, e não era lida por prazer, mas para reforçar a ideologia dominante. Após a instalação do império no Brasil, entramos na fase de transformações na educação escolar, que passa a ser vista como uma fonte de ascensão social. A educação, em todos os seus níveis, passa por reformas cujo objetivo é a estruturação nacional, orientada pelas diretrizes iluministas. No século XIX, ainda os livros de literatura eram baseados nas produções européias, porem esta ação passa a ser criticada e vários autores tentam fazer uma literatura infantil diferenciada. Entretanto, de acordo com Girotto (2007) que pauta-se nos estudos de Coelho (1991), no Brasil, só se vê uma literatura infanto-juvenil a partir de Monteiro Lobato. Na década de 20, vemos o movimento de modernização e desenvolvimento do país, mas na literatura isso não ocorre devido ao controle de alguns grupos sobre as produções literárias. Já na década de 30, há a emergência do romance regionalista, que denunciava as condições desumanas de pessoas, principalmente do Norte e Nordeste. Em 1937, houve um crescimento da produção de literatura infantil a qual tinha fins pedagógicos explícitos, assim transmitia “informações úteis, civismo, etc”. Devido ao clima da época, que evidenciava o realismo, os contos de fadas e as fantasias são criticados. Nos anos 40, se expande um acervo de qualidade literária, que fez uso da fantasia, aventura e imaginação. Já após a Segunda Guerra Mundial, o Brasil recebe influência cultural dos países democráticos: EUA, França e Inglaterra. 28 Segundo Girotto (ibid), esta literatura se apresenta menos popular, de público cada vez mais escolarizado. Já a cultura de massa (cinema e televisão) é consumida pela burguesia, enquanto que a classe popular tinha acesso ao rádio e às chanchadas. Dez anos mais tarde, com a divulgação da literatura como entretenimento e não como leitura escolar, também vemos o aumento da circulação das revistas em quadrinhos, apesar de muitos a criticarem. Chegando na década de 60, temos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 4024, de 20/12/61) o enfoque da democratização do ensino e a sua obrigatoriedade. A literatura, mais uma vez, passa a apoiar a aprendizagem escolar, especialmente a gramática. E na década de 70, os livros passam a apresentar uma ficha de leitura que auxiliava a professora no seu trabalho. Também as produções nacionais ganham força e passam a erigir produções inovadoras, criativas, não deixando de abordar um questionamento da sociedade em constante mudança. A sociedade capitalista informacional se fortifica dando inicio a grandes influências na literatura. Pensamos que a leitura é um importante meio de formação de pessoas críticas, autônomas e com capacidade de selecionar e processar informações. E, no ambiente escolar, ela muitas vezes apresenta-se de forma obrigatória, para auxiliar na aprendizagem dos alunos, tornando-se desprazarosa. Desse modo, o gosto pela leitura e o prazer em aprender com e através dos livros, se distancia de cada leitor. Na busca de um outro olhar sobre a literatura, como possibilidade de reflexão a respeito das experiências individuais, é que a seguir apresentaremos a atividade de Tertúlia Literária Dialógica. Esta atividade também se apresenta como espaço de superação de desigualdades educativas e sociais através de uma nova racionalidade (ação comunicativa) pautada no diálogo, na solidariedade e na possibilidade de transformação, através da proposta da leitura de livros da literatura clássica universal e nacional e do diálogo igualitário, transformando experiências pessoais e possibilitando aprendizagens diversas, que são essenciais para a vida do participante na escola, e na vida em sociedade. Os estudos abordados neste capítulo levam-nos a concluir que as situações de desigualdade social e cultural interferiram, ao longo de nossa história, no acesso e na qualidade da educação escolar. E, sempre houve uma separação 29 dinstrução entre as classes sociais. Ademais, tivemos a visão de infância sendo alterada de acordo com as mudanças sociais, também pautada na relação de classes. Também vimos que a literatura se subdividia de acordo com classes sociais e, na escola, tornou-se numa ferramenta para o trabalho do professor. Entretanto, a leitura na escola é esvaziada de reflexão, de autonomia, e não é colocada como uma atividade prazerosa; faço este apontamento com base nas minhas experiências vivenciadas no ensino fundamental. Defendendo uma educação de qualidade para todos e todas, pautadas na consideração da criança - do seu conhecimento adquirido no mundo da