3 Vol XVII 2008 - Revista Nascer e Crescer

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3 Vol XVII 2008 - Revista Nascer e Crescer
Vol. 17, nº 3, Setembro 2008
17|
3
Revista do Hospital de Crianças Maria Pia
Ano | 2008 Volume | XVII Número | 03
www.hmariapia.min-saude.pt
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
índice
ano 2008, vol XVII, n.º 3
número3.vol.XVII
119 Editorial
121 Artigos Originais
Sílvia Álvares
Duplicidade Renal: Importância da Suspeita Pré-natal
Sandra Rodrigues, Teresa Costa, Luísa Lopes, Eloi Pereira, Artur Alegria
125 Artigos de Revisão
A Asma , a Obesidade e a Hormona Vitamina D. A Hipótese do Sol
Tojal Monteiro
129 Casos Clínicos
Dissecção da Artéria Vertebral em Adolescente. Orientação Diagnostica e Terapêutica
Susana Carvalho, Gabriela Lopes, Joana Rios,
Cláudia Pereira, Sónia Figueiroa, Teresa Temudo
133
Hiperinsulinismo Congénito – Revisão Teórica e Série de Casos
Anabela Bandeira, Cátia Cardoso, José Sizenando, Elisa Proença, Esmeralda Martins
139
Dermatite Estreptocócica Perianal – A Propósito de Dois Casos Clínicos
Catarina Sousa, Isabel Araújo, Ana Maria Leitão
142 Artigo Recomendado
144
146
148 Qual o seu Diagnóstico?
Tojal Monteiro
Maria do Carmo Santos
Helena Ferreira Mansilha
Caso Endoscópico
Fernando Pereira
150
Caso Estomatológico
José M. S. Amorim
152
Caso Radiológico
Filipe Macedo
154
Genes, Crianças e Pediatras
Paulo Sousa, M. Reis Lima, Esmeralda Martins
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
Reunião do Hospital de Crianças
S157 XX
Maria Pia – Resumo das Intervenções
S158
Urgências Neonatais – mesa redonda
Emergências Cardiológicas Neonatais
Marília Loureiro
S161
Urgências Cirúrgicas Neonatais
M. Luísa Oliveira
S162
Transporte Pediátrico – mesa redonda
S166
Urgências Médicas – mesa redonda
Transporte Neonatal e Pediátrico – Organização e Perspectivas Actuais
Francisco Abecassis
Alterações do Estado de Consciência em Idade Pediátrica
Inês Carrilho
S168
Urgências Psiquiátricas na Adolescência
Otília Queirós
S173
Urgências Cirúrgicas – mesa redonda
S177
Gastroenterologia Pediátrica - curso satélite
Mastoidite Aguda
Teresa Soares
Endoscopia Digestiva em Pediatria
Fernando A C Pereira
S185
Doença de Refluxo Gastro-esofágico. Métodos de Diagnóstico e Tratamento
Rosa Lima
S188
A Coleastase Neonatal. Como Abordar
Ermelinda Silva
S192
A Obstipação na Criança. Como Lidar
Fernando Pereira
S195
S206
215 Pequenas Histórias
Resumo das Comunicações Orais
Resumo dos Posters
Pinga Seca
Arelo Manso
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
summary
ano 2008, vol XVII, n.º 3
number3.vol.XVII
119 Editorial
121 Original Articles
Sílvia Álvares
Renal Duplication: Importance of Prenatal Suspicion
Sandra Rodrigues, Teresa Costa, Luísa Lopes, Eloi Pereira, Artur Alegria
125 Review Articles
Asthma, Obesity and the Vitamin D. The Sunshine Hypothesis
Tojal Monteiro
129 Clinical Cases
Vertebral Artery Dissection in Adolescence. Diagnosis and Treatment
Susana Carvalho, Gabriela Lopes, Joana Rios,
Cláudia Pereira, Sónia Figueiroa, Teresa Temudo
133
Congenital Hiperinsulinism – Theorical Revision and Clinical Cases
Anabela Bandeira, Cátia Cardoso, José Sizenando, Elisa Proença, Esmeralda Martins
139
Perianal Streptococcal Dermatitis – About Two Clinical Cases
Catarina Sousa, Isabel Araújo, Ana Maria Leitão
142 Recommended Article
144
146
148 What is your diagnosis?
Tojal Monteiro
Maria do Carmo Santos
Helena Ferreira Mansilha
Endoscopic Case
Fernando Pereira
150
Oral Pathology Case
José M. S. Amorim
152
Radiological Case
Filipe Macedo
154
Genes, Children and Paediatricians
Paulo Sousa, M. Reis Lima, Esmeralda Martins
NASCER E CRESCER
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
Meeting of Children’s Hospital
S157 XX
Maria Pia – Abstracts
S158
Neonatal Emergency – round table
Neonatal Cardiac Emergencies
Marília Loureiro
S161
Neonatal Surgical Emergencies
M. Luísa Oliveira
S162
Paediatric Transport – round table
S166
Médical Emergencies – round table
Paediatric Emergency Transport – Organization and Current Perspective
Francisco Abecassis
Altered States of Consciousness
Inês Carrilho
S168
Psyquiatric Emergencies in Adolescence
Otília Queirós
S173
Surgical Emergencies– round table
S177
Paediatric Gastroenterology - Satellite Course
Acute Mastoiditis
Teresa Soares
Digestive Endoscopy in Paediatrics
Fernando A C Pereira
S185
Gastroesophageal Reflux. Diagnosis and Treatment
Rosa Lima
S188
Neonatal Cholestasis. Clinical Approach
Ermelinda Silva
S192
Obstippation in Children. Clinical Management
Fernando Pereira
Oral Presentations – abstracts
S195
S206
215 Short Stories
Posters Presentations – abstracts
Masturbation
Arelo Manso
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
editorial
Esta é a XX Reunião do Hospital de Crianças Maria Pia, e o sucesso que esta
reunião tem alcançado ao longo destes anos mostra que tem um lugar consolidado
na formação pediátrica pós-graduada. Este objectivo só tem sido alcançado graças
à colaboração de todos os Serviços de Pediatria da região Norte e ao trabalho de
uma equipa dedicada e empenhada em contribuir para a melhoria da organização e
do desempenho na prestação dos cuidados de saúde à criança.
O programa deste ano versa particularmente as Urgência Pediátricas, desde
o recém-nascido ao adolescente. Este é um tema actual que preocupa todos os
profissionais e os cidadãos em geral, no que respeita à acessibilidade, à qualidade
assistencial, à eficácia e eficiência dos serviços. A urgência é considerada por muitos estudiosos um fenómeno cultural, já que é convicção do público em geral que
este serviço pode responder melhor às suas necessidades por dispor permanentemente dos meios mais sofisticados de actuação. No âmbito da neonatologia serão
discutidos temas como a hipertensão pulmonar, as urgências cardiológicas e cirúrgicas, causas major da mortalidade e morbilidade neonatal. O transporte pediátrico,
a sua organização e a estabilização do doente serão analisados por profissionais
das três grandes regiões do país, esperando-se que esta troca de experiências
possa ser um contributo importante para a prática clínica.
Na área das urgências médicas irão debater-se as alterações do estado de
consciência, a insuficiência respiratória aguda e as urgências psiquiátricas; estas últimas assumiram um relevo importante dada a alteração recente da idade
limite de acesso ao serviço de urgência pediátrico (15 anos). Teremos ainda em
discussão as urgências cirúrgicas nomeadamente: queimados, escroto agudo e
mastoidite aguda.
Outros temas incluídos no programa são a fibrose quística, versando os avanços
no diagnóstico e tratamento, a sessão clínica interactiva com casos clínicos práticos
de dermatologia, estomatologia, ginecologia e oftalmologia, a qual permite uma participação dinâmica e activa dos participantes. Serão apresentados os estudos interinstitucionais sobre comportamentos de risco na adolescência e patologia nefro-urológica,
estudos estes que representam uma mais valia importante em termos de capacidade
mobilizadora e de trabalho conjunto nos vários serviços de pediatria.
Não é demais salientar ainda a importância actual do tema: Medição de
Resultados em Saúde, que será exposto pelo Professor Pedro Lopes Ferreira,
Professor Associado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra,
Investigador do Centro de Estudos de Investigação em Saúde da Universidade de
Coimbra (CEISUC) e Membro da Equipa Coordenadora do Observatório Português
dos Sistemas de Saúde (OPSS).
editorial
119
NASCER E CRESCER
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
Vamos terminar com um Curso de Gastroenterologia Pediátrica, que permitirá
a discussão de patologias frequentes nesta área.
Agradecemos mais uma vez a todos os que colaboraram nesta organização,
à Liga de Amigos e à Associação do Hospital de Crianças Maria Pia, bem como às
empresas farmacêuticas, sem as quais não era possível esta realização.
Esperamos pois proporcionar a todos os participantes um espaço de debate
num ambiente afável, de cooperação e de complementaridade e poder contribuir
para uma melhoria da organização e da qualidade assistencial dos cuidados de
saúde à criança.
Sílvia Álvares
120
editorial
NASCER E CRESCER
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
Duplicidade Renal:
Importância da Suspeita Pré-natal
Sandra Rodrigues1, Teresa Costa1, Luísa Lopes2, Elói Pereira1, Artur Alegria2
RESUMO
Introdução: A duplicidade renal é
uma anomalia congénita com possível
suspeição pré-natal que, por se associar frequentemente a outras anomalias
nefro-urológicas, importa diagnosticar
precocemente.
Objectivo: Avaliar o processo de
diagnóstico e a evolução dos casos de
duplicidade renal.
Material e Métodos: Estudo retrospectivo de crianças com duplicidade renal nascidas entre 1996 e 2003.
Resultados: Identificaram-se 17
casos de duplicidade renal, que em 15 se
associaram a outras anomalias, mormente o refluxo vésico-ureteral. Treze crianças necessitaram de tratamento cirúrgico. Com tempo médio de seguimento de
4 anos ± 11 meses, verificou-se perda
importante da função renal unilateral em
4 casos, não se registando em nenhum
insuficiência renal global.
Conclusão: Numa larga maioria
de casos identificou-se a associação entre duplicidade renal e outras anomalias
morfo-funcionais renais, destacando-se o
refluxo vésico-ureteral. Todas as crianças
mantiveram função renal global adequada, admitindo-se que para tal tenha contribuído a precocidade do diagnóstico e
seguimento atempados.
Palavras-Chave: duplicidade renal,
diagnóstico pré-natal, nefro-uropatias
congénitas
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 121-124
__________
1
2
Serviço de Nefrologia Pediátrica do HMP
Unidade: Unidade de Cuidados Intensivos
Neonatais da Maternidade Júlio Dinis
INTRODUÇÃO
A duplicidade renal representa a
anomalia congénita mais frequente do
aparelho urinário superior da criança(1,2).
Por definição, consiste numa unidade
renal que contém dois sistemas pielocaliciais associados a ureter único ou bífido,
designada duplicidade parcial, ou a dois
ureteres que drenam separadamente na
bexiga, constituindo a forma completa(2,3).
Resulta de uma divisão precoce do divertículo ureteral, uma estrutura embrionária com origem no canal mesonéfrico
de Wollf, que dá origem ao ureter, bacinete, grandes e pequenos cálices e ductos colectores(2-4). A sua prevalência na
população geral tem sido estimada em
0.6% e 0.2%, na forma parcial e completa respectivamente(3). Pode ocorrer uni ou
bilateralmente, sem predominância por
sexo(2,3).
É frequente a associação de duplicidade a outras anomalias nefro-urológicas
congénitas, designadamente o refluxo
vésico-ureteral (RVU), ureterocelo e ureter ectópico, que, pela sua comorbilidade,
importa diagnosticar precocemente(1,2,5,6).
Sendo considerada uma entidade
maioritariamente assintomática, sobretudo nos primeiros anos de vida, a sua
identificação é feita, muito frequentemente, no decurso da investigação de
outras condições clínicas(2,3). Quando
sintomática, a duplicidade renal pode
manifestar-se por um amplo espectro
clínico: infecção urinária, incontinência
urinária, massa abdominal palpável, má
evolução ponderal, ou leucorreia purulenta(2,3). A este conjunto de sintomas deverá
o médico estar atento, no sentido de dar
início a uma investigação e seguimento
adequados.
Nas últimas décadas, a ultrassonografia fetal tem desempenhado um papel
primordial na identificação precoce desta
patologia, permitindo a instituição antecipada de cuidados profiláticos e terapêuticos e, desta forma, a prevenção de
eventuais lesões renais adicionais(4,7). Estes procedimentos estão na base de uma
abordagem mais conservadora, cada vez
mais defendida por Nefrologistas, Urologistas e Pediatras.
Constituiu objectivo deste estudo a
avaliação do processo de diagnóstico e
evolução dos casos de duplicidade renal
suspeitados num período de 8 anos, de
1996 a 2003, procurando dar um contributo para um plano futuro de vigilância e
orientação mais adequados nestas situações.
MATERIAL E MÉTODOS
Os autores efectuaram uma revisão retrospectiva dos registos clínicos de
17 crianças nascidas nos anos de 1996
a 2003, com diagnóstico pré e/ou pósnatal de duplicidade renal. A suspeição
baseou-se nos achados ecográficos encontrados através do programa universal
de rastreio ecográfico fetal, no grupo de
recém-nascidos (RN) de diagnóstico prénatal, e no decurso de investigação de infecção urinária e de rastreio de patologia
renal por doença familiar, no grupo de RN
de diagnóstico pós-natal. Para a vigilância destas crianças foram realizadas ecografia renal precoce e cistouretrografia
miccional seriada (CUMS). Em cada doente, a decisão de efectuar estudos complementares (nomeadamente exames
radioisotópicos, urografia endovenosa)
baseou-se na ponderação, caso a caso,
de factores como bilateralidade da duplicidade, presença de RVU, ureterocelo ou
ureter ectópico associados, intercorrência
de infecção urinária, deterioração clínica
ou planificação de intervenção cirúrgica.
artigos originais
121
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
Neste estudo foram valorizados os
parâmetros sexo, idade de diagnóstico,
sintomatologia, exames complementares
efectuados (pré e pós-natais) e respectivas alterações, tratamento instituído e
evolução morfo-funcional.
RESULTADOS
No período analisado, foram identificadas 17 crianças com duplicidade
renal, correspondendo a uma incidência
de 0.05% (17 casos/ 33930 nados-vivos).
Nove casos (53%) eram do sexo feminino. Em 14 (82%) tinha havido detecção
ecográfica pré-natal de uma ou mais alterações nefro-urológicas, sendo a mais
frequente a dilatação pielo-calicial (DPC)
de grau variável (12 casos); em 5 (29%)
crianças o diagnóstico de duplicidade
renal foi desde logo evocado, numa idade gestacional mediana de 30 semanas
(variável entre 27 e 37 semanas). Nas
restantes 3 crianças o diagnóstico foi afirmado na sequência de investigação de
infecção urinária em 2 e de antecedentes
familiares de doença poliquística autossómica dominante numa outra. Nestas,
a mediana da idade de diagnóstico foi
de 1,5 meses. A duplicidade bilateral foi
identificada em 3 casos; nas restantes
verificou-se predomínio direito (9 casos)
(Figura 1).
O diagnóstico de duplicidade foi afirmado pela ecografia em 11 casos, pela
CUMS em 3, pela urografia endovenosa
em 2 pelo renograma com ácido dietilenotriamino-pentoacético marcado com
Tc99 (99Tc-DTPA) num caso.
A associação a outras anomalias
morfo-funcionais foi observada em 15
(88%) crianças, destacando-se, pela sua
frequência, o RVU (13 casos), todos de
grau moderado a grave, ocorrendo bilateralmente em 5 crianças. Em 10/18 unidades renais o RVU ocorreu para o polo
inferior e em 1/18 para o polo superior,
não estando documentado este dado em
cinco casos (2 com RVU bilateral).
A infecção urinária de repetição foi
registada em 10 crianças, todas portadoras de refluxo (Quadro I).
Quanto à estratégia terapêutica, 13
(76%) crianças foram submetidas a cirurgia: nefrectomia polar em 5 (bilateral
em duas), nefroureterectomia total em 2,
122
artigos originais
DISCUSSÃO
As malformações do sistema urinário
representam 30 a 50% das malformações
fetais, sendo identificadas em 0,1 a 1%
das gestações vigiadas(6). A duplicidade
renal afigura-se como a anomalia morfológica congénita mais frequente do aparelho urinário superior. Em alguns casos
terá pequeno ou nenhum significado patológico, mas noutros, por se associar a
outras alterações nefro-urológicas, poderá condicionar morbilidade significativa.
O RVU constitui a anomalia morfofuncional mais vezes associada a sistemas renais duplos, surgindo com maior
frequência e maior grau de gravidade
quando comparados com sistemas únicos(2). Em cerca de 90% dos casos ocorre
para o polo inferior devido à localização
mais alta do seu orifício uretero-vesical
reimplantação ureteral em 5 e pieloplastia
numa outra. A decisão de uma vigilância
exclusivamente conservadora foi a opção
para 4 crianças.
Com tempo médio de seguimento
de 4 anos ± 11 meses, verificou-se perda
importante de função renal unilateral em
4 casos: três com nefropatia de refluxo
grave (dois deles portadores de duplicidade bilateral) e um com obstrução pieloureteral. O terceiro caso de duplicidade
bilateral também exibiu lesões cicatriciais,
embora mantendo função renal diferencial conservada. Quatro crianças não
desenvolveram qualquer complicação,
mantendo-se apenas vigilância médica e
em duas delas terapêutica profilática por
RVU moderado.
Não se registou qualquer caso de
insuficiência renal global.
Figura 1: Anomalias nefro-urológicas identificadas na ecografia pré-natal (14 crianças)
Suspeita de DR
5
DPC
12
Displasia renal
3
Ureterocelo
4
3
Megaureter
0
2
4
6
8
10
12
DR- duplicidade renal, DPC- dilatação pielo-calicial.
Quadro I: Anomalias morfo-funcionais associadas a duplicidade renal
ANOMALIAS MORFO-FUNCIONAIS
Refluxo vésico-ureteral
- no rim com duplicidade
- no rim contra-lateral
CRIANÇAS (UNIDADES RENAIS)
13 (18)
11 (12)
6
Ureterocelo
4 (5)
Megaureter
6
Obstrução pielo-ureteral
1
Obstrução uretero-vesical
2
14
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revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
que condiciona o encurtamento do ureter
intravesical e consequente refluxo(2,8,9).
Múltiplos estudos têm demonstrado que
em casos de duplicidade renal o RVU de
grau ligeiro a moderado apresenta uma
taxa de resolução espontânea semelhante aos RVU de sistemas simples de
igual grau, pelo que a maioria dos nefrologistas pediátricos recomenda o mesmo
plano de seguimento para as duas condições: profilaxia antibiótica e atitude expectante pela resolução espontânea do
mesmo(2,8,9).
Outras anomalias nefro-urológicas
podem associar-se a duplicidade, designadamente o ureterocelo e o ureter
ectópico. Ambas as entidades se associam com maior frequência ao ureter que
drena o polo superior, predispondo os
ureteres afectados a obstrução, refluxo e
infecção, e são mais prevalentes no sexo
feminino.(2,3)
O seguimento desta patologia é
discutível. Segundo alguns autores, se
a duplicação é assintomática não há
necessidade de avaliação complementar(1). Por outro lado, nos sistemas duplos complexos, os associados a outra
nefro-uropatia, é frequentemente utilizada uma abordagem multimodal que integra obrigatoriamente a ecografia renal
e a CUMS(1,6,10). Avaliação imagiológica
adicional, mormente cintigrafia, urografia
endovenosa, tomografia axial computorizada ou ressonância magnética nuclear,
pode estar indicada para melhor caracterização morfológica e funcional do rim
afectado(1,3,5,6).
Na nossa casuística, as cinco crianças com suspeita pré-natal de duplicidade renal tinham outras alterações associadas, o que condicionava à partida investigação adicional com a realização de
ecografia pós-natal e CUMS. Foi encontrada uma associação a outras anomalias morfo-funcionais renais num elevado
número de casos (88%), destacando-se
o RVU pela sua frequência (13 casos).
Nestas crianças, não se observou resolução espontânea de RVU, muito provavelmente devido ao seu importante grau de
gravidade. No entanto, verificou-se resolução do mesmo, nos casos submetidos
a correcção cirúrgica. Dez das 13 (85%)
crianças com RVU desenvolveram, em
algum momento da sua evolução, intercorrência infecciosa renal. Na nossa
série foram identificadas 4 crianças com
ureterocelo, todas no sexo feminino, associado a RVU e a infecções urinárias
intercorrentes, conforme outros casos de
referências bibliográficas(2,10).
Não obstante o curto período de
seguimento, sublinha-se que todas as
crianças mantiveram função renal global
preservada, admitindo-se que para tal tenha contribuído a precocidade dos diagnósticos e o tratamento atempado.
Com base nos dados do presente
estudo, corroborados com a literatura
consultada, propomos a realização de
ecografia pós-natal a todas as crianças
com suspeita pré-natal de duplicidade.
A profilaxia antibiótica, com início no primeiro dia de vida, e a cistografia seriam
recomendadas àquelas que apresentam sinais sugestivos de hidronefrose.
Investigação complementar (exames
radioisotópicos, urografia endovenosa,
tomografia computorizada, ressonância
magnética) ficaria reservada para as que
apresentam bilateralidade da duplicidade, refluxo vésico-ureteral, ureterocelo ou
ureter ectópico associado, intercorrência
de infecção urinária, deterioração clínica
ou planificação de intervenção cirúrgica.
CONCLUSÃO
O aumento crescente de recémnascidos com duplicidade renal que têm
beneficiado do diagnóstico pré-natal e da
referenciação especializada para nefrologia/urologia pediátrica tem contribuído
para uma estratégia terapêutica mais
conservadora, permitindo realizar um
diagnóstico e tratamento precoces das
anomalias urinárias, evitando ou atrasando o aparecimento de complicações
graves que podem dar lugar a lesão renal
progressiva e irreversível.
O presente estudo permitiu identificar, num importante número de casos,
a associação entre duplicidade renal e
outras anomalias morfo-funcionais, designadamente o RVU, confirmando a necessidade de uma vigilância cuidadosa
destes doentes. O plano de seguimento
deverá ser individualizado, dependente
dos achados clínicos e ecográficos, para
que todos os problemas possam ser re-
solvidos com o menor número de procedimentos.
RENAL DUPLICATION: IMPORTANCE
OF PRENATAL SUSPICION
ABSTRACT
Introduction: Duplex system is a
congenital anomaly possibly detected
in utero, often associated to other comorbidity urinary tract anomalies which
should be early recognized.
Aims: To assess the diagnosis and
postnatal course of cases of duplicated
collecting system.
Material and Methods: Retrospective study of cases of duplex system in
children born between 1996 and 2003.
Results: In 15 of the 17 cases with
duplex system other abnormalities were
identified, mainly vesicoureteral reflux.
In 13 children any kind of surgical repair
was performed. After a mean follow-up
period of 4 years ± 11 months, significant
loss of unilateral renal function occurred
in 4 patients, but none had global renal
impairment.
Conclusions: In most patients an
association between duplicated collecting
system and other urological abnormalities was detected, vesicoureteral reflux
the most frequent. In the follow-up period
all children presented an adequate renal
function. We emphasise that an early
diagnosis and management can surely
contribute to better results in cases of duplicated collecting system.
Key-Words: renal duplication, prenatal diagnosis, congenital uropathies
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 121-124
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CORRESPONDÊNCIA
Sandra Rodrigues
Serviço de Pediatria
Hospital Maria Pia - CHP
Rua da Boavista, 827,
4050-111 Porto
Telef: 226 089 900
F a x: 226 000 841
E-mail: [email protected]
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revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
A Asma, a Obesidade e a Hormona Vitamina D
A Hipótese do Sol
Tojal Monteiro1
RESUMO
A conhecida “hipótese da higiene”,
segundo a qual a redução das doenças
infecciosas leva ao aumento das doenças atópicas, foi explicada pelo desequilíbrio da actividade das linhas TH1 e TH2
a favor da última, uma vez que a activação da primeira se relaciona com a defesa à infecção e a auto-imunidade, e a
segunda com doenças atópicas. Mas o
aumento simultâneo da prevalência de
doenças auto-imunes e atópicas obrigou
a encontrar outra explicação, admitindose a existência de células T reguladoras
(Tregs) da actividade das duas linhas,
activadas por componentes infecciosos
como enterotoxinas. Mas as Tregs têm
receptores para a vitamina D, capazes de
serem estimulados. E como se tem vindo
a demonstrar uma carência planetária em
vitamina D, pode aventar-se outra hipótese para explicar a maior prevalência das
doenças atópicas e auto-imunes, a hipótese do sol. Simultaneamente, a carência
de sol (isto é, vitamina D) pode explicar o
aumento e /ou gravidade de outras patologias, pois há receptores para a vitamina
D em variadas células, que não enterócitos, células tubulares renais e osteoblastos, e de correlações patológicas, como
asma e obesidade.
Palavras-Chave: Vitamina D; células Tregs; doenças atópicas; doenças
auto-imunes; obesidade; asma.
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 125-128
O AUMENTO DA PREVALÊNCIA DA
ASMA E A HIPÓTESE DA HIGIENE
A prevalência da asma, a doença
crónica não letal mais frequente da crian__________
1
Professor de Pediatria do ICBAS/HGSA
ça, com carácter genético indiscutível(1)
tem vindo a aumentar nas últimas décadas,(2) embora nalguns países pareça
registar-se uma ligeira queda(3,4). Como
a genética não muda em décadas, devemos procurar no ambiente a explicação
para o aumento da prevalência. Uma das
mais divulgadas e discutidas teorias é a
chamada hipótese da higiene, formulada
em 1989 por Strachan, baseado na constatação de que nas áreas rurais, onde há
mais infecções e menos higiene, a prevalência da atopia é menor. Pelo contrário,
mais higiene, melhores condições económicas e ambientais e famílias mais reduzidas trazem menos infecções, mas mais
atopia(5). Esta teoria encontrou suporte
científico no desequilíbrio das linhas linfocitárias T helper (TH) 1 e 2. Tem vindo
a ser confirmada por alguns(6), e rejeitada
por outros(7). A linha TH1 encarrega – se
da defesa às infecções e do desenvolvimento da auto – imunidade, e a TH2 da
atopia. Os linfócitos Th1 produzem citocinas como a interleucina (IL) 12 e Interferão gama (IFg), e os TH2, IL-4, 5 e 12.
O IFg inibe a actividade TH2 e a IL – 4 a
TH1, equilibrando – se. Ora não havendo
infecções, há um desequilíbrio a favor da
TH2 e consequentemente um favorecimento da atopia(8). Em ambiente rural há
um maior contacto com endotoxinas, um
lipopolissacarídeo da parede das bactérias gram - , que ao ligar-se a moléculas
CD 14, solúveis, ou existentes em monócitos e macrófagos, levam à produção de
IL-12 e 18 que por sua vez estimulam a
produção de interferão gama pelas células TH1 o qual inibe a actividade da linha
TH 2(9). Mas os estudos epidemiológicos
mostraram que a par da diminuição das
doenças infecciosas se regista simultaneamente um aumento de doenças autoimunes (como a diabetes tipo I, esclerose
múltipla e doença de Crohn) e atópicas,
inclusivamente no mesmo doente(10,11).
Ou seja, a diminuição das infecções ou
do estado infeccioso conduzirá à estimulação simultânea das linhas TH1 e TH 2.
Inversamente, as infecções ou o estado
infeccioso levam à frenação simultânea
destas linhas leucocitárias. Como? Os
agentes infecciosos levariam a que células, como linfócitos CD 25 + (TH3), e
outras T reguladoras (Tregs), nomeadamente células dendríticas, produzam IL10 e TGF-B (Transforming growth factor
beta) que, frenando a actividade TH1 e TH
2, levam à redução de doenças atópicas
e auto-imunes(12).
AS “NOVAS” ACÇÕES DA VITAMINA D
A vitamina D é simultaneamente um
nutriente e uma hormona. A principal fonte é a síntese cutânea, pois a alimentar
é escassa. A síntese cutânea resulta da
acção dos raios ultravioleta B sobre o
7-dehidrocolesterol (provitamina D3) que
é convertido em vitamina D3 pelo calor,
sofrendo duas hidroxilações, a primeira
no fígado, em 25 e depois no rim em 1-25
dihidroxivitamina D, a forma biologicamente activa, hormonal. As fontes alimentares são escassas e variáveis. Há naturais, como peixe, óleo de fígado de peixe
e gema de ovo, ou artificiais, obtidas por
fortificação de alimentos como leite, margarina e cereais, através da irradiação do
ergosterol, um constituinte de um fungo,
a cravagem do centeio, obtendo-se assim a vitamina D2. Registe-se que após a
descoberta da etiopatogenia do raquitismo, se tentou combate-lo precisamente
pela fortificação alimentar que, incontrolada, resultou em graves intoxicações,
levando ao abandono da generalização
desta prática. Os osteoblastos, enterócitos e células tubulares renais dispõem
artigos de revisão
125
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
de receptores para a vitamina D. Estas
células são então capazes de ser estimuladas, pondo-se em marcha toda a maquinaria responsável pela saúde óssea,
a clássica função biológica da vitamina
D. Ultimamente tem vindo a ser imputada à hormona vitamina D outras acções
biológicas que não a óssea. Têm sido encontrados receptores para a vitamina D,
na sua forma hormonal, 1,25-dihidroxivitamina D, em múltiplas células, para além
dos enterócitos, células tubulares renais
e osteoblastos, como, entre outras, em
promielócitos, linfócitos T e B, paratiróide, hipófise, queratinócitos, cólon, ovário, mama, próstata, coração, pulmões e
células beta pancreáticas. Especula-se,
por isso, que a falta da vitamina D possa
relacionar-se com uma plêiade de doenças. Por afectação dos efeitos imunomodeladores, com esclerose múltipla,
artrite reumatóide, doença inflamatória
intestinal, psoriase, asma e diabetes tipo
1; dos efeitos cardiovasculares, hipertensão e doenças cardiovasculares; dos
efeitos sobre o crescimento e diferenciação celular, neoplasias do cólon, próstata, ovário e mama; relaciona-se também
com depressão e esquizofrenia. Trabalhos recentes parecem mostrar que a suplementação com vitamina D diminua a
mortalidade global(13.14).
A VITAMINA D E A ASMA
A carência em vitamina D poderá
contribuir para o aumento da prevalência
das doenças dependentes da activação
simultânea das linhas TH1 e TH2, isto é
das doenças atópicas e auto-imunes.
Retomando o que se disse atrás sobre as
Tregs, estas células reguladoras do balanço e frenação da actividade das linhas
TH 1 e TH2, parecem necessitar de vitamina D para poderem libertar linfocinas, nomeadamente a interleucina 10, que vão
frenar a actividade das referidas linhas.
Estando estas linhas “à solta”, podem
ser activadas por estímulos ambientais
adequados. Os alergénios estimulam a
linha TH 2 e certos vírus a TH1, resultando
a atopia e doenças auto-imunes como a
diabetes, respectivamente(15). Para além
da hipótese da higiene, teremos então
uma nova teoria, a “hipótese do sol”. Há
dados a argumentar a favor da “hipótese
126
artigos de revisão
do sol”, como a relação epidemiológica
da carência de vitamina D e doenças
auto-imunes como a diabetes e atópicas
como a asma(16-18). Camargo encontra
uma relação directa entre a menor exposição solar e a anafilaxia ao verificar que
se prescreve mais adrenalina (EpiPen)
nas regiões dos Estados Unidos com
maior latitude(16). Devereaux e Camargo
encontraram uma relação inversa entre o
aporte de vitamina D durante a gestação
e prevalência de sibilância nos filhos aos
3 e 5 anos(19,20). Estas doenças têm vindo
a aumentar nos países desenvolvidos ao
mesmo tempo que diminuíram as doenças infecciosas(9). A diminuição das doenças infecciosas poderá contribuir para
o aumento das doenças imunológicas?
Possivelmente. Mas parece desenhar-se
um outro mecanismo no horizonte, precisamente a carência de vitamina D que se
tem vindo a verificar em todo o mundo, incluindo o mais desenvolvido. Com efeito,
trabalhos epidemiológicos recentes têm
vindo a revelar uma carência de vitamina D, tanto nas crianças(21-22) como nos
adultos, estimando-se que mais de um bilião de pessoas tenham insuficiência ou
deficiência(16). As razões apontadas vão
da redução da síntese à sequestração no
tecido adiposo em excesso. A diminuição
da síntese resulta da baixa radiação solar
a que estamos expostos, quer pelo novo
modo de vida cada vez mais ao abrigo
da luz, quer porque a radiação solar também não seja suficiente como acontece
nas regiões de maior latitude, acima ou
abaixo dos 37º ou não se aproveita como
acontece com o uso de filtros solares(16).
Entre nós poderá também registar-se
uma carência de vitamina D. Um estudo feito pelo autor em crianças da sua
consulta privada, a aguardar publicação,
revelou que 26% das crianças tinham
défice de vitamina D e 80% delas não
atingiam valores ideais. O estudo foi realizado no Inverno. Um outro estudo também efectuado no Inverno aponta para
resultados semelhantes, aguardando-se
confrontação dos níveis de vitamina D,
nas mesmas crianças, com os obtidos
depois do Verão. Os dados destes trabalhos devem ser confirmados, ou não, com
mais estudos. No entanto, as condições
epidemiológicas que estão na base da
carência de vitamina D, estão presentes
no grande Porto: latitude 41º, redução da
vida ao ar livre e generalização do uso de
protectores solares.
OBESIDADE E ASMA
As crianças com peso elevado ao
nascer, ou depois, têm um maior risco de
futura asma. Estão ainda em maior risco,
quando adultas, raparigas obesas aos
7 anos(23). Para alem do maior risco de
asma, o excesso de peso agrava a sintomatologia(24), leva a mais internamento
hospitalar e diminui a possibilidade de remissão depois da puberdade(25).O mecanismo não é claro. Tipo de dieta, refluxo
gastro-esofágico, efeitos mecânicos da
obesidade, atopia e ambiente hormonal
são algumas razões apontadas(26). A prevalência de refluxo gastro-esofágico está
aumentada nas crianças asmáticas e nas
que têm excesso de peso. Mas este e a
asma associam-se independentemente
com o refluxo e o excesso de peso não
explica a maior frequência de refluxo nos
doentes asmáticos(27). Ora outro mecanismo que pode explicar a maior prevalência
e gravidade da asma pode ser o défice
de vitamina D, mais agravado na criança
obesa pois a massa gorda leva ao seu
sequestro(28). A asma é uma doença inflamatória(29) assim como a obesidade(30).
O estado inflamatório inerente à própria
obesidade pode ser agravado com a
inflamação resultante da actividade da
linha TH2 não regulada pelo deficiente
funcionamento das Tregs que a carência
de vitamina D acarretará.
ASTHMA, OBESITY AND VITAMIN D
THE SUNSHINE HYPOTHESIS
ABSTRACT
The hygiene hypothesis was developed to explain the increased prevalence
of atopic diseases in the last decades,
specialy in industrialized/developed
countries. The central core of the hypothesis is that reduction in exposure to infectious disease and microbial products
(through the introduction of vaccines,
antibiotics, and improved sanitation) has
resulted in deficient immune regulation
resulting in hypersensitivity in both the T-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
helper type 1 (Th1) and T-helper type 2
(Th2) compartments (The Th1 pathway
is characterized by the cell mediated
proinflamatory responses and is also involved in certain autoimmune diseases;
the Th2 pathway is envolved in production of immunoglobulin E, eosinophilia ,
atopy and airway hyperresponsiveness).
However, the simultaneous increasing
prevalence of autoimmune diseases led
to the review of the scientific support of
the hypothesis, introducing the role of Tregulatory cells (Tregs), up regulated by
infectious components like enterotoxins.
This up regulation can also be effectuated by vitamin D, as Tregs have receptors for this vitamin. Since now we assist
to an epidemic deficiency of vitamin D, a
new theory has been presented to explain the increased prevalence of atopic
and autoimmune diseases: the lack of
sunshine or vitamin D deficiency - the
sunshine hypothesis. This hypothesis
may contribute to explain the rising
prevalence or the severity of other conditions, as there are now evidence of vitamin D receptors in many cells, besides
enterocytes namely the kidney tubular
cells and osteoblasts, and the association with obesity and asthma.
Key-words: Vitamin D, Tregs cells,
atopic diseases, autoimunne diseases,
obesity, asthma.
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 125-128
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
Dissecção da Artéria Vertebral em Adolescente
Orientação Diagnóstica e Terapêutica
Susana Carvalho1, Gabriela Lopes2, Joana Rios1, Cláudia Pereira3, Sónia Figueiroa1, Teresa Temudo1
RESUMO
O AVC em idade pediátrica é uma
situação pouco frequente, representando
a dissecção arterial uma pequena percentagem da sua etiologia.
Os autores apresentam o caso de
um adolescente com AVC isquémico provocado por dissecção da artéria vertebral.
A sintomatologia incluiu cefaleias acompanhadas de náuseas e vómitos, tonturas, alteração do estado de consciência,
discurso lentificado e flexão cervical intermitente. Após o diagnóstico iniciou terapêutica anticoagulante com melhoria da
sintomatologia, mas manteve dificuldade
em despertar e dificuldade de evocação.
São discutidas a investigação e o tratamento nesta patologia.
Palavras-chave: acidente vascular
cerebral, dissecção da artéria vertebral,
adolescente
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 129-132
INTRODUÇÃO
O acidente vascular cerebral (AVC)
em idade pediátrica é pouco frequente, a
sua incidência varia entre 1,29 e 13,0 por
100 000 crianças por ano.1
O AVC é definido como sintomas
e sinais clínicos focais (e por vezes globais) de alteração da função cerebral que
se estabelecem de forma aguda, permanecendo mais de 24 horas ou levando à
morte, sem outra causa aparente que a
origem vascular.2
__________
1
2
3
Unidade de Neuropediatria, Serviço de
Pediatria, HGSA, Porto
Serviço de Neurologia, HGSA, Porto
Serviço de Neurorradiologia, HGSA, Porto
Os factores de risco para AVC isquémico na criança são muito variados e
incluem cardiopatias congénitas ou adquiridas, alterações hematológicas, coagulopatias, doença vascular sistémica, doenças metabólicas, vasculites (incluindo as
secundárias a infecções), traumatismo, entre outros.3 No entanto, cerca de 50% das
crianças que apresentam AVC não referem antecedentes patológicos prévios1,4.
Embora não estejam publicados muitos casos de dissecção arterial da circulação
carotídea ou da vertebrobasilar na criança,
esta causa é considerada por alguns autores responsável por cerca de 20% dos AVC
isquémicos neste grupo etário1.
CASO CLÍNICO
Adolescente do sexo masculino, de
14 anos de idade, previamente saudável,
jogador de rugby, que 4 dias antes do internamento apresenta sonolência e cefaleias
sem localização definida, de intensidade
progressiva e acompanhadas de náuseas
e vómitos. Para além disso, referia sensação de desequilíbrio na marcha. Dois dias
depois recorre ao Serviço de Urgência
dado apresentar agravamento do desequilíbrio, sonolência e discurso incoerente.
Não apresentava febre ou outra sintomatologia associada. Negava história de infecção recente ou consumo de drogas. Ao
exame objectivo apresentava parâmetros
vitais estáveis, sonolência, adormecendo
facilmente se não estimulado, desorientação no tempo e no espaço, discurso lentificado mas sem alterações de compreensão, nomeação ou repetição. Apresentava
uma flexão cervical intermitente para a esquerda. Pares cranianos sem alterações.
Sem défices motores. Sem outras alterações ao exame neurológico.
A TC cerebral (figura 1) revelou imagem hipodensa na região talâmica direita
com leve efeito de massa sobre o 3º ventrículo, de possível natureza isquémica
ou inflamatória/infecciosa.
A RM cerebral (figura 2) confirmou a
presença de lesões talâmicas bilaterais e
pequena lesão cerebelosa direita sugestivas de lesões isquémicas (a última aparentemente mais antiga do que as lesões
supra-tentoriais). O estudo por angio-RM
(figura 3) revelou a artéria vertebral direita mais fina do que a esquerda, apresentando sinal irregular ao longo do seu
trajecto, sugerindo dissecção.
O eco-doppler cervical confirmou a
assimetria das artérias vertebrais, sendo
a esquerda dolicomegavertebral e a direita muito fina, parecendo hipoplásica, com
fluxo de grande resistência em V1 sugerindo obstrução a jusante; as artérias do
sistema carotídeo tinham morfologia normal e fluxo sanguíneo de características
normais. No doppler transcraniano não
foi visualizada a porção distal da artéria
vertebral direita.
Figura 1 - Tomografia computorizada cerebral
sem contraste: visualização de hipodensidade
talâmica / subtalâmica direita
casos clínicos
129
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
A angiografia cerebral (figura 4) realizada no 3º dia de internamento confirmou
a dissecção da artéria vertebral direita, no
seu segmento cervical alto (afilamento da
artéria vertebral e pequena retenção de
contraste na sua parede), sem alterações
sugestivas de displasia fibromuscular.
O electrocardiograma e ecocardiograma não apresentavam alterações, assim como o electroencefalograma.
O estudo analítico sanguíneo, incluindo hemograma, bioquímica (perfil lipídico, albumina, proteínas totais, electroforese de proteínas, homocisteína, amónia,
lactato e piruvato), tendência trombótica
[estudo de coagulação, doseamento de
fibrinogéneo, factor VIII, proteínas C e S,
antitrombina III, resistência à proteína C
activada, plasminogéneo funcional, PAI1, anti-cardiolipina (IgM e IgG), anti-beta2
glicoproteína I (IgM e IgG), anticoagulante
lúpico, mutações do factor V de Leiden,
MTHFR e protrombina] e estudo imunológico (imunoglobulinas, complemento, anticorpos antinucleares, anti-dsDNA, anticitoplasma dos neutrófilos) foi normal.
As serologias para Borrelia, Mycoplasma pneumoniae, Herpes simplex
tipo1 e tipo 2, Parvovirus, Enterovírus
apresentaram IgM negativas.
A pesquisa de Mycoplasma pneumoniae, Herpes simplex, Herpes humano
tipo 6, Enterovirus, CMV, EBV, Varicela
zooster por polimerase chain reaction
também foi negativa.
A pesquisa de tóxicos na urina foi
negativa.
Efectuou punção lombar que revelou
exames citológico e bioquímico normal e
posteriormente microbiológico, virulógico
(Enterovirus, Epstein-Barr, Citomegalovirus, Varicela-Zoster, Herpes simplex e
Herpes 6) e identificação molecular de
Mycoplasma pneumoniae negativos.
Após o diagnóstico de AVC isquémico foi instituída terapêutica anticoagulante: enoxiparina e posteriormente acenocumarol.
Durante o internamento apresentou
melhoria progressiva dos sintomas neurológicos. No 2º dia mantinha sonolência,
mas era facilmente despertável, orientado
no espaço e tempo, discurso fluente sem
alterações de linguagem, amnésia para
acontecimentos recentes com dificulda-
130
casos clínicos
Figura 2 - Ressonância magnética: Na sequência FLAIR, plano axial (esquerda) visualizam-se
lesões hiperintensas talâmicas bilaterais. O estudo por difusão (direita) mostra restrição à difusão
das moléculas da água sugerindo isquemia aguda.
Figura 3 - Angio-ressonância dos vasos do pescoço após contraste: visualização da artéria vertebral direita mais fina do que a esquerda, apresentando afilamento com sinal irregular na região
cervical, sugerindo dissecção em artéria provavelmente hipoplásica.
de de evocação; postura cervical com
inclinação preferencial para a esquerda,
pares cranianos sem alterações, sem
défices motores, marcha de base normal
mas prova de Tandem ligeiramente instável. Após 8 dias de internamento teve alta
orientado para Consulta de Neuropediatria. Apresentava alterações da memória
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
Figura 4 -Angiografia digital: injecção de contraste na artéria vertebral direita, confirmou a dissecção desta artéria: afilamento da artéria vertebral e pequena retenção de contraste na sua parede;
sem alterações sugestivas de displasia fibromuscular. A injecção de contraste na artéria vertebral
esquerda mostra o seu calibre e fluxo normais, com preenchimento retrógrado do segmento distal
da artéria vertebral direita.
Figura 5 - Ressonância magnética em T2, plano axial: mostra sequelas de lesões talâmicas bilaterais.
e dificuldade em despertar mantendo-se
vigil durante o dia; restante exame neurológico sem alterações. Permaneceu medicado com acenocumarol.
A avaliação neuropsicológica, realizada 3 meses e meio após o internamento,
revelou um perfil cognitivo e nível de escolaridade normais para idade, embora com
uma fluência verbal ligeiramente comprometida e uma evocação de informação verbal e visual no limite mínimo do normal.
Efectuou RM (figura 5) e angioRM
de controlo, 6 meses após o internamento: mantinha lesões bitalâmicas e persistia a assimetria de calibre das artérias
vertebrais com imagem de dissecção sobreponível à do exame anterior. Não foi
observada a pequena lesão cerebelosa
encontrada no exame inicial.
Actualmente, 7 meses após o internamento, mantém período de sono nocturno longo com dificuldade em despertar
e alguma dificuldade de evocação; não
apresenta outras alterações ao exame
neurológico. Nessa altura foi suspensa
anticoagulação e iniciado tratamento com
ácido acetilsalicílico 100 mg por dia.
DISCUSSÃO
As dissecções arteriais são potencialmente incapacitantes e resultam da
laceração primária ou secundária da parede arterial por hematoma mural, ocorrendo habitualmente entre os 35 e 50
anos5. As dissecções arteriais cervicais
ocorrem mais frequentemente na carótida interna do que na artéria vertebral.5, 6
Podem originar AVC isquémico devido a
embolismo arterial ou causando estenose ou oclusão do vaso.5
As manifestações clínicas das dissecções arteriais extracranianas são muito
variáveis: cervicalgia e/ou cefaleia, acidente isquémico transitório, AVC, síndrome
de Horner, parésia de nervos cranianos,
acufenos, amnésia, náuseas ou vómitos.5,
7
Numa revisão da literatura sobre dissecção de artéria vertebral em crianças8, que
incluiu 68 casos, as manifestações clínicas
mais frequentes foram, por ordem decrescente, alterações dos movimentos oculares,
parésia de um ou mais membros, cefaleias,
ataxia, vómitos e perda de consciência.
O intervalo entre as manifestações
álgicas (consideradas como o primeiro
sintoma de dissecção) e o AVC é variável, sendo menor nas intracranianas; nas
dissecções extracranianas é maior nas
carotídeas do que nas vertebrais.5 Na dissecção da artéria vertebral este intervalo
pode variar entre segundos a vários dias
ou semanas9; num estudo efectuado em
169 doentes num total de 195 dissecções
da artéria vertebral o tempo médio entre
o início dos sintomas e o diagnóstico foi 4
dias (variando entre 2 horas a 88 dias).10
O cerebelo é irrigado em parte pela
artéria cerebelosa postero-inferior (PICA),
ramo directo da artéria vertebral. No caso
descrito, as lesões isquémicas cerebelosas foram provavelmente responsáveis
pela alteração transitória da marcha e
desequilíbrio.
O tálamo, irrigado predominantemente pela circulação posterior, desempenha diversas funções: serve como tradutor de informação para o córtex cerebral e desempenha um papel importante
na regulação dos estados de vigília e de
sono. Os enfartes talâmicos podem originar défices sensoriais; pode ocorrer disfasia e alterações de memória quando o
lado esquerdo é afectado, ou alterações
da orientação espacial quando é o direito. A alteração do estado de consciência
e de memória deste doente podem ser
explicadas pelas lesões talâmicas.
As dissecções arteriais extracranianas podem ser diagnosticadas por meios
casos clínicos
131
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
não invasivos, sobretudo RM e angioRM,
e no caso de dúvida no diagnóstico, de
suspeita de envolvimento intracraniano
e/ou doença arterial subjacente deve ser
realizada angiografia.5, 11 No nosso doente efectuamos angiografia apesar do
restante estudo imagiológico sugerir dissecção, para confirmar este diagnóstico
e excluir doença arterial predisponente,
nomeadamente displasia fibromuscular.
As dissecções arteriais podem ser
espontâneas ou traumáticas. A causa
mais frequente desta última é o traumatismo brusco ou penetrante do pescoço.
Quando a dissecção é precedida por um
traumatismo minor, é questionável o seu
papel etiológico.6 Se não for identificado
traumatismo ou outra causa subjacente
a dissecção é dita espontânea. Neste
adolescente é provável ter ocorrido um
traumatismo minor dado ter praticado um
desporto de contacto. No entanto, a sua
relação com a dissecção da artéria vertebral permanece incerta.
O tratamento mais frequentemente
usado na fase aguda é a heparina, seguido
de anticoagulantes orais durante 3 a 6 meses. Existem pequenas séries que descrevem resultados semelhantes com antiagregantes plaquetários, no entanto não existem
estudos comparativos randomizados.12
A terapêutica anticoagulante é geralmente mantida até à confirmação imagiológica de repermeabilização da artéria
afectada ou até à confirmação da permanente oclusão do vaso.13 Após a terapia
anticoagulante é aconselhada terapêutica antiagregante plaquetária na maioria
dos doentes.12 Metaanálises que comparam taxas de mortalidade e incapacidade
não mostraram alterações significativas
entre o tratamento com anticoagulantes
ou agentes antiplaquetários.12 As “Guidelines for prevention of stroke” da American Heart Association/American Stroke
Association aconselham evicção de actividades futuras que possam causar traumatismo cervical.12
No presente caso instituímos a terapêutica mais frequentemente utilizada,
que foi suspensa após controlo imagiológico, 6 meses após o internamento. Nessa altura foi iniciado ácido acetilsalicílico.
Geralmente o prognóstico das lesões arteriais extracranianas nos adultos
132
casos clínicos
é favorável, sendo a taxa de recuperação melhor do que a das intracranianas5.
Também neste grupo etário o risco de recorrência é baixo.5, 12
VERTEBRAL ARTERY DISSECTION IN
ADOLESCENCE
DIAGNOSIS AND TREATMENT
ABSTRACT
Cerebrovascular disease in paediatric age is infrequent and arterial dissection is responsible for a small percentage
of its aetiology.
The authors present an adolescent
with a cerebrovascular ischemic event
caused by vertebral artery dissection.
The symptoms included headache with
nausea and vomiting, dizziness, conscience impairment, slowed speech and
intermittent cervical flexion. After the diagnosis, he began anticoagulant therapy
with symptom improvement, but maintenance of difficulty in arousal and in evocation. Investigation and treatment in this
pathology are discussed.
Key-words: cerebrovascular disease,
vertebral artery dissection, adolescent
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 129-132
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CORRESPONDÊNCIA
Susana Carvalho
Tlm: 964 192 229
E-mail: [email protected]
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
Hiperinsulinismo Congénito
Revisão Teórica e Série de Casos
Anabela Bandeira1, Cátia Cardoso2, José Sizenando3, Elisa Proença4, Esmeralda Martins5
RESUMO
O hiperinsulinismo congénito constitui a causa mais frequente de hipoglicemia persistente no recém-nascido e
lactente e engloba um grupo heterógeneo de defeitos genéticos que afectam o
metabolismo da secreção de insulina.
