3 Vol XVII 2008 - Revista Nascer e Crescer
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3 Vol XVII 2008 - Revista Nascer e Crescer
Vol. 17, nº 3, Setembro 2008 17| 3 Revista do Hospital de Crianças Maria Pia Ano | 2008 Volume | XVII Número | 03 www.hmariapia.min-saude.pt Directora | Sílvia Álvares; Directora Adjunta | Inês Moreira; Presidente do CA do Centro Hospitalar do Porto, EPE | Fernando Sollari Allegro Corpo Redactorial | Amélia José; Ana Cristina Cunha; Artur Alegria; Carlos Enes; Carmen Carvalho; Conceição Mota; Esmeralda Martins; Inês Lopes; Laura Marques; Margarida Guedes; Maria do Carmo Santos; Miguel Coutinho Editores especializados | Artigo Recomendado – Maria do Carmo Santos; Tojal Monteiro. Perspectivas Actuais em Bioética – Natália Teles. Pediatria Baseada na Evidência – Luís Filipe Azevedo; Altamiro da Costa Pereira. Ciclo de Pediatria Inter-Hospitalar do Norte – Sofia Aroso; Rogério Mendes; Helena Jardim; Virgílio Senra; Fernanda Manuela Costa; Fátima Santos; Armando Pinto; Joaquim Cunha; Susana Tavares; Sónia Carvalho; Conceição Santos Silva. Caso Endoscópico – Fernando Pereira. 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Dunn (Bristol) Correspondentes - Almerinda Pereira (H.Braga) - António Lima (H.O.Azeméis); - Arelo Manso (C.H.Trás-os-Montes e Alto Douro); - Arlindo Oliveira (H.Ovar); - Braga da Cunha (C.H.Tâmega e Sousa); - Dílio Alves (H.P.Hispano); - Gama Brandão (Guimarães); - Gonçalves Oliveira (C.H.Médio Ave) - Gualdino Silva (H.Barcelos); - Guimarães Dinis (C.H.Médio Ave); - Henedina Antunes (H.Braga); - Joana Moura (H.Viana do Castelo); - Jorge Moreira (C.H.Póvoa Varzim / Vila do Conde); - José Amorim (C.H.Alto Minho); - José Carlos Sarmento (C.H.Tâmega e Sousa); - José Castanheira (H.Viseu); - José Matos (C.H.Trás-os-Montes e Alto Douro); - Lopes dos Santos (H.P.Hispano); - Manuel Reis (H.Amarante); - Óscar Vaz (C.H.Nordeste); - Pedro Freitas (H.Guimarães); - Reis Morais (H.Chaves) - Ricardo Costa (H.Covilhã); Rua da Boavista, 713 – 4050-110 PORTO Tel. 222 081 050 [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia índice ano 2008, vol XVII, n.º 3 número3.vol.XVII 119 Editorial 121 Artigos Originais Sílvia Álvares Duplicidade Renal: Importância da Suspeita Pré-natal Sandra Rodrigues, Teresa Costa, Luísa Lopes, Eloi Pereira, Artur Alegria 125 Artigos de Revisão A Asma , a Obesidade e a Hormona Vitamina D. A Hipótese do Sol Tojal Monteiro 129 Casos Clínicos Dissecção da Artéria Vertebral em Adolescente. Orientação Diagnostica e Terapêutica Susana Carvalho, Gabriela Lopes, Joana Rios, Cláudia Pereira, Sónia Figueiroa, Teresa Temudo 133 Hiperinsulinismo Congénito – Revisão Teórica e Série de Casos Anabela Bandeira, Cátia Cardoso, José Sizenando, Elisa Proença, Esmeralda Martins 139 Dermatite Estreptocócica Perianal – A Propósito de Dois Casos Clínicos Catarina Sousa, Isabel Araújo, Ana Maria Leitão 142 Artigo Recomendado 144 146 148 Qual o seu Diagnóstico? Tojal Monteiro Maria do Carmo Santos Helena Ferreira Mansilha Caso Endoscópico Fernando Pereira 150 Caso Estomatológico José M. S. Amorim 152 Caso Radiológico Filipe Macedo 154 Genes, Crianças e Pediatras Paulo Sousa, M. Reis Lima, Esmeralda Martins NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Reunião do Hospital de Crianças S157 XX Maria Pia – Resumo das Intervenções S158 Urgências Neonatais – mesa redonda Emergências Cardiológicas Neonatais Marília Loureiro S161 Urgências Cirúrgicas Neonatais M. Luísa Oliveira S162 Transporte Pediátrico – mesa redonda S166 Urgências Médicas – mesa redonda Transporte Neonatal e Pediátrico – Organização e Perspectivas Actuais Francisco Abecassis Alterações do Estado de Consciência em Idade Pediátrica Inês Carrilho S168 Urgências Psiquiátricas na Adolescência Otília Queirós S173 Urgências Cirúrgicas – mesa redonda S177 Gastroenterologia Pediátrica - curso satélite Mastoidite Aguda Teresa Soares Endoscopia Digestiva em Pediatria Fernando A C Pereira S185 Doença de Refluxo Gastro-esofágico. Métodos de Diagnóstico e Tratamento Rosa Lima S188 A Coleastase Neonatal. Como Abordar Ermelinda Silva S192 A Obstipação na Criança. Como Lidar Fernando Pereira S195 S206 215 Pequenas Histórias Resumo das Comunicações Orais Resumo dos Posters Pinga Seca Arelo Manso NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia summary ano 2008, vol XVII, n.º 3 number3.vol.XVII 119 Editorial 121 Original Articles Sílvia Álvares Renal Duplication: Importance of Prenatal Suspicion Sandra Rodrigues, Teresa Costa, Luísa Lopes, Eloi Pereira, Artur Alegria 125 Review Articles Asthma, Obesity and the Vitamin D. The Sunshine Hypothesis Tojal Monteiro 129 Clinical Cases Vertebral Artery Dissection in Adolescence. Diagnosis and Treatment Susana Carvalho, Gabriela Lopes, Joana Rios, Cláudia Pereira, Sónia Figueiroa, Teresa Temudo 133 Congenital Hiperinsulinism – Theorical Revision and Clinical Cases Anabela Bandeira, Cátia Cardoso, José Sizenando, Elisa Proença, Esmeralda Martins 139 Perianal Streptococcal Dermatitis – About Two Clinical Cases Catarina Sousa, Isabel Araújo, Ana Maria Leitão 142 Recommended Article 144 146 148 What is your diagnosis? Tojal Monteiro Maria do Carmo Santos Helena Ferreira Mansilha Endoscopic Case Fernando Pereira 150 Oral Pathology Case José M. S. Amorim 152 Radiological Case Filipe Macedo 154 Genes, Children and Paediatricians Paulo Sousa, M. Reis Lima, Esmeralda Martins NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Meeting of Children’s Hospital S157 XX Maria Pia – Abstracts S158 Neonatal Emergency – round table Neonatal Cardiac Emergencies Marília Loureiro S161 Neonatal Surgical Emergencies M. Luísa Oliveira S162 Paediatric Transport – round table S166 Médical Emergencies – round table Paediatric Emergency Transport – Organization and Current Perspective Francisco Abecassis Altered States of Consciousness Inês Carrilho S168 Psyquiatric Emergencies in Adolescence Otília Queirós S173 Surgical Emergencies– round table S177 Paediatric Gastroenterology - Satellite Course Acute Mastoiditis Teresa Soares Digestive Endoscopy in Paediatrics Fernando A C Pereira S185 Gastroesophageal Reflux. Diagnosis and Treatment Rosa Lima S188 Neonatal Cholestasis. Clinical Approach Ermelinda Silva S192 Obstippation in Children. Clinical Management Fernando Pereira Oral Presentations – abstracts S195 S206 215 Short Stories Posters Presentations – abstracts Masturbation Arelo Manso NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 editorial Esta é a XX Reunião do Hospital de Crianças Maria Pia, e o sucesso que esta reunião tem alcançado ao longo destes anos mostra que tem um lugar consolidado na formação pediátrica pós-graduada. Este objectivo só tem sido alcançado graças à colaboração de todos os Serviços de Pediatria da região Norte e ao trabalho de uma equipa dedicada e empenhada em contribuir para a melhoria da organização e do desempenho na prestação dos cuidados de saúde à criança. O programa deste ano versa particularmente as Urgência Pediátricas, desde o recém-nascido ao adolescente. Este é um tema actual que preocupa todos os profissionais e os cidadãos em geral, no que respeita à acessibilidade, à qualidade assistencial, à eficácia e eficiência dos serviços. A urgência é considerada por muitos estudiosos um fenómeno cultural, já que é convicção do público em geral que este serviço pode responder melhor às suas necessidades por dispor permanentemente dos meios mais sofisticados de actuação. No âmbito da neonatologia serão discutidos temas como a hipertensão pulmonar, as urgências cardiológicas e cirúrgicas, causas major da mortalidade e morbilidade neonatal. O transporte pediátrico, a sua organização e a estabilização do doente serão analisados por profissionais das três grandes regiões do país, esperando-se que esta troca de experiências possa ser um contributo importante para a prática clínica. Na área das urgências médicas irão debater-se as alterações do estado de consciência, a insuficiência respiratória aguda e as urgências psiquiátricas; estas últimas assumiram um relevo importante dada a alteração recente da idade limite de acesso ao serviço de urgência pediátrico (15 anos). Teremos ainda em discussão as urgências cirúrgicas nomeadamente: queimados, escroto agudo e mastoidite aguda. Outros temas incluídos no programa são a fibrose quística, versando os avanços no diagnóstico e tratamento, a sessão clínica interactiva com casos clínicos práticos de dermatologia, estomatologia, ginecologia e oftalmologia, a qual permite uma participação dinâmica e activa dos participantes. Serão apresentados os estudos interinstitucionais sobre comportamentos de risco na adolescência e patologia nefro-urológica, estudos estes que representam uma mais valia importante em termos de capacidade mobilizadora e de trabalho conjunto nos vários serviços de pediatria. Não é demais salientar ainda a importância actual do tema: Medição de Resultados em Saúde, que será exposto pelo Professor Pedro Lopes Ferreira, Professor Associado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Investigador do Centro de Estudos de Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra (CEISUC) e Membro da Equipa Coordenadora do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS). editorial 119 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Vamos terminar com um Curso de Gastroenterologia Pediátrica, que permitirá a discussão de patologias frequentes nesta área. Agradecemos mais uma vez a todos os que colaboraram nesta organização, à Liga de Amigos e à Associação do Hospital de Crianças Maria Pia, bem como às empresas farmacêuticas, sem as quais não era possível esta realização. Esperamos pois proporcionar a todos os participantes um espaço de debate num ambiente afável, de cooperação e de complementaridade e poder contribuir para uma melhoria da organização e da qualidade assistencial dos cuidados de saúde à criança. Sílvia Álvares 120 editorial NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Duplicidade Renal: Importância da Suspeita Pré-natal Sandra Rodrigues1, Teresa Costa1, Luísa Lopes2, Elói Pereira1, Artur Alegria2 RESUMO Introdução: A duplicidade renal é uma anomalia congénita com possível suspeição pré-natal que, por se associar frequentemente a outras anomalias nefro-urológicas, importa diagnosticar precocemente. Objectivo: Avaliar o processo de diagnóstico e a evolução dos casos de duplicidade renal. Material e Métodos: Estudo retrospectivo de crianças com duplicidade renal nascidas entre 1996 e 2003. Resultados: Identificaram-se 17 casos de duplicidade renal, que em 15 se associaram a outras anomalias, mormente o refluxo vésico-ureteral. Treze crianças necessitaram de tratamento cirúrgico. Com tempo médio de seguimento de 4 anos ± 11 meses, verificou-se perda importante da função renal unilateral em 4 casos, não se registando em nenhum insuficiência renal global. Conclusão: Numa larga maioria de casos identificou-se a associação entre duplicidade renal e outras anomalias morfo-funcionais renais, destacando-se o refluxo vésico-ureteral. Todas as crianças mantiveram função renal global adequada, admitindo-se que para tal tenha contribuído a precocidade do diagnóstico e seguimento atempados. Palavras-Chave: duplicidade renal, diagnóstico pré-natal, nefro-uropatias congénitas Nascer e Crescer 2008; 17(3): 121-124 __________ 1 2 Serviço de Nefrologia Pediátrica do HMP Unidade: Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais da Maternidade Júlio Dinis INTRODUÇÃO A duplicidade renal representa a anomalia congénita mais frequente do aparelho urinário superior da criança(1,2). Por definição, consiste numa unidade renal que contém dois sistemas pielocaliciais associados a ureter único ou bífido, designada duplicidade parcial, ou a dois ureteres que drenam separadamente na bexiga, constituindo a forma completa(2,3). Resulta de uma divisão precoce do divertículo ureteral, uma estrutura embrionária com origem no canal mesonéfrico de Wollf, que dá origem ao ureter, bacinete, grandes e pequenos cálices e ductos colectores(2-4). A sua prevalência na população geral tem sido estimada em 0.6% e 0.2%, na forma parcial e completa respectivamente(3). Pode ocorrer uni ou bilateralmente, sem predominância por sexo(2,3). É frequente a associação de duplicidade a outras anomalias nefro-urológicas congénitas, designadamente o refluxo vésico-ureteral (RVU), ureterocelo e ureter ectópico, que, pela sua comorbilidade, importa diagnosticar precocemente(1,2,5,6). Sendo considerada uma entidade maioritariamente assintomática, sobretudo nos primeiros anos de vida, a sua identificação é feita, muito frequentemente, no decurso da investigação de outras condições clínicas(2,3). Quando sintomática, a duplicidade renal pode manifestar-se por um amplo espectro clínico: infecção urinária, incontinência urinária, massa abdominal palpável, má evolução ponderal, ou leucorreia purulenta(2,3). A este conjunto de sintomas deverá o médico estar atento, no sentido de dar início a uma investigação e seguimento adequados. Nas últimas décadas, a ultrassonografia fetal tem desempenhado um papel primordial na identificação precoce desta patologia, permitindo a instituição antecipada de cuidados profiláticos e terapêuticos e, desta forma, a prevenção de eventuais lesões renais adicionais(4,7). Estes procedimentos estão na base de uma abordagem mais conservadora, cada vez mais defendida por Nefrologistas, Urologistas e Pediatras. Constituiu objectivo deste estudo a avaliação do processo de diagnóstico e evolução dos casos de duplicidade renal suspeitados num período de 8 anos, de 1996 a 2003, procurando dar um contributo para um plano futuro de vigilância e orientação mais adequados nestas situações. MATERIAL E MÉTODOS Os autores efectuaram uma revisão retrospectiva dos registos clínicos de 17 crianças nascidas nos anos de 1996 a 2003, com diagnóstico pré e/ou pósnatal de duplicidade renal. A suspeição baseou-se nos achados ecográficos encontrados através do programa universal de rastreio ecográfico fetal, no grupo de recém-nascidos (RN) de diagnóstico prénatal, e no decurso de investigação de infecção urinária e de rastreio de patologia renal por doença familiar, no grupo de RN de diagnóstico pós-natal. Para a vigilância destas crianças foram realizadas ecografia renal precoce e cistouretrografia miccional seriada (CUMS). Em cada doente, a decisão de efectuar estudos complementares (nomeadamente exames radioisotópicos, urografia endovenosa) baseou-se na ponderação, caso a caso, de factores como bilateralidade da duplicidade, presença de RVU, ureterocelo ou ureter ectópico associados, intercorrência de infecção urinária, deterioração clínica ou planificação de intervenção cirúrgica. artigos originais 121 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Neste estudo foram valorizados os parâmetros sexo, idade de diagnóstico, sintomatologia, exames complementares efectuados (pré e pós-natais) e respectivas alterações, tratamento instituído e evolução morfo-funcional. RESULTADOS No período analisado, foram identificadas 17 crianças com duplicidade renal, correspondendo a uma incidência de 0.05% (17 casos/ 33930 nados-vivos). Nove casos (53%) eram do sexo feminino. Em 14 (82%) tinha havido detecção ecográfica pré-natal de uma ou mais alterações nefro-urológicas, sendo a mais frequente a dilatação pielo-calicial (DPC) de grau variável (12 casos); em 5 (29%) crianças o diagnóstico de duplicidade renal foi desde logo evocado, numa idade gestacional mediana de 30 semanas (variável entre 27 e 37 semanas). Nas restantes 3 crianças o diagnóstico foi afirmado na sequência de investigação de infecção urinária em 2 e de antecedentes familiares de doença poliquística autossómica dominante numa outra. Nestas, a mediana da idade de diagnóstico foi de 1,5 meses. A duplicidade bilateral foi identificada em 3 casos; nas restantes verificou-se predomínio direito (9 casos) (Figura 1). O diagnóstico de duplicidade foi afirmado pela ecografia em 11 casos, pela CUMS em 3, pela urografia endovenosa em 2 pelo renograma com ácido dietilenotriamino-pentoacético marcado com Tc99 (99Tc-DTPA) num caso. A associação a outras anomalias morfo-funcionais foi observada em 15 (88%) crianças, destacando-se, pela sua frequência, o RVU (13 casos), todos de grau moderado a grave, ocorrendo bilateralmente em 5 crianças. Em 10/18 unidades renais o RVU ocorreu para o polo inferior e em 1/18 para o polo superior, não estando documentado este dado em cinco casos (2 com RVU bilateral). A infecção urinária de repetição foi registada em 10 crianças, todas portadoras de refluxo (Quadro I). Quanto à estratégia terapêutica, 13 (76%) crianças foram submetidas a cirurgia: nefrectomia polar em 5 (bilateral em duas), nefroureterectomia total em 2, 122 artigos originais DISCUSSÃO As malformações do sistema urinário representam 30 a 50% das malformações fetais, sendo identificadas em 0,1 a 1% das gestações vigiadas(6). A duplicidade renal afigura-se como a anomalia morfológica congénita mais frequente do aparelho urinário superior. Em alguns casos terá pequeno ou nenhum significado patológico, mas noutros, por se associar a outras alterações nefro-urológicas, poderá condicionar morbilidade significativa. O RVU constitui a anomalia morfofuncional mais vezes associada a sistemas renais duplos, surgindo com maior frequência e maior grau de gravidade quando comparados com sistemas únicos(2). Em cerca de 90% dos casos ocorre para o polo inferior devido à localização mais alta do seu orifício uretero-vesical reimplantação ureteral em 5 e pieloplastia numa outra. A decisão de uma vigilância exclusivamente conservadora foi a opção para 4 crianças. Com tempo médio de seguimento de 4 anos ± 11 meses, verificou-se perda importante de função renal unilateral em 4 casos: três com nefropatia de refluxo grave (dois deles portadores de duplicidade bilateral) e um com obstrução pieloureteral. O terceiro caso de duplicidade bilateral também exibiu lesões cicatriciais, embora mantendo função renal diferencial conservada. Quatro crianças não desenvolveram qualquer complicação, mantendo-se apenas vigilância médica e em duas delas terapêutica profilática por RVU moderado. Não se registou qualquer caso de insuficiência renal global. Figura 1: Anomalias nefro-urológicas identificadas na ecografia pré-natal (14 crianças) Suspeita de DR 5 DPC 12 Displasia renal 3 Ureterocelo 4 3 Megaureter 0 2 4 6 8 10 12 DR- duplicidade renal, DPC- dilatação pielo-calicial. Quadro I: Anomalias morfo-funcionais associadas a duplicidade renal ANOMALIAS MORFO-FUNCIONAIS Refluxo vésico-ureteral - no rim com duplicidade - no rim contra-lateral CRIANÇAS (UNIDADES RENAIS) 13 (18) 11 (12) 6 Ureterocelo 4 (5) Megaureter 6 Obstrução pielo-ureteral 1 Obstrução uretero-vesical 2 14 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 que condiciona o encurtamento do ureter intravesical e consequente refluxo(2,8,9). Múltiplos estudos têm demonstrado que em casos de duplicidade renal o RVU de grau ligeiro a moderado apresenta uma taxa de resolução espontânea semelhante aos RVU de sistemas simples de igual grau, pelo que a maioria dos nefrologistas pediátricos recomenda o mesmo plano de seguimento para as duas condições: profilaxia antibiótica e atitude expectante pela resolução espontânea do mesmo(2,8,9). Outras anomalias nefro-urológicas podem associar-se a duplicidade, designadamente o ureterocelo e o ureter ectópico. Ambas as entidades se associam com maior frequência ao ureter que drena o polo superior, predispondo os ureteres afectados a obstrução, refluxo e infecção, e são mais prevalentes no sexo feminino.(2,3) O seguimento desta patologia é discutível. Segundo alguns autores, se a duplicação é assintomática não há necessidade de avaliação complementar(1). Por outro lado, nos sistemas duplos complexos, os associados a outra nefro-uropatia, é frequentemente utilizada uma abordagem multimodal que integra obrigatoriamente a ecografia renal e a CUMS(1,6,10). Avaliação imagiológica adicional, mormente cintigrafia, urografia endovenosa, tomografia axial computorizada ou ressonância magnética nuclear, pode estar indicada para melhor caracterização morfológica e funcional do rim afectado(1,3,5,6). Na nossa casuística, as cinco crianças com suspeita pré-natal de duplicidade renal tinham outras alterações associadas, o que condicionava à partida investigação adicional com a realização de ecografia pós-natal e CUMS. Foi encontrada uma associação a outras anomalias morfo-funcionais renais num elevado número de casos (88%), destacando-se o RVU pela sua frequência (13 casos). Nestas crianças, não se observou resolução espontânea de RVU, muito provavelmente devido ao seu importante grau de gravidade. No entanto, verificou-se resolução do mesmo, nos casos submetidos a correcção cirúrgica. Dez das 13 (85%) crianças com RVU desenvolveram, em algum momento da sua evolução, intercorrência infecciosa renal. Na nossa série foram identificadas 4 crianças com ureterocelo, todas no sexo feminino, associado a RVU e a infecções urinárias intercorrentes, conforme outros casos de referências bibliográficas(2,10). Não obstante o curto período de seguimento, sublinha-se que todas as crianças mantiveram função renal global preservada, admitindo-se que para tal tenha contribuído a precocidade dos diagnósticos e o tratamento atempado. Com base nos dados do presente estudo, corroborados com a literatura consultada, propomos a realização de ecografia pós-natal a todas as crianças com suspeita pré-natal de duplicidade. A profilaxia antibiótica, com início no primeiro dia de vida, e a cistografia seriam recomendadas àquelas que apresentam sinais sugestivos de hidronefrose. Investigação complementar (exames radioisotópicos, urografia endovenosa, tomografia computorizada, ressonância magnética) ficaria reservada para as que apresentam bilateralidade da duplicidade, refluxo vésico-ureteral, ureterocelo ou ureter ectópico associado, intercorrência de infecção urinária, deterioração clínica ou planificação de intervenção cirúrgica. CONCLUSÃO O aumento crescente de recémnascidos com duplicidade renal que têm beneficiado do diagnóstico pré-natal e da referenciação especializada para nefrologia/urologia pediátrica tem contribuído para uma estratégia terapêutica mais conservadora, permitindo realizar um diagnóstico e tratamento precoces das anomalias urinárias, evitando ou atrasando o aparecimento de complicações graves que podem dar lugar a lesão renal progressiva e irreversível. O presente estudo permitiu identificar, num importante número de casos, a associação entre duplicidade renal e outras anomalias morfo-funcionais, designadamente o RVU, confirmando a necessidade de uma vigilância cuidadosa destes doentes. O plano de seguimento deverá ser individualizado, dependente dos achados clínicos e ecográficos, para que todos os problemas possam ser re- solvidos com o menor número de procedimentos. RENAL DUPLICATION: IMPORTANCE OF PRENATAL SUSPICION ABSTRACT Introduction: Duplex system is a congenital anomaly possibly detected in utero, often associated to other comorbidity urinary tract anomalies which should be early recognized. Aims: To assess the diagnosis and postnatal course of cases of duplicated collecting system. Material and Methods: Retrospective study of cases of duplex system in children born between 1996 and 2003. Results: In 15 of the 17 cases with duplex system other abnormalities were identified, mainly vesicoureteral reflux. In 13 children any kind of surgical repair was performed. After a mean follow-up period of 4 years ± 11 months, significant loss of unilateral renal function occurred in 4 patients, but none had global renal impairment. Conclusions: In most patients an association between duplicated collecting system and other urological abnormalities was detected, vesicoureteral reflux the most frequent. In the follow-up period all children presented an adequate renal function. We emphasise that an early diagnosis and management can surely contribute to better results in cases of duplicated collecting system. Key-Words: renal duplication, prenatal diagnosis, congenital uropathies Nascer e Crescer 2008; 17(3): 121-124 BIBLIOGRAFIA 1. Staatz G, Rohrmann D, Nolte-Ernsting C, Stollbrink C, Haage P, Schmidt T, Günther R. Magnetic resonance urography in children: evaluation of suspected ureteral ectopia in duplex systems. J Urol 2001; 166: 2346-50. 2. Decter R. Renal duplication and fusion anomalies. Pediatr Clin North Am 1997; 44: 1323-41. artigos originais 123 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 3. Khan A. Duplicated collecting system. eMedicine, last updated February 2008. Disponível em: http: //www. emedicine.com/radio/TOPIC226.htm 4. Dewan P, Penington E, Jeyaseelan D. Upper pole pelviureteric junction obstruction. Pediatr Surg Int 1998; 13:290-92. 5. Reis J, Macedo F, Ferraz M, Santos C. Caso radiológico. Nascer e Crescer 1999; 8: 285-86. 6. Areses R, Arruabarrena D, Alzueta M, Rodríguez F, Paisan L, Urbieta M, Larraz J. Anomalias urinarias detectadas por ecografía prenatal. Protocolos diagnóstico-terapéuticos 124 artigos originais de nefrología-urología. Acessivel em: http: //www.aeped.es/protocolos/nefro/index.htm 7. Calisti A, Marrocco G, Patti G. The role of minimal surgery with renal preservation in abnormal complete duplex systems. Pediatr Surg Int 1999; 15:347-49. 8. Belman A. Vesicoureteral reflux. 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CORRESPONDÊNCIA Sandra Rodrigues Serviço de Pediatria Hospital Maria Pia - CHP Rua da Boavista, 827, 4050-111 Porto Telef: 226 089 900 F a x: 226 000 841 E-mail: [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 A Asma, a Obesidade e a Hormona Vitamina D A Hipótese do Sol Tojal Monteiro1 RESUMO A conhecida “hipótese da higiene”, segundo a qual a redução das doenças infecciosas leva ao aumento das doenças atópicas, foi explicada pelo desequilíbrio da actividade das linhas TH1 e TH2 a favor da última, uma vez que a activação da primeira se relaciona com a defesa à infecção e a auto-imunidade, e a segunda com doenças atópicas. Mas o aumento simultâneo da prevalência de doenças auto-imunes e atópicas obrigou a encontrar outra explicação, admitindose a existência de células T reguladoras (Tregs) da actividade das duas linhas, activadas por componentes infecciosos como enterotoxinas. Mas as Tregs têm receptores para a vitamina D, capazes de serem estimulados. E como se tem vindo a demonstrar uma carência planetária em vitamina D, pode aventar-se outra hipótese para explicar a maior prevalência das doenças atópicas e auto-imunes, a hipótese do sol. Simultaneamente, a carência de sol (isto é, vitamina D) pode explicar o aumento e /ou gravidade de outras patologias, pois há receptores para a vitamina D em variadas células, que não enterócitos, células tubulares renais e osteoblastos, e de correlações patológicas, como asma e obesidade. Palavras-Chave: Vitamina D; células Tregs; doenças atópicas; doenças auto-imunes; obesidade; asma. Nascer e Crescer 2008; 17(3): 125-128 O AUMENTO DA PREVALÊNCIA DA ASMA E A HIPÓTESE DA HIGIENE A prevalência da asma, a doença crónica não letal mais frequente da crian__________ 1 Professor de Pediatria do ICBAS/HGSA ça, com carácter genético indiscutível(1) tem vindo a aumentar nas últimas décadas,(2) embora nalguns países pareça registar-se uma ligeira queda(3,4). Como a genética não muda em décadas, devemos procurar no ambiente a explicação para o aumento da prevalência. Uma das mais divulgadas e discutidas teorias é a chamada hipótese da higiene, formulada em 1989 por Strachan, baseado na constatação de que nas áreas rurais, onde há mais infecções e menos higiene, a prevalência da atopia é menor. Pelo contrário, mais higiene, melhores condições económicas e ambientais e famílias mais reduzidas trazem menos infecções, mas mais atopia(5). Esta teoria encontrou suporte científico no desequilíbrio das linhas linfocitárias T helper (TH) 1 e 2. Tem vindo a ser confirmada por alguns(6), e rejeitada por outros(7). A linha TH1 encarrega – se da defesa às infecções e do desenvolvimento da auto – imunidade, e a TH2 da atopia. Os linfócitos Th1 produzem citocinas como a interleucina (IL) 12 e Interferão gama (IFg), e os TH2, IL-4, 5 e 12. O IFg inibe a actividade TH2 e a IL – 4 a TH1, equilibrando – se. Ora não havendo infecções, há um desequilíbrio a favor da TH2 e consequentemente um favorecimento da atopia(8). Em ambiente rural há um maior contacto com endotoxinas, um lipopolissacarídeo da parede das bactérias gram - , que ao ligar-se a moléculas CD 14, solúveis, ou existentes em monócitos e macrófagos, levam à produção de IL-12 e 18 que por sua vez estimulam a produção de interferão gama pelas células TH1 o qual inibe a actividade da linha TH 2(9). Mas os estudos epidemiológicos mostraram que a par da diminuição das doenças infecciosas se regista simultaneamente um aumento de doenças autoimunes (como a diabetes tipo I, esclerose múltipla e doença de Crohn) e atópicas, inclusivamente no mesmo doente(10,11). Ou seja, a diminuição das infecções ou do estado infeccioso conduzirá à estimulação simultânea das linhas TH1 e TH 2. Inversamente, as infecções ou o estado infeccioso levam à frenação simultânea destas linhas leucocitárias. Como? Os agentes infecciosos levariam a que células, como linfócitos CD 25 + (TH3), e outras T reguladoras (Tregs), nomeadamente células dendríticas, produzam IL10 e TGF-B (Transforming growth factor beta) que, frenando a actividade TH1 e TH 2, levam à redução de doenças atópicas e auto-imunes(12). AS “NOVAS” ACÇÕES DA VITAMINA D A vitamina D é simultaneamente um nutriente e uma hormona. A principal fonte é a síntese cutânea, pois a alimentar é escassa. A síntese cutânea resulta da acção dos raios ultravioleta B sobre o 7-dehidrocolesterol (provitamina D3) que é convertido em vitamina D3 pelo calor, sofrendo duas hidroxilações, a primeira no fígado, em 25 e depois no rim em 1-25 dihidroxivitamina D, a forma biologicamente activa, hormonal. As fontes alimentares são escassas e variáveis. Há naturais, como peixe, óleo de fígado de peixe e gema de ovo, ou artificiais, obtidas por fortificação de alimentos como leite, margarina e cereais, através da irradiação do ergosterol, um constituinte de um fungo, a cravagem do centeio, obtendo-se assim a vitamina D2. Registe-se que após a descoberta da etiopatogenia do raquitismo, se tentou combate-lo precisamente pela fortificação alimentar que, incontrolada, resultou em graves intoxicações, levando ao abandono da generalização desta prática. Os osteoblastos, enterócitos e células tubulares renais dispõem artigos de revisão 125 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 de receptores para a vitamina D. Estas células são então capazes de ser estimuladas, pondo-se em marcha toda a maquinaria responsável pela saúde óssea, a clássica função biológica da vitamina D. Ultimamente tem vindo a ser imputada à hormona vitamina D outras acções biológicas que não a óssea. Têm sido encontrados receptores para a vitamina D, na sua forma hormonal, 1,25-dihidroxivitamina D, em múltiplas células, para além dos enterócitos, células tubulares renais e osteoblastos, como, entre outras, em promielócitos, linfócitos T e B, paratiróide, hipófise, queratinócitos, cólon, ovário, mama, próstata, coração, pulmões e células beta pancreáticas. Especula-se, por isso, que a falta da vitamina D possa relacionar-se com uma plêiade de doenças. Por afectação dos efeitos imunomodeladores, com esclerose múltipla, artrite reumatóide, doença inflamatória intestinal, psoriase, asma e diabetes tipo 1; dos efeitos cardiovasculares, hipertensão e doenças cardiovasculares; dos efeitos sobre o crescimento e diferenciação celular, neoplasias do cólon, próstata, ovário e mama; relaciona-se também com depressão e esquizofrenia. Trabalhos recentes parecem mostrar que a suplementação com vitamina D diminua a