vida - e entendendo a importância da leitura reflexiva e compartilhada para a formação do sujeito crítico e autônomo, vemos na Tertúlia Literária Dialógica um espaço para a potencialização de aprendizagens. E é sobre essa atividade que discorremos a seguir. CAPÍTULO 2 TERTÚLIA LITERÁRIA DIALÓGICA SEUS PRINCÍPIOS E DINÂMICAS O presente capítulo tem por objetivo apresentar a dinâmica e os princípios envolvidos com a atividade de Tertúlia Literária Dialógica. Assim, no item 2.1 discorreremos sobre as “Experiências da atividade de Tertúlia Literária Dialógica na cidade de São Carlos” explicitando as aprendizagens suscitadas na Tertúlia Literária Dialógica, voltada para crianças em idade escolar, realizada numa escola da cidade de São Carlos. A Tertúlia Literária Dialógica é uma atividade cultural e educativa que surgiu em 1978, na Escola de Educação de Pessoas Jovens e Adultas de La Verneda de Sant Martí, em Barcelona, na Espanha. E, foi criada por educadores/as e educandos/as progressistas no sentido de desfrutarem da leitura de livros da literatura clássica universal, expondo a idéia de que a leitura e o entendimento de obras clássicas não é privilégio somente de pessoas com formação acadêmica. Também, tem demonstrado que a leitura pode unir diversos conhecimentos, sejam eles tácitos (provenientes do mundo da vida), sejam eles escolarizados (adquiridos no ambiente escolar). A Tertúlia vem sendo realizada em centros culturais e comunitários, associações populares em diversas organizações educacionais sendo divulgada em 30 todo o mundo através da Confederação de Federações e Associações de Participantes em Educação e Cultura Democrática de Pessoas Adultas (CONFAPEA), da Espanha, através do projeto “Mil y una Tertúlias Literárias Dialógicas por Todo el Mundo”. Tal atividade proporciona resultados positivos com relação às pessoas jovens e adultas, pelo fato de possibilitar um processo transformador das aprendizagens: assim a atividade foi estendida a outros contextos como a educação primária e secundária, a qual é discutida por Miguel Loza na revista “Cuadernos de Pedagogia” publicada em 2004 a questão das Tertúlias Literárias em escolas primárias e secundárias na Espanha. Flecha (1997) nos ensina que a Tertúlia Literária Dialógica constitui-se numa reunião semanal de duas horas em torno da leitura de livros da literatura clássica universal. Na atividade, as pessoas decidem coletivamente o livro e a parte a comentar nos encontros. Todas as pessoas lêem, refletem sobre o lido e conversam com familiares e amigos durante a semana. Cada uma traz um fragmento eleito para lerem em voz alta e explicar o que mais lhe foi significativo. O diálogo se vai construindo a partir dessas contribuições. Os debates entre diferentes opiniões se resolvem apenas através de argumentos. Se todo o grupo chega a um acordo, então se estabelece um consenso, cada pessoa mantém sua própria postura; não há ninguém que, por sua posição de poder, explique o ponto de vista certo e o errôneo. Entre os participantes há um compromisso em ler o trecho do livro que foi combinado e de marcar um parágrafo que tenha chamado atenção. A importância da leitura na atividade de Tertúlia não está apenas em estudar literatura, mas lê-la com profundidade, assim, a idéia da Tertúlia não é interpretar o que o autor quis dizer na sua obra, mas promover uma reflexão a partir das diversas opiniões sobre o mesmo assunto, o que torna possível a criação de novos conhecimentos a partir da leitura da obra e do diálogo coletivo. Dentro da atividade de Tertúlia, há o moderador que tem a função de mediar sa falas, dando prioridade às pessoas que sofrem maiores riscos de exclusão na sociedade, como por exemplo, as mulheres, os negros, as crianças com dificuldade na leitura e na escrita, etc. que conseqüentemente são os/as que menos intervém. Isso ocorre de forma a possibilitar uma participação igualitária para todos/as. O moderador é apenas mais um participante dentro da Tertúlia e não 31 pode impor sua verdade, mas deixar que todas as pessoas exponham seus argumentos de tal maneira que possam refletir e discutir de maneira igualitária. Ele também deve se inscrever para fazer sua contribuição. Ademais, é importante se ter uma pessoa de apoio a fim de garantir a participação e o diálogo igualitário na atividade. E é fundamental que esta pessoa conheça os princípios que dão base a atividade para assim ajudar o moderador na manutenção do diálogo igualitário. A teoria da aprendizagem dialógica é o princípio orientador da atividade de Tertúlia. Tal conceito foi formulado pelo