Os autores apresentam três casos
clínicos de hiperinsulinismo congénito.
Os três casos ilustram a diversidade na
apresentação clínica, desde a iritabilidade, a um quadro clínico de sepsis ou
convulsões neonatais. A necessidade de
grandes aportes de glicose para corrigir
e manter a normoglicemia pode levantar
a suspeita do diagnóstico, assim como a
resposta clínica ao glucagon. Num dos
casos foi realizado cateterismo pancreático por imagem suspeita na ecografia
abdominal e noutro caso foi realizado cintilograma (PET com 18F-fluoro-L-Dopa). A
distinção entre as duas formas: focal e
difusa é muito importante uma vez que o
tratamento é diferente. O tratamento com
diazóxido permite o controlo glicémico
em alguns casos.
O diagnóstico precoce e a correcção imediata das hipoglicemias previne
a lesão cerebral e melhora o prognóstico
neurológico destas crianças.
Palavras-chave: hiperinsulinismo
congénito, diazóxido, hipoglicemia.
INTRODUÇÃO
O hiperinsulinismo congénito é a
causa mais frequente de hipoglicemia
persistente na infância(1). A secreção inapropriada de insulina causa hipoglicemia
que necessita de correcção precoce para
evitar sequelas neurológicas. A incidência estimada é de 1/30.000 a 1/50.000
nados vivos(2). O hiperinsulinismo transitório está associado a diabetes materna,
asfixia neonatal, policitemia e incompatibilidade Rh.
Os critérios de diagnóstico(1) (Quadro I) incluem hipoglicemia (<54 mg/
dl) em jejum e pós-prandial com concomitante hiperinsulinemia (> 3 mU/L)
e necessidade de perfusão de glicose
superior a 10 mg/kg/minuto para manter valores de glicemia acima de 54 mg/
dl, resposta positiva à administração de
glucagon e persistência da hipoglicemia
ao longo do primeiro mês de vida. Na
ausência de níveis anormais de insulina
concomitantes com a hipoglicemia pode
ser realizado um teste de jejum de 4 a
6 horas, com o doseamento dos corpos
cetónicos, ácidos gordos livres e aminoácidos de cadeia ramificada no plasma,
que se encontram baixos.
O hiperinsulinismo pode ser classificado, de acordo com o início da hipoglicemia, como neonatal ou tardio (aparecimento na infância). Existem duas formas histológicas distintas: a lesão focal
por hiperplasia adenomatosa das ilhotas
de Langerhans, medindo cerca de 2,5 a
7,5 mm de diâmetro ou lesão difusa que
consiste no alargamento anormal nuclear
das células β em todo o pâncreas. Estas
lesões histológicas são clinicamente indistinguíveis.
CLÍNICA
A hipoglicemia pode ser grave, com
risco de convulsões e lesão cerebral.
Cerca de 60% dos doentes apresentam
sintomas nas primeiras 72 horas de vida.
As manifestações no período neonatal
podem ser convulsões em 50% dos casos, sintomas não específicos em 30% e
hipoglicemia assintomática em 20% dos
casos3. Outros sintomas: tremores, hipotonia, cianose, hipotermia ou ALTE. A
hipoglicemia é persistente e ocorre tanto
em jejum como no período pós-prandial.
A maioria dos recém-nascidos são macrossómicos ao nascimento e podem
apresentar hepatomegalia ligeira. A apre-
Quadro I - Critérios de diagnóstico de hipoglicemia hiperinsulinémica persistente
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 133-138
__________
1
2
3
4
5
Interna Complementar de Pediatria do
HGSA-CHP
Interna Complementar de Pediatria, Hospital
do Funchal
Assistente Hospitalar de Pediatria do HMPCHP
Assistente Hospitalar de Pediatria, CHPovoa
de Varzim/Vila do Conde
Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria
do HMP-CHP
- Hipoglicemia em jejum e pós-prandial (< 54 mg/dl ou 3 mmol/L) com concomitante
hiperinsulinemia (> 3 m U/L)
- Necessidade de perfusões altas de glucose (> 10 mg/kg/minuto no período neonatal) para
manter glicemias superiores a 54 mg/dl
- Resposta positiva à administração subcutânea ou intramuscular de glucagon (aumento da
glicemia em 36 a 54 mg/dl após 0,5 mg de glucagon)
- Hipoglicemia persistente no primeiro mês de vida
casos clínicos
133
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
sentação clínica não depende da forma
histológica ou genética4.
O hiperinsulinismo pode associar-se
a hiperamoniémia moderada (Sindrome
hiperinsulinismo hipoglicémico / hiperamoniemia) respondendo bem, nestes casos, ao diazóxido e à restrição proteica.
Está associado também aos síndromes
de Usher tipo Ic ou distúrbios congénitos
da glicosilação tipo Ia e Ib, síndrome de
Beckwith-Widemann, Perlman, SimpsonGolabi-Behmel ou Sotos5.
A taxa de glucose intravenosa necessária para prevenir a hipoglicemia é
elevada (geralmente 17 mg/kg/minuto)
no período neonatal. Quando o diagnóstico é feito no lactente as necessidades
de glicose são mais baixas (12-13 mg/kg/
minuto). Nestes, a hipoglicemia é melhor
tolerada pelo que o diagnóstico pode ser
atrasado.
Os níveis de glucose aumentam 3654 mg/dl em resposta à administração
SC ou IM de glucagon (0,5 mg).
Os múltiplos diagnósticos diferenciais da hipoglicemia no período neonatal implicam uma história clínica e fami-
liar exaustiva, exame físico completo e
pedido de alguns exames complementares de diagnóstico, nomeadamente:
doseamento da amónia, lactato e piruvato séricos, cromatografia dos aminoácidos séricos e urinários, cromatografia
dos ácidos orgânicos urinários, perfil de
acilcarnitinas e pesquisa de substâncias
redutoras na urina. Doseamento do cortisol e hormona do crescimento também
fazem parte dos exames na hipoglicemia
persistente6.
FISIOLOGIA
No hiperinsulinismo congénito existe uma hipersecreção de insulina pelas
ilhotas de Langerhans. A insulina inibe
a libertação do glicogénio hepático, a
gluconeogénese e aumenta a captação
de glicose pelas células musculares diminuindo o nível sérico de glicose. Isto
explica a necessidade elevada de glicose
para corrigir a hipoglicemia e a resposta
ao glucagon7.
A glucocinase é a enzima que inicia
o metabolismo da glicose na célula β.
Níveis elevados de glicose aumentam a
taxa de fosforilação da glicose pela glucocinase e o nível ATP/ADP resultante da
glicólise. Níveis aumentados de ATP activam o receptor da sulfonilureia (SUR1)
e fecham o canal de potássio ATP dependente. Isto conduz a uma despolarização
da membrana, com influxo de cálcio e
libertação de insulina (Figura 1).
A leucina estimula a secreção de
insulina através da glutamato desidrogenase, aumentado a taxa de oxidação
do glutamato. Isto conduz a hiperamoniémia, aumento do alfa cetoglutarato e
aumento da actividade do ciclo de Krebs
e da relação ATP/ADP, com aumento da
secreção de insulina.
O diazóxido inibe a secreção de insulina por ligação a SUR1.
GENÉTICA
A transmissão genética pode ser
esporádica, autossómica recessiva ou
dominante. A lesão focal é geralmente
de ocorrência esporádica, a lesão difusa
pode ser recessiva (a maioria das vezes)
ou dominante (raro). Foram encontradas
mutações genéticas em cerca de 50%
Figura 1: Sequência funcional da célula β e possíveis alterações genéticas.
134
casos clínicos
NASCER E CRESCER
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
dos doentes, podendo existir muitos outros genes envolvidos (Quadro II)8.
A hiperplasia focal das ilhotas está
associada a uma mutação paterna, herdada em hemizigotia ou homozigotia,
nos genes do receptor da sulfonilureia
(SUR1) ou canal de potássio (kir6.2) no
cromossoma 11p15. A perda do alelo materno conduz a uma expressão aumentada de imprinting genes, que incluem o
gene do factor de crescimento ou supressores tumorais.
O hiperinsulinismo difuso envolve vários mecanismos e genes: as canalopatias
(envolvem genes que codificam o receptor
da sulfonilureia ou canal de potássio), o
distúrbio metabólico envolvendo a enzima
glucokinase (gene GGK) ou a enzima glutamato desidrogenase (gene GLUD 1) e
situações em que a hiperamoniémia está
associada a hipoglicemia. Pode ocorrer
uma forma dominante de hiperinsulinismo
ligada ao exercício por um defeito metabólico na enzima SCHAD ou um defeito no
receptor da insulina humana.
CASOS CLÍNICOS
1º caso clínico: lactente do sexo
feminino, com 10 meses de idade, fruto
de uma gravidez vigiada, sem intercorrências. Pais jovens, saudáveis, não consanguíneos. Parto distócico por fórceps
às 40 semanas com Apgar 9/10. Peso
3160 g (P 25-50), comprimento 48.5 cm
(P 25) e perímetro cefálico 35 cm (P 75).
Internada aos 4 dias de vida por recusa alimentar, hipotonia e hipoglicemia.
Rastreio séptico negativo. Fez bólus de
glicose a 10% e perfusão de glicose a
11,5% durante 48 horas. Teve alta com o
diagnóstico de hipogalactia materna com
leite adaptado suplementado com maltrodextrina.
Reinternada aos 23 dias de vida por
choro forte e irritabilidade (hipoglicemia
6 mg/dl) necessitando aporte de glicose
de 22 mg/kg/minuto para normoglicemia.
Doseamento de insulina 23 μU/ml em
hipoglicemia (14 mg/dl) sendo o valor
normal de insulina no plasma <5 μU/ml
em hipoglicemia. Restante estudo endócrino (cortisol e hormona de crescimento)
e metabólico (amónia, lactato e piruvato,
aminoácidos séricos e perfil de acilcarnitinas, ácidos orgânicos na urina) sem alte-
rações. Realizou TAC abdominal que foi
normal. Iniciou tratamento com diazóxido
10 mg/kg/dia com boa resposta clínica.
Teve alta orientada para consulta externa
de doenças do metabolismo. Internamento de curta duração aos 4 meses de idade por hipoglicemia em contexto de otite
média aguda e aos 4 meses e meio por
recusa alimentar e hipoglicemia aumentando a dose de diazóxido para 15mg/kg/
dia. Novo internamento aos 5 meses por
vómitos alimentares com necessidade de
um aporte de glicose ev de 8 mg/kg/minuto e alimentação contínua nocturna por
falta de resposta ao diazóxido. Efectuou
3 tomas de octreótido de acção prolongada (5 mg intramuscular) sem resposta clínica e posteriormente iniciou tratamento
com nifedipina sem resultados favoráveis.
Realizou ressonância magnética nuclear
abdominal que foi relatada como normal.
O PET com 18F-L-Dopa revelou imagem
de hipercaptação na cabeça do pâncreas
(Figura 2).Nesta altura, foi orientada para
Centro de Referência de Doenças do Metabolismo (Hospital Necker em Paris) devido à ausência de resposta ao tratamento médico. Após realização de novo PET
com 18F-L-Dopa foi submetida a pancre-
atectomia parcial com excelente resposta
clínica. Actualmente com 10 meses de
idade apresenta boa evolução estaturoponderal e desenvolvimento psico-motor
adequado à idade, sem necessidade de
qualquer tratamento. O estudo molecular
efectuado não foi conclusivo.
2º caso clínico: criança do sexo
feminino, com 18 meses de idade, fruto
de uma gravidez gemelar, sem intercorrências. Parto por cesariana às 36 semanas com Apgar 9/10. Peso 2660 g (P 50),
comprimento 48 cm (P 50), perímetro cefálico 31,5 cm (P 10-25). Aos 2 dias de
vida iniciou gemido, choro fácil, hipotonia
com pouca reactividade a estímulos e reflexo de sucção débil com glicemia de 30
mg/dl. Fez perfusão de soro glicosado a
10% mas manteve hipoglicemias (37 mg/
dl), sem acidose metabólica. Necessidade de perfusão de glicose 9 mg/kg/minuto. Realizou estudo metabólico (amónia,
lactato, piruvato, aminoácidos séricos,
perfil de acilcarnitinas, ácidos orgânicos
urinários) e pesquisa de substâncias redutoras na urina que foram normais. A
insulina doseada em hipoglicemia revelou nível de 13,4 μU/ml pelo que iniciou
Quadro II – Genes implicados na patogénese do hiperinsulinismo congénito
Proteína
Fisiologia
Gene /Locus
Receptor da sulfonilureia 1
(SUR 1)
Defeito no canal K-ATP com despolarização
da membrana e libertação de insulina
mesmo com glicemias baixas.
ABCC8
11p15.1
Autossómica recessiva ou dominante
Subunidade
Kir 6.1
Defeito no canal K-ATP
KCNJ11
11p15.1
Autossómica recessiva ou dominante
Síndrome hiperamoniémia / hiperinsulinismo
Enzima glutamato
desidrogenase
Resposta intensa da insulina após bolus
intravenoso de leucina
GLUD 1
10q23.3
Enzima glucocinase
Mutações activadoras da glucocinase
Hipoglicemia sensível ao diazóxido
GCK
7p15-p13
Enzima L-3 hidroxiacil Co
A desidrogenase de
cadeia curta (SCHAD)
Autossómica recessiva
HADHSC
4q24-q25
casos clínicos
135
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revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
tratamento com diazóxido 10 mg/kg/dia.
A ecografia transfontanelar revelou área
focal hiperecogenica a nível da charneira
entre o tálamo e núcleo caudado, com 5
mm de diâmetro, provável foco hemorrágico. Por apresentar algumas dismorfias
faciais minor e hipotonia axial colheu cariótipo do sangue periférico: del (9)(pter
p 23) 46 XX. Realizou ecocardiograma
pela presença de sopro sistólico que revelou comunicação intra-auricular tipo
osteum secundum. Aos 11 meses de idade apresenta peso no P10, comprimento no P 50 e microcefalia com perímetro
cefálico abaixo do P5. Apresenta hipotonia axial com restante desenvolvimento
normal. Suspendeu o tratamento com
diazóxido mantendo valores glicémicos
normais. Aos 14 meses apresentou episódio de recusa alimentar e convulsão
tónico-clonica por hipoglicemia (glicemia
38 mg/dl, insulinémia 4.8 μU/ml) tendo
necessitado de perfusão de glicose a 8
mg/kg/minuto, pelo que reiniciou tratamento com diazóxido (10 mg/kg/dia). A
ressonância magnética cerebral realizada aos 17 meses revelou focos de hipersinal nas regiões peritrigonais, sem
outras alterações relevantes. As lesões
observadas não são características das
lesões de hipoglicemia.
3º caso clínico: rapaz com 7 anos
de idade, fruto de uma gravidez vigiada,
sem intercorrências. Pais jovens, saudáveis e não consanguíneos. Parto por cesariana às 38 semanas com Apgar 9/10.
Peso 3500 g (P 25), comprimento 50
cm (P 25) e perímetro cefálico 35 cm (P
50). Ao mês e meio de vida iniciou movimentos rápidos dos olhos, no sentido
horizontal, com duração de cerca de 4
minutos. Aos 2 meses apresentou duas
crises tónico-clónicos generalizadas
antes da mamada da manhã que não
foram valorizadas. Aos 2 meses e meio
agravamento com movimentos oculares
anormais, postura do membro superior
esquerdo em extensão e movimentos tónico-clónicos. Realizou rastreio séptico
que foi negativo (não fez glicemia). Realizou TAC cerebral que foi normal e EEG
sem alterações. Três dias depois, crises
múltiplas, sonolência e hiporeactividade.
Ao exame físico apresentava-se hipotónico. O estudo analítico revelou uma glicemia de 16 mg/dl e nível de insulina 23
μU/ml. Doseamento do cortisol e hormona de crescimento e estudo metabólico
(amónia, lactato, piruvato, aminoácidos
séricos, perfil de acilcarnitinas, ácidos
orgânicos urinários) foram normais. Iniciou tratamento com hidrocortisona e octreótido que posteriormente foram substituídos pelo diazóxido (15 mg/kg/dia).
Necessitou de aporte de glicose máximo
de 20 mg/kg/minuto. A ecografia abdominal revelou imagem local complexa
na cauda do pâncreas com 11 mm de
diâmetro pelo que realizou angiografía
pancreática que foi normal. Teve alta do
internamento aos três meses e meio medicado com diazóxido 10 mg/kg/dia. Actualmente com 7 anos de idade apresenta boa evolução ponderal, hirsutismo e
Figura 2 - PET com 18F-fluoro-L-Dopa com visualização de hipercaptação na cabeça do pâncreas.
136
casos clínicos
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
dificuldades na aprendizagem. Mantém
terapêutica com diazóxido 7 mg/kg/dia
com bom controlo metabólico.
DISCUSSÃO
Os três casos clínicos ilustram a
diversidade da apresentação clínica do
hiperinsulinismo congénito, desde a irritabilidade, ao quadro clínico de sepsis ou a
convulsões neonatais. A necessidade de
grandes aportes de glicose para corrigir e
manter a glicemia em níveis normais, podendo ser necessário um cateter venoso
central para administração de glicose associado a alimentação entérica contínua,
levanta a suspeita do diagnóstico, assim
como a resposta clínica à perfusão de
glucagon (1-10 μg/kg/hora). O objectivo é
manter a glicemia entre 54-108 mg/dl 9.
No primeiro caso clínico, o doseamento de insulina em hipoglicemia permitiu o estabelecimento do diagnóstico. O
desenvolvimento psicomotor da lactente
é excelente, uma vez que o tratamento
foi instituído rapidamente prevenindo a
lesão cerebral irreversível. A evolução clínica permitiu verificar a resistência ao tratamento com diazóxido pela necessidade
de perfusão endovenosa de glicose para
manter os níveis de glicemia. A maioria
das formas neonatais (84 %) é resistente
ao diazóxido. Este é usado, por via oral,
numa dose que varia de 5 a 25 mg/kg/
dia, dividido em 3 tomas. Dois valores de
glicemia (< 54 mg/dl) em 24 horas com
alimentação oral e sem aporte de glicose endovenosa, faz com o doente seja
considerado não responsivo ao diazóxido. Os efeitos adversos mais frequentes
deste fármaco são: hirsutismo, efeitos
hematológicos e retenção de fluidos. O
hirsutismo secundário ao tratamento era
bastante notório nesta lactente.
Os análogos da somastotatina (octreótido) podem ser usados isoladamente
ou em associação com o glucagon e podem ser tentados antes da cirurgia nos
casos não responsivos ao diazóxido. As
doses variam de 15 μg/kg/dia a 60 μg/dia,
usualmente o tratamento é iniciado com
uma dose de 40 μg/kg/dia, dividido em
3-4 doses SC ou perfusão endovenosa
(1 a 4,5 μg/kg/hora) ou intramuscular nas
formas de libertação prolongada. Alguns
doentes apresentam vómitos e/ou diar-
reia e distensão abdominal que resolvem
espontaneamente em 7 a 10 dias.
Os bloqueadores dos canais de cálcio, nifedipina, 0,5 a 2 mg/kg/dia, são por
vezes eficazes. No primeiro caso clínico
verificou-se uma resposta positiva inicial
mas que não foi duradoura.
Os glucocorticoides não estão indicados no tratamento do hiperinsulinismo.
Não existe nenhuma característica
clínica que distinga entre as duas formas
histológicas: focal e difusa10. A ecografia,
a TAC ou a RMN não conseguem localizar
as formas focais. A cateterização venosa
pancreática e a arteriografia pancreática
são utilizadas para localizar o local de secreção de insulina. Os doentes com uma
lesão focal têm indicação cirúrgica, uma
vez que as lesões focais tratadas cirurgicamente conduzem à cura mas, antes de
qualquer cirurgia uma forma transitória (<
1 mês) tem que ser excluída. Os doentes
com lesão difusa podem ser submetidos
a pancreatectomia parcial, se o tratamento médico falha. Os riscos após esta intervenção são a hipoglicemia numa fase
inicial (2-3 anos) e a longo prazo a diabetes mellitus que ocorre em cerca de 90%
dos doentes antes dos 15 anos de idade.
A insuficiência pancreática exócrina pode
necessitar de enzimas pancreáticas. A
vigilância anual é realizada através de
glucose em jejum e pós prandial, insulina, hemoglobina glicosilada e teste de
tolerância oral à glicose.
O uso recente do PET (18 F fluoro-Ldopa positron emission tomography) permite detectar o hiperfuncionamento das
ilhotas de tecido pancreático sem necessidade de técnicas invasivas11. Uma captação anormal focal de 18 F fluoro-L dopa
permite localizar lesões focais. Este exame não está a ser realizado no nosso país
pelo elevado custo e dificuldades de transporte do radiofármaco. No 1º caso clínico,
a sua realização permitiu a identificação
de uma lesão focal com posterior excisão
cirúrgica por pancreactectomia lesional. O
follow-up, embora pequeno, permite verificar uma evolução muito favorável.
No 2º caso clínico a prematuridade
e o doseamento do nível de insulina sem
hipoglicemia poderá ter atrasado o diagnóstico. Para além disso esta lactente
apresenta algumas dismorfias faciais e
hipotonia axial. O cariótipo revelou delecção do braço curto do cromossoma 9,
que está associado a trigonocefalia, hipoplasia do corpo caloso que esta criança
não apresenta.
A maioria dos doentes tratados
medicamente são fármaco dependentes, embora existam alguns casos de
remissão. Isto justifica a paragem do tratamento médico uma vez por ano, sob
supervisão médica, para avaliar a possível recuperação espontânea. No 2º caso
clínico verificou-se descompensação em
situação de doença com recusa alimentar
pelo que houve necessidade de reinstituir
terapêutica com diazóxido.
O 3º caso clínico apresentou um
quadro mais exuberante com convulsões
neonatais mas com boa resposta ao diazóxido. O aparecimento de uma imagem
suspeita na ecografia abdominal conduziu à realização de angiografia pancreátrica para excluir um lesão focal com necessidade de tratamento cirúrgico.
A cateterização pancreática percutânea é realizada sob anestesia geral.
O diazóxido e qualquer outro fármaco é
interrompido 5 dias antes da intervenção,
sendo administrada uma perfusão de glicose para manter a glicemia entre 54-108
mg/dl. Amostras de sangue venoso são
recolhidas da cabeça, do corpo e da cauda do pâncreas para medição da insulina,
glucose e peptideo C. Os doentes com lesão focal apresentam elevação da insulina e peptideo C num local do pâncreas.
O seguimento clínico e analítico
posterior deste caso clínico permitiu verificar um bom controlo metabólico com
doses baixas de diazóxido permitindo a
vigilância com tratamento médico. Mas
o atraso no diagnóstico e as sucessivas
convulsões tónico-clónicas generalizadas
no período neonatal podem justificar as
dificuldades na aprendizagem. O prognóstico mental e neurológico está relacionado com a duração e a severidade do
episódio inicial de hipoglicemia. Existem
muito poucos dados acerca da evolução
a longo prazo destas crianças. Em algumas séries de doentes 44% apresentam
atraso do desenvolvimento psicomotor.
Os autores pretendem alertar para
os episódios recorrentes e persistentes
de hipoglicemia no período neonatal que
casos clínicos
137
NASCER E CRESCER
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
podem ser devidos a hiperinsulinismo
congénito. O diagnóstico atempado permite evitar a lesão cerebral e um melhor
prognóstico neurológico nestas crianças.
permits a better neurological prognostic
for these children.
Keywords: congenital hyperinsulinism, diazoxide, hypoglycaemia
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 133-138
CONGENITAL HYPERINSULINISM –
CLINICAL REVIEW AND CASE
REPORT
BIBLIOGRAFIA
ABSTRACT
Congenital hyperinsulinism is the
most important cause of persistent hypoglycaemia in early infancy. Mutations in
at least five genes have been associated
with dysregulated insulin secretion.
The authors present three clinical cases of congenital hyperinsulism.
This clinical cases show the diversity in
clinical presentation: from asymptomatic
hypoglycaemia, to neonatal sepsis-like
or seizures. The need of high glucose
perfusions to obtain the normalization of
blood glucose levels often leads to the diagnosis. The clinical response to glucagon
also helps in diagnosis. In one of the clinical cases it was realized a trans-hepatic
portal venous insulin sampling and in another a PET scan with 18F-fluoro-L-Dopa.
The distinction between the focal and
diffuse forms is very important because
the treatment differs. The treatment with
diazoxide permits the metabolic control in
some cases.
A precocious diagnosis and immediate correction of glycaemia avoids the
neurodevelopment complications and
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CORRESPONDÊNCIA
Anabela Bandeira
Serviço de Pediatria – HGSA-CHP
Largo do Prof. Abel Salazar
4099-001 Porto
Telef: 222 077 500
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
Dermatite Estreptocócica Perianal
– A Propósito de Dois Casos Clínicos
Catarina Sousa¹, Isabel Araújo2, Ana Maria Leitão3
RESUMO
A dermatite estreptocócica perianal é uma entidade clínica bem definida,
no entanto, subdiagnosticada. Uma vez
que pode mascarar outras patologias, o
diagnóstico e o tratamento são por vezes
atrasados, o que pode, por sua vez, aumentar a frequência de complicações secundárias relacionadas com as infecções
estreptocócicas. Descrevem-se os casos
de duas crianças do sexo masculino, de
três e quatro anos, com apresentação
semelhante, com eritema perianal e prurido. A cultura do exsudado perianal foi
positiva para estreptococo β-hemolítico
grupo A. Foi efectuada terapêutica com
amoxicilina e ácido clavulânico durante
dez dias, com resolução das queixas. O
reconhecimento precoce, diagnóstico e
tratamento são de extrema importância
no sentido de diminuir o desconforto do
doente e evitar possíveis complicações.
Palavras-chave:
estreptococo
β-hemolítico grupo A, dermatite perianal;
crianças
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 139-141
INTRODUÇÃO
O estreptococo β-hemolítico grupo
A é um microrganismo relacionado habitualmente com infecções cutâneas e faringo-amigdalites(1) . A dermatite perianal
estreptocócica foi descrita pela primeira
vez em 1966 por Amren et al, que estabeleceram a relação entre a celulite perianal
e o estreptococo isolado em cultura de
exsudado perianal. Mais recentemente
foi incluída numa entidade única, designada de dermatite perineal estreptocócica onde se incluem também a vulvovaginite e a balanite, fruto da extensão local
da lesão perianal inicial. Não se estabeleceu ainda definitivamente o mecanismo
exacto de transmissão. Foram já descritos casos de portadores assintomáticos
do estreptococo na área perineal (o que
se verificou em cerca de 6% de crianças
com faringite pelo referido microrganismo
e, raramente, em pessoas saudáveis).
Foi também estabelecida uma possível
transmissão intrafamiliar e institucional
alegando-se um mecanismo de transmissão gastrointestinal ou auto-inoculação,
quer oral-perineal, quer por deglutição,
existindo neste último caso uma eventual
resistência aos sucos digestivos(1, 2). Por
estes motivos, as crianças do sexo masculino, entre os seis meses e os dez anos
de idade são as mais frequentemente
afectadas, sobretudo na Primavera e no
Inverno. Clinicamente cursa com edema
e eritema perianal pruriginoso, de bordos bem definidos, estendendo-se dois a
quatro centímetros do orifício anal. Ocasionalmente acompanha-se de secreção
mucopurulenta, com obstipação secundária, defecação dolorosa e tenesmo,
fissuras perianais e rectorragia. Podem
também existir pústulas ou crostas psoriasiformes e, como já referido, fazer-se
acompanhar de balanite ou vulvovaginite. Geralmente não há febre ou outros
sintomas sistémicos(1-3).
__________
1
2
3
Interna Complementar de Pediatria –
Depart. de Pediatria HSJ - Porto
Assistente Hospitalar Grad. de Pediatria do
Serv. de Pediatria do HSMM, SA - Barcelos
Chefe de Serviço de Pediatria, Directora do
Serv. de Pediatria do HSMM, SA - Barcelos
CASOS CLÍNICOS
Apresentam-se os casos de duas
crianças do sexo masculino, raça caucasiana, com três e quatro anos de idade.
Como antecedentes patológicos, a pri-
meira criança nasceu com prematuridade
de 36 semanas e taquipneia transitória
do recém-nascido, e a segunda criança
apresentava adenite cervical relacionada
com infecção das vias aéreas superiores.
Ambas eram seguidas regularmente na
Consulta de Pediatria Geral, e referiram,
numa consulta de rotina, prurido perianal com cerca de um mês de evolução.
Negaram obstipação, rectorragia, queixas urinárias ou febre. Ao exame físico
apresentavam uma lesão perianal circular eritematosa, vermelho-viva e bem
delimitada, sem fissuras ou outras lesões
associadas (Figura 1).
Tinham já efectuado um anti-micótico tópico sem melhoria.
A cultura do exsudado perianal foi
positiva para estreptococo β-hemolítico
do grupo A e o exame parasitológico de
fezes negativo. Foi efectuada terapêutica, durante dez dias, com amoxicilina
e ácido clavulânico, com resolução das
queixas. Em ambos os casos houve recidiva, com necessidade de um segundo
curso de antibioterapia, sem recorrência
até à data.
DISCUSSÃO
A dermatite estreptocócica perianal
é uma infecção à qual se presta pouca
atenção, sendo facilmente confundida,
pela sua inespecificidade, com outras
entidades, entre as quais a dermatite das
fraldas, a candidíase, a dermatite seborreica, a dermatite atópica, a psoríase, a
dermatite de contacto, a infecção por parasitas, a doença inflamatória intestinal, a
histiocitose e o abuso sexual. O diagnóstico é clínico, com base na história e no
exame físico, com confirmação com exame microbiológico(2,3). Apesar da dermatite perianal ser maioritariamente causada
pelo estreptococo β-hemolítico do grupo
casos clínicos
139
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
FIGURA 1: fotografias das lesões perianais das crianças apresentadas.
A, já foram documentados casos induzidos por outros estreptococos, pelo Staphylococcus aureus, Enterobacteriaceae, alguns anaeróbios como Bacteroides
fragilis ou Clostridia sp, assim como Shigella ou Salmonella sp. Por este motivo,
para se efectuar um diagnóstico mais rápido, pode-se recorrer a um exame com
tira-teste para confirmação da etiologia
estreptocócica, o que permite orientar o
tratamento. Este teste tem uma sensibilidade de 94% e uma especificidade de
100%(1). Se não disponivel, o diagnóstico deve ser confirmado com cultura do
exsudado perianal, tal como efectuado
nos casos apresentados(2). A pesquisa do
estreptococo deve ser especificamente
solicitada pela necessidade de recurso a
técnicas especiais pelo Microbiologista(4).
O tratamento de eleição é a administração de penicilina durante dez dias, tendo, no entanto, sido já descritos casos de
recorrências superiores a 40%. Habitualmente os doentes ficam curados após
um segundo curso de tratamento semelhante. Desta forma, em comparação
com a faringite, a terapêutica da infecção
perianal requere um curso mais longo de
pelo menos dez dias, e de preferência de
14 a 21 dias de antibiótico, uma vez que
os tratamentos mais curtos favorecem as
140
casos clínicos
recidivas. O uso de antissépticos ou antibióticos tópicos pode acelerar a erradicação bacteriana. Nos casos em que outro
agente entre os referidos é responsável,
está indicada uma penicilina penicilinase
resistente ou outro antibiótico de acordo
com o antibiograma(1,3,5,6). Outras alternativas terapêuticas são a eritromicina ou
a clindamicina, sobretudo nos casos de
alergia à penicilina ou refractários(7). Nos
casos descritos foi escolhida a terapêutica com amoxicilina e ácido clavulânico,
pela possibilidade de microrganismos
colonizantes da pele perianal resistentes
aos β-lactâmicos interferirem na acção
da penicilina no estreptococo, além das
frequentes recorrências que têm sido
descritas com esta terapêutica. A complicação mais frequente é o atraso do diagnóstico e tratamento, com manutenção
do desconforto e risco de contaminação
dos conviventes. Existe ainda o risco de
disseminação da infecção, e embora raramente documentados, proctite, abcesso
ou miosite. As infecções estreptocócicas
cutâneas podem ser seguidas de glomerulonefrite, e em teoria febre reumática,
uma vez que não são conhecidos até à
data quaisquer casos publicados(2).
Apesar de uma apresentação clínica uniforme, esta entidade é pouco
conhecida, o que é responsável por um
atraso no diagnóstico, tratamento inadequado e complicações à distância(6).
PERIANAL STREPTOCOCCAL
DERMATITIS – ABOUT TWO CLINICAL
CASES
ABSTRACT
Perianal streptococcal dermatitis is a
well-defined clinical entity, although under
diagnosed. Since it can masquerade other
pathologic conditions, the diagnosis and
treatment are sometimes delayed, which
can lead to a higher frequency of secondary complications related with streptococcal infection. We describe the cases of two
children of male gender, with three and
four years of age, with similar presentation
with perianal redness and pruritus. The
culture of perianal swab was positive to
group A β-haemolytic streptococci. Treatment with amoxiciline and clavulanic acid
was performed during ten days with complete resolution. Early recognising, diagnosis and treatment are extremely important
to decrease patient discomfort and avoid
possible complications.
KEY-WORDS: group A β-haemolytic
streptococci, perianal dermatitis; children
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revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 139-141
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A. An Pediatr (Barc) 2005; 62(5):
479-88
CORRESPONDÊNCIA
Catarina Sousa
Avenida Fernão Magalhães, 1973,
Bloco 3, 3º B, 4300-171 Porto
Telef: 225 094 051
E-mail: [email protected]
casos clínicos
141
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
Varicella-related deaths in children and adolescents Germany 2003-2004
Got V, von Kries R, Springer W, Hammersen G, Kreth HW, Liese J
Acta Paediatrica 2008; 97: 187-192
ABSTRACT
Aim: Although varicella is acknowledged as a rare cause of death
in children, there are few comprehensive data with respect to the clinical
course leading to death.
Methods: A nationwide, active
surveillance was carried out in Germany for children up to age 17 years
who were admitted to a paediatric
hospital for varicella or associated
complications, including deaths.
COMENTÁRIOS
Os autores basearam este trabalho
em dois anos de vigilância, 2003 e 2004.
A taxa de mortalidade observada está
de acordo com a descrita na literatura,
situando-se entre 0.1 e 0.8 por milhão de
crianças até aos 17 anos. O valor mais
elevado, 0.8 foi registado no Reino Unido entre 1967 e 1985 e o mais baixo, 0.1,
nos Estados Unidos, entre 1999 e 2001,
período pós vacinação generalizada.
Acrescentam que ainda que o risco de
morte esteja classicamente associado
aos estados de imunocomprometimento,
recém-nascidos, lactentes e infecções
congénitas, metade dos casos fatais que
observaram não estavam nestas categorias. Terminam o artigo com algumas considerações: a varicela é responsável por
pequeno mas não negligenciável risco de
morte; que mesmo em unidades oncológicas experientes nem sempre se pode impedir casos fatais devido a quadros fulminantes e atípicos; que se devem vacinar
mulheres em idade fértil e sem história
de terem tido varicela; que se registam
casos de super-infecções bacterianas
que podem ser letais apesar de antibioticoterapia precoce; que pode haver outras complicações letais como miocardite
142
artigo recomendado
Results: A total of 10 children
with varicella-associated death weres
reported of a period of 12 years, yielding a mortality rate of 0.4/1 000 000
children per year. Three deaths occurred in children diagnosed with
acute lymphocytic leukaemia and disseminated varicella, two shortly after
diagnosis of leukaemia and therefore
not preventable, and one during remission with an untypical presentation. Two children died with congenital varicella syndrome. There was no
e que para se evitarem casos fatais, se
deve criar uma imunidade de grupo através da generalização da vacina.
Recordemos a propósito deste artigo recomendado que o vírus da varicela causa ainda a zona e que esta, na
criança, e ao contrário dos adultos, raramente se acompanha de prurido e dor.
A zona tem uma incidência relacionada
com a idade e deve-se a uma diminuição
da imunidade celular. Assim, a zona na
criança deve levantar-nos a suspeita de
eventuais riscos de imunodeficiência,
embora habitualmente não exista este
estado. A probabilidade de se desenvolver zona aumenta com a precocidade em
que se teve varicela, sendo cerca de 20
vezes mais frequente quando a criança
teve varicela in-útero ou menos de dois
anos. Aqui está um motivo, além da possibilidade de lesões congénitas, para
que as mulheres em idade fértil estejam
protegidas, naturalmente ou através da
vacina. A varicela é extremamente contagiosa: 80 a 90 % de crianças susceptíveis expostas a um contacto em contexto
mais estreito, familiar ou infantário, vêm
a desenvolver doença. O contágio é virtualmente impossível de se impedir pois
a transmissão da doença faz-se por via
death in children with neonatal varicella. Four other cases were related
to varicella pneumonia or septicaemia
and one to myocarditis.
Conclusion: In a population with
no general vaccination programme,
varicella accounted for a small but not
negligible risk for death in immunocompetent and immunocompromised
children. Together these data point to
the importance of a thoroughly implemented, general varicella vaccination
programme.
aérea, através de pequenas partículas
contagiosas provenientes das lesões dérmicas para o trato respiratório. Raramente há transmissão por via respiratória. A
complicação mais comum observada na
prática clínica é a sobre-infecção das lesões a Stafilococus aureus ou a Streptococus beta-hemolítico do grupo A, a qual
parece ser facilitada quando se utiliza o
ibuprofeno como anti-pirético. Como a
aspirina está contra-indicada (Síndroma
de Rye), resta-nos, e sem qualquer inconveniente, o paracetamol. O aciclovir
não deve ser utilizado por rotina dado o
curso habitualmente benigno da doença
e a sua pouca eficácia. Para além dos
doentes com riscos elevados de infecção
severa, em que deve ser dado por via
intra-venosa, pode ser utilizado por via
oral e apenas se iniciado nas primeiras
24 h de manifestações, em adolescentes.
A prevenção da varicela passa pelas medidas de controlo da exposição, retirando
as crianças do infantário (as crianças com
zona podem frequentar o infantário se for
possível cobrir as lesões ou estarem na
fase de crosta, como na varicela), pela
imunização passiva quando se pressupõe doença grave, e particularmente pela
imunização activa. O esquema de imuni-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
zação activa foi modificado recentemente. As duas doses que se recomendavam,
com intervalo de 4 semanas em crianças
depois dos doze anos, devem ser dadas
em crianças depois dos 12 meses e com
um intervalo de pelo menos 3 meses,
recomendando-se a segunda dose antes
de se iniciar o infantário. A razão destas
modificações assenta na constatação da
possibilidade, 15-20%, de uma só dose
não assegurar protecção. Embora estes
casos de falha (breakthrough) sejam clinicamente discretos e de reduzido contágio, podem acompanhar-se de alguns
problemas como o descrédito da vacina,
a maior gravidade se a falha se der em
idades maiores e a possibilidade de zona
na idade adulta. Estão assim reunidos
argumentos que recomendam uma imunização mais eficaz, conferida pelas duas
doses 1,2.
Entre nós a vacinação contra a varicela fica ao critério do médico ou da
disponibilidade financeira das famílias.
Se o número de crianças que receberam
a vacina reduzir a incidência clássica da
doença, vamos ter cada vez mais crianças mais velhas e adultos susceptíveis à
doença que é mais grave nestas idades,
como sabemos. Torna-se assim necessário introduzir esta vacina no plano nacional, a exemplo de outros países. Caso
contrário, e mais cedo ou mais tarde, assistiremos a uma epidemia de varicela,
com todas as esperadas complicações,
naqueles grupos etários. A introdução da
vacina será mais um encargo para o frágil
orçamento do sistema nacional de saúde. Mas nada de novo: é sabido que até
se obterem os efeitos de uma profunda e
universal prática de promoção da saúde
e prevenção da doença, os gastos com a
saúde serão progressivamente crescentes. A menos que aceitemos deixar de ser
um país desenvolvido…
Tojal Monteiro1
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 142-143
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__________
1
Professor de Pediatria do ICBAS/HGSA
artigo recomendado
143
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revista do hospital de crianças maria pia
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Journal of Child Psychology and Psychiatry 2007: 48, 11, pp 1088 – 1093.
Background: Although many
studies have now demonstrated that
threat information is sufficient to
change children’s beliefs and behaviours towards novel animals, there is
no evidence to suggest that it influences the physiological component of the
fear emotion. Methods: An experiment
is reported in which children (N = 26)
aged between 6 and 9 were given
COMENTÁRIOS
As perturbações de ansiedade, muito prevalentes, iniciam-se geralmente na
infância, e são fonte de sofrimento, nem
sempre explicitado, já que muitas vezes são acompanhadas de sentimentos
de vergonha e baixa auto-competência,
para além do prejuízo funcional da pessoa. Sabe-se que factores genéticos e
ambientais contribuem para a génese de
quadros de ansiedade mas, se aqueles
são factores sobre os quais podemos ter
muito pouco controlo, o mesmo não se
poderá dizer acerca dos factores ambientais. Mesmo aqueles factores de stress
universais – a morte, a doença, o divórcio, o nascimento de um irmão – podem
ser vivenciados pela criança com maior
ou menor angústia, conforme a capacidade dos cuidadores em “amortecer” o
seu impacto negativo. Daí a enorme importância de podermos intervir sobre os
factores ambientais que contribuem para
a génese e a manutenção de problemas
ansiosos nas crianças. Talvez que identificando estes factores se possa prevenir
o desenvolvimento de alguns quadros de
ansiedade em futuros adultos.
O artigo faz referência ao modelo
de Rachman, que tenta explicar o modo
como os factores ambientais podem induzir medo. Segundo este autor, isto
pode acontecer de três maneiras: pela
144
artigo recomendado
threat, positive or no information about
three novel animals and then asked to
place their hands into boxes that they
believed to contain each of these animals. Their average heart rate during
each approach task was measured.
.Results: One-way analysis of variance revealed significant differences in
the average heart rate when approaching the three boxes: heart rates were
experiência directa envolvendo um evento traumático, pela aprendizagem por
observação, em que um estímulo causa
medo quando é observado o medo de
outra pessoa ao mesmo estímulo, e pela
transmissão directa de informação, quando se comunica a possibilidade do perigo
de um estímulo.
Crê-se que das três, a informação
verbal será a via mais importante, mecanismo dominante nas relações de pais
ansiosos com os seus filhos. Têm sido
realizados estudos que utilizam animais
desconhecidos para estudar a importância da informação verbal na génese do
medo em crianças: são utilizados animais
marsupiais australianos (quoll, quokka e
cuscus), estranhos a crianças inglesas.
As crenças de medo e o evitamento já foram analisados; neste trabalho pretendese avaliar se as informações verbais que
são prestadas à criança, influenciam as
respostas fisiológicas do medo, através
da medição da frequência cardíaca.
A 26 crianças entre os 6 e os 9 anos
de idade, foram mostradas fotografias
dos referidos animais, e dadas informações, umas de conteúdo positivo, outras
de conteúdo ameaçador ou nenhuma
(grupo controlo). As crianças eram depois
distribuídas por três grupos, de forma
que em cada um o mesmo animal tinha
uma conotação diferente. Cada grupo
significantly higher when approaching
the box containing the animal associated with threat information compared to
when approaching the control animal.
Conclusions: These findings suggest
that fear information acts not only upon
cognitive and behavioural aspects of
the fear emotion, but also on the physiological component.
era colocado em frente a 3 caixas, cada
uma supostamente com um dos animais.
Depois tinham que partir de uma linha e
dispunham de 15 segundos para se aproximar de cada uma delas, de introduzir as
mãos, e afagar o animal, tempo durante o
qual era medida a frequência cardíaca.
Os resultados revelaram que as
crianças tinham uma frequência cardíaca
mais elevada, quando se aproximavam
do animal “perigoso”, valor estatisticamente significativo relativamente à ausência de informação. As informações
positivas provocavam o valor mais baixo
de frequência cardíaca, embora a diferença não tivesse significado estatístico.
Este trabalho comprova deste modo
que as informações de ameaça têm um
efeito nos sistemas fisiológicos da resposta de medo nas crianças, o que torna
relevante o papel do discurso de pais ansiosos sobre crianças ansiosas. Daí que,
de um ponto de vista preventivo de problemas de ansiedade, pais e outros adultos significativos podem reduzir a possibilidade de desenvolvimento de medo,
limitando as informações de perigo que
dão às crianças.
Este aspecto do estilo parental foi
estudado por Barrett1 em crianças ansiosas. A estas e a um grupo de controlo,
foram apresentadas situações ambíguas.
As crianças ansiosas tinham maior ten-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
dência para as interpretar como ameaçadoras e a delinear planos de acção de
evitamento. Num segundo passo do estudo, as situações eram discutidas com os
pais; após o fazerem, as crianças ansiosas acentuavam muitíssimo estes aspectos na forma como as resolviam!
Embora este trabalho se refira a um
medo muito comum nesta faixa etária, o
de animais, pode deduzir-se com alguma
razoabilidade que o mesmo mecanismo
se aplique a outros estímulos, tornandose um factor poderoso na génese de
medos e reacções ansiosas na criança.
Pais que estão constantemente a alertar
os filhos para os perigos, fomentando o
evitamento e a superprotecção, impedem
a criança de se confrontar com desafios
normativos para a idade, que são apresentados de uma forma enviesada pela
ansiedade dos pais. Estes dificultam o
desenvolvimento de um espírito independente na criança, confiante nas suas
competências, base da construção de
uma boa auto-estima
Por último, é interessante notar
que esta inter-relação do verbal–estado
fisiológico-medo, reafirma indirectamente o interesse da utilização em contexto
clínico de técnicas de relaxamento na
criança, em que a diminuição da activação fisiológica vai gerar estados de
maior bem-estar psíquico e redução da
ansiedade.
Maria do Carmo Santos1
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 144-145
BIBLIOGRAFIA
1. Barrett PM, Rapee RM, Dadds MR
and Ryan SM. Family enhancement
of cognitive style in anxious and aggressive children. . J Abnorm Child
Psychol, 1996: 24, 187-203.
__________
1
Pedopsiquiatra do Hospital Maria Pia/CHPorto
artigo recomendado
145
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
Modulation of the Maturing Gut Barrier and Microbiota:
A Novel Target in Allergie Disease
E. Isolauri, M. Kalliomäki, K. Laitinen, S. SSalminen
Department of Paediatrics and Functional Foods Forum; University of Turku, Finland
Abstract: The underlying denominators and treatment targets in atopic
disease may be outlined as aberrant
barrier functions of the skin epithelium
and gut mucosa, and dysregulation of
the immune response to ubiquitous
environmental antigens. The route of
sensitization varies with age, dietary
antigens predominating in infancy. The
immaturity of the immune system and
the gastrointestinal barrier may explain
the peak prevalence of food allergies
at an early age. Dietary methods to
control symptoms and reduce the risk
of allergie disease have hitherto focused on elimination diets, alone or in
COMENTÁRIOS
Nos últimos anos, evidência científica tem vindo a ser compilada sobre o papel da flora intestinal, da barreira mucosa
e do sistema imunológico intestinal na
manutenção e equilíbrio da saúde humana. O conhecimento dos factores moduladores implicados na maturação destas
vertentes, em fases precoces e determinantes do desenvolvimento humano,
poderão explicar a base da eclosão de
determinadas patologias de incidência
crescente na sociedade urbana actual,
como a doença alérgica.
Este artigo, cujos autores constituem um grupo de investigação nesta
área, sobejamente reconhecidos e citados, apresenta de forma didáctica e actual este tema.
De facto, o intestino contém um
ecossistema extremamente complexo,
em que o hospedeiro, os nutrientes e a
microflora se inter-relacionam. A sua mucosa tem mais de 300 m2 de superfície,
constituindo assim a maior interface entre
o corpo humano e o meio ambiente. Por
isso, o intestino tem um papel preponderante na protecção do hospedeiro contra
as agressões externas, sendo esta tarefa defensiva levada a cabo por três dos
146
artigo recomendado
combination with other environmental
measures. The results have not been
satisfactory regarding long-term prevention, primary or secondary. In view
of the increasing burden of the abnormalities, new approaches are urgently
needed for the management of allergic
disease and their prevention in at-risk
infants. Novel methods here may include probiotics to counteract the immunoloical and gut mucosal barrier
dysfunction associated with allergic
disease, and thereby to strengthen
endogenous defence mechanisms.
Notwithstanding the demonstrations of
important immunoregulatory potential
seus constituintes: a microflora, a barreira mucosa e sistema imunológico(1).
A microflora intestinal, é constituída
por uma biomassa de mais de 100 000
biliões de microorganismos de mais de
500 estirpes diferentes 1. Estas bactérias
intestinais residentes (organismos procarióticos) são 10-100 vezes mais numerosas que as células eucarióticas do corpo
humano que as albergam. A esta microflora são atribuídas funções tão importantes quanto abrangentes como: funções
nutritivas e metabólicas, funções de protecção e defesa e funções de modulação
e regulação do sistema imunológico.
A microflora intestinal é constituída
por bactérias úteis ao hospedeiro como
as do género Bifidobacterium e Lactobacillus, enquanto outras são potencialmente patogénicas e perigosas. O equilíbrio
da composição quantitativa e qualitativa
deste ecossistema é que determinará um
contexto mais favorável para o hospedeiro. A microflora varia de indivíduo para indivíduo, mas permanece mais ou menos
estável no mesmo indivíduo por longos
períodos(2).
Então, como é que se desenvolve
este órgão pós-natal, e quais os factores
implicados no seu desenvolvimento?
of the well-balanced gut microbiota,
the major objective health benefits of
specific strains in allergic infants have
only recently been clinically proven.
Advances here have prompted enthusiasm in the scientific community and
food industry and have fuelled research
activities currently focusing firstly on
identification of specific strains with
anti-allergenic potential, and secondly
on the question how food matrix and
dietary content interact with the most
efficacious probiotic strains.
Key words: Atopic disease, allergy, infant, inflammation, microbiota,
probiotics.
Ao nascimento, o intestino do recém-nascido é estéril mas rapidamente
vai sendo colonizado pelas bactérias do
meio que o rodeia, muito em particular as
bactérias da microflora intestinal materna. A idade gestacional e o tipo de parto
parecem condicionar essa colonização,
devido à maior influência das floras intestinal e vaginal maternas no caso da
utilização do canal de parto, e da flora
hospitalar e uso de antibióticos, no caso
de cesariana(3,4).