mortalidade global(13.14). A VITAMINA D E A ASMA A carência em vitamina D poderá contribuir para o aumento da prevalência das doenças dependentes da activação simultânea das linhas TH1 e TH2, isto é das doenças atópicas e auto-imunes. Retomando o que se disse atrás sobre as Tregs, estas células reguladoras do balanço e frenação da actividade das linhas TH 1 e TH2, parecem necessitar de vitamina D para poderem libertar linfocinas, nomeadamente a interleucina 10, que vão frenar a actividade das referidas linhas. Estando estas linhas “à solta”, podem ser activadas por estímulos ambientais adequados. Os alergénios estimulam a linha TH 2 e certos vírus a TH1, resultando a atopia e doenças auto-imunes como a diabetes, respectivamente(15). Para além da hipótese da higiene, teremos então uma nova teoria, a “hipótese do sol”. Há dados a argumentar a favor da “hipótese 126 artigos de revisão do sol”, como a relação epidemiológica da carência de vitamina D e doenças auto-imunes como a diabetes e atópicas como a asma(16-18). Camargo encontra uma relação directa entre a menor exposição solar e a anafilaxia ao verificar que se prescreve mais adrenalina (EpiPen) nas regiões dos Estados Unidos com maior latitude(16). Devereaux e Camargo encontraram uma relação inversa entre o aporte de vitamina D durante a gestação e prevalência de sibilância nos filhos aos 3 e 5 anos(19,20). Estas doenças têm vindo a aumentar nos países desenvolvidos ao mesmo tempo que diminuíram as doenças infecciosas(9). A diminuição das doenças infecciosas poderá contribuir para o aumento das doenças imunológicas? Possivelmente. Mas parece desenhar-se um outro mecanismo no horizonte, precisamente a carência de vitamina D que se tem vindo a verificar em todo o mundo, incluindo o mais desenvolvido. Com efeito, trabalhos epidemiológicos recentes têm vindo a revelar uma carência de vitamina D, tanto nas crianças(21-22) como nos adultos, estimando-se que mais de um bilião de pessoas tenham insuficiência ou deficiência(16). As razões apontadas vão da redução da síntese à sequestração no tecido adiposo em excesso. A diminuição da síntese resulta da baixa radiação solar a que estamos expostos, quer pelo novo modo de vida cada vez mais ao abrigo da luz, quer porque a radiação solar também não seja suficiente como acontece nas regiões de maior latitude, acima ou abaixo dos 37º ou não se aproveita como acontece com o uso de filtros solares(16). Entre nós poderá também registar-se uma carência de vitamina D. Um estudo feito pelo autor em crianças da sua consulta privada, a aguardar publicação, revelou que 26% das crianças tinham défice de vitamina D e 80% delas não atingiam valores ideais. O estudo foi realizado no Inverno. Um outro estudo também efectuado no Inverno aponta para resultados semelhantes, aguardando-se confrontação dos níveis de vitamina D, nas mesmas crianças, com os obtidos depois do Verão. Os dados destes trabalhos devem ser confirmados, ou não, com mais estudos. No entanto, as condições epidemiológicas que estão na base da carência de vitamina D, estão presentes no grande Porto: latitude 41º, redução da vida ao ar livre e generalização do uso de protectores solares. OBESIDADE E ASMA As crianças com peso elevado ao nascer, ou depois, têm um maior risco de futura asma. Estão ainda em maior risco, quando adultas, raparigas obesas aos 7 anos(23). Para alem do maior risco de asma, o excesso de peso agrava a sintomatologia(24), leva a mais internamento hospitalar e diminui a possibilidade de remissão depois da puberdade(25).O mecanismo não é claro. Tipo de dieta, refluxo gastro-esofágico, efeitos mecânicos da obesidade, atopia e ambiente hormonal são algumas razões apontadas(26). A prevalência de refluxo gastro-esofágico está aumentada nas crianças asmáticas e nas que têm excesso de peso. Mas este e a asma associam-se independentemente com o refluxo e o excesso de peso não explica a maior frequência de refluxo nos doentes asmáticos(27). Ora outro mecanismo que pode explicar a maior prevalência e gravidade da asma pode ser o défice de vitamina D, mais agravado na criança obesa pois a massa gorda leva ao seu sequestro(28). A asma é uma doença inflamatória(29) assim como a obesidade(30). O estado inflamatório inerente à própria obesidade pode ser agravado com a inflamação resultante da actividade da linha TH2 não regulada pelo deficiente funcionamento das Tregs que a carência de vitamina D acarretará. ASTHMA, OBESITY AND VITAMIN D THE SUNSHINE HYPOTHESIS ABSTRACT The hygiene hypothesis was developed to explain the increased prevalence of atopic diseases in the last decades, specialy in industrialized/developed countries. The central core of the hypothesis is that reduction in exposure to infectious disease and microbial products (through the introduction of vaccines, antibiotics, and improved sanitation) has resulted in deficient immune regulation resulting in hypersensitivity in both the T- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 helper type 1 (Th1) and T-helper type 2 (Th2) compartments (The Th1 pathway is characterized by the cell mediated proinflamatory responses and is also involved in certain autoimmune diseases; the Th2 pathway is envolved in production of immunoglobulin E, eosinophilia , atopy and airway hyperresponsiveness). However, the simultaneous increasing prevalence of autoimmune diseases led to the review of the scientific support of the hypothesis, introducing the role of Tregulatory cells (Tregs), up regulated by infectious components like enterotoxins. This up regulation can also be effectuated by vitamin D, as Tregs have receptors for this vitamin. Since now we assist to an epidemic deficiency of vitamin D, a new theory has been presented to explain the increased prevalence of atopic and autoimmune diseases: the lack of sunshine or vitamin D deficiency - the sunshine hypothesis. This hypothesis may contribute to explain the rising prevalence or the severity of other conditions, as there are now evidence of vitamin D receptors in many cells, besides enterocytes namely the kidney tubular cells and osteoblasts, and the association with obesity and asthma. Key-words: Vitamin D, Tregs cells, atopic diseases, autoimunne diseases, obesity, asthma. Nascer e Crescer 2008; 17(3): 125-128 BIBLIOGRAFIA 1. Wiesch D H, Meyers DA, Bleeker ER. Genetics of asthma. J Allergy Clin Immunol 1999; 104:895-901. 2. ISAAC. Steering committee. Lancet 1998; 351:1225-1232. 3. Braun-Fahrlander C, Gasser M, Grize L. 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São discutidas a investigação e o tratamento nesta patologia. Palavras-chave: acidente vascular cerebral, dissecção da artéria vertebral, adolescente Nascer e Crescer 2008; 17(3): 129-132 INTRODUÇÃO O acidente vascular cerebral (AVC) em idade pediátrica é pouco frequente, a sua incidência varia entre 1,29 e 13,0 por 100 000 crianças por ano.1 O AVC é definido como sintomas e sinais clínicos focais (e por vezes globais) de alteração da função cerebral que se estabelecem de forma aguda, permanecendo mais de 24 horas ou levando à morte, sem outra causa aparente que a origem vascular.2 __________ 1 2 3 Unidade de Neuropediatria, Serviço de Pediatria, HGSA, Porto Serviço de Neurologia, HGSA, Porto Serviço de Neurorradiologia, HGSA, Porto Os factores de risco para AVC isquémico na criança são muito variados e incluem cardiopatias congénitas ou adquiridas, alterações hematológicas, coagulopatias, doença vascular sistémica, doenças metabólicas, vasculites (incluindo as secundárias a infecções), traumatismo, entre outros.3 No entanto, cerca de 50% das crianças que apresentam AVC não referem antecedentes patológicos prévios1,4. Embora não estejam publicados muitos casos de dissecção arterial da circulação carotídea ou da vertebrobasilar na criança, esta causa é considerada por alguns autores responsável por cerca de 20% dos AVC isquémicos neste grupo etário1. CASO CLÍNICO Adolescente do sexo masculino, de 14 anos de idade, previamente saudável, jogador de rugby, que 4 dias antes do internamento apresenta sonolência e cefaleias sem localização definida, de intensidade progressiva e acompanhadas de náuseas e vómitos. Para além disso, referia sensação de desequilíbrio na marcha. Dois dias depois recorre ao Serviço de Urgência dado apresentar agravamento do desequilíbrio, sonolência e discurso incoerente. Não apresentava febre ou outra sintomatologia associada. Negava história de infecção recente ou consumo de drogas. Ao exame objectivo apresentava parâmetros vitais estáveis, sonolência, adormecendo facilmente se não estimulado, desorientação no tempo e no espaço, discurso lentificado mas sem alterações de compreensão, nomeação ou repetição. Apresentava uma flexão cervical intermitente para a esquerda. Pares cranianos sem alterações. Sem défices motores. Sem outras alterações ao exame neurológico. A TC cerebral (figura 1) revelou imagem hipodensa na região talâmica direita com leve efeito de massa sobre o 3º ventrículo, de possível natureza isquémica ou inflamatória/infecciosa. A RM cerebral (figura 2) confirmou a presença de lesões talâmicas bilaterais e pequena lesão cerebelosa direita sugestivas de lesões isquémicas (a última aparentemente mais antiga do que as lesões supra-tentoriais). O estudo por angio-RM (figura 3) revelou a artéria vertebral direita mais fina do que a esquerda, apresentando sinal irregular ao longo do seu trajecto, sugerindo dissecção. O eco-doppler cervical confirmou a assimetria das artérias vertebrais, sendo a esquerda dolicomegavertebral e a direita muito fina, parecendo hipoplásica, com fluxo de grande resistência em V1 sugerindo obstrução a jusante; as artérias do sistema carotídeo tinham morfologia normal e fluxo sanguíneo de características normais. No doppler transcraniano não foi visualizada a porção distal da artéria vertebral direita. Figura 1 - Tomografia computorizada cerebral sem contraste: visualização de hipodensidade talâmica / subtalâmica direita casos clínicos 129 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 A angiografia cerebral (figura 4) realizada no 3º dia de internamento confirmou a dissecção da artéria vertebral direita, no seu segmento cervical alto (afilamento da artéria vertebral e pequena retenção de contraste na sua parede), sem alterações sugestivas de displasia fibromuscular. O electrocardiograma e ecocardiograma não apresentavam alterações, assim como o electroencefalograma. O estudo analítico sanguíneo, incluindo hemograma, bioquímica (perfil lipídico, albumina, proteínas totais, electroforese de proteínas, homocisteína, amónia, lactato e piruvato), tendência trombótica [estudo de coagulação, doseamento de fibrinogéneo, factor VIII, proteínas C e S, antitrombina III, resistência à proteína C activada, plasminogéneo funcional, PAI1, anti-cardiolipina (IgM e IgG), anti-beta2 glicoproteína I (IgM e IgG), anticoagulante lúpico, mutações do factor V de Leiden, MTHFR e protrombina] e estudo imunológico (imunoglobulinas, complemento, anticorpos antinucleares, anti-dsDNA, anticitoplasma dos neutrófilos) foi normal. As serologias para Borrelia, Mycoplasma pneumoniae, Herpes simplex tipo1 e tipo 2, Parvovirus, Enterovírus apresentaram IgM negativas. A pesquisa de Mycoplasma pneumoniae, Herpes simplex, Herpes humano tipo 6, Enterovirus, CMV, EBV, Varicela zooster por polimerase chain reaction também foi negativa. A pesquisa de tóxicos na urina foi negativa. Efectuou punção lombar que revelou exames citológico e bioquímico normal e posteriormente microbiológico, virulógico (Enterovirus, Epstein-Barr, Citomegalovirus, Varicela-Zoster, Herpes simplex e Herpes 6) e identificação molecular de Mycoplasma pneumoniae negativos. Após o diagnóstico de AVC isquémico foi instituída terapêutica anticoagulante: enoxiparina e posteriormente acenocumarol. Durante o internamento apresentou melhoria progressiva dos sintomas neurológicos. No 2º dia mantinha sonolência, mas era facilmente despertável, orientado no espaço e tempo, discurso fluente sem alterações de linguagem, amnésia para acontecimentos recentes com dificulda- 130 casos clínicos Figura 2 - Ressonância magnética: Na sequência FLAIR, plano axial (esquerda) visualizam-se lesões hiperintensas talâmicas bilaterais. O estudo por difusão (direita) mostra restrição à difusão das moléculas da água sugerindo isquemia aguda. Figura 3 - Angio-ressonância dos vasos do pescoço após contraste: visualização da artéria vertebral direita mais fina do que a esquerda, apresentando afilamento com sinal irregular na região cervical, sugerindo dissecção em artéria provavelmente hipoplásica. de de evocação; postura cervical com inclinação preferencial para a esquerda, pares cranianos sem alterações, sem défices motores, marcha de base normal mas prova de Tandem ligeiramente instável. Após 8 dias de internamento teve alta orientado para Consulta de Neuropediatria. Apresentava alterações da memória NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Figura 4 -Angiografia digital: injecção de contraste na artéria vertebral direita, confirmou a dissecção desta artéria: afilamento da artéria vertebral e pequena retenção de contraste na sua parede; sem alterações sugestivas de displasia fibromuscular. A injecção de contraste na artéria vertebral esquerda mostra o seu calibre e fluxo normais, com preenchimento retrógrado do segmento distal da artéria vertebral direita. Figura 5 - Ressonância magnética em T2, plano axial: mostra sequelas de lesões talâmicas bilaterais. e dificuldade em despertar mantendo-se vigil durante o dia; restante exame neurológico sem alterações. Permaneceu medicado com acenocumarol. A avaliação neuropsicológica, realizada 3 meses e meio após o internamento, revelou um perfil cognitivo e nível de escolaridade normais para idade, embora com uma fluência verbal ligeiramente comprometida e uma evocação de informação verbal e visual no limite mínimo do normal. Efectuou RM (figura 5) e angioRM de controlo, 6 meses após o internamento: mantinha lesões bitalâmicas e persistia a assimetria de calibre das artérias vertebrais com imagem de dissecção sobreponível à do exame anterior. Não foi observada a pequena lesão cerebelosa encontrada no exame inicial. Actualmente, 7 meses após o internamento, mantém período de sono nocturno longo com dificuldade em despertar e alguma dificuldade de evocação; não apresenta outras alterações ao exame neurológico. Nessa altura foi suspensa anticoagulação e iniciado tratamento com ácido acetilsalicílico 100 mg por dia. DISCUSSÃO As dissecções arteriais são potencialmente incapacitantes e resultam da laceração primária ou secundária da parede arterial por hematoma mural, ocorrendo habitualmente entre os 35 e 50 anos5. As dissecções arteriais cervicais ocorrem mais frequentemente na carótida interna do que na artéria vertebral.5, 6 Podem originar AVC isquémico devido a embolismo arterial ou causando estenose ou oclusão do vaso.5 As manifestações clínicas das dissecções arteriais extracranianas são muito variáveis: cervicalgia e/ou cefaleia, acidente isquémico transitório, AVC, síndrome de Horner, parésia de nervos cranianos, acufenos, amnésia, náuseas ou vómitos.5, 7 Numa revisão da literatura sobre dissecção de artéria vertebral em crianças8, que incluiu 68 casos, as manifestações clínicas mais frequentes foram, por ordem decrescente, alterações dos movimentos oculares, parésia de um ou mais membros, cefaleias, ataxia, vómitos e perda de consciência. O intervalo entre as manifestações álgicas (consideradas como o primeiro sintoma de dissecção) e o AVC é variável, sendo menor nas intracranianas; nas dissecções extracranianas é maior nas carotídeas do que nas vertebrais.5 Na dissecção da artéria vertebral este intervalo pode variar entre segundos a vários dias ou semanas9; num estudo efectuado em 169 doentes num total de 195 dissecções da artéria vertebral o tempo médio entre o início dos sintomas e o diagnóstico foi 4 dias (variando entre 2 horas a 88 dias).10 O cerebelo é irrigado em parte pela artéria cerebelosa postero-inferior (PICA), ramo directo da artéria vertebral. No caso descrito, as lesões isquémicas cerebelosas foram provavelmente responsáveis pela alteração transitória da marcha e desequilíbrio. O tálamo, irrigado predominantemente pela circulação posterior, desempenha diversas funções: serve como tradutor de informação para o córtex cerebral e desempenha um papel importante na regulação dos estados de vigília e de sono. Os enfartes talâmicos podem originar défices sensoriais; pode ocorrer disfasia e alterações de memória quando o lado esquerdo é afectado, ou alterações da orientação espacial quando é o direito. A alteração do estado de consciência e de memória deste doente podem ser explicadas pelas lesões talâmicas. As dissecções arteriais extracranianas podem ser diagnosticadas por meios casos clínicos 131 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 não invasivos, sobretudo RM e angioRM, e no caso de dúvida no diagnóstico, de suspeita de envolvimento intracraniano e/ou doença arterial subjacente deve ser realizada angiografia.5, 11 No nosso doente efectuamos angiografia apesar do restante estudo imagiológico sugerir dissecção, para confirmar este diagnóstico e excluir doença arterial predisponente, nomeadamente displasia fibromuscular. As dissecções arteriais podem ser espontâneas ou traumáticas. A causa mais frequente desta última é o traumatismo brusco ou penetrante do pescoço. Quando a dissecção é precedida por um traumatismo minor, é questionável o seu papel etiológico.6 Se não for identificado traumatismo ou outra causa subjacente a dissecção é dita espontânea. Neste adolescente é provável ter ocorrido um traumatismo minor dado ter praticado um desporto de contacto. No entanto, a sua relação com a dissecção da artéria vertebral permanece incerta. O tratamento mais frequentemente usado na fase aguda é a heparina, seguido de anticoagulantes orais durante 3 a 6 meses. Existem pequenas séries que descrevem resultados semelhantes com antiagregantes plaquetários, no entanto não existem estudos comparativos randomizados.12 A terapêutica anticoagulante é geralmente mantida até à confirmação imagiológica de repermeabilização da artéria afectada ou até à confirmação da permanente oclusão do vaso.13 Após a terapia anticoagulante é aconselhada terapêutica antiagregante plaquetária na maioria dos doentes.12 Metaanálises que comparam taxas de mortalidade e incapacidade não mostraram alterações significativas entre o tratamento com anticoagulantes ou agentes antiplaquetários.12 As “Guidelines for prevention of stroke” da American Heart Association/American Stroke Association aconselham evicção de actividades futuras que possam causar traumatismo cervical.12 No presente caso instituímos a terapêutica mais frequentemente utilizada, que foi suspensa após controlo imagiológico, 6 meses após o internamento. Nessa altura foi iniciado ácido acetilsalicílico. Geralmente o prognóstico das lesões arteriais extracranianas nos adultos 132 casos clínicos é favorável, sendo a taxa de recuperação melhor do que a das intracranianas5. Também neste grupo etário o risco de recorrência é baixo.5, 12 VERTEBRAL ARTERY DISSECTION IN ADOLESCENCE DIAGNOSIS AND TREATMENT ABSTRACT Cerebrovascular disease in paediatric age is infrequent and arterial dissection is responsible for a small percentage of its aetiology. The authors present an adolescent with a cerebrovascular ischemic event caused by vertebral artery dissection. The symptoms included headache with nausea and vomiting, dizziness, conscience impairment, slowed speech and intermittent cervical flexion. After the diagnosis, he began anticoagulant therapy with symptom improvement, but maintenance of difficulty in arousal and in evocation. Investigation and treatment in this pathology are discussed. Key-words: cerebrovascular disease, vertebral artery dissection, adolescent Nascer e Crescer 2008; 17(3): 129-132 BIBLIOGRAFIA 1. Kirkham FJ. Stroke and cerebrovascular disease in childhood. Current Paediatrics 2003;13:350-9. 2. Hatano S. Experience from a multicenter stroke register:a preliminary report. Bul World Health Org 1976;54(5):541-53. 3. Barreirinho MS, Santos M, Barbot C, Costa E, Barbot J. Avaliação etiológica do acidente vascular cerebral isquémico na criança. Nascer e crescer 2000;9(2):121-6. 4. Kirkham FJ. Stroke in childhood. Archives of disease in childhood 1999;81(1):85-9. 5. Vilela P, Goulao A. [Cervical and intracranial arterial dissection: review of the acute clinical presentation and imaging of 48 cases]. Acta medica portuguesa 2003;16(3):155-64. 6. Haneline MT, Lewkovich GN. An analysis of the etiology of cervical artery dissections: 1994 to 2003. Journal of manipulative and physiological therapeutics 2005;28(8):617-22. 7. 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CORRESPONDÊNCIA Susana Carvalho Tlm: 964 192 229 E-mail: [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Hiperinsulinismo Congénito Revisão Teórica e Série de Casos Anabela Bandeira1, Cátia Cardoso2, José Sizenando3, Elisa Proença4, Esmeralda Martins5 RESUMO O hiperinsulinismo congénito constitui a causa mais frequente de hipoglicemia persistente no recém-nascido e lactente e engloba um grupo heterógeneo de defeitos genéticos que afectam o metabolismo da secreção de insulina. Os autores apresentam três casos clínicos de hiperinsulinismo congénito. Os três casos ilustram a diversidade na apresentação clínica, desde a iritabilidade, a um quadro clínico de sepsis ou convulsões neonatais. A necessidade de grandes aportes de glicose para corrigir e manter a normoglicemia pode levantar a suspeita do diagnóstico, assim como a resposta clínica ao glucagon. Num dos casos foi realizado cateterismo pancreático por imagem suspeita na ecografia abdominal e noutro caso foi realizado cintilograma (PET com 18F-fluoro-L-Dopa). A distinção entre as duas formas: focal e difusa é muito importante uma vez que o tratamento é diferente. O tratamento com diazóxido permite o controlo glicémico em alguns casos. O diagnóstico precoce e a correcção imediata das hipoglicemias previne a lesão cerebral e melhora o prognóstico neurológico destas crianças. Palavras-chave: hiperinsulinismo congénito, diazóxido, hipoglicemia. INTRODUÇÃO O hiperinsulinismo congénito é a causa mais frequente de hipoglicemia persistente na infância(1). A secreção inapropriada de insulina causa hipoglicemia que necessita de correcção precoce para evitar sequelas neurológicas. A incidência estimada é de 1/30.000 a 1/50.000 nados vivos(2). O hiperinsulinismo transitório está associado a diabetes materna, asfixia neonatal, policitemia e incompatibilidade Rh. Os critérios de diagnóstico(1) (Quadro I) incluem hipoglicemia (<54 mg/ dl) em jejum e pós-prandial com concomitante hiperinsulinemia (> 3 mU/L) e necessidade de perfusão de glicose superior a 10 mg/kg/minuto para manter valores de glicemia acima de 54 mg/ dl, resposta positiva à administração de glucagon e persistência da hipoglicemia ao longo do primeiro mês de vida. Na ausência de níveis anormais de insulina concomitantes com a hipoglicemia pode ser realizado um teste de jejum de 4 a 6 horas, com o doseamento dos corpos cetónicos, ácidos gordos livres e aminoácidos de cadeia ramificada no plasma, que se encontram baixos. O hiperinsulinismo pode ser classificado, de acordo com o início da hipoglicemia, como neonatal ou tardio (aparecimento na infância). Existem duas formas histológicas distintas: a lesão focal por hiperplasia adenomatosa das ilhotas de Langerhans, medindo cerca de 2,5 a 7,5 mm de diâmetro ou lesão difusa que consiste no alargamento anormal nuclear das células β em todo o pâncreas. Estas lesões histológicas são clinicamente indistinguíveis. CLÍNICA A hipoglicemia pode ser grave, com risco de convulsões e lesão cerebral. Cerca de 60% dos doentes apresentam sintomas nas primeiras 72 horas de vida. As manifestações no período neonatal podem ser convulsões em 50% dos casos, sintomas não específicos em 30% e hipoglicemia assintomática em 20% dos casos3. Outros sintomas: tremores, hipotonia, cianose, hipotermia ou ALTE. A hipoglicemia é persistente e ocorre tanto em jejum como no período pós-prandial. A maioria dos recém-nascidos são macrossómicos ao nascimento e podem apresentar hepatomegalia ligeira. A apre- Quadro I - Critérios de diagnóstico de hipoglicemia hiperinsulinémica persistente Nascer e Crescer 2008; 17(3): 133-138 __________ 1 2 3 4 5 Interna Complementar de Pediatria do HGSA-CHP Interna Complementar de Pediatria, Hospital do Funchal Assistente Hospitalar de Pediatria do HMPCHP Assistente Hospitalar de Pediatria, CHPovoa de Varzim/Vila do Conde Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria do HMP-CHP - Hipoglicemia em jejum e pós-prandial (< 54 mg/dl ou 3 mmol/L) com concomitante hiperinsulinemia (> 3 m U/L) - Necessidade de perfusões altas de glucose (> 10 mg/kg/minuto no período neonatal) para manter glicemias superiores a 54 mg/dl - Resposta positiva à administração subcutânea ou intramuscular de glucagon (aumento da glicemia em 36 a 54 mg/dl após 0,5 mg de glucagon) - Hipoglicemia persistente no primeiro mês de vida casos clínicos 133 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 sentação clínica não depende da forma histológica ou genética4. O hiperinsulinismo pode associar-se a hiperamoniémia moderada (Sindrome hiperinsulinismo hipoglicémico / hiperamoniemia) respondendo bem, nestes casos, ao diazóxido e à restrição proteica. Está associado também aos síndromes de Usher tipo Ic ou distúrbios congénitos da glicosilação tipo Ia e Ib, síndrome de Beckwith-Widemann, Perlman, SimpsonGolabi-Behmel ou Sotos5. A taxa de glucose intravenosa necessária para prevenir a hipoglicemia é elevada (geralmente 17 mg/kg/minuto) no período neonatal. Quando o diagnóstico é feito no lactente as necessidades de glicose são mais baixas (12-13 mg/kg/ minuto). Nestes, a hipoglicemia é melhor tolerada pelo que o diagnóstico pode ser atrasado. Os níveis de glucose aumentam 3654 mg/dl em resposta à administração SC ou IM de glucagon (0,5 mg). Os múltiplos diagnósticos diferenciais da hipoglicemia no período neonatal implicam uma história clínica e fami- liar exaustiva, exame físico completo e pedido de alguns exames complementares de diagnóstico, nomeadamente: doseamento da amónia, lactato e piruvato séricos, cromatografia dos aminoácidos séricos e urinários, cromatografia dos ácidos orgânicos urinários, perfil de acilcarnitinas e pesquisa de substâncias redutoras na urina. Doseamento do cortisol e hormona do crescimento também fazem parte dos exames na hipoglicemia persistente6. FISIOLOGIA No hiperinsulinismo congénito existe uma hipersecreção de insulina pelas ilhotas de Langerhans. A insulina inibe a libertação do glicogénio hepático, a gluconeogénese e aumenta a captação de glicose pelas células musculares diminuindo o nível sérico de glicose. Isto explica a necessidade elevada de glicose para corrigir a hipoglicemia e a resposta ao glucagon7. A glucocinase é a enzima que inicia o metabolismo da glicose na célula β. Níveis elevados de glicose aumentam a taxa de fosforilação da glicose pela glucocinase e o nível ATP/ADP resultante da glicólise. Níveis aumentados de ATP activam o receptor da sulfonilureia (SUR1) e fecham o canal de potássio ATP dependente. Isto conduz a uma despolarização da membrana, com influxo de cálcio e libertação de insulina (Figura 1). A leucina estimula a secreção de insulina através da glutamato desidrogenase, aumentado a taxa de oxidação do glutamato. Isto conduz a hiperamoniémia, aumento do alfa cetoglutarato e aumento da actividade do ciclo de Krebs e da relação ATP/ADP, com aumento da secreção de insulina. O diazóxido inibe a secreção de insulina por ligação a SUR1. GENÉTICA A transmissão genética pode ser esporádica, autossómica recessiva ou dominante. A lesão focal é geralmente de ocorrência esporádica, a lesão difusa pode ser recessiva (a maioria das vezes) ou dominante (raro). Foram encontradas mutações genéticas em cerca de 50% Figura 1: Sequência funcional da célula β e possíveis alterações genéticas. 134 casos clínicos NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 dos doentes, podendo existir muitos outros genes envolvidos (Quadro II)8. A hiperplasia focal das ilhotas está associada a uma mutação paterna, herdada em hemizigotia ou homozigotia, nos genes do receptor da sulfonilureia (SUR1) ou canal de potássio (kir6.2) no cromossoma 11p15. A perda do alelo materno conduz a uma expressão aumentada de imprinting genes, que incluem o gene do factor de crescimento ou supressores tumorais. O hiperinsulinismo difuso envolve vários mecanismos e genes: as canalopatias (envolvem genes que codificam o receptor da sulfonilureia ou canal de potássio), o distúrbio metabólico envolvendo a enzima glucokinase (gene GGK) ou a enzima glutamato desidrogenase (gene GLUD 1) e situações em que a hiperamoniémia está associada a hipoglicemia. Pode ocorrer uma forma dominante de hiperinsulinismo ligada ao exercício por um defeito metabólico na enzima SCHAD ou um defeito no receptor da insulina humana. CASOS CLÍNICOS 1º caso clínico: lactente do sexo feminino, com 10 meses de idade, fruto de uma gravidez vigiada, sem intercorrências. Pais jovens, saudáveis, não consanguíneos. Parto distócico por fórceps às 40 semanas com Apgar 9/10. Peso 3160 g (P 25-50), comprimento 48.5 cm (P 25) e perímetro cefálico 35 cm (P 75). Internada aos 4 dias de vida por recusa alimentar, hipotonia e hipoglicemia. Rastreio séptico negativo. Fez bólus de glicose a 10% e perfusão de glicose a 11,5% durante 48 horas. Teve alta com o diagnóstico de hipogalactia materna com leite adaptado suplementado com maltrodextrina. Reinternada aos 23 dias de vida por choro forte e irritabilidade (hipoglicemia 6 mg/dl) necessitando aporte de glicose de 22 mg/kg/minuto para normoglicemia. Doseamento de insulina 23 μU/ml em hipoglicemia (14 mg/dl) sendo o valor normal de insulina no plasma <5 μU/ml em hipoglicemia. Restante estudo endócrino (cortisol e hormona de crescimento) e metabólico (amónia, lactato e piruvato, aminoácidos séricos e perfil de acilcarnitinas, ácidos orgânicos na urina) sem alte- rações. Realizou TAC abdominal que foi normal. Iniciou tratamento com diazóxido 10 mg/kg/dia com boa resposta clínica. Teve alta orientada para consulta externa de doenças do metabolismo. Internamento de curta duração aos 4 meses de idade por hipoglicemia em contexto de otite média aguda e aos 4 meses e meio por recusa alimentar e hipoglicemia aumentando a dose de diazóxido para 15mg/kg/ dia. Novo internamento aos 5 meses por vómitos alimentares com necessidade de um aporte de glicose ev de 8 mg/kg/minuto e alimentação contínua nocturna por falta de resposta ao diazóxido. Efectuou 3 tomas de octreótido de acção prolongada (5 mg intramuscular) sem resposta clínica e posteriormente iniciou tratamento com nifedipina sem resultados favoráveis. Realizou ressonância magnética nuclear abdominal que foi relatada como normal. O PET com 18F-L-Dopa revelou imagem de hipercaptação na cabeça do pâncreas (Figura 2).Nesta altura, foi orientada para Centro de Referência de Doenças do Metabolismo (Hospital Necker em Paris) devido à ausência de resposta ao tratamento médico. Após realização de novo PET com 18F-L-Dopa foi submetida a pancre- atectomia parcial com excelente resposta clínica. Actualmente com 10 meses de idade apresenta boa evolução estaturoponderal e desenvolvimento psico-motor adequado à idade, sem necessidade de qualquer tratamento. O estudo molecular efectuado não foi conclusivo. 