Centro de Investigação em Teorias e Práticas Superadoras de Desigualdades (CREA), da Universidade de Barcelona, na Espanha, pautado nas idéias sobre Educação de Paulo Freire e na proposta Sociológica de Jürguen Habermas e diz respeito a um novo modo de conceber a aprendizagem. A aprendizagem dialógica pauta-se em sete princípios indissociáveis. O primeiro princípio é o diálogo igualitário, que aponta a importância de se respeitar igualmente todas as falas. Ademais expõe que não se aceite que nenhuma pessoa imponha sua idéia como válida. Também pressupõe que todas as pessoas são capazes de linguagem e ação, sendo que todas as manifestações são consideradas em função da validade dos argumentos, e não da posição de poder de umas pessoas sobre outras. O conceito de inteligência cultural expõe que todas as pessoas aprendem muitas coisas ao longo da vida e de maneiras muito diversas. Assim, todas as pessoas têm uma inteligência que é construída através de suas interações com outras pessoas dentro de um contexto cultural e, com isso, entende-se que todas as pessoas têm iguais condições de participar num diálogo igualitário. Esta inteligência das pessoas pode se desenvolver segundo os contextos e interações, possibilitando, portanto, reformulações a partir de novas inserções e interações. Este aspecto da aprendizagem dialógica evidencia o equívoco dos pensadores da década de 60, que acreditavam na “carência cultural” de pessoas com a origem pobre, entendendo que estas seriam menos aptas aos estudos, o que geraria o fracasso escolar. A transformação dentro da perspectiva da aprendizagem dialógica possibilita que as pessoas mudem suas formas de pensar e agir, além de contribuir 32 para a valorização das aprendizagens pelas quais passam ao longo de suas vidas. Frente a esta idéia Flecha nos indica: As pessoas que participam da tertúlia transformam o sentido de suas existências da forma que elas mesmas desejam. Os relatos lidos, comentários compartilhados e a superação de exclusões educativas abrem inexplorados espaços e experiências. Passar de situações de exclusão a outras de criação cultural modifica profundamente suas relações familiares, laborais e pessoais (1997, p.32). Deste modo, a aprendizagem das pessoas através do diálogo igualitário permite viver transformações pessoais quanto à maneira de se pôr no mundo, produzindo transformações nas relações com outras pessoas e no entorno imediato. A dimensão instrumental da aprendizagem é o acesso ao conhecimento sistematizado em conteúdos e habilidades acadêmicos os quais não são desprezados na Tertúlia. Segundo Flecha: A aprendizagem dialógica abarca todos os aspectos que se decidem aprender. Inclui, portanto, a aprendizagem instrumental de conhecimentos e habilidades que se considera necessário possuir. O dialógico não se opõe ao instrumental, sim a colonização tecnocrática da aprendizagem (1997, p.33). Através do dialogo igualitário entre as pessoas pode ressurgir a criação de sentido que é a possibilidade de sonhar e agir dando sentido a própria existência. Ao se unirem os conhecimentos provenientes de diversos âmbitos da vida, como conhecimento cotidiano e formal, é proporcionado um enriquecimento mútuo desses dois âmbitos e a criação de sentido se faz presente. Ao ler uma obra que gosta o sujeito se interessa pelo que acontecia na época quando foi escrita. A criação de sentido é possibilitada pela solidariedade, outro eixo da aprendizagem dialógica. A solidariedade na Tertúlia se expressa na sua organização, pois é aberta a todos; não tem critérios econômicos e acadêmicos. E, também, na dinâmica da atividade em que é evidenciada e fortalecida no momento em que o respeito e o apoio ao outro na superação de dificuldades e no apoio às pessoas que tem vergonha de expor suas idéias acontecem. Assim, das pequenas ações de solidariedade nos encontros possibilita-se a criação de grande rede de solidariedade com a comunidade de entorno, o que contribui para a criação de sentido por parte das pessoas que passam a ter outro olhar sobre elas mesmas. 