O meio intestinal do recém-nascido
tem uma tensão elevada de oxigénio favorecedora do desenvolvimento de bactérias aeróbias e anaeróbias facultativas,
como a E. coli, as Enterobacteriaceas, e
cocos Gram positivos. Com o crescimento destas, a disponibilidade de oxigénio
baixa e as bactérias anaeróbias começam a desenvolver-se, ao ponto de se
tornarem largamente predominantes, no
final da primeira semana de vida. O tipo
de aleitamento assume então particular
importância, se materno ou com fórmula
láctea. Nos lactentes alimentados com
leite materno, a flora intestinal apresenta
um franco predomínio de Bifidobacterias,
embora também existindo Lactobacillus
e Estreptococcus, enquanto nos lacten-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
tes alimentados com fórmula a sua flora é mais complexa, mais diversificada,
mais semelhante à do adulto, ou seja,
com predomínio de Bacterioides, embora também contendo Bifidobacterias (de
espécies diferentes que as encontradas
no lactente amamentado), E. coli, Clostrídium e Estafilococcus(5). Razões têm vindo a ser apontadas para esta diferença: o
teor e composição proteica, o baixo teor
de fósforo, a presença de oligossacáridos, bem como a presença de mediadores celulares e humorais no leite materno,
factores esses que lhe conferem um efeito bifidogénico. De facto, o leite materno
contém numerosos componentes bioactivos incluindo alguns com efeito probiótico
e prebiótico, que se pensa terem um papel de relevo no desenvolvimento de uma
flora microbiana intestinal mais favorável
à sua saúde e bem-estar do indivíduo(2).
A demonstração de importante potencial imunorregulador de uma microflora intestinal bem balanceada, está na
base do interesse no uso de probióticos
como agentes que poderão contribuir
para a aquisição de uma flora mais favorável ao hospedeiro.
A resistência à colonização bacteriana, que se traduz pela hostilidade das
bactérias indígenas à instalação das bactérias recém-chegadas ao ecossistema
microbiano intestinal, é conseguida fundamentalmente pela manutenção de uma
flora intestinal normal; no entanto, outros
factores inerentes ao hospedeiro podem
cooperar nesta função de barreira, como
a acidez gástrica, a produção de ácidos
biliares e de enzimas pancreáticas, bem
como o peristaltismo, o biofilm de mucina
com os seus terminais oligossacaridos e
glucoconjugados, inibidores da aderência
de bactérias enteropatogénicas(6).
O intestino é também o primeiro
orgão imunológico do corpo humano,
constituído pela GALT (gut associated
lymphoid tissue), contendo cerca de 60%
do total das imunoglobulinas e uma elevada densidade de linfócitos de mais de
106 linfócitos /g de tecido(7). Inclui tecido
linfoide difuso composto por plasmócits
produtores de imunoglobulina A e linfócitos T maduros (CD4+ e CD8+), e tecido
linfoide organizado em placas de Peyer e
gânglios mesentéricos(8). O diálogo imunológico entre os microorganismos e o
hospedeiro faz-se através de receptores
extracelulares de membrana TRL (toll-
like receptor) e de uma família de sensores proteicos intracelulares NOD/CARD
(nucleotide-binding oligomerization domain/ caspase recruitment domain) para
detectar os sinais moleculares microbianos e induzir resposta imunológica(9). A
modulação e maturação do sistema imunológico inato pelas bactérias intestinais
permite a aquisição de mecanismos de
tolerância imunológica relativamente a
aportes massivos de antigénios da dieta
e aos próprios microorganismos comensais, mas também o reconhecimento e
rejeição de microorganismos potencialmente enteropatogénicos, desde fases
muito precoces de vida. A colonização
também induzirá modulação imunológica
de particular importância no que respeita
ao balanço da razão dos linfócitos Th1
(supressores)/Th2 (pró-alérgicos), que
pode minimizar alterações de hiperreactividade imune, mecanismo que estará na
base do desenvolvimento da doença alérgica(10,11). A teoria higiénica postula que,
nas sociedades modernas, a exposição
microbiana em idades precoces foi drasticamente diminuída, pela franca melhoria
das condições higiénicas das populações
e consequente diminuição das doenças
infecciosas comuns, condicionando um
enorme enfraquecimento da estimulação
antigénica crónica do sistema imune, desejável para o desenvolvimento dos mecanismos acima descritos(12).
Pelo exposto, a abrangência dos
factores moduladores do desenvolvimento da microflora e barreira intestinais e a
importância do seu determinismo em idade pediátrica, e em particular em idades
muito precoces de vida, torna este tema
muito atraente relativamente ao seu papel na saúde e bem estar do seu hospedeiro, o corpo humano, nomeadamente
na prevenção do desenvolvimento da
doença alérgica.
Helena Ferreira Mansilha1
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 146-147
BIBLIOGRAFIA
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11. Gronlund MM, Arvilommi H, Kero P,
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12. Rautava S, Ruuskanen O, Ouwehand
A, Salminen S, Isolauri E. The hygiene hypothesis of atopic disease – an
extended version. J Pediatr Gastroenterol Nutr, 2004; 38: 378-88.
__________
1
Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria
artigo recomendado
147
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
Caso Endoscópico
Fernando Pereira1
O nosso doente de hoje é um rapaz
de 13 anos de idade, raça caucasiana primeiro filho de pais saudáveis e não consanguíneos que recorreu ao serviço de
urgência por hemorragia digestiva alta.
O doente sentiu-se mal disposto no
dia anterior, com náuseas e sensação de
mal estar epigástrico e durante a noite
teve episódio de vómitos, inicialmente
alimentares e depois com sangue vivo
em grande quantidade.
Na sua história clínica havia a referir
um episódio grave de gastroenterite aguda por salmonela, pelos 8 meses, com
febre vómitos e diarreia abundante que
provocou desidratação grave e necessidade de internamento. Desde então, o
doente teve desenvolvimento psicomotor
e estaturo-ponderal adequado e pelos
9 anos de idade, por apresentar ligeiro
aumento do volume abdominal e exuberância da circulação venosa superficial
do abdómen foi-lhe efectuado estudo
analítico que evidenciou a presença de
trombocitopenia (100.000/mm3) e ligeira
leucopenia, sendo os restantes exames
normais (função renal e hepática, coagulação, estudo imunológico). Realizou
também na mesma altura ecografia abdominal que mostrou esplenomegalia volumosa, com o fígado de dimensões normais e não estando presentes gânglios
ou outras alterações abdominais.
O doente foi observado na consulta
de Hematologia onde não foi diagnosticada qualquer patologia hematológica
primária.
Desde então o doente foi seguido
na consulta de Gastroenterologia Pediátrica até à data do presente episódio
hemorrágico que motivou a realização de
endoscopia alta (Fig.1) e baixa (Fig.2 e
3), que permitiram obter as imagens que
apresentamos.
Qual lhe parece ser o diagnóstico
mais provável para cada uma delas?
Figura 2
Figura 3
1234-
Figura 1
__________
1
Serviço de Gastroenterologia
Hospital Maria Pia / CHPorto
148
qual o seu diagnóstico?
Polipose familiar
Varizes do estômago e cólon
Pneumatose gastro-cólica
Adenopatias múltiplas
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
COMENTÁRIOS
A figura 1 mostra-nos uma estrutura nodular, recoberta de mucosa gástrica
ligeiramente congestionada, com pontos
vermelhos na sua superfície e envolvendo quase todo o perímetro da vertente gástrica do cárdia como se pode ver
nesta imagem em inversão (a seta a azul
indica o endoscópio a passar através do
cárdia). Ao toque estas estruturas são
moles e de facto correspondem a varizes
justa cárdicas.
As figuras 2 e 3 obtidas durante a
realização da colonoscopia esquerda
mostram também formações nodulares
submucosas que na figura 3 assumem
aspecto evidente em cordão; são também varizes, agora situadas ao nível rectosigmoide.
O nosso doente tinha efectivamente um quadro de hipertensão portal, já
nosso conhecido, uma vez que quando
foi observado na consulta de Gastroen-
terologia era essa uma das hipóteses
de diagnóstico colocadas, que foi confirmada pela realização de um ecodoppler abdominal que mostrou existir uma
trombose da veia porta junto ao hilo e
acentuada diminuição do fluxo da veia
porta. Naturalmente que o doente apresentava também varizes de grau II do
esófago sem estigmas hemorrágicos e
tinha iniciado tratamento para prevenção de hemorragia digestiva com beta
bloqueador.
A única explicação que encontramos para a trombose da veia porta é o
episódio de gastroenterite infecciosa
grave que o doente teve no primeiro ano
de vida, uma vez que toda a sua história
clínica é negativa e o estudo hematológico efectuado no sentido de encontrar
factores favorecedores de trombose (anticorpos anti-fosfolipídeo, anticardiolipina,
proteína C e S e antitrombina III) não evidenciou alterações.
Conclusão: estamos perante um
caso de trombose da veia porta, complicado por hemorragia digestiva alta causada por rotura de varizes gástricas, em
doente que tinha também varizes do território da mesentérica inferior. O doente foi
orientado para tratamento cirúrgico.
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 148-149
BIBLIOGRAFIA
1. Flores J, Yanez P, Ramirez R; “Portal
vein thrombosis inchildren. Presentation, treatment and outcome”. JPGN
25(4):481, 1997.
2. Fagundes, EDT; Ferreira, AR, et al;
“Clinical and Laboratory Predictors of
Esophageal Varices in Children and
Adolescents with Portal Hypertension”
JPGN; 96(2):178-183, 2008
qual o seu diagnóstico?
149
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
Caso Estomatológico
José M. S. Amorim1
Criança de 12 anos de idade que
foi enviada à consulta de Estomatologia
devido a ausência do 1º molar inferior direito (dente 4.6).
Ao exame objectivo a criança apresenta bom desenvolvimento estato-ponderal.
A nível oral apresenta boa higiene
oral, não sendo visíveis cáries dentárias.
Apresenta várias obturações dentárias efectuadas com amálgama, em
bom estado. Constatou-se a ausência
do dente 46, pelo que se efectuou uma
ortopantomografia (OPG) e o rx retro alveolar, com melhor definição de imagem,
abaixo exposto.
Antecedentes pessoais e familiares
irrelevantes.
Figura 1
__________
1
Serviço de Estomatologia Hospital Maria Pia / CH Porto
150
qual o seu diagnóstico?
Face ao descrito:
Qual o seu diagnóstico?
Qual a sua atitude?
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
A situação clínica acima exposta é
relativamente frequente, pelo que na ausência de erupção de um dente estando
o seu simétrico na arcada, é de colocar
uma de duas hipóteses diagnosticas:
1º agenesia do dente não erupcionado;
2º inclusão do dente não erupcionado,
devido ou a falta de espaço ou a
obstáculo mecânico.
O diagnóstico diferencial destas duas
situações realiza-se com muita facilidade
através da realização de uma OPG.
No caso acima exposto, facilmente
se constata a existência de uma neoformação radiodensa composta por estruturas semelhantes a dentes e que impediram a erupção do dente 4.6.
O diagnóstico a colocar nesta situação é o de Odontoma Composto.
Os odontomas são hamartomas de
origem odontogénica e estão associados
à não erupção de um ou mais dentes.
Existem 2 tipos de odontomas:
- Composto:
• é formado por uma massa rádio
densa, com aparência lobulada,
onde no meio de uma mistura de
esmalte, dentina e polpa se evidenciam pequenas estruturas semelhantes a dentes;
- Complexo:
• apresenta-se como uma massa
rádio densa, com áreas de densidade heterogéneas, onde não se
evidenciam estruturas dentárias
diferenciadas.
Estas situações necessitam de intervenção cirúrgica para remoção do
odontoma e por vezes do dente que não
erupcionou. Este caso foi tratado sob
anestesia geral, tendo sido removida
toda a neoformação óssea, bem como o
dente 4.6
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 150-151
BIBLIOGRAFIA
E. Barbería Leache, Odontopediatria, 2ª
edición, Masson SA, 2001, Pag.69-70
qual o seu diagnóstico?
151
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
Caso Radiológico
Filipe Macedo1
Adolescente do sexo feminino. Fez
ecografia renal e pélvica por ITU tendo
sido sugerida realização de urografia endovenosa.
Figura 1 e 2 - Urografia endovenosa
__________
1
Especialista em Radiodiagnóstico – SMIC - Porto
152
qual o seu diagnóstico?
Qual é o seu diagnóstico?
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
Observa-se rim pélvico à esquerda,
associado a malrotação. Sem alterações
no rim direito.
DISCUSSÃO
A ectopia renal traduz a presença
de um rim fora da sua localização habitual. A situação mais frequente é a ectopia baixa com rim pélvico, em localização
pré-sagrada, abaixo da bifurcação aórtica. Pode também ser lombar, quando se
localiza acima da crista ilíaca mas abaixo
do plano de L2-L3.
A ectopia pode ser ipsilateral (simples) ou contralateral (cruzada).
Pode ser uni ou bilateral.
Na sua génese está um acidente,
genético ou não, que impede a migração
cranial do rim durante a gestação.
A ectopia acompanha-se muitas vezes de malrotação do rim.
IMAGIOLOGIA
Ecografia - faz habitualmente o
diagnóstico. Por vezes, pode contudo ser
difícil a identificação do rim pélvico, no-
meadamente pela sua malrotação e vizinhança com as ansas intestinais(1).
Urografia endovenosa - faz geralmente o diagnóstico mas envolve radiação ionizante.
RMN – muito eficaz, permitindo
fazer o diagnóstico, avaliar a vascularização renal e no futuro próximo avaliar
aspectos funcionais, com reduzidos efeitos laterais e contra-indicações. Tende a
substituir a urografia endovenosa.
Na ptose renal o uréter é longo e a
vascularização faz-se em relação com a
artéria aorta e veia cava. No rim pélvico,
o ureter é curto e a vascularização fazse em relação com os grandes vasos da
região(2).
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 152-153
BIBLIOGRAFIA
Há frequentemente alterações associadas quer a nível extra-renal (ginecológicas, esqueléticas, cardiovasculares,
etc), quer a nível renal, nomeadamente
refluxo vesicoureteral – está recomendada a realização de CUMS. Pode também
haver implantação alta do ureter no bacinete do rim ectópico, simulando síndroma
da junção, pelo que pode ser necessário
o esclarecimento por renograma.
1. Chateil JF, Brisse H, Dacher JN. Ecographie en urologie pédiatrique
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2. Benz-Bohm G. Anomalies of kidney
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2001; pp 55-60
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Faz-se com ptose renal (por hipermobilidade do rim).
qual o seu diagnóstico?
153
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
Genes, Crianças e Pediatras
Paulo Sousa1, M. Reis Lima1, Esmeralda Martins2
Criança do sexo masculino, actualmente com 2 anos e 11 meses, referenciado à consulta de Doenças Metabólicas
do Hospital Maria Pia aos 1,5 meses de
idade por suspeita de doença metabólica. Sem antecedentes familiares relevantes. Como antecedentes pessoais,
tratava-se de uma segunda gestação de
um casal jovem, saudável e não consanguíneo. Durante a gestação foi detectado
ecograficamente hidrópsia fetal, pelo que
foi programada cesariana para as 36 semanas de gestação. Nasceu com índice
de Apgar 7/8 ao 1º e 5º minuto respectivamente, peso 3485g, comprimento 47
cm e perímetro cefálico 35cm. Ao nascer
apresentava turvação das córneas e fácies grosseira, com ligeira microretrognatia, fronte alta, filtro longo, lábio superior
__________
1
Unidade de Genética Médica - Centro de
Genética Médica Doutor Jacinto Magalhães
/ INSA
2
Unidade Metabolismo do HMP/CHP
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qual o seu diagnóstico?
fino, hipoplasia do terço médio facial,
pescoço curto, pavilhões auriculares baixos, edema cutâneo ao nível das extremidades e do escroto, pectus carinatum,
distensão abdominal com hérnia umbilical, hepatoesplenomegalia (fígado//5cm;
baço//1,5cm) e hérnia inguinal bilateral.
Internado em Cuidados Intensivos neonatais até ao 18º dia de vida.
Evoluiu com atraso global moderado do desenvolvimento psicomotor
agravamento da dismorfia, com fácies
mais grosseira, macrocefalia, escolioses
dorsal e dorso-lombar, com gibus dorsal
bilateral e desacelaração do crescimento, inicialmente com peso e comprimento
nos percentis 50 e 10 respectivamente,
actualmente com o comprimento abaixo
do percentil 5 e peso no percentil 5.
Aos 2 anos e 9 meses foi internado em Unidade de Cuidados Intensivos
Pediátricos por quadro de insuficiência
respiratória grave com necessidade de
suporte ventilatório invasivo no contexto
de pneumonia bacteriana a agente não
isolado. Durante o internamento desenvolveu sépsis nosocomial e ARDS, mas
com boa evolução clínica, tendo tido alta
para domicílio ao 28º dia de internamento com ventilação não invasiva (BiPAP)
nocturna.
É seguido nas consultas de Neuropediatria, Oftalmologia, Otorrinolaringologia, Cardiologia Pediátrica, Pneumologia,
Ortopedia, Medicina Física e Reabilitação
e Cirurgia Pediátrica.
Qual é o diagnóstico?
NASCER E CRESCER
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
SÍNDROME DE SLY
MUCOPOLISSACARIDOSE VII
(MIM #253220)
A mucopolissacaridose typo VII é
uma doença genética de armazenamento lisossómico, autossómica recessiva,
caracterizada pela incapacidade de
degradação dos glucosaminoglicanos
devido a mutação do gene que codifica a enzima Beta-glucoronidase (locus
7q22.11). Foi descrito pela primeira vez
por William Sly em 1973 e tem uma incidência de 1:2 111 000 nados-vivos(1).
O fenótipo pode variar desde hidropsia
fetal grave e letal até formas moderadas
com sobrevivência até à idade adulta.
A maioria dos doentes com o fenótipo
intermédio apresentam-se com hepatomegalia, anomalias esqueléticas, fácies
grosseira e graus variáveis de atraso
mental(2).
Existem 3 formas descritas:
- Feto-neonatal: caracterizada por
hidrópsia fetal, fácies grosseira,
disostose múltipla, hepatoesplenomegalia e opacidade das córneas.
Pode causar o óbito do feto.
- Grave: os sintomas podem ter início
nos primeiros meses de vida com
hérnia umbilical e inguinal, macrocefalia e deformidade do tórax.
- Ligeira: O atingimento sistémco é
mais ligeiro e a progressão é mais
lenta.
Suspeita Clínica
As Mucopolissacaridoses deverão
ser suspeitadas em crianças com fácies
grosseira, hepatoesplenomegalia e alterações ósseas, com ou sem anomalias do
Sistema Nervoso Central. A apresentação
clínica é variável, dependente da gravidade e do tipo da MPS. O nosso doente
apresentou-se como forma feto-neonatal
grave com hidrópsia fetal. As MPS podem
partilhar características de outras doenças
de armazenamento como as oligossacaridoses (alfa e beta manosidose, fucosidose, aspartilglicosaminuria), as esfingolipidoses (Gaucher tipo II, Niemann Pick A) e
as mucolipidoses (doença I cell).
DIAGNÓSTICO
O doseamento da concentração
urinária de glucosaminoglicanos, por
electroforese ou cromatografia, pode
identificar os diferentes tipos de MPS.
A confirmação do diagnóstico pode ser
feita pelo doseamento da actividade enzimática deficiente em fibroblastos ou
leucócitos(3).
A análise molecular mutacional
pode ser difícil de interpretar devido ao
elevado número de mutações “privadas”
nesta patologia. Para muitas famílias
uma sequenciação e interpretação completa pode ser necessária para chegar
à identificação do genótipo. A análise do
ADN deve ser sempre realizada(6), permitindo um maior conhecimento da doença
(correlação genótipo-fenótipo) e acesso a
um aconselhamento genético e diagnóstico pré-fetal mais eficaz.
DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL
Pode ser realizado para todas as
MPS. O método mais fiável é a doseamento da actividade enzimática em
fibroblastos cultivados, obtidos por amniocentese(4) ou análise molecular em
fibroblastos e/ou vilosidades coriónicas
(se o resultado no caso index e pais é
conhecido).
Nos casos de hidrópsia fetal, apresentação comum na MPS VII, o doseamento da actividade enzimática em leucócitos do sangue fetal pode dar resultados mais rápidos(5).
DIAGNÓSTICO DE PORTADOR
A detecção de portadores por ensaios enzimáticos dos leucócitos pode
não ser fiável, pela grande variação das
concentrações enzimáticas. A análise do
ADN, se a mutação estiver identificada,
pode ser utilizada para identificar portadores com risco para a descendência ou
outros familiares afectados. Se um portador manifestar preocupação em vir a ter
um filho afectado, o outro progenitor poderá ser testado para as mutações mais
frequentes, que podem representar cerca
de 70% dos alelos afectados identifica-
dos, dependente na doença e população.
Contudo, a ausência de uma mutação
conhecida não exclui definitivamente o
estado de portador, pelo que é mais seguro oferecer a possibilidade de efectuar
diagnóstico pré-natal.
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 154-155
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qual o seu diagnóstico?
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Emergências Cardiológicas Neonatais
Marília Loureiro1
INTRODUÇÃO
As cardiopatias congénitas constituem a malformação mais frequente no recém-nascido (incidência de 8/1000 nados
vivos). A maioria dos casos tem uma etiologia multifactorial, estando em algumas situações associada a alterações genéticas.
Apesar de nos tempos actuais o
diagnóstico prénatal das malformações
cardíacas permitir o transporte in-utero,
com parto programado para um centro
terciário, mantém-se muito elevado o
número de recém-nascidos, que se apresenta sem diagnóstico prévio.
O período neonatal pode ser crítico,
fundamentalmente devido a dois factores:
a gravidade de algumas malformações e
as modificações fisiológicas que ocorrem
nessa fase.
A suspeita clínica de cardiopatia
congénita, no período neonatal, pode ser
colocada perante a presença de sopro
cardíaco, que quando isolado, não constitui só por si uma urgência. O desenvolvimento de cianose e/ou de insuficiência
cardíaca assim como alterações do ritmo
e da condução, pressupõem a necessidade de intervenção precoce, sendo necessário em alguns casos a instituição
de medidas que mantenham a circulação
fetal, essencial para uma diminuição da
morbilidade e da mortalidade destes recém-nascidos.
CIANOSE
Definida como coloração azulada
da pele e mucosas, a qual corresponde a
concentração arterial de 4-6 gr/dl de hemoglobina não saturada. Quer surja nas
primeiras horas quer nos primeiros dias
de vida, a cianose de causa cardíaca é
intensa, generalizada e permanente. Geralmente é isolada, sem outros sinais e
refractária à oxigenação.
O dignóstico de cardiopatia é fácil
de efectuar, pois a maioria das causas de
cianose de origem não cardíaca cursam
com outros sinais, como a dificuldade respiratória mais ou menos severa; existem
apenas três situações com as quais deve
ser colocado o diagnóstico diferencial:
metahemoglobinémia congénita, muito
rara, não responde à prova de hiperóxia,
mas a PaO2 é normal; a poliglobulia (Ht>
65%), e a persistência das resistências
vasculares pulmonares elevadas.
A conduta a ter é simples, a qual
deve ser efectuada o mais rápida possível, evitando uma descompensação
por vezes irremediável, de uma cardiopatia que pode necessitar de um tratamento específico (átrioseptostomia de
Rashkind). Quando a tolerância clínica
é boa, com ausência de taquipneia, e de
acidose, deve-se evitar a ventilação assistida e a perfusão de Prostaglandinas,
devendo o recém-nascido ser transportado por equipa especializada para um
centro de Cardiologia Pediátrica, mas se
o recém-nascido se encontrar instável,
com um quadro clinico de baixo débito
circulatório, é preferível iniciar perfusão
com Prostaglandinas (PGE1) na dose inicial de 0,05 μg/kg/min, e ponderar início
de ventilação assistida.
Transposição simples das grandes
artérias (TGA)
Toda a cianose neonatal refractária
isolada, sobretudo se a radiogradia do
tórax mostra um coração de tamanho
normal, e eventualmente de forma ovoide com pedículo estreito, pressupõe a
suspeita de TGA. O diagnóstico é estabelecido por ecocardiografia (artéria pulmonar emerge do ventrículo esquerdo,
posterior, e a aorta emerge do ventrículo
direito, anterior).
urgências neonatais – mesa redonda
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XX reunião do hospital de crianças maria pia
O diagnóstico deve ser efectuado o
mais precocemente possível, pois a morbilidade e mortalidade dos recém nascidos portadores de TGA, depende da persistência das comunicações fetais entre o
“coração esquerdo” e o “coração direito”,
essencialmente do foramen oval. Nem
sempre a perfusão de PGE1 melhora a situação, pois ao incrementar shunt cruzado
através do canal arterial, aumenta o fluxo
pulmonar, originando edema pulmonar.
Quando o shunt auricular é restritivo, está indicada a átrioseptostomia de
Rashkind de urgência, seguida de correcção cirúrgica nos primeiros 15 dias
de vida, dependendo das lesões associadas.
Malformações obstrutivas direitas
Reunem um grande grupo de cardiopatias, cujos pontos comuns são baixo
débito pulmonar, devido a uma anomalia
obstrutiva presente geralmente ao nível
da válvula pulmonar. O mais grave consiste numa atresia pulmonar, cujo único
fluxo pulmonar depende exclusivamente
da aorta através do canal arterial, o que
explica a deterioração brutal após o nascimento; a reabertura do canal arterial
pela perfusão de PGE1, revela-se com
uma melhoria do quadro clínico.
- Atresia pulmonar com comunicação
interventricular/tetralogia de Fallot (formas
severas): suspeita-se quando a a radiografia do tórax revela uma silhueta cardíaca
em forma de “bota”, com ausência de arco
médio esquerdo, e hipoperfusão vascular
pulmonar; a cianose é intensa, revelando
a necessidade de patência do canal arterial através de perfusão de PGE1, sendo
necessária a realização posterior de anastomose sistémico pulmonar.
- Atresia pulmonar com septo interventricular intacto: se o obstáculo é
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
o orifício pulmonar, a cianose está relacionada com um shunt direito-esquerdo
auricular, a árvore pulmonar é normal, ou
ligeiramente hipoplásica, o ventrículo direito é sempre anormal, com graus variáveis de redução da cavidade e hipertrofia
das suas paredes, condicionando o prognóstico e a terapêutica posterior.
- Estenose pulmonar critica: deverá
ser efectuada valvuloplastia percutânea
da válvula pulmonar, podendo ser necessário prolongar a perfusão de PGE1, ou
mesmo uma anastomose cirúrgica.
- Anomalia de Ebstein (formas severas): Diagnóstico suspeitado com base
numa radiografia do tórax que apresenta
cardiomegalia maciça; a ventilação assistida está indicada e a perfusão de PGE1
é necessária quando o débito pulmonar
está drasticamente diminuido
Shunt direito-esquerdo com
hipertensão pulmonar
Neste 3º grupo de hipoxémia refractária, a cianose deve-se a um shunt direito esquerdo auricular, associado a um
quadro de colapso cardiovascular grave.
- Drenagem venosa anómala pulmonar total bloqueada: O bloqueio à drenagem venosa pulmonar surge nas formas
subdiafragmática, e nas formas supradiafragmáticas com estenose do colector. Manifesta-se nas primeiras horas de
vida, com um quadro de cianose grave, e
distress respiratório por edema pulmonar.
A radiografia do tórax revela um coração
de tamanho normal com estase venosa
pulmonar. A correcção cirúrgica é uma
emergência.
- Síndrome de persistência das resistências vasculares pulmonares elevadas: Deve-se a vasoconstrição arteriolar
pulmonar secundária a uma infecção por
streptococcus tipo B, ou a uma restrição
do leito vascular pulmonar (hérnia diafragmática). Por vezes é primitiva, associada uma hipertrofia muscular arteriolar
pulmonar.
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
CONGESTIVA GRAVE
Definida como um estado fisiopatológico, no qual o músculo cardíaco de
um ou ambos os ventrículos é incapaz
de manter um fluxo sanguíneo adequa-
do às necessidades metabólicas do organismo.
A etiologia pode ser diversa, estando na maioria dos casos associada a
cardiopatias congénitas, com obstrução
ao fluxo sistémico. O reconhecimento do
quadro clínico e a instituição rápida de terapêutica adequada, permite a manutenção das funções vitais, necessária para
posteriormente se proceder à correcção
cirúrgica adequada.
Malformações obstrutivas esquerdas
Compreendem um grupo de malformações que envolve hipoplasia de uma
ou mais estruturas do coração esquerdo,
desde a aurícula ao istmo aórtico. São cardiopatias que dependem da permeabilidade do canal arterial, e em alguns casos do
tamanho da comunicação interauricular.
O tratamento de urgência é médico,
e consiste em, para além das medidas
gerais, na correcção da acidose metabólica, perfusão de prostaglandinas (PGE1),
na dose inicial de 0,05 μg/kg/min. A administração de aminas simpaticomiméticas,
pode ser necessária para melhorar a
contractilidade miocárdica, depois de assegurar a patência do canal arterial, com
a perfusão de PGE1.
- Síndrome de coração esquerdo hipoplásico: todo o débito cardíaco sístémico depende da patência do canal arterial.
É uma emergência nas primeiras horas
de vida, pois o encerramento normal do
canal arterial, compromete a circulação
coronária, originando disfunção ventricular, e aumento do fluxo sanguíneo
pulmonar, o que leva a um quadro de insuficiência cardíaca esquerda, caracterizado por edema pulmonar, e má perfusão
sistémica, A progressiva deterioração da
função cardíaca culmina em choque, com
hipotensão, extremidades frias, taquicardia e acidose metabólica. O tratamento é
cirúrgico, e depende do grau de obstrução, sendo essencial a manutenção das
funções vitais.
- Estenose valvular aórtica crítica:
as formas graves manifestam-se no período neonatal imediato, por um quadro
de falência cárdiocirculatória. Após estabilização do quadro clínico, deverá ser
efectuada dilatação percutânea da válvula aórtica.
- Obstáculos ístimicos aórticos (coarctação da aorta; interrupção do arco
aórtico): neste caso o fluxo coronário encontra-se preservado, mas a irrigação da
porção inferior do corpo depende da patência do canal arterial, que ao encerrar,
leva ao desenvolvimento de um quadro
de acidose progressiva, com distress respiratório, pulsos débeis e oligoanúria.
Malformações com sobrecarga
diastólica
- Cardiopatias com shunts esquerdo-direito: raramente levam à descompensação nos primeiros dias de vida,
devido às resistências arteriolares pulmonares se encontrarem normalmente
elevadas. Existem no entanto excepções, como a persistência do canal arterial no prematuro, o canal aurículo ventricular completo, o truncus arteriosus e
o ventrículo único.
- Fístulas artériovenosas sistémicas: levam geralmente a um quadro de
falência cardíaca neonatal, com cardiomegalia maciça (ICT> 0,75), que se deve
a uma dilatação hipocinética do ventrículo direito. A mais frequente é a fístula artériovenosa cerebral, que revela uma hiperpulsatilidade carotídea, contrastando
com os outros pulsos que se encontram
débeis, assim como a auscultação de um
sopro contínuo presente na fontanela anterior. Mais raramente, são malformações
vasculares hepáticas, sendo no entanto a
mais problemática o córioangioma da placenta, sendo responsável por um quadro
de insuficiência cardíaca neonatal grave,
no qual só se pode compreender o mecanismo através do exame da placenta.
Miocardiopatias neonatais
A falência cárdiocirculatória e a alteração da função ventricular esquerda,
parece por vezes ser primitiva, quando
não se reconhece nenhuma malformação
estrutural, nem uma alteração severa do
ritmo, mas esta pode estar associada a
etiologias múltiplas:
- Filho de mãe diabética: em casos
severos, pode originar hipertrofia miocárdica concêntrica, com cavidades ventriculares virtuais, que leva ao colapso. A
terapêutica consiste em administração de
β-bloqueante, mas geralmente a progres-
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NASCER E CRESCER
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
são é favorável, com regressão completa
em 6-12 semanas.
- Doenças metabólicas: défices de
carnitina; citopatias mitocondriais.
- Isquemia miocárdica: asfixia grave; isquemia miocárdica transitória (sepsis, hipocalcemia, hipoglicemia), origem
anómala da artéria coronária esquerda.
Patologia do pericárdio
Um derrame pericárdico, pode ser
a causa de colapso cardiovascular grave
nos primeiros dias de vida, sendo facilmente suspeitado na radiografia do tórax,
devendo após a confirmação por ecocardiograma, ser rapidamente drenado. As
causas mais frequentes são: a anasarca
fetoplacentária , a pericardite purulenta
secundária a sépsis, o teratoma pericárdico e a perfusão acidental do saco pericárdico através de catéter central.
ALTERAÇÕES GRAVES DO RITMO E
DA CONDUÇÃO
São actualmente reconhecidas facilmente in utero, através da ecocardiografia fetal, sendo algumas tão severas,
que se desenvolve um quadro de anasarca fetoplacentária. Ao nascimento, pode
existir um compromisso hemodinâmico
grave, com colapso cardiovascular.
Taquicardia supraventricular paroxistica (TSVP)
É a arritmia mais frequente no
recém-nascido, sendo a mais habitual
a TSV de reentrada, que envolve uma
via anómala, a qual em 50% dos casos
se deve a pré-excitação ventricular. A
deterioração da função cardíaca surge
quando a TSVP se prolonga, podendo o
recém-nascido desenvolver um quadro
de choque grave.
À auscultação cardíaca, a taquicardia é regular com uma frequência cardíaca de cerca de 300 ppm, como um ruído
de “metralhadora” sem distinção do 1º e
2º som.
O electrocardiograma revela complexos QRS estreitos, e ondas P de difícil
identificação (geralmente negativas em
DII, DIII e aVF).
Terapêutica da crise:
1º Manobras de estimulação vagal –
saco de gelo na face (20’’): tem por
objectivo criar um bloqueio aurículoventricular transitório, por hipertonia
parassimpática, interrompendo o
circuito autoestabelecido.
2º Estimulação vagal química
Adenosina trifosfato (ATP) – corrigir préviamente a acidose
Dose: 50-100 ug/kg/dose: administração EV rápida (solução muito volátel).
3º Cardioversão eléctrica:
0,5-1J/kg (choque sincronizado)
Taquicardia ventricular
É rara, e está na maioria dos casos
associada a estados terminais de doenças sistémicas, a alterações electrolíticas,
hipoxémia grave, síndrome de QT longo.
Quando sustentada deve ser tratada de
imediato (complexos largos, rápidos, sem
onda P precedente). O tratamento consiste em identificar e corrigir os factores
desencadeantes, efectuar choque não
sincronizado: 0,5- 2 J/kg.
Bloqueio aurículoventricular completo
(BAVc)
Quando diagnosticado in- utero,
deve ser programado o parto num centro
onde seja possível, se necessária a colocação de pacemaker.
Em 50% dos casos associado a cardiopatia, geralmente complexa, como a
dupla discordância, sendo o prognóstico
mais reservado. Na maioria dos casos,
quando isolado, está associado a doença
auto-imune materna.
É facilmente reconhecível através
da auscultação cardíaca, com frequências cardíacas de cerca de 50-55 ppm;
quando esta é <50 ppm, e pelo risco de
desenvolver um quadro de insuficiência
cardíaca grave, deve ser ponderado a
colocação de um pace maker definitivo.
urgências neonatais – mesa redonda
S 160
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Quando o diagnóstico é efectuado numa
fase crítica, o tratamento consiste na colocação de pacemaker provisório.
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 158-160
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NASCER E CRESCER
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
Urgências Cirúrgicas Neonatais
M. Luísa Oliveira1
Esta comunicação pretende fazer
uma revisão das patologias do foro cirúrgico mais frequentes no recém-nascido:
os defeitos congénitos da parede abdominal, a hérnia diafragmática congénita, os vários tipos de atrésia do tubo
digestivo, a malrotação intestinal, as
malformações ano-rectais, a enterocolite necrosante, as anomalias do umbigo,
os tumores, as disrafias espinais, a doença de Hirshsprung e o ileo meconeal.
Terminada a introdução apresentam-se
as ocorrências no recém-nascido que,
do ponto de vista da oradora, e tendo
como base a experiência adquirida ao
longo de mais de 20 anos na cirurgia
pediátrica, considera serem verdadeiras
emergências:
- Pneumoperitoneu – por ruptura
gástrica idiopática ou iatrogénica
e a enterocolite necrosante (NEC)
perfurada. O procedimento cirúrgico
para a correcção da NEC depende
fundamentalmente das alterações
necróticas encontradas no intestino
afectado;
- Vólvulo do intestino médio – situação que mais preocupa o cirurgião
pediatra. Necessita de uma laparotomia emergente dado que o risco
de necrose intestinal é elevadíssimo
e a consequente recessão alargada
condiciona um intestino curto, com
todas as implicações futuras que
daí advêm;
- Ruptura amniótica em onfolocelo –
devido à exposição visceral, hipotermia e risco de infecção acrescido;
- Fístula traqueo-esofágica – pode levar a uma distensão gástrica aguda
e poderá ser mandatório a realização de uma gastrostomia com anestesia local na U.C.I.;
- Ruptura de mielomeningocelo – pela
perda de LCR aumento da possibilidade de infecção.
No final tecem-se algumas considerações sobre os meios necessários para um
tratamento rápido, eficaz e humanizado
destas situações de urgência/emergência
cirúrgica neo-natal. Destacam-se a necessidade de se efectuar um estudo exaustivo de todos os aparelhos e sistemas do
recém-nascido, a imperiosidade de uma
avaliação pré-operatória e o despiste de
cardiopatias e malformações congénitas
associadas. O êxito operatório depende de
uma equipa aberta e dialogante, constituída por cirurgião pediatra, neonatologista
e anestesista e de uma equipa de enfermagem coesa, todos com experiência em
recém-nascido portador de malformação
congénita e todos empenhados no sucesso do seu tratamento.
__________
1
Cirurgião Pediatra
urgências neonatais – mesa redonda
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Transporte Neonatal e Pediátrico
Organização e Perspectivas Actuais
Francisco Abecasis1
RESUMO
Os sistemas organizados de transporte neonatal e pediátrico permitem aos
hospitais centrais estender a sua acção
à comunidade de modo a que os doentes beneficiem atempadamente de cuidados especializados habitualmente só
disponíveis após a sua chegada a estes
hospitais. O transporte de um doente envolve riscos e limitações que podem ser
compensados se este for realizado por
pessoal qualificado com recurso a equipamentos adaptados para esse efeito.
Pretende-se com este artigo analisar a situação actual do transporte inter-hospitalar de doente críticos em Pediatria a nível
nacional e internacional, discutir as vantagens e desvantagens de um sistema
de transporte especializado, apresentar
diferentes modelos de organização e por
último defender a criação de um sistema
organizado de transporte inter-hospitalar
pediátrico na Região Sul de Portugal.
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 162-165
INTRODUÇÃO
Todos os médicos estarão envolvidos, em algum momento das suas carreiras, no transporte de um doente. Embora
o transporte de doentes exista desde a
Antiguidade, a medicina de transporte é
uma área relativamente recente dentro
da Pediatria. Em alguns países como os
Estados Unidos da América, o Reino Unido e a Austrália o transporte de crianças
gravemente doentes está totalmente organizado há mais de duas décadas, sendo que em 1995, foi oficialmente criada
__________
1
Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos
– Hospital de Santa Maria
uma secção de Medicina de Transporte
na Academia Americana de Pediatria. O
transporte de doentes pode dividir-se em
três grupos: pré-hospitalar, intra-hospitalar e inter-hospitalar. Em Portugal o transporte pré-hospitalar é assegurado pelo
Instituto Nacional de Emergência Médica
(INEM), organismo que depende do Ministério da Saúde. Quanto ao transporte
inter-hospitalar pediátrico apenas existe
um sistema organizado na Região Centro. O âmbito deste artigo será sobretudo
o transporte inter-hospitalar de doentes
críticos pediátricos, área que consideramos fundamental desenvolver.
ORGANIZAÇÃO DO TRANSPORTE
INTER-HOSPITALAR DE DOENTES
CRÍTICOS EM PEDIATRIA
As crianças que necessitam de cuidados intensivos devem ser tratadas em
unidades próprias, em centros terciários
com recursos técnicos e humanos adequados à gravidade da sua situação. Os
sistemas organizados de transporte interhospitalar pediátrico permitem que os
doentes beneficiem de cuidados especializados antes e durante a transferência
para uma destas unidades.
Vários estudos demonstram que o
transporte de doentes críticos feito por
uma equipa especializada permite reduzir a morbilidade e mortalidade(1-6). Além
dos benefícios óbvios para os doentes,
este tipo de transporte demonstrou ter
uma boa relação custo-benefício(7).
O sistema de transporte deve permitir que os cuidados intensivos se desloquem até ao doente e não o doente até
aos cuidados intensivos. Desta forma as
Unidades de Cuidados Intensivos Pediátricos (UCIP) podem estender a sua
acção à comunidade. O objectivo é que
as condições no transporte sejam iguais
transporte pediátrico – mesa redonda
S 162
XX reunião do hospital de crianças maria pia
ou melhores do que as condições antes
do transporte e nunca piores. Para alcançar este objectivo a equipa de transporte
deve assegurar-se que o doente é estabilizado antes de iniciar o transporte e que
os benefícios da transferência ultrapassam os riscos inerentes à mesma. Este
conceito é o oposto do chamado “scoop
and run” no qual os doentes são transferidos o mais rapidamente possível com
a noção de que a rapidez com que se
chega a um centro especializado é mais
importante do que as condições em que
o doente chega.
Também existem argumentos contra
o uso deste tipo de transporte especializado: custo elevado, limitações à acção
do especialista devido às condições próprias do ambiente do transporte, aumento da morosidade devido à necessidade
de um transporte nos dois sentidos e ao
tempo passado no hospital de origem
a estabilizar o doente(8). No entanto, a
experiência tem mostrado ao longo dos
anos e em vários países que o transporte
especializado melhora os resultados e a
sua inexistência aumenta a mortalidade e
morbilidade(1-7).
A maioria dos sistemas de transporte de doentes críticos em Pediatria está
sediada em hospitais com UCIP. Existem
vários modelos de organização. O transporte pode ser realizado por elementos
que estão a trabalhar na UCIP e que são
libertados das suas funções para procederem ao transporte, por elementos que
estão de prevenção em casa e que são
chamados em caso de necessidade ou
por elementos que estão no hospital dedicados exclusivamente ao transporte.
Cada um destes modelos tem obviamente vantagens e desvantagens em termos
de eficácia, custos e rentabilização de
pessoal(8).
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
Além dos recursos humanos estes
sistemas de transporte requerem outros
elementos: meios de transporte (ambulância, helicóptero), sistema de comunicações, material específico, normas de
actuação bem definidas(9). A equipa de
transporte deve ser totalmente autónoma
e não deve depender do hospital que referencia o doente em termos de material,
fármacos, energia, oxigénio ou outros.
Todo o equipamento deve ser verificado diariamente, antes e depois de cada
transporte, de modo a garantir que não
haja falhas. No Quadro I apresenta-se o
exemplo de uma lista de equipamento utilizado por uma equipa de transporte.
No que diz respeito à ventilação
mecânica durante o transporte também é
necessária uma adaptação às características do mesmo. Podem ser utilizados vários ventiladores. Tem havido um grande
desenvolvimento nesta área e existe já experiência na utilização de modos ventilatórios diversos que vão desde a ventilação
convencional até à de alta frequência(10).
Em relação aos fármacos, existem
também especificidades de armazenamento e administração durante o transporte – refrigeração, prazo de validade,
técnicas de administração em transporte.
Alguns fármacos devem ser preparados
antes do transporte tendo em atenção
a identificação dos mesmos, que deve
ser muito clara, e a sua estabilidade. O
envolvimento de um farmacêutico na
equipa é muito importante(10). Na UCIP,
os medicamentos devem ser guardados
numa zona própria para que não sejam
utilizados para outros fins correndo-se
o risco de não estarem disponíveis para
o transporte. No Quadro II apresenta-se
um exemplo de uma lista de fármacos utilizados por equipas de transporte.
A formação e composição das equipas varia bastante consoante os países e
mesmo dentro de cada país. Pensamos
que deverão respeitar-se alguns princípios básicos: elementos em treino que
não sejam capazes de efectuar com autonomia os cuidados necessários à criança
gravemente doente não devem substituir
elementos experientes; o investimento
em formação melhora o nível dos cuidados prestados; não se deve presumir que
um profissional eficiente numa UCIP será
igualmente eficiente numa ambulância ou
num hospital desconhecido; os elementos
destacados para o transporte não devem
assumir funções que os impeçam de sair
rapidamente da UCIP; a composição da
equipa pode variar consoante o tipo de
transporte e a gravidade da situação(10).
REGIÃO SUL DE PORTUGAL –
PERSPECTIVAS ACTUAIS E FUTURAS
Neste momento, existem Unidades de Cuidados Intensivos Pediátricos
(UCIP) em cinco Hospitais na Região Sul
de Portugal Continental: Hospital Central de Faro, Hospital de Dona Estefânia,
Hospital Fernando Fonseca, Hospital
Garcia de Orta e Hospital de Santa Maria.
É frequente a necessidade de transferência de uma criança gravemente doente
de um Hospital de Nível I ou II para uma
destas unidades. Anualmente são realizados cerca de 250 transportes deste
tipo na Região Sul do País(11).
Na Região Sul do País não está criado um sistema organizado de transporte
inter-hospitalar para doentes críticos em
idade pediátrica. Este transporte é feito,
na maioria das vezes, por uma equipa
do Hospital que envia a criança, em condições pouco adequadas e por pessoal
sem treino específico em transporte.
Num estudo realizado no nosso País em
que foram avaliados 138 transportes de
crianças para uma UCIP, 44% não foram
acompanhadas por médico ou enfermeiro, 7 chegaram à unidade em morte
cerebral e 3 com sequelas neurológicas
graves(12). São, infelizmente, frequentes
as situações em que o estado clínico das
Quadro I - Equipamento específico utilizado no transporte pediátrico(10)
- Incubadora de transporte (doentes < 5Kg) ou maca
- Ventilador, permutadores de calor e humidade, fonte de oxigénio
- Monitorização cardiovascular, pressão arterial (invasiva e não invasiva) e oximetria de pulso, temperatura
- Drenos torácicos e válvulas de Heimlich
- Medidor de glicemia capilar
- Aparelho de gasimetria portátil
- Via aérea (tubos endotraqueais, laringoscópios, insuflador manual, máscaras laríngeas)
- Aspirador portátil
- Misturador de oxigénio/ar com capacidade de entregar FiO2 0,21 a 1 com fluxo até 15 L/min
- Bombas infusoras com capacidade 0,1 mL/h a 999 mL/h
- Cateteres venosos centrais e periféricos, agulhas intra-ósseas e cateteres umbilicais
- Desfibrilhador-cardioversor / pacemaker externo
- Monitorização de pressão intracraniana
- Material para doente traumatizado (talas, ligaduras, colares cervicais)
transporte pediátrico – mesa redonda
XX reunião do hospital de crianças maria pia
S 163
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
crianças piora significativamente durante
o transporte.
Acreditamos que existem vantagens e condições para que seja criado
um sistema de transporte inter-hospitalar
pediátrico na Região Sul.
Por um lado, existe já uma experiência de sucesso na organização do
transporte inter-hospitalar especializado. O Sub-Sistema de Transporte de
Recém-Nascidos de Alto Risco, integrado no INEM e com cobertura nacional,
existe desde 1987 e permite a prestação de socorro de emergência a recémnascidos em situação de risco e prematuros, proporcionando o transporte para
hospitais onde existam unidades de Neonatologia. Anualmente são transportados cerca de 1000 recém-nascidos por
estas equipas em todo o país. Na Região Centro do País a equipa que faz o
transporte de Recém-Nascidos de Alto
Risco assegura também o transporte
inter-hospitalar de doentes em idade
pediátrica que necessitem de cuidados
intensivos.
Por outro lado, o Hospital de Santa
Maria (HSM) reúne condições para organizar este tipo de transporte na Região
Sul para doentes pediátricos: a Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos
(UCIPed) recebe desde 1989 doentes
politraumatizados de toda a Zona Sul do
País e é o Centro de Neurotrauma Pediátrico desde Dezembro de 2002; possui
um serviço de Pediatria com diferenciação em várias sub-especialidades; tem
apoio permanente (24h/dia) de várias especialidades médico-cirúrgicas (cirurgia
plástica, cirurgia vascular, neurocirurgia,
neurorradiologia de diagnóstico e intervenção, oftalmologia, ortopedia, otorrinolaringologia, imagiologia); tem sediada
uma equipa do INEM e possui Heliporto.
A criação de uma parceria entre o
INEM e o HSM poderia tornar possível
a constituição e funcionamento de uma
equipa de transporte de doentes críticos
com idade pediátrica (1 mês-18 anos),
à semelhança do que acontece com o
transporte de recém-nascidos de alto risco. A equipa asseguraria 24 h/dia, todos
os dias do ano, o transporte inter-hospitalar das crianças com necessidade de
cuidados intensivos entre o hospital de
origem e uma Unidade de Cuidados Intensivos na Região Sul de Portugal.
O INEM contribuiria com o fornecimento e manutenção do material permanente e da ambulância com motorista.
O HSM ficaria responsável pelo fornecimento de consumíveis e medicamentos,
assim como pela contratação do médico
e enfermeiro.
Em cada transporte estaria presente
um motorista e uma equipa clínica constituída por um enfermeiro e um médico com
experiência em cuidados intensivos pediátricos. O enfermeiro estaria em regime de
presença física 24 horas por dia (em turnos
de 8 horas) no HSM. Os médicos integrados na equipa assegurariam o transporte
dentro do seu horário normal de trabalho
(dias úteis das 8:30 às 16:30). Fora desse
horário, um médico ficaria em regime de
prevenção. Se o número de transportes o
justificar, este regime poderia ser alterado.
A equipa da UCIPed compromete-se a garantir a disponibilidade da equipa clínica
necessária, através de um sistema de escalas que procurará incluir elementos das
várias Unidades de Cuidados Intensivos
Pediátricos. Seria assegurada a formação
contínua de todos os profissionais que
participassem nas equipas de transporte
e seria feita formação sobre estabilização
de doentes críticos nos Hospitais Distritais
abrangidos.
A activação do transporte seria feita
através do contacto directo entre o Hospital de origem e a equipa do transporte.
Isto permite uma correcta avaliação da
situação de forma a serem planeados os
Quadro II - Grupos de fármacos e fluídos endovenosos utilizados no transporte pediátrico(10)
Fluídos endovenosos
D5%; D10%; Dx5%NaCl 0,3%; Dx5%NaCl 0,45%; Dx5%NaCl 0,9%; NaCl 0,9%; Albumina 5%
Inotrópicos
Dopamina, dobutamina, adrenalina, noradrenalina, milrinona
Emergência
Adrenalina, bicarbonato de sódio, naloxona, lidocaína, amiodarona, atropina, adenosina, gluconato de cálcio, sulfato de magnésio
Intubação
Fentanil, midazolam, ketamina, tiopental, succinilcolina, vecurónio, rocurónio, atropina, propofol, etomidato
Diuréticos
Furosemida
Antibióticos e antivíricos
Ampicilina, gentamicina, ceftriaxone, cefotaxima, cefazolina, aciclovir
Prostaglandinas
Alprostadilo
Asma e laringite
Metilprednisolona ou prednisolona, salbutamol, adrenalina
Anticonvulsivantes
Diazepam, midazolam, fenitoína, fenobarbital
Hipertensão intracraniana
Manitol 20%, cloreto de sódio hipertónico (NaCl 3%)
transporte pediátrico – mesa redonda
S 164
XX reunião do hospital de crianças maria pia
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
cuidados que a criança possa necessitar
quando a equipa chegar ao local. Esta
comunicação também permite transmitir recomendações à equipa que está a
estabilizar o doente no local e contribuir
para uma optimização dos cuidados até
à chegada da equipa de transporte. A
selecção da UCIP de destino seria feita
em função da área do hospital, das vagas
existentes e das necessidades específicas de cada doente.