2º caso clínico: criança do sexo feminino, com 18 meses de idade, fruto de uma gravidez gemelar, sem intercorrências. Parto por cesariana às 36 semanas com Apgar 9/10. Peso 2660 g (P 50), comprimento 48 cm (P 50), perímetro cefálico 31,5 cm (P 10-25). Aos 2 dias de vida iniciou gemido, choro fácil, hipotonia com pouca reactividade a estímulos e reflexo de sucção débil com glicemia de 30 mg/dl. Fez perfusão de soro glicosado a 10% mas manteve hipoglicemias (37 mg/ dl), sem acidose metabólica. Necessidade de perfusão de glicose 9 mg/kg/minuto. Realizou estudo metabólico (amónia, lactato, piruvato, aminoácidos séricos, perfil de acilcarnitinas, ácidos orgânicos urinários) e pesquisa de substâncias redutoras na urina que foram normais. A insulina doseada em hipoglicemia revelou nível de 13,4 μU/ml pelo que iniciou Quadro II – Genes implicados na patogénese do hiperinsulinismo congénito Proteína Fisiologia Gene /Locus Receptor da sulfonilureia 1 (SUR 1) Defeito no canal K-ATP com despolarização da membrana e libertação de insulina mesmo com glicemias baixas. ABCC8 11p15.1 Autossómica recessiva ou dominante Subunidade Kir 6.1 Defeito no canal K-ATP KCNJ11 11p15.1 Autossómica recessiva ou dominante Síndrome hiperamoniémia / hiperinsulinismo Enzima glutamato desidrogenase Resposta intensa da insulina após bolus intravenoso de leucina GLUD 1 10q23.3 Enzima glucocinase Mutações activadoras da glucocinase Hipoglicemia sensível ao diazóxido GCK 7p15-p13 Enzima L-3 hidroxiacil Co A desidrogenase de cadeia curta (SCHAD) Autossómica recessiva HADHSC 4q24-q25 casos clínicos 135 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 tratamento com diazóxido 10 mg/kg/dia. A ecografia transfontanelar revelou área focal hiperecogenica a nível da charneira entre o tálamo e núcleo caudado, com 5 mm de diâmetro, provável foco hemorrágico. Por apresentar algumas dismorfias faciais minor e hipotonia axial colheu cariótipo do sangue periférico: del (9)(pter p 23) 46 XX. Realizou ecocardiograma pela presença de sopro sistólico que revelou comunicação intra-auricular tipo osteum secundum. Aos 11 meses de idade apresenta peso no P10, comprimento no P 50 e microcefalia com perímetro cefálico abaixo do P5. Apresenta hipotonia axial com restante desenvolvimento normal. Suspendeu o tratamento com diazóxido mantendo valores glicémicos normais. Aos 14 meses apresentou episódio de recusa alimentar e convulsão tónico-clonica por hipoglicemia (glicemia 38 mg/dl, insulinémia 4.8 μU/ml) tendo necessitado de perfusão de glicose a 8 mg/kg/minuto, pelo que reiniciou tratamento com diazóxido (10 mg/kg/dia). A ressonância magnética cerebral realizada aos 17 meses revelou focos de hipersinal nas regiões peritrigonais, sem outras alterações relevantes. As lesões observadas não são características das lesões de hipoglicemia. 3º caso clínico: rapaz com 7 anos de idade, fruto de uma gravidez vigiada, sem intercorrências. Pais jovens, saudáveis e não consanguíneos. Parto por cesariana às 38 semanas com Apgar 9/10. Peso 3500 g (P 25), comprimento 50 cm (P 25) e perímetro cefálico 35 cm (P 50). Ao mês e meio de vida iniciou movimentos rápidos dos olhos, no sentido horizontal, com duração de cerca de 4 minutos. Aos 2 meses apresentou duas crises tónico-clónicos generalizadas antes da mamada da manhã que não foram valorizadas. Aos 2 meses e meio agravamento com movimentos oculares anormais, postura do membro superior esquerdo em extensão e movimentos tónico-clónicos. Realizou rastreio séptico que foi negativo (não fez glicemia). Realizou TAC cerebral que foi normal e EEG sem alterações. Três dias depois, crises múltiplas, sonolência e hiporeactividade. Ao exame físico apresentava-se hipotónico. O estudo analítico revelou uma glicemia de 16 mg/dl e nível de insulina 23 μU/ml. Doseamento do cortisol e hormona de crescimento e estudo metabólico (amónia, lactato, piruvato, aminoácidos séricos, perfil de acilcarnitinas, ácidos orgânicos urinários) foram normais. Iniciou tratamento com hidrocortisona e octreótido que posteriormente foram substituídos pelo diazóxido (15 mg/kg/dia). Necessitou de aporte de glicose máximo de 20 mg/kg/minuto. A ecografia abdominal revelou imagem local complexa na cauda do pâncreas com 11 mm de diâmetro pelo que realizou angiografía pancreática que foi normal. Teve alta do internamento aos três meses e meio medicado com diazóxido 10 mg/kg/dia. Actualmente com 7 anos de idade apresenta boa evolução ponderal, hirsutismo e Figura 2 - PET com 18F-fluoro-L-Dopa com visualização de hipercaptação na cabeça do pâncreas. 136 casos clínicos NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 dificuldades na aprendizagem. Mantém terapêutica com diazóxido 7 mg/kg/dia com bom controlo metabólico. DISCUSSÃO Os três casos clínicos ilustram a diversidade da apresentação clínica do hiperinsulinismo congénito, desde a irritabilidade, ao quadro clínico de sepsis ou a convulsões neonatais. A necessidade de grandes aportes de glicose para corrigir e manter a glicemia em níveis normais, podendo ser necessário um cateter venoso central para administração de glicose associado a alimentação entérica contínua, levanta a suspeita do diagnóstico, assim como a resposta clínica à perfusão de glucagon (1-10 μg/kg/hora). O objectivo é manter a glicemia entre 54-108 mg/dl 9. No primeiro caso clínico, o doseamento de insulina em hipoglicemia permitiu o estabelecimento do diagnóstico. O desenvolvimento psicomotor da lactente é excelente, uma vez que o tratamento foi instituído rapidamente prevenindo a lesão cerebral irreversível. A evolução clínica permitiu verificar a resistência ao tratamento com diazóxido pela necessidade de perfusão endovenosa de glicose para manter os níveis de glicemia. A maioria das formas neonatais (84 %) é resistente ao diazóxido. Este é usado, por via oral, numa dose que varia de 5 a 25 mg/kg/ dia, dividido em 3 tomas. Dois valores de glicemia (< 54 mg/dl) em 24 horas com alimentação oral e sem aporte de glicose endovenosa, faz com o doente seja considerado não responsivo ao diazóxido. Os efeitos adversos mais frequentes deste fármaco são: hirsutismo, efeitos hematológicos e retenção de fluidos. O hirsutismo secundário ao tratamento era bastante notório nesta lactente. Os análogos da somastotatina (octreótido) podem ser usados isoladamente ou em associação com o glucagon e podem ser tentados antes da cirurgia nos casos não responsivos ao diazóxido. As doses variam de 15 μg/kg/dia a 60 μg/dia, usualmente o tratamento é iniciado com uma dose de 40 μg/kg/dia, dividido em 3-4 doses SC ou perfusão endovenosa (1 a 4,5 μg/kg/hora) ou intramuscular nas formas de libertação prolongada. Alguns doentes apresentam vómitos e/ou diar- reia e distensão abdominal que resolvem espontaneamente em 7 a 10 dias. Os bloqueadores dos canais de cálcio, nifedipina, 0,5 a 2 mg/kg/dia, são por vezes eficazes. No primeiro caso clínico verificou-se uma resposta positiva inicial mas que não foi duradoura. Os glucocorticoides não estão indicados no tratamento do hiperinsulinismo. Não existe nenhuma característica clínica que distinga entre as duas formas histológicas: focal e difusa10. A ecografia, a TAC ou a RMN não conseguem localizar as formas focais. A cateterização venosa pancreática e a arteriografia pancreática são utilizadas para localizar o local de secreção de insulina. Os doentes com uma lesão focal têm indicação cirúrgica, uma vez que as lesões focais tratadas cirurgicamente conduzem à cura mas, antes de qualquer cirurgia uma forma transitória (< 1 mês) tem que ser excluída. Os doentes com lesão difusa podem ser submetidos a pancreatectomia parcial, se o tratamento médico falha. Os riscos após esta intervenção são a hipoglicemia numa fase inicial (2-3 anos) e a longo prazo a diabetes mellitus que ocorre em cerca de 90% dos doentes antes dos 15 anos de idade. A insuficiência pancreática exócrina pode necessitar de enzimas pancreáticas. A vigilância anual é realizada através de glucose em jejum e pós prandial, insulina, hemoglobina glicosilada e teste de tolerância oral à glicose. O uso recente do PET (18 F fluoro-Ldopa positron emission tomography) permite detectar o hiperfuncionamento das ilhotas de tecido pancreático sem necessidade de técnicas invasivas11. Uma captação anormal focal de 18 F fluoro-L dopa permite localizar lesões focais. Este exame não está a ser realizado no nosso país pelo elevado custo e dificuldades de transporte do radiofármaco. No 1º caso clínico, a sua realização permitiu a identificação de uma lesão focal com posterior excisão cirúrgica por pancreactectomia lesional. O follow-up, embora pequeno, permite verificar uma evolução muito favorável. No 2º caso clínico a prematuridade e o doseamento do nível de insulina sem hipoglicemia poderá ter atrasado o diagnóstico. Para além disso esta lactente apresenta algumas dismorfias faciais e hipotonia axial. O cariótipo revelou delecção do braço curto do cromossoma 9, que está associado a trigonocefalia, hipoplasia do corpo caloso que esta criança não apresenta. A maioria dos doentes tratados medicamente são fármaco dependentes, embora existam alguns casos de remissão. Isto justifica a paragem do tratamento médico uma vez por ano, sob supervisão médica, para avaliar a possível recuperação espontânea. No 2º caso clínico verificou-se descompensação em situação de doença com recusa alimentar pelo que houve necessidade de reinstituir terapêutica com diazóxido. O 3º caso clínico apresentou um quadro mais exuberante com convulsões neonatais mas com boa resposta ao diazóxido. O aparecimento de uma imagem suspeita na ecografia abdominal conduziu à realização de angiografia pancreátrica para excluir um lesão focal com necessidade de tratamento cirúrgico. A cateterização pancreática percutânea é realizada sob anestesia geral. O diazóxido e qualquer outro fármaco é interrompido 5 dias antes da intervenção, sendo administrada uma perfusão de glicose para manter a glicemia entre 54-108 mg/dl. Amostras de sangue venoso são recolhidas da cabeça, do corpo e da cauda do pâncreas para medição da insulina, glucose e peptideo C. Os doentes com lesão focal apresentam elevação da insulina e peptideo C num local do pâncreas. O seguimento clínico e analítico posterior deste caso clínico permitiu verificar um bom controlo metabólico com doses baixas de diazóxido permitindo a vigilância com tratamento médico. Mas o atraso no diagnóstico e as sucessivas convulsões tónico-clónicas generalizadas no período neonatal podem justificar as dificuldades na aprendizagem. O prognóstico mental e neurológico está relacionado com a duração e a severidade do episódio inicial de hipoglicemia. Existem muito poucos dados acerca da evolução a longo prazo destas crianças. Em algumas séries de doentes 44% apresentam atraso do desenvolvimento psicomotor. Os autores pretendem alertar para os episódios recorrentes e persistentes de hipoglicemia no período neonatal que casos clínicos 137 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 podem ser devidos a hiperinsulinismo congénito. O diagnóstico atempado permite evitar a lesão cerebral e um melhor prognóstico neurológico nestas crianças. permits a better neurological prognostic for these children. Keywords: congenital hyperinsulinism, diazoxide, hypoglycaemia Nascer e Crescer 2008; 17(3): 133-138 CONGENITAL HYPERINSULINISM – CLINICAL REVIEW AND CASE REPORT BIBLIOGRAFIA ABSTRACT Congenital hyperinsulinism is the most important cause of persistent hypoglycaemia in early infancy. Mutations in at least five genes have been associated with dysregulated insulin secretion. The authors present three clinical cases of congenital hyperinsulism. This clinical cases show the diversity in clinical presentation: from asymptomatic hypoglycaemia, to neonatal sepsis-like or seizures. The need of high glucose perfusions to obtain the normalization of blood glucose levels often leads to the diagnosis. The clinical response to glucagon also helps in diagnosis. In one of the clinical cases it was realized a trans-hepatic portal venous insulin sampling and in another a PET scan with 18F-fluoro-L-Dopa. The distinction between the focal and diffuse forms is very important because the treatment differs. The treatment with diazoxide permits the metabolic control in some cases. A precocious diagnosis and immediate correction of glycaemia avoids the neurodevelopment complications and 1. Lonlay P, Touati G, Robert J-J, Saudubray J-M. Persistent hyperinsulinaemic hypoglicaemia. Semin Neonatol 2002; 7: 95-100 2. Lonlay P, Giurgea I, Sempoux G, Joaubert F, Rahier J, Ribeiro M-J et al. Dominantly inherited hyperinsulinaemin hypoglycaemia. J Inherit Metab dis 2005; 28:267-76 3. Guerrero-Fernández J, González C, Colindres LE, Bouthelier RG. Hiperinsulinismo congénito. Revisión de 22 casos. An Pediatr (Barc), 2006; 65:22-3 4. Giurgea I, Ribeiro M-J, Boddaert N, Touati G, Robert J-J, Saudubray J-M, Jaubert F et al. L’hyperinsulinisme congenital du nouveau-né et du nourrisson. Archives de pédiatrie 2005;12:1628-1632 5. De León DD, Stanley CA. 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Diagnosis and management of congenital hyperinsulinism: a xase report. European Journal of Endocrinology 2006;155 e S153-S155 CORRESPONDÊNCIA Anabela Bandeira Serviço de Pediatria – HGSA-CHP Largo do Prof. Abel Salazar 4099-001 Porto Telef: 222 077 500 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Dermatite Estreptocócica Perianal – A Propósito de Dois Casos Clínicos Catarina Sousa¹, Isabel Araújo2, Ana Maria Leitão3 RESUMO A dermatite estreptocócica perianal é uma entidade clínica bem definida, no entanto, subdiagnosticada. Uma vez que pode mascarar outras patologias, o diagnóstico e o tratamento são por vezes atrasados, o que pode, por sua vez, aumentar a frequência de complicações secundárias relacionadas com as infecções estreptocócicas. Descrevem-se os casos de duas crianças do sexo masculino, de três e quatro anos, com apresentação semelhante, com eritema perianal e prurido. A cultura do exsudado perianal foi positiva para estreptococo β-hemolítico grupo A. Foi efectuada terapêutica com amoxicilina e ácido clavulânico durante dez dias, com resolução das queixas. O reconhecimento precoce, diagnóstico e tratamento são de extrema importância no sentido de diminuir o desconforto do doente e evitar possíveis complicações. Palavras-chave: estreptococo β-hemolítico grupo A, dermatite perianal; crianças Nascer e Crescer 2008; 17(3): 139-141 INTRODUÇÃO O estreptococo β-hemolítico grupo A é um microrganismo relacionado habitualmente com infecções cutâneas e faringo-amigdalites(1) . A dermatite perianal estreptocócica foi descrita pela primeira vez em 1966 por Amren et al, que estabeleceram a relação entre a celulite perianal e o estreptococo isolado em cultura de exsudado perianal. Mais recentemente foi incluída numa entidade única, designada de dermatite perineal estreptocócica onde se incluem também a vulvovaginite e a balanite, fruto da extensão local da lesão perianal inicial. Não se estabeleceu ainda definitivamente o mecanismo exacto de transmissão. Foram já descritos casos de portadores assintomáticos do estreptococo na área perineal (o que se verificou em cerca de 6% de crianças com faringite pelo referido microrganismo e, raramente, em pessoas saudáveis). Foi também estabelecida uma possível transmissão intrafamiliar e institucional alegando-se um mecanismo de transmissão gastrointestinal ou auto-inoculação, quer oral-perineal, quer por deglutição, existindo neste último caso uma eventual resistência aos sucos digestivos(1, 2). Por estes motivos, as crianças do sexo masculino, entre os seis meses e os dez anos de idade são as mais frequentemente afectadas, sobretudo na Primavera e no Inverno. Clinicamente cursa com edema e eritema perianal pruriginoso, de bordos bem definidos, estendendo-se dois a quatro centímetros do orifício anal. Ocasionalmente acompanha-se de secreção mucopurulenta, com obstipação secundária, defecação dolorosa e tenesmo, fissuras perianais e rectorragia. Podem também existir pústulas ou crostas psoriasiformes e, como já referido, fazer-se acompanhar de balanite ou vulvovaginite. Geralmente não há febre ou outros sintomas sistémicos(1-3). __________ 1 2 3 Interna Complementar de Pediatria – Depart. de Pediatria HSJ - Porto Assistente Hospitalar Grad. de Pediatria do Serv. de Pediatria do HSMM, SA - Barcelos Chefe de Serviço de Pediatria, Directora do Serv. de Pediatria do HSMM, SA - Barcelos CASOS CLÍNICOS Apresentam-se os casos de duas crianças do sexo masculino, raça caucasiana, com três e quatro anos de idade. Como antecedentes patológicos, a pri- meira criança nasceu com prematuridade de 36 semanas e taquipneia transitória do recém-nascido, e a segunda criança apresentava adenite cervical relacionada com infecção das vias aéreas superiores. Ambas eram seguidas regularmente na Consulta de Pediatria Geral, e referiram, numa consulta de rotina, prurido perianal com cerca de um mês de evolução. Negaram obstipação, rectorragia, queixas urinárias ou febre. Ao exame físico apresentavam uma lesão perianal circular eritematosa, vermelho-viva e bem delimitada, sem fissuras ou outras lesões associadas (Figura 1). Tinham já efectuado um anti-micótico tópico sem melhoria. A cultura do exsudado perianal foi positiva para estreptococo β-hemolítico do grupo A e o exame parasitológico de fezes negativo. Foi efectuada terapêutica, durante dez dias, com amoxicilina e ácido clavulânico, com resolução das queixas. Em ambos os casos houve recidiva, com necessidade de um segundo curso de antibioterapia, sem recorrência até à data. DISCUSSÃO A dermatite estreptocócica perianal é uma infecção à qual se presta pouca atenção, sendo facilmente confundida, pela sua inespecificidade, com outras entidades, entre as quais a dermatite das fraldas, a candidíase, a dermatite seborreica, a dermatite atópica, a psoríase, a dermatite de contacto, a infecção por parasitas, a doença inflamatória intestinal, a histiocitose e o abuso sexual. O diagnóstico é clínico, com base na história e no exame físico, com confirmação com exame microbiológico(2,3). Apesar da dermatite perianal ser maioritariamente causada pelo estreptococo β-hemolítico do grupo casos clínicos 139 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 FIGURA 1: fotografias das lesões perianais das crianças apresentadas. A, já foram documentados casos induzidos por outros estreptococos, pelo Staphylococcus aureus, Enterobacteriaceae, alguns anaeróbios como Bacteroides fragilis ou Clostridia sp, assim como Shigella ou Salmonella sp. Por este motivo, para se efectuar um diagnóstico mais rápido, pode-se recorrer a um exame com tira-teste para confirmação da etiologia estreptocócica, o que permite orientar o tratamento. Este teste tem uma sensibilidade de 94% e uma especificidade de 100%(1). Se não disponivel, o diagnóstico deve ser confirmado com cultura do exsudado perianal, tal como efectuado nos casos apresentados(2). A pesquisa do estreptococo deve ser especificamente solicitada pela necessidade de recurso a técnicas especiais pelo Microbiologista(4). O tratamento de eleição é a administração de penicilina durante dez dias, tendo, no entanto, sido já descritos casos de recorrências superiores a 40%. Habitualmente os doentes ficam curados após um segundo curso de tratamento semelhante. Desta forma, em comparação com a faringite, a terapêutica da infecção perianal requere um curso mais longo de pelo menos dez dias, e de preferência de 14 a 21 dias de antibiótico, uma vez que os tratamentos mais curtos favorecem as 140 casos clínicos recidivas. O uso de antissépticos ou antibióticos tópicos pode acelerar a erradicação bacteriana. Nos casos em que outro agente entre os referidos é responsável, está indicada uma penicilina penicilinase resistente ou outro antibiótico de acordo com o antibiograma(1,3,5,6). Outras alternativas terapêuticas são a eritromicina ou a clindamicina, sobretudo nos casos de alergia à penicilina ou refractários(7). Nos casos descritos foi escolhida a terapêutica com amoxicilina e ácido clavulânico, pela possibilidade de microrganismos colonizantes da pele perianal resistentes aos β-lactâmicos interferirem na acção da penicilina no estreptococo, além das frequentes recorrências que têm sido descritas com esta terapêutica. A complicação mais frequente é o atraso do diagnóstico e tratamento, com manutenção do desconforto e risco de contaminação dos conviventes. Existe ainda o risco de disseminação da infecção, e embora raramente documentados, proctite, abcesso ou miosite. As infecções estreptocócicas cutâneas podem ser seguidas de glomerulonefrite, e em teoria febre reumática, uma vez que não são conhecidos até à data quaisquer casos publicados(2). Apesar de uma apresentação clínica uniforme, esta entidade é pouco conhecida, o que é responsável por um atraso no diagnóstico, tratamento inadequado e complicações à distância(6). PERIANAL STREPTOCOCCAL DERMATITIS – ABOUT TWO CLINICAL CASES ABSTRACT Perianal streptococcal dermatitis is a well-defined clinical entity, although under diagnosed. Since it can masquerade other pathologic conditions, the diagnosis and treatment are sometimes delayed, which can lead to a higher frequency of secondary complications related with streptococcal infection. We describe the cases of two children of male gender, with three and four years of age, with similar presentation with perianal redness and pruritus. The culture of perianal swab was positive to group A β-haemolytic streptococci. Treatment with amoxiciline and clavulanic acid was performed during ten days with complete resolution. Early recognising, diagnosis and treatment are extremely important to decrease patient discomfort and avoid possible complications. KEY-WORDS: group A β-haemolytic streptococci, perianal dermatitis; children NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Nascer e Crescer 2008; 17(3): 139-141 BIBLIOGRAFIA 1. Fernandéz Echeverría, Oliva LópezMenchero, Pardillo Marañon et al. Aislamiento de estreptococo betahemolítico del grupo A en niños con dermatitis perianal. An Pediatr (Barc) 2006; 64(2): 153-7 2. Herbst Rudolf. Perineal Streptococcal Dermatitis/Disease. Recognition and Management. Am J Clin Dermatol 2003; 4(8): 555-560 3. Vieira Ana, Ferreira Eduarda. O que é a “celulite” estreptocócica perianal? In: Baptista Poiares. Dermatoses na infância. 25 perguntas frequentes em Dermatologia. Lisboa: Permanyer.2002 : 49. 4. Wright JE, Butt HL. Perianal infection with β haemolytic streptococcus. Archives of Disease in Childhood 1994; 70: 145-6 5. Barzilai Asher, Choen Herman-Avner. Isolation of group A streptococci from children with perianal cellulites and from their siblings. The Pediatric Infectious Disease Journal; vol 17, No 4, April, 1998; 358-9 6. Souillet AL, Truchot F, Jullien D et al. Anite périanale streptococcique. Arch Pédiatr 2000; 7: 1194-6 7. Cruz-Rojo J, Martínez García MM, Fernandéz López. Dermatitis perianal, fisuras y balanopostitis por estreptococo betahemolítico del grupo A. An Pediatr (Barc) 2005; 62(5): 479-88 CORRESPONDÊNCIA Catarina Sousa Avenida Fernão Magalhães, 1973, Bloco 3, 3º B, 4300-171 Porto Telef: 225 094 051 E-mail: [email protected] casos clínicos 141 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Varicella-related deaths in children and adolescents Germany 2003-2004 Got V, von Kries R, Springer W, Hammersen G, Kreth HW, Liese J Acta Paediatrica 2008; 97: 187-192 ABSTRACT Aim: Although varicella is acknowledged as a rare cause of death in children, there are few comprehensive data with respect to the clinical course leading to death. Methods: A nationwide, active surveillance was carried out in Germany for children up to age 17 years who were admitted to a paediatric hospital for varicella or associated complications, including deaths. COMENTÁRIOS Os autores basearam este trabalho em dois anos de vigilância, 2003 e 2004. A taxa de mortalidade observada está de acordo com a descrita na literatura, situando-se entre 0.1 e 0.8 por milhão de crianças até aos 17 anos. O valor mais elevado, 0.8 foi registado no Reino Unido entre 1967 e 1985 e o mais baixo, 0.1, nos Estados Unidos, entre 1999 e 2001, período pós vacinação generalizada. Acrescentam que ainda que o risco de morte esteja classicamente associado aos estados de imunocomprometimento, recém-nascidos, lactentes e infecções congénitas, metade dos casos fatais que observaram não estavam nestas categorias. Terminam o artigo com algumas considerações: a varicela é responsável por pequeno mas não negligenciável risco de morte; que mesmo em unidades oncológicas experientes nem sempre se pode impedir casos fatais devido a quadros fulminantes e atípicos; que se devem vacinar mulheres em idade fértil e sem história de terem tido varicela; que se registam casos de super-infecções bacterianas que podem ser letais apesar de antibioticoterapia precoce; que pode haver outras complicações letais como miocardite 142 artigo recomendado Results: A total of 10 children with varicella-associated death weres reported of a period of 12 years, yielding a mortality rate of 0.4/1 000 000 children per year. Three deaths occurred in children diagnosed with acute lymphocytic leukaemia and disseminated varicella, two shortly after diagnosis of leukaemia and therefore not preventable, and one during remission with an untypical presentation. Two children died with congenital varicella syndrome. There was no e que para se evitarem casos fatais, se deve criar uma imunidade de grupo através da generalização da vacina. Recordemos a propósito deste artigo recomendado que o vírus da varicela causa ainda a zona e que esta, na criança, e ao contrário dos adultos, raramente se acompanha de prurido e dor. A zona tem uma incidência relacionada com a idade e deve-se a uma diminuição da imunidade celular. Assim, a zona na criança deve levantar-nos a suspeita de eventuais riscos de imunodeficiência, embora habitualmente não exista este estado. A probabilidade de se desenvolver zona aumenta com a precocidade em que se teve varicela, sendo cerca de 20 vezes mais frequente quando a criança teve varicela in-útero ou menos de dois anos. Aqui está um motivo, além da possibilidade de lesões congénitas, para que as mulheres em idade fértil estejam protegidas, naturalmente ou através da vacina. A varicela é extremamente contagiosa: 80 a 90 % de crianças susceptíveis expostas a um contacto em contexto mais estreito, familiar ou infantário, vêm a desenvolver doença. O contágio é virtualmente impossível de se impedir pois a transmissão da doença faz-se por via death in children with neonatal varicella. Four other cases were related to varicella pneumonia or septicaemia and one to myocarditis. Conclusion: In a population with no general vaccination programme, varicella accounted for a small but not negligible risk for death in immunocompetent and immunocompromised children. Together these data point to the importance of a thoroughly implemented, general varicella vaccination programme. aérea, através de pequenas partículas contagiosas provenientes das lesões dérmicas para o trato respiratório. Raramente há transmissão por via respiratória. A complicação mais comum observada na prática clínica é a sobre-infecção das lesões a Stafilococus aureus ou a Streptococus beta-hemolítico do grupo A, a qual parece ser facilitada quando se utiliza o ibuprofeno como anti-pirético. Como a aspirina está contra-indicada (Síndroma de Rye), resta-nos, e sem qualquer inconveniente, o paracetamol. O aciclovir não deve ser utilizado por rotina dado o curso habitualmente benigno da doença e a sua pouca eficácia. Para além dos doentes com riscos elevados de infecção severa, em que deve ser dado por via intra-venosa, pode ser utilizado por via oral e apenas se iniciado nas primeiras 24 h de manifestações, em adolescentes. A prevenção da varicela passa pelas medidas de controlo da exposição, retirando as crianças do infantário (as crianças com zona podem frequentar o infantário se for possível cobrir as lesões ou estarem na fase de crosta, como na varicela), pela imunização passiva quando se pressupõe doença grave, e particularmente pela imunização activa. O esquema de imuni- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 zação activa foi modificado recentemente. As duas doses que se recomendavam, com intervalo de 4 semanas em crianças depois dos doze anos, devem ser dadas em crianças depois dos 12 meses e com um intervalo de pelo menos 3 meses, recomendando-se a segunda dose antes de se iniciar o infantário. A razão destas modificações assenta na constatação da possibilidade, 15-20%, de uma só dose não assegurar protecção. Embora estes casos de falha (breakthrough) sejam clinicamente discretos e de reduzido contágio, podem acompanhar-se de alguns problemas como o descrédito da vacina, a maior gravidade se a falha se der em idades maiores e a possibilidade de zona na idade adulta. Estão assim reunidos argumentos que recomendam uma imunização mais eficaz, conferida pelas duas doses 1,2. Entre nós a vacinação contra a varicela fica ao critério do médico ou da disponibilidade financeira das famílias. Se o número de crianças que receberam a vacina reduzir a incidência clássica da doença, vamos ter cada vez mais crianças mais velhas e adultos susceptíveis à doença que é mais grave nestas idades, como sabemos. Torna-se assim necessário introduzir esta vacina no plano nacional, a exemplo de outros países. Caso contrário, e mais cedo ou mais tarde, assistiremos a uma epidemia de varicela, com todas as esperadas complicações, naqueles grupos etários. A introdução da vacina será mais um encargo para o frágil orçamento do sistema nacional de saúde. Mas nada de novo: é sabido que até se obterem os efeitos de uma profunda e universal prática de promoção da saúde e prevenção da doença, os gastos com a saúde serão progressivamente crescentes. A menos que aceitemos deixar de ser um país desenvolvido… Tojal Monteiro1 Nascer e Crescer 2008; 17(3): 142-143 BIBLIOGRAFIA 1. Gershon AA. Varicella-Zoster vírus infections. Pediatrics in Review 2008; 29:5-10. 