33 A igualdade de diferenças considera que todas as pessoas têm o igual direito de viver de formas diferentes sendo que todos/as são respeitados/as. Dessa maneira, todas as pessoas têm garantido o direito a expor suas idéias e argumentar, não se pretendendo opiniões homogêneas, mas o conhecimento das diferentes formas de pensar e viver, o que resulta num processo mais profundo de reflexão pessoal. A metodologia da Tertúlia é embasada na leitura dialógica entendida como um processo de ler e criar sentido a partir de uma obra. Assim Loza (2004) expõe a importância de tal atividade: Leitoras e leitores fomentam a compreensão, aprofundam suas interpretações literárias e refletem criticamente sobre a vida e a sociedade através do diálogo com outros leitores. Desta, maneira se geram possibilidades de transformação pessoal e social. Este tipo de atividade gera um novo sentido ao processo educativo e cultural de ler (p. 67). A Tertúlia Literária Dialógica é um espaço aberto em que todos/as podem participar, tanto crianças, como jovens e adultos têm livre acesso. Loza (2004) demonstra uma importante experiência de Tertúlia Literária Dialógica dentro do contexto escolar - um trabalho que ainda não foi realizado no Brasil, e que pode trazer novos sentidos para a educação. E evidencia que os/as alunos/as adolescentes que não gostavam de leitura criaram o hábito de ler devido à dinâmica da atividade que se difere da proposta escolar, que prevê a leitura de livros como um ato obrigatório e individualizado, e que não permite a troca de conhecimentos e não motiva a leitura. Também despertaram grandes aprendizagens como o respeito aos colegas, melhoria da maneira de se expressar, no caso de crianças que eram muito tímidas, e, solidariedade entre as crianças que apresentam maiores dificuldades, entre outras. Já no ensino primário em que também foi implantada a Tertúlia na escola CP Padre Orbiso de Victoria-Gasteiz, os resultados não poderiam ser diferentes: foi notado o aumento da auto - estima dos alunos mediante o diálogo igualitário, a solidariedade e a melhora na leitura e no vocabulário. Observe o relato de uma aluna apresentado no artigo de Loza: “[...] pouco a pouco vamos compreendendo o significado da leitura [...] Esta atividade, além de servir para ler serve também para escrever bem as palavras [...]” (2004, p.69). 34 Neste sentido, a pesquisadora enquanto participante de Tertúlias, também pôde ter contato com um ambiente rico em aprendizagens e ensinamentos. Dentre estas estavam a melhoria de leitura e escrita, a compreensão de novos vocábulos, o respeito ao ritmo da leitura e o auxílio no entendimento das palavras, a solidariedade, o respeito às opiniões divergentes pautados no diálogo igualitário, em que os/as participantes não precisavam omitir seus pensamentos por medo de serem discriminados, o que muitas vezes acontece na sociedade. 2.1. Experiências da atividade de Tertúlia Literária Dialógica na cidade de São Carlos Neste item será abordada a trajetória das Tertúlias Literárias Dialógicas no Brasil. Para tal, nos embasaremos em artigos escritos por membros do NIASE e na dissertação de mestrado de Girotto (2007). Nos anos de 2001 e 2002 alguns participantes do NIASE5 puderam vivenciar e pesquisar a atividade de Tertúlia Literária Dialógica na escola da Verneda de Sant-Martí, localizada na cidade de Barcelona, Espanha. E, ao chegarem a São Carlos trouxeram junto com eles/as o sonho de implantar tal atividade aqui no Brasil. Assim, no ano de 2002, realizaram o sonho instituindo a primeira Tertúlia Literária Dialógica, na cidade de São Carlos. A atividade de Tertúlia foi implantada a princípio na Universidade Aberta da Terceira Idade (UATI), contando com a participação de homens e mulheres de diferentes idades, grupos sociais, ascendências e graus de escolaridade, divididos em dois grupos de Tertúlia (ver Mello, 2003 e Mello et al., 2004, p.32) uma pela manhã e outra a tarde. Assim, desde então a divulgação da Tertúlia vem sendo difundida numa parceria entre os participantes da UATI e membros do NIASE. Também foi criada uma Tertúlia numa Biblioteca de uma escola estadual do ensino médio em que os jovens leram “A Revolução dos Bichos”, de George Orwell. Houve ainda a criação da quarta Tertúlia Literária Dialógica, a qual foi 5 Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa o qual é composto por professores universitários, alunos/as de graduação, mestrado e doutorado da Universidade Federal de São Carlos e de outras instituições. O núcleo desenvolve ações de pesquisa, ensino e extensão em que são consideradas as diferentes praticas sociais e educativas, com o objetivo de contribuir para a superação de situações de exclusão social, cultural e educativa (MELLO, et al, 2002). 