CONCLUSÕES
Todas as crianças têm o direito de
receber os cuidados adequados à sua situação clínica. Quando tal não é possível
no hospital em que se encontram, deve
ser proporcionada a sua transferência
para um centro especializado nas melhores condições. Não é admissível que essa
transferência piore o nível de cuidados,
sujeitando a criança a um risco acrescido. É fundamental e urgente a criação de
um sistema organizado de transporte de
doentes críticos em idade pediátrica que
cubra todo o território nacional.
PAEDIATRIC EMERGENCY
TRANSPORT – ORGANIZATION AND
CURRENT PERSPECTIVES
ABSTRACT
Programmes of neonatal and paediatric transport allow tertiary hospitals
to extend their action into the community
so that patients benefit from specialized
care that is usually only available after
arrival at these centres. The retrieval of
a patient is associated with risks and
limitations that can be partly compensated if it is done by qualified personnel
with specialized equipments adapted to
the transport environment. In this paper
the national and international context of
interfacility transport of paediatric critically ill patients will be analysed. We will
discuss the advantages and disadvantages of a specialized transport system,
present different models of organization
and suggest the development of an organized interfacility paediatric transport
in the South of Portugal.
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 161-164
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transporte pediátrico – mesa redonda
XX reunião do hospital de crianças maria pia
S 165
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
Alterações do Estado de Consciência
em Idade Pediátrica
Inês Carrilho1
RESUMO
As alterações do estado de consciência constituem uma das principais
emergências neurológicas. É fundamental que o médico saiba reconhecer essas
situações e identificar as principais causas, de modo a poder fazer uma correcta
avaliação clínica e orientar rapidamente a
investigação e o tratamento.
Define-se alteração do estado de
consciência quando a actividade espontânea e a resposta aos estímulos são diferentes do esperado.
Faz-se aqui uma apresentação da abordagem clínica das situações de alteração
do estado de consciência, principais etiologias e tratamento.
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 166-167
INTRODUÇÃO
As alterações do estado de consciência constituem uma das principais
emergências neurológicas. É fundamental que o médico saiba reconhecer essas
situações e identificar as principais causas, de modo a poder fazer uma correcta
avaliação clínica e orientar rapidamente a
investigação e o tratamento.
Em termos práticos fala-se em alteração do estado de consciência quando
a actividade espontânea e a resposta aos
estímulos são diferentes do esperado. A
detecção e quantificação das alterações
do estado de consciência na criança é
mais difícil do que no adulto.
A evolução de um estado de vigília
normal para um estado comatoso pode
ser precedida de estados de aumento da
excitabilidade neuronal (agitação, confu__________
1
Serviço de Neurologia Pediátrica, HMP-CHP
são, alucinações, crises convulsivas, etc.)
ou de estados de diminuição da excitabilidade neuronal (letargia, obnubilação).
Classicamente podemos dividir a diminuição do estado de consciência em:
Letargia – dificuldade em manter o
estado de vigília
Obnubilação – responde (desperta)
com estímulos não dolorosos.
Estupor – só desperta com a dor.
Coma – não desperta com a estimulação dolorosa.
Perante uma criança com alterações
agudas de comportamento do tipo delírio,
devemos pensar que podemos estar perante uma encefalopatia orgânica com
atingimento difuso de ambos os hemisférios cerebrais (tóxica, metabólica…).
Estas situações requerem uma avaliação
urgente pois podem evoluir para uma deterioração do estado de consciência se
não tratadas atempadamente.
Apresenta-se de seguida como deve
ser feita a abordagem clínica das situações de alteração do estado de consciência, principais etiologias e tratamentos.
ABORDAGEM CLÍNICA DAS ALTERAÇÕES DO ESTADO DE CONSCIÊNCIA
Na abordagem das situações de
hiperexcitabilidade neuronal como por
exemplo o delírio, a história clínica é fundamental para tentar identificar factores
que podem ter desencadeado o quadro,
exposição a tóxicos/drogas, saber se há
história familiar de enxaqueca ou de epilepsia, se houve recentemente episódios
infecciosos, doenças sistémicas, etc. As
crises epilépticas podem ser a causa do
quadro confusional ou fazer parte da encefalopatia. Não é possível diferenciar o
delírio resultante de uma doença banal
auto-limitada, de uma doença grave que
pode ser fatal.
urgências médicas – mesa redonda
S 166
XX reunião do hospital de crianças maria pia
No exame objectivo é fundamental
procurar sinais de traumatismo, sinais de
infecção do SNC, marcas de injecções
(drogas de abuso), sintomatologia cardíaca, observar o tamanho das pupilas,
simetria e reacção à luz.
A investigação deve ser dirigida
pensando nas principais causas prováveis para a alteração do estado de consciência, com base na história e no exame
objectivo. O EEG pode ser útil nos estados confusionais (é geralmente normal
nos quadros psiquiátricos, apresenta alterações nas encefalopatias orgânicas).
Na abordagem nas situações de
diminuição da excitabilidade neuronal
como a letargia e coma, o exame objectivo deve ser dirigido no sentido de determinar o local anatómico das alterações
cerebrais (alteração difusa? ou multifocal?) e determinar a sua etiologia.
Os estados de letargia e obnubilação estão relacionados com uma depressão moderada da função dos hemisférios
cerebrais. Os estados de estupor e coma
estão relacionados com disfunção hemisférica mais extensa ou atingimento das
estruturas diencefálicas e parte superior
do tronco cerebral
Os aspectos mais importantes que
devemos avaliar são: 1-Estado de consciência, 2-Padrão respiratório, 3-Tamanho e reacção das pupilas, 4- Movimentos oculares, 5-Resposta motora.
A escala de coma pediátrico deve
ser usada em todas as situações com
risco de depressão da função cerebral:
TCE, infecções do SNC, estado de mal
epiléptico, descompensações metabólicas, falência hepática, falência renal, encefalopatia hipertensiva, etc.
Após estabilização do doente devemos tentar obter uma imagem cerebral,
se esta não esclarecer a etiologia deve-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
mos efectuar uma punção lombar com
medição da pressão do líquor. O estudo
analítico é fundamental para identificar
situações de acidose, hipo/hiperglicemia,
hipo/hipernatrémia, falência hepática/renal, anemia hemolítica, etc.
PRINCIPAIS ETIOLOGIAS E TRATAMENTO DAS ALTERAÇÕES DO ESTADO DE CONSCIÊNCIA
Relativamente às etiologias das alterações do estado de consciência, podem
ser as mais variadas: Infecciosas/pós infecciosas; Tóxicas; Metabólicas; Doenças
sistémicas; Situações Hipóxico-Isquémicas; Vasculares; TCE, Epilepsia etc.
Quando o quadro de alteração do
estado de consciência tem um padrão
recorrente devemos pensar em algumas
etiologias, que podem ser frequentes
como a enxaqueca e a epilepsia, ou situações mais raras como alguns quadros
metabólicos e endócrinos. Nunca devem
ser esquecidos os quadros de toxicidade
por drogas. A maioria das causas metabólicas são desencadeadas por quadros
infecciosos e situações de jejum prolongado e o quadro de alteração do estado
de consciência geralmente surge de forma sub aguda.
As situações infecciosas como
as meningites e encefalites devem ser
sempre consideradas dado terem um
tratamento específico, e se não tratadas
precocemente podem ter uma evolução
desfavorável. A Encefalomielite aguda
disseminada (ADEM) tem também um
tratamento específico, devendo ser diagnosticada precocemente. O diagnóstico
clínico pode ser difícil se não pensarmos
nessa possibilidade, a RMN faz o diagnóstico.
As situações relacionadas com TCE
geralmente são fáceis de identificar pela
história e exame objectivo.
Relativamente aos tóxicos, nos adolescentes não esquecer a possibilidade
de intoxicação alcoólica e consumo de
drogas. Alguns fármacos podem dar alteração do estado de consciência por reacção idiossincrática (etosuximida, barbitúricos, antihistamínicos, corticoides, aminofilina, propranolol, etc. ) é importante
nestas situações a colheita de uma boa
história clínica.
O tratamento das alterações do
estado de consciência, como em todas
as situações de urgência, passa primeiro pela estabilização do doente (vias
aéreas, respiração, circulação), rápida
correcção de hipoglicemia que possa
existir e se há depressão respiratória
administrar Naloxona. Após estabilização o tratamento deve ser sempre dirigido à causa da alteração do estado de
consciência, pensar prioritariamente nas
situações tratáveis!
CONCLUSÃO
As situações de alteração do estado
de consciência podem ter as mais variadas causas e será impossível o médico
estar familiarizado com todas elas. Após
esta apresentação pretende-se que sejam capazes de identificar as principais
etiologias e saber como distinguir as de
causa médica das de causa estrutural,
como avaliar rapidamente no SU uma
criança com alteração do estado de consciência, como orientar a investigação, reconhecer as situações em que a imagem
de RMN cerebral poderá ser fundamental
e finalmente ter um esquema organizado
de orientação terapêutica.
ALTERED STATES OF
CONSCIOUSNESS
ABSTRACT
Alterations in the state of consciousness are a frequent neurological emergency. Doctors should be able to recognise these situations and identify the
common causes of altered level of consciousness in order to develop a plan for
evaluate and treat correctly.
We define alterations of the level of
consciousness when spontaneous activity
and responses to environmental stimuli differ from those expected by the examiner.
The authors present the main aetiologies, the diagnostic approach and
treatment.
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 166-167
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urgências médicas – mesa redonda
XX reunião do hospital de crianças maria pia
S 167
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revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
Urgências Psiquiátricas na Adolescência
Otília Queirós1
RESUMO
Procedeu-se à revisão dos episódios de urgência pedopsiquiátrica ocorridos entre Julho de 2007 e Junho de
2008; foram identificados 975 episódios
de urgência, o que corresponde a um aumento de 49,7% quando comparado com
um estudo efectuado em 1997, sendo
esse aumento atribuível a um acréscimo
de episódios em adolescentes.
Do total de 975 episódios de urgência consultados, 741 (76%) correspondiam a adolescentes (entre os 12 e os
18 anos), sendo esta a amostra que foi
analisada.
Entre os adolescentes foi o sexo feminino e a faixa etária entre os 14 e os 17
anos quem mais procurou a urgência de
Pedopsiquiatria. Os motivos de urgência
mais frequentes foram os comportamentos suicidários e as alterações do comportamento. As perturbações da adaptação, as perturbações depressivas e as de
ansiedade foram os quadros psiquiátricos
mais diagnosticados.
A maioria dos comportamentos suicidários correspondeu a ingestões medicamentosas que são mais frequentes no
sexo feminino e estão associadas a uma
elevada frequência de perturbações da
adaptação e de quadros depressivos. As
alterações do comportamento são ligeiramente mais frequentes no sexo masculino e associam-se a uma grande variedade de diagnósticos.
Neste artigo são ainda revistos alguns aspectos relativos à abordagem de
adolescentes com perturbação psiquiátrica, incluindo os que se apresentam com
quadros de agitação e agressividade.
__________
1
Pedopsiquiatra do Departamento de
Pedopsiquiatria do HMP- CHP
Palavras-Chave: Adolescência; Urgência; Psiquiatria.
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 168-172
INTRODUÇÃO
Uma série de estudos tem relatado
um aumento das urgências pedopsiquiátricas e um maior número de crianças e
adolescentes que recorrem as urgências
pediátricas devido a problemas psiquiátricos(1,2,6); alguns desses estudos(1) apontam para um aumento dos episódios de
urgência, mas sem que se verifique um
aumento das situações consideradas
verdadeiramente urgentes, tais como
tentativas de suicídio, auto-agressões e
psicoses; em vez disso os diagnósticos
mais prevalentes foram o abuso de substâncias, as perturbações de ansiedade e
as perturbações da conduta.
O Serviço de Urgência de Pedopsiquiatria do Hospital Maria Pia teve início
em 1992, tendo desde então sofrido várias reestruturações funcionais; inicialmente integrado na Urgência Pediátrica
do Hospital Maria Pia, desde Outubro de
2006, data em que foi renomeado Unidade de Atendimento Urgente (U.A.U.),
que funciona nas instalações deste Departamento, encontrando-se isolado das
outras especialidades e tendo passado a
receber unicamente doentes referenciados por outras Urgências Hospitalares ou
por Consultas de Pedopsiquiatria de outros Hospitais, permitindo apenas o acesso directo a doentes que se encontrem
em seguimento no Departamento.
Trata-se da única urgência pedopsiquiátrica existente no Norte do Pais,
e como tal assegura o atendimento urgente de casos provenientes dessa área
geográfica recebendo também varias situações provenientes da região Centro
urgências médicas – mesa redonda
S 168
XX reunião do hospital de crianças maria pia
(sobretudo dos Concelhos que se encontram geograficamente mais próximos e
com maior facilidade de acesso ao Porto). Funciona das 8 às 20 horas, todos os
dias, e atende crianças e jovens até aos
18 anos.
Um grande número das situações
observadas na nossa urgência ocorre em
adolescentes. Durante a adolescência
regista-se um aumento da conflitualidade
com os pais, alterações do humor ou comportamentos de risco (consumo de álcool
e drogas, envolvimento em actividades delinquentes, sexo não protegido, tentativas
de suicídio) que são uma causa importante de morbilidade e mortalidade(3), e que
podem motivar uma procura acrescida de
cuidados psiquiátricos urgentes.
Com o objectivo de melhor caracterizar as situações que conduzem os adolescentes à urgência de pedopsiquiatria
procedeu-se à revisão dos episódios de
urgência relativos a jovens entre os 12 e
os 18 anos que, durante o período de um
ano, foram observados na U.A.U.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram consultados os episódios de
urgência ocorridos durante o período de
12 meses (de Julho de 2007 a Junho de
2008) e seleccionados os que correspondiam a adolescentes (entre os 12 e os 18
anos).
De um total de 975 episódios de
urgência que foi possível consultar constatou-se que 741 (76%) correspondiam a
jovens de idades situadas entre os 12 e
os 18 anos, sendo esta a amostra que foi
objecto de análise.
Além da caracterização por sexo e
idade foi averiguado o motivo de recurso à urgência, o diagnóstico provisório aí
atribuído, assim como o encaminhamento proposto.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
140
120
número de episódios
RESULTADOS
Esta amostra é constituída maioritariamente pelo sexo feminino (515 casos,
o que corresponde a 69,5 %) e em termos
de idades constata-se que foi entre os 14
e os 17 anos que se registou um maior
número de episódios de urgência, tendo
sido sobretudo o sexo feminino que contribuiu para este acréscimo uma vez que
no sexo masculino a afluência permaneceu relativamente estável durante a faixa
etária em estudo (Figura 1).
Os motivos de urgência (Quadro I)
foram variados constatando-se um predomínio de comportamentos suicidários,
logo seguidos pelas alterações comportamentais; no seu conjunto estas situações
constituíram 51% do total de episódios de
urgência.
Outros motivos com uma representação ainda significativa nesta amostra
foram a sintomatologia ansiosa e depressiva, as queixas somáticas, a ideação
suicida, as auto-mutilações e as alterações do sono; a sintomatologia psicótica
(delírios, alucinações, acompanhados ou
não de estados de agitação psicomotora)
constituiu apenas 1,7% dos motivos de
urgência.
Os diagnósticos atribuídos na urgência (Quadro II) têm um carácter necessariamente provisório e como tal
são muitas vezes revistos na sequência
de acompanhamentos posteriores; eles
revestem-se essencialmente de um carácter operacional, sendo importantes na
determinação da orientação terapêutica.
Em 38 casos (5,1%) não foi, no entanto,
possível definir um diagnóstico provisório
(tendo sido consideradas situações “em
estudo”). Nos restantes realça-se a frequência de perturbações da adaptação,
assim como as perturbações do humor e
as perturbações de ansiedade.
Relativamente à orientação proposta
após observação na urgência, 122 casos
(16,5%) foram internados e 84 (11,3%)
orientados para a Consulta de Crise na
Adolescência (trata-se de uma consulta
diferenciada destinada ao atendimento
de situações observadas na urgência pedopsiquiátrica e consideradas em crise,
mas para as quais não se justifica o internamento; atende unicamente adolescentes residentes na área de atendimento do
100
80
Fem
60
Masc
40
20
0
12
13
14
15
idade
16
17
18
Figura 1 – Distribuição dos episódios de urgência na adolescência mediante o sexo e idade
Quadro I – Motivos de Urgência
Motivo de Urgência
Total
Sexo
feminino
Sexo
masculino
n
%
Comportamentos suicidários
163
31
194
26,2%
Alterações do comportamento
86
98
184
24,8%
Sintomatologia ansiosa
53
29
82
11%
Sintomatologia depressiva
42
10
52
7%
Queixas somáticas
38
14
52
7%
Ideação Suicida
28
3
31
4,2%
Auto-mutilações
23
2
25
3,4%
Alterações do sono
10
11
21
2,8%
Perturbações do comp. alimentar
16
0
16
2,2%
Sintomatologia psicótica
6
7
13
1,7%
Outros
50
21
71
9,6%
Quadro II – Diagnósticos
Diagnóstico Provisório
n
%
Perturbações da Adaptação
211
28,5%
Perturbação Depressiva
111
14%
Perturbações de Ansiedade
96
13%
Perturbação da Conduta
43
5,8%
Atraso Mental
35
4,7%
Perturbação Psicótica
26
3,5%
Perturbação do Comportamento Alimentar
26
3,5%
Perturbação do Humor S.O.E.
26
3,5%
Perturbação Emocional e do Comportamento
26
3,5%
Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção
14
1,9%
Sem diagnóstico atribuído (“em estudo”)
38
5,1%
Outros
89
12%
urgências médicas – mesa redonda
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S 169
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Departamento). A maioria das restantes
situações foi orientada directamente para
a Consulta Externa de Pedopsiquiatria
do Departamento ou de outros Hospitais
(conforme a área de residência do adolescente).
Uma análise mais detalhada dos
motivos de urgência mais frequentes na
adolescência permite constatar que, no
que diz respeito aos comportamentos
suicidários estes consistiram essencialmente em ingestões medicamentosas
(183 casos), tendo-se apenas registado
11 tentativas de suicídio em que foram
utilizados outros métodos.
A grande maioria das ingestões
medicamentosas (84%) foi efectuada
por adolescentes do sexo feminino, sendo que foi aos 15 e aos 16 anos que se
registou o maior número de casos (103
casos).
A avaliação diagnóstica das ingestões medicamentosas concluiu pela existência de perturbações de adaptação em
100 casos (54,6%), perturbações depressivas em 40 adolescentes (21,9%), tendo
aos restantes sido atribuídos diversos
diagnósticos; em 15 casos (8,2%) não foi
possível definir um diagnóstico provisório. Dos adolescentes que tinham efectuado ingestões medicamentosas 42 (23
%) necessitaram de internamento e 34
(18,6%) foram orientados para a consulta
de crise.
Em relação às alterações do comportamento constatou-se que, contrariando a tendência geral na adolescência, o
número de rapazes foi ligeiramente superior ao das raparigas.
A nível de diagnóstico constatou-se
uma grande variedade de situações sendo as mais representativas as perturbações da conduta, logo seguidas das perturbações de adaptação e atraso mental;
de referir que 7 adolescentes apresentavam um quadro psicótico (Quadro III).
de atendimento, atendimento ou não de
casos não referenciados) também podem
condicionar o número de casos anualmente observados na urgência pedopsiquiátrica.
No entanto, se comparamos os dados deste estudo com o de um outro efectuado neste Departamento há 11 anos(5),
constata-se um aumento de 49,7% (975
no estudo actual, 651 casos no estudo de
1997) no número total de episódios de
urgência; de referir que no estudo actual não foi possível consultar a totalidade
dos registos de urgência efectuados, e
que embora em 1997 o atendimento se
restringisse aos dias úteis era, por outro
lado, permitido o acesso directo por parte
dos utentes à urgência de Pedopsiquiatria, situação que actualmente não se verifica. Assim, este aumento é consistente
com estudos efectuados noutros países e
que apontam para uma maior procura de
cuidados urgentes pedopsiquiátricos(1,2,6).
Comparando os 2 estudos, no que
concerne à distribuição etária, constatase que no estudo de 1997, 57,4% dos casos correspondiam a doentes entre os 11
e os 18 anos, enquanto no estudo actual
76% correspondiam a adolescentes entre
os 12 e os 18 anos. Estes dados permitem-nos deduzir que terá sido particularmente a nível da população adolescente
Quadro III – Diagnósticos atribuídos às alterações do comportamento
Diagnóstico atribuído às Alterações do Comportamento
n
(%)
Perturbação da Conduta
35
19%
Perturbações da Adaptação
34
18,5%
Atraso Mental
32
17,4%
Pert. Emocional e do Comportamento
11
6%
Pert. Hiperactividade e Défice de Atenção
10
5,4%
Perturbação do Humor S.O.E
9
4,8%
Pert. Invasivas do Desenvolvimento
7
3,8%
Perturbação depressiva
7
3,8%
Perturbação psicótica
7
3,8%
Sem diagnóstico (em estudo)
10
5,4%
Outras
22
11,9%
DISCUSSÃO
No nosso Departamento não dispomos de estatísticas fiáveis que nos permitam estudar as tendências de procura
da urgência pedopsiquiátrica ao longo do
tempo; por outro lado as várias alterações funcionais que têm sido efectuadas
nos últimos anos (alterações no horário
urgências médicas – mesa redonda
S 170
que se verificou um aumento do número
de episódios de urgência.
Em relação aos motivos de urgência na adolescência constata-se que os
ataques ao corpo e os comportamentos
agidos constituem a via preferencial de
expressão do sofrimento psíquico do
adolescente em situação de crise.
Neste estudo os comportamentos e
as situações de risco auto-lesivo (comportamentos suicidários, auto-mutilações,
ideação suicida) foram predominantes
entre os motivos de urgência, justificando, na sua globalidade, cerca de 1/3 (250
casos) dos episódios de urgência. Tal
como se verifica noutros estudos(4) foi no
sexo feminino que estas situações preponderaram.
Pela sua frequência, e o risco que
comportam, as ingestões medicamentosas constituem uma situação preocupante; embora a grande maioria corresponda a condutas parassuicidárias
(ou seja, não são perpetradas com uma
consistente intenção suicida), há que ter
em conta que, contrariamente ao que
se verifica em adultos, nos adolescentes não existe uma nítida relação entre
a letalidade médica de uma tentativa e
a intenção suicida(1); adolescentes mais
jovens podem não ter uma consciência
clara dos efeitos do seu gesto mas não
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
quer dizer que não tenham intenção; por
outro lado a impulsividade é um importante factor de risco de suicidalidade e
grande parte das ingestões medicamentosas na adolescência reveste-se de um
carácter marcadamente impulsivo, em
que a avaliação da eventual letalidade
não é tida em conta.
As alterações do comportamento,
tal como documentado noutros estudos(4)
são mais frequentes no sexo masculino
e tendem a ter maior expressividade em
idades mais jovens.
Os padrões disruptivos de comportamento têm uma causalidade multideterminada, desenvolvendo-se a partir de
interacções complexas entre o temperamento do adolescente e o ambiente; factores psicológicos e sociais e processos
neurobiológicos influenciam o seu aparecimento6. Adolescentes provenientes
de ambientes familiares pouco estruturados, caóticos ou violentos podem reagir
agressivamente a situações de stress ou
confronto.
Neste estudo constatou-se que as
alterações do comportamento correspondiam a uma grande variedade de
diagnósticos, o que vai ao encontro da literatura(6); de facto as alterações do comportamento podem surgir num grande espectro de condições psiquiátricas, sendo
importante estabelecer um diagnóstico
que oriente o plano terapêutico.
Um importante factor de risco para
o aparecimento de alterações do comportamento e crises de agressividade é a
existência de dificuldades no controle de
impulsos(6); a impulsividade é um sintoma
comum a diferentes quadros psiquiátricos que também foram identificados neste estudo (perturbação de hiperactividade
e défice de atenção, mania, perturbação
da conduta, atraso mental, autismo e
outras perturbações invasivas do desenvolvimento); os estados psicóticos especialmente os caracterizados por mania,
conteúdos paranóides ou alucinações de
comando também se associam a comportamentos agressivos.
O uso de drogas é também um precipitante de comportamentos disruptivos
e agressivos, quer pela diminuição do
discernimento, aumento da irritabilidade
e desinibição comportamental que pro-
vocam, como pela exposição a situações
potencialmente ameaçadoras6. Embora
neste estudo raramente tenha constituído o diagnóstico primário ou o principal
motivo de urgência, o consumo de drogas é frequentemente constatado em
adolescentes que se apresentam com
alterações do comportamento.
A grande frequência de perturbações da adaptação diagnosticadas na
globalidade dos adolescentes que recorreram à urgência atesta o forte contributo
de factores de natureza ambiental (relacional, familiar, escolar, social) para o
aparecimento de situações de desequilíbrio emocional e comportamental nestas
idades.
ABORDAGEM DO ADOLESCENTE
COM PROBLEMAS PSIQUIÁTRICOS
NO SERVIÇO DE URGÊNCIA
Na avaliação psiquiátrica parte-se
do princípio que foi feita uma avaliação
médica e excluídas causas orgânicas
subjacentes aos sintomas psiquiátricos;
doenças somáticas que se apresentam
com sintomas psiquiátricos ou complicações médicas que resultam do consumo
de substâncias têm de ser sempre tidas
em conta(1). Estados tóxico-metabólicos
resultantes de intoxicações ou provocados por fármacos, encefalopatias ou doenças médicas podem provocar delirium
com comportamento desorganizado ou
agressivo; problemas neurológicos como
estados pós-concussionais, lesões do
lobo frontal e epilepsia do lobo temporal
associam-se a irritabilidade e crises de
agressividade(6).
A avaliação de uma urgência psiquiátrica implica conduzir uma concisa,
embora detalhada, entrevista clínica e a
capacidade de diferenciar uma verdadeira emergência de uma “crise” assim definida pela família. Uma emergência é uma
“situação de início relativamente abrupto
na qual existe risco eminente para o próprio ou terceiros, nomeadamente: 1-risco
de suicídio; 2-risco de lesão física de terceiros; 3- estados de sério compromisso
do juízo crítico no qual o individuo sofre
perigo; ou 4- situações de risco para uma
vítima indefesa”(1).
As urgências pedopsiquiátricas são
sobretudo o resultado de processos com-
plexos que se desenvolvem gradualmente ao longo do tempo mais do que eventos súbitos e isolados(6); ocasionalmente
um adolescente com uma vulnerabilidade
particular pode descompensar psiquiatricamente de forma abrupta na presença
de algum evento traumático ou processo
orgânico; o mais frequente é, no entanto, que os sintomas emocionais e comportamentais que levam o adolescente à
urgência sejam o corolário de uma longa
história de dificuldades emocionais ou
comportamentais.
Ao contrário do que sucede em
adultos, são normalmente os pais ou cuidadores quem etiqueta a situação como
“crise” ou identifica a necessidade de cuidados urgentes. O adulto pode sentir-se
ultrapassado na sua capacidade para lidar com o comportamento do adolescente ou pode interpreta-lo como perigoso
ou inapropriado; ou seja, por vezes não
é o comportamento do adolescente em
si mas a interpretação do adulto cuidador que é significante. É papel do médico
avaliar se está perante uma verdadeira
urgência, determinar se o comportamento do adolescente representa uma mudança no seu funcionamento habitual e
se é clinicamente relevante, ou se é uma
reacção a um ambiente específico ou cuidador(1).
Embora os adolescentes venham
habitualmente acompanhados à urgência, é recomendável que eles sejam ouvidos sozinhos para que não se sintam
ignorados; esta atitude veicula a mensagem de que eles vão ser incluídos na
avaliação e, se apropriado, na tomada de
decisões. Entrevistar exaustivamente um
adolescente em frente aos pais irá resultar, provavelmente, na minimização dos
seus sintomas e / ou comportamentos de
risco (como actividade sexual, consumo
de drogas, ideação suicida) e, portanto,
deve ser evitada(1). Os pais e outros informadores deverão ser ouvidos num segundo tempo.
Muitos adolescentes não vêm à urgência por sua vontade e podem considerar a avaliação psiquiátrica como um
castigo por algo que fizeram ou podem
ter algumas fantasias sobre o papel do
clínico: que lhe vai dar uma “lição de
moral”, ou que se vão ter uma entrevista
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S 171
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psiquiátrica é porque estão loucos; todas
estas questões devem ser abordadas directa e indirectamente para que uma entrevista tenha sucesso.
Os adolescentes que recorrem à
urgência podem ser violentos, agitados
e opositivos, particularmente se foram
trazidos contra a sua vontade, ou se não
estão de acordo em como se apresentam
em crise(1).
Perante um adolescente agitado ou
agressivo a primeira prioridade é a segurança: do paciente e dos outros, incluindo
a do médico. O médico nunca deve ficar
isolado com um doente agressivo sem
que tenha a possibilidade de rapidamente mobilizar ajuda; deve colocar-se entre
o doente e a porta de modo a poder ter
uma saída desobstruída por onde possa
rapidamente colocar-se a salvo; o espaço de entrevista também não poderá ter
instrumentos cortantes, cordas ou outros
objectos perigosos, incluindo equipamento médico(6).
Na entrevista com estes doentes
deve ser colocada a ênfase numa abordagem calma, não ameaçadora, usando
uma comunicação clara e definindo os
limites. Nos casos de doentes gravemente agitados ou psicóticos pode ser
necessário recorrer à contenção física e
/ou química; entende-se por contenção
química a “medicação usada para controlo comportamental ou para restringir a
liberdade ou movimentos de um paciente e que não é o tratamento específico
para a condição médica ou psiquiátrica
do doente”(1).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os problemas psiquiátricos são uma
das principais causas de morbilidade na
adolescência e podem estar na origem
de situações que requerem um atendimento urgente.
A urgência pedopsiquiátrica deverá
estar, idealmente, integrada numa Urgência Geral onde exista a possibilidade de
articulação com outras especialidades
(nomeadamente a Pediatria) e de apoio
do Serviço Social. Deve, no entanto, dispor de um espaço de atendimento próprio, preparado de forma a garantir as
necessárias condições de privacidade e
segurança, e ter apoio de enfermagem
com experiência em lidar com casos psiquiátricos.
A urgência pedopsiquiátrica deve
estar englobada numa rede integrada
de cuidados de Saúde Mental Infantil e
Juvenil que, em articulação com as Comissões de Protecção de Crianças e
Jovens, Segurança Social e Tribunais
de Menores, tenha capacidade para proporcionar atempadamente uma resposta
adequada para as situações de crise que
se apresentam na Urgência de modo a
evitar repetidos recursos aos Serviços de
Urgência ou internamentos desnecessários e inapropriados.
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 168-172
BIBLIOGRAFIA
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urgências médicas – mesa redonda
S 172
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Thomas LE, King RA. Child and Adolescent Psychiatric Emergencies in
M. Lewis (ed.) Child and Adolescent
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Md: Williams & Wilkins.
CORRESPONDÊNCIA
Departamento de Pedopsiquiatria
(sito no Magalhães de Lemos)
Rua Professor Álvaro Rodrigues
4149 – 003 PORTO
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Mastoidite Aguda
Teresa Soares1
mastoidite por contiguidade da inflamação através da mucosa(9).
Este tipo de mastoidite, com evidências radiológicas de colecção ou espessamento da mucosa das células pneumatizadas da mastóide, não constitui uma
mastoidite clínica, visto resolver-se com
a cura da otite.
A persistência da infecção na mastóide constitui sim, uma complicação, que
pode assumir diversas formas(9):
RESUMO
A mastoidite aguda é a complicação
intratemporal mais frequente da Otite Média Aguda e continua a ser uma infecção
grave. A sua incidência diminuíu após a
introdução da terapêutica antibiótica, no
entanto, a morbilidade e a mortalidade continuam sendo significativas.
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 173-176
INTRODUÇÃO
Uma das doenças mais prevalentes,
sobretudo na infância, é a Otite Média.
As complicações resultantes desta doença, apesar de pouco frequentes,
podem apresentar índices elevados de
morbi-mortalidade, especialmente se envolverem o Sistema Nervoso Central(3).
A complicação mais frequente no
decurso da Otite Média Aguda (OMA) é a
MASTOIDITE AGUDA, que se manifesta
habitualmente na criança(6) (Figura 1).
A incidência desta complicação diminuiu notavelmente nos últimos anos ,
devido à terapêutica antibiótica precoce
da OMA(7).
Na era pré-antibiótica detectava-se
em 20% dos casos(3). Actualmente, estima-se uma incidência entre os 0,2% e os
2% nos países industrializados.(8,13,14)
Estudos recentes parecem, no entanto, demonstrar um aumento desta incidência, afectando principalmente crianças com menos de 2 anos de idade(3) e
que mesmo com uso de antibioterapia
esta patologia persiste, sendo responsável por morbilidade significativa e passível de complicações.
__________
1
ORL Hospital Maria Pia / CHP
Figura 1
Este fenómeno pode ser explicado
pelo aumento de resistência aos antibióticos (50 a 100% estavam a usar algum
tipo de antibiótico antes do diagnóstico de
mastoidite aguda) , ao uso indiscriminado
dos mesmos (seja na dose, duração ou
escolha), e ao risco aumentado de OMA
recorrente com a frequência precoce de
infantários(3).
PATOGENIA
A progressão de Otite Média Aguda
até um quadro de mastoidite coalescente, percorre etapas bem estabelecidas
podendo, no entanto, resolver-se em certas fases intermédias(3).
Dada a continuidade anatómica entre o ouvido médio e a mastóide, sempre
que há uma Otite Média Aguda ou uma
otite média com ou sem efusão, há uma
A - Mastoidite Coalescente – existe
destruição das trabéculas ósseas
mastoideas, transformando a mastóide numa cavidade única.
Esta infecção pode estender-se (Figura 2) para :
- Região Retroauricular, originando
um abcesso localizado atrás do
pavilhão , empurrando-o antrolateralmente.
Pode haver ruptura e drenagem
espontânea com fistula retro-auricular.
- Triângulo Posterior Cervical, através do apex mastoideo, dando
origem ao Abcesso de Bezold .
- Raíz da apófise zigomática, (se
está pneumatizada), dando origem ao Abcesso préauricular ou
Abcesso Zigomático .
- Apex petroso, (se está pneumatizado), dando origem a uma Petrosite.
- Labirinto, dando origem a uma Labirintite difusa
- Seio lateral, originando uma Tromboflebite do seio lateral
- Endocraneo, (Meningite, abcesso
do lóbulo temporal ou do cerebelo)
- Trompa de Eustáquio ( Paralisia
facial)
urgências cirúrgicas – mesa redonda
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S 173
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
recimento da hipertermia) é também
significativo.
O doente, geralmente, apresenta :
- Otalgia
- Febre
- Dor na palpação mastoidea (ou dor
retroauricular persistente ou recorrente)
- Proptose auricular
- Eritema e desaparecimento do sulco retroauricular.
- Na otoscopia observa-se uma membrana timpânica inflamada e espessada, mas também pode estar perfurada ,com saída de otorreia mucopurulenta. Pode também verificar-se
a descida da parede posterosuperior
do canal auditivo externo.
B - Mastoidite Latente – a inflamação
persiste na mastóide apesar da
aparente resolução do processo no
ouvido médio. A TAC revela opacificação das células mastoideas com
conservação das trabéculas ósseas, logo, sem osteite.
C - Mastoidite Crónica – acompanha
a otite média crónica, revelando a
TAC osteite, granuloma de colesterol, ou colesteatoma.
A - Anamnese / B - Exame físico do
doente
O diagnóstico é essencialmente
clínico. O registo de antecedentes de
Otite Média Aguda de repetição surge
em aproximadamente 50% das crianças.
O relato de Otite Média Aguda
que persiste ou se agrava (intensificação da otalgia, da hipoacusia ou reapa
(Na mastoidite clássica a protusão
auricular e a celulite retroauricular são essenciais para o diagnóstico. Em 80 a 100%
dos casos existe edema retroauricular)(3)
- Se existe um abcesso subperióstio
(Figuras 3 e 4):
Tumefacção mole sobre a mastóide
que pode ter eritema.
Desaparecimento do sulco retroauricular.
Empurramento lateral do pavilhão
auricular.
Dor intensa à pressão retroauricular.
- Se existe um abcesso de Bezold:
Tumefacção dolorosa das partes
moles da face lateral do pescoço
com torcicolo antiálgico.
(B e C ultrapassam o âmbito deste trabalho)
Os factores que favorecem a evolução para Mastoidite são(7):
- Bloqueio da drenagem das secreções na mastóide
- Virulência do microorganismo
- Resistência do hospedeiro
- Tratamento pouco criterioso da Otite Média Aguda.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de mastoidite aguda
é feito com base em:
A - Anamnese
B - Exame físico do doente
C - Evidências radiológicas da TAC
Figura 3
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Figura 4
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- Se existe um abcesso zigomático
Edema palpebral
Tumefacção e dor à pressão da região préauricular
- Petrosite
Cefaleia profunda
Sinais meníngeos
- Se existe um Síndrome de Gradenigo:
Paralisia dos oculomotores com
neuralgia facial e sintomatologia
ótica
C - Evidências radiológicas da TAC
Áreas de erosão óssea mastoidea
com perda de septação
Níveis hidroaéreos nas células mastoideas
Na disponibilidde da TAC, o RX simples da mastoide (incidência de Schuller)
perde o seu papel no diagnóstico de mastoidite. A especificidade do RX é muito
baixa para este diagnóstico na criança.
A TAC tanto temporal quanto cerebral, deve ser realizada não só para avaliar as alterações ósseas progressivas da
mastoidite, mas também das complicações intracraneanas, (ponderar também
neste caso a RMN cerebral), sendo muito
sensível mesmo na fase inicial da mastoidite.
- Os achados laboratoriais frequentemente encontrados são:
Leucocitose
VSG aumentada
PC reactiva aumentada
Anemia ( principalmente se infecção
por St. Pneumoniae)
- Pseudomona aeroginosa
- Anaerobios
- …
TRATAMENTO
Os objectivos do tratamento da
mastoidite aguda, incluem:(10)
- Resolução da doença otomastoidea
- Preservação da função do ouvido
- Principalmente a prevenção de
complicações neurológicas potencialmente muito graves
As 3 linhas de actuação terapêuticas(10,11) incluem:
- Antibióticos endovenosos
- Miringotomia
- Mastoidectomia
Não há consenso quanto ao manejo
terapêutico da mastoidite.
Alguns autores consideram a mastoidite coalescente, uma doença cujo tratamento é cirúrgico.(3)
A maioria dos trabalhos, no entanto,
considera uma abordagem mais conservadora, sendo a terapêutica endovenosa
a base do tratamento, continuando as indicações e o ˝timing˝ cirúrgico a ser motivo de controvérsia.
Deve esperar-se uma franca melhoria dos sinais clínicos nas primeiras 2448 horas de tratamento antibiótico, caso
contrário, deverá ser efectuada, se se
justificar , uma miringotomia com colocação de tubo transtimpânico e colheita de
supuração para Gram e antibiograma.
Estes autores concordam que não
há necessidade de abertura da mastóide,
a menos que haja falha de resposta adequada a antibioterapia sistémica (com ou
sem miringotomia) ou evidência clínica e
radiológica de complicações intratemporal ou intracraneana.
A antibioterapia deve ser de amplo espectro. Verifica-se que são utilizados variados esquemas terapêuticos,
cobrindo os agentes patogénicos mais
frequentemente implicados. Segundo a
maioria dos autores(11) a terapêutica endovenosa deverá ser mantida, enquanto
houver sinais clínicos. Após a resolução
do eritema , esta deverá ser continuada
por via oral, por um período de cerca de
duas a três semanas.
A proposta terapêutica que apresento, passa pela utilização de uma cefalosporina de 2ª ou 3ª geração, via endovenosa e posteriormente por via oral,
pois cobre os agentes patogénicos mais
Ponderar hemocultura e exame bacteriológico do exsudado do ouvido médio
(se se efectuar miringotomia).
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
- Furúnculo do canal auditivo externo
- Linfadenite
- Parotidite
MICROORGANISMOS ISOLADOS
Os agentes isolados mais frequentemente e que reflectem os implicados na
otite média são:
- Pneumococus
- Haemophilus influenzae
- Staphylococus pyogenes
Figura 5
urgências cirúrgicas – mesa redonda
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frequentemente implicados, seguindo o
protocolo de actuação do serviço de ORL
do Hospital Maria Pia.
PROGNÓSTICO
O prognóstico é favorável se não
existem complicações adicionais.
As mastoidites curam sem sequelas
auditivas.(7)
PONTOS A RETER :
1 - A mastoidite aguda surge quase
sempre na sequência e como complicação da Otite Média Aguda. Esta
tem maior incidência nos primeiros
anos de vida e também será este
grupo etário o mais atingido por
aquela complicação (Figura 5) .
2 - A maioria dos estudos refere que
aproximadamente 70% efectuou
antibioterapia prévia à admissão
hospitalar (5,12,15).
A escolha da terapêutica da Otite
Média Aguda na comunidade deve
ser criteriosa, pois poderá conduzir
ao aparecimento de estirpes resistentes e complicações.
3 - O tratamento, clínico ou cirúrgico,
do amplo espectro de alterações
associadas à mastoidite aguda, não
é absolutamente seguro.(3)
4 - As complicações intracraneanas,
podem acarretar sequelas importantes e inclusivé taxas elevadas de
mortalidade.(3)
5 - A mastoidite aguda é sempre uma
hipótese de diagnóstico a considerar quando a evolução clínica da
Otite Média Aguda não é favorável
e perante um quadro de febre de
etiologia desconhecida.
ACUTE MASTOIDITIS
ABSTRACT
Acute mastoiditis is the most commom intratemporal complication of acute
otitis media and it is still regarded as a
serious disease.
The incidence has decreased since
the introduction of antibiotics,however,
the morbidity and mortality rate, are still
significative.
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 173-176
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
Endoscopia Digestiva em Pediatria
Fernando A C Pereira1
INTRODUÇÃO
As doenças do aparelho digestivo
são frequentes e importantes na criança
desde o nascimento até à adolescência.
A patologia malformativa, a inflamatória,
as lesões iatrogénicas secundárias à ingestão de cáusticos ou corpos estranhos
e de fármacos especialmente AINES
e os tumores benignos, são as lesões
mais vezes observadas, sendo raras as
neoplasias malignas. Os doentes com
patologia neurológica crónica grave, têm
perturbações funcionais digestivas frequentes e complicadas, que necessitam
de avaliação ou tratamento endoscópico.
A introdução da endoscopia no estudo da patologia digestiva de todos os
grupos etários foi possível, com o desenvolvimento de endoscópios de pequeno
diâmetro, 5-6mm, com a evolução das
técnicas anestésicas, monitorização e
reanimação e constituiu um passo importante no diagnóstico e orientação do
respectivo tratamento.
A endoscopia digestiva deve ser
praticada nas crianças por Gastroenterologistas Pediátricos ou na sua ausência
por Gastroenterologistas com conhecimentos de patologia digestiva da criança.
A endoscopia digestiva nas suas vertentes de diagnóstico e terapêutica só deve
ser realizada em hospitais pediátricos e
em hospitais gerais que possuam serviços de Pediatria e Anestesia preparados e tenham assegurado o apoio das
Especialidades de Cuidados Intensivos
e Cirurgia Pediátrica, indispensáveis ao
tratamento de possíveis complicações,
sobretudo quando se pratica endoscopia
terapêutica.
__________
1
Serviço de Gastroenterologia Pediátrica CHP
A selecção dos doentes e a preparação do doente e da família são indissociáveis de uma boa prática da endoscopia pediátrica. Antes da realização de
qualquer exame o doente deve ser observado numa consulta da especialidade,
para avaliar a necessidade e oportunidade de efectuar um exame deste tipo,
que envolve sempre algum risco e constitui para a criança e muitas vezes para
os pais, um traumatismo psicológico e
também para avaliar possíveis condições
de risco ou contraindicações para a sua
realização. Sempre que a idade e grau
de desenvolvimento o permita, deve ser
explicada à criança a natureza e tipo de
procedimentos a que vai ser submetida;
se possível deve o doente familiarizarse com as instalações e equipamentos
que vão ser usados na execução da endoscopia. Deve ser explicada de forma
simples a preparação que é necessário
efectuar para cada tipo de exame e a sua
importância para o êxito do mesmo. Os
pais devem igualmente ser esclarecidos
de todos os procedimentos que vão ser
efectuados, do risco envolvido e dar o
seu consentimento escrito para a realização de qualquer técnica de diagnóstico
ou terapêutica endoscópica.
Desta forma será possível reduzir
a ansiedade do doente e da família, a
necessidade de medicação ansiolítica,
diminuir o stress associado ao exame ou
seja aumentar os níveis de satisfação do
doente e da família.
O ambiente das unidades de endoscopia deve ser decorado de forma
a ser o mais acolhedor possível para a
criança (alegre, tranquilo, colorido, divertido), que deverá poder ser acompanhada pelos pais até ao início do exame
e fazer-se acompanhar do seu objecto
preferido.
As crianças que vão ser submetidas
a endoscopia digestiva devem fazer jejum
de 6 a 8 horas, podendo ingerir pequenas
quantidades de líquidos claros, água ou
chá levemente açucarado até 3 horas
antes da realização do exame (incluindo
leite materno).
A sedação ou a anestesia geral são
essenciais para a correcta realização de
endoscopia de diagnóstico ou terapêutica
na criança e obrigam à presença de uma
equipe de anestesia (médico e enfermeira), monitorização do doente (ECG, Oximetria, pulso e tensão arterial) e a sala
equipada com fontes de aspiração, ar, gases anestésicos e oxigénio canalizados.
É indispensável a existência de um
ventilador e equipamento de reanimação
acessível.
Endoscopia digestiva alta
A endoscopia alta pode ser efectuada como já referimos, em qualquer grupo
etário desde que seja utilizado endoscópio de diâmetro adequado, <2500gr aparelho 5-6mm, 2500 a 10kg aparelho 7mm
e >10Kg um aparelho 9mm. Por regra devemos usar para cada doente o aparelho
de maior diâmetro possível. A colheita de
biópsias deve ser feita mesmo perante
aspecto sensivelmente normal da mucosa, já que só assim será possível por
vezes fazer um diagnóstico.
As principais indicações da endoscopia alta são a doença de refluxo gastro-esofágico, a hemorragia digestiva, o
esclarecimento de vómitos, a disfagia, a
anemia e a recusa alimentar, a ingestão
de corpos estranhos ou produtos cáusticos ou ainda a realização de biopsias
intestinais por suspeita de Doença Celíaca. Atitudes terapêuticas como sejam
dilatação de estenoses, hemostase, esclerose de varizes, polipectomia, colo-
gastroenterologia pediátrica – curso satélite
XX reunião do hospital de crianças maria pia
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
cação de Gastrostomias e próteses são
também indicações para utilização desta
técnica. As complicações são raras quando o exame é correctamente efectuado e
por operador experiente, estimando-se
de 0,5 a 1,7%. As mais frequentes estão
relacionadas com o processo de anestesia/sedação (broncospasmo, aspiração,
excitação paradoxal e reacção alérgica a
um fármaco) e outras na dependência do
próprio exame (dor na orofaringe, fractura de dentes, hematoma rectrofaríngeo
ou duodenal, hemorragia traumática ou
perfuração).
Em relação às técnicas terapêuticas
é importante saber que a dilatação esofágica está indicada no tratamento de estenoses, congénitas, secundárias à cirurgia
da atrésia do esófago (cerca de 50% dos
operados desenvolvem estenoses mais
ou menos acentuadas), à ingestão de
cáusticos, ao refluxo G/E especialmente
em doentes neurologicamente comprometidos, à esclerose de varizes ou à radioterapia. Na suspeita de uma estenose
congénita é importante conhecer a constituição da parede esofágica, o que poderá ser conseguido com a realização de
Ecoendoscopia ou Tomografia axial computorizada, já que na ausência de parede
muscular o risco de rotura no momento
da dilatação é grande pelo que este procedimento não deve ser efectuado.
Nas estenoses secundárias à cirurgia da atrésia esofágica, que ocorrem em
lactentes, está indicada a dilatação sempre que a criança tem sintomas, recusa
alimentar, disfagia ou evolução ponderal
inadequada.
Podem ser feitas utilizando dilatadores (velas) tipo Savary com fio guia
ou balões hidrostáticos com ou sem fio
guia, mas sempre que possível com controlo radiológico. A utilização de balões
transendoscópicos tem como principal
limitação o diâmetro do canal de trabalho
do endoscópio, pois exige pelo menos
2,8mm, o que impede a sua utilização em
crianças muito pequenas.
Nos lactentes com estenoses muito
cerradas pode ser útil o recurso aos dilatadores biliares.
Na acalásia, situação pouco frequente na pediatria, podemos também recorrer à dilatação com balão (35-40mm),
sendo geralmente necessárias diversas
sessões (2-3); o risco de perfuração não
é totalmente desprezível. Neste grupo
etário a miotomia laparoscópica é actualmente a solução mais adequada com
vantagens a longo prazo embora outras
técnicas estejam descritas.
Para a hemostase de lesões sangrantes não varicosas, podemos recorrer
a qualquer dos processos actualmente
disponíveis (heater probe, electrocoagulação mono o bipolar, laser-argon plasma) no entanto a injecção de 5-10ml de
adrenalina (solução a 1/10000) seguida
ou não de injecção de substância esclerosante (polidocanol 1%), é a técnica
mais fácil de realizar, mais barata e eficaz
e pode ser realizada em qualquer centro.
Esofagite de refluxo
Estenose esofágica
Corpo estranho esofágico
Dilatação esofágica com balão
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Varizes esofágicas
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
A utilização de clips hemostaticos e
de ansas destacáveis é uma alternativa,
embora pouco usual em Pediatria.
A hemorragia por varizes do esófago
ou do estômago secundária a quadros de
hipertensão portal é pouco frequente na
criança e quando presente o seu tratamento é idêntico ao efectuado nos doentes
adultos, esclerose ou ligadura elástica.
As técnicas endoscópicas para
tratamento do refluxo Gastroesofágico
de introdução são mais recente, sutura
endoscópica, tratamento por radiofrequência (Stretta) e injecção de polímeros
inertes na submucosa esofágica, não
demonstraram ainda cabalmente a sua
utilidade nos doentes adultos pelo que a
sua utilização em Pediatria deve ser reservada para ensaios terapêuticos.
A mucosectomia endoscópica pode
utilizar-se na criança para exérese de
tumores mucosos (pólipos sésseis ou
planos) e submucosos, que são todavia
lesões bastante raras.
A colocação de gastrostomia endoscópica por via percutânea (PEG),
temporária ou definitiva, para alimentação total ou suplementar, em doentes
com doenças neurológicas crónicas,
doenças metabólicas e perturbações do
comportamento alimentar é solicitação
frequente num Serviço de Gastrenterologia Pediátrica. É de execução fácil e
rápida obrigando a 12-24 horas de internamento.