2. American Academy of Pediatrics. Committee on infectious diseases. Clinical report. Prevention of varicella: recommendations for use of varicella vaccines in children, including a recommendation for a routine 2-dose varicella immunization schedule. Pediatrics 2007; 120:221-231. __________ 1 Professor de Pediatria do ICBAS/HGSA artigo recomendado 143 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 The verbal information pathway to fear and heart rate changes in children Andy P. Field and Hannah Schorah Journal of Child Psychology and Psychiatry 2007: 48, 11, pp 1088 – 1093. Background: Although many studies have now demonstrated that threat information is sufficient to change children’s beliefs and behaviours towards novel animals, there is no evidence to suggest that it influences the physiological component of the fear emotion. Methods: An experiment is reported in which children (N = 26) aged between 6 and 9 were given COMENTÁRIOS As perturbações de ansiedade, muito prevalentes, iniciam-se geralmente na infância, e são fonte de sofrimento, nem sempre explicitado, já que muitas vezes são acompanhadas de sentimentos de vergonha e baixa auto-competência, para além do prejuízo funcional da pessoa. Sabe-se que factores genéticos e ambientais contribuem para a génese de quadros de ansiedade mas, se aqueles são factores sobre os quais podemos ter muito pouco controlo, o mesmo não se poderá dizer acerca dos factores ambientais. Mesmo aqueles factores de stress universais – a morte, a doença, o divórcio, o nascimento de um irmão – podem ser vivenciados pela criança com maior ou menor angústia, conforme a capacidade dos cuidadores em “amortecer” o seu impacto negativo. Daí a enorme importância de podermos intervir sobre os factores ambientais que contribuem para a génese e a manutenção de problemas ansiosos nas crianças. Talvez que identificando estes factores se possa prevenir o desenvolvimento de alguns quadros de ansiedade em futuros adultos. O artigo faz referência ao modelo de Rachman, que tenta explicar o modo como os factores ambientais podem induzir medo. Segundo este autor, isto pode acontecer de três maneiras: pela 144 artigo recomendado threat, positive or no information about three novel animals and then asked to place their hands into boxes that they believed to contain each of these animals. Their average heart rate during each approach task was measured. .Results: One-way analysis of variance revealed significant differences in the average heart rate when approaching the three boxes: heart rates were experiência directa envolvendo um evento traumático, pela aprendizagem por observação, em que um estímulo causa medo quando é observado o medo de outra pessoa ao mesmo estímulo, e pela transmissão directa de informação, quando se comunica a possibilidade do perigo de um estímulo. Crê-se que das três, a informação verbal será a via mais importante, mecanismo dominante nas relações de pais ansiosos com os seus filhos. Têm sido realizados estudos que utilizam animais desconhecidos para estudar a importância da informação verbal na génese do medo em crianças: são utilizados animais marsupiais australianos (quoll, quokka e cuscus), estranhos a crianças inglesas. As crenças de medo e o evitamento já foram analisados; neste trabalho pretendese avaliar se as informações verbais que são prestadas à criança, influenciam as respostas fisiológicas do medo, através da medição da frequência cardíaca. A 26 crianças entre os 6 e os 9 anos de idade, foram mostradas fotografias dos referidos animais, e dadas informações, umas de conteúdo positivo, outras de conteúdo ameaçador ou nenhuma (grupo controlo). As crianças eram depois distribuídas por três grupos, de forma que em cada um o mesmo animal tinha uma conotação diferente. Cada grupo significantly higher when approaching the box containing the animal associated with threat information compared to when approaching the control animal. Conclusions: These findings suggest that fear information acts not only upon cognitive and behavioural aspects of the fear emotion, but also on the physiological component. era colocado em frente a 3 caixas, cada uma supostamente com um dos animais. Depois tinham que partir de uma linha e dispunham de 15 segundos para se aproximar de cada uma delas, de introduzir as mãos, e afagar o animal, tempo durante o qual era medida a frequência cardíaca. Os resultados revelaram que as crianças tinham uma frequência cardíaca mais elevada, quando se aproximavam do animal “perigoso”, valor estatisticamente significativo relativamente à ausência de informação. As informações positivas provocavam o valor mais baixo de frequência cardíaca, embora a diferença não tivesse significado estatístico. Este trabalho comprova deste modo que as informações de ameaça têm um efeito nos sistemas fisiológicos da resposta de medo nas crianças, o que torna relevante o papel do discurso de pais ansiosos sobre crianças ansiosas. Daí que, de um ponto de vista preventivo de problemas de ansiedade, pais e outros adultos significativos podem reduzir a possibilidade de desenvolvimento de medo, limitando as informações de perigo que dão às crianças. Este aspecto do estilo parental foi estudado por Barrett1 em crianças ansiosas. A estas e a um grupo de controlo, foram apresentadas situações ambíguas. As crianças ansiosas tinham maior ten- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 dência para as interpretar como ameaçadoras e a delinear planos de acção de evitamento. Num segundo passo do estudo, as situações eram discutidas com os pais; após o fazerem, as crianças ansiosas acentuavam muitíssimo estes aspectos na forma como as resolviam! Embora este trabalho se refira a um medo muito comum nesta faixa etária, o de animais, pode deduzir-se com alguma razoabilidade que o mesmo mecanismo se aplique a outros estímulos, tornandose um factor poderoso na génese de medos e reacções ansiosas na criança. Pais que estão constantemente a alertar os filhos para os perigos, fomentando o evitamento e a superprotecção, impedem a criança de se confrontar com desafios normativos para a idade, que são apresentados de uma forma enviesada pela ansiedade dos pais. Estes dificultam o desenvolvimento de um espírito independente na criança, confiante nas suas competências, base da construção de uma boa auto-estima Por último, é interessante notar que esta inter-relação do verbal–estado fisiológico-medo, reafirma indirectamente o interesse da utilização em contexto clínico de técnicas de relaxamento na criança, em que a diminuição da activação fisiológica vai gerar estados de maior bem-estar psíquico e redução da ansiedade. Maria do Carmo Santos1 Nascer e Crescer 2008; 17(3): 144-145 BIBLIOGRAFIA 1. Barrett PM, Rapee RM, Dadds MR and Ryan SM. Family enhancement of cognitive style in anxious and aggressive children. . J Abnorm Child Psychol, 1996: 24, 187-203. __________ 1 Pedopsiquiatra do Hospital Maria Pia/CHPorto artigo recomendado 145 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Modulation of the Maturing Gut Barrier and Microbiota: A Novel Target in Allergie Disease E. Isolauri, M. Kalliomäki, K. Laitinen, S. SSalminen Department of Paediatrics and Functional Foods Forum; University of Turku, Finland Abstract: The underlying denominators and treatment targets in atopic disease may be outlined as aberrant barrier functions of the skin epithelium and gut mucosa, and dysregulation of the immune response to ubiquitous environmental antigens. The route of sensitization varies with age, dietary antigens predominating in infancy. The immaturity of the immune system and the gastrointestinal barrier may explain the peak prevalence of food allergies at an early age. Dietary methods to control symptoms and reduce the risk of allergie disease have hitherto focused on elimination diets, alone or in COMENTÁRIOS Nos últimos anos, evidência científica tem vindo a ser compilada sobre o papel da flora intestinal, da barreira mucosa e do sistema imunológico intestinal na manutenção e equilíbrio da saúde humana. O conhecimento dos factores moduladores implicados na maturação destas vertentes, em fases precoces e determinantes do desenvolvimento humano, poderão explicar a base da eclosão de determinadas patologias de incidência crescente na sociedade urbana actual, como a doença alérgica. Este artigo, cujos autores constituem um grupo de investigação nesta área, sobejamente reconhecidos e citados, apresenta de forma didáctica e actual este tema. De facto, o intestino contém um ecossistema extremamente complexo, em que o hospedeiro, os nutrientes e a microflora se inter-relacionam. A sua mucosa tem mais de 300 m2 de superfície, constituindo assim a maior interface entre o corpo humano e o meio ambiente. Por isso, o intestino tem um papel preponderante na protecção do hospedeiro contra as agressões externas, sendo esta tarefa defensiva levada a cabo por três dos 146 artigo recomendado combination with other environmental measures. The results have not been satisfactory regarding long-term prevention, primary or secondary. In view of the increasing burden of the abnormalities, new approaches are urgently needed for the management of allergic disease and their prevention in at-risk infants. Novel methods here may include probiotics to counteract the immunoloical and gut mucosal barrier dysfunction associated with allergic disease, and thereby to strengthen endogenous defence mechanisms. Notwithstanding the demonstrations of important immunoregulatory potential seus constituintes: a microflora, a barreira mucosa e sistema imunológico(1). A microflora intestinal, é constituída por uma biomassa de mais de 100 000 biliões de microorganismos de mais de 500 estirpes diferentes 1. Estas bactérias intestinais residentes (organismos procarióticos) são 10-100 vezes mais numerosas que as células eucarióticas do corpo humano que as albergam. A esta microflora são atribuídas funções tão importantes quanto abrangentes como: funções nutritivas e metabólicas, funções de protecção e defesa e funções de modulação e regulação do sistema imunológico. A microflora intestinal é constituída por bactérias úteis ao hospedeiro como as do género Bifidobacterium e Lactobacillus, enquanto outras são potencialmente patogénicas e perigosas. O equilíbrio da composição quantitativa e qualitativa deste ecossistema é que determinará um contexto mais favorável para o hospedeiro. A microflora varia de indivíduo para indivíduo, mas permanece mais ou menos estável no mesmo indivíduo por longos períodos(2). Então, como é que se desenvolve este órgão pós-natal, e quais os factores implicados no seu desenvolvimento? of the well-balanced gut microbiota, the major objective health benefits of specific strains in allergic infants have only recently been clinically proven. Advances here have prompted enthusiasm in the scientific community and food industry and have fuelled research activities currently focusing firstly on identification of specific strains with anti-allergenic potential, and secondly on the question how food matrix and dietary content interact with the most efficacious probiotic strains. Key words: Atopic disease, allergy, infant, inflammation, microbiota, probiotics. Ao nascimento, o intestino do recém-nascido é estéril mas rapidamente vai sendo colonizado pelas bactérias do meio que o rodeia, muito em particular as bactérias da microflora intestinal materna. A idade gestacional e o tipo de parto parecem condicionar essa colonização, devido à maior influência das floras intestinal e vaginal maternas no caso da utilização do canal de parto, e da flora hospitalar e uso de antibióticos, no caso de cesariana(3,4). O meio intestinal do recém-nascido tem uma tensão elevada de oxigénio favorecedora do desenvolvimento de bactérias aeróbias e anaeróbias facultativas, como a E. coli, as Enterobacteriaceas, e cocos Gram positivos. Com o crescimento destas, a disponibilidade de oxigénio baixa e as bactérias anaeróbias começam a desenvolver-se, ao ponto de se tornarem largamente predominantes, no final da primeira semana de vida. O tipo de aleitamento assume então particular importância, se materno ou com fórmula láctea. Nos lactentes alimentados com leite materno, a flora intestinal apresenta um franco predomínio de Bifidobacterias, embora também existindo Lactobacillus e Estreptococcus, enquanto nos lacten- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 tes alimentados com fórmula a sua flora é mais complexa, mais diversificada, mais semelhante à do adulto, ou seja, com predomínio de Bacterioides, embora também contendo Bifidobacterias (de espécies diferentes que as encontradas no lactente amamentado), E. coli, Clostrídium e Estafilococcus(5). Razões têm vindo a ser apontadas para esta diferença: o teor e composição proteica, o baixo teor de fósforo, a presença de oligossacáridos, bem como a presença de mediadores celulares e humorais no leite materno, factores esses que lhe conferem um efeito bifidogénico. De facto, o leite materno contém numerosos componentes bioactivos incluindo alguns com efeito probiótico e prebiótico, que se pensa terem um papel de relevo no desenvolvimento de uma flora microbiana intestinal mais favorável à sua saúde e bem-estar do indivíduo(2). A demonstração de importante potencial imunorregulador de uma microflora intestinal bem balanceada, está na base do interesse no uso de probióticos como agentes que poderão contribuir para a aquisição de uma flora mais favorável ao hospedeiro. A resistência à colonização bacteriana, que se traduz pela hostilidade das bactérias indígenas à instalação das bactérias recém-chegadas ao ecossistema microbiano intestinal, é conseguida fundamentalmente pela manutenção de uma flora intestinal normal; no entanto, outros factores inerentes ao hospedeiro podem cooperar nesta função de barreira, como a acidez gástrica, a produção de ácidos biliares e de enzimas pancreáticas, bem como o peristaltismo, o biofilm de mucina com os seus terminais oligossacaridos e glucoconjugados, inibidores da aderência de bactérias enteropatogénicas(6). O intestino é também o primeiro orgão imunológico do corpo humano, constituído pela GALT (gut associated lymphoid tissue), contendo cerca de 60% do total das imunoglobulinas e uma elevada densidade de linfócitos de mais de 106 linfócitos /g de tecido(7). Inclui tecido linfoide difuso composto por plasmócits produtores de imunoglobulina A e linfócitos T maduros (CD4+ e CD8+), e tecido linfoide organizado em placas de Peyer e gânglios mesentéricos(8). O diálogo imunológico entre os microorganismos e o hospedeiro faz-se através de receptores extracelulares de membrana TRL (toll- like receptor) e de uma família de sensores proteicos intracelulares NOD/CARD (nucleotide-binding oligomerization domain/ caspase recruitment domain) para detectar os sinais moleculares microbianos e induzir resposta imunológica(9). A modulação e maturação do sistema imunológico inato pelas bactérias intestinais permite a aquisição de mecanismos de tolerância imunológica relativamente a aportes massivos de antigénios da dieta e aos próprios microorganismos comensais, mas também o reconhecimento e rejeição de microorganismos potencialmente enteropatogénicos, desde fases muito precoces de vida. A colonização também induzirá modulação imunológica de particular importância no que respeita ao balanço da razão dos linfócitos Th1 (supressores)/Th2 (pró-alérgicos), que pode minimizar alterações de hiperreactividade imune, mecanismo que estará na base do desenvolvimento da doença alérgica(10,11). A teoria higiénica postula que, nas sociedades modernas, a exposição microbiana em idades precoces foi drasticamente diminuída, pela franca melhoria das condições higiénicas das populações e consequente diminuição das doenças infecciosas comuns, condicionando um enorme enfraquecimento da estimulação antigénica crónica do sistema imune, desejável para o desenvolvimento dos mecanismos acima descritos(12). Pelo exposto, a abrangência dos factores moduladores do desenvolvimento da microflora e barreira intestinais e a importância do seu determinismo em idade pediátrica, e em particular em idades muito precoces de vida, torna este tema muito atraente relativamente ao seu papel na saúde e bem estar do seu hospedeiro, o corpo humano, nomeadamente na prevenção do desenvolvimento da doença alérgica. Helena Ferreira Mansilha1 Nascer e Crescer 2008; 17(3): 146-147 BIBLIOGRAFIA 1. Bourliox P, Koletzko B, Guarner F, Braesco V. The intestine and its mi- croflora are partners for the protection of the host: report on the Danone Symposium “ The Intelligent Intestine”, held in Paris, June 14, 2002. Am J Clin Nutr, 2003; 78: 675-83. 2. Kligler B, Hanaway P, Cohrssen A. probiotics in Children. Pediatr Clin N Am, 2007; 54: 949-967. 3. Penders J, Thijs C, Vink C, et al. Factors influencing the composition of the intestinal microbiota in early infancy. Pediatrics, 2006; 118:511-21. 4. 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O doente sentiu-se mal disposto no dia anterior, com náuseas e sensação de mal estar epigástrico e durante a noite teve episódio de vómitos, inicialmente alimentares e depois com sangue vivo em grande quantidade. Na sua história clínica havia a referir um episódio grave de gastroenterite aguda por salmonela, pelos 8 meses, com febre vómitos e diarreia abundante que provocou desidratação grave e necessidade de internamento. Desde então, o doente teve desenvolvimento psicomotor e estaturo-ponderal adequado e pelos 9 anos de idade, por apresentar ligeiro aumento do volume abdominal e exuberância da circulação venosa superficial do abdómen foi-lhe efectuado estudo analítico que evidenciou a presença de trombocitopenia (100.000/mm3) e ligeira leucopenia, sendo os restantes exames normais (função renal e hepática, coagulação, estudo imunológico). Realizou também na mesma altura ecografia abdominal que mostrou esplenomegalia volumosa, com o fígado de dimensões normais e não estando presentes gânglios ou outras alterações abdominais. O doente foi observado na consulta de Hematologia onde não foi diagnosticada qualquer patologia hematológica primária. Desde então o doente foi seguido na consulta de Gastroenterologia Pediátrica até à data do presente episódio hemorrágico que motivou a realização de endoscopia alta (Fig.1) e baixa (Fig.2 e 3), que permitiram obter as imagens que apresentamos. Qual lhe parece ser o diagnóstico mais provável para cada uma delas? Figura 2 Figura 3 1234- Figura 1 __________ 1 Serviço de Gastroenterologia Hospital Maria Pia / CHPorto 148 qual o seu diagnóstico? Polipose familiar Varizes do estômago e cólon Pneumatose gastro-cólica Adenopatias múltiplas NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 COMENTÁRIOS A figura 1 mostra-nos uma estrutura nodular, recoberta de mucosa gástrica ligeiramente congestionada, com pontos vermelhos na sua superfície e envolvendo quase todo o perímetro da vertente gástrica do cárdia como se pode ver nesta imagem em inversão (a seta a azul indica o endoscópio a passar através do cárdia). Ao toque estas estruturas são moles e de facto correspondem a varizes justa cárdicas. As figuras 2 e 3 obtidas durante a realização da colonoscopia esquerda mostram também formações nodulares submucosas que na figura 3 assumem aspecto evidente em cordão; são também varizes, agora situadas ao nível rectosigmoide. O nosso doente tinha efectivamente um quadro de hipertensão portal, já nosso conhecido, uma vez que quando foi observado na consulta de Gastroen- terologia era essa uma das hipóteses de diagnóstico colocadas, que foi confirmada pela realização de um ecodoppler abdominal que mostrou existir uma trombose da veia porta junto ao hilo e acentuada diminuição do fluxo da veia porta. Naturalmente que o doente apresentava também varizes de grau II do esófago sem estigmas hemorrágicos e tinha iniciado tratamento para prevenção de hemorragia digestiva com beta bloqueador. A única explicação que encontramos para a trombose da veia porta é o episódio de gastroenterite infecciosa grave que o doente teve no primeiro ano de vida, uma vez que toda a sua história clínica é negativa e o estudo hematológico efectuado no sentido de encontrar factores favorecedores de trombose (anticorpos anti-fosfolipídeo, anticardiolipina, proteína C e S e antitrombina III) não evidenciou alterações. Conclusão: estamos perante um caso de trombose da veia porta, complicado por hemorragia digestiva alta causada por rotura de varizes gástricas, em doente que tinha também varizes do território da mesentérica inferior. O doente foi orientado para tratamento cirúrgico. Nascer e Crescer 2008; 17(3): 148-149 BIBLIOGRAFIA 1. Flores J, Yanez P, Ramirez R; “Portal vein thrombosis inchildren. Presentation, treatment and outcome”. JPGN 25(4):481, 1997. 2. Fagundes, EDT; Ferreira, AR, et al; “Clinical and Laboratory Predictors of Esophageal Varices in Children and Adolescents with Portal Hypertension” JPGN; 96(2):178-183, 2008 qual o seu diagnóstico? 149 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Caso Estomatológico José M. S. Amorim1 Criança de 12 anos de idade que foi enviada à consulta de Estomatologia devido a ausência do 1º molar inferior direito (dente 4.6). Ao exame objectivo a criança apresenta bom desenvolvimento estato-ponderal. A nível oral apresenta boa higiene oral, não sendo visíveis cáries dentárias. Apresenta várias obturações dentárias efectuadas com amálgama, em bom estado. Constatou-se a ausência do dente 46, pelo que se efectuou uma ortopantomografia (OPG) e o rx retro alveolar, com melhor definição de imagem, abaixo exposto. Antecedentes pessoais e familiares irrelevantes. Figura 1 __________ 1 Serviço de Estomatologia Hospital Maria Pia / CH Porto 150 qual o seu diagnóstico? Face ao descrito: Qual o seu diagnóstico? Qual a sua atitude? NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 A situação clínica acima exposta é relativamente frequente, pelo que na ausência de erupção de um dente estando o seu simétrico na arcada, é de colocar uma de duas hipóteses diagnosticas: 1º agenesia do dente não erupcionado; 2º inclusão do dente não erupcionado, devido ou a falta de espaço ou a obstáculo mecânico. O diagnóstico diferencial destas duas situações realiza-se com muita facilidade através da realização de uma OPG. No caso acima exposto, facilmente se constata a existência de uma neoformação radiodensa composta por estruturas semelhantes a dentes e que impediram a erupção do dente 4.6. O diagnóstico a colocar nesta situação é o de Odontoma Composto. Os odontomas são hamartomas de origem odontogénica e estão associados à não erupção de um ou mais dentes. Existem 2 tipos de odontomas: - Composto: • é formado por uma massa rádio densa, com aparência lobulada, onde no meio de uma mistura de esmalte, dentina e polpa se evidenciam pequenas estruturas semelhantes a dentes; - Complexo: • apresenta-se como uma massa rádio densa, com áreas de densidade heterogéneas, onde não se evidenciam estruturas dentárias diferenciadas. Estas situações necessitam de intervenção cirúrgica para remoção do odontoma e por vezes do dente que não erupcionou. Este caso foi tratado sob anestesia geral, tendo sido removida toda a neoformação óssea, bem como o dente 4.6 Nascer e Crescer 2008; 17(3): 150-151 BIBLIOGRAFIA E. Barbería Leache, Odontopediatria, 2ª edición, Masson SA, 2001, Pag.69-70 qual o seu diagnóstico? 151 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Caso Radiológico Filipe Macedo1 Adolescente do sexo feminino. Fez ecografia renal e pélvica por ITU tendo sido sugerida realização de urografia endovenosa. Figura 1 e 2 - Urografia endovenosa __________ 1 Especialista em Radiodiagnóstico – SMIC - Porto 152 qual o seu diagnóstico? Qual é o seu diagnóstico? NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Observa-se rim pélvico à esquerda, associado a malrotação. Sem alterações no rim direito. DISCUSSÃO A ectopia renal traduz a presença de um rim fora da sua localização habitual. A situação mais frequente é a ectopia baixa com rim pélvico, em localização pré-sagrada, abaixo da bifurcação aórtica. Pode também ser lombar, quando se localiza acima da crista ilíaca mas abaixo do plano de L2-L3. A ectopia pode ser ipsilateral (simples) ou contralateral (cruzada). Pode ser uni ou bilateral. Na sua génese está um acidente, genético ou não, que impede a migração cranial do rim durante a gestação. A ectopia acompanha-se muitas vezes de malrotação do rim. IMAGIOLOGIA Ecografia - faz habitualmente o diagnóstico. Por vezes, pode contudo ser difícil a identificação do rim pélvico, no- meadamente pela sua malrotação e vizinhança com as ansas intestinais(1). Urografia endovenosa - faz geralmente o diagnóstico mas envolve radiação ionizante. RMN – muito eficaz, permitindo fazer o diagnóstico, avaliar a vascularização renal e no futuro próximo avaliar aspectos funcionais, com reduzidos efeitos laterais e contra-indicações. Tende a substituir a urografia endovenosa. Na ptose renal o uréter é longo e a vascularização faz-se em relação com a artéria aorta e veia cava. No rim pélvico, o ureter é curto e a vascularização fazse em relação com os grandes vasos da região(2). Nascer e Crescer 2008; 17(3): 152-153 BIBLIOGRAFIA Há frequentemente alterações associadas quer a nível extra-renal (ginecológicas, esqueléticas, cardiovasculares, etc), quer a nível renal, nomeadamente refluxo vesicoureteral – está recomendada a realização de CUMS. Pode também haver implantação alta do ureter no bacinete do rim ectópico, simulando síndroma da junção, pelo que pode ser necessário o esclarecimento por renograma. 1. Chateil JF, Brisse H, Dacher JN. Ecographie en urologie pédiatrique J Radiol 2001 ; 81 :781-800 2. Benz-Bohm G. Anomalies of kidney rotation, position and fusion. In: Pediatric Uroradiology. Ed. Fotter R, Springer Verlag Berlin Heidelberg 2001; pp 55-60 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Faz-se com ptose renal (por hipermobilidade do rim). qual o seu diagnóstico? 153 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Genes, Crianças e Pediatras Paulo Sousa1, M. Reis Lima1, Esmeralda Martins2 Criança do sexo masculino, actualmente com 2 anos e 11 meses, referenciado à consulta de Doenças Metabólicas do Hospital Maria Pia aos 1,5 meses de idade por suspeita de doença metabólica. Sem antecedentes familiares relevantes. Como antecedentes pessoais, tratava-se de uma segunda gestação de um casal jovem, saudável e não consanguíneo. Durante a gestação foi detectado ecograficamente hidrópsia fetal, pelo que foi programada cesariana para as 36 semanas de gestação. Nasceu com índice de Apgar 7/8 ao 1º e 5º minuto respectivamente, peso 3485g, comprimento 47 cm e perímetro cefálico 35cm. Ao nascer apresentava turvação das córneas e fácies grosseira, com ligeira microretrognatia, fronte alta, filtro longo, lábio superior __________ 1 Unidade de Genética Médica - Centro de Genética Médica Doutor Jacinto Magalhães / INSA 2 Unidade Metabolismo do HMP/CHP 154 qual o seu diagnóstico? fino, hipoplasia do terço médio facial, pescoço curto, pavilhões auriculares baixos, edema cutâneo ao nível das extremidades e do escroto, pectus carinatum, distensão abdominal com hérnia umbilical, hepatoesplenomegalia (fígado//5cm; baço//1,5cm) e hérnia inguinal bilateral. Internado em Cuidados Intensivos neonatais até ao 18º dia de vida. Evoluiu com atraso global moderado do desenvolvimento psicomotor agravamento da dismorfia, com fácies mais grosseira, macrocefalia, escolioses dorsal e dorso-lombar, com gibus dorsal bilateral e desacelaração do crescimento, inicialmente com peso e comprimento nos percentis 50 e 10 respectivamente, actualmente com o comprimento abaixo do percentil 5 e peso no percentil 5. Aos 2 anos e 9 meses foi internado em Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos por quadro de insuficiência respiratória grave com necessidade de suporte ventilatório invasivo no contexto de pneumonia bacteriana a agente não isolado. Durante o internamento desenvolveu sépsis nosocomial e ARDS, mas com boa evolução clínica, tendo tido alta para domicílio ao 28º dia de internamento com ventilação não invasiva (BiPAP) nocturna. É seguido nas consultas de Neuropediatria, Oftalmologia, Otorrinolaringologia, Cardiologia Pediátrica, Pneumologia, Ortopedia, Medicina Física e Reabilitação e Cirurgia Pediátrica. Qual é o diagnóstico? NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 SÍNDROME DE SLY MUCOPOLISSACARIDOSE VII (MIM #253220) A mucopolissacaridose typo VII é uma doença genética de armazenamento lisossómico, autossómica recessiva, caracterizada pela incapacidade de degradação dos glucosaminoglicanos devido a mutação do gene que codifica a enzima Beta-glucoronidase (locus 7q22.11). Foi descrito pela primeira vez por William Sly em 1973 e tem uma incidência de 1:2 111 000 nados-vivos(1). O fenótipo pode variar desde hidropsia fetal grave e letal até formas moderadas com sobrevivência até à idade adulta. A maioria dos doentes com o fenótipo intermédio apresentam-se com hepatomegalia, anomalias esqueléticas, fácies grosseira e graus variáveis de atraso mental(2). Existem 3 formas descritas: - Feto-neonatal: caracterizada por hidrópsia fetal, fácies grosseira, disostose múltipla, hepatoesplenomegalia e opacidade das córneas. Pode causar o óbito do feto. - Grave: os sintomas podem ter início nos primeiros meses de vida com hérnia umbilical e inguinal, macrocefalia e deformidade do tórax. - Ligeira: O atingimento sistémco é mais ligeiro e a progressão é mais lenta. Suspeita Clínica As Mucopolissacaridoses deverão ser suspeitadas em crianças com fácies grosseira, hepatoesplenomegalia e alterações ósseas, com ou sem anomalias do Sistema Nervoso Central. A apresentação clínica é variável, dependente da gravidade e do tipo da MPS. O nosso doente apresentou-se como forma feto-neonatal grave com hidrópsia fetal. As MPS podem partilhar características de outras doenças de armazenamento como as oligossacaridoses (alfa e beta manosidose, fucosidose, aspartilglicosaminuria), as esfingolipidoses (Gaucher tipo II, Niemann Pick A) e as mucolipidoses (doença I cell). DIAGNÓSTICO O doseamento da concentração urinária de glucosaminoglicanos, por electroforese ou cromatografia, pode identificar os diferentes tipos de MPS. A confirmação do diagnóstico pode ser feita pelo doseamento da actividade enzimática deficiente em fibroblastos ou leucócitos(3). A análise molecular mutacional pode ser difícil de interpretar devido ao elevado número de mutações “privadas” nesta patologia. Para muitas famílias uma sequenciação e interpretação completa pode ser necessária para chegar à identificação do genótipo. A análise do ADN deve ser sempre realizada(6), permitindo um maior conhecimento da doença (correlação genótipo-fenótipo) e acesso a um aconselhamento genético e diagnóstico pré-fetal mais eficaz. DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL Pode ser realizado para todas as MPS. O método mais fiável é a doseamento da actividade enzimática em fibroblastos cultivados, obtidos por amniocentese(4) ou análise molecular em fibroblastos e/ou vilosidades coriónicas (se o resultado no caso index e pais é conhecido). Nos casos de hidrópsia fetal, apresentação comum na MPS VII, o doseamento da actividade enzimática em leucócitos do sangue fetal pode dar resultados mais rápidos(5). DIAGNÓSTICO DE PORTADOR A detecção de portadores por ensaios enzimáticos dos leucócitos pode não ser fiável, pela grande variação das concentrações enzimáticas. A análise do ADN, se a mutação estiver identificada, pode ser utilizada para identificar portadores com risco para a descendência ou outros familiares afectados. Se um portador manifestar preocupação em vir a ter um filho afectado, o outro progenitor poderá ser testado para as mutações mais frequentes, que podem representar cerca de 70% dos alelos afectados identifica- dos, dependente na doença e população. Contudo, a ausência de uma mutação conhecida não exclui definitivamente o estado de portador, pelo que é mais seguro oferecer a possibilidade de efectuar diagnóstico pré-natal. Nascer e Crescer 2008; 17(3): 154-155 BIBLIOGRAFIA 1. 