35 implantada no Curso Pré-Vestibular da Universidade Federal de São Carlos, na qual participaram quinze alunos. O livro cujos alunos escolheram ler foi “Primeiras Histórias”, de Guimarães Rosa. Posteriormente, em 2004 nasceu mais uma Tertúlia junto a uma turma de educação de jovens e adultos que cursavam o equivalente às séries iniciais do ensino fundamental. Eles escolheram como primeira leitura o livro “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos e depois foram lidos alguns contos de “Primeiras Estórias” livro de João Guimarães Rosa, o livro de Miguel de Cervantes intitulado “Dom Quixote de la Mancha” e atualmente lêem “A Revolução dos Bichos”, de George Orwell. A atividade começou a acontecer na Biblioteca da escola, sendo que foi nesta instituição que surgiu a idéia de desenvolver Tertúlias Literárias Dialógicas com crianças as quais iam às divulgações da atividade e pediam que se abrissem Tertúlias Literárias Dialógicas direcionadas à elas. Dessa forma, surgiu a primeira Tertúlia com crianças e adolescentes estabelecendo alguns acordos entre a coordenadora da atividade e as crianças, que foram: a leitura de livros da literatura clássica universal e participação em eventos relacionados à Tertúlia dos adultos. Depois da definição desses acordos escolheram como o primeiro livro para a leitura “Os Miseráveis” de Victor Hugo e a leitura propiciou a reflexão e discussão sobre temas como a Revolução Francesa e desigualdade social, momento em que puderam discutir estas questões com base nos contextos em que vivem. Devido às férias, a Tertúlia não foi retomada, porém, para a equipe do NIASE estava nítida a idéia de retomar a atividade com as crianças, devido a interesses já mencionados por elas. Então, em 2006, a atividade foi retomada. Cabe destacar que entre o segundo semestre de 2004 e o ano de 2005 foi realizada uma experiência de Tertúlia Literária voltada para crianças e adolescentes no Projeto Social Madre Cabrini, sob a responsabilidade da Profª Drª Maria Waldenez de Oliveira, como já citado no capítulo 1 desse trabalho. É interessante ser ressaltado que a autora teve a oportunidade de vivenciar este espaço de Tertúlia podendo ter um primeiro encontro com seus princípios e dinâmicas, o que foi suficiente para motivar o aprofundamento do estudo do tema 36 com este trabalho de conclusão de curso. Nesta experiência lemos “A Divina Comédia” de Dante Alighieri e “A Odisséia”, de Homero6. Em abril de 2005, iniciou-se uma Tertúlia Literária Dialógica na EMEB “Janete Maria Martineli Lia” com a participação de pessoas adultas e o primeiro livro que os/as participantes escolheram para ler foi “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos. Posteriormente realizaram a leitura de “Iracema”, de José de Alencar e releram “Vidas Secas”. A segunda Tertúlia foi realizada no Centro Comunitário da Cidade Aracy a qual também foi iniciada com a leitura do livro “Vidas Secas”. No ano de 2006, surgiram mais três Tertúlias as quais estavam funcionando em salas de alfabetização de pessoas adultas e, também, se iniciou outra Tertúlia na EMEB “Dalila Galli” em que a primeira leitura foi a do livro “Iracema”, de José de Alencar. Ainda tivemos a Tertúlia para crianças desenvolvida na EMEB “Antônio Stella Moruzzi”. Há de ser ressaltado que apesar da atividade de Tertúlia acontecer no espaço escolar, ela não é trabalhada de maneira escolarizada, pois é um espaço aberto à comunidade escolar e de entorno, onde os participantes escolhem ou não dela participar. O anseio de se ter mais Tertúlias vem sendo desenvolvido pelo Núcleo de Investigação Social e Educativa (NIASE), com o apoio do programa de extensão universitária “Democratização do conhecimento e do acesso à educação” desde o ano de 2002, através de parcerias com diversas instituições e projetos sociais, culturais e educativos. Entende-se que a Tertúlia Literária Dialógica possibilita a superação de situações de exclusão social a qual se dá através de transformações pessoais e da criação de sentido no momento em que as pessoas percebem que podem ler e compreender os livros da literatura clássica. O fato das pessoas terem a possibilidade de transformar o conhecimento recebido em saberes, ajudam-nas a redefinirem suas responsabilidades e ações propiciando transformação na sua própria prática cultural. Dentro da perspectiva da aprendizagem dialógica é interessante ser destacados os objetivos da atividade, segundo Mello (2004, p. 02): 6 Ao final de 2005 a pesquisadora passou a integrar o Niase e a fazer parte do projeto Comunidades de Aprendizagem e no ano de 2006 participou como apoio numa Tertúlia realizada na “EMEB Antônio Stella Moruzzi” de São Carlos. 