As crianças pequenas têm por hábito introduzir na boca tudo o que conseguem apanhar com as mãos e por isso
engolem com frequência objectos estranhos de natureza diversa. A maior parte
destes objectos são suficientemente pequenos e pouco agressivos e percorrem
o tubo digestivo seguindo o trânsito normal e sem provocar qualquer problema.
São expelidos com as fezes cerca de
uma semana depois. Os maiores (20mm
de largura e 50mm de comprimento) e
os mais agressivos têm tendência a parar ao nível do esófago ou do estômago, o que representa cerca de 10 a 20%
dos ingeridos; nessas circunstâncias é
necessário proceder à sua remoção endoscópica que em regra é bem sucedida
embora nem sempre fácil. Quando localizados ao esófago devem ser retirados
o mais rapidamente possível; quando
localizados no estômago se não forem
químicos, pilhas, por exemplo (estes
devem ser retiradas nas primeiras 24h)
podem aguardar. A extracção de corpos
estranhos deve ser feita por médico experiente e com o doente anestesiado e
entubado.
Centro Hospitalar do Porto- Serviço de Gastroenterologia Pediátrica
gastroenterologia pediátrica – curso satélite
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Endoscopia digestiva baixa
A endoscopia digestiva baixa tem
por objectivo a observação do colon do
recto e sempre que é possível a porção
distal do íleum. A extensão a observar
depende da situação clínica do doente e
do objectivo a esclarecer ou do tratamento a efectuar.
O sucesso do exame depende da
correcta preparação pelo que é fundamental conseguir a colaboração do doente e da família para uma boa limpeza
intestinal, muitas vezes só possível em
internamento hospitalar. A prática que
recomendamos é a de usar preparação com laxante e enemas (10ml/KG
até 500ml) em crianças abaixo dos 3
anos e solução de polietilenoglicol (2540ml/KG/h) indicada acima dessa idade
sempre que não haja contraindicações,
como insuficiência renal ou cardíaca;
pode ser precedida de aplicação de Bi-
sacodil se existe obstipação ou retenção fecal.
O doente deve ser preparado para
efectuar exame terapêutico se durante a
colonoscopia essa indicação surgir, de forma a evitar um segundo procedimento.
As indicações para a realização de
endoscopia baixa na criança são o esclarecimento de hemorragia digestiva, diarreia
aguda ou crónica, as doenças inflamatórias intestinais, para diagnóstico e avaliação da resposta ao tratamento bem como
para a detecção das recidivas. O rastreio,
diagnóstico e tratamento de poliposes e
a vigilância para diagnóstico precoce do
cancro em patologias ou doentes de alto
risco. Alguns autores consideram ser indicação o tratamento de invaginação.
Nas situações de colite alérgica do
lactente e na fase aguda das doenças
inflamatórias intestinais a realização de
rectosigmoidoscopia ou colonoscopia
esquerda, até ao ângulo esplénico é suficiente para estabelecer o diagnóstico e a
orientação terapêutica.
A dor abdominal aguda ou crónica
na criança não é por si só indicação para
efectuar endoscopia baixa.
A perfuração e a hemorragia são as
complicações mais frequentes mas que
podem ser evitadas com utilização adequada da técnica e operador experiente.
O exame terapêutico mais vezes
efectuado é sem dúvida a polipectomia
endoscópica cuja técnica é igual à utilizada no adulto, sendo em regra os pólipos
pequenos, únicos e localizados ao recto e
sigmóide e de exérese endoscópica fácil.
Todas as técnicas de polipectomia podem
ser utilizadas nas crianças devendo ter
sempre presente que a parede intestinal
é mais fina que a do adulto e em especial no colon direito. A perfuração é uma
complicação rara se a polipectomia for
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gastroenterologia pediátrica – curso satélite
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
Doença de Crohn
Colite ulcerosa
Pólipo do colon
correctamente executada e a hemorragia
importante pouco freqüente; laçar uma
segunda vez o pedículo, usar solução de
adrenalina, clips, ansas destacáveis argon/plasma ou outros meios podem ser
utilizados para controlo hemorrágico.
A hemostase de lesões sangrantes
com qualquer dos métodos existentes
pode ser realizada e depende da disponibilidade do serviço em meios técnicos
e da capacidade do operador, mas em
regra o domínio das técnicas de injecção
de solução de adrenalina e esclerosante
(polidocanol) são suficientes para a resolução dos nossos casos.
Outras atitudes de aplicação muito
menos freqüente são a dilatação de estenoses (balões), a esclerose de varizes
colorectais em situações de hipertensão
portal, a cecostomia endoscópica percutânea nas perturbações crónicas da
defecação, ou a extracção de corpos estranhos.
Estas técnicas devem estar disponíveis em todos os centros que praticam
endoscopia terapêutica.
ção. Deve ser efectuada apenas em centros altamente especializados e entre nós
com a elevada dispersão dos doentes,
apenas deve ser realizada em centros
que possuam unidades de endoscopia de
adultos com experiência nesta técnica. O
exame deverá ser feito em colaboração
entre o Gastroenterologista e o Gastroenterologista Pediátrico e em unidade que
possua apoio de Pediatria, Cirurgia Pediátrica Anestesia e Radiologia.
A experiência pediátrica publicada é
relativamente pequena, mas a sua análise mostra que os resultados e as complicações na criança são semelhantes
aos descritos para as grandes séries dos
adultos.
Os duodenoscopios actualmente
existentes no mercado permitem a realização do exame em qualquer grupo etário, o mais fino tem cerca de 7,5mm de
diâmetro e um canal de trabalho de 2mm
(Olympus PJF160) e deve ser utilizado
antes dos 2 anos de idade.
A CPRE está indicada no estudo da
patologia biliar, sendo útil no diagnóstico
diferencial da colestase neonatal (atrésia das vias biliares, pobreza canalicular
sindromática ou não, hepatite neonatal),
do quisto do colédoco, definindo a seu
tipo dimensão e relação com estruturas
vizinhas, coledocolitíase, colangite esclerosante, estenose biliar e patologia
traumática das vias biliares. As suas indicações terapêuticas são essencialmente
na extracção de cálculos do colédoco (intervenção mais frequente em pediatria),
geralmente bem conseguida apenas com
dilatação do esfíncter com balão, já que a
esfincterotomia deve ser evitada na criança; dilatação de estenoses da via biliar ou
colocação de próteses e esfincterotomia
nas situações de hipertonia esfincteriana.
No síndrome da bile espessa, que ocorre por vezes nos lactentes, a canulação
do colédoco ou a simples estimulação da
ampola de Water são muitas vezes suficientes para produzir a drenagem da bile
e resolver o quadro.
Na patologia do pâncreas as suas
principais indicações são o diagnóstico
da etiologia da pancreatite aguda recorrente (fibrose quística, hiperlipidemia,
intoxicação por fármacos, hipercalcemia,
pâncreas divisum -5-10% da população
geral, duplicação ou divertículo duodenais e anomalias da junção). A CPRE é
igualmente útil no diagnóstico da pancreatite crónica, do traumatismo pancreático
e tumores. Também nas doenças do pâncreas tem papel terapêutico na drenagem
de pseudoquistos, na extracção de cálculos e dilatação de estenoses.
É importante referir igualmente a
utilidade da CPRE no diagnóstico e sobretudo no tratamento de parasitoses da
via biliar e canal pancreático, sendo entre
nós mais frequentes a ascaridíase, a hidatidose e a fasciolíse hepática.
Em qualquer destas situações terapêuticas a experiência pediátrica é escassa.
A complicação mais frequente é a
pancreatite aguda (cerca de 8%), cuja
ocorrência é maior sempre que o exame
é mais difícil, mais traumatizante, resulta-
Colangiopancreatografia retrógrada
endoscópica
A colangiopancreatografia retrógrada endoscopica (CPRE) é uma técnica
de diagnóstico e terapêutica endoscópica especializada, um procedimento técnicamente difícil, de longa aprendizagem
e muito pouco acessível aos gastroenterologistas pediátricos, tendo em conta o
reduzido número de crianças que anualmente têm indicação para a sua utiliza-
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
do de múltiplas tentativas de canulação.
É por isso muito importante a experiência
do executante na diminuição das complicações. A hemorragia, infecção (colangite) e perfuração são mais raras.
O desenvolvimento da colangiopancreatografia por ressonância magnética
(CPRM) e a sua aplicação ao estudo da
paatologia pediátrica, pela sua menor
agressividade, facilidade de execução e
reduzido número de complicações veio
reduzir a aplicação da CPRE diagnóstica
neste grupo etário.
A Videocápsula endoscópica
A videocápsula endoscópica (Given
M2A e Olympus) é um método de diagnóstico pouco invasivo que permite a observação endoscópica do tubo digestivo
e especialmente do intestino delgado, de
difícil acesso e estudo por outros métodos, pelo que tem vindo a ser desenvolvida a sua aplicação pediátrica. O seu
uso para o estudo da patologia pediátrica
tem todavia algumas limitações resultantes das grandes dimensões da cápsula,
26,4x11mm, que dificultam a sua deglutição e progressão através dos segmentos
de transição, piloro e válvula ileocecal. A
primeira dificuldade pode ser ultrapassada recorrendo à colocação endoscópica
da cápsula e a segunda efectuando teste
prévio com a cápsula de patência ou estudo radiológico. A dimensão e o peso do
equipamento de gravação não permitem
que o exame seja efectuado por crianças
pequenas em ambulatório. É assim difícil
em geral, a sua utilização em crianças
com menos de 17Kg e não aconselhável
abaixo dos 10 anos. Há já algumas referências na literatura à sua utilização na
criança com resultados promissores.
As indicações para a sua utilização
em Pediatria são:
- Doença de Crohn quando o estudo radiológico do intestino delgado,
endoscopia alta e colonoscopia são
normais. (Não permite o exame histológico).
- Poliposes intestinais (Peutz-Jeghers)
- Hemorragia digestiva oculta com
endoscopia alta e baixa normais
- Tumores do Intestino delgado
(leiomioma, linfoma, carcinoide)
-
Doença Celíaca
Dor abdominal crónica
Linfangiectasia intestinal)
Seguimento de transplantados intestinais.
A utilização de uma cápsula de dupla face no estudo do esófago (esofagite e esófago de Barrett) e outra para o
cólon, está ainda em fase de estudo na
patologia do adulto.
A principal complicação do exame
é a retenção da cápsula em zona de estenose intestinal pelo que esta deve ser
excluída (cápsula de patência ou radiologia) e na dúvida não deveremos realizar
esta técnica.
A dificuldade de localização exacta
das lesões observadas nos diferentes
segmentos intestinais e a impossibilidade
de efectuar colheita de biopsias ou efectuar procedimentos terapêuticos são as
maiores limitações desta técnica.
Enteroscopia
A enteroscopia é poucas vezes utilizada nas crianças e especialmente difícil
de executar nas mais pequenas já que
não há aparelhos que se possam usar
sem risco. Neste grupo etário, sobretudo
abaixo dos 10 anos, quando necessário, deveremos recorrer à enteroscopia
per-operatória ou seja com ajuda da laparoscopia ou da laparotomia, utilizando
os colonoscópios pediátricos existentes
que, em mãos experientes, permite a
observação de todo o intestino delgado.
Para os doentes maiores, poderemos
recorrer à push enteroscopia utilizando
por exemplo o enteroscópio Olympus SIF
Q140 com 250cm, com recurso sempre
que necessário a overtube e se possível
com controlo radioscópico. O exame não
requer qualquer preparação especial.
Foram recentemente introduzidos
no mercado dois enteroscópios, com 1 ou
2 balões na sua porção distal, que permitem uma mais fácil progressão ao longo
do intestino delgado, que poderá assim
ser abordado por via alta ou baixa. Existe já alguma experiência promissora em
adultos e esta técnica poderá em breve
vir a ser uma opção para a endoscopia
de diagnóstico e terapêutica do intestino
delgado na criança.
gastroenterologia pediátrica – curso satélite
S 182
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As indicações para a enteroscopia
na criança são para o diagnóstico as já
indicadas para o uso da cápsula endoscópica e para a terapêutica de lesões hemorrágicas, a polipectomia (poliposes),
a dilatação de estenoses e a colocação
de sondas nasojejunais e a jejunostomia
percutânea.
O traumatismo da mucosa, a perfuração e a pancreatite, são complicações
descritas em especial quando se usa o
overtube e pode também ocorrer quadro
de íleum transitório após a realização do
exame.
Ecoendoscopia
Na criança as referências à aplicação da ecoendoscopia (aparelhos radiais, lineares ou minisondas) são ainda
escassas, tendo em conta a dimensão
dos aparelhos existentes e a dificuldade
da sua utilização nas crianças sobretudo
abaixo dos 10 anos.
As suas indicações em Pediatria são:
Esófago
- Esofagite eosinofílica (espessura da
parede)
- Estenose congénita (constituição da
parede)
- Lesões submucosas
- Espessura das varizes esofágicas
- Biópsia de lesões mediastínicas
- Acalásia (espessura muscular)
Estômago
- Duplicação
- Lesões submucosas (leiomiomas,
T. estroma, pâncreas heterotópico)
- Lesão de Dieulafoy
Pâncreas
- Lesões tumorais sólidas ou quísticas (biópsia)
- Drenagem de pseudoquistos
Colon
- Varizes colorectais (hipertensão
portal)
- Malformações (duplicação)
- Lesões perianais e perirectais da
D.Crohn.
No nosso país não há centros Pediátricos especializados nesta técnica e
neste momento não parece haver justificação para a sua criação uma vez que
são em pequeno número os doentes que
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
poderão beneficiar deste tipo de exame
e que por essa razão deverão, de forma
seleccionada, efectuá-lo em Serviços de
Gastroenterologia diferenciados.
ENDOSCOPIA DIGESTIVA EM RECÉM
NASCIDOS
Hoje a endoscopia digestiva pode
ser efectuada em praticamente todos
os recém nascidos, prematuros ou não,
desde que seja utilizado o aparelho de
calibre adequado, ou seja os endoscópios altos de 5 ou 6mm de diâmetro para
a endoscopia alta e os mesmos ou um
endoscópio de 7-8mm para a endoscopia
baixa. Deve ter-se presente que os colonoscópios existentes no mercado e com
a designação de Pediátricos têm diâmetros de 11 a 12,9mm e são muito largos
para este grupo etário.
A realização de endoscopia neste
grupo etário deve ser efectuada por profissionais muito experientes, seleccionando bem o aparelho a usar, em sala
devidamente equipada (monitorização e
reanimação) e com sedação e analgesia ou anestesia, sempre que o exame é
mais extenso.
No que se refere à endoscopia alta
em recém nascidos estima-se a sua necessidade em cerca de 1%.
As indicações principais são hemorragia digestiva, vómitos e regurgitação
frequente, dificuldade alimentar, disfagia
e atraso de evolução ponderal, “aparent
life threatening events(ALTEs)”, anemia .
Há igualmente indicações terapêuticas possíveis mas mais raras (extracção
de corpos estranhos, dilatação de estenoses congénitas e secundárias a cirurgia de atrésia esofágica, gastrostomia,
polipectomia e ligação de varizes.
Os diagnósticos mais vezes efectuados são: Esofagite, gastrite, ou os dois
associados, lesões petequiais e úlceras.
Não há dados publicados de incidência.
A etiologia destas lesões parece ser
multifactorial, incluindo traumatismo de
aspiração, hipergastrinemia fisiológica,
hiperpepsinogenemia, stress ventilatório,
variações tensionais, stress do parto, uso
da indometacina como terapêutica para
tratamento do canal arterial; uso de corticoides, tolazolina ou morfina que aumentam a secreção ácida por aumento dos
valores de histamina ou uso de metilxantinas que diminuem a pressão do esfíncter esofágico inferior e com consequente
aumento do refluxo.
Consideram-se como protectores:
Amamentação, que potencia o esvaziamento gástrico e estimula o peristaltismo
esofágico e contem factores de protecção como o inibidor do factor de activação plaquetária. A alimentação enteral é
igualmente protectora.
Embora não esteja provado que o
uso de tratamento inibidor da secreção
ácida nestes doentes altere de forma significativa a evolução natural das lesões
esôfago-gástricas é aceite a sua utilização.
A endoscopia baixa é neste grupo
etário quase sempre limitada ao recto e
sigmóide, habitualmente suficiente para
um diagnóstico e só excepcionalmente
ao colon na totalidade. Há algumas dificuldades com a utilização dos acessórios
dada a limitação de calibre dos canais de
trabalho destes aparelhos.
Para a sua realização são utilizados
como já referimos anteriormente os aparelhos de endoscopia alta por terem calibre mais adequado. Os exames limitados
ao recto e sigmóide não necessitam habitualmente de anestesia ou sedação já
que são bem tolerados e são em regra
efectuados sem preparação ou precedidos de enemas de soro fisiológico (10ml/
Kg).
As indicações mais frequentes são
a hemorragia e a diarreia aguda persistente e hemorrágica de etiologia não conhecida. As situações patológicas mais
vezes associadas a estes quadros são:
enterocolite necrosante neonatal (NEC),
a colite alérgica, a colite infecciosa e muito excepcionalmente pólipos ou DII. Para
além da polipectomia, pouco frequente,
não há outras intervenções terapêuticas
neste grupo etário e a este nível. O aspecto mais vezes observado traduz-se
por edema, congestão, erosões ou mesmo ulceração da mucosa e isquemia,
podendo também ser observado aspecto
nodular, umbilicado, correspondendo a hiperplasia dos folículos linfóides. O exame
histológico evidencia quadro inflamatório
inespecífico podendo apresentar riqueza
de eosinófilos, mais de 20 por campo nos
casos de etiologia alérgica e hiperplasia
linfóide como já se referiu e áreas de necrose em raros casos.
Deve realçar-se que o diagnóstico
clínico e radiológico de NEC são contraindicação para a realização de colonoscopia.
A maior parte dos casos de rectorragias neste grupo etário, estão associadas
a alergias ao leite, proteínas do leite de
vaca, situação que pode ocorrer com o
aleitamento materno exclusivo. A atitude
de evicção seguida de observação clínica
subsequente é por isso a primeira medida a tomar e só em caso de falência é
que se justifica a realização do exame
endoscópico.
Os hamartomas são pólipos extremamente raros mas que poderão surgir
neste grupo etário e justificar quadro de
rectorragias.
O exame cultural da mucosa rectal
é na nossa experiência, raras vezes informativo.
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 177-184
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Doença de Refluxo Gastro-esofágico
Métodos de Diagnóstico e Tratamento
Rosa M. Lima1
O refluxo gastro-esofágico (RGE)
define-se como a passagem involuntária
de conteúdo gástrico para o esófago sendo
um processo fisiológico normal que ocorre
em crianças e adultos saudáveis. O RGE
ocorre devido a relaxamentos transitórios
de esfíncter esofágico inferior, ou por uma
adaptação inadequada do tônus do esfíncter a mudanças de pressão intraabdominal.
A maior parte dos episódios de refluxo atingem apenas o esófago distal sendo breves
e assintomáticos. Regurgitação define-se
como a passagem do refluxo gástrico até à
faringe. Vómito define-se como a expulsão
do refluxo gástrico através da boca.
A doença de refluxo gastro-esofágico (DRGE) define-se como o conjunto de
sinais ou sintomas que ocorrem da agressão esofágica ou de órgãos adjacentes
quando o conteúdo gástrico reflui para o
esôfago, orofaringe ou via aérea. As manifestações clínicas incluem vómitos, disfagia, dor abdominal ou retroesternal, má
evolução ponderal, irritabilidade do lactente, apneia ou ALTE, pieira ou estridor,
tosse e posturas anormais do pescoço e
são resultantes de complicações como a
esofagite com ou sem estenose, laringite,
pneumonia recorrente e anemia.
Durante a infância o RGE é muito
comum, sendo consequência de uma
imaturidade de função do esfíncter esofágico inferior, manifesta-se sobretudo
por vómitos ou regurgitação e resolve espontaneamente na quase totalidade dos
lactentes entre os 12 e 18 meses. Apenas um pequeno número de lactentes
desenvolve sintomas de DRGE.
As crianças mais velhas apresentam, habitualmente um padrão do tipo do
adulto com pirose, disfagia, recusa ali__________
1
Serviço de Pediatria do Hospital Maria Pia
mentar, epigastralgia, regurgitação e vómitos por vezes de conteúdo hemático.
A abordagem diagnóstica varia com
a idade e a forma de apresentação.
História clínica e o exame físico
São habitualmente suficientes para
fazer o diagnóstico de RGE e reconhecer as suas complicações. Deve ser dada
especial atenção aos sinais de alarme
como: vómitos biliares, vómitos com esforço, início após os seis meses, hemorragia gastrointestinal, má evolução ponderal, diarreia, obstipação, febre, letargia,
hepatoesplenomegalia, abaulamento da
fontanela, convulsões e distensão abdominal, que obrigam ao diagnóstico diferencial com outras patologias como patologia obstrutiva do tracto gastrointestinal,
outras doenças como esofagite eosinófilica, alergia alimentar, doença inflamatória
intestinal, doença neurológica, metabólica ou endócrina e patologia infecciosa.
Radiografia esofagogastroduodenal
contrastada (Rx EGD)
Não é útil para o diagnóstico de
RGE com baixa sensibilidade e especificidade. Pode ser utilizada para detectar
alterações anatómicas que podem estar
associadas como: estenose pilórica, má
rotação intestinal, hérnia do hiato esofágico e estenoses esofágicas.
pHmetria esofágica
Mede a frequência e duração dos
episódios de refluxo ácido calculando o
índice de exposição esofágica ao ácido.
Deve ser realizada quando se pretende detectar um refluxo ácido anormal,
sendo particularmente importante para
estabelecer uma relação temporal entre
um sintoma e episódios de refluxo ácido
e detectar RGE oculto. É útil na avalia-
ção de sintomas laríngeos recorrentes,
pneumonia recorrente e asma. Pode ser
utilizada para avaliação da resposta ao
tratamento médico ou cirúrgico. Não é útil
na avaliação de vómitos na infância ou de
esofagite de refluxo.
Endoscopia e biópsia
Não são métodos de diagnóstico do
RGE, mas permitem detectar alterações
anatómicas associadas ao RGE, bem
como fazer o diagnóstico das suas complicações, a presença e grau de esofagite,
estenoses, esófago de Barrett e permitem
excluir outras doenças como D. de Crohn,
esofagite eosinófilica ou infecciosa.
Cintilograma gastro-esofágico
Através da ingestão de uma fórmula
marcada com Tecnésio 99 demonstra refluxo de conteúdo gástrico ácido e não ácido
e permite avaliar o esvaziamento gástrico.
A baixa sensibilidade deste exame e a ausência de valores normais relacionados
com a idade limitam o seu valor. A visualização do produto radioisotópico na árvore
respiratória às 12-24h permite correlacionar sintomas respiratórios com o RGE.
Impedância intra-luminal por
multicanais (MII)
Detecta os movimentos do bólus
(liquído, sólido ou gasoso) no esôfago e
distingue a sua direcção quer no sentido
retrógrado do estômago ou antogrado
para o estômago. É independente do pH
e desta forma, permite uma determinação
mais adequada da freqüência e duração
do refluxo de qualquer tipo no esófago.
Os valores normais relacionados com a
idade ainda não estão definidos.
A utilização da monitorização de pH
conjuntamente com a técnica de Impedância permite detectar os episódios de
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S 185
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refluxo na sua totalidade e uma relação
temporal com os sintomas mais exacta,
podendo-se estabelecer uma relação
causa-efeito mais legítima do que as
duas técnicas isoladamente.
Tratamento da DRGE
Nenhuma das opções terapêuticas
actualmente disponíveis actua directamente no mecanismo fisiopatológico do
RGE, isto é no esfíncter esofágico inferior
diminuindo os episódios de relaxamentos transitórios. Actuam de uma forma
indirecta diminuindo a acidez gástrica,
aumentando o esvaziamento gástrico,
diminuindo a pressão abdominal e estimulando a motilidade esofágica. Assim o
tratamento da DRGE tem como objectivo
o alívio dos sintomas, a normalização do
crescimento, a resolução histológica da
inflamação da mucosa, a prevenção e o
tratamento das complicações e a manutenção da remissão.
As opções terapêuticas que dispomos incluem as alterações dos hábitos
de vida, através de mudanças alimentares e medidas posturais, o tratamento
farmacológico e o tratamento cirúrgico.
Recomendações dietéticas
Recomenda-se a normalização do
volume e frequência das refeições nos
lactentes. Os espessantes do leite não
melhoram os índices de refluxo, mas diminuem o número e o volume das regurgitações, diminuindo a perda de nutrientes pelo que o seu uso na DRGE deve ser
ponderado.
As crianças mais velhas e adolescentes devem evitar chocolate, café, chá,
bebidas carbonatadas e especiarias que
aumentam o RGE. Se obesidade devem
normalizar o peso.
Medidas posturais
Está provado que o decúbito ventral
diminui o número de episódios de refluxo
no lactente, no entanto pelo risco de morte
súbita não se recomenda esta posição.
Tratamento farmacológico
Inibidores do ácido. Actuam diminuindo a exposição esofágica ao ácido
reduzindo o ácido gástrico. Os agentes
inibidores da secreção ácida, os antago-
nistas do receptor de histamina-2 (ranitidina) e os inibidores da bomba de protões (omeprazol, lanzoprazol), reduzem
a secreção de ácido gástrica, enquanto
que os antiácidos neutralizam o ácido
gástrico. Os inibidores da secreção ácida
são bastante mais eficazes no tratamento
da DRGE e entre estes os inibidores da
bomba de protões têm uma acção inibidora do ácido mais potente e prolongada.
para outro diagnóstico, são em geral suficientes para fazer o diagnóstico de RGE
não complicado, não sendo necessários
exames suplementares.
Deve-se informar os pais da benignidade da situação e das potenciais
complicações. O espessamento da fórmula pode ser considerado e o decúbito dorsal deve continuar a ser aconselhado.
Procinéticos. Embora um dos mecanismos de acção destes agentes seja
aumentar a pressão do esfíncter esofágico inferior, não foi demonstrado que
diminuam a frequência de relaxamento
transitório do esfíncter esofágico inferior, o
mecanismo fisiopatológico do RGE. Actuam aumentando o peristaltismo esofágico
e acelerando o esvaziamento gástrico. Os
estudos comparativos realizados entre as
várias drogas, cisapride, metoclopramida
e domperidona demonstram que o cisapride é o único procinético eficaz na DRGE.
No entanto, devido ao risco de cardiotoxicidade não é comercializado desde 2004.
Lactente que vomita e com má
evolução ponderal
A história e o exame físico são aqui
também essenciais e outras causas de
má evolução ponderal devem ser primeiro colocados e exames como hemograma, ionograma, bicarbonato, função renal
e hepática, RAST PLV e análise de urina
podem ser consideradas.O Rx EGD é
importante para pesquisar malformações
anatómicas. Quando não são encontradas outras causas deve iniciar tratamento
médico com espessamento da fórmula e
inibidor da secreção ácida. A endoscopia
pode ser útil para determinar a existência
de esofagite.
Citoprotectores. O gel de sucralfato (complexo de alumínio) actua aderindo às lesões inflamatórias protegendo
a mucosa esofágica. Pode diminuir os
sintomas em doentes com esofagite não
erosiva não é eficaz no tratamento da
DRGE. Os potenciais riscos do alumínio
nas crianças têm de ser considerados.
O baclofeno é um agonista do receptor GABA B que parece ter um papel
promissor na diminuição dos relaxamentos transitórios do EEI, no entanto é um
fármaco ainda em estudo.
Tratamento cirúrgico
A fundoplicatura clássica ou por via
laparoscópica, actualmente a mais utilizada está indicada sempre que há malformações anatómicas ou persistência dos
sintomas apesar do tratamento médico.
A orientação diagnóstica e terapêutica da DRGE depende da sua forma
de apresentação:
Lactente que vomita
A história clínica e o exame físico,
tendo em conta os sinais que apontam
gastroenterologia pediátrica – curso satélite
S 186
XX reunião do hospital de crianças maria pia
Criança com asma
O RGE é um importante co-factor na
Asma severa apontando-se prevalências
de 25 a 75%. A relação causal directa de
RGE e Asma é rara.
Identificar o RGE, como um cofactor de uma asma intratável, passa
por realizar uma pHmetria que determina o índice de refluxo e a duração média dos episódios de refluxo durante o
sono e pode estabelecer uma relação
temporal com episódios de pieira. Se
for identificado um RGE patológico a
terapia com inibidor da secreção ácida
deve ser instituída.
Lactente com Apneia/ALTE
Em crianças com ALTE a prevalência de regurgitação ou vómitos é de
60 a 70%. A pHmetria com Impedancitometria pode estabelecer uma relação
temporal entre um episódio de refluxo
e um episódio de apneia. As opções terapêuticas incluem o espessamento do
leite, os inibidores da secreção ácida e a
cirurgia pode ser considerada em casos
severos.
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Criança com dispepsia/regurgitação
A terapia empírica com inibidores da
secreção ácida durante 2 a 4 semanas,
se não houver melhoria ou recidiva pouco
tempo após conclusão do tratamento médico deve realizar endoscopia e biópsia.
Criança com doença neurológica
Nas crianças com doenças neurológicas, as infecções respiratórias de repetição, recusa alimentar, má evolução ponderal ou anemia são sintomas que fazem
suspeitar DRGE. A endoscopia digestiva
é o exame mais útil para o diagnóstico e
a pHmetria pode ser útil para quantificar
o RGE.
O tratamento médico produz alívio
sintomático, mas o recurso ao tratamento
cirúrgico é necessário na maior parte dos
casos.
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 185-187
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Colestase Neonatal – Como Abordar
Ermelinda Santos Silva1
A colestase neonatal define-se como
a presença de icterícia, num recém-nascido ou lactente até aos quatro meses de
idade, em que a bilirrubina conjugada é
superior a 20% da bilirrubina total, ou superior a 1,5 mg/dl.
É importante saber que por detrás
de uma colestase neonatal pode estar
uma enorme variedade de doenças, a
maior parte delas doenças raras, umas
mais do que outras (Quadro I).
A outra noção importante a ter é a
de que a colestase neonatal não é uma
entidade com prognóstico muito tranquilizador. Num estudo retrospectivo de 50
casos de E. Santos Silva e tal(1) podemos
observar que mais de 40% dos doentes
tiveram prognóstico desfavorável (óbitos 25%, transplante hepático 18%). Isto
mostra bem o peso que a colestase neonatal tem, quer em termos de mortalidade
quer em termos de morbilidade.
ABORDAGEM DIAGNÓSTICA
Na abordagem diagnóstica do doente com colestase neonatal temos de ter
em conta que a mesma pode ter diversas
formas de apresentação clínica, a saber
(Quadro II):
• Icterícia prolongada (sendo a colestase de instalação precoce ou
tardia)
• Icterícia fisiológica + intervalo livre +
icterícia tardia
• Icterícia de aparecimento tardio
Há patologias que se manifestam
predominantemente de uma forma ou
de outra (ex: a galactosemia manifestase por uma colestase precoce, enquanto
__________
1
Consulta de Hepatologia / Serviço de Pediatria / Centro Hospitalar do Porto
Quadro I – Colestase neonatal (etiologias)
Doenças das vias biliares biliares
- Colangiopatias:
- Atrésia das vias biliares extrahepáticas
- Quisto do colédoco
- Colangite esclerosante neonatal
- Perfuração espontânea das vias biliares extrahepáticas
- Estenose de ductos biliares
- Doença de Caroli
- Síndrome de Alagille
- Paucidade canalicular não sindromática
- Outras:
- Síndrome de bile espessa
- Colelitíase
- Tumores/massas (intrínsecas e extrínsecas)
Colestase hepatocelular
- Doenças metabólicas:
- Défice de alfa-1-antitripsina
- Aminoacidopatias (tirosinemia, …)
- Dças dos carbohidratos (galactosemia, fructosemia, glicogenose tipo IV)
- Dças do ciclo da ureia (argininemia, citrulinemia)
- Doenças dos lípideos (Dça de Niemann-Pick, Dça de Gaucher; Dça de
Wolman; Doença dos ésteres do colesterol)
- Dças dos peroxissomas (S. Zellweger; Dça de Refsum, …)
- Defeito da síntese de sais biliares
- CDG`s
- Citopatias mitocondriais
- Fibrose quística
- Hemocromatose neonatal
- Endocrinopatias (hipotiroidismo; hipopituitarismo)
- Síndromes colestáticos:
- PFIC tipos 1, 2, e 3
- BRIC (mesmo gene do PFIC 1)
- S. de Dubin-Johnson (deficiência de MRP2)
- Colestase hereditária com linfedema (s. Aagenaes)
- Hepatite neonatal:
- Idiopática
- Vírica (CMV, Herpes, Rubeóla, Reovírus tipo 3, Adenovírus, Enterovírus,
Parvovírus B19, Hepatite B, HIV)
- Bacteriana e parasitária (Sépsis bacteriana, Listeriose, Sífilis,
Tuberculose,Toxoplasmose, Malária)
- Tóxicos: fármacos, alimentação parentérica
Miscelânia
- Choque/hipoperfusão; Lúpus neonatal; Histiocitose X; Doença veno-oclusiva;
Erittoblastose fetal; Doença enxerto contra hospedeiro; Síndrome de MacCune-Albright; S. Donahue; S. Down …
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Quadro II – Colestase neonatal: formas de apresentação clínica
18
16
Bilirrubina total (mg/dl)
14
12
Icterícia prolongada
10
Icterícia fisiológica + Intervalo livre +
Icterícia tardia
8
Icterícia tardia
6
4
2
0
D2
D4
D7
D14
D21
D30
D37
D43
Idade (dias)
o défice de alfa-1-antitripsina ou a atrésia das vias biliares se manifestam por
uma colestase de instalação tardia, e a
tirosinemia de instalação especialmente
tardia).
Considera-se uma icterícia neonatal
prolongada a que se prolonga por mais
de sete dias num recém-nascido de termo e mais de catorze dias num recémnascido pré-termo.
A metodologia diagnóstica a ser
usada deve assentar na exploração minuciosa dos dados da anamnese e do
exame objectivo, e a realização de exames complementares deve ser orientada
pela clínica.
Na anamnese é importante explorar
a história familiar. A existência de consanguinidade parental ou de irmãos afectados aponta para as doenças metabólicas. A existência de pais ou conviventes
íntimos com doenças infecto-contagiosas
(Herpes labial activo, sífilis, hepatite B)
aponta para o grupo das doenças infecciosas. A presença de pais com estigmas
físicos (fácies peculiar) pode fazer suspeitar de síndrome de Alagille que é de
transmissão autossómica dominante com
penetração incompleta.
Nos antecedentes pessoais são importantes a idade gestacional, a somatometria ao nascer, a existência de asfixia
ou de choque perinatal, de sépsis com
recurso a antibióticos ou outros fármacos
colestáticos (ex: furosemida), de cirurgia
intestinal, bem como a pausa alimentar
prolongada e a alimentação parentérica.
Nos recém-nascidos internados nas
UCIN a colestase é na maioria das vezes
de etiologia multifactorial.
Na história da doença é importante conhecer o “timing” de instalação e a
evolução da icterícia (pode apontar para
determinadas patologias), a cor das fezes (pigmentadas? ou acolia fecal? neste
último caso sugerindo sobretudo patologia das vias biliares), a existência de
distúrbios alimentares (recusa alimentar /
vómitos, sobretudo nas doenças metabólicas), a evolução ponderal (é geralmente
boa nas doenças das vias biliares), febre
/ hipotermia (na sépsis, nas doenças metabólicas), convulsões ou equivalentes
(nas infecções com atingimento do SNC,
como o Herpes ou a sífilis, as doenças
dos peroxissomas ou as citopatias mitocondriais).
No exame objectivo é muito importante a impressão geral (“bem” ou “ar doente”), a avaliação do estado nutricional,
a existência de hemorragias (petéquias,
sufusões, hemorragia pelos locais de
punção venosa), a existência de estigmas físicos (S. de Alagille, S. Zellweger,
S. Down), de organomegalias e suas características, e da presença de ascite. É
importante também registar a presença
de sopros cardíacos (estenoses pulmo-
nares periféricas típicas do S. Alagille,
anomalias estruturais do coração no S.
Down e no S. Alagille; raramente a atrésia das vias biliares está enquadrada
num síndrome polimalformativo que inclui
cardiopatia), a presença de anomalias
oculares (cataratas, embriotoxon posterior, corioretinite, mancha cor de cereja),
e de alterações neurológicas (hipotonia,
nistagmo).
Faz parte do exame clínico do doente com colestase neonatal a observação
das fezes (fezes frescas, não misturadas
com urina).
Habitualmente a anamnese e o
exame objectivo permitem formar uma
primeira impressão diagnóstica, e juntamente com os exames complementares
de primeira linha (Quadro III) podemos
suspeitar o diagnóstico na maioria dos
casos.
Na abordagem diagnóstica do doente com colestase neonatal é muito
importante identificar as situações urgentes que devem ser esclarecidas rapidamente em regime de internamento
e que são sobretudo, e por diferentes
ordens de razões, dois grandes grupos
de doentes:
• Acolia fecal (urgentes porque o
prognóstico futuro depende da precocidade do diagnóstico e da intervenção terapêutica; não correm risco de vida no imediato).
gastroenterologia pediátrica – curso satélite
XX reunião do hospital de crianças maria pia
S 189
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
• Doentes clinicamente “mal” ou instáveis (urgentes porque correm
risco de vida no imediato). Estes
doentes podem falecer enquanto
nós estamos ocupados a pensar, a
investigar, e é muito importante termos consciência deste facto.
Quadro III – Colestase Neonatal – Exames complementares 1ª linha
- BT e BD, TGO, TGP, GGT, proteinograma, colesterol total, glicose
- Hemograma com esfregaço sangue periférico
- Estudo da coagulação
- Doseamento de alfa-1-antitripsina
No grupo que se apresenta com
acolia fecal a urgência deve-se à necessidade de confirmação ou exclusão da
atrésia das vias biliares extrahepáticas e
que é uma urgência cirúrgica. Estes doentes não carecem de transferência para
o Serviço de Urgência, mas sim de um
contacto personalizado com um Centro
de Referência em tempo útil (2-3 dias),
e acima de tudo requer que não se perca
tempo com a realização de exames complementares de segunda linha.
O grupo dos doentes clinicamente
“mal” ou instáveis é aquele em que há
sinais de sépsis (letargia, irritabilidade,
gemido, febre, vómitos) ou sinais de insuficiência hepatocelular (ascite, coagulopatia), e a investigação deve ser rápida
e dirigida para dois grupos de patologias,
e dentro destas a prioridade deve ser
para as doenças tratáveis (são as urgências médicas):
• Sépsis / doenças infecciosas (sépsis bacteriana, ITU a E.coli, infecção
a Herpes, sífilis, …)
• Doenças metabólicas com tratamento médico específico e eficaz
(galactosemia, tirosinemia, fructosemia, CDG tipo Ib)
Quando não é possível estabelecer um diagnóstico etiológico após esta
primeira fase de investigação, a mesma
deve prosseguir com exames complementares de segunda e terceira linhas
em um Centro de Referência.
ABORDAGEM TERAPÊUTICA
A terapêutica destes doentes deve
ser dirigida para a patologia subjacente à
colestase, sempre que exista tratamento
específico disponível:
• Tratamento médico:
Dietas especiais (galactosemia,
tirosinemia, fructosemia)
NTBC (tirosinemia), Manose
(CDG tipo Ib)
- Urocultura
- Pesquisa de substâncias redutoras urinárias e/ou teste de Butler (*)
- Ecografia abdominal
- Serologias do grupo TORCH, sífilis e hepatite B(na mãe)
(*) impossível se transfusão GR
Quadro IV – Consequências da colestase
Colestase
Retenção de bile
/regurgitação
Bilirrubina
icterícia
Colesterol
xantomas
Ácidos biliares
prurido
hepatotoxicidade
Cobre
hepatotoxicidade
Hipertensão
portal
Redução passagem
bile para o intestino
de sais biliares
no lúmen intestinal
Malabsorção
Malnutrição
Atraso de crescimento
de vitaminas
lipossolúveis
Diarreia
Perda de cálcio
A – Cegueira nocturna
D – Doença metabólica óssea
E – Degenerescência neuromuscular
K - Hipoprotrombinemia
Antibióticos / Antivíricos (doenças
infecciosas)
• Tratamento cirúrgico:
Exérese de quisto do colédoco
Portoenterostomia de Kasai (atrésia biliar)
Mas quando um tratamento específico não está disponível e a colestase se prolonga a mesma requer tratamento de suporte até que seja possível
efectuar, por exemplo, um transplante
hepático.
gastroenterologia pediátrica – curso satélite
S 190
Cirrose biliar
progressiva
XX reunião do hospital de crianças maria pia
Para melhor entender a terapêutica de suporte necessária relembramse as consequências da colestase no
Quadro IV.
A terapêutica de suporte é dirigida
para tentar minorar estas consequências:
• Alimentação (estes doentes têm
dificuldades em ganhar peso devido às necessidades aumentadas,
à ingestão diminuída, e a défice de
absorção):
- Leite materno ou Hidrolisado de
proteínas
NASCER E CRESCER
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
- Suplementos de hidratos de carbono e de triglicerídeos de cadeia
média
- Refeições fraccionadas, por sonda
nasogástrica, eventualmente a débito contínuo.
• Suplementos vitamínicos:
- Vitamina A 3000 U /dia oral
- Vitamina D (25 OH) 40-60 μg/dia
oral + Vitamina D3 900 U/dia oral
- Vitamina E 10 mg/kg/mês IM (ou
100 mg 3x/semana oral)
- Vitamina K 5-10 mg 2/2 ou 3/3 semanas IM
• Oligoelementos (zinco 1-2 mg/kg/
dia)
• Ácido ursodesoxicólico (15-20 mg/
kg/dia, 2 tomas, oral)
• Refluxo gastroesofágico (tratamento)
• Prurido (tratamento)
Quando a evolução se faz para doença hepática terminal pode estar indicada a realização de um transplante hepático (são contraindicações as doenças
multissistémicas e a doença neurológica
incapacitante).
Para finalizar deixamos algumas recomendações:
• Investigar todos os casos de icterícia prolongada.
• Investigar imediatamente todos os
casos de icterícia associada a colúria e/ou fezes despigmentadas,
sinais de sépsis ou de insuficiência
hepatocelular (ascite, hemorragias),
organomegalias, ou estigmas dismórficos.
• Enviar para Centro de Referência
sempre que os exames de 1ª linha
não esclareçam o diagnóstico.
• Enviar para Centro de Referência
sempre que seja diagnosticada patologia que exija abordagem especializada.
• Não esquecer a terapêutica de suporte, especialmente a suplementação vitamínica, com especial destaque para a vitamina K cujo défice é
o primeiro a manifestar-se.
• Nos recém-nascidos internados nas
UCIN a colestase é na maioria das
vezes de etiologia multifactorial.
São geralmente recém-nascidos/
lactentes doentes e/ou com antecedentes de procedimentos de grande
invasividade. Por este motivo recomenda-se:
1 - Reduzir a investigação ao estritamente necessário e diferir o
esclarecimento das patologias
não urgentes.
2 - Não esquecer suplementação
dietética, vitaminas lipossolúveis e oligoelementos
3 – Administrar ácido ursodesoxicólico como colerético.
Nascer e Crescer 2008; 17(3): 188-191
BIBLIOGRAFIA
1. E Santos Silva et al, Acta Pediatr Port;
nº5; vol 30: 397-401
gastroenterologia pediátrica – curso satélite
XX reunião do hospital de crianças maria pia
S 191
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
Obstipação na Criança – Como Lidar
Fernando Pereira1
A obstipação é um sintoma frequente na criança em qualquer grupo etário e
responsável por numerosas referências
à consulta de Gastroenterologia Pediátrica. Embora os pais nos procurem muito preocupados com o problema e com
receio de se tratar de patologia grave, a
maior parte das situações são de natureza funcional, resultantes de erros alimentares ou não aquisição dos hábitos
sociais normais e fáceis de resolver com
medidas simples que podem e devem
ser aplicadas pelo médico de família ou
pelo Pediatra assistente.
São várias as definições de obstipação que podemos encontrar na literatura
mas aquela que me parece mais apropriada, por ser mais simples e sucinta, é
a que considera existir obstipação quando há menos de 3 dejecções por semana e quando esse facto causa mal estar,
anorexia, dor e distensão abdominal, ou
seja sintomas. De facto mais do que o número de dejecções semanais ou do que
a própria consistência das fezes, é o mal
estar, incómodo, causado que caracterizam a obstipação.
Para termos uma noção quantitativa da importância do problema poderemos dizer que os dados publicados
referem que cerca de 30% das crianças
entre os 4 e os 11 anos têm obstipação,
que 3% das consultas de clínica geral
são por esta razão e que constitui cerca
de 25% das observações na Gastroenterologia Pediátrica. A obstipação tem
vindo a agravar-se ao longo dos anos e
deverá acentuar-se, tendo em conta o
estilo de vida cada vez mais sedentário
das populações e a sua alimentação pobre em resíduos.
__________
1
Serviço de Gastroenterologia
Hospital Maria Pia / CHPorto
É um sintoma mais frequente nas
crianças do sexo masculino (2/1), nas de
baixo peso (30%) e nas que sofrem de patologias neurológicas em geral (20-70%
das crianças com paralisia cerebral).
Depois desta breve introdução para
conhecermos a importância do problema,
vamos analisar de forma sumária a fisiologia do cólon e da dinâmica defecatória.
O cólon é um segmento do tubo digestivo que tem essencialmente a função
de absorver água, armazenar os resíduos fecais e promover a sua propulsão e
segmentação ao longo do seu trajecto
e finalmente de expulsão dos mesmos.
Para que estas funções decorram normalmente, é necessário que exista conteúdo
residual, depois do processo de digestão
e absorção dos alimentos, lançado no
interior do cólon e que uma correcta actividade neuromuscular intrínseca do mesmo (plexos nervosos intestinais/células
musculares da parede cólica) e uma adequada integração funcional entre esta e
o sistema nervoso central. Assim sendo,
facilmente compreenderemos que um resíduo anormal em volume, consistência e
mesmo composição, um plexo mientérico
anormal, uma doença da estrutura muscular ou que altere a sua função (desequilíbrios iónicos, doenças metabólicas,
fármacos) ou perturbações do sistema
nervoso central orgânicas ou funcionais
podem ocasionar o aparecimento de um
quadro de obstipação.
Mas tudo o que acabamos de referir
pode funcionar normalmente e mesmo
assim não se verificar uma normal expulsão para o exterior do conteúdo intestinal
se a dinâmica defecatória estiver alterada. A expulsão das fezes acumuladas
na porção terminal do cólon depende
da actividade conjugada e integrada de
várias estruturas musculares, o esfinc-
gastroenterologia pediátrica – curso satélite
S 192
XX reunião do hospital de crianças maria pia
ter anal, com o seu componente interno e externo, os músculo pubo-rectal,
as estruturas musculares do pavimento pélvico, do ângulo ano-rectal e mais
ainda dos músculos responsáveis pela
pressão intra-abdominal. A distensão do
recto pelo acumular das fezes provoca
o relaxamento do esfíncter anal interno
permitindo o contacto das mesmas com
a porção interna do canal anal, estimulando as células sensitivas responsáveis pela capacidade discriminatória, o
que nos permite tomar consciência da
natureza, sólida, líquida ou gasosa do
conteúdo rectal. Nesta altura podemos
fazer duas opções, ou não é o momento e local apropriado para a defecação e
contraímos voluntariamente o esfíncter
anal externo, o pubo-rectal (acentuando
o ângulo ano-rectal) e ocorre relaxamento da musculatura rectal com adaptação
ao volume fecal (continência) ou se pelo
contrário decidimos evacuar, adoptamos
uma posição facilitadora, relaxamos todas estas estruturas pelvirectais e contraímos os músculos abdominais (aumento
da pressão intra-abdominal) e expulsamos o conteúdo rectal.
A defecção é reflexa no lactente e
voluntária na criança e no adulto. O controlo voluntário é adquirido em média pelos 28 meses.
Tendo em consideração estas noções fisiológicas muito gerais podemos
compreender que as alterações funcionais do colon, da dinâmica defecatória ou
do sistema nervoso central (perturbações
do comportamento) ou alterações orgânicas nomeadamente cólicas ou ano-rectais que modifiquem a actividade funcional poderão provocar obstipação.
Na prática clínica contudo, deve dizer-se que com os meios de investigação
de que dispomos actualmente, 90-95%
NASCER E CRESCER
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
dos quadros de obstipação são de natureza ideopática e que a fissura anal e menos vezes as malformações ano-rectais
são as alterações mais vezes observadas nos primeiros anos de vida.
As doenças neurológicas e metabólicas e o uso de fármacos com interferência na actividade intestinal, são responsáveis por quadros de obstipação, como
podemos ver no Quadro I.
Deveremos começar o estudo de
uma criança com obstipação fazendo uma
história clínica cuidada, recolhida junto da
criança e da família, tentando conhecer
a idade de início do quadro, os hábitos
alimentares da criança e da família, os
hábitos defecatórios e se há ou não alterações do comportamento e do ambiente
social e escolar da criança e da família.
Deveremos também inquirir se existem
sintomas associados, anorexia, vómitos,
emagrecimento, enurese, dor abdominal,
proctalgia ou rectorragia. Prosseguiremos
com o exame objectivo geral não esquecendo um exame neurológico sumário e
o exame proctológico, incluindo o toque
rectal caso não existam fissuras ou outras
lesões dolorosas anais.
Com estes dados é possível na maior
parte dos casos fazer um diagnóstico etiológico da obstipação e da sua gravidade e
iniciar um esquema terapêutico.
Assim na criança com menos de 6
meses na maior parte dos casos estamos perante um quadro a que se chama
disquésia. Observa-se uma criança que
durante cerca de 10 minutos faz grande
esforço defecatório, chora e acaba por
expulsar fezes pastosas com alívio. Tratase de uma situação de não aquisição da
coordenação do aumento da pressão abdominal com o relaxamento pélvico que o
tempo irá resolver. Deveremos intervir o
menos possível e assegurar aos pais que
não existe qualquer problema orgânico e
que a resolução será espontânea.
Na criança nos primeiros anos de
vida é também muito frequente a história de instalação súbita de recusa defecatória, por vezes associada a pequena
quantidade de sangue no papel de limpeza, após episódio de esforço para expulsar fezes duras ou de grande volume.
Isto sugere a presença de fissura que o
exame objectivo irá revelar na comissura
anterior e ou posterior.
Quadro I
Causas de obstipação
Ideopática (90-95%)
Secundária a lesão anal – fissura e malformação ano/rectal
Secundária doença endócrina – hipotiroidismo
Diabetes
Associada a hipercalcemia
Associada a Insuficiência Renal
Secund. Doenças neurológicas – Mielomeningocelo
Displasia neuronal
Paralisia cerebral
Pseudobstrução intestinal
D. Hirschprung
Espinha bífida
Secundária ao uso de fármacos – Antiácidos
Anticonvulsivantes
Antidepressivos
Opiáceos
Anticolinérgicos
Associada a doença celíaca e fibrose quística
É importante neste grupo etário
chamar a atenção para a doença de
Hirschprung ou aganglionismo cólico
congénito, razão muito frequentemente
invocada para enviar as crianças à consulta de Gastroenterologia Pediátrica. É
preciso ter a noção clara que se trata de
uma doença rara (1/5000 nados vivos),
mais frequente no sexo masculino (4/1),
que se manifesta desde o nascimento,
começando por atraso na eliminação de
mecónio e que por isso uma criança que
teve trânsito intestinal normal até aos 2 ou
3 anos e depois desenvolve um quadro
de obstipação não tem seguramente uma
situação destas, embora possa ter retenção fecal acentuada e distensão cólica e
abdominal marcada.