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O período neonatal pode ser crítico, fundamentalmente devido a dois factores: a gravidade de algumas malformações e as modificações fisiológicas que ocorrem nessa fase. A suspeita clínica de cardiopatia congénita, no período neonatal, pode ser colocada perante a presença de sopro cardíaco, que quando isolado, não constitui só por si uma urgência. O desenvolvimento de cianose e/ou de insuficiência cardíaca assim como alterações do ritmo e da condução, pressupõem a necessidade de intervenção precoce, sendo necessário em alguns casos a instituição de medidas que mantenham a circulação fetal, essencial para uma diminuição da morbilidade e da mortalidade destes recém-nascidos. CIANOSE Definida como coloração azulada da pele e mucosas, a qual corresponde a concentração arterial de 4-6 gr/dl de hemoglobina não saturada. Quer surja nas primeiras horas quer nos primeiros dias de vida, a cianose de causa cardíaca é intensa, generalizada e permanente. Geralmente é isolada, sem outros sinais e refractária à oxigenação. O dignóstico de cardiopatia é fácil de efectuar, pois a maioria das causas de cianose de origem não cardíaca cursam com outros sinais, como a dificuldade respiratória mais ou menos severa; existem apenas três situações com as quais deve ser colocado o diagnóstico diferencial: metahemoglobinémia congénita, muito rara, não responde à prova de hiperóxia, mas a PaO2 é normal; a poliglobulia (Ht> 65%), e a persistência das resistências vasculares pulmonares elevadas. A conduta a ter é simples, a qual deve ser efectuada o mais rápida possível, evitando uma descompensação por vezes irremediável, de uma cardiopatia que pode necessitar de um tratamento específico (átrioseptostomia de Rashkind). Quando a tolerância clínica é boa, com ausência de taquipneia, e de acidose, deve-se evitar a ventilação assistida e a perfusão de Prostaglandinas, devendo o recém-nascido ser transportado por equipa especializada para um centro de Cardiologia Pediátrica, mas se o recém-nascido se encontrar instável, com um quadro clinico de baixo débito circulatório, é preferível iniciar perfusão com Prostaglandinas (PGE1) na dose inicial de 0,05 μg/kg/min, e ponderar início de ventilação assistida. Transposição simples das grandes artérias (TGA) Toda a cianose neonatal refractária isolada, sobretudo se a radiogradia do tórax mostra um coração de tamanho normal, e eventualmente de forma ovoide com pedículo estreito, pressupõe a suspeita de TGA. O diagnóstico é estabelecido por ecocardiografia (artéria pulmonar emerge do ventrículo esquerdo, posterior, e a aorta emerge do ventrículo direito, anterior). urgências neonatais – mesa redonda S 158 XX reunião do hospital de crianças maria pia O diagnóstico deve ser efectuado o mais precocemente possível, pois a morbilidade e mortalidade dos recém nascidos portadores de TGA, depende da persistência das comunicações fetais entre o “coração esquerdo” e o “coração direito”, essencialmente do foramen oval. Nem sempre a perfusão de PGE1 melhora a situação, pois ao incrementar shunt cruzado através do canal arterial, aumenta o fluxo pulmonar, originando edema pulmonar. Quando o shunt auricular é restritivo, está indicada a átrioseptostomia de Rashkind de urgência, seguida de correcção cirúrgica nos primeiros 15 dias de vida, dependendo das lesões associadas. Malformações obstrutivas direitas Reunem um grande grupo de cardiopatias, cujos pontos comuns são baixo débito pulmonar, devido a uma anomalia obstrutiva presente geralmente ao nível da válvula pulmonar. O mais grave consiste numa atresia pulmonar, cujo único fluxo pulmonar depende exclusivamente da aorta através do canal arterial, o que explica a deterioração brutal após o nascimento; a reabertura do canal arterial pela perfusão de PGE1, revela-se com uma melhoria do quadro clínico. - Atresia pulmonar com comunicação interventricular/tetralogia de Fallot (formas severas): suspeita-se quando a a radiografia do tórax revela uma silhueta cardíaca em forma de “bota”, com ausência de arco médio esquerdo, e hipoperfusão vascular pulmonar; a cianose é intensa, revelando a necessidade de patência do canal arterial através de perfusão de PGE1, sendo necessária a realização posterior de anastomose sistémico pulmonar. - Atresia pulmonar com septo interventricular intacto: se o obstáculo é NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 o orifício pulmonar, a cianose está relacionada com um shunt direito-esquerdo auricular, a árvore pulmonar é normal, ou ligeiramente hipoplásica, o ventrículo direito é sempre anormal, com graus variáveis de redução da cavidade e hipertrofia das suas paredes, condicionando o prognóstico e a terapêutica posterior. - Estenose pulmonar critica: deverá ser efectuada valvuloplastia percutânea da válvula pulmonar, podendo ser necessário prolongar a perfusão de PGE1, ou mesmo uma anastomose cirúrgica. - Anomalia de Ebstein (formas severas): Diagnóstico suspeitado com base numa radiografia do tórax que apresenta cardiomegalia maciça; a ventilação assistida está indicada e a perfusão de PGE1 é necessária quando o débito pulmonar está drasticamente diminuido Shunt direito-esquerdo com hipertensão pulmonar Neste 3º grupo de hipoxémia refractária, a cianose deve-se a um shunt direito esquerdo auricular, associado a um quadro de colapso cardiovascular grave. - Drenagem venosa anómala pulmonar total bloqueada: O bloqueio à drenagem venosa pulmonar surge nas formas subdiafragmática, e nas formas supradiafragmáticas com estenose do colector. Manifesta-se nas primeiras horas de vida, com um quadro de cianose grave, e distress respiratório por edema pulmonar. A radiografia do tórax revela um coração de tamanho normal com estase venosa pulmonar. A correcção cirúrgica é uma emergência. - Síndrome de persistência das resistências vasculares pulmonares elevadas: Deve-se a vasoconstrição arteriolar pulmonar secundária a uma infecção por streptococcus tipo B, ou a uma restrição do leito vascular pulmonar (hérnia diafragmática). Por vezes é primitiva, associada uma hipertrofia muscular arteriolar pulmonar. INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA GRAVE Definida como um estado fisiopatológico, no qual o músculo cardíaco de um ou ambos os ventrículos é incapaz de manter um fluxo sanguíneo adequa- do às necessidades metabólicas do organismo. A etiologia pode ser diversa, estando na maioria dos casos associada a cardiopatias congénitas, com obstrução ao fluxo sistémico. O reconhecimento do quadro clínico e a instituição rápida de terapêutica adequada, permite a manutenção das funções vitais, necessária para posteriormente se proceder à correcção cirúrgica adequada. Malformações obstrutivas esquerdas Compreendem um grupo de malformações que envolve hipoplasia de uma ou mais estruturas do coração esquerdo, desde a aurícula ao istmo aórtico. São cardiopatias que dependem da permeabilidade do canal arterial, e em alguns casos do tamanho da comunicação interauricular. O tratamento de urgência é médico, e consiste em, para além das medidas gerais, na correcção da acidose metabólica, perfusão de prostaglandinas (PGE1), na dose inicial de 0,05 μg/kg/min. A administração de aminas simpaticomiméticas, pode ser necessária para melhorar a contractilidade miocárdica, depois de assegurar a patência do canal arterial, com a perfusão de PGE1. - Síndrome de coração esquerdo hipoplásico: todo o débito cardíaco sístémico depende da patência do canal arterial. É uma emergência nas primeiras horas de vida, pois o encerramento normal do canal arterial, compromete a circulação coronária, originando disfunção ventricular, e aumento do fluxo sanguíneo pulmonar, o que leva a um quadro de insuficiência cardíaca esquerda, caracterizado por edema pulmonar, e má perfusão sistémica, A progressiva deterioração da função cardíaca culmina em choque, com hipotensão, extremidades frias, taquicardia e acidose metabólica. O tratamento é cirúrgico, e depende do grau de obstrução, sendo essencial a manutenção das funções vitais. - Estenose valvular aórtica crítica: as formas graves manifestam-se no período neonatal imediato, por um quadro de falência cárdiocirculatória. Após estabilização do quadro clínico, deverá ser efectuada dilatação percutânea da válvula aórtica. - Obstáculos ístimicos aórticos (coarctação da aorta; interrupção do arco aórtico): neste caso o fluxo coronário encontra-se preservado, mas a irrigação da porção inferior do corpo depende da patência do canal arterial, que ao encerrar, leva ao desenvolvimento de um quadro de acidose progressiva, com distress respiratório, pulsos débeis e oligoanúria. Malformações com sobrecarga diastólica - Cardiopatias com shunts esquerdo-direito: raramente levam à descompensação nos primeiros dias de vida, devido às resistências arteriolares pulmonares se encontrarem normalmente elevadas. Existem no entanto excepções, como a persistência do canal arterial no prematuro, o canal aurículo ventricular completo, o truncus arteriosus e o ventrículo único. - Fístulas artériovenosas sistémicas: levam geralmente a um quadro de falência cardíaca neonatal, com cardiomegalia maciça (ICT> 0,75), que se deve a uma dilatação hipocinética do ventrículo direito. A mais frequente é a fístula artériovenosa cerebral, que revela uma hiperpulsatilidade carotídea, contrastando com os outros pulsos que se encontram débeis, assim como a auscultação de um sopro contínuo presente na fontanela anterior. Mais raramente, são malformações vasculares hepáticas, sendo no entanto a mais problemática o córioangioma da placenta, sendo responsável por um quadro de insuficiência cardíaca neonatal grave, no qual só se pode compreender o mecanismo através do exame da placenta. Miocardiopatias neonatais A falência cárdiocirculatória e a alteração da função ventricular esquerda, parece por vezes ser primitiva, quando não se reconhece nenhuma malformação estrutural, nem uma alteração severa do ritmo, mas esta pode estar associada a etiologias múltiplas: - Filho de mãe diabética: em casos severos, pode originar hipertrofia miocárdica concêntrica, com cavidades ventriculares virtuais, que leva ao colapso. A terapêutica consiste em administração de β-bloqueante, mas geralmente a progres- urgências neonatais – mesa redonda XX reunião do hospital de crianças maria pia S 159 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 são é favorável, com regressão completa em 6-12 semanas. - Doenças metabólicas: défices de carnitina; citopatias mitocondriais. - Isquemia miocárdica: asfixia grave; isquemia miocárdica transitória (sepsis, hipocalcemia, hipoglicemia), origem anómala da artéria coronária esquerda. Patologia do pericárdio Um derrame pericárdico, pode ser a causa de colapso cardiovascular grave nos primeiros dias de vida, sendo facilmente suspeitado na radiografia do tórax, devendo após a confirmação por ecocardiograma, ser rapidamente drenado. As causas mais frequentes são: a anasarca fetoplacentária , a pericardite purulenta secundária a sépsis, o teratoma pericárdico e a perfusão acidental do saco pericárdico através de catéter central. ALTERAÇÕES GRAVES DO RITMO E DA CONDUÇÃO São actualmente reconhecidas facilmente in utero, através da ecocardiografia fetal, sendo algumas tão severas, que se desenvolve um quadro de anasarca fetoplacentária. Ao nascimento, pode existir um compromisso hemodinâmico grave, com colapso cardiovascular. Taquicardia supraventricular paroxistica (TSVP) É a arritmia mais frequente no recém-nascido, sendo a mais habitual a TSV de reentrada, que envolve uma via anómala, a qual em 50% dos casos se deve a pré-excitação ventricular. A deterioração da função cardíaca surge quando a TSVP se prolonga, podendo o recém-nascido desenvolver um quadro de choque grave. À auscultação cardíaca, a taquicardia é regular com uma frequência cardíaca de cerca de 300 ppm, como um ruído de “metralhadora” sem distinção do 1º e 2º som. O electrocardiograma revela complexos QRS estreitos, e ondas P de difícil identificação (geralmente negativas em DII, DIII e aVF). Terapêutica da crise: 1º Manobras de estimulação vagal – saco de gelo na face (20’’): tem por objectivo criar um bloqueio aurículoventricular transitório, por hipertonia parassimpática, interrompendo o circuito autoestabelecido. 2º Estimulação vagal química Adenosina trifosfato (ATP) – corrigir préviamente a acidose Dose: 50-100 ug/kg/dose: administração EV rápida (solução muito volátel). 3º Cardioversão eléctrica: 0,5-1J/kg (choque sincronizado) Taquicardia ventricular É rara, e está na maioria dos casos associada a estados terminais de doenças sistémicas, a alterações electrolíticas, hipoxémia grave, síndrome de QT longo. Quando sustentada deve ser tratada de imediato (complexos largos, rápidos, sem onda P precedente). O tratamento consiste em identificar e corrigir os factores desencadeantes, efectuar choque não sincronizado: 0,5- 2 J/kg. Bloqueio aurículoventricular completo (BAVc) Quando diagnosticado in- utero, deve ser programado o parto num centro onde seja possível, se necessária a colocação de pacemaker. Em 50% dos casos associado a cardiopatia, geralmente complexa, como a dupla discordância, sendo o prognóstico mais reservado. Na maioria dos casos, quando isolado, está associado a doença auto-imune materna. É facilmente reconhecível através da auscultação cardíaca, com frequências cardíacas de cerca de 50-55 ppm; quando esta é <50 ppm, e pelo risco de desenvolver um quadro de insuficiência cardíaca grave, deve ser ponderado a colocação de um pace maker definitivo. urgências neonatais – mesa redonda S 160 XX reunião do hospital de crianças maria pia Quando o diagnóstico é efectuado numa fase crítica, o tratamento consiste na colocação de pacemaker provisório. Nascer e Crescer 2008; 17(3): 158-160 BIBLIOGRAFIA 1. Sidi D. Cardiopathies du Nouveau-Né. 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Terminada a introdução apresentam-se as ocorrências no recém-nascido que, do ponto de vista da oradora, e tendo como base a experiência adquirida ao longo de mais de 20 anos na cirurgia pediátrica, considera serem verdadeiras emergências: - Pneumoperitoneu – por ruptura gástrica idiopática ou iatrogénica e a enterocolite necrosante (NEC) perfurada. O procedimento cirúrgico para a correcção da NEC depende fundamentalmente das alterações necróticas encontradas no intestino afectado; - Vólvulo do intestino médio – situação que mais preocupa o cirurgião pediatra. Necessita de uma laparotomia emergente dado que o risco de necrose intestinal é elevadíssimo e a consequente recessão alargada condiciona um intestino curto, com todas as implicações futuras que daí advêm; - Ruptura amniótica em onfolocelo – devido à exposição visceral, hipotermia e risco de infecção acrescido; - Fístula traqueo-esofágica – pode levar a uma distensão gástrica aguda e poderá ser mandatório a realização de uma gastrostomia com anestesia local na U.C.I.; - Ruptura de mielomeningocelo – pela perda de LCR aumento da possibilidade de infecção. No final tecem-se algumas considerações sobre os meios necessários para um tratamento rápido, eficaz e humanizado destas situações de urgência/emergência cirúrgica neo-natal. Destacam-se a necessidade de se efectuar um estudo exaustivo de todos os aparelhos e sistemas do recém-nascido, a imperiosidade de uma avaliação pré-operatória e o despiste de cardiopatias e malformações congénitas associadas. O êxito operatório depende de uma equipa aberta e dialogante, constituída por cirurgião pediatra, neonatologista e anestesista e de uma equipa de enfermagem coesa, todos com experiência em recém-nascido portador de malformação congénita e todos empenhados no sucesso do seu tratamento. __________ 1 Cirurgião Pediatra urgências neonatais – mesa redonda XX reunião do hospital de crianças maria pia S 161 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Transporte Neonatal e Pediátrico Organização e Perspectivas Actuais Francisco Abecasis1 RESUMO Os sistemas organizados de transporte neonatal e pediátrico permitem aos hospitais centrais estender a sua acção à comunidade de modo a que os doentes beneficiem atempadamente de cuidados especializados habitualmente só disponíveis após a sua chegada a estes hospitais. O transporte de um doente envolve riscos e limitações que podem ser compensados se este for realizado por pessoal qualificado com recurso a equipamentos adaptados para esse efeito. Pretende-se com este artigo analisar a situação actual do transporte inter-hospitalar de doente críticos em Pediatria a nível nacional e internacional, discutir as vantagens e desvantagens de um sistema de transporte especializado, apresentar diferentes modelos de organização e por último defender a criação de um sistema organizado de transporte inter-hospitalar pediátrico na Região Sul de Portugal. Nascer e Crescer 2008; 17(3): 162-165 INTRODUÇÃO Todos os médicos estarão envolvidos, em algum momento das suas carreiras, no transporte de um doente. Embora o transporte de doentes exista desde a Antiguidade, a medicina de transporte é uma área relativamente recente dentro da Pediatria. Em alguns países como os Estados Unidos da América, o Reino Unido e a Austrália o transporte de crianças gravemente doentes está totalmente organizado há mais de duas décadas, sendo que em 1995, foi oficialmente criada __________ 1 Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos – Hospital de Santa Maria uma secção de Medicina de Transporte na Academia Americana de Pediatria. O transporte de doentes pode dividir-se em três grupos: pré-hospitalar, intra-hospitalar e inter-hospitalar. Em Portugal o transporte pré-hospitalar é assegurado pelo Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), organismo que depende do Ministério da Saúde. Quanto ao transporte inter-hospitalar pediátrico apenas existe um sistema organizado na Região Centro. O âmbito deste artigo será sobretudo o transporte inter-hospitalar de doentes críticos pediátricos, área que consideramos fundamental desenvolver. ORGANIZAÇÃO DO TRANSPORTE INTER-HOSPITALAR DE DOENTES CRÍTICOS EM PEDIATRIA As crianças que necessitam de cuidados intensivos devem ser tratadas em unidades próprias, em centros terciários com recursos técnicos e humanos adequados à gravidade da sua situação. Os sistemas organizados de transporte interhospitalar pediátrico permitem que os doentes beneficiem de cuidados especializados antes e durante a transferência para uma destas unidades. Vários estudos demonstram que o transporte de doentes críticos feito por uma equipa especializada permite reduzir a morbilidade e mortalidade(1-6). Além dos benefícios óbvios para os doentes, este tipo de transporte demonstrou ter uma boa relação custo-benefício(7). O sistema de transporte deve permitir que os cuidados intensivos se desloquem até ao doente e não o doente até aos cuidados intensivos. Desta forma as Unidades de Cuidados Intensivos Pediátricos (UCIP) podem estender a sua acção à comunidade. O objectivo é que as condições no transporte sejam iguais transporte pediátrico – mesa redonda S 162 XX reunião do hospital de crianças maria pia ou melhores do que as condições antes do transporte e nunca piores. Para alcançar este objectivo a equipa de transporte deve assegurar-se que o doente é estabilizado antes de iniciar o transporte e que os benefícios da transferência ultrapassam os riscos inerentes à mesma. Este conceito é o oposto do chamado “scoop and run” no qual os doentes são transferidos o mais rapidamente possível com a noção de que a rapidez com que se chega a um centro especializado é mais importante do que as condições em que o doente chega. Também existem argumentos contra o uso deste tipo de transporte especializado: custo elevado, limitações à acção do especialista devido às condições próprias do ambiente do transporte, aumento da morosidade devido à necessidade de um transporte nos dois sentidos e ao tempo passado no hospital de origem a estabilizar o doente(8). No entanto, a experiência tem mostrado ao longo dos anos e em vários países que o transporte especializado melhora os resultados e a sua inexistência aumenta a mortalidade e morbilidade(1-7). A maioria dos sistemas de transporte de doentes críticos em Pediatria está sediada em hospitais com UCIP. Existem vários modelos de organização. O transporte pode ser realizado por elementos que estão a trabalhar na UCIP e que são libertados das suas funções para procederem ao transporte, por elementos que estão de prevenção em casa e que são chamados em caso de necessidade ou por elementos que estão no hospital dedicados exclusivamente ao transporte. Cada um destes modelos tem obviamente vantagens e desvantagens em termos de eficácia, custos e rentabilização de pessoal(8). NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Além dos recursos humanos estes sistemas de transporte requerem outros elementos: meios de transporte (ambulância, helicóptero), sistema de comunicações, material específico, normas de actuação bem definidas(9). A equipa de transporte deve ser totalmente autónoma e não deve depender do hospital que referencia o doente em termos de material, fármacos, energia, oxigénio ou outros. Todo o equipamento deve ser verificado diariamente, antes e depois de cada transporte, de modo a garantir que não haja falhas. No Quadro I apresenta-se o exemplo de uma lista de equipamento utilizado por uma equipa de transporte. No que diz respeito à ventilação mecânica durante o transporte também é necessária uma adaptação às características do mesmo. Podem ser utilizados vários ventiladores. Tem havido um grande desenvolvimento nesta área e existe já experiência na utilização de modos ventilatórios diversos que vão desde a ventilação convencional até à de alta frequência(10). Em relação aos fármacos, existem também especificidades de armazenamento e administração durante o transporte – refrigeração, prazo de validade, técnicas de administração em transporte. Alguns fármacos devem ser preparados antes do transporte tendo em atenção a identificação dos mesmos, que deve ser muito clara, e a sua estabilidade. O envolvimento de um farmacêutico na equipa é muito importante(10). Na UCIP, os medicamentos devem ser guardados numa zona própria para que não sejam utilizados para outros fins correndo-se o risco de não estarem disponíveis para o transporte. No Quadro II apresenta-se um exemplo de uma lista de fármacos utilizados por equipas de transporte. A formação e composição das equipas varia bastante consoante os países e mesmo dentro de cada país. Pensamos que deverão respeitar-se alguns princípios básicos: elementos em treino que não sejam capazes de efectuar com autonomia os cuidados necessários à criança gravemente doente não devem substituir elementos experientes; o investimento em formação melhora o nível dos cuidados prestados; não se deve presumir que um profissional eficiente numa UCIP será igualmente eficiente numa ambulância ou num hospital desconhecido; os elementos destacados para o transporte não devem assumir funções que os impeçam de sair rapidamente da UCIP; a composição da equipa pode variar consoante o tipo de transporte e a gravidade da situação(10). REGIÃO SUL DE PORTUGAL – PERSPECTIVAS ACTUAIS E FUTURAS Neste momento, existem Unidades de Cuidados Intensivos Pediátricos (UCIP) em cinco Hospitais na Região Sul de Portugal Continental: Hospital Central de Faro, Hospital de Dona Estefânia, Hospital Fernando Fonseca, Hospital Garcia de Orta e Hospital de Santa Maria. É frequente a necessidade de transferência de uma criança gravemente doente de um Hospital de Nível I ou II para uma destas unidades. Anualmente são realizados cerca de 250 transportes deste tipo na Região Sul do País(11). Na Região Sul do País não está criado um sistema organizado de transporte inter-hospitalar para doentes críticos em idade pediátrica. Este transporte é feito, na maioria das vezes, por uma equipa do Hospital que envia a criança, em condições pouco adequadas e por pessoal sem treino específico em transporte. Num estudo realizado no nosso País em que foram avaliados 138 transportes de crianças para uma UCIP, 44% não foram acompanhadas por médico ou enfermeiro, 7 chegaram à unidade em morte cerebral e 3 com sequelas neurológicas graves(12). São, infelizmente, frequentes as situações em que o estado clínico das Quadro I - Equipamento específico utilizado no transporte pediátrico(10) - Incubadora de transporte (doentes < 5Kg) ou maca - Ventilador, permutadores de calor e humidade, fonte de oxigénio - Monitorização cardiovascular, pressão arterial (invasiva e não invasiva) e oximetria de pulso, temperatura - Drenos torácicos e válvulas de Heimlich - Medidor de glicemia capilar - Aparelho de gasimetria portátil - Via aérea (tubos endotraqueais, laringoscópios, insuflador manual, máscaras laríngeas) - Aspirador portátil - Misturador de oxigénio/ar com capacidade de entregar FiO2 0,21 a 1 com fluxo até 15 L/min - Bombas infusoras com capacidade 0,1 mL/h a 999 mL/h - Cateteres venosos centrais e periféricos, agulhas intra-ósseas e cateteres umbilicais - Desfibrilhador-cardioversor / pacemaker externo - Monitorização de pressão intracraniana - Material para doente traumatizado (talas, ligaduras, colares cervicais) transporte pediátrico – mesa redonda XX reunião do hospital de crianças maria pia S 163 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 crianças piora significativamente durante o transporte. Acreditamos que existem vantagens e condições para que seja criado um sistema de transporte inter-hospitalar pediátrico na Região Sul. Por um lado, existe já uma experiência de sucesso na organização do transporte inter-hospitalar especializado. O Sub-Sistema de Transporte de Recém-Nascidos de Alto Risco, integrado no INEM e com cobertura nacional, existe desde 1987 e permite a prestação de socorro de emergência a recémnascidos em situação de risco e prematuros, proporcionando o transporte para hospitais onde existam unidades de Neonatologia. Anualmente são transportados cerca de 1000 recém-nascidos por estas equipas em todo o país. Na Região Centro do País a equipa que faz o transporte de Recém-Nascidos de Alto Risco assegura também o transporte inter-hospitalar de doentes em idade pediátrica que necessitem de cuidados intensivos. Por outro lado, o Hospital de Santa Maria (HSM) reúne condições para organizar este tipo de transporte na Região Sul para doentes pediátricos: a Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos (UCIPed) recebe desde 1989 doentes politraumatizados de toda a Zona Sul do País e é o Centro de Neurotrauma Pediátrico desde Dezembro de 2002; possui um serviço de Pediatria com diferenciação em várias sub-especialidades; tem apoio permanente (24h/dia) de várias especialidades médico-cirúrgicas (cirurgia plástica, cirurgia vascular, neurocirurgia, neurorradiologia de diagnóstico e intervenção, oftalmologia, ortopedia, otorrinolaringologia, imagiologia); tem sediada uma equipa do INEM e possui Heliporto. A criação de uma parceria entre o INEM e o HSM poderia tornar possível a constituição e funcionamento de uma equipa de transporte de doentes críticos com idade pediátrica (1 mês-18 anos), à semelhança do que acontece com o transporte de recém-nascidos de alto risco. A equipa asseguraria 24 h/dia, todos os dias do ano, o transporte inter-hospitalar das crianças com necessidade de cuidados intensivos entre o hospital de origem e uma Unidade de Cuidados Intensivos na Região Sul de Portugal. O INEM contribuiria com o fornecimento e manutenção do material permanente e da ambulância com motorista. O HSM ficaria responsável pelo fornecimento de consumíveis e medicamentos, assim como pela contratação do médico e enfermeiro. Em cada transporte estaria presente um motorista e uma equipa clínica constituída por um enfermeiro e um médico com experiência em cuidados intensivos pediátricos. O enfermeiro estaria em regime de presença física 24 horas por dia (em turnos de 8 horas) no HSM. Os médicos integrados na equipa assegurariam o transporte dentro do seu horário normal de trabalho (dias úteis das 8:30 às 16:30). Fora desse horário, um médico ficaria em regime de prevenção. Se o número de transportes o justificar, este regime poderia ser alterado. A equipa da UCIPed compromete-se a garantir a disponibilidade da equipa clínica necessária, através de um sistema de escalas que procurará incluir elementos das várias Unidades de Cuidados Intensivos Pediátricos. Seria assegurada a formação contínua de todos os profissionais que participassem nas equipas de transporte e seria feita formação sobre estabilização de doentes críticos nos Hospitais Distritais abrangidos. A activação do transporte seria feita através do contacto directo entre o Hospital de origem e a equipa do transporte. Isto permite uma correcta avaliação da situação de forma a serem planeados os Quadro II - Grupos de fármacos e fluídos endovenosos utilizados no transporte pediátrico(10) Fluídos endovenosos D5%; D10%; Dx5%NaCl 0,3%; Dx5%NaCl 0,45%; Dx5%NaCl 0,9%; NaCl 0,9%; Albumina 5% Inotrópicos Dopamina, dobutamina, adrenalina, noradrenalina, milrinona Emergência Adrenalina, bicarbonato de sódio, naloxona, lidocaína, amiodarona, atropina, adenosina, gluconato de cálcio, sulfato de magnésio Intubação Fentanil, midazolam, ketamina, tiopental, succinilcolina, vecurónio, rocurónio, atropina, propofol, etomidato Diuréticos Furosemida Antibióticos e antivíricos Ampicilina, gentamicina, ceftriaxone, cefotaxima, cefazolina, aciclovir Prostaglandinas Alprostadilo Asma e laringite Metilprednisolona ou prednisolona, salbutamol, adrenalina Anticonvulsivantes Diazepam, midazolam, fenitoína, fenobarbital Hipertensão intracraniana Manitol 20%, cloreto de sódio hipertónico (NaCl 3%) transporte pediátrico – mesa redonda S 164 XX reunião do hospital de crianças maria pia NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 cuidados que a criança possa necessitar quando a equipa chegar ao local. Esta comunicação também permite transmitir recomendações à equipa que está a estabilizar o doente no local e contribuir para uma optimização dos cuidados até à chegada da equipa de transporte. A selecção da UCIP de destino seria feita em função da área do hospital, das vagas existentes e das necessidades específicas de cada doente. CONCLUSÕES Todas as crianças têm o direito de receber os cuidados adequados à sua situação clínica. Quando tal não é possível no hospital em que se encontram, deve ser proporcionada a sua transferência para um centro especializado nas melhores condições. Não é admissível que essa transferência piore o nível de cuidados, sujeitando a criança a um risco acrescido. É fundamental e urgente a criação de um sistema organizado de transporte de doentes críticos em idade pediátrica que cubra todo o território nacional. PAEDIATRIC EMERGENCY TRANSPORT – ORGANIZATION AND CURRENT PERSPECTIVES ABSTRACT Programmes of neonatal and paediatric transport allow tertiary hospitals to extend their action into the community so that patients benefit from specialized care that is usually only available after arrival at these centres. The retrieval of a patient is associated with risks and limitations that can be partly compensated if it is done by qualified personnel with specialized equipments adapted to the transport environment. In this paper the national and international context of interfacility transport of paediatric critically ill patients will be analysed. We will discuss the advantages and disadvantages of a specialized transport system, present different models of organization and suggest the development of an organized interfacility paediatric transport in the South of Portugal. Nascer e Crescer 2008; 17(3): 161-164 BIBLIOGRAFIA 1. Chance GW, Matthew JD, Gash J et al. 