37 Promover o encontro de pessoas distintas entre si (diferentes religiões, regiões de origem, descendências, etc.) com obras da literatura clássica internacional ou nacional. Promover o diálogo e reflexão entre diferentes pessoas em torno de obras lidas e dos temas que elas suscitam. Estimular o acesso a diferentes conhecimentos e modos de vida, como a ampliação da solidariedade e da possibilidade de convívio entre as pessoas. Explicitar a existência da inteligência cultural como capacidade de se aprender diferentes coisas ao longo de toda a vida. Auxiliar na criação de sentido para a leitura como atividade cultural, de direito de todos. Frente aos objetivos da atividade acima mencionados, pode-se entender que a Tertúlia Literária Dialógica é uma atividade que propicia o desenvolvimento de processos de transformação pessoal e de entorno próximo, pelo fato de tornar possível a reflexão pessoal sobre as experiências vividas a partir da leitura de livros da literatura clássica. Na Tertúlia Literária Dialógica realizada com crianças, os resultados não poderiam ser diferentes, pois a interlocução entre o mundo da vida e a leitura de clássicos é possível e, também, propicia a transformação pessoal. Tendo em mente a importância da Tertúlia Literária Dialógica para os processos educativos dos participantes, buscamos apresentar as aprendizagens suscitadas e as formas como são engendradas neste espaço de diálogo igualitário como forma de responder à questão: Quais as potencialidades da Tertúlia Literária Dialógica para a aprendizagem de crianças em idade escolar? Para tanto recorremos às contribuições de Girotto (2007) que em seu trabalho apresenta uma experiência de Tertúlia Literária Dialógica com crianças e adolescentes. A referida autora apresentou alguns relatos de aprendizagens vivenciadas pelas participantes as quais nos ajudam a pensar, também, no trabalho educativo escolarizado. Nesse sentido, Girotto (2007) apresentou e analisou falas de participantes que exemplificam as aprendizagens vivenciadas no espaço da Tertúlia, possibilitadas pela dinâmica e princípios da aprendizagem dialógica. Destacaremos aqui algumas dessas falas para ilustrar a riqueza da atividade e sua relação com a aprendizagem dialógica. 38 A aprendizagem dialógica, segundo Flecha (1997), pauta-se em sete princípios: diálogo igualitário, inteligência cultural, transformação, dimensão instrumental, criação de sentido, solidariedade e igualdade de diferenças. Assim, temos o diálogo igualitário, como um princípio que possibilita a validade do argumento e não da posição de poder que a pessoa ocupa. Isso é entendido pelas participantes como algo positivo, como podemos notar na fala de Minerva (10 anos) 7 diz: “quem vai falar é Íris que tem menor escolaridade”. (GIROTTO, 2007, p. 110). Aqui vemos que as participantes entendem a importância de respeitar a fala de todas as envolvidas na atividade, principalmente as que mais sofrem com processos exclusores. Também constatei, em participações nas Tertúlias, que os/as participantes podem transformar seus conhecimentos, ampliando as aprendizagens; por exemplo, muitos/as passaram a contruir frases com palavras que não conheciam antes transportando-as para o cotidiano de modo simples. Esta é mais uma potencialidade da Tertúlia revelada no diálogo igualitário. Quanto à inteligência cultural, temos que esta na atividade de Tertúlia Literária Dialógica possibilita um vínculo entre leitura e experiências vividas já que a pessoa, neste espaço, compartilha seus conhecimentos e experiências por meio da interação. Cada participante pode apresentar determinada opinião sobre um tema discutido, pois cada um reporta-se às suas experiências de vida e a sua visão de mundo. Esta idéia é evidenciada por uma participante e é registrada por Girotto (2007, p. 110): (...) porque assim cada um pode expressar o que acha, duas pessoas podem destacar o mesmo parágrafo, mas podem ver nele o sentido diferente, entendeu, eu acho legal, porque assim cada um pode expressar o seu pensamento de forma diferente mesmo com os mesmos parágrafos, eu acho bem interessante isso”. (Afrodite, 17 anos) Já a transformação acontece entre as participantes que alteram a forma de se relacionar com as pessoas em diferentes espaços. Vejamos a seguinte opinião de uma participante quanto a isso, relatada por Girotto (2007, p. 112): 7 Todas as falas das participantes, usadas nesse trabalho de conclusão de curso, foram retiradas da dissertação de mestrado de Vanessa Girotto (2007). 