Na criança em idade escolar é cada
vez mais frequente identificar na história
clínica erros alimentares importantes da
responsabilidade do doente e da família e
que uma vez conhecidos, se torna indispensável corrigir antes de iniciar qualquer
investigação incómoda e dispendiosa e
que não vai trazer qualquer informação
adicional para a orientação terapêutica.
Quando a observação clínica não
permite um diagnóstico etiológico para
a obstipação ou quando sugere a existência de patologia orgânica deveremos
proceder a exames auxiliares de diagnóstico.
Para além do estudo analítico geral
que pode já sugerir um diagnóstico, devemos excluir a doença celíaca que pode
ter esta forma de apresentação, o hipotiroidismo, a fibrose quística e as doenças
musculares das quais podemos suspeitar
pela presença de CPK elevada. Podemos recorrer aos estudos radiológicos
(Radiografia da coluna lombo-sagrada,
trânsito cólico, clister opaco e defecografia) que devemos escolher em função
da patologia sugerida pela observação
já efectuada; à endoscopia e ecoendoscopia e à manometria anorectal e cólica,
esta última de mais difícil execução nas
crianças.
Para o estudo do trânsito cólico
podemos utilizar a cintigrafia, o estudo
radiológico após ingestão de marcadores radiopacos ou a manometria. Para
o estudo da dinâmica defecatória recorremos à manometria anorectal (Pressão
gastroenterologia pediátrica – curso satélite
XX reunião do hospital de crianças maria pia
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
basal do EA, resposta à contracção voluntária, Reflexo inibidor anal e estudo
da sensibilidade e compliance rectal) e à
defecografia. Na suspeita de processos
inflamatórios, estenoticos ou tumorais recorremos à endoscopia. Na suspeita de
doença de Hirschprung é obrigatória a realização de biopsias rectais com estudo
imunocitoquímico.
Em termos práticos diremos que
poderemos deparar essencialmente com
3 tipos de situações: um quadro de obstipação ideopática ligeira (corresponde
a cerca de 90% dos casos observados),
em que não é necessário ir além da história clínica e exame objectivo e em que
podemos desde a primeira consulta iniciar atitudes terapêuticas; uma situação
de obstipação grave, com menos de uma
dejecção por semana associada a sintomas gerais e retenção fecal e que obriga
a investigação e instituição de tratamento
sintomático; finalmente uma situação clara de obstipação secundária a patologia
orgânica conhecida ou medicamentos
que obrigará a medidas orientadas de
correcção.
O tratamento da obstipação nas
suas mais variadas formas é feito com
recurso às seguintes medidas:
1. Educação (higiénica e dietética)
2. Treino defecatório
3. Desimpactação fecal quando presente
4. Prevenção da retenção (Laxantes)
5. Acompanhamento
6. Tratamento específico da patologia
responsável quando exista.
Os laxantes mais utilizados nas
crianças e que resolvem a maior parte
das situações são a lactulose, o lactilol, o
leite de magnésia philips, o bisacodil e o
polietilenoglicol. A estimulação anal e os
microclisteres podem ser utilizados quando não existam lesões anais mas devemno ser o menos possível. Na presença
de retenção fecal acentuada é indispen-
sável começar por proceder à remoção
das fezes retidas, recorrendo à utilização
de enemas com água ou soro fisiológico, antes de iniciar a outras medidas.
Os laxantes quando instituídos devem
ser mantidos na dose eficaz pelo tempo
necessário à normalização do quadro.
Nas crianças que não adquiriram ainda
o hábito defecatório normal deverão ser
mantidos, se necessários, até que aquela aquisição se faça. A interrupção súbita
do laxante ou a sua utilização em baixa
dose levam à descrença na sua eficácia e
à mudança sucessiva para outro laxante,
com o mesmo tipo de resultado e desespero subsequente.
Vamos agora fazer algumas considerações sobre uma situação clínica que
muitas vezes se associa à obstipação e
que é a incontinência fecal funcional por
vezes também designada de encopresis/
soiling. Trata-se de uma situação socialmente difícil de gerir, que pode ser primária, quando a criança não adquiriu o
hábito defecatório ou secundária quando
ocorre tempos depois daquela aquisição
e que pode ou não também associar-se a
acentuada retenção fecal (obstipação).
A situação de retenção fecal funcional ocorre em crianças ou adolescentes
em que se verifica eliminação de fezes
de grande volume com intervalos inferiores a 2x semana e postura de retenção,
evitando a defecação por contracção voluntária do pavimento pélvico e músculos
nadegueiros. Esta situação acontece após
episódio de defecação dolorosa, muitas
vezes associada à presença de fissuras,
quando não há tempo para evacuar ou a
criança tem nojo dos sanitários da escola ou sofreu traumatismo psicológico em
consequência de abuso sexual ou anúncio
comercial ou televisivo impressionante.
Associa-se a irritabilidade, soiling,
dores abdominais, perda de apetite e
saciedade fácil, sintomas que desaparecem após uma dejecção abundante
e voltando alguns dias depois à medida
que a retenção se vai verificando. Nestes
gastroenterologia pediátrica – curso satélite
S 194
XX reunião do hospital de crianças maria pia
doentes é necessário proceder à limpeza
intestinal, evitar a acumulação de fezes
com recurso a laxantes que tornem as fezes moles e a defecação não dolorosa e
em função da causa desencadeante accionar os mecanismos terapêuticos mais
adequados para o acompanhamento da
criança e da família.
A outra situação que habitualmente
conduz os doentes à consulta especializada é a incontinência fecal funcional
sem retenção. São crianças com mais
de 4 anos, geralmente em idade escolar,
com história de defecação em local socialmente não apropriado, a maior parte
das vezes na roupa interior, sem evidência de retenção fecal e na ausência de
doença anatómica, inflamatória, metabólica ou neoplásica associada e frequentemente com enuresis. A família entra
na consulta e quando inquirida sobre o
motivo da visita refere que o filho não segura as fezes, suja-se e não sente que
está sujo. A história clínica e o exame do
doente permitem identificar alterações
do comportamento ou personalidade da
criança frequentemente provocados pelo
ambiente social ou familiar que a rodeia.
É muitas vezes possível encontrar uma
relação temporal entre acontecimentos
familiares ou escolares e o aparecimento
do quadro. Estes doentes têm que criar
hábito defecatório diário, os laxantes poderão apenas em alguns casos ser úteis
e é o apoio psicológico ou mesmo psiquiátrico, o aspecto mais importante do
seu tratamento. A violência física sobre
o doente que alguns pais adoptam, por
considerarem que o filho é “porco”, está
formalmente contraindicada no tratamento desta situação clínica.
Para terminar gostaria de dizer-lhes
que em todas as situações que acabamos
de descrever a intervenção terapêutica
multidisciplinar é importante, com a participação do médico de família, do gastroenterologista, do psiquiatra, psicólogo e
assistente social, e a indispensável colaboração e empenhamento da família.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
Resumo das Comunicações Orais
DISPLASIA DO DESENVOLVIMENTO
DA ANCA – O PAPEL DOS FACTORES
DE RISCO
Patrícia Santos, Nádia Rodrigues,
Vanessa Portugal, Aires Pereira,
Alexandrina Portela, Agostinha Souto
Serviço de Pediatria – Unidade de Neonatologia
– Hospital Pedro Hispano
Introdução: A Displasia do desenvolvimento da anca (DDA) apresenta um
espectro de alterações anatómicas que
podem variar desde a instabilidade da articulação coxofemoral à luxação da anca.
Tem uma etiologia multifactorial com vários factores de risco descritos.
Objectivos: conhecer a prevalência, factores de risco, rastreio e evolução
da DDA em crianças naturais e residentes na área de referenciação do Hospital
Pedro Hispano (HPH).
Material e Métodos: Estudo prospectivo, longitudinal, baseado no seguimento dos recém-nascidos (RN), nascidos no HPH no ano de 2005.
O seguimento foi baseado no exame físico aos 15 dias; 1, 2, 4, 6, 9, 12,
15, 18 meses de vida (médico assistente ou consulta hospitalar) para rastreio
da DDA e realização de ecografia articular às 6 semanas de vida nos casos
de pelve, gemelaridade, prematuridade,
história familiar, alterações no exame
objectivo sugestivas de DDA. Parâmetros avaliados: sexo, idade gestacional,
apresentação fetal, gemelaridade, oligoamnios, história familiar, gesta, exame
físico, idade suspeita de diagnóstico,
meios de diagnóstico, tratamento e evolução da DDA.
Resultados: No ano de 2005 nasceram no HPH 2107 RN (51,4% do sexo
masculino). Foram incluídos no estudo
1549 RN.
Cento e noventa e oito RN apresentavam factores de risco: prematuridade
<35 semanas – 68 RN (34%); apresentação pélvica – 82 RN (41%), gemelaridade: 38 RN (19%), oligoamnios – 28RN
(14%), pé boto – 2 RN (1%), torcicolo
congénito 5 RN (2,5%), metatarso aducto
– 2 RN (1%), doença neurológica – 2 RN
(1%), exame físico sugestivo de DDA ao
nascimento: 59 RN (29,5%). Em 66,5%
dos RN estavam presentes 2 ou mais
factores de risco. Dois RN apresentaram
alterações sugestivas de DDA aos 9 e 18
meses respectivamente (ambos do sexo
feminino e 1 IG, sem outros factores de
risco).
A ecografia efectuada a 168 RN
foi normal em 90%, nomeadamente em
14/30 RN com DDA.
Verificamos DDA em 54 RN (incidência de 35/1000 RN e de 27/100 RN
com factores de risco): 24 com sub-luxação ou instabilidade e 20 com luxação
comprovada.
Analisando os RN com luxação verificamos que 65% pertencem ao sexo
feminino, 60% são primogénitos, 65%
apresentavam alterações no exame objectivo ao nascimento, 30% apresentação
pélvica, 15% oligoaminos e 10% prematuridade. Nenhum dos RN com pé boto
apresentou DDA concomitante.
Relativamente ao tratamento e evolução: todas as crianças com sub-luxação
ou instabilidade apresentaram resolução
espontânea. Quinze dos vinte doentes
com luxação foram submetidos a tratamento conservador (destes 2 foram posteriormente submetidos a cirurgia, com
boa evolução), os restantes 5 apresentaram resolução espontânea. Nos RN com
factores de risco o início do tratamento
variou entre o 1º e o 10º mês (média: 2,9
meses), enquanto que os RN sem facto-
res de risco iniciaram o tratamento mais
tardiamente (10 e 18 meses).
Conclusão: A incidência de DDA
encontrada na nossa amostra é superior
à descrita na literatura.
O nosso estudo não demonstrou
relação estatisticamente significativa
para considerar gemelaridade e pé boto
como factores de risco de DDA. Confirmou o risco acrescido no sexo feminino,
na primeira gestação, na prematuridade,
no oligoamnios, nas alterações no exame
físico ao nascimento e quando se associam factores de risco. A ecografia das
articulações coxofemorais deve ser considerada nos RN com factores de risco
associados a primeira gesta e/ou sexo feminino, contudo mesmo que normal não
exclui o diagnóstico de DDA.
Todos os doentes com sub-luxação
ou instabilidade da anca evoluíram favoravelmente sem necessidade de tratamento. A ausência de factores de risco
aumentou a idade de início de tratamento,
no entanto a evolução foi sobreponível.
FILHOS DE MÃE VIH POSITIVO:
EXPERIÊNCIA DE 8 ANOS NA
MATERNIDADE JÚLIO DINIS
Susana Carvalho, Ana Margarida
Alexandrino, Isabel Valente, Maria João
Carinhas, Ana Horta, Olga Vasconcelos,
Maria Augusta Areias
Serviço de Pediatria e Serviço de Obstetrícia
Maternidade Júlio Dinis - Centro Hospitalar
do Porto
Serviço de Doenças Infecciosas, Hospital
Joaquim Urbano
Introdução: A transmissão vertical
do VIH é inferior a 2% com o protocolo
zidovudina, cesariana electiva e exclusão da amamentação. Na Maternidade
resumo das comunicações orais
XX reunião do hospital de crianças maria pia
S 195
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
Júlio Dinis, em 2006, passaram a associar-se outros antirretrovirais em caso
de protocolo não cumprido ou riscos
acrescidos.
Objectivo: Avaliar a eficácia do protocolo de prevenção da transmissão vertical do VIH.
Métodos: avaliação retrospectiva
de indicadores na gravidez, parto e recém-nascidos da Maternidade Júlio Dinis
de 2000 a 2007. Análise estatística efectuada através dos testes t e Fisher.
Resultados: Foram tratados 133
recém-nascidos filhos de mãe VIH positivo (23% prétermo). A permilagem foi
4,6/1000. Quinze por cento das mães
eram de outras nacionalidades (12%
dos PALOPs). O contágio foi considerado sexual em 66% e em 33% das
grávidas havia adicção de drogas. A
co-infecção mais frequente foi hepatite
C (29%). O diagnóstico foi efectuado
durante a gestação em 49% e no parto em 7%. A profilaxia foi cumprida: na
gravidez em 86%, intraparto em 90% e
iniciada em todos os recém-nascidos.
Em 8 casos, desde Janeiro de 2006,
foram utilizados outros antirretrovirais
além da zidovudina. Foi efectuada cesariana electiva em 69% e parto vaginal
em 14% (4 no domicílio).
A taxa de transmissão vertical foi
5,3% (7/133), constatando-se que quando o protocolo foi cumprido a taxa de infecção reduziu-se para 1%.
Encontrámos diferenças estatisticamente significativas entre os grupos
infectado versus não infectado relativamente à vigilância inadequada e ao não
cumprimento do protocolo.
Comentários: A taxa de transmissão sendo alta foi de 1% nos que cumpriram o protocolo zidovudina, pelo que
é fundamental insistir no rastreio do VIH
nos cuidados pré-concepcionais, de
modo a aumentar a eficácia na evicção
da transmissão vertical.
Nos 2 últimos anos, não houve
nenhuma criança infectada, para o que
pode ter contribuído a associação de outros antirretrovirais.
DESIDRATAÇÃO HIPERNATRÉMICA
(DH) NO RECÉM-NASCIDO
Nelea Afanas, Eunice Moreira, Cristina
Godinho
Serviço de Neonatologia, Maternidade Júlio
Dinis - Centro Hospitalar do Porto, EPE.
Introdução: A amamentação é um
acto natural e fisiológico com vantagens
para o RN, mãe, família e sociedade. Os
benefícios do leite materno são de todos
conhecidos. Com a política da amamentação nos hospitais, as altas precoces e
uma falta de suporte nos sistemas (saúde, social e cultural) que tradicionalmente apoiavam os casais na amamentação,
corre-se o risco de graves complicações
às quais o pediatra ou o médico assistente devem estar atentos. A desidratação hipernatrémica é uma dessas complicações
e pode conduzir a insuficiência renal aguda, SCID, hemorragia intra-cerebral, trombose vascular, convulsões e até morte.
Objectivo: Caracterizar os RN com
DH e conhecer alguns dos factores responsáveis pelo insucesso do aleitamento
materno exclusivo, que conduzem a esta
patologia.
Material e métodos: Estudo retrospectivo, por consulta dos processos clínicos dos RN internados na Maternidade
Júlio Dinis entre Janeiro 2004 e Agosto
2008.
Resultados: Durante este período
foram internados 9 recém-nascidos, 5 do
sexo masculino, a maior parte (4) foram
diagnosticados em 2008. Todos eram de
termo, com um peso adequado à idade
gestacional, excepto um, grande para a
idade gestacional. Não se observaram diferenças no tipo de parto: 4 partos eutócicos e 5 distócicos. A idade materna variou
entre os 19 e os 35 anos (média de 28,9
anos), sendo a maioria primíparas (6/9).
Relativamente à proveniência 6/9 foram
internados a partir do Serviço de Urgência, um deles foi transferido do Hospital de
Barcelos por Insuficiência Renal Aguda e
Desidratação e 2 RN não chegaram a ter
alta do puerpério por ter sido detectada a
desidratação no momento da alta prevista
(3º dia de vida). O motivo principal da consulta foi: dificuldades na amamentação
(4/9). A idade de diagnóstico variou entre
3 e 11 dias de vida (média de 5,7 dias).
resumo das comunicações orais
S 196
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A percentagem de peso perdido variou entre 8,8% e 21% (média de 15%). O
valor máximo de sódio encontrado foi de
171 mEq/L. De salientar que foi nos RN
com mais dias de vida na altura do diagnóstico que a perda ponderal foi maior.
Tratamento realizado em 55,5% (5/9) foi
endovenoso (soroterapia) associado à
alimentação com leite materno e/ou leite
de fórmula.
Como comorbilidade: 1 caso de
Síndrome de Pierre-Robin. A maior parte
(66,6%) teve alta com aleitamento misto.
Em nenhum caso, foram descritas outras
complicações.
Conclusão: O maior número de
casos internados no último ano, pode sugerir que além de se estar mais atento a
esta complicação, há de facto um maior
incentivo à prática do aleitamento materno exclusivo mas que falta o apoio necessário para que as mães se sintam confiantes num processo que levanta tantas
questões, sobretudo para mães jovens
e primíparas. Os autores alertam para
a necessidade de colocar em prática as
recomendações da AAP de 2006 sobre a
vigilância da amamentação.
ALTE – UMA ANÁLISE
RETROSPECTIVA
Brígida Amaral, Joana Amorim, Rosa
Lima, Helena Mansilha, Esmeralda
Martins, José Cunha, Ana Ramos
Serviço de Pediatria Unidade Hospital Maria
Pia - Centro Hospitalar do Porto
Os autores fazem uma revisão dos
casos de ALTE internados durante o período de Janeiro de 2005 até Setembro de
2008 no serviço de Pediatria do Hospital
Maria Pia.
Por definição ALTE (Apparent Life
Threatening Event) refere-se a um episódio súbito, assustador para o observador,
no qual o lactente exibe uma combinação
de sintomas, que incluem: apneia, alteração da coloração da pele (palidez, rubor,
cianose ou plétora), alteração do tónus
muscular (hipotonia, rigidez), engasgamento ou tosse.
Tem sido descrita uma incidência de
aproximadamente 0,6 casos/1000 nados
vivos, ocorrendo a maioria em lactentes
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
com idade inferior às 10 semanas de vida
com predomínio no sexo masculino.
A etiologia subjacente ao episódio
é variável sendo 50% dos casos idiopáticos. Nos restantes casos encontra-se
uma causa gastrointestinal, neurológica,
respiratória, cardíaca, metabólica ou endócrina.
Para o diagnóstico é fundamental
uma história clínica minuciosa e um exame físico completo. Os exames complementares de diagnóstico requisitados deverão ser criteriosamente direccionados
à provável etiologia.
Uma vez identificada a causa deverá ser instituída a terapêutica adequada.
Foram revistos 34 casos clínicos
de lactentes internados por episódio de
ALTE, 19 (55,9%) do sexo feminino e 15
(44,1%) do sexo masculino, com idades
compreendidas entre os 5 dias e os 6 meses. Na maioria (82,4%) tratavam-se de
gestações de termo.
Em 47% dos casos, não se conseguiu determinar a etiologia. Os diagnósticos mais frequentes encontrados foram
do foro digestivo (32,4%), respiratória
(11,7%), cardiovascular (2,9%), neurológico (2,9%) e doença metabólica (2,9%).
O refluxo gastro-esofágico foi a única
causa digestiva identificada.
Perante os resultados obtidos podemos concluir que em cerca de metade
dos episódios não se identificou a etiologia, sendo o refluxo gastro-esofágico e
patologia mais frequente, concordando
com a literatura consultada.
RASTREIO NEONATAL NAS
DOENÇAS METABÓLICAS
HEREDITÁRIAS: FOLLOW-UP 19
DOENTES
Esmeralda Martins, Anabela Bandeira,
Laura Vilarinho
Serviço de Pediatria, Centro Hospitalar do
Porto; Centro de Genética Médica Jacinto de
Magalhães
Introdução: O rastreio neonatal é
um programa sistemático destinado a todos os RN, tendo como objectivo evitar a
evolução da patologia rastreada através
do diagnóstico pré-sintomático e da instituição precoce de terapia adequada.
No nosso país, o Programa Nacional de Diagnóstico Precoce teve início
em 1979 com o rastreio da fenilcetonuria. A partir de Março 2005 a utilização
da espectrometria de massa em tandem
permitiu alargar este rastreio a novas doenças, sendo actualmente rastreadas no
teste do pezinho a fenilcetonuria e 24 outras doenças metabólicas tratáveis.
Método e resultados: Avaliação retrospectiva dos processos de 19 crianças
diagnosticados no rastreio, e que estão
em seguimento na Unidade de Doenças
Metabólicas do Hospital Maria Pia. Foi registada a idade actual, o tipo de doença,
situação clínica à data da primeira observação, adesão à terapêutica, descompensações e evolução. Foram incluídas: 10
aminoacidopatias, 5 acidúrias orgânicas e
4 defeitos da β-oxidação mitocondrial dos
ácidos gordos. Com idades compreendidas, actualmente, entre os 4 meses e os
três anos de idade todos estavam assintomáticos à data do diagnóstico. Com a
terapêutica preconizada para a doença
respectiva, todos tem um crescimento e
um desenvolvimento psicomotor normais.
Cinco, foram internados durante intercorrencias infecciosas com recusa alimentar
e/ou vómitos, não tendo sido registado
nenhum episódio de descompensação
grave.
Comentários: O diagnóstico e início de tratamento na fase assintomática,
permite melhorar o prognóstico neste
grupo de doenças metabólicas tratáveis
ao evitar o aparecimento de sintomas irreversíveis ou fatais.
O estudo familiar e identificação de
outros elementos afectados pela mesma
doença é, também importante.
SÍNDROME DE STEVENS-JOHNSON TRÊS CASOS CLÍNICOS
Brígida Amaral, Emília Costa, Lurdes
Morais, Laura Marques, Virgílio Senra
Serviço de Pediatria Centro hospitalar do Porto
Unidade Hospital Maria Pia
O Síndrome de Stvens-Johnson
(SSJ) é uma doença mucocutânea, rara
e potencialmente grave.
Caso 1: Criança sexo feminino,
4 anos, internada por febre, exantema
papulo-vesiculoso generalizado, queilite,
conjuntivite e vulvovaginite. Infecção respiratória medicada com amoxicilina/ácido
clavulânico nos 15 dias antes e contacto
com sulfatos nos 10 dias antes. Apirexia
em D2 de internamento e início de resolução das lesões em D3 com tratamento
sintomático.
Caso 2: Criança sexo feminino,
6 anos, asmática, internada por febre,
tosse produtiva, exantema eritematovesiculoso com atingimento da mucosa
conjuntival, oral, vulvar e anal. Infecção
respiratória medicada com azitromicina
nos 7 dias antes. Infiltrado intersticial bilateral no Rx tórax. O estudo serológico
revelou IgM e IgG positivas para Mycoplasma pneumoniae, EBV e HSV, com
pesquisa por PCR negativa. Efectuou
terapêutica com IgG. Apirexia em D16 de
internamento com resolução gradual das
lesões cutâneo-mucosas
Caso 3: Criança sexo feminino,
9 anos, internada por febre, vómitos,
exantema maculo-papulo-vesiculoso generalizado com atingimento da mucosa
conjuntival, oral, vulvar e uretral. Sem
história de doenças infecciosas ou ingestão medicamentosa. O Rx Tórax foi normal. As serologias foram negativas para
EBV, CMV, HSV 1 e 2, HIV 1 e 2, Coxsackie, Mycoplasma pneumoniae, Rickettsia conorii, Brucella e Salmonella typhi.
A hemocultura e a pesquisa de vírus no
lavado naso-faríngeo foram negativas.
Verificou-se destacamento da epiderme
em 20% da área de superfície corporal
e aparecimento de sinéquias palpebrais
com necessidade de desbridamento cirúrgico. Efectuou terapêutica com IgG.
Apirexia em D15 de internamento com
epitelização total das lesões.
A gravidade de apresentação do
SSJ é variável. O caso 1 é clinicamente menos exuberante comparado com
os restantes. No caso 3 o destacamento
de epiderme é superior a 10% da área
de superfície corporal, havendo sobreposição na definição de SSJ e Necrólise
Epidérmica Tóxica. O diagnóstico etiológico é frequentemente dificil. Os agentes
etiológicos mais comuns são os fármacos
e as infecções. No caso 1 e 2 há história
de infecção respiratória. Apenas no caso
2 o estudo serológico foi positivo. A tera-
resumo das comunicações orais
XX reunião do hospital de crianças maria pia
S 197
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revista do hospital de crianças maria pia
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pêutica no SSJ mantém-se controversa,
no entanto o uso de IgG é cada vez mais
consensual.
INTERNAMENTO POR PÚRPURA DE
HENOCH-SHÖNLEIN - A EXPERIÊNCIA
DO HPH
Patrícia Santos, Ana de Lurdes Aguiar,
Tânia Sotto Maior, Ana Castro, Rui
Almeida, Sofia Aroso
Serviço de Pediatria do Hospital Pedro Hispano
Introdução: A Púrpura de HenochShönlein (PHS), também conhecida como
púrpura anafilactóide é a causa mais comum de púrpura não trombocitopénica e
vasculite sistémica na infância.
É uma vasculite de pequenos vasos, caracterizada por exantema púrpurico palpável associado frequentemente a
artrite, dor abdominal e nefrite. A evolução clínica é favorável na grande maioria
dos casos.
Objectivos: Caracterizar os internamentos por PHS no Hospital Pedro Hispano (HPH) quanto à sua apresentação,
presença de complicações, abordagem
terapêutica e evolução.
Material e Métodos: Estudo retrospectivo, descritivo, incluindo crianças internadas no HPH entre Janeiro de 2002 e
Dezembro de 2007 por PHS. Parâmetros
avaliados: sexo, idade, mês de apresentação, sinais e sintomas no diagnóstico,
antecedentes infecciosos e medicamentosos recentes, exames auxiliares de
diagnóstico, tratamento e evolução. Tempo de seguimento mínimo de 18 meses.
Resultados: Durante o período estudado foram internadas 23 crianças com
o diagnóstico de PHS, que corresponderam a 36 internamentos. Encontrou-se
um ligeiro predomínio do sexo feminino
(52,2%) e uma média etária ao diagnóstico de 5,47 anos (mínimo: 18 meses,
máximo: 2 anos). Verificou-se um predomínio de internamentos no Outono e
Inverno.
Como factores precipitantes destacaram-se as infecções das vias aéreas
superiores em 10 crianças (43%).
Relativamente aos sintomas de
apresentação verificou-se a presença de
atingimento cutâneo em todas as crian-
ças, artralgias em 16 crianças (70%), dor
abdominal em 6 crianças (26%), febre em
2 crianças, edema escrotal em 2 crianças
e hematúria macroscópica numa criança.
Os reinternamentos (n=13) foram
maioritariamente devidos a queixas abdominais (8 casos).
Encontraram-se as seguintes complicações: nefropatia de IgA (n=1), recidiva das lesões cutâneas com evolução
superior a 1 ano (n=1), sobreinfecção
bacteriana das lesões cutâneas (n=1). A
taxa de mortalidade foi nula.
A corticoterapia (prednisolona EV)
foi administrada em 50% internamentos.
Onze crianças (47,8%) foram tratadas
sintomaticamente (repouso e analgesia)
com sucesso.
Conclusões: Os autores salientam
a benignidade da PHS nesta amostra,
ressalvando o caso de atingimento renal
com evolução para a cronicidade.
Foi encontrada uma relação sexo
F: sexo M inferior à de 2:1 descrita na literatura o que poderá ser explicado pela
dimensão da amostra.
Confirmou-se o predomínio sazonal
nos meses de Outono/Inverno e de infecções respiratórias prévias já descritos em
estudos anteriores.
Apesar de a dor abdominal ter apresentado uma percentagem inferior à descrita nos sintomas de apresentação, foi a
principal causa de reinternamento; nestes
não correspondeu em nenhum dos casos
a situações de emergência cirúrgica (i.e. invaginação ou enfarte/perfuração intestinal),
devendo-se o reinternamento à exuberância das queixas e ansiedade parental.
A corticoterapia foi utilizada em 50%
dos internamentos o que nos leva a repensar os critérios de utilização deste
fármaco.
HIPERBILIRRUBINÉMIA NÃO
CONJUGADA: EXPERIÊNCIA DE UM
HOSPITAL DISTRITAL
Susana Lima, Otília Cunha, Mafalda
Sampaio, Miguel Costa
Serviço de Pediatria do H. S. Miguel – Oliveira
de Azeméis
Introdução: A síndrome de Gilbert
é caracterizada por uma hiperbilirrubine-
resumo das comunicações orais
S 198
XX reunião do hospital de crianças maria pia
mia leve não conjugada causada por uma
deficiência na enzima bilirrubina-uridinofosfato glicoruniltransferase (UGT1A1).
O valor da bilirrubina total pode atingir
os 5 mg/dl, estando por vezes associada a episódios de icterícia intermitente.
Trata-se de uma doença geneticamente
transmissível, com um padrão autossómico recessivo. Foi estimado que cerca
de 10-15% da população ocidental estará
afectada.
Material e Métodos: Avaliação dos
processos clínicos de 27 doentes seguidos na consulta de Patologia Digestiva
do nosso hospital com o diagnóstico de
síndrome de Gilbert.
Resultados: A idade média de diagnóstico foi 10 anos (intervalo de 4 a 16),
com predomínio do sexo feminino (56%).
A maioria dos doentes foi detectada em
análises de rotina, sendo que 3 foram
avaliados por história familiar de síndrome de Gilbert. Um outro doente foi diagnosticado por ter apresentado episódio
de icterícia em contexto de doença infecciosa, tendo o diagnóstico molecular
revelado alterações em heterozigotia associadas a Síndrome de Gilbert / Crigler-Najjar. O valor médio de bilirrubina total
máxima foi de 1,9 mg/dl (intervalo de 1,2
a 4,7mg/dl). Todos efectuaram estudo
genético, com prevalência da homozigotia para a duplicação dinucleotídia TA na
região promotora do gene UGT1A1 em
78% (n=21)
Conclusões: Tal como vem descrito
na literatura, a idade média de diagnóstico foi verificada na adolescência, estando a maioria dos doentes assintomáticos.
A homozigotia para a duplicação TA tem
vindo a ser associada à síndrome de Gilbert, sendo a alteração mais prevalente
na raça caucasiana, como se pode verificar também neste estudo. Foi possível
verificar ainda, a nível de estudo molecular, alterações em heterozigotia compostas que em outros estudos se encontram
individualmente associadas a Síndrome
de Gilbert e a Síndrome de Crigler-Najjar,
conferindo valores de bilirrubina total
mais elevados.
Os autores alertam para o facto de
o diagnóstico preciso destas patologias
dispensar outros estudos exaustivos
perante doentes com hiperbilirrubinemia
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ano 2008, vol XVII, n.º 3
não conjugada. Além do mais, é importante para o anestesiologista saber as
condições que podem levar à diminuição
da enzima UGT para impedir o aparecimento de toxicidade intra-operatória.
ANEMIA FERROPÉNICA.
CARACTERIZAÇÃO DE UMA
POPULAÇÃO PEDIÁTRICA
Cálix MJ, Figueiredo M, Melo T, Bini-Antunes M, Barbot J
Serviço de Hematologia da Unidade do Hospital Maria Pia - Centro Hospitalar do Porto
Introdução: O défice de ferro constitui um dos mais comuns problemas nutricionais podendo causar graves problemas na infância nomeadamente atraso
de crescimento e psicomotor, mau rendimento escolar e diminuição da tolerância
ao exercício.
Objectivos: Caracterização da população pediátrica com anemia ferripriva
ou défice de ferro seguida na consulta de
Hematologia do Hospital Maria Pia.
Material e métodos: Análise retrospectiva dos processos dos doentes admitidos entre Janeiro 1994 e Agosto 2008
com avaliação de: sexo, idade à data da
primeira consulta, motivo do envio, terapêuticas prévias com ferro, existência de
erros alimentares, parâmetros hematológicos e bioquímicos de ferro na primeira
consulta e subsequentes, terapêuticas
instituídas, documentação de resposta e
investigação de défice de absorção associado (doença celíaca (DC), gastrite
atrófica auto-imune (GAAI) e infecção por
Helicobacter pylori (HP)).
Resultados: Foram orientados 139
doentes (94 do sexo masculino) com
mediana de idade 3.5 anos (0,5- 17). Os
principais motivos para o envio à Consulta foram anemia microcitica hipocrómica
(61) e anemia resistente a terapêutica
com ferro oral (17). Em 69 doentes havia
registo de terapêuticas prévias com ferro
e em 71 referência a erros alimentares
significativos. As atitudes terapêuticas na
primeira consulta foram: ferro oral com
eventual ajuste da dose (92), ferro EV (8),
transfusão de glóbulos rubros e posteriormente ferro oral (3), correcção exclusiva
dos erros alimentares (5), suspensão
de terapêutica (2), outras atitudes (15),
nenhuma atitude (14). Em 113 dos 139
doentes foi comprovada a existência de
anemia ferropénica e/ou ferropenia sendo que nos restantes foram detectadas
outras situações, nomeadamente alfa talassemia minor (10), beta talassemia minor (3), esferocitose hereditária (1), traço
de drepanocitose (2). A reavaliação aos 3
meses foi possível em 109 casos e permitiu documentar resolução da anemia
(42), melhoria parcial (40) e ausência de
resposta (27). A prova de absorção com
ferro oral foi efectuada em 19 doentes,
tendo resultado positiva em 12 (foi documentada infecção por HP isolada (4),
infecção por HP associada a provável
alteração no metabolismo do ferro (3),
infecção por HP associada a GAAI (1),
GAAI isolada (1) e outros diagnósticos
(3)). O tempo mediano de seguimento
dos doentes foi de 10 meses (mínimo 1,
máximo 48). Do total de doentes 55 mantêm vigilância, 56 tiveram alta, 10 foram
referenciados a outras consultas e 18 foram perdidos no seguimento.
Comentários: As situações de défice de ferro devem ser detectadas e tratadas eficazmente pois são comprovadamente prejudiciais no desenvolvimento
físico e intelectual da criança. De referir
a importância de detecção atempada de
patologias que interferem na absorção
do ferro nas situações de anemia não
responsiva à terapêutica oral. Estas situações devem ser diagnosticadas antes
do recurso à terapêutica com ferro EV
cuja previsível boa resposta pode adiar
o diagnóstico. Destaca-se a importância
de uma alimentação saudável no sentido de prevenir erros que possam causar
a longo prazo situações de carência de
ferro.
Da presente casuística ressalta a
percentagem elevada de crianças que
se mantém em vigilância na consulta,
assim como o follow-up elevado dos
que tiveram alta. Estes números devem
ser avaliados no contexto de um serviço
onde recorrem crianças que já revelaram
algum tipo de resistência às terapêuticas
efectuadas no âmbito dos cuidados de
saúde primários.
DIETA CETOGÉNICA – EXPERIÊNCIA
NA PEDIATRIA
Carla Silva, Manuela Almeida,
Esmeralda Martins, Inês Carrilho, Teresa
Temudo, Fernando Pichel
Unidade de Nutrição Departamento da Infância
e Adolescência, Centro Hospitalar do Porto
IRJ - Centro de Genética Médica Jacinto de
Magalhães
Introdução: A dieta cetogénica, é
uma dieta normocalórica, rica em gordura e restrita em hidratos de carbono, que
estimula a formação de corpos cetónicos
que são utilizados pelo cérebro como
energia alternativa.
Esta terapêutica não farmacológica usada há longa data no tratamento
das epilepsias refractárias, é também o
tratamento de eleição em algumas doenças do metabolismo energético cerebral
como o défice de transportador da glicose tipo I (GLUT-I) e o défice em piruvato
desidrogenase (PDH).
Objectivos: Descrever um grupo de
crianças seguidas no CHP, que efectuaram tratamento com dieta cetogénica.
Avaliar a eficácia e complicações
desta dieta nos doentes com tratamento
superior a 6 meses.
Material e Métodos: Estudo retrospectivo descritivo através da recolha de
dados dos processos clínicos dos doentes que iniciaram tratamento com dieta
cetogénica. Foram recolhidos os seguintes dados: idade actual, sexo, diagnóstico, idade de início do tratamento, duração do tratamento, eficácia ou não do
tratamento, complicações detectadas durante o tratamento (clínicas e analíticas)
e evolução ponderal.
Resultados: A dieta foi instituída
em 12 doentes, 5 do sexo feminino e 7
do sexo masculino com idades compreendidas entre 1 e 12 anos e uma média
de 4,9 anos. Destes, 7 apresentavam
diagnóstico de epilepsia refractária, 3
apresentavam défice em piruvato desidrogenase e 2 défice de transportador da
glicose tipo I.
Cinco doentes suspenderam a dieta
(1 por não adesão e 4 por não se verificar
benefício).
Nos sete doentes que mantiveram
a dieta por um período superior a 6 me-
resumo das comunicações orais
XX reunião do hospital de crianças maria pia
S 199
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revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
ses a evolução foi: epilepsia (3 doentes)
redução superior a 90% do número de
crises, défice de transportador da glicose
tipo I (1 doente) redução de quase 100%
no número de episódios paroxisticos
(ataxia/sonolência), défice em piruvato
desidrogenase (3 doentes) verificou-se
uma melhoria clínica significativa ao nível
do desenvolvimento motor.
Nestes sete doentes registaram-se
as seguintes complicações: aumento das
transaminses (2 doentes), hipercolesterolemia (3 doentes), hipertrigliceridémia (2 doentes), hipocalcemia (1 doente), esteatose
(1 doente) e excesso de peso (1 doente).
Conclusões: A dieta cetógénica
mostrou ser eficaz e segura no tratamento destas situações clínicas. Contudo, é
de extrema importância o conhecimento dos riscos ao nível nutricional assim
como o impacto ao nível do crescimento,
sendo para tal necessária uma avaliação
dos parâmetros analíticos e antropométricos ao longo do tratamento. Outro factor importante a considerar consiste na
motivação dos pais para instituir este tipo
de dieta, assim como a própria divulgação deste tratamento ao nível dos profissionais de saúde.
CITOPATIA MITOCONDRIAL E RIM
Patrícia Nascimento, Alzira Sarmento,
Anabela Bandeira, Conceição Mota,
Mª Sameiro Faria, Esmeralda Martins
Serviço de Pediatria e Serviço de Nefrologia
Pediátrica das Unidades Hospital Maria Pia
e Hospital Santo António - Centro Hospitalar
do Porto
Introdução: As citopatias mitocondriais (CM) são um grupo heterogéneo
de doenças hereditárias causadas por
défices na fosforilação oxidativa comprometendo o fornecimento adequado de
ATP ás células. Nestas doenças caracterizadas pelo envolvimento multissistémico, são mais frequentes os sintomas nos
órgãos com consumo energético elevado
dependente do metabolismo aeróbio (cérebro, musculo, coração, fígado e rim).
O envolvimento renal nas crianças manifesta-se por tubulopatia proximal (mais
frequente), síndrome nefrótico, nefropatia
tubulointersticial e insuficiência renal.
Objectivo: Estudar o envolvimento renal dos doentes com CM seguidos
na consulta de Doenças Metabólicas do
Hospital Maria Pia.
Métodos: Estudo retrospectivo pela
consulta dos processos clínicos dos doentes com diagnóstico de CM (critérios
morfológicos, bioquímicos ou moleculares). Avaliou-se a função renal através
da excreção fraccionada de sódio, potássio e ácido úrico, reabsorção tubular
de fósforo, proteinuria, níveis séricos de
albumina, metabolismo ácido-base, relação magnésio/creatinina, doseamento de
aminoácidos e glicose e cálcio na urina.
Resultados: Das 27 crianças com
idades compreendidas entre os 1 e os 14
anos de idade, 13 (48,1%), tinham envolvimento renal. Destas 12 apresentavam
patologia do tubulo próximal (1 raquitismo hipofosfatemico, 1 síndrome Fanconi,
10 tubulopatia ligeira com aminoaciduria, proteínuria tubular e perda de sal).
O atingimento glomerular com síndrome
nefrótico ocorreu num caso. Apenas um
doente apresenta doença renal isolada e
nos restantes o envolvimento renal surge
num contexto de doença multissistémica
onde predomina a clínica neurológica.
Comentários: Os dados obtidos encontram-se em consonância com os publicados nas crianças com CM, existindo
envolvimento do rim em cerca de 50% dos
casos com predomínio marcado de doença do tubulo próximal. Os autores alertam para a necessidade de pensar neste
grupo de doenças perante crianças com
patologia renal não filiada, particularmente quando existe envolvimento de órgãos
sem relação funcional ou embriologica.
AUTO DECLARAÇÃO DE ALERGIA A
FÁRMACOS EM IDADES PEDIÁTRICAS
- ANÁLISE MULTIVARIADA DE
FACTORES DE RISCO
L. Araújo, E. Gomes, J. Fonseca
Serviço de Imunoalergologia, H.S. João EPE;
Serviço de Imunoalergologia, H.M Pia; Serviço e Laboratório de Imunologia; Serviço de
Biostatítica e Informática Médica, Faculdade
de Medicina da Universidade do Porto
Objectivo: Avaliar a prevalência de
auto-declaração de alergia a fármacos,
resumo das comunicações orais
S 200
XX reunião do hospital de crianças maria pia
características das reacções e análisar
os factores de risco, em diferentes populações de ambulatório nas idades pediátricas.
Métodos: Questionários preenchidos pelos pais foram recolhidos em 3
populações pediátricas distintas (uma
população de crianças seguidas em Pediatria privada, uma população seguida
em Cuidados de Saúde Primários e uma
população do ambulatório hospitalar de
7 consultas (Imunoalergologia, Medicina
Física e de Reabilitação, Cirurgia Pediátrica, Estomatologia, Otorrinolaringologia, Pediatria Geral e Pedopsiquiatria).
O questionário avaliava a ocorrência de
reacções adversas a fármacos, fármacos
envolvidos e manifestações clínicas das
reacções. Numa subpopulação de crianças seguidas em consulta de Imunoalergolgia foi avaliada a associação entre
atopia e alergia a fármacos. Foi utilizado
um modelo de regressão logística multivariada para avaliar possíveis factores
de risco, para um nível de significância
de 5%.
Resultados: Foram analisados
1849 questionários. A mediana de idade
foi de 6 (Min 0 - Max 20) anos; 58% de
sexo masculino. Auto-declararam reacções adversas a fármacos 10% dos pais
e 6% acreditavam que os filhos sofriam
de alergia a fármacos; 5% tinham um
diagnóstico médico prévio de alergia a
fármacos. As reacções cutâneas foram
as mais frequentes (58%); 80% das reacções levaram os pais a recorrer a assistência médica não programada e 42%
necessitaram de algum tipo de tratamento médico. No modelo de regressão logística multivariada, apenas a população
de origem (OR 1.2; 95% CI 1.02-81.5;
p=0.03) e a presença de manifestações cutâneas (OR 4.1; 95% CI 1.7-10;
p=0.002) se revelaram factores de risco
independentes para diagnóstico médico
de alergia a fármacos
Conclusões: A auto-declaração de
alergia a fármacos pelos pais é frequente.
Os únicos factores de risco independentes para diagnóstico médico de alergia a
fármacos encontrados foram manifestações cutâneas da reacção e a população
de origem, pelo que factores não relacionados com as características clínicas das
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
reacções poderão influenciar o diagnóstico médico de alergia a fármacos.
ESTUDO RETROSPECTIVO DE ALTA
ESTATURA SINDRÓMICA NUMA CONSULTA DE GENÉTICA/METABOLISMO
Diana Moreira, Jorge Sales Marques
Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar
Gaia/Espinho – EPE
Objectivo: O objectivo deste estudo é caracterizar os casos clínicos de alta
estatura sindrómica, seguidos na consulta de Genética e Metabolismo do Centro
Hospitalar Gaia/Espinho – EPE.
Material e Métodos: Revisão dos
processos clínicos dos pacientes com
alta estatura seguidos na consulta de Genética/Metabolismo, no período de 1-1-00
a 31-12-07. Foram analisadas as seguintes variáveis: sexo, idade, idade de diagnóstico, motivo de consulta, diagnóstico
etiológico, parâmetros antropométricos,
desenvolvimento psicomotor, alterações
ao exame físico e comorbilidades associadas. Excluíram-se do estudo os pacientes com alta estatura familiar.
Resultados: De um total de 412
pacientes seguidos na consulta de Genética/Metabolismo, 20 pacientes (4,9
%) apresentam alta estatura de etiologia
sindrómica, destes 65% (13 pacientes)
são do sexo masculino. A idade média de
diagnóstico etiológico foi 5 (mínimo 1 e
máximo 15) anos de idade. A causa mais
frequente de alta estatura é o Síndrome
(S.) de Beckwith-Wiedemann (5 casos,
25%), seguido pelo S. de Marfan (4 casos, 20%), S. do X Frágil e S. de Klinefelter (3 casos cada um, 15%), Trissomia
X (2 casos, 10%) e finalmente S. de Beals, S. de Sotos e Homocistinúria (1 caso
cada um, 5%). Apenas 1 dos 20 casos
(5%) foi referenciado à consulta por alta
estatura, o motivo de consulta mais frequente foi distúrbios do desenvolvimento
psicomotor (7 casos, 35%). Onze pacientes apresentam comorbilidades associadas (55%), mais prevalente no S. de de
Beckwith-Wiedemann (75%).
Discussão: A alta estatura foi um
motivo infrequente de consulta nesta
amostra populacional. Os autores pretendem realçar a importância do reconheci-
mento precoce da dismorfologia, distúrbios do desenvolvimento psicomotor e
pubertário nos pacientes com alta estatura, com intuito de permitir uma adequada orientação clínica e aconselhamento
genético.
DOENÇA RENAL POLIQUÍSTICA AUTOSSÓMICA RECESSIVA: REVISÃO
CASUÍSTICA DE 21 ANOS
Susana Sousa, Sérgia Soares, Bernarda
Sampaio, Teresa Costa, M. Sameiro
Faria, Conceição Mota
Serviço de Nefrologia Pediátrica do Centro
Hospitalar do Porto
Introdução: A Doença Renal Poliquística Autossómica Recessiva (DRPAR) é uma doença multissistémica de
transmissão genética (AR), que se caracteriza por dilatação cística dos ductos
colectores renais e vários graus de anomalias hepáticas. Afecta 1 em 10.000 a
40.000 recém-nascidos, mas a frequência do gene na população geral é de 1/70.
É devida a mutações em um único gene,
localizado no braço curto do cromossoma
6, existindo no entanto diferentes formas
de apresentação clínica e evolução da
doença.
Objectivos: Revisão e caracterização dos casos de DRPAR seguidos na
consulta de Nefrologia Pediátrica.
Material e métodos: Estudo retrospectivo dos registos clínicos das crianças
com DRPAR seguidas entre Novembro
de 1987 e Abril de 2008, com análise de
diversas variáveis, como sexo, idade, história familiar, diagnóstico, evolução clínica e imagiológica e tratamento.
Resultados: Das 11 crianças incluídas no nosso estudo, 55% é do sexo
masculino, com uma idade média actual
de 13,5 anos. A história familiar foi relevante em 4 doentes, com 1 caso de consanguinidade parental e 3 doentes com
irmãos afectados pela doença. O motivo
que levou ao diagnóstico foi: alteração na
ecografia pré-natal em 5 casos (45%),
massas abdominais palpáveis em 3
(27%), insuficiência renal em 1 e rastreio
familiar em 1. Dos 6 casos diagnosticados após o nascimento, 2 foram no período neo-natal, 1 aos 3 meses e 3 após o 1º
ano de vida. Na primeira ecografia renal
efectuada 91% dos doentes apresentavam alterações típicas da doença (rins
aumentados, hiperecogénicos e com má
diferenciação cortico-medular) e em mais
de metade eram já visíveis numerosos
quistos renais. Na 1ª ecografia abdominal
apenas 2 doentes (18%) apresentavam
alterações. O estudo genético foi realizado numa família. Quanto à evolução,
9 crianças (82%) apresentaram HTA (em
5 delas de difícil controlo) e 7 crianças
(64%) IRC (2 das quais com evolução
para IRC terminal, já transplantadas). Em
5 crianças existe fibrose hepática, embora nenhuma com repercussão clínica.
Conclusões: A DRPAR, apesar de
ser uma doença geneticamente homogénea, cursa com diferentes expressões fenotípicas. Estabeleceram-se já algumas
correlações geno-fenotípicas e, no futuro,
o estudo das mutações permitirá compreender melhor a relação entre elas e as
manifestações clínicas da doença.
CONSULTA DE GINECOLOGIA PEDIÁTRICA E DA ADOLESCÊNCIA NA MATERNIDADE JÚLIO DINIS – UMA EXPERIÊNCIA MULTIDISCIPLINAR
Eugénia Fernandes, Sandra V. Soares,
Inês Vaz, Teresa Oliveira, José Cidade
Rodrigues
Serviços de Ginecologia e Obstetrícia Maternidade e Júlio Dinis e Serviço de Cirurgia Pediátrica Hospital Maria Pia - Centro Hospitalar
do Porto
Introdução: A Ginecologia Pediátrica e da Adolescência (GPA) é uma especialidade relativamente recente, de carácter multidisciplinar, que se alicerça em
várias especialidades como a Pediatria, a
Endocrinologia, a Ginecologia, a Cirurgia
Pediátrica, a Urologia, a Nefrologia, a Pedopsiquiatria, a Genética, entre outras.
Os progressos recentes na Biologia
Molecular, na Genética Clínica e nas Técnicas de Imagem, deram um grande contributo para o nosso conhecimento sobre
o desenvolvimento do aparelho genital
humano e permitiram clarificar os limites
da variação fisiológica.
A abordagem clínica da patologia
ginecológica na criança e na adolescente
resumo das comunicações orais
XX reunião do hospital de crianças maria pia
S 201
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
reveste-se por vezes de grande complexidade do ponto de vista médico e psicológico, pelo que requer uma abordagem
multidisciplinar.
É com base nestes pressupostos
e seguindo as recomendações da Federation Internacionale de Gynecologie
Infantile et Juvenile e da North American Society for Pediatric and Adolescent
Gynecology que foi criada em Março de
2007 a Consulta de Ginecologia Pediátrica e da Adolescência na Maternidade
Júlio Dinis.
A consulta de GPA é constituída por
uma equipa multidisciplinar que envolve
profissionais da MJD e HMP nas áreas
de Ginecologia, Cirurgia Pediátrica, Endocrinologia Pediátrica, Urologia/Nefrologia Pediátrica, Genética Médica e Pedopsiquiatria.