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É fundamental que o médico saiba reconhecer essas situações e identificar as principais causas, de modo a poder fazer uma correcta avaliação clínica e orientar rapidamente a investigação e o tratamento. Define-se alteração do estado de consciência quando a actividade espontânea e a resposta aos estímulos são diferentes do esperado. Faz-se aqui uma apresentação da abordagem clínica das situações de alteração do estado de consciência, principais etiologias e tratamento. Nascer e Crescer 2008; 17(3): 166-167 INTRODUÇÃO As alterações do estado de consciência constituem uma das principais emergências neurológicas. É fundamental que o médico saiba reconhecer essas situações e identificar as principais causas, de modo a poder fazer uma correcta avaliação clínica e orientar rapidamente a investigação e o tratamento. Em termos práticos fala-se em alteração do estado de consciência quando a actividade espontânea e a resposta aos estímulos são diferentes do esperado. A detecção e quantificação das alterações do estado de consciência na criança é mais difícil do que no adulto. A evolução de um estado de vigília normal para um estado comatoso pode ser precedida de estados de aumento da excitabilidade neuronal (agitação, confu__________ 1 Serviço de Neurologia Pediátrica, HMP-CHP são, alucinações, crises convulsivas, etc.) ou de estados de diminuição da excitabilidade neuronal (letargia, obnubilação). Classicamente podemos dividir a diminuição do estado de consciência em: Letargia – dificuldade em manter o estado de vigília Obnubilação – responde (desperta) com estímulos não dolorosos. Estupor – só desperta com a dor. Coma – não desperta com a estimulação dolorosa. Perante uma criança com alterações agudas de comportamento do tipo delírio, devemos pensar que podemos estar perante uma encefalopatia orgânica com atingimento difuso de ambos os hemisférios cerebrais (tóxica, metabólica…). Estas situações requerem uma avaliação urgente pois podem evoluir para uma deterioração do estado de consciência se não tratadas atempadamente. Apresenta-se de seguida como deve ser feita a abordagem clínica das situações de alteração do estado de consciência, principais etiologias e tratamentos. ABORDAGEM CLÍNICA DAS ALTERAÇÕES DO ESTADO DE CONSCIÊNCIA Na abordagem das situações de hiperexcitabilidade neuronal como por exemplo o delírio, a história clínica é fundamental para tentar identificar factores que podem ter desencadeado o quadro, exposição a tóxicos/drogas, saber se há história familiar de enxaqueca ou de epilepsia, se houve recentemente episódios infecciosos, doenças sistémicas, etc. As crises epilépticas podem ser a causa do quadro confusional ou fazer parte da encefalopatia. Não é possível diferenciar o delírio resultante de uma doença banal auto-limitada, de uma doença grave que pode ser fatal. urgências médicas – mesa redonda S 166 XX reunião do hospital de crianças maria pia No exame objectivo é fundamental procurar sinais de traumatismo, sinais de infecção do SNC, marcas de injecções (drogas de abuso), sintomatologia cardíaca, observar o tamanho das pupilas, simetria e reacção à luz. A investigação deve ser dirigida pensando nas principais causas prováveis para a alteração do estado de consciência, com base na história e no exame objectivo. O EEG pode ser útil nos estados confusionais (é geralmente normal nos quadros psiquiátricos, apresenta alterações nas encefalopatias orgânicas). Na abordagem nas situações de diminuição da excitabilidade neuronal como a letargia e coma, o exame objectivo deve ser dirigido no sentido de determinar o local anatómico das alterações cerebrais (alteração difusa? ou multifocal?) e determinar a sua etiologia. Os estados de letargia e obnubilação estão relacionados com uma depressão moderada da função dos hemisférios cerebrais. Os estados de estupor e coma estão relacionados com disfunção hemisférica mais extensa ou atingimento das estruturas diencefálicas e parte superior do tronco cerebral Os aspectos mais importantes que devemos avaliar são: 1-Estado de consciência, 2-Padrão respiratório, 3-Tamanho e reacção das pupilas, 4- Movimentos oculares, 5-Resposta motora. A escala de coma pediátrico deve ser usada em todas as situações com risco de depressão da função cerebral: TCE, infecções do SNC, estado de mal epiléptico, descompensações metabólicas, falência hepática, falência renal, encefalopatia hipertensiva, etc. Após estabilização do doente devemos tentar obter uma imagem cerebral, se esta não esclarecer a etiologia deve- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 mos efectuar uma punção lombar com medição da pressão do líquor. O estudo analítico é fundamental para identificar situações de acidose, hipo/hiperglicemia, hipo/hipernatrémia, falência hepática/renal, anemia hemolítica, etc. PRINCIPAIS ETIOLOGIAS E TRATAMENTO DAS ALTERAÇÕES DO ESTADO DE CONSCIÊNCIA Relativamente às etiologias das alterações do estado de consciência, podem ser as mais variadas: Infecciosas/pós infecciosas; Tóxicas; Metabólicas; Doenças sistémicas; Situações Hipóxico-Isquémicas; Vasculares; TCE, Epilepsia etc. Quando o quadro de alteração do estado de consciência tem um padrão recorrente devemos pensar em algumas etiologias, que podem ser frequentes como a enxaqueca e a epilepsia, ou situações mais raras como alguns quadros metabólicos e endócrinos. Nunca devem ser esquecidos os quadros de toxicidade por drogas. A maioria das causas metabólicas são desencadeadas por quadros infecciosos e situações de jejum prolongado e o quadro de alteração do estado de consciência geralmente surge de forma sub aguda. As situações infecciosas como as meningites e encefalites devem ser sempre consideradas dado terem um tratamento específico, e se não tratadas precocemente podem ter uma evolução desfavorável. A Encefalomielite aguda disseminada (ADEM) tem também um tratamento específico, devendo ser diagnosticada precocemente. O diagnóstico clínico pode ser difícil se não pensarmos nessa possibilidade, a RMN faz o diagnóstico. As situações relacionadas com TCE geralmente são fáceis de identificar pela história e exame objectivo. Relativamente aos tóxicos, nos adolescentes não esquecer a possibilidade de intoxicação alcoólica e consumo de drogas. Alguns fármacos podem dar alteração do estado de consciência por reacção idiossincrática (etosuximida, barbitúricos, antihistamínicos, corticoides, aminofilina, propranolol, etc. ) é importante nestas situações a colheita de uma boa história clínica. O tratamento das alterações do estado de consciência, como em todas as situações de urgência, passa primeiro pela estabilização do doente (vias aéreas, respiração, circulação), rápida correcção de hipoglicemia que possa existir e se há depressão respiratória administrar Naloxona. Após estabilização o tratamento deve ser sempre dirigido à causa da alteração do estado de consciência, pensar prioritariamente nas situações tratáveis! CONCLUSÃO As situações de alteração do estado de consciência podem ter as mais variadas causas e será impossível o médico estar familiarizado com todas elas. Após esta apresentação pretende-se que sejam capazes de identificar as principais etiologias e saber como distinguir as de causa médica das de causa estrutural, como avaliar rapidamente no SU uma criança com alteração do estado de consciência, como orientar a investigação, reconhecer as situações em que a imagem de RMN cerebral poderá ser fundamental e finalmente ter um esquema organizado de orientação terapêutica. ALTERED STATES OF CONSCIOUSNESS ABSTRACT Alterations in the state of consciousness are a frequent neurological emergency. Doctors should be able to recognise these situations and identify the common causes of altered level of consciousness in order to develop a plan for evaluate and treat correctly. We define alterations of the level of consciousness when spontaneous activity and responses to environmental stimuli differ from those expected by the examiner. The authors present the main aetiologies, the diagnostic approach and treatment. Nascer e Crescer 2008; 17(3): 166-167 BIBLIOGRAFIA 1. Avner JR. Altered States of Consciousness. Pediatrics in Review 2006; 27:331-338 2. Gerald M. Fenichel. Clinical Pediatric Neurology. 5th ed.: Saunders 2005 3. Jean Aicardi. In: Martin C.O. Bax, Michael Pountney, Pamela A Davides e tal. (ed). Disease of Nervous System in Childhood. 2th ed.London: Mac Keith Press 1998 4. Richard A.C. Hughes. In BMJ Publishing Group. Neurological Emergencies. 2th ed. London: Thanet Press Limited, Margate 1997 5. Kirkham FJ, Newton CRJC, Whitehouse. Paediatric coma scales. Developmental Medicine and Child Neurology 2008, 50: 267-274 urgências médicas – mesa redonda XX reunião do hospital de crianças maria pia S 167 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Urgências Psiquiátricas na Adolescência Otília Queirós1 RESUMO Procedeu-se à revisão dos episódios de urgência pedopsiquiátrica ocorridos entre Julho de 2007 e Junho de 2008; foram identificados 975 episódios de urgência, o que corresponde a um aumento de 49,7% quando comparado com um estudo efectuado em 1997, sendo esse aumento atribuível a um acréscimo de episódios em adolescentes. Do total de 975 episódios de urgência consultados, 741 (76%) correspondiam a adolescentes (entre os 12 e os 18 anos), sendo esta a amostra que foi analisada. Entre os adolescentes foi o sexo feminino e a faixa etária entre os 14 e os 17 anos quem mais procurou a urgência de Pedopsiquiatria. Os motivos de urgência mais frequentes foram os comportamentos suicidários e as alterações do comportamento. As perturbações da adaptação, as perturbações depressivas e as de ansiedade foram os quadros psiquiátricos mais diagnosticados. A maioria dos comportamentos suicidários correspondeu a ingestões medicamentosas que são mais frequentes no sexo feminino e estão associadas a uma elevada frequência de perturbações da adaptação e de quadros depressivos. As alterações do comportamento são ligeiramente mais frequentes no sexo masculino e associam-se a uma grande variedade de diagnósticos. Neste artigo são ainda revistos alguns aspectos relativos à abordagem de adolescentes com perturbação psiquiátrica, incluindo os que se apresentam com quadros de agitação e agressividade. __________ 1 Pedopsiquiatra do Departamento de Pedopsiquiatria do HMP- CHP Palavras-Chave: Adolescência; Urgência; Psiquiatria. Nascer e Crescer 2008; 17(3): 168-172 INTRODUÇÃO Uma série de estudos tem relatado um aumento das urgências pedopsiquiátricas e um maior número de crianças e adolescentes que recorrem as urgências pediátricas devido a problemas psiquiátricos(1,2,6); alguns desses estudos(1) apontam para um aumento dos episódios de urgência, mas sem que se verifique um aumento das situações consideradas verdadeiramente urgentes, tais como tentativas de suicídio, auto-agressões e psicoses; em vez disso os diagnósticos mais prevalentes foram o abuso de substâncias, as perturbações de ansiedade e as perturbações da conduta. O Serviço de Urgência de Pedopsiquiatria do Hospital Maria Pia teve início em 1992, tendo desde então sofrido várias reestruturações funcionais; inicialmente integrado na Urgência Pediátrica do Hospital Maria Pia, desde Outubro de 2006, data em que foi renomeado Unidade de Atendimento Urgente (U.A.U.), que funciona nas instalações deste Departamento, encontrando-se isolado das outras especialidades e tendo passado a receber unicamente doentes referenciados por outras Urgências Hospitalares ou por Consultas de Pedopsiquiatria de outros Hospitais, permitindo apenas o acesso directo a doentes que se encontrem em seguimento no Departamento. Trata-se da única urgência pedopsiquiátrica existente no Norte do Pais, e como tal assegura o atendimento urgente de casos provenientes dessa área geográfica recebendo também varias situações provenientes da região Centro urgências médicas – mesa redonda S 168 XX reunião do hospital de crianças maria pia (sobretudo dos Concelhos que se encontram geograficamente mais próximos e com maior facilidade de acesso ao Porto). Funciona das 8 às 20 horas, todos os dias, e atende crianças e jovens até aos 18 anos. Um grande número das situações observadas na nossa urgência ocorre em adolescentes. Durante a adolescência regista-se um aumento da conflitualidade com os pais, alterações do humor ou comportamentos de risco (consumo de álcool e drogas, envolvimento em actividades delinquentes, sexo não protegido, tentativas de suicídio) que são uma causa importante de morbilidade e mortalidade(3), e que podem motivar uma procura acrescida de cuidados psiquiátricos urgentes. Com o objectivo de melhor caracterizar as situações que conduzem os adolescentes à urgência de pedopsiquiatria procedeu-se à revisão dos episódios de urgência relativos a jovens entre os 12 e os 18 anos que, durante o período de um ano, foram observados na U.A.U. MATERIAL E MÉTODOS Foram consultados os episódios de urgência ocorridos durante o período de 12 meses (de Julho de 2007 a Junho de 2008) e seleccionados os que correspondiam a adolescentes (entre os 12 e os 18 anos). De um total de 975 episódios de urgência que foi possível consultar constatou-se que 741 (76%) correspondiam a jovens de idades situadas entre os 12 e os 18 anos, sendo esta a amostra que foi objecto de análise. Além da caracterização por sexo e idade foi averiguado o motivo de recurso à urgência, o diagnóstico provisório aí atribuído, assim como o encaminhamento proposto. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 140 120 número de episódios RESULTADOS Esta amostra é constituída maioritariamente pelo sexo feminino (515 casos, o que corresponde a 69,5 %) e em termos de idades constata-se que foi entre os 14 e os 17 anos que se registou um maior número de episódios de urgência, tendo sido sobretudo o sexo feminino que contribuiu para este acréscimo uma vez que no sexo masculino a afluência permaneceu relativamente estável durante a faixa etária em estudo (Figura 1). Os motivos de urgência (Quadro I) foram variados constatando-se um predomínio de comportamentos suicidários, logo seguidos pelas alterações comportamentais; no seu conjunto estas situações constituíram 51% do total de episódios de urgência. Outros motivos com uma representação ainda significativa nesta amostra foram a sintomatologia ansiosa e depressiva, as queixas somáticas, a ideação suicida, as auto-mutilações e as alterações do sono; a sintomatologia psicótica (delírios, alucinações, acompanhados ou não de estados de agitação psicomotora) constituiu apenas 1,7% dos motivos de urgência. Os diagnósticos atribuídos na urgência (Quadro II) têm um carácter necessariamente provisório e como tal são muitas vezes revistos na sequência de acompanhamentos posteriores; eles revestem-se essencialmente de um carácter operacional, sendo importantes na determinação da orientação terapêutica. Em 38 casos (5,1%) não foi, no entanto, possível definir um diagnóstico provisório (tendo sido consideradas situações “em estudo”). Nos restantes realça-se a frequência de perturbações da adaptação, assim como as perturbações do humor e as perturbações de ansiedade. Relativamente à orientação proposta após observação na urgência, 122 casos (16,5%) foram internados e 84 (11,3%) orientados para a Consulta de Crise na Adolescência (trata-se de uma consulta diferenciada destinada ao atendimento de situações observadas na urgência pedopsiquiátrica e consideradas em crise, mas para as quais não se justifica o internamento; atende unicamente adolescentes residentes na área de atendimento do 100 80 Fem 60 Masc 40 20 0 12 13 14 15 idade 16 17 18 Figura 1 – Distribuição dos episódios de urgência na adolescência mediante o sexo e idade Quadro I – Motivos de Urgência Motivo de Urgência Total Sexo feminino Sexo masculino n % Comportamentos suicidários 163 31 194 26,2% Alterações do comportamento 86 98 184 24,8% Sintomatologia ansiosa 53 29 82 11% Sintomatologia depressiva 42 10 52 7% Queixas somáticas 38 14 52 7% Ideação Suicida 28 3 31 4,2% Auto-mutilações 23 2 25 3,4% Alterações do sono 10 11 21 2,8% Perturbações do comp. alimentar 16 0 16 2,2% Sintomatologia psicótica 6 7 13 1,7% Outros 50 21 71 9,6% Quadro II – Diagnósticos Diagnóstico Provisório n % Perturbações da Adaptação 211 28,5% Perturbação Depressiva 111 14% Perturbações de Ansiedade 96 13% Perturbação da Conduta 43 5,8% Atraso Mental 35 4,7% Perturbação Psicótica 26 3,5% Perturbação do Comportamento Alimentar 26 3,5% Perturbação do Humor S.O.E. 26 3,5% Perturbação Emocional e do Comportamento 26 3,5% Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção 14 1,9% Sem diagnóstico atribuído (“em estudo”) 38 5,1% Outros 89 12% urgências médicas – mesa redonda XX reunião do hospital de crianças maria pia S 169 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Departamento). A maioria das restantes situações foi orientada directamente para a Consulta Externa de Pedopsiquiatria do Departamento ou de outros Hospitais (conforme a área de residência do adolescente). Uma análise mais detalhada dos motivos de urgência mais frequentes na adolescência permite constatar que, no que diz respeito aos comportamentos suicidários estes consistiram essencialmente em ingestões medicamentosas (183 casos), tendo-se apenas registado 11 tentativas de suicídio em que foram utilizados outros métodos. A grande maioria das ingestões medicamentosas (84%) foi efectuada por adolescentes do sexo feminino, sendo que foi aos 15 e aos 16 anos que se registou o maior número de casos (103 casos). A avaliação diagnóstica das ingestões medicamentosas concluiu pela existência de perturbações de adaptação em 100 casos (54,6%), perturbações depressivas em 40 adolescentes (21,9%), tendo aos restantes sido atribuídos diversos diagnósticos; em 15 casos (8,2%) não foi possível definir um diagnóstico provisório. Dos adolescentes que tinham efectuado ingestões medicamentosas 42 (23 %) necessitaram de internamento e 34 (18,6%) foram orientados para a consulta de crise. Em relação às alterações do comportamento constatou-se que, contrariando a tendência geral na adolescência, o número de rapazes foi ligeiramente superior ao das raparigas. A nível de diagnóstico constatou-se uma grande variedade de situações sendo as mais representativas as perturbações da conduta, logo seguidas das perturbações de adaptação e atraso mental; de referir que 7 adolescentes apresentavam um quadro psicótico (Quadro III). de atendimento, atendimento ou não de casos não referenciados) também podem condicionar o número de casos anualmente observados na urgência pedopsiquiátrica. No entanto, se comparamos os dados deste estudo com o de um outro efectuado neste Departamento há 11 anos(5), constata-se um aumento de 49,7% (975 no estudo actual, 651 casos no estudo de 1997) no número total de episódios de urgência; de referir que no estudo actual não foi possível consultar a totalidade dos registos de urgência efectuados, e que embora em 1997 o atendimento se restringisse aos dias úteis era, por outro lado, permitido o acesso directo por parte dos utentes à urgência de Pedopsiquiatria, situação que actualmente não se verifica. Assim, este aumento é consistente com estudos efectuados noutros países e que apontam para uma maior procura de cuidados urgentes pedopsiquiátricos(1,2,6). Comparando os 2 estudos, no que concerne à distribuição etária, constatase que no estudo de 1997, 57,4% dos casos correspondiam a doentes entre os 11 e os 18 anos, enquanto no estudo actual 76% correspondiam a adolescentes entre os 12 e os 18 anos. Estes dados permitem-nos deduzir que terá sido particularmente a nível da população adolescente Quadro III – Diagnósticos atribuídos às alterações do comportamento Diagnóstico atribuído às Alterações do Comportamento n (%) Perturbação da Conduta 35 19% Perturbações da Adaptação 34 18,5% Atraso Mental 32 17,4% Pert. Emocional e do Comportamento 11 6% Pert. Hiperactividade e Défice de Atenção 10 5,4% Perturbação do Humor S.O.E 9 4,8% Pert. Invasivas do Desenvolvimento 7 3,8% Perturbação depressiva 7 3,8% Perturbação psicótica 7 3,8% Sem diagnóstico (em estudo) 10 5,4% Outras 22 11,9% DISCUSSÃO No nosso Departamento não dispomos de estatísticas fiáveis que nos permitam estudar as tendências de procura da urgência pedopsiquiátrica ao longo do tempo; por outro lado as várias alterações funcionais que têm sido efectuadas nos últimos anos (alterações no horário urgências médicas – mesa redonda S 170 que se verificou um aumento do número de episódios de urgência. Em relação aos motivos de urgência na adolescência constata-se que os ataques ao corpo e os comportamentos agidos constituem a via preferencial de expressão do sofrimento psíquico do adolescente em situação de crise. Neste estudo os comportamentos e as situações de risco auto-lesivo (comportamentos suicidários, auto-mutilações, ideação suicida) foram predominantes entre os motivos de urgência, justificando, na sua globalidade, cerca de 1/3 (250 casos) dos episódios de urgência. Tal como se verifica noutros estudos(4) foi no sexo feminino que estas situações preponderaram. Pela sua frequência, e o risco que comportam, as ingestões medicamentosas constituem uma situação preocupante; embora a grande maioria corresponda a condutas parassuicidárias (ou seja, não são perpetradas com uma consistente intenção suicida), há que ter em conta que, contrariamente ao que se verifica em adultos, nos adolescentes não existe uma nítida relação entre a letalidade médica de uma tentativa e a intenção suicida(1); adolescentes mais jovens podem não ter uma consciência clara dos efeitos do seu gesto mas não XX reunião do hospital de crianças maria pia NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 quer dizer que não tenham intenção; por outro lado a impulsividade é um importante factor de risco de suicidalidade e grande parte das ingestões medicamentosas na adolescência reveste-se de um carácter marcadamente impulsivo, em que a avaliação da eventual letalidade não é tida em conta. As alterações do comportamento, tal como documentado noutros estudos(4) são mais frequentes no sexo masculino e tendem a ter maior expressividade em idades mais jovens. Os padrões disruptivos de comportamento têm uma causalidade multideterminada, desenvolvendo-se a partir de interacções complexas entre o temperamento do adolescente e o ambiente; factores psicológicos e sociais e processos neurobiológicos influenciam o seu aparecimento6. Adolescentes provenientes de ambientes familiares pouco estruturados, caóticos ou violentos podem reagir agressivamente a situações de stress ou confronto. Neste estudo constatou-se que as alterações do comportamento correspondiam a uma grande variedade de diagnósticos, o que vai ao encontro da literatura(6); de facto as alterações do comportamento podem surgir num grande espectro de condições psiquiátricas, sendo importante estabelecer um diagnóstico que oriente o plano terapêutico. Um importante factor de risco para o aparecimento de alterações do comportamento e crises de agressividade é a existência de dificuldades no controle de impulsos(6); a impulsividade é um sintoma comum a diferentes quadros psiquiátricos que também foram identificados neste estudo (perturbação de hiperactividade e défice de atenção, mania, perturbação da conduta, atraso mental, autismo e outras perturbações invasivas do desenvolvimento); os estados psicóticos especialmente os caracterizados por mania, conteúdos paranóides ou alucinações de comando também se associam a comportamentos agressivos. O uso de drogas é também um precipitante de comportamentos disruptivos e agressivos, quer pela diminuição do discernimento, aumento da irritabilidade e desinibição comportamental que pro- vocam, como pela exposição a situações potencialmente ameaçadoras6. Embora neste estudo raramente tenha constituído o diagnóstico primário ou o principal motivo de urgência, o consumo de drogas é frequentemente constatado em adolescentes que se apresentam com alterações do comportamento. A grande frequência de perturbações da adaptação diagnosticadas na globalidade dos adolescentes que recorreram à urgência atesta o forte contributo de factores de natureza ambiental (relacional, familiar, escolar, social) para o aparecimento de situações de desequilíbrio emocional e comportamental nestas idades. ABORDAGEM DO ADOLESCENTE COM PROBLEMAS PSIQUIÁTRICOS NO SERVIÇO DE URGÊNCIA Na avaliação psiquiátrica parte-se do princípio que foi feita uma avaliação médica e excluídas causas orgânicas subjacentes aos sintomas psiquiátricos; doenças somáticas que se apresentam com sintomas psiquiátricos ou complicações médicas que resultam do consumo de substâncias têm de ser sempre tidas em conta(1). Estados tóxico-metabólicos resultantes de intoxicações ou provocados por fármacos, encefalopatias ou doenças médicas podem provocar delirium com comportamento desorganizado ou agressivo; problemas neurológicos como estados pós-concussionais, lesões do lobo frontal e epilepsia do lobo temporal associam-se a irritabilidade e crises de agressividade(6). A avaliação de uma urgência psiquiátrica implica conduzir uma concisa, embora detalhada, entrevista clínica e a capacidade de diferenciar uma verdadeira emergência de uma “crise” assim definida pela família. Uma emergência é uma “situação de início relativamente abrupto na qual existe risco eminente para o próprio ou terceiros, nomeadamente: 1-risco de suicídio; 2-risco de lesão física de terceiros; 3- estados de sério compromisso do juízo crítico no qual o individuo sofre perigo; ou 4- situações de risco para uma vítima indefesa”(1). As urgências pedopsiquiátricas são sobretudo o resultado de processos com- plexos que se desenvolvem gradualmente ao longo do tempo mais do que eventos súbitos e isolados(6); ocasionalmente um adolescente com uma vulnerabilidade particular pode descompensar psiquiatricamente de forma abrupta na presença de algum evento traumático ou processo orgânico; o mais frequente é, no entanto, que os sintomas emocionais e comportamentais que levam o adolescente à urgência sejam o corolário de uma longa história de dificuldades emocionais ou comportamentais. Ao contrário do que sucede em adultos, são normalmente os pais ou cuidadores quem etiqueta a situação como “crise” ou identifica a necessidade de cuidados urgentes. O adulto pode sentir-se ultrapassado na sua capacidade para lidar com o comportamento do adolescente ou pode interpreta-lo como perigoso ou inapropriado; ou seja, por vezes não é o comportamento do adolescente em si mas a interpretação do adulto cuidador que é significante. É papel do médico avaliar se está perante uma verdadeira urgência, determinar se o comportamento do adolescente representa uma mudança no seu funcionamento habitual e se é clinicamente relevante, ou se é uma reacção a um ambiente específico ou cuidador(1). Embora os adolescentes venham habitualmente acompanhados à urgência, é recomendável que eles sejam ouvidos sozinhos para que não se sintam ignorados; esta atitude veicula a mensagem de que eles vão ser incluídos na avaliação e, se apropriado, na tomada de decisões. Entrevistar exaustivamente um adolescente em frente aos pais irá resultar, provavelmente, na minimização dos seus sintomas e / ou comportamentos de risco (como actividade sexual, consumo de drogas, ideação suicida) e, portanto, deve ser evitada(1). Os pais e outros informadores deverão ser ouvidos num segundo tempo. Muitos adolescentes não vêm à urgência por sua vontade e podem considerar a avaliação psiquiátrica como um castigo por algo que fizeram ou podem ter algumas fantasias sobre o papel do clínico: que lhe vai dar uma “lição de moral”, ou que se vão ter uma entrevista urgências médicas – mesa redonda XX reunião do hospital de crianças maria pia S 171 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 psiquiátrica é porque estão loucos; todas estas questões devem ser abordadas directa e indirectamente para que uma entrevista tenha sucesso. Os adolescentes que recorrem à urgência podem ser violentos, agitados e opositivos, particularmente se foram trazidos contra a sua vontade, ou se não estão de acordo em como se apresentam em crise(1). Perante um adolescente agitado ou agressivo a primeira prioridade é a segurança: do paciente e dos outros, incluindo a do médico. O médico nunca deve ficar isolado com um doente agressivo sem que tenha a possibilidade de rapidamente mobilizar ajuda; deve colocar-se entre o doente e a porta de modo a poder ter uma saída desobstruída por onde possa rapidamente colocar-se a salvo; o espaço de entrevista também não poderá ter instrumentos cortantes, cordas ou outros objectos perigosos, incluindo equipamento médico(6). Na entrevista com estes doentes deve ser colocada a ênfase numa abordagem calma, não ameaçadora, usando uma comunicação clara e definindo os limites. Nos casos de doentes gravemente agitados ou psicóticos pode ser necessário recorrer à contenção física e /ou química; entende-se por contenção química a “medicação usada para controlo comportamental ou para restringir a liberdade ou movimentos de um paciente e que não é o tratamento específico para a condição médica ou psiquiátrica do doente”(1). CONSIDERAÇÕES FINAIS Os problemas psiquiátricos são uma das principais causas de morbilidade na adolescência e podem estar na origem de situações que requerem um atendimento urgente. A urgência pedopsiquiátrica deverá estar, idealmente, integrada numa Urgência Geral onde exista a possibilidade de articulação com outras especialidades (nomeadamente a Pediatria) e de apoio do Serviço Social. Deve, no entanto, dispor de um espaço de atendimento próprio, preparado de forma a garantir as necessárias condições de privacidade e segurança, e ter apoio de enfermagem com experiência em lidar com casos psiquiátricos. A urgência pedopsiquiátrica deve estar englobada numa rede integrada de cuidados de Saúde Mental Infantil e Juvenil que, em articulação com as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, Segurança Social e Tribunais de Menores, tenha capacidade para proporcionar atempadamente uma resposta adequada para as situações de crise que se apresentam na Urgência de modo a evitar repetidos recursos aos Serviços de Urgência ou internamentos desnecessários e inapropriados. Nascer e Crescer 2008; 17(3): 168-172 BIBLIOGRAFIA 1. Goldstein AB, Finding RL. Assessment and Evaluation of Child and Adolescent urgências médicas – mesa redonda S 172 XX reunião do hospital de crianças maria pia 2. 3. 4. 5. 6. Psychiatric Emergencies - Psychiatric Times, 2006, vol. 23 nº 9. Goldstein AB, Horwitz SM. Child and Adolescent Psychiatric Emergencies in Nonsuicide-Specific Samples; The State of the Research Literature. Pediatric Emergency Care, 2006;.22 (5):379-384. King RA. Adolescence in M. Lewis (ed.) 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Este tipo de mastoidite, com evidências radiológicas de colecção ou espessamento da mucosa das células pneumatizadas da mastóide, não constitui uma mastoidite clínica, visto resolver-se com a cura da otite. A persistência da infecção na mastóide constitui sim, uma complicação, que pode assumir diversas formas(9): RESUMO A mastoidite aguda é a complicação intratemporal mais frequente da Otite Média Aguda e continua a ser uma infecção grave. A sua incidência diminuíu após a introdução da terapêutica antibiótica, no entanto, a morbilidade e a mortalidade continuam sendo significativas. Nascer e Crescer 2008; 17(3): 173-176 INTRODUÇÃO Uma das doenças mais prevalentes, sobretudo na infância, é a Otite Média. As complicações resultantes desta doença, apesar de pouco frequentes, podem apresentar índices elevados de morbi-mortalidade, especialmente se envolverem o Sistema Nervoso Central(3). A complicação mais frequente no decurso da Otite Média Aguda (OMA) é a MASTOIDITE AGUDA, que se manifesta habitualmente na criança(6) (Figura 1). A incidência desta complicação diminuiu notavelmente nos últimos anos , devido à terapêutica antibiótica precoce da OMA(7). Na era pré-antibiótica detectava-se em 20% dos casos(3). Actualmente, estima-se uma incidência entre os 0,2% e os 2% nos países industrializados.