39 quando eu falo eu explico que Tertúlia é ..peraí...leitura de livros clássicos, ah é que é bom, que a gente aprende bastante coisa, principalmente na dinâmica, as pessoas falam, “ah você mudou depois que você começou a participar da Tertúlia”, porque antes eu não deixava ninguém falar, ninguém se expressar, ai vi que não tinha razão, ai quando eu comecei a participar da Tertúlia e eu fui aprendendo os princípios, vi que todo o mundo tem o direito de falar, de se expressar”. (Afrodite, 17 anos) Na atividade de Tertúlia Literária Dialógica há espaço para a leitura e discussão de obras da literatura clássica o que garante a dimensão instrumental. Então, notamos que a melhoria na leitura e na escrita, o que é imprescindível para as crianças e adolescentes na escola e na sociedade, pois diminui as chances de desqualificação destas e as ajudam a se movimentarem na sociedade atual. Além de contribuir para o letramento, num sentido ampliado da alfabetização, de acordo com Magda Soares (2003). A entrada da pessoa no mundo da escrita se dá pela aprendizagem de toda a complexa tecnologia envolvida no aprendizado do ato de ler e escrever. Girotto (ibid, p.114) demonstra: O legal na Tertúlia é que, vamos supor que se tivesse uma palavra eu estaria em casa aprendendo sozinha, pode ter certeza que eu demoraria mais para aprender a ler. A tertúlia facilitou a minha vida para aprender a ler. (Íris, 14 anos) A autora ainda aponta que a solidariedade foi um processo que surgiu na relação entre as participantes de diferentes idades (crianças e adolescentes), em que destaca os processos de uma criança ou adolescente ensinar o que a outra não sabe. Essas aprendizagens puderam ser transferidas para outros âmbitos, como a escola, segundo a mesma autora. Finalmente, no princípio igualdade de diferenças, que é o igual direito de ser diferente, temos o seguinte relato apresentado por Girotto (ibid, p. 119): “(...) mas o que é bom na Tertúlia é que um ajuda o outro e que todo mundo tem capacidade, ninguém é diferente do outro (...)”. (Deméter, 11 anos). Neste relato podemos ver que o respeito com o outro e a valorização de cada participante acontecem na atividade. 40 A autora acima citada também destaca que as aprendizagens suscitadas na atividade de Tertúlia Literária Dialógica não ficam presas só às crianças, pois na interação delas com seus familiares elas resgatam alguns princípios e demonstram a importância da leitura para suas vidas. Em alguns relatos, a autora aponta que as crianças acabaram incentivando seus pais a também lerem os clássicos lidos na atividade de Tertúlia Literária Dialógica. Esta ação possibilita o surgimento de novos sentidos na vida dos/as participantes, que podem auxiliar na criação de sentido em relação aos estudos e aos livros de literatura. Acreditamos que as experiências que citamos possam contribuir para a reflexão de educadores/as, no sentido de possibilitar um novo olhar sobre a leitura de literatura na escola. Pensamos que a leitura compartilhada, reflexiva e pautada nos princípios da aprendizagem dialógica suscitem ricas aprendizagens para crianças em idade escolar, por exemplo, contribui para o processo de alfabetização, permite a superação de dificuldades em relação a leitura, a timidez, e ao medo de falar em público já que pauta-se na solidariedade e no respeito a leitura e as falas das participantes. Também permite a aprendizagem da escuta atenta e do respeito ao que o outro tem a dizer. Ademais, auxilia na compreensão e no questionamento da realidade em que vivemos, pois através da reflexão coletiva permite que os/as participantes relatem suas experiências de vida. Nestes relatos, muitas vezes, os/as participantes expõe situações de exclusão e preconceito pelo qual passaram e passam, evidenciando o que pensam a respeito o que permite a reflexão sobre as diferenças sociais que estão postas na sociedade atual. Todos os processos educativos suscitados na atividade de Tertúlia Literária Dialógica podem contribuir, mas não substituir, a aprendizagem escolarizada. Tendo em mente o exposto acima e as diversas aprendizagens conquistadas pela autora ao escrever este trabalho de conclusão de curso, nos dedicaremos no próximo item a escrever algumas conclusões que foram possíveis chegar. 