Dedica-se ao estudo diferenciado
da patologia ginecológica geral da criança e adolescente, bem como às doenças
do desenvolvimento e diferenciação sexual, nomeadamente intersexo.
Tem como objectivos prioritários: desenvolver actividade assistencial médicocirúrgica no domínio da GPA, definir guidelines de actuação clínica de acordo com
a medicina baseada na evidência, criar
base de dados clínicos para posterior auditoria, apresentar e publicar regularmente
trabalhos científicos e desenvolver competências formativas na área da GPA.
Em termos descritivos, a Consulta
de GPA dedica-se à abordagem diagnóstica e terapêutica de: doenças do
desenvolvimento sexual – anomalias estruturais/malformativas do aparelho genital, alterações do desenvolvimento pubertário – puberdade precoce ou atraso
pubertário, doenças endócrinas (hiperandrogenismo/hirsurtismo, S.O.P., falência
ovárica prematura, hiperprolactinémia,
patologia tiroideia), alterações do ciclo
menstrual, patologia vulvo-vaginal, diagnóstico e tratamento de D.S.T., patologia
anexial, patologia mamária, sequelas de
tratamento oncológico de tumores pediátricos e follow-up de crianças e adolescentes portadoras de doença sistémica
com envolvimento ginecológico.
Esta consulta está igualmente vocacionada para o follow-up de doentes que
tendo sido operadas na infância ou ado-
lescência por patologia genital, necessitam de vigilância ginecológica regular na
idade adulta.
A Consulta de Ginecologia Pediátrica e da Adolescência realiza-se com
periodicidade bimensal e dispõe de uma
Consulta de Grupo para discussão de
casos clínicos de maior complexidade.
Apresenta a particularidade de ser
realizada num espaço adaptado à idade, com tempo de consulta apropriado e
apoio de outras especialidades.
Objectivo: Divulgação da Consulta
de Ginecologia Pediátrica e da Adolescência. Revisão da casuística.
Metodologia: Descrição do organigrama funcional da consulta, constituição
da equipa e âmbito da actividade assistencial. Consulta dos processos clínicos
das doentes observadas na consulta de
GPA.
Resultados: Desde a sua implementação, foram realizadas 91 consultas
de GPA na MJD, das quais 55 primeiras
consultas. Foram observadas doentes
com idades compreendidas entre os 5
e os 26 anos. Vinte e nove (53%) foram
referenciadas pela Unidade Hospital Maria Pia (maioritariamente pelo Serviço de
Cirurgia Pediátrica), 19 (34%) encaminhadas pelos Centros de Saúde, 5 (9%) orientadas pelo Serviço de urgência da MJD e
2 provenientes de outros hospitais.
Entre as situações clínicas observadas, destacam-se pela sua frequência,
as tumefacções anexiais, as hemorragias
genitais anómalas, a patologia vulvovaginal, as amenorreias primária e secundária e as alterações endócrinas.
Foram seguidas na consulta 3 doentes com Síndrome de Mayer–Rokitansky–
Küster–Hauser, 3 casos de Disgenesia
gonadal, 2 casos de Pseudohermafroditismo masculino (um por Deficiência da
17 β-hidroxiesteróide desidrogenase e
outro por Síndrome de insensibilidade
completa aos androgénios) e um caso
de Pseudohermafroditismo feminino por
Hiperplasia adrenal congénita virilizante
- Deficiência da 21-hidroxilase).
Conclusões: A consulta de GPA
pretende ser uma mais-valia na prestação de cuidados de saúde diferenciados,
no âmbito da assistência ginecológica
neste grupo etário.
resumo das comunicações orais
S 202
XX reunião do hospital de crianças maria pia
Apesar da sua implementação na
MJD ser recente e ainda pouco divulgada, os casos clínicos observados justificam por si só a sua existência. Pretende-se, no futuro, que esta constitua uma
consulta multidisciplinar de referenciação
na área da Ginecologia Pediátrica e da
Adolescência.
SAÚDE SEXUAL E REPRODUTIVA: OS
COMPORTAMENTOS DOS ADOLESCENTES
Marcília Teixeira, Mónica Fernandes,
Himali Bachu, Ana Paula Teixeira, Delfina
Leite, Joana Santos, Teresa Oliveira,
Paulo Sarmento
Departamento da Mulher e da Neonatologia,
Centro Hospitalar do Porto-Unidade Maternidade Júlio Dinis; Departamento de Matemática, Universidade de Trás-os-Montes e Alto
Douro
Objectivo: Os adolescentes têm
grande probabilidade de comportamentos sexuais de risco devido à sua fase de
desenvolvimento. O objectivo deste estudo foi avaliar os comportamentos dos
adolescentes que recorrem à consulta do
Espaço Jovem em relação à saúde sexual e reprodutiva.
Material e Métodos: Um questionário auto-aplicado sobre sexualidade
foi proposto a todos os utentes do Espaço Jovem entre Junho de 2007 e Julho de 2008. Dos 1711 (68,5%) questionários devolvidos, foram seleccionados
506 (29,6%) correspondentes a utentes
com idade igual ou inferior a 18 anos.
Foram analisados factores demográficos, hábitos sociais, idade da coitarca,
número de parceiros e métodos contraceptivos.
Resultados: A maioria dos utentes
era do sexo feminino (96%) e a idade
média era 16,6 (±1,3) anos. Quase todos
eram estudantes (85,2%), 57,7% destes
do ensino secundário. A maioria afirmou
não ter hábitos tabágicos (71,1%) ou de
uso de drogas (93,1%); no entanto mais
de metade (54,7%) consumiam álcool
e cerca de 80% reportavam saídas à
noite. Cerca de 85% dos adolescentes
tinham já iniciado a sua actividade sexual, com uma idade média da coitarca de
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
13,7 (± 5,1) anos, tendo esta sido inesperada em 45,8% dos casos, embora
com a utilização de algum método contraceptivo em quase 90% das relações,
sendo o preservativo o método de eleição (66,8%). Um terço afirmava ter tido
2 ou mais parceiros sexuais. Cerca de
60% afirmaram nunca ter utilizado contracepção de emergência e 6,7% tinham
história de gravidez, sendo que 55,9%
destas terminaram em interrupções voluntárias.
Conclusão: A grande maioria dos
utentes deste grupo tinha já iniciado a
sua vida sexual, de forma inesperada e
apresentando alguns comportamentos
de risco. Assim, todos os profissionais de
saúde em contacto com esta população
devem informar e educar os adolescentes desde cedo, de forma a promover um
estilo de vida saudável/protector no campo da saúde sexual e reprodutiva.
Trabalho premiado pela Comissão
de Fomento da Investigação em Cuidados de Saúde P.I. nº137/2007
HEPATITE COLESTÁTICA AGUDA:
UMA APRESENTAÇÃO RARA DE UMA
INFECÇÃO COMUM
Alexandre Braga, Patrícia Nascimento,
João Goudiaby, Manuel Tavares,
Ermelinda Santos Silva
Serviços de Pediatria do Centro Hospitalar
do Porto, Unidade Hospital Maria Pia e
Centro Hospitalar Tâmega e Sousa, Unidade
Hospital Amarante
Resumo: A infecção por Vírus Epstein-Barr (EBV) tem uma grande prevalência (95%) em todas as populações.
Nos países desenvolvidos, é comum
durante a infância, embora 1/3 dos casos
ocorra já na adolescência. Nas crianças
com menos de 4 anos, a infecção é geralmente subclínica ou manifesta-se por sintomas inespecíficos; nas crianças mais
velhas e nos adolescentes manifesta-se
em 50% dos casos pela tríade clássica
do sindrome da mononucleose infecciosa: astenia, faringite, linfadenopatia generalizada. Em ambas as apresentações,
é frequente a elevação ligeira a moderada das transaminases (50%) e hepatomegalia em cerca de 10% dos pacientes,
embora a apresentação como hepatite
aguda colestática seja rara.
Os autores apresentam o caso de
uma criança de 8 anos de idade, previamente saudável, com antecedentes de
icterícia durante o 2º mês de vida (não investigada e com resolução espontânea),
que foi admitida por quadro clínico de
anorexia, astenia, temperatura subfebril
com alguns dias de evolução, seguido de
vómitos, icterícia, colúria, fezes despigmentadas e hepatomegalia, na ausência
de faringite, adenomegalias e esplenomegalia.
O estudo analítico revelou linfocitose com linfóticos atípicos, hiperbilirrubinémia conjugada, transaminases e GGT
muito elevadas, mas com funções de síntese hepática preservadas. A investigação complementar confirmou o diagnóstico de infecção aguda por EBV e permitiu
excluir outras causas de hepatite aguda.
A evolução foi favorável, com resolução
dos sintomas em 2 semanas e diminuição lenta mas progressiva das enzimas
hepáticas.
SÍNDROME DE JUNÇÃO PIELO-URETERAL SUBMETIDOS A CIRURGIA:
CASUÍSTICA DE 10 ANOS
Lígia Peralta, Sónia R. Silva, Paula
Rocha, Armando Reis, Jorge Vaz Duarte
Serviço de Pediatria, Hospital Infante D. Pedro,
Aveiro; Serviço de Urologia, Unidade Hospital Maria Pia, Centro Hospitalar do Porto
Introdução: A obstrução da junção
ureteropélvica, ou síndrome da junção
pielo-ureteral (SJPU), deve-se a um estreitamento funcional ou anatómico da
junção entre a pelve renal e o ureter. É
a causa mais frequente de hidronefrose
detectada no período pré-natal (PN). Geralmente, a ecografia renal mostra dilatação da pelve renal e do sistema colector,
sem evidência de dilatação do ureter e
sem alterações da bexiga. O diagnóstico
é confirmado pelo renograma após diurético. O tratamento cirúrgico está indicado
nos casos mais graves.
Objectivos: Caracterização dos casos de SJPU identificados na Consulta
de Patologia Nefro-urológica Pediátrica
do Hospital Infante D. Pedro (HIP), que
foram sujeitos a intervenção cirúrgica e
sua evolução.
Material e métodos: Análise retrospectiva dos processos clínicos das
crianças com SJPU submetidas a intervenção cirúrgica entre os anos de 1999
e 2008.
Resultados: Durante o período de
estudo foram intervencionadas 11 crianças, 9 do sexo masculino. Sete apresentavam dilatação pielocalicial PN, 3
com atingimento bilateral. Duas crianças
apresentaram hematúria e outra infecção urinária (IU) precoce. À data do diagnóstico, as ecografias renais mostraram
bacinete superior ou igual a 15mm em 8
crianças, com predomínio do atingimento renal esquerdo (7), houve afectação
do parênquima renal em 8. Em nenhuma se observou refluxo vesico-ureteral.
Todas as crianças apresentaram um
atraso de esvaziamento no renograma
com MAG3, sem resposta ao diurético.
Apenas uma apresentou compromisso
da função diferencial. A função renal foi
normal em todas, excepto numa (com
melhoria significativa pós-cirurgia). Após
o diagnóstico, todas as crianças foram
orientadas para a consulta de Urologia
do Hospital de Crianças Maria Pia. Oito
foram intervencionadas nos primeiros 2
anos de vida, uma aos 4 anos, uma aos
10 e uma aos 16 anos de idade. Uma
das crianças, de 5 meses de idade, faleceu no pós-operatório imediato. Uma
das crianças abandonou a consulta e 2
encontram-se em fase de estudo póscirurgia. Houve recorrência do SJPU em
2 crianças, apenas 1 repetiu IU. Quatro
apresentam compromisso do parênquima renal e 3 mantêm atraso no esvaziamento, com resposta ao diurético, no
renograma de controlo.
Conclusões: O diagnóstico atempado do SJPU e a correcção cirúrgica
nos casos mais graves permitem diminuir o número de infecções urinárias e
preservar a função renal. O tratamento
geralmente é cirúrgico, mas a abordagem deve ser sempre efectuada por uma
equipa experiente e pluridisciplar (pediatria e cirurgia).
resumo das comunicações orais
XX reunião do hospital de crianças maria pia
S 203
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
NEFROUROPATIAS CONGÉNITAS ADMITIDAS NUMA UCIN: CASUÍSTICA DE
10 ANOS
Teresa Andrade, Liliana Pereira, M. Sameiro Faria, Teresa Costa, Alzira Sarmento, Armando Reis, Conceição Mota,
Carlos Duarte
Serviço de Nefrologia, UCINP, Serviço de Urologia - Unidade Hospital Maria Pia - Centro
Hospitalar do Porto
Introdução:
Aproximadamente
um terço das crianças com Insuficiência
Renal Crónica Terminal tem doença por
malformações do tracto urinário. O prognóstico associado a este tipo de malformações depende do grau de atingimento
renal e da presença de outras malformações, e pode por vezes começar a definirse in útero.
Objectivo: O objectivo deste estudo é a análise dos casos admitidos numa
Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN), com diagnóstico de malformação nefro-urológica (MNU).
Métodos: Estudo retrospectivo com
base na revisão dos processos clínicos
de 34 recém-nascidos admitidos na UCIN
com MNU, de Janeiro de 1998 a Dezembro de 2007. Foram avaliadas a idade,
sexo, diagnóstico pré-natal, presença de
malformações extra-renais, insuficiência
renal, necessidade de diálise, correcção
cirúrgica e evolução.
Resultados: A amostra incluiu 34
recém-nascidos (RN), com predomínio
de sexo masculino (82%) e idades na admissão compreendidas entre 1 e 20 dias
(mediana de 1 dia). Os diagnósticos etiológicos mais frequentes foram válvulas da
uretra posterior (9 casos) e extrofia vesical
(8 casos). O diagnóstico pré-natal (DPN)
mais frequente foi hidronefrose bilateral.
O parto foi por cesariana em 53% dos casos, metade deles associados à presença
de oligoâmnios. Dois RN apresentavam
restrição de crescimento intra-uterino e 13
(38,2%) nasceram prematuros. O peso ao
nascimento variou entre 1830g e 4330g,
com uma mediana de 3050g. Verificou-se
a presença de malformações extra-renais
em 44% dos casos, na maioria malformações cardíacas, perineais, e síndromes
dismórficos. A ecografia pós-natal confirmou o DPN em 73% dos casos. Nenhum
caso de extrofia vesical foi diagnosticado
no período neonatal. Na admissão, 47%
dos RN apresentavam insuficiência renal
(IR), 85% dos quais não oligúrica. Refluxo
vesico-ureteral foi observado em 15 e displasia renal em 14 dos 34 casos. A correcção cirúrgica foi realizada em 25 RN (mediana de idade de 7 dias), observando-se
uma melhoria da função renal em 40%
dos casos com IR. Verificou-se evolução
para insuficiência renal crónica (IRC) em
10 RN (31%); destes, 5 necessitaram de
iniciar terapêutica substitutiva da função
renal.
Conclusões: As malformações nefro-urológicas graves detectadas no período pré-natal e/ou neonatal, estão frequentemente associadas a insuficiência renal.
Alguns casos beneficiam com a intervenção cirúrgica, sobretudo os de causa obstrutiva, outros evoluem para IRC.
LUPUS ERITEMATOSO SISTÉMICO
– A REALIDADE DE UM SERVIÇO
Joana Rios, Liliana Pereira, Teresa Costa,
M. Sameiro Faria, Conceição Mota
Serviço de Nefrologia Pediátrica do Hospital
Maria Pia - Centro Hospitalar do Porto
Introdução: O Lúpus eritematoso
sistémico (LES) é uma doença auto-imune complexa, com envolvimento muti-orgânico. Em diversos casos só a evolução
ao longo do tempo, pela associação de
sinais e sintomas e de alterações analíticas mais específicas, permite o diagnóstico. A morbilidade desta patologia e
o tratamento são variaveis, mantendo-se
controverso o tratamento mais eficaz.
Objectivos: Caracterização das
crianças com o diagnóstico de Nefrite
lúpica; Avaliar os seguintes parâmetros:
idade de aparecimento das primeiras manifestações e do diagnóstico, modo de
apresentação, manifestações clínicas, o
envolvimento dos diversos órgãos e sistemas, tratamento efectuado e evolução.
Material e métodos: Consulta de
processos clínicos das crianças seguidas
na consulta de Nefrologia pediátrica do
Hospital Maria Pia com o diagnostico de
Nefrite lúpica, nos últimos 15 anos.
Resultados: População: 16 crianças e adolescentes, todas do sexo femi-
resumo das comunicações orais
S 204
nino. O modo mais frequente de apresentação foi sintomatologia geral – febre,
astenia, anorexia - (25%), seguidos de
artralgias (19%). As manifestações clínicas mais frequentes foram os sintomas
gerais (56%), rash malar (38%), manifestações articulares (81%), anemia/
trombocitopenia (69%) e edema (19%).
A manifestação renal mais frequente foi
hematoproteinuria (81%). As alterações
imunológicas foram uma constante à
data do diagnóstico, apresentando todas as crianças alguma alteração. Onze
crianças efectuaram biopsia renal que
revelou a presença de alterações compatíveis com nefropatia lúpica classe III
em 45%, IV em 36% e V em 18%. No
tratamento imunossupressor foi utilizado
ciclofosfamida, azatioprina, micofenolato de mofetil e corticoterapia oral, com
esquemas individuais aplicados a cada
caso clínico.
Conclusão: O LES é uma patologia
não muito frequente. O espectro e a severidade da nefropatia lúpica é muito variável e o prognóstico é influenciado por
diversos factores.
XX reunião do hospital de crianças maria pia
O QUE SABEM OS PEDIATRAS
SOBRE ABUSO DE DROGAS?
Patrícia Nascimento, Teresa Andrade,
Alexandre Braga, Manuel Oliveira, Márcia
Gonçalves, Miguel Fonte, Gisela Silva,
Rute Moura, Teresa Campos, Sandra
Costa, Íris Maia, Fátima Pinto
Centro de Saúde da Carvalhosa; Centro hospitalar Alto Ave - Guimarães; Centro Hospitalar Vila Nova Gaia; Centro hospitalar PortoHGSA; Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa; Hospital São João; Hospital São Marcos
Introdução: Os adolescentes constituem um grupo de risco para o consumo
de drogas de abuso. O inquérito Nacional
em Meio Escolar – 2001, da autoria do
Instituto da droga e da toxicodependência (IDT), revela um aumento na prevalência do consumo de substâncias de
abuso, o que constitui uma ameaça à
saúde e bem-estar. O álcool é a substância com maior percentagem de consumidores (91%), seguido pelo tabaco (70%)
e pelo cannabis (26% entre os alunos do
secundário e 10% entre os alunos do 3º
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
ciclo). O mesmo estudo revela uma tendência para a igualdade entre os sexos
a nível do consumo de álcool e tabaco
(92%♂: 90%♀; 70%♂: 70%♀, respectivamente), mas com diferenças a nível do
consumo de cannabis, em que se verifica
predomínio masculino (32%♂: 22%♀).
Com o alargamento da idade pediátrica
de atendimento nos serviços de urgência,
até aos 15 anos e 364 dias durante o ano
de 2008 e até aos 18 anos nos próximos
anos, é fundamental preparar os pediatras para esta nova realidade.
Objectivos: Com este estudo os
autores pretenderam avaliar o conhecimento geral que os pediatras e internos
de pediatria de alguns hospitais da região
norte do país possuem acerca do abuso
de substâncias psicotrópicas.
Materiais e Métodos: Elaboração
de inquérito com perguntas de respostas
múltiplas e respostas descritivas. A população alvo foi Pediatras e Internos de Pe-
diatria de oito hospitais públicos da região
norte do país. Procedeu-se ao registo de
dados em base própria e ao tratamento
estatístico dos mesmos.
Resultados: Responderam ao inquérito 105 médicos sendo que 85,6%
afirmou lidar com adolescentes no quotidiano. A maioria (85,4%) considerou
saber o suficiente sobre esta temática.
Quando inquiridos quanto à faixa etária
a partir da qual equacionam as drogas
de abuso, 28,9% responderam a partir
dos 12 anos, 23,1% a partir dos 10 anos,
15,4% a partir dos 11 anos e 10,6% respondeu que pensa em abuso de drogas
em qualquer idade. Cerca de 2/3 dos
médicos acredita haver diferença de incidência entre os sexos, dos quais 92,5%
pensa que o abuso é mais prevalente no
sexo masculino. Na questão acerca de
qual a substância de abuso mais utilizada pelos adolescentes, as substâncias
mais referidas foram o álcool, com 60,2%
e o haxixe, com 17,5% das respostas.
90,7% Acredita que consegue identificar
situações de intoxicação aguda. Quando
se pergunta perante que sintomas pensam em abuso de drogas, 85,7% refere
alteração súbita da consciência, 79,6%
alterações agudas do comportamento e
17,3% ataxia aguda.
Conclusões: Deste trabalho se
constata que a maioria dos inquiridos
se encontra consciente do problema
e que possui informação sobre o mesmo. Contudo, a opinião manifestada
pela maioria dos inquiridos em relação
ás substância de abuso mais utilizadas
diverge dos dados nacionais existentes.
Os autores concluem com este trabalho
que é necessária a elaboração de acções formativas nesta área de forma a
preparar todos os profissionais de saúde
para uma nova realidade, uma vez que
os adolescentes vão ser cada vez mais
doentes pediátricos.
resumo das comunicações orais
XX reunião do hospital de crianças maria pia
S 205
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
Resumo dos Posters
ELEVAÇÃO DAS TRANSAMINASES:
CAUSAS NÃO HEPÁTICAS
Mariana Pinto, Sofia Ferreira, Diana
Gonzaga, Marta Grilo, Susana Tavares
Serviço Pediatria/Neonatologia, Hospital São
Sebastião
Introdução: A detecção acidental
de elevação das transaminases no Serviço de Urgência (SU) em idade pediátrica
conduz frequentemente à investigação
de doença hepática. Contudo estas enzimas também estão presentes noutros
tecidos, nomeadamente tecido muscular.
O objectivo deste trabalho consiste em
alertar o pediatra para outro diagnóstico
possível aquando do achado acidental de
elevação das transaminases.
Caso clínico: Criança do sexo masculino, observada no SU aos 2 anos de
idade por episódio de convulsão febril
simples. Ao exame objectivo apresentava hipertrofia amigdalina com exsudado.
Sem hepatomegalia e sem outras alterações de relevo. Efectuou estudo analítico
que, por mero acaso, incluiu transaminases, cujo resultado veio alterado (TGO
242 U/L; TGP 402 U/L).
Teve alta com o diagnóstico possível de hepatite vírica, orientado para
a consulta externa com serologias para
CMV e EBV em curso.
Ao ser avaliado em consulta, por
persistência de elevação das transaminases, sem outros estigmas de doença
hepática, o exame objectivo foi revisto,
verificando-se apresentar pseudohipertrofia dos gastrocnémios e dos quadricípites femorais com marcha de base
alargada e rotação externa dos pés. Dos
antecedentes é de referir início tardio da
marcha (19 meses) e atraso da linguagem expressiva. Sem antecedentes familiares de relevo.
Nessa altura foi colocado o diagnóstico clínico de Distrofia Muscular de
Duchenne (DMD), subsequentemente
apoiada pela elevação da creatinaquinase (CK) e posteriormente confirmada por
biópsia muscular.
Discussão: Com a apresentação
deste caso clínico pretende-se transmitir
que a elevação das transaminases, na
ausência de sinais ou sintomas de doença hepática deve alertar para outras patologias, nomeadamente doenças musculares. A anamnese e o exame objectivo
detalhados são fundamentais para apoiar
este diagnóstico.
DA TROMBOSE DO SEIO VENOSO AO
ENFARTE CEREBRAL: INFECÇÃO E
STATUS PRÓ-TROMBÓTICO
Arnaldo Cerqueira, Filipa Belo,
Vera Santos, Carla Moço
Hospital Central de Faro
Os sintomas e sinais de trombose do
seio venoso cerebral (TSVC) são inespecíficos, e, por vezes, o diagnóstico tardio.
A incidência de TSVC é de 6,7/1 000 000
crianças/ano. As manifestações podem
ser fatais e causar défices neurológicos
permanentes. Alterações pró-trombóticas
foram encontradas em 2/3 a 1/2 dos casos
de TSVC em séries pediátricas recentes,
e podem ser adquiridas ou geneticamente
determinadas. A Trombose sinovenosa é
multifactorial e causa subdiagnosticada de
mortalidade e morbilidade na população
pediátrica.
Descreve-se o caso de um lactente do sexo masculino de 19 meses com
antecedentes familares de convulsões
febris e epilepsia, e pessoais irrelevantes, com o diagnóstico de varicela nos
10 dias prévios ao internamento, admi-
resumo dos posters
S 206
XX reunião do hospital de crianças maria pia
tido por episódio de paragem súbita da
actividade, olhar fixo intervalado por revolução ocular, movimentos clónicos dos
membros e rotação cefálica externa para
a esquerda. Ao exame objectivo apresentava sonolência e hemiparésia direita de
predomínio braquial. Realizou PL que revelou aumento das proteínas e TAC CE
que evidenciou enfarte cerebral cortical
frontal esquerdo com pequenas zonas
de hemorragia preenchendo parcialmente os sulcos a este nível. A RMN CE
identificou foco de isquemia aguda com
edema perilesional frontal esquerdo. Foi
colocada a hipótese de enfarte cerebral
no contexto de vasculite por VVZ e iniciou
aciclovir EV. Em D6 por manter prostração, cefaleia e fotofobia e iniciar vómitos
repete TAC CE que revelou aumento da
área do enfarte. Por suspeita de trombose venosa realizou Angio RM CE em D7,
que evidenciou trombose do seio longitudinal superior e iniciou enoxaparina em
dose terapêutica. Com melhoria clínica
progressiva. Sem evidência de défices
neurológicos focais aos 24 meses.
Do estudo pró-trombótico efectuado
constatou-se elevação do título de anticorpos anti β2 Glicoproteína (IgM e IgG)
e diminuição da Proteína S livre. Houve
normalização dos valores após controlo
analítico aos 6 meses.
A deficiência auto-imune de proteína S pode ser um mecanismo trombose
pós-infecciosa.
O prognóstico é imprevisível e
pode relacionar-se com a precocidade
do tratamento pela prevenção da progressão da trombose e da hipertensão
venosa intracraneana (controlo da infecção, profilaxia das convulsões, anticoagulação). Constituem predictores
de bom prognóstico: idade, ausência de
alterações parenquimatosas, anticoa-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
gulação, envolvimento do seio lateral e/
ou sigmóide. Reconhecimento dos subtipos de AVC pediátrico, apresentação
clínica e achados imagiológicos facilita a
identificação precoce e desenvolvimento
de estratégias de tratamento, nomeadamente considerar áreas enfarte venoso
vs arterial (venoso - alta convexidade
fronto - parietal; próximo linha média;
arterial - transformação hemorrágica
tardia). O reconhecimento dos mecanismos patofisiológicos pode fornecer uma
base racional para o tratamento.
CONJUNTIVITE NEONATAL
Gisela Silva, Ilídio Quelhas, Joaquim
Cunha
Serviço de Pediatria do Hospital Maria Pia
– Centro Hospitalar do Porto; Unidade de
Neonatologia e Serviço de Pediatria do
Centro Hospitalar Tâmega e Sousa
A conjuntivite é a infecção mais
frequente no período neonatal. A grande maioria é causada por agentes colonizadores da pele e entre estes o mais
comum é o Staphylococcus aureus. Mas
há agentes que é importante excluir não
pela sua frequência, mas pela sua potencial gravidade, como a Chlamydia tracomatis, Neisseria gonorreia e Neisseria
meningitidis.
A conjuntivite a Neisseria meningitidis é rara, mas o seu diagnóstico tem
fortes implicações terapêuticas, pelo risco associado de doença invasiva grave
e a pela importância da utilização de antibioterapia sistémica nos casos comprovados e da profilaxia dos contactos.
Os autores apresentam o caso de
um RN que inicia, aos 22 dias de vida,
exsudado ocular purulento à esquerda
cujo exame microbiológico isolou Neisseria meningitidis (serogrupo B). O doente ficou internado na Unidade de Neonatologia, por risco de doença invasiva,
completando 10 dias de antibioterapia
endovenosa (cefotaxime). Foi realizada
profilaxia aos contactos para erradicação
do estado de portador.
Os autores pretendem alertar para
a necessidade de colheita de zaragatoa
do exsudado ocular, sobretudo no primeiro mês de vida, e da realização de
antibioterapia sistémica nos casos comprovados pelo risco de infecção invasiva
por esse agente.
GIARDÍASE NUMA INSTITUIÇÃO
Susana Lima, Ventzislav Ouzounov,
Miguel Costa
Serviço de Pediatria – H. S. Miguel
Introdução: A Giardíase é uma das
parasitoses intestinais mais comuns no
Mundo, especialmente em áreas onde
existem más condições sanitárias ou difícil acesso a água potável. É provocada
pelo parasita Giardia lamblia, um protozoário flagelado que existe na natureza
em duas formas: cistos ou trofozoítos. É
responsável tanto por epidemias como
por doença esporádica, sendo um importante agente nas diarreias associadas
a água ou alimentos contaminados e à
diarreia do viajante. As crianças são mais
frequentemente infectadas que os adultos. Existem evidências de transmissão
interpessoal, nomeadamente em infantários ou centros de dia, sendo considerada
por alguns autores uma infecção endémica nestas instituições.
Material e métodos: Após identificação de uma menina pertencente a um
Centro de Acolhimento do distrito de Aveiro, que apresentou infecção por Giardia
com múltiplas recidivas após tratamento,
foram rastreadas todas as crianças da
referida instituição para a presença do
parasita nas fezes. O rastreio e seguimento foram efectuados num período de
6 meses.
Resultados: Foram rastreadas 28
crianças, com idades compreendidas
entre os 2 meses e os 7 anos (média
de 2 anos e 10 meses), maioritariamente rapazes (54%). Não foi documentada
diarreia ou quaisquer outros sintomas na
amostra estudada. Apenas a criança que
motivou o estudo apresentava má evolução ponderal. Seis crianças apresentaram quistos de Giardia nas fezes (21%).
Todas responderam favoravelmente ao
tratamento, com parasitológicos de fezes
posteriormente negativos. Foi considerada como fonte provável um pequeno lago
existente na instituição, no recreio que as
crianças habitualmente frequentam. Além
do tratamento médico, foram também implementadas medidas higieno-sanitárias
na referida instituição.
Conclusões: A ocorrência de surtos de infecção por Giardia em infantários está descrita na literatura. Tal como
podemos verificar neste trabalho, o facto
de persistir contacto com a fonte provável bem como com outras crianças igualmente infectadas, motivou as frequentes
recidivas verificadas numa doente. Com
este estudo os autores alertam para a
importância das medidas higieno-sanitárias em instituições que tenham a seu
cargo crianças, com vista a minorar a
possibilidade de ocorrência deste tipo
de infecções.
SURDEZ NEUROSENSORIAL
PROFUNDA E RETINITE PIGMENTAR:
UM CASO FAMILIAR
Luísa Neiva Araújo, Vanessa Portugal,
Sandra Ramos
Serviço de Pediatria do Hospital Maria Pia –
Centro Hospitalar do Porto; Serviço de Pediatria do Hospital Pedro Hispano; Serviço
de Pediatria do Centro Hospitalar Póvoa de
Varzim / Vila do Conde
Introdução: O diagnóstico de surdez profunda em vários elementos da
mesma família traduz habitualmente uma
forma hereditária de doença que, quando
associada a outros sintomas específicos,
se designa de sindrómica. A surdo-cegueira é uma deficiência que cria necessidades especiais de comunicação e causa uma extrema dificuldade na conquista
de metas educacionais, vocacionais, recreativas e sociais.
Caso Clínico: J.P.C.N, sexo masculino, segundo filho de pais saudáveis,
não consanguíneos. Gestação, parto e
período neonatal sem intercorrências.
Exame objectivo normal ao nascimento.
Foi orientado para Consulta Externa de
Pediatria, para rastreio auditivo e vigilância clínica, por história de irmão com
surdez neurosensorial profunda e retinite
pigmentar.
Na observação do primeiro mês
de vida, fixava e seguia, não sorria, não
palrava, não emitia sons, não reagia a
estímulos sonoros fortes e apresentava
resumo dos posters
XX reunião do hospital de crianças maria pia
S 207
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
ligeira hipotonia axial. O restante exame
físico e neurológico era normal. Foi encaminhado para realização de Potenciais
Evocados Auditivos confirmando-se surdez neurosensorial profunda. Foi orientado no sentido de colocação de próteses
auditivas e posterior consideração de implantes cocleares.
Por apresentar atraso motor com
hipotonia global, foi encaminhado para
fisioterapia e Centro de Estimulação Precoce. Aos 11 meses iniciou o infantário
com apoio do ensino especial.
No decurso da investigação do atraso de desenvolvimento psicomotor, realizou estudo analítico alargado com função renal, hepática e tiroideia, enzimas
musculares, estudo metabólico, cariótipo,
ecografia abdominal e RMN Cerebral,
que foram todos normais.
Foi observado por Oftalmologia
aos 2 anos, detectando-se alterações
pigmentares à periferia da retina.
Actualmente, tem 2 anos e 9 meses,
mantém atraso do desenvolvimento com
perturbação do equilíbrio, não permitindo
ainda uma marcha estável.
Perante a história familiar e pessoal
de surdez neurosensorial profunda e retinite pigmentar, com atraso motor e restante investigação negativa, conclui-se
tratar de um Síndrome de Usher tipo I. A
família foi orientada para Consulta de Genética para estudo e aconselhamento.
Conclusões: O síndrome de Usher
é uma doença autossómica recessiva
caracterizada por perda auditiva neurosensorial e défice visual progressivo
secundário a retinite pigmentar. A prevalência da doença na população geral
varia entre 3 a 5 por cada 100000 nados
vivos. Clinicamente, pode ser classificada em 3 grupos, tendo em conta o grau
de défice auditivo e vestibular. O tipo I
caracteriza-se por surdez grave/profunda e anomalias vestibulares (atraso
motor). O reconhecimento precoce desta doença permite o acompanhamento
multidisciplinar atempado, no sentido de
melhorar a qualidade de vida e prevenir o isolamento social, implementando
estratégias de comunicação precoces e
alternativas.
ASSOCIAÇÃO DE DOENÇA CELÍACA
E DÉFICE DE ALFA-1-ANTITRIPSINA
COM LESÃO HEPÁTICA E HIPERTENSÃO PORTAL – CASO CLÍNICO
Alexandre Braga, Rosa Lima, Ermelinda
Santos Silva, José Ramon Vizcaíno,
Fernando Pereira, Herculano Rocha
Unidade Hospital Maria Pia e Unidade Hospital
de Santo António – Centro Hospitalar do Porto
Apresenta-se o caso de um doente
que aos 7 meses de idade foi hospitalizado por palidez, distensão abdominal, esplenomegalia, ascite e edemas periféricos.
Da investigação efectuada destaca-se
anemia microcítica e hipocrómica, trombocitopenia, elevação das transaminases,
anticorpos antigliadina positivos e doseamento de alfa-1-antitripsina = 57,4 mg/dl
(fenótipo SZ). A biópsia jejunal evidenciou
infiltrado inflamatório e atrofia vilositária
total. A endoscopia mostrou varizes esofágicas grau 2 no terço inferior. O Eco Doppler da veia porta mostrou um fluxo normal (ausência de trombose). A histologia
hepática revelou esteatose e sofrimento
hepatocitário discreto, sem fibrose ou inflamação dos espaços-porta. O doente foi
colocado sob dieta sem glúten.
Nos anos seguintes registou-se um
bom controlo da doença celíaca com resolução completa da anemia e excelente
crescimento estaturoponderal.
A hipertensão portal foi progredindo
e aos 5,5 anos a histologia hepática mostrava fibrose densa, esteatose difusa, e
infiltrado discreto e grânulos de α1AT nos
espaços porta. O Eco Doppler nunca evidenciou a presença de trombose portal
mas foi mostrando uma diminuição progressiva do fluxo, e sinais de acentuada
arterialização do fígado.
A endoscopia aos 11 anos mostrava
quatro cordões varicosos no terço inferior
do esófago e três cordões varicosos no
fundo gástrico com “red spots”. O doente
foi referenciado para transplante hepático
e ficou inscrito.
Discute-se a etiologia da doença
hepática neste doente, portador de duas
condições clínicas que para ela podem
concorrer e mutuamente se potenciar,
bem como a etiologia da hipertensão portal “ad início” ainda na ausência de cirrose estabelecida.
resumo dos posters
S 208
XX reunião do hospital de crianças maria pia
ALIMENTAÇÃO NO PRIMEIRO ANO DE
VIDA - O QUE OS PAIS SABEM!
Cristiana Ribeiro, Sandrina Martins, Miguel Salgado, Isabel Martinho, Íris Maia,
Ana Araújo
Serviço de Pediatria do CHAM, EPE; Serviço
de Pediatria do Hospital de S.Marcos - Braga
Introdução: A infância é a altura
ideal para se estabelecerem bons hábitos
alimentares de forma a contribuir para um
bom crescimento e evitar o aparecimento
de doenças relacionadas com a alimentação. Gostar de alimentos naturais e evitar alimentos doces e produtos industriais
compostos e refinados, são objectivos
nos quais os pais se devem empenhar.
Objectivos: Avaliar alguns hábitos
alimentares das crianças no primeiro ano
de vida e o conhecimento dos pais sobre
formas de preparação, composição dos
alimentos e diversificação alimentar adequada.
Material e métodos: Estudo prospectivo baseado num questionário efectuado às mães das crianças com idade ≤
3 anos, que recorreram à consulta de Pediatria durante um período de 3 meses.
Processamento informático dos dados no
programa SPSS 15.0.
Resultados: No período estudado
foram efectuados 69 inquéritos. A média
de idades foi de 19 meses sendo 52,2%
do sexo feminino. A maioria (87%) das
crianças fez aleitamento materno, 35%
em exclusivo até aos 4 meses e 16%
até aos 6 meses. Os principais motivos
apontados para a sua suspensão foram:
hipogalactia (44,9%), início actividade
profissional (10,1%), diversificação alimentar (8,7%), rejeição da mama (8,7%)
e entrada no infantário (5,8%). A duração
média da amamentação foi de 3 meses.
A maioria das crianças (84%) fez leite adaptado antes de iniciar leite de vaca.
Na preparação do leite, 26% das mães
colocava primeiro o pó. O leite de vaca
foi introduzido, em média, aos 12 meses
de idade, tendo 30% iniciado antes do
ano de idade. A diversificação alimentar
iniciou-se em 53,6% das crianças com
a sopa e ocorreu em média aos 4,5 meses. O glúten foi introduzido antes dos 6
meses em 8,4% dos casos. O consumo
de queijo tinha sido iniciado em 67% das
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
crianças, tendo sido a idade média de
início de 11 meses. Verificou-se o consumo de produtos industriais compostos
por queijo fresco em 82,6% das crianças,
45,6% sem conhecimento do médico
assistente. A maioria (56,5%) das mães
referia que estes produtos se assemelhavam a iogurte e 2,9% desconheciam
a sua constituição. Os principais motivos
do seu consumo foram o aconselhamento
por outras pessoas (22,8%), por iniciativa
própria (17,5%) e por pensarem tratar-se
de iogurtes para crianças (17,5%). A não
introdução destes produtos foi em 41,6%
por aconselhamento médico. A maioria
das crianças (91,7%) que não consumia
os produtos industriais atrás referidos era
orientada por Pediatra.
Conclusão: Concluímos que ainda há um grande desconhecimento da
população sobre aleitamento materno e
alimentação saudável no primeiro ano de
vida. É essencial que os profissionais de
saúde abordem estes temas com os pais,
pois muitas vezes estes desconhecem
alguns assuntos, que para nós são “simples”, e outras vezes têm ideias erradas.
Se nos empenharmos podemos contribuir
para um crescimento e desenvolvimento
mais saudável das nossas crianças.
GALACTOSEMIA CLÁSSICA NUM
PREMATURO: CASO CLÍNICO
Nelea Afanas, Eunice Moreira, Cármen
Carvalho, Esmeralda Martins, Elisa
Proença
UCIN (MJD), Unidade Doenças Metabólicas
(HMPia)
Introdução: A galactosemia clássica é uma doença autossómica-recessiva, causada por défice da enzima
galactose-1-fosfato-uridiltransferase
(GALT). A incidência é de cerca de 1 por
cada 50 000 recém-nascidos, com uma
mortalidade neonatal que pode chegar
a 20%. Clinicamente manifesta-se por
hepatomegalia com colestase, vómitos,
hipoglicemia e má progressão ponderal. A sépsis por E. coli é a complicação
mais temida no período neonatal. O tratamento passa pela evicção de lactose,
que apesar de tudo não garante um desenvolvimento intelectual normal a longo
prazo. Um diagnóstico precoce é muito
importante para prevenir as complicações graves desta patologia.
Caso clínico: Recém-nascido do
sexo masculino, 2º gémeo, nascido de
parto eutócico às 32 semanas, com peso
de 1650 g. Fez 1 dose de surfactante por
doença das membranas hialinas com
evolução favorável. Iniciou aleitamento
materno em D2, com boa tolerância até
D13, altura em que surge quadro de hipotonia e vómitos alimentares, inicialmente
ocasionais e progressivamente mais frequentes e abundantes, sem resposta às
medidas anti-refluxo.
Detectada entretanto hepatomegalia com aumento das transaminases e
colestase (BD 2,8 mg/dl, 16 % da BT).
Foi excluída a hipótese de infecção e
por suspeita de galactosemia foi pedido
doseamento de galactose em sangue na
ficha do diagnóstico precoce. Confirmado o diagnóstico de galactosemia clássica com valores de galactose = 602,9
mg/dL (N <5 mg/dl). A observação por
Oftalmologia realizada em D18 mostrou
“hipotransparência do cristalino”. Iniciou
alimentação com leite de soja em D19
com boa tolerância e melhoria clínica e
analítica.
O estudo molecular confirmou o
diagnóstico verificando-se a presença
das mutações S135L e Q188R em heterozigótia. A irmã gémea, sempre assintomática é portadora de mutação Q188R
em heterozigótia.
Teve alta aos 43 dias orientado para
a consulta de Doenças Metabólicas do
HMPia. Actualmente com 5 meses (3M
IC) tem uma evolução estaturo - ponderal no percentil 10, bem adaptado à dieta
isenta de lactose e apresenta um desenvolvimento normal para a idade.
Comentários: O caso clínico descrito é um exemplo de apresentação
neonatal da galactosemia. Discutem-se
as hipóteses de diagnóstico colocadas
e os diagnósticos diferenciais em casos
de vómitos, icterícia e hepatomegalia no
período neonatal bem como a sua abordagem.
ATRASO MENTAL LIGADO AO X –
DEFEITO DO TRANSPORTADOR DA
CREATINA
Anabela Bandeira, Gabriela Soares, Carla
Valongo, Fernanda Manuela, Margarida
Reis Lima, Lígia Almeida, Maria Luís
Cardoso, Esmeralda Martins
Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar do
Porto; Centro de Genética Médica Dr Jacinto
Magalhães
Introdução: Na última década foi
descrito o síndrome de deficiência de creatina cerebral como um conjunto de erros
congénitos do metabolismo da creatina.
Conhecem-se três defeitos metabólicos:
dois que afectam a síntese (deficiência
da guanidinoacetato metiltransferase e
da arginina-glicina amidinotransferase) e
um o transporte da creatina. Este último
é responsável por uma forma de atraso
mental ligado ao X, caracterizado por
atraso na linguagem, epilepsia, comportamento autista, deterioração neurológica
e perturbações do movimento.
Caso clínico: Criança, do sexo
masculino, com 4 anos de idade, referenciado por atraso do desenvolvimento psico motor com maior atingimento da área
da linguagem.
Internamento no período neonatal
por dificuldades na alimentação e má
evolução ponderal.
Actualmente apresenta evolução
estaturo-ponderal no percentil 5 e perímetro cefálico no percentil 25-50.
O atraso do desenvolvimento psicomotor atinge principalmente as áreas da
linguagem e interacção social; segurouse sentado sozinho aos 10 meses, andou
sozinho aos 21 meses; primeiras palavras
aos 28 meses. Sem história de crises convulsivas. Aos 3 anos de idade: marcha de
base alargada e instável, dificuldade em
correr, coordenação deficiente, hipotonia
generalizada e salivação constante. A linguagem consiste em frases de duas a três
palavras. Ao exame físico: fácies particular, com fronte alta, nariz pequeno, desvio
para baixo das sobrancelhas. Cariótipo e
estudo molecular X frágil e CATCH 22
normais. Cromatografia dos aminoácidos
séricos e urinários, amónia e lactato sem
alterações. Cromatografia dos ácidos orgânicos sem alterações. RMN cerebral
resumo dos posters
XX reunião do hospital de crianças maria pia
S 209
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
sem alterações. Aumento da excreção de
creatina na urina com relação creatina/
creatinina aumentada na urina. Verificouse uma diminuição do uptake de creatina
em cultura de fibroblastos. A análise de
DNA revelou mutação no gene SLC6A8
(Unidade Metabólica – VU Medisch Centrum – Amsterdão). A mesma mutação foi
encontrada na mãe.
Espectrometria (1H-RMN) revelou diminuição do pico da creatina. Aos
5 anos de idade iniciou tratamento com
monohidrato de creatina 400mg/kg/dia;
L-arginina 400mg/kg/dia e glicina 150mg/
kg/dia. Após um ano de tratamento, repetiu a espectroscopia que revelou normalização do pico de creatina.
Conclusão: Os defeitos no transportador da creatina correspondem a uma
das causas metabólicas de atraso mental
ligado ao X. A suspeita do diagnóstico
pode ser feita com base na apresentação
clínica, uma vez que o padrão de atraso
mental é característico e está descrito em
algumas famílias com este síndrome.
USO DE PAMIDRONATO NA OSTEOPOROSE DE DESUSO
Susana Castanhinhal, João Neves,
Fernanda Carvalho, Susana Gama de
Sousa
Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar
Médio Ave – Unidade de Famalicão
A osteoporose é pouco frequente
na idade pediátrica, estando associada a
doenças crónicas específicas. Um número crescente de crianças é actualmente
tratado com bifosfonatos como o pamidronato por osteoporose, particularmente
crianças que têm um risco acrescido de
fracturas causadas por doenças ósseas, ou aquelas com reduzida mobilidade
como as que têm paralisia cerebral grave
ou doença neuromuscular.
Os autores apresentam o caso clínico de um rapaz actualmente com 8 anos
de idade, com tetraparesia espástica e
osteoporose de desuso. Aos 5 e aos 6
anos foi internado por fracturas com localização supracondiliana no fémur esquerdo, ambas diagnosticadas pela presença
de sinais inflamatórios da coxa esquerda,
sem história de traumatismo anterior. Do
estudo laboratorial efectuado, destacavase metabolismo fosfocálcico, Vitamina
D, Paratormona, Calcitonina e FA óssea
normais. Realizou densitometria óssea
(DEXA) que foi compatível com osteoporose franca e elevado risco de fractura
(Z score - 6.5), pelo que iniciou terapêutica com carbonato de cálcio, colecalciferol e pamidronato sódico endovenoso
(ciclos de 3 dias de 1mg/kg/dia, cada 4
meses, durante um ano), sem registo de
intercorrências clínico-laboratoriais. Um
ano após o tratamento, a densitometria
mostrava uma melhoria significativa da
densidade mineral óssea (Z score - 1.1).
Não foram registadas novas fracturas no
tempo de seguimento de 18 meses.
Discussão: A terapêutica com ciclos de pamidronato é útil no tratamento
da osteoporose em crianças com paralisia
cerebral. Estudos efectuados em séries
de doentes mostram ser bem tolerada,
aumentar significativamente a densidade
mineral óssea com desaparecimento de
novas fracturas, e ainda reduzir significativamente a dor do doente à manipulação.
VERRUGAS ANOGENITAIS NA CRIANÇA: A IMPORTÂNCIA DA ABORDAGEM MULTIDISCIPLINAR
Lia Rodrigues e Rodrigues, Vanessa
Portugal, Teresa Gomes, Saritta Nápoles,
Conceição Casanova
Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar
Póvoa de Varzim / Vila do Conde
As verrugas anogenitais resultam
da infecção pelo papiloma vírus humano (HPV), sendo crescente na literatura
o relato de casos em idade pediátrica.
Este facto poderá estar relacionado com
o aumento da prevalência deste vírus na
população adulta, na qual lidera a lista
de doenças sexualmente transmissíveis.
A presença de verrugas anogenitais na
criança levanta a preocupação de um
possível abuso sexual, pelo que a sua
abordagem envolve uma avaliação multidisciplinar na tentativa de esclarecer
o modo de transmissão da infecção. A
frequente ausência de sinais físicos de
abuso, aliada ao prolongado tempo de
incubação do vírus e à possibilidade de
latência com posterior reactivação dificul-
resumo dos posters
S 210
XX reunião do hospital de crianças maria pia
tam o estabelecimento dum nexo causalidade. É consensual que a probabilidade
de aquisição de infecção por abuso sexual aumenta com a idade da criança.
Apresenta-se uma menina de três
anos referenciada à consulta de Pediatria
com o diagnóstico de verrugas perianais.
A mãe refere aparecimento ao ano de idade de 2-3 lesões milimétricas de localização perianal que terão aumentado de forma marcada a partir dos dois anos e meio,
sem qualquer sintomatologia associada.
Foi negada história de lesões semelhantes noutra localização na criança, pais ou
conviventes, assim como a possibilidade
de abuso sexual. O exame objectivo confirmou a presença de condiloma perianal.
Mãe e filha foram avaliadas por ginecologia, tendo a criança realizado biópsia
com identificação de HPV tipo 6. O exame
clínico, citologia ginecológica e pesquisa
de HPV na mãe foram negativos. A criança realizou estudo analítico, pesquisa de
marcadores víricos e serologia infecciosa
cujos resultados foram negativos. Foi avaliada em consultas de psicologia não evidenciando sinais de possível abuso e da
avaliação social realizada concluiu-se não
existir contexto de risco. Houve regressão
completa das lesões após dois ciclos de
tratamento tópico com imiquimod a 5%.
Mantém seguimento na consulta não tendo apresentado até à data recidiva das
lesões verrucosas.
Este caso ilustra a dicotomia entre
um diagnóstico clínico simples e a complexa abordagem multidisciplinar, fundamental para o esclarecimento duma situação com potenciais implicações sóciomédico-legais importantes.
DERMATOSE IGA LINEAR EFICAZMENTE TRATADA COM FLUCLOXACILINA
Hugo Braga-Tavares, Enrique Carro,
Conceição Rosário, Miguel Taveira
Unidade Dermatologia Pediátrica, Hospital
Maria Pia - Centro Hospitalar Porto; Unidade
Anatomia Patológica, Hospital Geral de Santo António, EPE – Centro Hospitalar Porto
Introdução: A Dermatose IgA Linear
é uma doença vesico-bolhosa tipicamente
das crianças em idade pré-escolar que se
caracteriza pelo depósito linear de IgA na
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
junção dermo-epidérmica. É uma doença
auto-imune, rara, descrevendo-se alguns
casos induzidos por drogas. A dapsona
constitui o tratamento de primeira escolha,
estando descritas outras opções terapêuticas como corticosteróides sistémicos,
colchicina e flucloxacilina, esta última com
um padrão de segurança na idade pediátrica amplamente demonstrado.