(8,13,14) Estudos recentes parecem, no entanto, demonstrar um aumento desta incidência, afectando principalmente crianças com menos de 2 anos de idade(3) e que mesmo com uso de antibioterapia esta patologia persiste, sendo responsável por morbilidade significativa e passível de complicações. __________ 1 ORL Hospital Maria Pia / CHP Figura 1 Este fenómeno pode ser explicado pelo aumento de resistência aos antibióticos (50 a 100% estavam a usar algum tipo de antibiótico antes do diagnóstico de mastoidite aguda) , ao uso indiscriminado dos mesmos (seja na dose, duração ou escolha), e ao risco aumentado de OMA recorrente com a frequência precoce de infantários(3). PATOGENIA A progressão de Otite Média Aguda até um quadro de mastoidite coalescente, percorre etapas bem estabelecidas podendo, no entanto, resolver-se em certas fases intermédias(3). Dada a continuidade anatómica entre o ouvido médio e a mastóide, sempre que há uma Otite Média Aguda ou uma otite média com ou sem efusão, há uma A - Mastoidite Coalescente – existe destruição das trabéculas ósseas mastoideas, transformando a mastóide numa cavidade única. Esta infecção pode estender-se (Figura 2) para : - Região Retroauricular, originando um abcesso localizado atrás do pavilhão , empurrando-o antrolateralmente. Pode haver ruptura e drenagem espontânea com fistula retro-auricular. - Triângulo Posterior Cervical, através do apex mastoideo, dando origem ao Abcesso de Bezold . - Raíz da apófise zigomática, (se está pneumatizada), dando origem ao Abcesso préauricular ou Abcesso Zigomático . - Apex petroso, (se está pneumatizado), dando origem a uma Petrosite. - Labirinto, dando origem a uma Labirintite difusa - Seio lateral, originando uma Tromboflebite do seio lateral - Endocraneo, (Meningite, abcesso do lóbulo temporal ou do cerebelo) - Trompa de Eustáquio ( Paralisia facial) urgências cirúrgicas – mesa redonda XX reunião do hospital de crianças maria pia S 173 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 recimento da hipertermia) é também significativo. O doente, geralmente, apresenta : - Otalgia - Febre - Dor na palpação mastoidea (ou dor retroauricular persistente ou recorrente) - Proptose auricular - Eritema e desaparecimento do sulco retroauricular. - Na otoscopia observa-se uma membrana timpânica inflamada e espessada, mas também pode estar perfurada ,com saída de otorreia mucopurulenta. Pode também verificar-se a descida da parede posterosuperior do canal auditivo externo. B - Mastoidite Latente – a inflamação persiste na mastóide apesar da aparente resolução do processo no ouvido médio. A TAC revela opacificação das células mastoideas com conservação das trabéculas ósseas, logo, sem osteite. C - Mastoidite Crónica – acompanha a otite média crónica, revelando a TAC osteite, granuloma de colesterol, ou colesteatoma. A - Anamnese / B - Exame físico do doente O diagnóstico é essencialmente clínico. O registo de antecedentes de Otite Média Aguda de repetição surge em aproximadamente 50% das crianças. O relato de Otite Média Aguda que persiste ou se agrava (intensificação da otalgia, da hipoacusia ou reapa (Na mastoidite clássica a protusão auricular e a celulite retroauricular são essenciais para o diagnóstico. Em 80 a 100% dos casos existe edema retroauricular)(3) - Se existe um abcesso subperióstio (Figuras 3 e 4): Tumefacção mole sobre a mastóide que pode ter eritema. Desaparecimento do sulco retroauricular. Empurramento lateral do pavilhão auricular. Dor intensa à pressão retroauricular. - Se existe um abcesso de Bezold: Tumefacção dolorosa das partes moles da face lateral do pescoço com torcicolo antiálgico. (B e C ultrapassam o âmbito deste trabalho) Os factores que favorecem a evolução para Mastoidite são(7): - Bloqueio da drenagem das secreções na mastóide - Virulência do microorganismo - Resistência do hospedeiro - Tratamento pouco criterioso da Otite Média Aguda. DIAGNÓSTICO O diagnóstico de mastoidite aguda é feito com base em: A - Anamnese B - Exame físico do doente C - Evidências radiológicas da TAC Figura 3 urgências cirúrgicas – mesa redonda S 174 XX reunião do hospital de crianças maria pia Figura 4 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 - Se existe um abcesso zigomático Edema palpebral Tumefacção e dor à pressão da região préauricular - Petrosite Cefaleia profunda Sinais meníngeos - Se existe um Síndrome de Gradenigo: Paralisia dos oculomotores com neuralgia facial e sintomatologia ótica C - Evidências radiológicas da TAC Áreas de erosão óssea mastoidea com perda de septação Níveis hidroaéreos nas células mastoideas Na disponibilidde da TAC, o RX simples da mastoide (incidência de Schuller) perde o seu papel no diagnóstico de mastoidite. A especificidade do RX é muito baixa para este diagnóstico na criança. A TAC tanto temporal quanto cerebral, deve ser realizada não só para avaliar as alterações ósseas progressivas da mastoidite, mas também das complicações intracraneanas, (ponderar também neste caso a RMN cerebral), sendo muito sensível mesmo na fase inicial da mastoidite. - Os achados laboratoriais frequentemente encontrados são: Leucocitose VSG aumentada PC reactiva aumentada Anemia ( principalmente se infecção por St. Pneumoniae) - Pseudomona aeroginosa - Anaerobios - … TRATAMENTO Os objectivos do tratamento da mastoidite aguda, incluem:(10) - Resolução da doença otomastoidea - Preservação da função do ouvido - Principalmente a prevenção de complicações neurológicas potencialmente muito graves As 3 linhas de actuação terapêuticas(10,11) incluem: - Antibióticos endovenosos - Miringotomia - Mastoidectomia Não há consenso quanto ao manejo terapêutico da mastoidite. Alguns autores consideram a mastoidite coalescente, uma doença cujo tratamento é cirúrgico.(3) A maioria dos trabalhos, no entanto, considera uma abordagem mais conservadora, sendo a terapêutica endovenosa a base do tratamento, continuando as indicações e o ˝timing˝ cirúrgico a ser motivo de controvérsia. Deve esperar-se uma franca melhoria dos sinais clínicos nas primeiras 2448 horas de tratamento antibiótico, caso contrário, deverá ser efectuada, se se justificar , uma miringotomia com colocação de tubo transtimpânico e colheita de supuração para Gram e antibiograma. Estes autores concordam que não há necessidade de abertura da mastóide, a menos que haja falha de resposta adequada a antibioterapia sistémica (com ou sem miringotomia) ou evidência clínica e radiológica de complicações intratemporal ou intracraneana. A antibioterapia deve ser de amplo espectro. Verifica-se que são utilizados variados esquemas terapêuticos, cobrindo os agentes patogénicos mais frequentemente implicados. Segundo a maioria dos autores(11) a terapêutica endovenosa deverá ser mantida, enquanto houver sinais clínicos. Após a resolução do eritema , esta deverá ser continuada por via oral, por um período de cerca de duas a três semanas. A proposta terapêutica que apresento, passa pela utilização de uma cefalosporina de 2ª ou 3ª geração, via endovenosa e posteriormente por via oral, pois cobre os agentes patogénicos mais Ponderar hemocultura e exame bacteriológico do exsudado do ouvido médio (se se efectuar miringotomia). DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS - Furúnculo do canal auditivo externo - Linfadenite - Parotidite MICROORGANISMOS ISOLADOS Os agentes isolados mais frequentemente e que reflectem os implicados na otite média são: - Pneumococus - Haemophilus influenzae - Staphylococus pyogenes Figura 5 urgências cirúrgicas – mesa redonda XX reunião do hospital de crianças maria pia S 175 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 frequentemente implicados, seguindo o protocolo de actuação do serviço de ORL do Hospital Maria Pia. PROGNÓSTICO O prognóstico é favorável se não existem complicações adicionais. As mastoidites curam sem sequelas auditivas.(7) PONTOS A RETER : 1 - A mastoidite aguda surge quase sempre na sequência e como complicação da Otite Média Aguda. Esta tem maior incidência nos primeiros anos de vida e também será este grupo etário o mais atingido por aquela complicação (Figura 5) . 2 - A maioria dos estudos refere que aproximadamente 70% efectuou antibioterapia prévia à admissão hospitalar (5,12,15). A escolha da terapêutica da Otite Média Aguda na comunidade deve ser criteriosa, pois poderá conduzir ao aparecimento de estirpes resistentes e complicações. 3 - O tratamento, clínico ou cirúrgico, do amplo espectro de alterações associadas à mastoidite aguda, não é absolutamente seguro.(3) 4 - As complicações intracraneanas, podem acarretar sequelas importantes e inclusivé taxas elevadas de mortalidade.(3) 5 - A mastoidite aguda é sempre uma hipótese de diagnóstico a considerar quando a evolução clínica da Otite Média Aguda não é favorável e perante um quadro de febre de etiologia desconhecida. ACUTE MASTOIDITIS ABSTRACT Acute mastoiditis is the most commom intratemporal complication of acute otitis media and it is still regarded as a serious disease. The incidence has decreased since the introduction of antibiotics,however, the morbidity and mortality rate, are still significative. Nascer e Crescer 2008; 17(3): 173-176 BIBLIOGRAFIA 1. Ghaffar FA, Wordemann M, Mccracken GH. Acute mastoiditis in children:a 17-year experience in Dallas, Texas, Pediatr. Infect. Dis. J. 20 (4) (2001) 376-380. 2. House HP. Acute otitis media: a comparative study of the results obtained in therapy before and after the introduction of the sulfonamid compounds, Arch. Otolaryngol. 43 (1946) 371378. 3. Costa SS, Rosito LPS, Carvalhal LHSK. Mastoidite IV Manual de ORL Pediátrica da IAPO 4. Oestreicher-Kedem Y, Raveh E, Kornreich L, Popovtzer A, Buller N, Nageris B. Complications of mastoiditis in children at the onset of a new millenium, Ann. ORL 114(2005) 147-152 5. 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Os doentes com patologia neurológica crónica grave, têm perturbações funcionais digestivas frequentes e complicadas, que necessitam de avaliação ou tratamento endoscópico. A introdução da endoscopia no estudo da patologia digestiva de todos os grupos etários foi possível, com o desenvolvimento de endoscópios de pequeno diâmetro, 5-6mm, com a evolução das técnicas anestésicas, monitorização e reanimação e constituiu um passo importante no diagnóstico e orientação do respectivo tratamento. A endoscopia digestiva deve ser praticada nas crianças por Gastroenterologistas Pediátricos ou na sua ausência por Gastroenterologistas com conhecimentos de patologia digestiva da criança. A endoscopia digestiva nas suas vertentes de diagnóstico e terapêutica só deve ser realizada em hospitais pediátricos e em hospitais gerais que possuam serviços de Pediatria e Anestesia preparados e tenham assegurado o apoio das Especialidades de Cuidados Intensivos e Cirurgia Pediátrica, indispensáveis ao tratamento de possíveis complicações, sobretudo quando se pratica endoscopia terapêutica. __________ 1 Serviço de Gastroenterologia Pediátrica CHP A selecção dos doentes e a preparação do doente e da família são indissociáveis de uma boa prática da endoscopia pediátrica. Antes da realização de qualquer exame o doente deve ser observado numa consulta da especialidade, para avaliar a necessidade e oportunidade de efectuar um exame deste tipo, que envolve sempre algum risco e constitui para a criança e muitas vezes para os pais, um traumatismo psicológico e também para avaliar possíveis condições de risco ou contraindicações para a sua realização. Sempre que a idade e grau de desenvolvimento o permita, deve ser explicada à criança a natureza e tipo de procedimentos a que vai ser submetida; se possível deve o doente familiarizarse com as instalações e equipamentos que vão ser usados na execução da endoscopia. Deve ser explicada de forma simples a preparação que é necessário efectuar para cada tipo de exame e a sua importância para o êxito do mesmo. Os pais devem igualmente ser esclarecidos de todos os procedimentos que vão ser efectuados, do risco envolvido e dar o seu consentimento escrito para a realização de qualquer técnica de diagnóstico ou terapêutica endoscópica. Desta forma será possível reduzir a ansiedade do doente e da família, a necessidade de medicação ansiolítica, diminuir o stress associado ao exame ou seja aumentar os níveis de satisfação do doente e da família. O ambiente das unidades de endoscopia deve ser decorado de forma a ser o mais acolhedor possível para a criança (alegre, tranquilo, colorido, divertido), que deverá poder ser acompanhada pelos pais até ao início do exame e fazer-se acompanhar do seu objecto preferido. As crianças que vão ser submetidas a endoscopia digestiva devem fazer jejum de 6 a 8 horas, podendo ingerir pequenas quantidades de líquidos claros, água ou chá levemente açucarado até 3 horas antes da realização do exame (incluindo leite materno). A sedação ou a anestesia geral são essenciais para a correcta realização de endoscopia de diagnóstico ou terapêutica na criança e obrigam à presença de uma equipe de anestesia (médico e enfermeira), monitorização do doente (ECG, Oximetria, pulso e tensão arterial) e a sala equipada com fontes de aspiração, ar, gases anestésicos e oxigénio canalizados. É indispensável a existência de um ventilador e equipamento de reanimação acessível. Endoscopia digestiva alta A endoscopia alta pode ser efectuada como já referimos, em qualquer grupo etário desde que seja utilizado endoscópio de diâmetro adequado, <2500gr aparelho 5-6mm, 2500 a 10kg aparelho 7mm e >10Kg um aparelho 9mm. Por regra devemos usar para cada doente o aparelho de maior diâmetro possível. A colheita de biópsias deve ser feita mesmo perante aspecto sensivelmente normal da mucosa, já que só assim será possível por vezes fazer um diagnóstico. As principais indicações da endoscopia alta são a doença de refluxo gastro-esofágico, a hemorragia digestiva, o esclarecimento de vómitos, a disfagia, a anemia e a recusa alimentar, a ingestão de corpos estranhos ou produtos cáusticos ou ainda a realização de biopsias intestinais por suspeita de Doença Celíaca. Atitudes terapêuticas como sejam dilatação de estenoses, hemostase, esclerose de varizes, polipectomia, colo- gastroenterologia pediátrica – curso satélite XX reunião do hospital de crianças maria pia S 177 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 cação de Gastrostomias e próteses são também indicações para utilização desta técnica. As complicações são raras quando o exame é correctamente efectuado e por operador experiente, estimando-se de 0,5 a 1,7%. As mais frequentes estão relacionadas com o processo de anestesia/sedação (broncospasmo, aspiração, excitação paradoxal e reacção alérgica a um fármaco) e outras na dependência do próprio exame (dor na orofaringe, fractura de dentes, hematoma rectrofaríngeo ou duodenal, hemorragia traumática ou perfuração). Em relação às técnicas terapêuticas é importante saber que a dilatação esofágica está indicada no tratamento de estenoses, congénitas, secundárias à cirurgia da atrésia do esófago (cerca de 50% dos operados desenvolvem estenoses mais ou menos acentuadas), à ingestão de cáusticos, ao refluxo G/E especialmente em doentes neurologicamente comprometidos, à esclerose de varizes ou à radioterapia. Na suspeita de uma estenose congénita é importante conhecer a constituição da parede esofágica, o que poderá ser conseguido com a realização de Ecoendoscopia ou Tomografia axial computorizada, já que na ausência de parede muscular o risco de rotura no momento da dilatação é grande pelo que este procedimento não deve ser efectuado. Nas estenoses secundárias à cirurgia da atrésia esofágica, que ocorrem em lactentes, está indicada a dilatação sempre que a criança tem sintomas, recusa alimentar, disfagia ou evolução ponderal inadequada. Podem ser feitas utilizando dilatadores (velas) tipo Savary com fio guia ou balões hidrostáticos com ou sem fio guia, mas sempre que possível com controlo radiológico. A utilização de balões transendoscópicos tem como principal limitação o diâmetro do canal de trabalho do endoscópio, pois exige pelo menos 2,8mm, o que impede a sua utilização em crianças muito pequenas. Nos lactentes com estenoses muito cerradas pode ser útil o recurso aos dilatadores biliares. Na acalásia, situação pouco frequente na pediatria, podemos também recorrer à dilatação com balão (35-40mm), sendo geralmente necessárias diversas sessões (2-3); o risco de perfuração não é totalmente desprezível. Neste grupo etário a miotomia laparoscópica é actualmente a solução mais adequada com vantagens a longo prazo embora outras técnicas estejam descritas. Para a hemostase de lesões sangrantes não varicosas, podemos recorrer a qualquer dos processos actualmente disponíveis (heater probe, electrocoagulação mono o bipolar, laser-argon plasma) no entanto a injecção de 5-10ml de adrenalina (solução a 1/10000) seguida ou não de injecção de substância esclerosante (polidocanol 1%), é a técnica mais fácil de realizar, mais barata e eficaz e pode ser realizada em qualquer centro. Esofagite de refluxo Estenose esofágica Corpo estranho esofágico Dilatação esofágica com balão gastroenterologia pediátrica – curso satélite S 178 Varizes esofágicas XX reunião do hospital de crianças maria pia NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 A utilização de clips hemostaticos e de ansas destacáveis é uma alternativa, embora pouco usual em Pediatria. A hemorragia por varizes do esófago ou do estômago secundária a quadros de hipertensão portal é pouco frequente na criança e quando presente o seu tratamento é idêntico ao efectuado nos doentes adultos, esclerose ou ligadura elástica. As técnicas endoscópicas para tratamento do refluxo Gastroesofágico de introdução são mais recente, sutura endoscópica, tratamento por radiofrequência (Stretta) e injecção de polímeros inertes na submucosa esofágica, não demonstraram ainda cabalmente a sua utilidade nos doentes adultos pelo que a sua utilização em Pediatria deve ser reservada para ensaios terapêuticos. A mucosectomia endoscópica pode utilizar-se na criança para exérese de tumores mucosos (pólipos sésseis ou planos) e submucosos, que são todavia lesões bastante raras. A colocação de gastrostomia endoscópica por via percutânea (PEG), temporária ou definitiva, para alimentação total ou suplementar, em doentes com doenças neurológicas crónicas, doenças metabólicas e perturbações do comportamento alimentar é solicitação frequente num Serviço de Gastrenterologia Pediátrica. É de execução fácil e rápida obrigando a 12-24 horas de internamento. As crianças pequenas têm por hábito introduzir na boca tudo o que conseguem apanhar com as mãos e por isso engolem com frequência objectos estranhos de natureza diversa. A maior parte destes objectos são suficientemente pequenos e pouco agressivos e percorrem o tubo digestivo seguindo o trânsito normal e sem provocar qualquer problema. São expelidos com as fezes cerca de uma semana depois. Os maiores (20mm de largura e 50mm de comprimento) e os mais agressivos têm tendência a parar ao nível do esófago ou do estômago, o que representa cerca de 10 a 20% dos ingeridos; nessas circunstâncias é necessário proceder à sua remoção endoscópica que em regra é bem sucedida embora nem sempre fácil. Quando localizados ao esófago devem ser retirados o mais rapidamente possível; quando localizados no estômago se não forem químicos, pilhas, por exemplo (estes devem ser retiradas nas primeiras 24h) podem aguardar. A extracção de corpos estranhos deve ser feita por médico experiente e com o doente anestesiado e entubado. Centro Hospitalar do Porto- Serviço de Gastroenterologia Pediátrica gastroenterologia pediátrica – curso satélite XX reunião do hospital de crianças maria pia S 179 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Endoscopia digestiva baixa A endoscopia digestiva baixa tem por objectivo a observação do colon do recto e sempre que é possível a porção distal do íleum. A extensão a observar depende da situação clínica do doente e do objectivo a esclarecer ou do tratamento a efectuar. O sucesso do exame depende da correcta preparação pelo que é fundamental conseguir a colaboração do doente e da família para uma boa limpeza intestinal, muitas vezes só possível em internamento hospitalar. A prática que recomendamos é a de usar preparação com laxante e enemas (10ml/KG até 500ml) em crianças abaixo dos 3 anos e solução de polietilenoglicol (2540ml/KG/h) indicada acima dessa idade sempre que não haja contraindicações, como insuficiência renal ou cardíaca; pode ser precedida de aplicação de Bi- sacodil se existe obstipação ou retenção fecal. O doente deve ser preparado para efectuar exame terapêutico se durante a colonoscopia essa indicação surgir, de forma a evitar um segundo procedimento. As indicações para a realização de endoscopia baixa na criança são o esclarecimento de hemorragia digestiva, diarreia aguda ou crónica, as doenças inflamatórias intestinais, para diagnóstico e avaliação da resposta ao tratamento bem como para a detecção das recidivas. O rastreio, diagnóstico e tratamento de poliposes e a vigilância para diagnóstico precoce do cancro em patologias ou doentes de alto risco. Alguns autores consideram ser indicação o tratamento de invaginação. Nas situações de colite alérgica do lactente e na fase aguda das doenças inflamatórias intestinais a realização de rectosigmoidoscopia ou colonoscopia esquerda, até ao ângulo esplénico é suficiente para estabelecer o diagnóstico e a orientação terapêutica. A dor abdominal aguda ou crónica na criança não é por si só indicação para efectuar endoscopia baixa. A perfuração e a hemorragia são as complicações mais frequentes mas que podem ser evitadas com utilização adequada da técnica e operador experiente. O exame terapêutico mais vezes efectuado é sem dúvida a polipectomia endoscópica cuja técnica é igual à utilizada no adulto, sendo em regra os pólipos pequenos, únicos e localizados ao recto e sigmóide e de exérese endoscópica fácil. Todas as técnicas de polipectomia podem ser utilizadas nas crianças devendo ter sempre presente que a parede intestinal é mais fina que a do adulto e em especial no colon direito. A perfuração é uma complicação rara se a polipectomia for Centro Hospitalar do Porto- Serviço de Gastroenterologia Pediátrica gastroenterologia pediátrica – curso satélite S 180 XX reunião do hospital de crianças maria pia NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Doença de Crohn Colite ulcerosa Pólipo do colon correctamente executada e a hemorragia importante pouco freqüente; laçar uma segunda vez o pedículo, usar solução de adrenalina, clips, ansas destacáveis argon/plasma ou outros meios podem ser utilizados para controlo hemorrágico. A hemostase de lesões sangrantes com qualquer dos métodos existentes pode ser realizada e depende da disponibilidade do serviço em meios técnicos e da capacidade do operador, mas em regra o domínio das técnicas de injecção de solução de adrenalina e esclerosante (polidocanol) são suficientes para a resolução dos nossos casos. Outras atitudes de aplicação muito menos freqüente são a dilatação de estenoses (balões), a esclerose de varizes colorectais em situações de hipertensão portal, a cecostomia endoscópica percutânea nas perturbações crónicas da defecação, ou a extracção de corpos estranhos. Estas técnicas devem estar disponíveis em todos os centros que praticam endoscopia terapêutica. ção. Deve ser efectuada apenas em centros altamente especializados e entre nós com a elevada dispersão dos doentes, apenas deve ser realizada em centros que possuam unidades de endoscopia de adultos com experiência nesta técnica. O exame deverá ser feito em colaboração entre o Gastroenterologista e o Gastroenterologista Pediátrico e em unidade que possua apoio de Pediatria, Cirurgia Pediátrica Anestesia e Radiologia. A experiência pediátrica publicada é relativamente pequena, mas a sua análise mostra que os resultados e as complicações na criança são semelhantes aos descritos para as grandes séries dos adultos. Os duodenoscopios actualmente existentes no mercado permitem a realização do exame em qualquer grupo etário, o mais fino tem cerca de 7,5mm de diâmetro e um canal de trabalho de 2mm (Olympus PJF160) e deve ser utilizado antes dos 2 anos de idade. A CPRE está indicada no estudo da patologia biliar, sendo útil no diagnóstico diferencial da colestase neonatal (atrésia das vias biliares, pobreza canalicular sindromática ou não, hepatite neonatal), do quisto do colédoco, definindo a seu tipo dimensão e relação com estruturas vizinhas, coledocolitíase, colangite esclerosante, estenose biliar e patologia traumática das vias biliares. As suas indicações terapêuticas são essencialmente na extracção de cálculos do colédoco (intervenção mais frequente em pediatria), geralmente bem conseguida apenas com dilatação do esfíncter com balão, já que a esfincterotomia deve ser evitada na criança; dilatação de estenoses da via biliar ou colocação de próteses e esfincterotomia nas situações de hipertonia esfincteriana. No síndrome da bile espessa, que ocorre por vezes nos lactentes, a canulação do colédoco ou a simples estimulação da ampola de Water são muitas vezes suficientes para produzir a drenagem da bile e resolver o quadro. Na patologia do pâncreas as suas principais indicações são o diagnóstico da etiologia da pancreatite aguda recorrente (fibrose quística, hiperlipidemia, intoxicação por fármacos, hipercalcemia, pâncreas divisum -5-10% da população geral, duplicação ou divertículo duodenais e anomalias da junção). A CPRE é igualmente útil no diagnóstico da pancreatite crónica, do traumatismo pancreático e tumores. Também nas doenças do pâncreas tem papel terapêutico na drenagem de pseudoquistos, na extracção de cálculos e dilatação de estenoses. É importante referir igualmente a utilidade da CPRE no diagnóstico e sobretudo no tratamento de parasitoses da via biliar e canal pancreático, sendo entre nós mais frequentes a ascaridíase, a hidatidose e a fasciolíse hepática. Em qualquer destas situações terapêuticas a experiência pediátrica é escassa. A complicação mais frequente é a pancreatite aguda (cerca de 8%), cuja ocorrência é maior sempre que o exame é mais difícil, mais traumatizante, resulta- Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica A colangiopancreatografia retrógrada endoscopica (CPRE) é uma técnica de diagnóstico e terapêutica endoscópica especializada, um procedimento técnicamente difícil, de longa aprendizagem e muito pouco acessível aos gastroenterologistas pediátricos, tendo em conta o reduzido número de crianças que anualmente têm indicação para a sua utiliza- gastroenterologia pediátrica – curso satélite XX reunião do hospital de crianças maria pia S 181 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 do de múltiplas tentativas de canulação. É por isso muito importante a experiência do executante na diminuição das complicações. A hemorragia, infecção (colangite) e perfuração são mais raras. O desenvolvimento da colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM) e a sua aplicação ao estudo da paatologia pediátrica, pela sua menor agressividade, facilidade de execução e reduzido número de complicações veio reduzir a aplicação da CPRE diagnóstica neste grupo etário. A Videocápsula endoscópica A videocápsula endoscópica (Given M2A e Olympus) é um método de diagnóstico pouco invasivo que permite a observação endoscópica do tubo digestivo e especialmente do intestino delgado, de difícil acesso e estudo por outros métodos, pelo que tem vindo a ser desenvolvida a sua aplicação pediátrica. O seu uso para o estudo da patologia pediátrica tem todavia algumas limitações resultantes das grandes dimensões da cápsula, 26,4x11mm, que dificultam a sua deglutição e progressão através dos segmentos de transição, piloro e válvula ileocecal. A primeira dificuldade pode ser ultrapassada recorrendo à colocação endoscópica da cápsula e a segunda efectuando teste prévio com a cápsula de patência ou estudo radiológico. A dimensão e o peso do equipamento de gravação não permitem que o exame seja efectuado por crianças pequenas em ambulatório. É assim difícil em geral, a sua utilização em crianças com menos de 17Kg e não aconselhável abaixo dos 10 anos. Há já algumas referências na literatura à sua utilização na criança com resultados promissores. As indicações para a sua utilização em Pediatria são: - Doença de Crohn quando o estudo radiológico do intestino delgado, endoscopia alta e colonoscopia são normais. (Não permite o exame histológico). - Poliposes intestinais (Peutz-Jeghers) - Hemorragia digestiva oculta com endoscopia alta e baixa normais - Tumores do Intestino delgado (leiomioma, linfoma, carcinoide) - Doença Celíaca Dor abdominal crónica Linfangiectasia intestinal) Seguimento de transplantados intestinais. A utilização de uma cápsula de dupla face no estudo do esófago (esofagite e esófago de Barrett) e outra para o cólon, está ainda em fase de estudo na patologia do adulto. A principal complicação do exame é a retenção da cápsula em zona de estenose intestinal pelo que esta deve ser excluída (cápsula de patência ou radiologia) e na dúvida não deveremos realizar esta técnica. A dificuldade de localização exacta das lesões observadas nos diferentes segmentos intestinais e a impossibilidade de efectuar colheita de biopsias ou efectuar procedimentos terapêuticos são as maiores limitações desta técnica. Enteroscopia A enteroscopia é poucas vezes utilizada nas crianças e especialmente difícil de executar nas mais pequenas já que não há aparelhos que se possam usar sem risco. Neste grupo etário, sobretudo abaixo dos 10 anos, quando necessário, deveremos recorrer à enteroscopia per-operatória ou seja com ajuda da laparoscopia ou da laparotomia, utilizando os colonoscópios pediátricos existentes que, em mãos experientes, permite a observação de todo o intestino delgado. Para os doentes maiores, poderemos recorrer à push enteroscopia utilizando por exemplo o enteroscópio Olympus SIF Q140 com 250cm, com recurso sempre que necessário a overtube e se possível com controlo radioscópico. O exame não requer qualquer preparação especial. Foram recentemente introduzidos no mercado dois enteroscópios, com 1 ou 2 balões na sua porção distal, que permitem uma mais fácil progressão ao longo do intestino delgado, que poderá assim ser abordado por via alta ou baixa. Existe já alguma experiência promissora em adultos e esta técnica poderá em breve vir a ser uma opção para a endoscopia de diagnóstico e terapêutica do intestino delgado na criança. gastroenterologia pediátrica – curso satélite S 182 XX reunião do hospital de crianças maria pia As indicações para a enteroscopia na criança são para o diagnóstico as já indicadas para o uso da cápsula endoscópica e para a terapêutica de lesões hemorrágicas, a polipectomia (poliposes), a dilatação de estenoses e a colocação de sondas nasojejunais e a jejunostomia percutânea. O traumatismo da mucosa, a perfuração e a pancreatite, são complicações descritas em especial quando se usa o overtube e pode também ocorrer quadro de íleum transitório após a realização do exame. Ecoendoscopia Na criança as referências à aplicação da ecoendoscopia (aparelhos radiais, lineares ou minisondas) são ainda escassas, tendo em conta a dimensão dos aparelhos existentes e a dificuldade da sua utilização nas crianças sobretudo abaixo dos 10 anos. As suas indicações em Pediatria são: Esófago - Esofagite eosinofílica (espessura da parede) - Estenose congénita (constituição da parede) - Lesões submucosas - Espessura das varizes esofágicas - Biópsia de lesões mediastínicas - Acalásia (espessura muscular) Estômago - Duplicação - Lesões submucosas (leiomiomas, T. estroma, pâncreas heterotópico) - Lesão de Dieulafoy Pâncreas - Lesões tumorais sólidas ou quísticas (biópsia) - Drenagem de pseudoquistos Colon - Varizes colorectais (hipertensão portal) - Malformações (duplicação) - Lesões perianais e perirectais da D.Crohn. No nosso país não há centros Pediátricos especializados nesta técnica e neste momento não parece haver justificação para a sua criação uma vez que são em pequeno número os doentes que NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 poderão beneficiar deste tipo de exame e que por essa razão deverão, de forma seleccionada, efectuá-lo em Serviços de Gastroenterologia diferenciados. ENDOSCOPIA DIGESTIVA EM RECÉM NASCIDOS Hoje a endoscopia digestiva pode ser efectuada em praticamente todos os recém nascidos, prematuros ou não, desde que seja utilizado o aparelho de calibre adequado, ou seja os endoscópios altos de 5 ou 6mm de diâmetro para a endoscopia alta e os mesmos ou um endoscópio de 7-8mm para a endoscopia baixa. Deve ter-se presente que os colonoscópios existentes no mercado e com a designação de Pediátricos têm diâmetros de 11 a 12,9mm e são muito largos para este grupo etário. A realização de endoscopia neste grupo etário deve ser efectuada por profissionais muito experientes, seleccionando bem o aparelho a usar, em sala devidamente equipada (monitorização e reanimação) e com sedação e analgesia ou anestesia, sempre que o exame é mais extenso. No que se refere à endoscopia alta em recém nascidos estima-se a sua necessidade em cerca de 1%. As indicações principais são hemorragia digestiva, vómitos e regurgitação frequente, dificuldade alimentar, disfagia e atraso de evolução ponderal, “aparent life threatening events(ALTEs)”, anemia . Há igualmente indicações terapêuticas possíveis mas mais raras (extracção de corpos estranhos, dilatação de estenoses congénitas e secundárias a cirurgia de atrésia esofágica, gastrostomia, polipectomia e ligação de varizes. Os diagnósticos mais vezes efectuados são: Esofagite, gastrite, ou os dois associados, lesões petequiais e úlceras. Não há dados publicados de incidência. A etiologia destas lesões parece ser multifactorial, incluindo traumatismo de aspiração, hipergastrinemia fisiológica, hiperpepsinogenemia, stress ventilatório, variações tensionais, stress do parto, uso da indometacina como terapêutica para tratamento do canal arterial; uso de corticoides, tolazolina ou morfina que aumentam a secreção ácida por aumento dos valores de histamina ou uso de metilxantinas que diminuem a pressão do esfíncter esofágico inferior e com consequente aumento do refluxo. Consideram-se como protectores: Amamentação, que potencia o esvaziamento gástrico e estimula o peristaltismo esofágico e contem factores de protecção como o inibidor do factor de activação plaquetária. A alimentação enteral é igualmente protectora. Embora não esteja provado que o uso de tratamento inibidor da secreção ácida nestes doentes altere de forma significativa a evolução natural das lesões esôfago-gástricas é aceite a sua utilização. A endoscopia baixa é neste grupo etário quase sempre limitada ao recto e sigmóide, habitualmente suficiente para um diagnóstico e só excepcionalmente ao colon na totalidade. Há algumas dificuldades com a utilização dos acessórios dada a limitação de calibre dos canais de trabalho destes aparelhos. Para a sua realização são utilizados como já referimos anteriormente os aparelhos de endoscopia alta por terem calibre mais adequado. Os exames limitados ao recto e sigmóide não necessitam habitualmente de anestesia ou sedação já que são bem tolerados e são em regra efectuados sem preparação ou precedidos de enemas de soro fisiológico (10ml/ Kg). As indicações mais frequentes são a hemorragia e a diarreia aguda persistente e hemorrágica de etiologia não conhecida. As situações patológicas mais vezes associadas a estes quadros são: enterocolite necrosante neonatal (NEC), a colite alérgica, a colite infecciosa e muito excepcionalmente pólipos ou DII. Para além da polipectomia, pouco frequente, não há outras intervenções terapêuticas neste grupo etário e a este nível. O aspecto mais vezes observado traduz-se por edema, congestão, erosões ou mesmo ulceração da mucosa e isquemia, podendo também ser observado aspecto nodular, umbilicado, correspondendo a hiperplasia dos folículos linfóides. O exame histológico evidencia quadro inflamatório inespecífico podendo apresentar riqueza de eosinófilos, mais de 20 por campo nos casos de etiologia alérgica e hiperplasia linfóide como já se referiu e áreas de necrose em raros casos. Deve realçar-se que o diagnóstico clínico e radiológico de NEC são contraindicação para a realização de colonoscopia. A maior parte dos casos de rectorragias neste grupo etário, estão associadas a alergias ao leite, proteínas do leite de vaca, situação que pode ocorrer com o aleitamento materno exclusivo. A atitude de evicção seguida de observação clínica subsequente é por isso a primeira medida a tomar e só em caso de falência é que se justifica a realização do exame endoscópico. Os hamartomas são pólipos extremamente raros mas que poderão surgir neste grupo etário e justificar quadro de rectorragias. O exame cultural da mucosa rectal é na nossa experiência, raras vezes informativo. Nascer e Crescer 2008; 17(3): 177-184 BIBLIOGRAFIA 1. American Society for Gastrointestinal Endoscopy. ”Modifications in endoscopic practice for pediatric patients”. Gastrointestinal Endoscopy 2000; 52:838-42 2. Olives JP, Bontems P, Costaguta A, Fritscher-Ravens A, Gilder M, Narkewickz M, Ni YH, Spolidoro J and Thomson M. Advances in Endoscopy and Other Diagnostic Techniques: Working Group Report of the Second World Congress of Pediatric Gastroenterology and Nutrition. JPGN, 39: s589-s595, 2004. 