41 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao retomar a questão de pesquisa: Quais as potencialidades da Tertúlia Literária Dialógica para a aprendizagem de crianças em idade escolar? Penso que o trabalho, ao longo dos capítulos pôde contribuir para o entendimento da importância da leitura em diferentes contextos, pois foi apresentada a importância da leitura, da literatura clássica universal para a atividade de Tertúlia Literária Dialógica, ressaltando os seus princípios. Assim, no decorrer deste trabalho pudemos acompanhar a trajetória da educação ocidental, numa viagem que começou na Grécia Antiga e percorreu os séculos até a atualidade. Com este estudo, constatamos o quanto ela foi seletiva e voltou-se para a perpetuação das diferenças sociais. Descobrimos que a imagem da criança foi se modificando, conforme os avanços da sociedade, antes era concebida com um “adulto em miniatura”, sem a particularidade da idade infantil. Porém, hoje a criança é um ser reconhecido na sua peculiaridade e protegida por um Estatuto que preconiza seus direitos e seus deveres. Entretanto, situações de desigualdade, de exclusão, que ferem seus direitos, acabam acontecendo, por exemplo, na escola, vemos a exclusão de crianças pobres, negras, meninas. Percebemos que não há um tipo de infância, mas, várias infâncias em jogo, as quais pautam-se nas relações postas na sociedade, que valoriza os saberes e a cultura da classe dominante. Quanto à leitura, percebemos que ela passou pelo mesmo processo de seleção e exclusão, tanto que hoje temos este vestígio, pois ainda existe a idéia de que as classes populares e os não-acadêmicos não têm condições de ler e entender textos clássicos. Porém, nos nossos estudos sobre a Tertúlia pudemos constatar o contrário, ou seja, as pessoas de classe popular são capazes não só de interpretar os livros clásicos, como também são capazes de se posicionar sobre as afirmações pontuadas por autores, com análises preciosas e carregadas de conhecimentos que foram construídos ao longo da vida. Tendo em mente a aprendizagem instrumental, entendemos que a atividade de Tertúlia Literária Dialógica faz-se importante neste processo já que pode ser um suporte para os/as professores/as, no sentido de contribuir para: alfabetização, conhecimento de novos vocábulos, ensino de gramática, a motivação e a melhora da leitura, a cooperação e o respeito entre os/as educandos, 42 também evidencia as inteligências culturais de cada participante, contribuindo para a auto-estima de pessoas que acreditavam antes não ter conhecimentos. Ademais, entendemos a importância da leitura e da literatura para a formação de pessoas críticas e reflexivas e a defendemos como um direito de todos e todas. A leitura da literatura possibilita aprendizagens instrumentais (como o ler e o escrever), bem como nos ensina aspectos históricos, culturais e sociais de sociedades que antecederam a nossa, permitindo, a todos/as que lêem, um contato com saberes historicamente produzidos. Acreditamos que esta leitura auxilie os/as alunos/as a refletir sobre acontecimentos sociais que vivenciam, comprovando a sua importância no contexto escolar Nesta atividade de leitura de livros da literatura clássica universal, evidencia-se que cada pessoa que participa traz conhecimentos adquiridos ao longo de sua vida, entrelaçando-os à história, o que dá uma nova dimensão para a criança no que se refere à leitura, a pesquisa; pois o/a participante se interessa pela história, pelo contexto em que se passou, o que o/a motiva a buscar novos conhecimentos a partir desta experiência. O ato de compartihar opiniões (a cultura da criança é valorizada) é importante para a criança em idade escolar aprender, por exemplo, a se colocar, a escutar o outro, etc. Também o fato de levar a cultura popular para a escola é uma potencialidade importante da atividade, pois permite que a classe popular, a qual passa por muitos processos exclusores na sociedade, tenha espaço para falar e apresentar seus conhecimentos, cultura, e experiências, as quais foram se acumulando durante a vida e que são fundamentais para a formação dos sujeitos. Assim, acreditamos que a Tertúlia seja um importante meio de humanização e superação de desigualdades. Enfim, a Tertúlia possibilita uma relação com a literatura de uma maneira diferenciada, pois é uma proposta diferente da escolar que limita, muitas vezes, a leitura apenas ao que o autor quis dizer ou ainda, a responder questionários; podendo contribuir para a reflexão docente a respeito de como trabalhar com a literatura clássica na sala de aula de maneira autônoma, motivante, compartilhada, dialogada e que explicite e possibilite aprendizagens, desde instrumentais, até aprendizagens como: o respeito, a solidariedade; importantes para a formação do cidadão crítico e consciente. Além do prazer em ler. 43 Referências Bibliográficas BENETON, Lívia, C. Tertúlia Literária Dialógica. In: portal dos professores. Disponível em: www.portaldosprofessores.ufscar.br/glossario.jsp. CHARTIER, Roger. Do livro a leitura. In: CHARTIER, Roger. Práticas de Leitura. Trad. Cristiane Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 2001. DUPAS, Maria A. 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