Caso Clínico: Criança de 5 anos de
idade, saudável, que apresenta quadro
de lesões bolhosas com padrão circular
e linear e atingindo preferencialmente a
região peri-oral, genital e membros inferiores, com um mês de evolução. A pele
subjacente apresentava eritema e lesões
em alvo, algumas ulceradas e impetiginadas. Sem história de ingestão medicamentosa ou patologia infecciosa recente.
Realizada biópsia cutânea que revelou bolha subpepidérmica com infiltrado
inflamatório; a imunofluorescência directa demonstrou depósito linear de IgA na
junção dermo-epidérmica. Estudo analítico incluindo anticorpos anti-endomísio e
membrana basal se alterações.
Iniciou tratamento com flucloxacillina
oral na dose de 50mg/Kg/dia durante 3
meses, prednisolona oral 1mg/Kg/dia 10
dias seguido de esquema de desmame
num total de 60 dias; e omeprazol (durante
corticoterapia). Verificou-se recuperação
da maioria das lesões após 10 dias de tratamento. Ao mês de tratamento apresentava resolução completa das lesões, não
se tendo verificado recorrência das mesmas após a suspensão do tratamento.
ERUPÇÃO VARICELIFORME DE KAPOSI – A PROPÓSITO DE UM CASO
CLÍNICO
Sónia R. Silva, Bárbara Fernandes, Carla
Maia, Sónia Coelho, Filipa Inês Cunha,
Maria João Bilelo
Serviço de Pediatria e Serviço de Dermatologia,
Hospital Infante D. Pedro, Aveiro; Hospital
Pediátrico de Coimbra
Introdução: A erupção variceliforme
de Kaposi (EVK) é uma erupção cutânea
generalizada provocada pela sobreinfecção vírica de uma dermatose preexistente, mais frequentemente a dermatite
atópica (DA). O vírus herpes simples
(HSV) tipo 1 é o agente mais comum,
mas excepcionalmente podem estar envolvidos o HSV tipo 2, coxsackie A-16 ou
ortopoxvírus. Tem um curso agudo, febril,
toxémico, com aparecimento de lesões
cutâneas, caracteristicamente pustulosas e umbilicadas, independentemente
do agente em causa. Há risco de virémia,
com grave compromisso de órgãos, bem
como de infecção bacteriana secundária,
septicémia e morte.
Caso clínico: Apresenta-se o caso
clínico de um menino de 21 meses, com
antecedentes de DA de difícil controlo.
Foi observado no Serviço de Urgência
por exantema com sete dias de evolução, de agravamento progressivo, acompanhado de irritabilidade e nas últimas
24 horas febre e prostração. O exantema teve início como pápulas na região
frontal, com generalização posterior, surgindo lesões do tipo erosivo-crostosas,
umbilicadas, algumas com aspecto exsudativo e sobreinfectado. Já havia, desde
o início do quadro clínico, recorrido três
vezes ao Serviço de Urgência. Tinha sido
medicado com hidrocortisona + ácido fusídico desde o segundo dia (D2) de doença e flucloxacilina oral desde D4, sem
melhoria. Após observação conjunta com
a Dermatologia, foi internado com a hipótese de EVK e medicado com aciclovir
endovenoso, flucloxacilina oral e hidrocortisona + ácido fusídico tópico.
Teve evolução clínica favorável,
ficando apirético a D1 de internamento
(D8 de doença), com melhoria progressiva das lesões cutâneas. Teve alta a D5
de internamento sob aciclovir oral, completando 10 dias. Fez 8 dias de flucloxacilina. As serologias efectuadas revelaram
títulos elevados de IgG para HSV tipo 1.
Comentários: Embora se trate de
uma situação rara e se tenha observado
uma diminuição da mortalidade por EVK
após a disponibilidade do aciclovir para
menos de 10%, esta é ainda uma doença
potencialmente grave. Desta forma, os
autores alertam para a necessidade de a
incluir no diagnóstico diferencial de casos
de agravamento ou falha de resposta terapêutica em doentes com DA.
EDEMA HEMORRÁGICO AGUDO DA
INFÂNCIA: “QUANDO A RARIDADE
DO DIAGNÓSTICO E A APRESENTAÇÃO ATÍPICA SE CONJUGAM”
Clara Alves Pereira, Tiago Correia, Isabel
Vale, Joana Pinto, Edite Tomás, Cristina
Garrido
Serviço de Pediatria, Centro Hospitalar Tâmega e Sousa
O edema hemorrágico agudo da
infância (EHAI) é uma patologia rara,
com uma apresentação exuberante e por
vezes alarmante, apesar de benigna e
auto-limitada. Caracteriza-se pelo aparecimento súbito de febre, edema e púrpura
e surge entre os 4-24 meses de idade. Os
seus diagnósticos diferenciais incluem
entidades clínicas importantes como meningococemia ou doença de Kawasaki.
Caso clínico: Lactente de 9 meses,
sexo feminino, sem antecedentes de relevo. PNV actualizado e 3 doses de vacina
anti-pneumocócica. Trazido ao hospital
por febre com poucas horas de evolução
e aparecimento súbito de edema e equimose no tornozelo direito. Sem outros
sintomas, traumatismo, imunizações recentes ou consumo de fármacos, excepto paracetamol. Referência a episódio
febril 5 dias antes. Ao exame objectivo
apresenta razoável estado geral, palidez
cutânea e adequada perfusão periférica.
Evidencia edema do tornozelo e pé, equimose perimaleolar e petéquias dispersas
limitadas à zona da peúga à direita e algumas petéquias no pé esquerdo. Analiticamente regista-se, apenas, leucocitose,
PCR e fibrinogénio elevados. Durante a
observação verifica-se rápida progressão
do exantema e edema em ambos os pés
e tornozelos. Por suspeita de meningococcemia inicia antibioticoterapia e é internada. Fica apirética 5h depois, associado a melhoria do estado geral. Não se
evidenciou progressão do exantema nas
36h seguintes, surgindo, no entanto, edema das mãos. Posteriormente, apesar de
manter o bom estado geral, foi constatado
o aparecimento de equimoses na região
palpebral e pavilhão auricular direitos e
de lesões urticariformes na região glútea
e membros que evoluem, em minutos,
para lesões equimóticas. Os estudos culturais são negativos e a IgM positiva para
resumo dos posters
XX reunião do hospital de crianças maria pia
S 211
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
HSV 1+2. Tem alta 8 dias depois com regressão completa das lesões.
Discussão: O grupo etário, as lesões características e a evolução benigna descritos são típicos do EAHI e permitem o diagnóstico. A história de infecção
vírica precedente é frequente. A pausa na
progressão do exantema, constitui uma
apresentação atípica da doença. Por
outro lado, o atingimento do estado geral, as alterações analíticas e a melhoria
clínica com a terapêutica antibiótica sugerem a presença de um processo infeccioso concomitante, situação já descrita
na literatura.
Conclusão: Com este caso os autores pretendem lembrar esta patologia rara,
expor uma forma menos típica de apresentação bem como mostrar as dificuldades
de abordagem e a importância da consideração de diagnósticos diferenciais.
EXEQUIBILIDADE E SEGURANÇA DO
ESPUTO INDUZIDO EM CRIANÇAS
Luís Araújo, André Moreira, Luís Delgado,
Carmo Palmares, João Fonseca, MG
Castel-Branco
Serviço de Imunoalergologia, H.S. João E.P.E;
Serviço de Imunologia e Serviço de Biostatística e Informática Médica, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Portugal
Introdução: A indução de esputo
com soro hipertónico é um método útil
para a avaliação da inflamação brônquica eosinofílica.
Objectivos: Avaliação da aplicabilidade clínica e segurança da indução de
esputo em idade pediátrica.
Métodos: Análise retrospectiva de
todas as induções de esputo realizadas
nos últimos 3 anos. O procedimento foi explicado às crianças e registados os valores
basais e pós administração de 200 μg de
salbutamol do débito expiratório máximo
instantâneo (DEMI). A criança foi incentivada a expulsar qualquer quantidade de
esputo que se formasse, após a inalação
de soro hipertónico a 4,5% por períodos
de 5 minutos. Se não fosse obtida uma
amostra de esputo e se o valor de DEMI
se mantivesse superior a 80% do valor
pós broncodilatação, a indução era continuada. O procedimento era interrompido
caso a criança produzisse uma amostra
satisfatória de esputo, quando se atingiam
20 minutos de indução ou se o DEMI caísse abaixo de 80% do valor inicial.
Resultados: Foram realizadas
83 induções de esputo; 59 asmáticos
(mediana±DP de idade de 13±3 anos, 36
do sexo masculino) e 24 crianças saudáveis (mediana±DP de idade 13±3 anos,
16 do sexo masculino), tendo sido obtida
uma amostra satisfatória em 47 (57%)
dos casos.
O tempo de indução (mediana
(P25-75)) foi de 15 (10-20) minutos. Dez
crianças referiram sintomas (opressão
torácica e/ou tosse excessiva) durante a
indução: destas, 3 apresentaram quedas
significativas do DEMI e uma apresentou
uma queda assintomática do DEMI. Todas as reacções foram facilmente revertidas com a inalação de 200 μg adicionais
de salbutamol. Não se registaram reacções adversas graves. Numa análise de
regressão logística multivariada, idade,
sexo, diagnóstico de asma e tempo total
de indução não se correlacionaram com
o sucesso da indução.
Conclusão: Estes resultados sugerem que a indução de esputo com soro
hipertónico a 4,5% é um método fácil,
não-invasivo, seguro e exequível na
maioria das crianças, de estudar a inflamação brônquica.
ASMA NA CRIANÇA: PROVAS DE
BRONCODILATAÇÂO EM PRIMEIRA
CONSULTA DE IMUNOALERGOLOGIA
Eva R. Gomes, Sandrine Almeida
Unidade de Imunoalergologia – Hospital Maria
Pia – Centro Hospitalar do Porto
Introdução: A asma brônquica é
uma das doenças crónicas mais prevalentes na infância e atinge cerca de 12%
da população pediátrica em Portugal.
Trata-se de uma doença inflamatória das vias aéreas que condiciona uma
obstrução variável e reversível da via aérea e se associa uma hiper-reactividade
brônquica. Tais características podem ser
postas em evidência através de uma prova de broncomotricidade.
Objectivos: Analisar os achados
espirométricos numa primeira consulta de
resumo dos posters
S 212
XX reunião do hospital de crianças maria pia
avaliação de doentes pediátricos com suspeita de asma brônquica nomeadamente
a resposta à prova de broncodilatação.
Avaliar a utilidade da realização deste
exame em primeira consulta por asma.
Material e métodos: Avaliação retrospectiva de 50 crianças referenciadas
a uma primeira consulta de Imunoalergologia por suspeita de Asma Brônquica.
Foram analisados os resultados da
espirometria e da resposta à administração de broncodilatador (Ventilan®inalador
– 2x100μg). A prova de broncodilatação
foi considerada positiva quando de demonstrou um aumento de 12% nos valores basais de FEV1 ou de 30% nos valores de FEF50.
Resultados: 26 crianças eram do
sexo masculino e a média de idade da
população foi de 8 anos.
A maioria (96%) apresentava valores espirometricos dentro da normalidade
e apenas 2 doentes apresentavam critérios de obstrução das pequenas vias aéreas (FEF50 « 60% previsto).
A prova de broncodilatação foi considerada positiva em 14 doentes; seis
deles com critérios de reversibilidade no
FEV1 e oito com reversibilidade a nível
das pequenas vias.
Conclusão: A maioria das crianças
avaliadas estavam em período intercritico e apresentavam provas de função
respiratória normais. No entanto, a realização de uma prova de broncodilatação
foi considerada positiva em 28% dos
doentes permitindo uma confirmação
diagnostica e objectivando os melhores
valores pessoais para cada doente a ser
encarados como alvo terapêutico.
URETEROCELO: REVISÃO DE QUATRO CASOS
Sónia R. Silva, Lígia Peralta, Jorge Vaz
Duarte, Armando Reis, Paula Rocha
Serviço de Pediatria do Hospital Infante D. Pedro, Aveiro; Serviço de Urologia do Hospital
Maria Pia, Porto
Introdução: O ureterocelo é uma
dilatação quística da porção terminal do
ureter. Associa-se a outras malformações urológicas, mais frequentemente
a duplicidade pielocalicial, e condiciona
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
geralmente significativa obstrução urinária. O tratamento cirúrgico tem por objectivo aliviar a obstrução e preservar a
função renal.
Descrição dos casos: Os autores
descrevem quatro casos de ureterocelo
diagnosticados e seguidos no Serviço de
Pediatria do HIP, nos últimos oito anos,
todos sujeitos a intervenção cirúrgica no
HMPia.
Só uma das crianças era do sexo
masculino. O diagnóstico pré-natal de dilatação pielocalicial em três casos e o de
ureterocelo noutro, motivou a investigação precoce destas crianças, bem como
a instituição de profilaxia antibiótica.
A ecografia reno-pélvica no primeiro
mês de vida revelou ureterocelo em todas as crianças e duplicidade ipsilateral
em três (todas do sexo feminino). A única
criança do sexo masculino, apresentava
ureterocelo bilateral, em sistemas excretores únicos.
Os três casos com duplicidade ipsilateral foram submetidos a ureteronefrectomia polar superior, antes dos dois
meses de idade, sendo que numa destas
crianças, com infecção urinária prévia, foi
necessária drenagem do ureterocelo por
punção transvesical. Na criança com ureterocelo bilateral, foi efectuada drenagem
dos ureterocelos por via transvesical.
Todas as crianças com duplicidade
ipsilateral apresentavam refluxo vesicoureteral (RVU) para o pielão inferior, de
grau elevado (com necessidade de tratamento cirúrgico em duas) e RVU contralateral (com resolução espontânea em
duas).
No seguimento, todas apresentam
boa evolução estaturo-ponderal, função
renal normal e ausência de infecções urinárias.
Comentários: Confirmou-se a associação de ureterocelo a malformações
urológicas complexas, particularmente duplicidade pielocalicial e RVU, nas
crianças do sexo feminino, o que motivou
várias intervenções cirúrgicas. Os autores salientam a importância do diagnóstico pré-natal, motivando a investigação
precoce, bem como o valor diagnóstico
da ecografia.
DIAGNÓSTICO DE BAIXA ESTATURA:
MAIS VALE TARDE QUE NUNCA?
Susana Sousa, Vânia Martins, Marisa
Sousa, Helena Cardoso, Teresa Borges
Serviço de Pediatria, Centro Hospitalar de
Trás os Montes e Alto Douro; Consulta de
Endocrinologia Pediátrica - Serviço de Pediatria, Hospital de Santo António – Centro
Hospitalar do Porto
Introdução: A baixa estatura é um
dos principais motivos de referenciação
à consulta de Endocrinologia Pediátrica.
Apesar de nem sempre se associar a
anomalia endócrina, podendo acompanhar uma doença sistémica não endócrina ou um estado de má nutrição, o défice
de Hormona de crescimento (HC) deve
ser sempre considerado no diagnóstico
diferencial de uma baixa estatura. O défice de HC é a deficiência hormonal hipofisária mais frequente, podendo ocorrer
isoladamente ou em combinação com
outras deficiências hormonais do eixo
hipotálamo-hipofisário. Quando a insuficiência hipofisária é devidamente reconhecida e a terapêutica hormonal instituída precocemente, reduz-se significativamente a morbilidade associada.
Caso Clínico: Rapaz de 12 anos e
meio, 1º filho de pais jovens e não consanguíneos, sem doenças heredo-familiares conhecidas. Antecedentes pessoais de obstipação e coxalgia bilateral,
desenvolvimento psico-motor adequado,
boa evolução ponderal, mas evolução
estatural abaixo do P5. Em Novembro
de 2007 recorre a pediatra particular por
baixa estatura. Do estudo efectuado de
salientar doseamento de IGF-1 baixo, Rx
da idade óssea com atraso de 6 anos e
Rx das ancas com sinais sugestivos de
Doença de Legg-Calvé-Perthes bilateral,
pelo que foi orientado às Consultas de
Endocrinologia e Ortopedia. Ao exame
físico apresentava estatura de 124 cm
(P<0,1, SDS -3,59), peso de 33 Kg, IMC
de 21,7 (P94, SDS 1,59), estadio pubertário I e atraso na implantação dentária.
No seguimento do estudo fez prova de
clonidina (pico de HC de 0,3 mg/ml), prova de hipoglicemia insulínica (pico de HC
de 0,3 ng/ml e pico de cortisol de 14ug/
dl), estudo da função tiroideia (diminuição
de T4 livre e TSH dentro do intervalo de
referência para a idade) e RM cerebral
(interrupção da haste hipofisária, hipófise posterior ectópica). Iniciou tratamento
com HC e levotiroxina, ao qual se associou algum tempo depois hidrocortisona,
por episódios sugestivos de hipoglicemia
em stress. Cerca de 9 meses após início
de terapêutica com HC verificou-se um
crescimento de 7,2 cm (última estatura132,7 cm, <P1, SDS – 3,02) com uma
velocidade de crescimento de 10,48 cm/
ano (P99,78, SDS 2,85)
Conclusões: A avaliação da estatura é o procedimento mais barato disponível numa consulta infantil, constituindo
um indicador importante do estado de
saúde da criança. Os autores pretendem
alertar para a necessidade da sua determinação regular, a fim de evitar o diagnóstico tardio de doenças potencialmente
tratáveis, do qual podem resultar sequelas significativas.
TUMEFACÇÃO ESCROTAL: NECESSIDADE DE UMA AVALIAÇÃO URGENTE
Vanessa Portugal, Lia Rodrigues, Luísa
Araújo, Pedro Almeida, Maria Bom
Sucesso, Conceição Silva, Sandra
Ramos
Serviço de Pediatria Hospital Pedro Hispano;
Serviço de Pediatria do Hospital Maria Pia;
Centro Saúde Vila do Conde; Serviço de
Pediatria do IPO; Serviço de Pediatria do
Centro Hospitalar Povoa de Varzim / Vila do
Conde
Na criança as neoplasias testiculares são extremamente raras, representando aproximadamente 1% dos tumores
sólidos. Estima-se que a incidência anual
seja cerca de 0,5 a 2/100.000 crianças.
Ao contrário das neoplasias testiculares
do adulto, a incidência na população pediátrica tem-se mantido estável nas últimas décadas. Os tumores de células germinativas são responsáveis por cerca de
95% dos casos, sendo o tumor do saco
vitelino o carcinoma mais frequente neste
grupo etário.
Apresenta-se o caso clínico de uma
criança, 16 meses de idade, sexo masculino, raça branca, enviado pelo médico
assistente ao Serviço de Urgência por tumefacção escrotal esquerda, com 15 dias
resumo dos posters
XX reunião do hospital de crianças maria pia
S 213
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
de evolução, de agravamento progressivo, sem sinais inflamatórios visíveis ou
outra sintomatologia associada. Antecedentes familiares e pessoais irrelevantes.
Ao exame objectivo apresentava bom estado geral, apirético, tumefacção escrotal
esquerda com 3,5 cm de maior diâmetro,
consistência dura, aparentemente indolor
à palpação, sem transiluminação ou sinais inflamatórios associados. Testículo
direito sem alterações. Sem adenomegalias ou organomegalias palpáveis; restante exame objectivo sem alterações relevantes. Do estudo analítico efectuado,
destaca-se alfa-fetoproteina francamente
elevada e beta-HCG normal. Realizou
ecografia testicular “Assimetria dimensional testicular, com aumento do testículo
esquerdo com ecoestrutura heterogénea
e algumas formações quísticas dispersas
pelo parênquima. Testículo direito normal.”; Ressonância Magnética Nuclear
testicular: “testículo esquerdo representado por massa ovóide de 3,2x2,6x2,7
cm, de contorno regular, discretamente
heterogénea, com alguns componentes
quísticos. Sem evidência de componentes adiposos ou calcificações. Compatível
com neoformação testicular primária”.
Perante este diagnóstico foi orientado para o Instituto Português de Oncologia do Porto. Efectuou Tomografia Axial
Computadorizada toraco-abdominal para
estadiamento, tendo sido programada orquidectomia total esquerda.
O exame anatomo-patológico da
peça operatória confirmou a presença
de tumor do saco vitelino. Mantém-se em
seguimento com controlo regular da alfafetoproteina.
O espectro de patologias que podem afectar o escroto e o seu conteúdo é
extenso e de gravidade variável, exigindo
condutas divergentes. Deste modo, é necessário estabelecer um plano de orientação diagnóstico adequado à suspeita
clínica, condicionando um tratamento
precoce e melhorando o prognóstico.
PSEUDOTUMOR CEREBRI E TRATAMENTO DE ACNE COM MINOCICLINA –
A PROPÓSITO DE UM CASO CLÍNICO
Inês Vaz Matos, Ana Novo, Diana Pinto,
Maria João Oliveira, Teresa Borges,
Teresa Temudo
Hospital de Santo António – Centro Hospitalar
do Porto, EPE
Introdução: O pseudotumor cerebri
(PTC) é uma entidade clínica caracterizada por aumento da pressão intracraniana, sem evidência de doença neurológica
subjacente. É uma doença relativamente
rara em idade pediátrica, que afecta com
maior frequência adolescentes do sexo
feminino e cuja patofisiologia não está
bem esclarecida. Os sintomas de apresentação mais comuns são as cefaleias,
vómitos e perturbações visuais, podendo
ser múltiplas as situações associadas a
PTC, incluindo a trombose dos seios venosos, perturbações metabólicas, infecciosas, hematológicas, sistémicas e uso
de vários fármacos.
Descrição do caso: Adolescente
de 14 anos, do sexo feminino, com irregularidades menstruais, excesso de
peso (IMC- P85-90) e acne vulgaris,
medicada há 3 meses com minociclina
resumo dos posters
S 214
XX reunião do hospital de crianças maria pia
e espironolactona. Foi avaliada por cefaleias holocranianas e opressivas com
duas semanas de evolução, sem relação com a actividade ou posição e sem
resposta aos analgésicos. Edema papilar bilateral com hemorragias retinianas
focais na fundoscopia, documentando
hipertensão intracraniana. A ausência
de alterações na RMN cerebral, pressão de abertura de LCR aumentada
(50cmH2O) e exame citoquímico de
LCR normal permitiram o diagnóstico de
pseudotumor cerebri, que foi interpretado como associado ao tratamento com
minociclina após exclusão das outras
condições potencialmente implicadas. A
abordagem incluiu terapêutica oral com
acetazolamida e furosemida, suspendendo minociclina. A evolução clínica foi
favorável com alívio imediato dos sintomas após a realização da punção lombar diagnóstica e regressão quase total
do edema papilar duas semanas após o
início do tratamento.
Discussão: O pseudotumor cerebri
é uma complicação referida do tratamento com minociclina, para a qual parecem
contribuir factores como a predisposição
genética. Este antibiótico é amplamente
utilizado no tratamento da acne vulgaris,
condição muito prevalente na adolescência. Os autores alertam para a pertinência
de manter um nível elevado de suspeição
de hipertensão intracraniana nesta faixa
etária, nomeadamente quando se apresentam com queixas de cefaleias que
frequentemente são subvalorizadas. O
diagnóstico precoce de PTC pode evitar
a progressão para défices de visão permanentes.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 3
Pinga Seca
Arelo Manso
Uma Mãe, enfermeira de profissão, andava preocupada, havia tempo, por
observar a filha a efectuar movimentos rítmicos dissimulados, afundada pelo sofá
enquanto consumia imagens da TV.
Por aparente precaução, antes de iniciar o procedimento varria com o olhar
a área circundante como se quisesse certificar-se de que não estava no campo
visual de nenhum mirone.
O resultado final da ginástica efectuada com ritmo mas em recatado silêncio, era traduzido numa expressão mímica de esgares depois seguidos por uma
ruborização facial e uma quietude, moldada por num aparente relaxamento de
bem-estar.
A observação do fenómeno era sempre fortuita.
Preocupação de Mãe levam-na a perguntar, inocentemente, á filha o que é
que ela tinha. Resposta é que a Mãe não ouvia.
O poder da repetição fez um dia com que a resposta surgisse – é por causa
da “Pinga Seca”. Apesar de demorada foi inteligente a resposta, já que invocou
como casualidade o produto final. Poderia a filha aos seis anos invocar a biologia
e suas pulsões ou definir as sensações que as mesmas lhe proporcionavam?
Uma vida com equilíbrio necessita de uma gestão adequada entre a energia ingerida e a transformada.
Um corpo jovem mais parado gasta, naturalmente, menos energia com a
locomoção, e com isso, dá mais tempo à mente para vaguear e se interiorizar na
procura e descoberta de todos os recantos, sejam eles anatómicos ou funcionais.
Uma vida activa, sempre que possível, com actividade física programada
efectuada em grupo pode fazer toda a diferença, já que permite criar centros de
interesse novos, para além de proporcionar desenvoltura muscular que por esta
altura se começa a desenhar.
Abrir as portas a outras formas de realização e prazer, ajudam mais tarde
a conseguir uma partilha saudável entre os diferentes modos de obter bem-estar,
pois todos eles são importantes para um adulto se sentir integrado afectiva e socialmente.
pequenas histórias
215
RESUMO DAS CARACTERÍSTICAS DO MEDICAMENTO. DENOMINAÇÃO DO MEDICAMENTO. SAIZEN 8 mg click.easy, pó e solvente para solução injectável. COMPOSIÇÃO QUALITATIVA
E QUANTITATIVA. Cada frasco para injectáveis de SAIZEN 8 mg click.easy contém Somatropina* (hormona do crescimento humana recombinante). *produzida pela tecnologia do ADN recombinante
em células de mamífero. A reconstituição com o solvente bacteriostático contido no cartucho apresenta uma concentração de 5,83 mg por ml. Excipientes, ver secção “Lista de Excipientes”. FORMA
FARMACÊUTICA: Pó e solvente para solução injectável. Pó branco liofilizado e solvente límpido e incolor. INFORMAÇÕES CLÍNICAS: Indicações terapêuticas - SAIZEN está indicado no
tratamento de: - atraso do crescimento em crianças causado por secreção insuficiente ou inexistente da hormona do crescimento endógena; - atraso do crescimento em raparigas com disgenésia
gonadal (Síndroma de Turner) confirmada por análise do cariotipo; - atraso do crescimento em crianças pré-pubertárias devido a insuficiência renal crónica (IRC). - atraso do crescimento (estatura
actual < -2,5 Desvio Padrão (DP) e estatura ajustada à dos progenitores < -1 DP) em crianças pequenas com baixa estatura para a idade gestacional (SGA “Small for Gestational Age”), com um
peso e/ou comprimento à nascença inferior a –2 DP, que não conseguiram uma recuperação do crescimento (DP da velocidade de crescimento <0 durante o último ano) até aos 4 ou mais anos de
idade. Terapêutica de substituição em adultos com deficiência pronunciada de hormona do crescimento, diagnosticada por um único teste dinâmico para deficiência de hormona do crescimento.
Os doentes deverão também satisfazer os seguintes critérios: Início na infância: Os doentes com deficiência de hormona do crescimento diagnosticada na infância, deverão ser reavaliados, para
confirmação da deficiência em hormona do crescimento, antes de iniciar o tratamento com SAIZEN. Início na idade adulta: A deficiência de hormona do crescimento no adulto deverá ser resultante
de doença hipotalâmica ou hipofisária, e o doente deve apresentar pelo menos outra deficiência hormonal (excepto a prolactina), a qual deverá ser adequadamente tratada com terapêutica de
substituição, antes do início do tratamento com hormona do crescimento. POSOLOGIA E MODO DE ADMINISTRAÇÃO: SAIZEN 8 mg click.easy destina-se a administração multidose. A posologia
do SAIZEN deve ser individualizada para cada doente com base na superfície corporal ou no peso corporal. É recomendada a administração de SAIZEN ao deitar, nas doses seguintes: Atraso do
crescimento devido a secreção insuficiente da hormona do crescimento endógena: 0,7-1,0 mg/m2 de superfície corporal, por dia, ou 0,025-0,035 mg/kg de peso corporal, por dia, por
administração subcutânea. Atraso do crescimento em raparigas devido a disgenésia gonadal (Síndroma de Turner): 1,4 mg/m2 de superfície corporal ou 0,045 – 0,050 mg/kg de peso corporal,
por dia, por administração subcutânea. A terapêutica concomitante com esteróides anabólicos não-androgénicos em doentes com Síndroma de Turner pode aumentar a resposta do crescimento.
Atraso do crescimento em crianças pré-pubertárias devido a insuficiência renal crónica (IRC): 1,4 mg/m2 de superfície corporal, aproximadamente igual a 0,045-0,050 mg/kg de peso
corporal, por dia, por administração subcutânea. Atraso do crescimento em crianças pequenas com SGA: A dose diária recomendada é 0,035 mg/kg de peso corporal por dia (ou 1 mg/m2/dia,
igual a 0,1 UI/kg/dia ou 3 UI/m2/dia), por administração subcutânea. Duração do tratamento: O tratamento deve ser interrompido quando o doente tiver atingido uma estatura adulta satisfatória,
ou quando as epífises estiverem fechadas. No atraso do crescimento em crianças pequenas com SGA, o tratamento é habitualmente recomendado até que se atinja a estatura final. O tratamento
deve ser suspenso após o primeiro ano, se o desvio padrão da velocidade de crescimento for inferior a +1. O tratamento deve ser suspenso quando se atinge a estatura final (definida como
velocidade do crescimento < 2 cm/ano) e, no caso de ser necessária a confirmação, a idade óssea seja >14 anos nas raparigas ou > 16 anos nos rapazes, o que corresponde ao encerramento
epifisário. Deficiência de hormona do crescimento no adulto: No início do tratamento com somatropina, recomendam-se doses baixas, de 0,15 a 0,3 mg, administradas diariamente por injecção
subcutânea. A dose deverá ser gradualmente aumentada, mediante controlo dos valores do Factor de Crescimento Insulin-like (IGF-1). A dose final recomendada de hormona do crescimento
raramente excede 1,0 mg/dia. De modo geral deverá ser administrada a dose mínima eficaz. Nos doentes com mais idade ou com excesso de peso, poderão estar indicadas doses mais baixas.
MODO DE ADMINISTRAÇÃO: Para a administração da solução reconstituída para injecção de SAIZEN 8 mg click.easy, consulte as instruções do folheto informativo e do manual de instruções
fornecido com o auto-injector seleccionado: o auto-injector one.click, o auto-injector sem agulha cool.click ou o auto-injector easypod. Consulte também a secção “Instruções de utilização/
manuseamento”. CONTRA-INDICAÇÕES: SAIZEN não deve ser utilizado em crianças em que tenha ocorrido a fusão das epífises. SAIZEN está contra-indicado em doentes com hipersensibilidade
à Somatropina ou a qualquer um dos excipientes do pó para solução injectável ou do solvente. SAIZEN está contra-indicado em doentes com neoplasia activa. A terapêutica anti-tumoral deverá
estar terminada antes do início do tratamento com Somatropina. SAIZEN não deve ser utilizado em casos com evidência de qualquer progressão ou recorrência de uma lesão intracraniana
subjacente. Doentes com patologia aguda crítica, apresentando complicações pós cirurgia de coração aberto, cirurgia abdominal, politraumatizados, insuficiência respiratória aguda ou situações
similares não devem ser tratados com Somatropina. (Relativamente aos doentes, em tratamento com Somatropina, que desenvolvam uma situação clinicamente crítica, ver “Advertências e
precauções especiais de utilização”.). ADVERTÊNCIAS E PRECAUÇÕES ESPECIAIS DE UTILIZAÇÃO: O tratamento deve ser efectuado sob a vigilância regular de um médico com experiência
no diagnóstico e tratamento de doentes com deficiência de hormona do crescimento. Os doentes com neoplasia intra ou extracraniana em remissão, e em tratamento com hormona do crescimento,
devem ser cuidadosamente observados pelo médico em intervalos regulares. Os doentes com deficiência de hormona do crescimento secundária a um tumor intracraniano, devem ser examinados
frequentemente para avaliação da progressão ou recorrência da patologia subjacente. Foram registados alguns casos de leucemia em crianças com deficiência de hormona do crescimento,
tratadas ou não com esta hormona, podendo eventualmente representar um ligeiro aumento da incidência desta patologia, quando comparado com crianças sem esta deficiência. Não se encontra
estabelecida uma relação causal com o tratamento com hormona do crescimento. Após a administração de hormona do crescimento observa-se uma hipoglicémia transitória de aproximadamente
2 horas e, nas 2-4 horas seguintes verifica-se uma elevação dos níveis de glucose no sangue, apesar da existência de uma concentração elevada de insulina. A Somatropina pode induzir um estado
de resistência à insulina, o qual pode resultar em hiperinsulinismo e, em alguns casos, hiperglicémia. Para detectar uma resistência à insulina, os doentes deverão ser monitorizados para evidência
de intolerância à glucose. SAIZEN deve ser utilizado com precaução em doentes com diabetes mellitus ou com história familiar de diabetes mellitus. Os doentes com diabetes mellitus podem
necessitar de um ajuste da sua terapêutica anti-diabética. Uma retinopatia estável não deve levar à suspensão da terapêutica de substituição com Somatropina. No caso de surgirem alterações
pré-proliferativas e na presença de retinopatia proliferativa deve ser suspensa a terapêutica de substituição com Somatropina. Durante o tratamento com Somatropina, verificou-se um aumento da
conversão de T4 para T3, o qual pode resultar a nível do soro numa redução das concentrações de T4 e num aumento das concentrações de T3. Em geral, os níveis periféricos da hormona tiroideia
permaneceram dentro dos limites de referência para indivíduos saudáveis. O efeito da Somatropina nos níveis da hormona tiroideia pode ter relevância clínica em doentes com hipotiroidismo central
subclínico, nos quais, em teoria, se pode desenvolver hipotiroidismo manifesto. Inversamente, em doentes a receber terapêutica de substituição com tiroxina, pode ocorrer hipertiroidismo ligeiro.
Portanto, é aconselhável a avaliação da função tiroideia após o início do tratamento com Somatropina e sempre que se proceda a ajustes da dose. Pode verificar-se retenção de líquidos durante
a terapêutica de substituição com hormona do crescimento no adulto. No caso de edema persistente ou parestesia grave, a dosagem deverá ser reduzida de modo a evitar o desenvolvimento da
síndroma do canal cárpico. No caso de cefaleia grave ou recorrente, problemas visuais, náuseas e/ou vómitos, recomenda-se uma fundoscopia para verificar se existe papiloedema. Se se confirmar
o papiloedema, deve considerar-se o diagnóstico de hipertensão intracraniana benigna (ou pseudotumor cerebral) e interromper o tratamento com SAIZEN. Actualmente, não existe evidência
suficiente para levar a uma decisão clínica em doentes com hipertensão intracraniana resolvida. Se se reiniciar o tratamento com hormona do crescimento, é necessária uma monitorização
cuidadosa para detecção de sintomas de hipertensão intracraniana e o tratamento deve ser suspenso se se verificar recorrência da hipertensão intracraniana. O deslizamento da epífise femural é
frequentemente associado a perturbações endócrinas, tais como deficiência de hormona do crescimento e hipotiroidismo, e períodos de maior velocidade de crescimento. Em crianças tratadas com
hormona do crescimento, o deslizamento da epífise femural pode ser devido quer a perturbações endócrinas subjacentes ou à maior velocidade do crescimento causada pelo tratamento. Os
períodos de maior velocidade de crescimento podem aumentar o risco de alterações articulares, especialmente a articulação coxo-femural está sob particular pressão durante o surto de crescimento
pré-pubertário. O médico e os pais devem estar alerta no caso de a criança tratada com SAIZEN apresentar claudicação ou queixas articulares localizadas à coxo-femural ou joelho. As crianças
com atraso do crescimento devido a insuficiência renal crónica, devem ser examinadas periodicamente para evidência ou progressão de osteodistrofia renal. Em crianças com osteodistrofia renal
avançada pode verificar-se episiolístese ou necrose avascular da cabeça do femural, sendo incerto se estes problemas são afectados pelo tratamento com hormona do crescimento. Antes de se
iniciar o tratamento deverá ser efectuado um radiograma das articulações coxo-femurais. Nas crianças com insuficiência renal crónica, a função renal deve apresentar um decréscimo de 50%
relativamente ao padrão normal, antes de se instituir o tratamento. O crescimento deve ser monitorizado durante um ano antes de se instituir a terapêutica, de modo a verificar alterações no
crescimento. O tratamento convencional da insuficiência renal (o qual inclui o controlo da acidose, do hiperparatiroidismo e do estado nutricional durante o ano anterior ao tratamento) deve ter sido
estabelecido e mantido durante o tratamento. O tratamento deve ser interrompido na altura do transplante renal. Antes de se iniciar o tratamento em crianças pequenas com SGA, devem ser
excluídas outras razões clínicas ou tratamentos que possam explicar o atraso do crescimento. Em crianças pequenas com SGA, recomenda-se a determinação da insulina e da glicémia em jejum,
antes do início do tratamento e anualmente. Em doentes com risco aumentado para diabetes mellitus (por exemplo, história familiar de diabetes, obesidade, índice aumentado de massa corporal,
resistência grave à insulina, acanthosis nigricans) deve ser realizado o teste da tolerância à glucose oral. Em caso de diagnóstico de diabetes, não deve ser administrada hormona do crescimento.
Em crianças pequenas com SGA, recomenda-se a determinação do nível de IGF-I antes do início do tratamento e depois, duas vezes por ano. Caso se detectem, em determinações sucessivas,
níveis de IGF-1 que excedam +2 DP em relação à referência para a idade, a razão IGF-I/IGFBP-3 pode ser considerada para o ajuste da dose. Existe experiência limitada no início do tratamento
em doentes com SGA e que estejam próximos do início da puberdade. Não se recomenda portanto o início do tratamento em doentes com idade próxima do início da puberdade. A experiência em
doentes com SGA, com a síndroma de Silver-Russel é limitada. Em crianças com SGA, parte do ganho em estatura obtido com o tratamento com Somatropina pode perder-se, caso este seja
suspenso antes de se atingir a estatura final. Deve mudar-se o local da injecção para evitar lipoatrofia. A deficiência em hormona do crescimento no adulto é uma situação vitalícia, pelo que deverá
ser tratada adequadamente. No entanto, é limitada a experiência em doentes com mais de 60 anos ou em tratamentos prolongados. Em todos os doentes que apresentem uma patologia aguda
crítica, o possível benefício do tratamento com Somatropina deverá ser avaliado relativamente ao potencial risco envolvido. Foram relatados casos de apneia do sono e morte súbita em doentes
com Síndroma de Prader-Willi em tratamento com Somatropina. SAIZEN não está indicado no tratamento de doentes com Síndroma de Prader-Willi. INTERACÇÕES MEDICAMENTOSAS E
OUTRAS FORMAS DE INTERACÇÃO: A terapêutica concomitante com corticosteróides pode inibir a resposta ao SAIZEN. Verificou-se que a Somatropina induz uma redução ligeira dos níveis de
cortisol sérico em doentes com deficiência de hormona do crescimento recebendo terapêutica de substituição das suprarrenais. Consequentemente, nos doentes em terapêutica de substituição
com corticosteróides, que iniciam terapêutica com Somatropina, recomenda-se a monitorização dos níveis de cortisol sérico e o eventual ajuste da dose dos corticosteróides. Dados in vitro
publicados indicam que a hormona do crescimento pode ser um indutor do citocromo P450 3A4. Desconhece-se o significado clínico desta observação. No entanto, quando a Somatropina é
administrada em combinação com medicamentos que se sabe serem metabolizados pelas enzimas hepáticas do CYP P450 3A4, é aconselhável monitorizar a efectividade clínica de tais
medicamentos. GRAVIDEZ E ALEITAMENTO: Gravidez: No que respeita a SAIZEN, não existem dados clínicos sobre as gravidezes a ele expostas. Assim, desconhece-se o risco para o ser
humano. Embora os estudos em animais não indiquem um risco potencial durante a gravidez, o tratamento com SAIZEN deve ser interrompido no caso de ocorrer uma gravidez. Aleitamento:
Desconhece-se se as hormonas peptídicas exógenas são excretadas no leite, mas a absorção da proteína intacta pelo tracto gastrintestinal da criança é improvável. EFEITOS SOBRE A
CAPACIDADE DE CONDUZIR E UTILIZAR MÁQUINAS: SAIZEN não interfere com a capacidade de conduzir ou operar com máquinas. EFEITOS INDESEJÁVEIS: Até 10% dos doentes podem
apresentar vermelhidão e prurido no local da injecção, particularmente quando se utiliza a via de administração subcutânea. Espera-se que ocorra retenção de fluidos durante a terapêutica de
substituição com hormona do crescimento no adulto. Edema, edema articular, artralgias, mialgias e parestesias podem ser manifestações clínicas desta retenção de fluidos. No entanto estes
sintomas são geralmente transitórios e dependem da dose. Os adultos com deficiência de hormona do crescimento, em consequência do diagnóstico deste défice na infância, apresentam uma
menor frequência de efeitos secundários do que os que iniciam a terapêutica na idade adulta. Podem formar-se anticorpos à somatropina em alguns doentes; desconhece-se o seu significado
clínico, e até à data estes anticorpos têm apresentado baixa capacidade de ligação e não têm sido associados a atenuação do crescimento, excepto em doentes com deleções de genes. Em casos
muito raros, em que a baixa estatura é devida à deleção do gene da hormona do crescimento, o tratamento com esta hormona pode induzir anticorpos atenuantes do crescimento. As reacções
adversas reportadas a seguir encontram-se classificadas de acordo com a frequência de ocorrência, conforme se segue: Muito frequentes: ≥ 1/10; Frequentes: > 1/100 - < 1/10; Pouco frequentes:
> 1.000 -< 1/100. Raros: > 1/10.000 - < 1/1.000; Muito raros: ≤ 1/ 10.000. Reacções no local de administração - Frequentes. Reacções no local da injecção: Lipoatrofia localizada, que pode ser
evitada variando o local da injecção. Distúrbios do estado geral - Frequentes (no adulto) Pouco frequentes (na criança). Retenção de fluídos: edema periférico, entumescimento, artralgia, mialgia,
parestesia - Pouco frequentes: Síndroma do canal cárpico. Sistema Nervoso Central. Pouco frequentes - Hipertensão intracraniana idiopática (hipertensão intracraniana benigna). Doenças
endócrinas. Muito raros - Hipotiroidismo. Afecções musculosqueléticas. Muito raros - Deslizamento da epífise da cabeça femural (Epiphysiolysis capitis femoris), ou necrose avascular da cabeça
femural. Doenças do metabolismo. A resistência à insulina pode resultar em hiperinsulinismo e, em casos raros, em hiperglicémia. SOBREDOSAGEM: Não foram relatados casos de sobredosagem
aguda. Porém, exceder as doses recomendadas pode causar efeitos indesejáveis. Uma sobredosagem pode levar a hipoglicémia e, subsequentemente, a hiperglicémia. Além disso, uma
sobredosagem com Somatropina pode causar manifestações de retenção de fluidos. PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS. Propriedades farmacodinâmicas: Grupo farmacoterapêutico: 8.1.1
Hormonas do lobo anterior da hipófise. Código ATC: HO1A. SAIZEN contém hormona do crescimento humana recombinante, produzida por células de mamífero geneticamente modificadas. É um
péptido de 191 aminoácidos idêntico à hormona do crescimento humana hipofisária, no que respeita à sequência e composição de aminoácidos assim como ao mapa peptídico, ponto isoeléctrico,
peso molecular, estrutura isomérica e bioactividade. A hormona do crescimento é sintetizada numa linha celular murina transformada, modificada através da adição do gene da hormona do
crescimento hipofisária. SAIZEN é um agente anabólico e anticatabólico que produz efeito não só no crescimento, mas também na composição e metabolismo do organismo. Interactua com
receptores específicos numa variedade de tipos de células incluindo miócitos, hepatócitos, adipócitos, linfócitos e células hematopoiéticas. Alguns, mas não todos os seus efeitos são mediados por
uma outra classe de hormonas conhecidas por somatomedinas (IGF-1 e IGF-2). Dependendo da dose, a administração de SAIZEN produz um aumento na IGF-1, IGFBP-3, ácidos gordos nãoesterificados e glicerol, uma diminuição da ureia sanguínea, e diminuição nas excreções urinárias do azoto, do sódio e do potássio. A duração do aumento nos níveis de GH pode desempenhar um
papel na determinação da magnitude dos efeitos. É provável uma saturação relativa dos efeitos do SAIZEN com doses altas. Não é este o caso da glicémia e excreção urinária do peptido-C, que
só aumentam significativamente após doses elevadas (20 mg). Num ensaio clínico randomizado, crianças pré-pubertárias pequenas com SGA, foram tratadas durante três anos com uma dose de
0,067 mg/kg/dia, e verificou-se um ganho médio de +1,8 DP-estatura. Nas crianças que não receberam tratamento adicional para além dos três anos, perdeu-se parte do benefício, mas as crianças
mantiveram um aumento significativo de +0,7 DP-estatura, na estatura final (p<0,01 comparado com o valor basal). Os doentes que receberam um segundo tratamento após um período variável
de observação, apresentaram um aumento total de +1,3 DP-estatura (p=0,001 comparado com o valor basal), na estatura final. (A duração de tratamento cumulativa média no último grupo foi de
6,1 anos). O aumento na DP-estatura (+ 1,3 ± 1,1) na estatura final neste grupo foi significativamente (p<0,05) diferente do aumento em DP-estatura obtido no primeiro grupo (+0,7 ± 0,8), o qual
recebeu apenas 3,0 anos de tratamento em média. Um segundo ensaio clínico, investigou dois regimes posológicos diferentes durante quatro anos. Um grupo foi tratado com 0,067 mg/kg/dia
durante 2 anos e observado durante os 2 anos posteriores sem tratamento. O segundo grupo recebeu 0,067 mg/kg/dia no primeiro e terceiro anos e nenhum tratamento no segundo e quarto anos.
Qualquer dos regimes de tratamento resultou numa dose administrada cumulativa de 0,033 mg/kg/dia durante o período de quatro anos do estudo. Ambos os grupos revelaram uma aceleração do
crescimento comparável e uma melhoria significativa de +1,55 (p<0,0001) e +1,43 (p<0,0001) DP-estatura respectivamente no final do período de quatro anos do estudo. Os dados sobre a
segurança a longo prazo continuam a ser limitados. Propriedades farmacocinéticas: A farmacocinética do SAIZEN é linear pelo menos com doses até 8 UI (2,67 mg). Com doses mais elevadas
(60 UI/20 mg) não pode ser excluído um certo grau de não-linearidade, porém sem relevância clínica. Após administração IV a voluntários saudáveis, o volume de distribuição em estado estacionário
é de cerca de 7 L, a “clearance” metabólica total é de cerca de 15 L/h, enquanto que a “clearance” renal é insignificante, e o fármaco exibe uma semi-vida de eliminação de 20 a 35 minutos. Após
a administração de doses únicas de SAIZEN por via SC e IM, a semi-vida terminal aparente é muito mais prolongada, cerca de 2 a 4 horas. Isto é devido a uma taxa limitada do processo de
absorção. As concentrações séricas máximas de hormona do crescimento (GH) são atingidas após aproximadamente 4 horas e os níveis séricos de GH voltam ao valor basal dentro de 24 horas,
indicando que não ocorre acumulação de GH durante as administrações repetidas. A biodisponibilidade absoluta de ambas as vias é de 70-90%. INFORMAÇÕES FARMACÊUTICAS: Lista de
excipientes: Pó para solução injectável. Sacarose, Ácido Fosfórico, Hidróxido de sódio. Solvente para utilização parentérica. Metacresol a 0,3% (p/v) em água para preparações injectáveis.
Incompatibilidades: Não se conhecem presentemente incompatibilidades de SAIZEN com outras preparações farmacêuticas. Prazo de validade: 3 anos. Após reconstituição, o produto deve ser
conservado durante um período máximo de 28 dias no frigorífico (2ºC – 8ºC). Os auto-injectores easypod e one.click, quando contendo o cartucho reconstituído de SAIZEN, têm de ser conservados
no frigorífico (2ºC – 8ºC). Quando se utilizar o auto-injector sem agulha cool.click, unicamente o cartucho da solução reconstituída de SAIZEN, deverá ser conservado no frigorífico (2ºC-8ºC).
Precauções especiais de conservação: Não conservar acima de 25ºC. Não congelar. Conservar na embalagem de origem. Para a conservação do produto reconstituído, ver secção “Prazo de
Validade”. Natureza e conteúdo do recipiente. Os frascos para injectáveis DIN 2R de 3 ml contendo 8 mg de pó e os cartuchos de 3 ml contendo 1,37 ml de solvente são de vidro neutro (Tipo 1).
Os frascos para injectáveis e os cartuchos são fechados com tampa de borracha. SAIZEN 8 mg click.easy está disponível em embalagens com: 1 frasco para injectáveis de SAIZEN 8 mg e 1
cartucho de solvente bacteriostático pré-incluídos num dispositivo de reconstituição (click.easy) composto pelo corpo do dispositivo com cânula de transferência estéril. Instruçôes de utilização /
manuseamento: O cartucho contendo a solução reconstituída de SAIZEN 8 mg click.easy destina-se exclusivamente a ser utilizado com o auto-injector one.click, com o auto-injector sem agulha
cool.click, ou com o auto-injector easypod. Para conservação dos auto-injectores contendo o cartucho, ver secção “Prazo de Validade”. Para a administração do SAIZEN 8 mg click.easy, consulte
as instruções do folheto informativo e do manual de instruções fornecido com o auto-injector apropriado. Os utilizadores do easypod são principalmente crianças desde os 7 anos até à idade adulta.
A utilização de dispositivos médicos por crianças, deverá ser sempre feita sob a supervisão de um adulto. O pó para a solução injectável tem de ser reconstituído com o solvente bacteriostático que
o acompanha (metacresol a 0,3% (p/v) em água para preparações injectáveis) para administração parentérica, utilizando o dispositivo de reconstituição click.easy. A solução injectável reconstituída
deve ser límpida, sem partículas. Se a solução contiver partículas, não deve ser injectada. Qualquer produto não utilizado ou o material usado deve ser deitado fora de acordo com as exigências
locais. TITULAR DA AUTORIZAÇÃO DE INTRODUÇÃO NO MERCADO: Serono Portugal, Lda. R. Tierno Galvan, 16 – B, Amoreiras, Torre 3, 16 º, Esc. 1 - 1070-274 LISBOA. NÚMEROS DA
AUTORIZAÇÃO DE INTRODUÇÃO NO MERCADO 3505484- Frasco para injectável – 1 unidade. DATA DA PRIMEIRA AUTORIZAÇÃO/RENOVAÇÃO DA AUTORIZAÇÃO DE INTRODUÇÃO
NO MERCADO: Data da Primeira Autorização de Introdução no Mercado: 26/01/2001. Data da Renovação da Autorização de Introdução no Mercado: 03/04/2004. DATA DA REVISÃO (PARCIAL)
DO TEXTO: 23 de Fevereiro de 2007. Medicamento sujeito a receita médica. Fornecimento exclusivo hospitalar (CompartIcipado 100% nos estabelecimentos saúde especiais).
Vol. 17, nº 3, Setembro 2008
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