3. Fox VL. 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Lima1 O refluxo gastro-esofágico (RGE) define-se como a passagem involuntária de conteúdo gástrico para o esófago sendo um processo fisiológico normal que ocorre em crianças e adultos saudáveis. O RGE ocorre devido a relaxamentos transitórios de esfíncter esofágico inferior, ou por uma adaptação inadequada do tônus do esfíncter a mudanças de pressão intraabdominal. A maior parte dos episódios de refluxo atingem apenas o esófago distal sendo breves e assintomáticos. Regurgitação define-se como a passagem do refluxo gástrico até à faringe. Vómito define-se como a expulsão do refluxo gástrico através da boca. A doença de refluxo gastro-esofágico (DRGE) define-se como o conjunto de sinais ou sintomas que ocorrem da agressão esofágica ou de órgãos adjacentes quando o conteúdo gástrico reflui para o esôfago, orofaringe ou via aérea. As manifestações clínicas incluem vómitos, disfagia, dor abdominal ou retroesternal, má evolução ponderal, irritabilidade do lactente, apneia ou ALTE, pieira ou estridor, tosse e posturas anormais do pescoço e são resultantes de complicações como a esofagite com ou sem estenose, laringite, pneumonia recorrente e anemia. Durante a infância o RGE é muito comum, sendo consequência de uma imaturidade de função do esfíncter esofágico inferior, manifesta-se sobretudo por vómitos ou regurgitação e resolve espontaneamente na quase totalidade dos lactentes entre os 12 e 18 meses. Apenas um pequeno número de lactentes desenvolve sintomas de DRGE. As crianças mais velhas apresentam, habitualmente um padrão do tipo do adulto com pirose, disfagia, recusa ali__________ 1 Serviço de Pediatria do Hospital Maria Pia mentar, epigastralgia, regurgitação e vómitos por vezes de conteúdo hemático. A abordagem diagnóstica varia com a idade e a forma de apresentação. História clínica e o exame físico São habitualmente suficientes para fazer o diagnóstico de RGE e reconhecer as suas complicações. Deve ser dada especial atenção aos sinais de alarme como: vómitos biliares, vómitos com esforço, início após os seis meses, hemorragia gastrointestinal, má evolução ponderal, diarreia, obstipação, febre, letargia, hepatoesplenomegalia, abaulamento da fontanela, convulsões e distensão abdominal, que obrigam ao diagnóstico diferencial com outras patologias como patologia obstrutiva do tracto gastrointestinal, outras doenças como esofagite eosinófilica, alergia alimentar, doença inflamatória intestinal, doença neurológica, metabólica ou endócrina e patologia infecciosa. Radiografia esofagogastroduodenal contrastada (Rx EGD) Não é útil para o diagnóstico de RGE com baixa sensibilidade e especificidade. Pode ser utilizada para detectar alterações anatómicas que podem estar associadas como: estenose pilórica, má rotação intestinal, hérnia do hiato esofágico e estenoses esofágicas. pHmetria esofágica Mede a frequência e duração dos episódios de refluxo ácido calculando o índice de exposição esofágica ao ácido. Deve ser realizada quando se pretende detectar um refluxo ácido anormal, sendo particularmente importante para estabelecer uma relação temporal entre um sintoma e episódios de refluxo ácido e detectar RGE oculto. É útil na avalia- ção de sintomas laríngeos recorrentes, pneumonia recorrente e asma. Pode ser utilizada para avaliação da resposta ao tratamento médico ou cirúrgico. Não é útil na avaliação de vómitos na infância ou de esofagite de refluxo. Endoscopia e biópsia Não são métodos de diagnóstico do RGE, mas permitem detectar alterações anatómicas associadas ao RGE, bem como fazer o diagnóstico das suas complicações, a presença e grau de esofagite, estenoses, esófago de Barrett e permitem excluir outras doenças como D. de Crohn, esofagite eosinófilica ou infecciosa. Cintilograma gastro-esofágico Através da ingestão de uma fórmula marcada com Tecnésio 99 demonstra refluxo de conteúdo gástrico ácido e não ácido e permite avaliar o esvaziamento gástrico. A baixa sensibilidade deste exame e a ausência de valores normais relacionados com a idade limitam o seu valor. A visualização do produto radioisotópico na árvore respiratória às 12-24h permite correlacionar sintomas respiratórios com o RGE. Impedância intra-luminal por multicanais (MII) Detecta os movimentos do bólus (liquído, sólido ou gasoso) no esôfago e distingue a sua direcção quer no sentido retrógrado do estômago ou antogrado para o estômago. É independente do pH e desta forma, permite uma determinação mais adequada da freqüência e duração do refluxo de qualquer tipo no esófago. Os valores normais relacionados com a idade ainda não estão definidos. A utilização da monitorização de pH conjuntamente com a técnica de Impedância permite detectar os episódios de gastroenterologia pediátrica – curso satélite XX reunião do hospital de crianças maria pia S 185 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 refluxo na sua totalidade e uma relação temporal com os sintomas mais exacta, podendo-se estabelecer uma relação causa-efeito mais legítima do que as duas técnicas isoladamente. Tratamento da DRGE Nenhuma das opções terapêuticas actualmente disponíveis actua directamente no mecanismo fisiopatológico do RGE, isto é no esfíncter esofágico inferior diminuindo os episódios de relaxamentos transitórios. Actuam de uma forma indirecta diminuindo a acidez gástrica, aumentando o esvaziamento gástrico, diminuindo a pressão abdominal e estimulando a motilidade esofágica. Assim o tratamento da DRGE tem como objectivo o alívio dos sintomas, a normalização do crescimento, a resolução histológica da inflamação da mucosa, a prevenção e o tratamento das complicações e a manutenção da remissão. As opções terapêuticas que dispomos incluem as alterações dos hábitos de vida, através de mudanças alimentares e medidas posturais, o tratamento farmacológico e o tratamento cirúrgico. Recomendações dietéticas Recomenda-se a normalização do volume e frequência das refeições nos lactentes. Os espessantes do leite não melhoram os índices de refluxo, mas diminuem o número e o volume das regurgitações, diminuindo a perda de nutrientes pelo que o seu uso na DRGE deve ser ponderado. As crianças mais velhas e adolescentes devem evitar chocolate, café, chá, bebidas carbonatadas e especiarias que aumentam o RGE. Se obesidade devem normalizar o peso. Medidas posturais Está provado que o decúbito ventral diminui o número de episódios de refluxo no lactente, no entanto pelo risco de morte súbita não se recomenda esta posição. Tratamento farmacológico Inibidores do ácido. Actuam diminuindo a exposição esofágica ao ácido reduzindo o ácido gástrico. Os agentes inibidores da secreção ácida, os antago- nistas do receptor de histamina-2 (ranitidina) e os inibidores da bomba de protões (omeprazol, lanzoprazol), reduzem a secreção de ácido gástrica, enquanto que os antiácidos neutralizam o ácido gástrico. Os inibidores da secreção ácida são bastante mais eficazes no tratamento da DRGE e entre estes os inibidores da bomba de protões têm uma acção inibidora do ácido mais potente e prolongada. para outro diagnóstico, são em geral suficientes para fazer o diagnóstico de RGE não complicado, não sendo necessários exames suplementares. Deve-se informar os pais da benignidade da situação e das potenciais complicações. O espessamento da fórmula pode ser considerado e o decúbito dorsal deve continuar a ser aconselhado. Procinéticos. Embora um dos mecanismos de acção destes agentes seja aumentar a pressão do esfíncter esofágico inferior, não foi demonstrado que diminuam a frequência de relaxamento transitório do esfíncter esofágico inferior, o mecanismo fisiopatológico do RGE. Actuam aumentando o peristaltismo esofágico e acelerando o esvaziamento gástrico. Os estudos comparativos realizados entre as várias drogas, cisapride, metoclopramida e domperidona demonstram que o cisapride é o único procinético eficaz na DRGE. No entanto, devido ao risco de cardiotoxicidade não é comercializado desde 2004. Lactente que vomita e com má evolução ponderal A história e o exame físico são aqui também essenciais e outras causas de má evolução ponderal devem ser primeiro colocados e exames como hemograma, ionograma, bicarbonato, função renal e hepática, RAST PLV e análise de urina podem ser consideradas.O Rx EGD é importante para pesquisar malformações anatómicas. Quando não são encontradas outras causas deve iniciar tratamento médico com espessamento da fórmula e inibidor da secreção ácida. A endoscopia pode ser útil para determinar a existência de esofagite. Citoprotectores. O gel de sucralfato (complexo de alumínio) actua aderindo às lesões inflamatórias protegendo a mucosa esofágica. Pode diminuir os sintomas em doentes com esofagite não erosiva não é eficaz no tratamento da DRGE. Os potenciais riscos do alumínio nas crianças têm de ser considerados. O baclofeno é um agonista do receptor GABA B que parece ter um papel promissor na diminuição dos relaxamentos transitórios do EEI, no entanto é um fármaco ainda em estudo. Tratamento cirúrgico A fundoplicatura clássica ou por via laparoscópica, actualmente a mais utilizada está indicada sempre que há malformações anatómicas ou persistência dos sintomas apesar do tratamento médico. A orientação diagnóstica e terapêutica da DRGE depende da sua forma de apresentação: Lactente que vomita A história clínica e o exame físico, tendo em conta os sinais que apontam gastroenterologia pediátrica – curso satélite S 186 XX reunião do hospital de crianças maria pia Criança com asma O RGE é um importante co-factor na Asma severa apontando-se prevalências de 25 a 75%. A relação causal directa de RGE e Asma é rara. Identificar o RGE, como um cofactor de uma asma intratável, passa por realizar uma pHmetria que determina o índice de refluxo e a duração média dos episódios de refluxo durante o sono e pode estabelecer uma relação temporal com episódios de pieira. Se for identificado um RGE patológico a terapia com inibidor da secreção ácida deve ser instituída. Lactente com Apneia/ALTE Em crianças com ALTE a prevalência de regurgitação ou vómitos é de 60 a 70%. A pHmetria com Impedancitometria pode estabelecer uma relação temporal entre um episódio de refluxo e um episódio de apneia. As opções terapêuticas incluem o espessamento do leite, os inibidores da secreção ácida e a cirurgia pode ser considerada em casos severos. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Criança com dispepsia/regurgitação A terapia empírica com inibidores da secreção ácida durante 2 a 4 semanas, se não houver melhoria ou recidiva pouco tempo após conclusão do tratamento médico deve realizar endoscopia e biópsia. Criança com doença neurológica Nas crianças com doenças neurológicas, as infecções respiratórias de repetição, recusa alimentar, má evolução ponderal ou anemia são sintomas que fazem suspeitar DRGE. A endoscopia digestiva é o exame mais útil para o diagnóstico e a pHmetria pode ser útil para quantificar o RGE. O tratamento médico produz alívio sintomático, mas o recurso ao tratamento cirúrgico é necessário na maior parte dos casos. Nascer e Crescer 2008; 17(3): 185-187 BIBLIOGRAFIA 1. Rudloph CD, Mazur LJ, Liptak GS, Baker RD et al. 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The multichanel intraluminal impedance in infants with gastro-esophageal reflux: 21. J Ped Gastroenterol Nutr 2005 Oct; 41 (4): 499. 14. Rosen R, Candace L, Nurko S. The sensitivity of Multi-channel intraluminal impedance compared to pH probe in detection of gastroesophageal reflux: 22. J Ped Gastroenterol Nutr 2005 Oct; 41 (4): 499-500. 15. Vandenplas Y. Gastroesophageal Reflux: Medical Treatement. J Ped Gastroenterol Nutr 2005 September ; 41: S41-S42. gastroenterologia pediátrica – curso satélite XX reunião do hospital de crianças maria pia S 187 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Colestase Neonatal – Como Abordar Ermelinda Santos Silva1 A colestase neonatal define-se como a presença de icterícia, num recém-nascido ou lactente até aos quatro meses de idade, em que a bilirrubina conjugada é superior a 20% da bilirrubina total, ou superior a 1,5 mg/dl. É importante saber que por detrás de uma colestase neonatal pode estar uma enorme variedade de doenças, a maior parte delas doenças raras, umas mais do que outras (Quadro I). A outra noção importante a ter é a de que a colestase neonatal não é uma entidade com prognóstico muito tranquilizador. Num estudo retrospectivo de 50 casos de E. Santos Silva e tal(1) podemos observar que mais de 40% dos doentes tiveram prognóstico desfavorável (óbitos 25%, transplante hepático 18%). Isto mostra bem o peso que a colestase neonatal tem, quer em termos de mortalidade quer em termos de morbilidade. ABORDAGEM DIAGNÓSTICA Na abordagem diagnóstica do doente com colestase neonatal temos de ter em conta que a mesma pode ter diversas formas de apresentação clínica, a saber (Quadro II): • Icterícia prolongada (sendo a colestase de instalação precoce ou tardia) • Icterícia fisiológica + intervalo livre + icterícia tardia • Icterícia de aparecimento tardio Há patologias que se manifestam predominantemente de uma forma ou de outra (ex: a galactosemia manifestase por uma colestase precoce, enquanto __________ 1 Consulta de Hepatologia / Serviço de Pediatria / Centro Hospitalar do Porto Quadro I – Colestase neonatal (etiologias) Doenças das vias biliares biliares - Colangiopatias: - Atrésia das vias biliares extrahepáticas - Quisto do colédoco - Colangite esclerosante neonatal - Perfuração espontânea das vias biliares extrahepáticas - Estenose de ductos biliares - Doença de Caroli - Síndrome de Alagille - Paucidade canalicular não sindromática - Outras: - Síndrome de bile espessa - Colelitíase - Tumores/massas (intrínsecas e extrínsecas) Colestase hepatocelular - Doenças metabólicas: - Défice de alfa-1-antitripsina - Aminoacidopatias (tirosinemia, …) - Dças dos carbohidratos (galactosemia, fructosemia, glicogenose tipo IV) - Dças do ciclo da ureia (argininemia, citrulinemia) - Doenças dos lípideos (Dça de Niemann-Pick, Dça de Gaucher; Dça de Wolman; Doença dos ésteres do colesterol) - Dças dos peroxissomas (S. Zellweger; Dça de Refsum, …) - Defeito da síntese de sais biliares - CDG`s - Citopatias mitocondriais - Fibrose quística - Hemocromatose neonatal - Endocrinopatias (hipotiroidismo; hipopituitarismo) - Síndromes colestáticos: - PFIC tipos 1, 2, e 3 - BRIC (mesmo gene do PFIC 1) - S. de Dubin-Johnson (deficiência de MRP2) - Colestase hereditária com linfedema (s. Aagenaes) - Hepatite neonatal: - Idiopática - Vírica (CMV, Herpes, Rubeóla, Reovírus tipo 3, Adenovírus, Enterovírus, Parvovírus B19, Hepatite B, HIV) - Bacteriana e parasitária (Sépsis bacteriana, Listeriose, Sífilis, Tuberculose,Toxoplasmose, Malária) - Tóxicos: fármacos, alimentação parentérica Miscelânia - Choque/hipoperfusão; Lúpus neonatal; Histiocitose X; Doença veno-oclusiva; Erittoblastose fetal; Doença enxerto contra hospedeiro; Síndrome de MacCune-Albright; S. Donahue; S. Down … gastroenterologia pediátrica – curso satélite S 188 XX reunião do hospital de crianças maria pia NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Quadro II – Colestase neonatal: formas de apresentação clínica 18 16 Bilirrubina total (mg/dl) 14 12 Icterícia prolongada 10 Icterícia fisiológica + Intervalo livre + Icterícia tardia 8 Icterícia tardia 6 4 2 0 D2 D4 D7 D14 D21 D30 D37 D43 Idade (dias) o défice de alfa-1-antitripsina ou a atrésia das vias biliares se manifestam por uma colestase de instalação tardia, e a tirosinemia de instalação especialmente tardia). Considera-se uma icterícia neonatal prolongada a que se prolonga por mais de sete dias num recém-nascido de termo e mais de catorze dias num recémnascido pré-termo. A metodologia diagnóstica a ser usada deve assentar na exploração minuciosa dos dados da anamnese e do exame objectivo, e a realização de exames complementares deve ser orientada pela clínica. Na anamnese é importante explorar a história familiar. A existência de consanguinidade parental ou de irmãos afectados aponta para as doenças metabólicas. A existência de pais ou conviventes íntimos com doenças infecto-contagiosas (Herpes labial activo, sífilis, hepatite B) aponta para o grupo das doenças infecciosas. A presença de pais com estigmas físicos (fácies peculiar) pode fazer suspeitar de síndrome de Alagille que é de transmissão autossómica dominante com penetração incompleta. Nos antecedentes pessoais são importantes a idade gestacional, a somatometria ao nascer, a existência de asfixia ou de choque perinatal, de sépsis com recurso a antibióticos ou outros fármacos colestáticos (ex: furosemida), de cirurgia intestinal, bem como a pausa alimentar prolongada e a alimentação parentérica. Nos recém-nascidos internados nas UCIN a colestase é na maioria das vezes de etiologia multifactorial. Na história da doença é importante conhecer o “timing” de instalação e a evolução da icterícia (pode apontar para determinadas patologias), a cor das fezes (pigmentadas? ou acolia fecal? neste último caso sugerindo sobretudo patologia das vias biliares), a existência de distúrbios alimentares (recusa alimentar / vómitos, sobretudo nas doenças metabólicas), a evolução ponderal (é geralmente boa nas doenças das vias biliares), febre / hipotermia (na sépsis, nas doenças metabólicas), convulsões ou equivalentes (nas infecções com atingimento do SNC, como o Herpes ou a sífilis, as doenças dos peroxissomas ou as citopatias mitocondriais). No exame objectivo é muito importante a impressão geral (“bem” ou “ar doente”), a avaliação do estado nutricional, a existência de hemorragias (petéquias, sufusões, hemorragia pelos locais de punção venosa), a existência de estigmas físicos (S. de Alagille, S. Zellweger, S. Down), de organomegalias e suas características, e da presença de ascite. É importante também registar a presença de sopros cardíacos (estenoses pulmo- nares periféricas típicas do S. Alagille, anomalias estruturais do coração no S. Down e no S. Alagille; raramente a atrésia das vias biliares está enquadrada num síndrome polimalformativo que inclui cardiopatia), a presença de anomalias oculares (cataratas, embriotoxon posterior, corioretinite, mancha cor de cereja), e de alterações neurológicas (hipotonia, nistagmo). Faz parte do exame clínico do doente com colestase neonatal a observação das fezes (fezes frescas, não misturadas com urina). Habitualmente a anamnese e o exame objectivo permitem formar uma primeira impressão diagnóstica, e juntamente com os exames complementares de primeira linha (Quadro III) podemos suspeitar o diagnóstico na maioria dos casos. Na abordagem diagnóstica do doente com colestase neonatal é muito importante identificar as situações urgentes que devem ser esclarecidas rapidamente em regime de internamento e que são sobretudo, e por diferentes ordens de razões, dois grandes grupos de doentes: • Acolia fecal (urgentes porque o prognóstico futuro depende da precocidade do diagnóstico e da intervenção terapêutica; não correm risco de vida no imediato). gastroenterologia pediátrica – curso satélite XX reunião do hospital de crianças maria pia S 189 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 • Doentes clinicamente “mal” ou instáveis (urgentes porque correm risco de vida no imediato). Estes doentes podem falecer enquanto nós estamos ocupados a pensar, a investigar, e é muito importante termos consciência deste facto. Quadro III – Colestase Neonatal – Exames complementares 1ª linha - BT e BD, TGO, TGP, GGT, proteinograma, colesterol total, glicose - Hemograma com esfregaço sangue periférico - Estudo da coagulação - Doseamento de alfa-1-antitripsina No grupo que se apresenta com acolia fecal a urgência deve-se à necessidade de confirmação ou exclusão da atrésia das vias biliares extrahepáticas e que é uma urgência cirúrgica. Estes doentes não carecem de transferência para o Serviço de Urgência, mas sim de um contacto personalizado com um Centro de Referência em tempo útil (2-3 dias), e acima de tudo requer que não se perca tempo com a realização de exames complementares de segunda linha. O grupo dos doentes clinicamente “mal” ou instáveis é aquele em que há sinais de sépsis (letargia, irritabilidade, gemido, febre, vómitos) ou sinais de insuficiência hepatocelular (ascite, coagulopatia), e a investigação deve ser rápida e dirigida para dois grupos de patologias, e dentro destas a prioridade deve ser para as doenças tratáveis (são as urgências médicas): • Sépsis / doenças infecciosas (sépsis bacteriana, ITU a E.coli, infecção a Herpes, sífilis, …) • Doenças metabólicas com tratamento médico específico e eficaz (galactosemia, tirosinemia, fructosemia, CDG tipo Ib) Quando não é possível estabelecer um diagnóstico etiológico após esta primeira fase de investigação, a mesma deve prosseguir com exames complementares de segunda e terceira linhas em um Centro de Referência. ABORDAGEM TERAPÊUTICA A terapêutica destes doentes deve ser dirigida para a patologia subjacente à colestase, sempre que exista tratamento específico disponível: • Tratamento médico: Dietas especiais (galactosemia, tirosinemia, fructosemia) NTBC (tirosinemia), Manose (CDG tipo Ib) - Urocultura - Pesquisa de substâncias redutoras urinárias e/ou teste de Butler (*) - Ecografia abdominal - Serologias do grupo TORCH, sífilis e hepatite B(na mãe) (*) impossível se transfusão GR Quadro IV – Consequências da colestase Colestase Retenção de bile /regurgitação Bilirrubina icterícia Colesterol xantomas Ácidos biliares prurido hepatotoxicidade Cobre hepatotoxicidade Hipertensão portal Redução passagem bile para o intestino de sais biliares no lúmen intestinal Malabsorção Malnutrição Atraso de crescimento de vitaminas lipossolúveis Diarreia Perda de cálcio A – Cegueira nocturna D – Doença metabólica óssea E – Degenerescência neuromuscular K - Hipoprotrombinemia Antibióticos / Antivíricos (doenças infecciosas) • Tratamento cirúrgico: Exérese de quisto do colédoco Portoenterostomia de Kasai (atrésia biliar) Mas quando um tratamento específico não está disponível e a colestase se prolonga a mesma requer tratamento de suporte até que seja possível efectuar, por exemplo, um transplante hepático. gastroenterologia pediátrica – curso satélite S 190 Cirrose biliar progressiva XX reunião do hospital de crianças maria pia Para melhor entender a terapêutica de suporte necessária relembramse as consequências da colestase no Quadro IV. A terapêutica de suporte é dirigida para tentar minorar estas consequências: • Alimentação (estes doentes têm dificuldades em ganhar peso devido às necessidades aumentadas, à ingestão diminuída, e a défice de absorção): - Leite materno ou Hidrolisado de proteínas NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 - Suplementos de hidratos de carbono e de triglicerídeos de cadeia média - Refeições fraccionadas, por sonda nasogástrica, eventualmente a débito contínuo. • Suplementos vitamínicos: - Vitamina A 3000 U /dia oral - Vitamina D (25 OH) 40-60 μg/dia oral + Vitamina D3 900 U/dia oral - Vitamina E 10 mg/kg/mês IM (ou 100 mg 3x/semana oral) - Vitamina K 5-10 mg 2/2 ou 3/3 semanas IM • Oligoelementos (zinco 1-2 mg/kg/ dia) • Ácido ursodesoxicólico (15-20 mg/ kg/dia, 2 tomas, oral) • Refluxo gastroesofágico (tratamento) • Prurido (tratamento) Quando a evolução se faz para doença hepática terminal pode estar indicada a realização de um transplante hepático (são contraindicações as doenças multissistémicas e a doença neurológica incapacitante). Para finalizar deixamos algumas recomendações: • Investigar todos os casos de icterícia prolongada. • Investigar imediatamente todos os casos de icterícia associada a colúria e/ou fezes despigmentadas, sinais de sépsis ou de insuficiência hepatocelular (ascite, hemorragias), organomegalias, ou estigmas dismórficos. • Enviar para Centro de Referência sempre que os exames de 1ª linha não esclareçam o diagnóstico. • Enviar para Centro de Referência sempre que seja diagnosticada patologia que exija abordagem especializada. • Não esquecer a terapêutica de suporte, especialmente a suplementação vitamínica, com especial destaque para a vitamina K cujo défice é o primeiro a manifestar-se. • Nos recém-nascidos internados nas UCIN a colestase é na maioria das vezes de etiologia multifactorial. São geralmente recém-nascidos/ lactentes doentes e/ou com antecedentes de procedimentos de grande invasividade. Por este motivo recomenda-se: 1 - Reduzir a investigação ao estritamente necessário e diferir o esclarecimento das patologias não urgentes. 2 - Não esquecer suplementação dietética, vitaminas lipossolúveis e oligoelementos 3 – Administrar ácido ursodesoxicólico como colerético. Nascer e Crescer 2008; 17(3): 188-191 BIBLIOGRAFIA 1. E Santos Silva et al, Acta Pediatr Port; nº5; vol 30: 397-401 gastroenterologia pediátrica – curso satélite XX reunião do hospital de crianças maria pia S 191 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Obstipação na Criança – Como Lidar Fernando Pereira1 A obstipação é um sintoma frequente na criança em qualquer grupo etário e responsável por numerosas referências à consulta de Gastroenterologia Pediátrica. Embora os pais nos procurem muito preocupados com o problema e com receio de se tratar de patologia grave, a maior parte das situações são de natureza funcional, resultantes de erros alimentares ou não aquisição dos hábitos sociais normais e fáceis de resolver com medidas simples que podem e devem ser aplicadas pelo médico de família ou pelo Pediatra assistente. São várias as definições de obstipação que podemos encontrar na literatura mas aquela que me parece mais apropriada, por ser mais simples e sucinta, é a que considera existir obstipação quando há menos de 3 dejecções por semana e quando esse facto causa mal estar, anorexia, dor e distensão abdominal, ou seja sintomas. De facto mais do que o número de dejecções semanais ou do que a própria consistência das fezes, é o mal estar, incómodo, causado que caracterizam a obstipação. Para termos uma noção quantitativa da importância do problema poderemos dizer que os dados publicados referem que cerca de 30% das crianças entre os 4 e os 11 anos têm obstipação, que 3% das consultas de clínica geral são por esta razão e que constitui cerca de 25% das observações na Gastroenterologia Pediátrica. A obstipação tem vindo a agravar-se ao longo dos anos e deverá acentuar-se, tendo em conta o estilo de vida cada vez mais sedentário das populações e a sua alimentação pobre em resíduos. __________ 1 Serviço de Gastroenterologia Hospital Maria Pia / CHPorto É um sintoma mais frequente nas crianças do sexo masculino (2/1), nas de baixo peso (30%) e nas que sofrem de patologias neurológicas em geral (20-70% das crianças com paralisia cerebral). Depois desta breve introdução para conhecermos a importância do problema, vamos analisar de forma sumária a fisiologia do cólon e da dinâmica defecatória. O cólon é um segmento do tubo digestivo que tem essencialmente a função de absorver água, armazenar os resíduos fecais e promover a sua propulsão e segmentação ao longo do seu trajecto e finalmente de expulsão dos mesmos. Para que estas funções decorram normalmente, é necessário que exista conteúdo residual, depois do processo de digestão e absorção dos alimentos, lançado no interior do cólon e que uma correcta actividade neuromuscular intrínseca do mesmo (plexos nervosos intestinais/células musculares da parede cólica) e uma adequada integração funcional entre esta e o sistema nervoso central. Assim sendo, facilmente compreenderemos que um resíduo anormal em volume, consistência e mesmo composição, um plexo mientérico anormal, uma doença da estrutura muscular ou que altere a sua função (desequilíbrios iónicos, doenças metabólicas, fármacos) ou perturbações do sistema nervoso central orgânicas ou funcionais podem ocasionar o aparecimento de um quadro de obstipação. Mas tudo o que acabamos de referir pode funcionar normalmente e mesmo assim não se verificar uma normal expulsão para o exterior do conteúdo intestinal se a dinâmica defecatória estiver alterada. A expulsão das fezes acumuladas na porção terminal do cólon depende da actividade conjugada e integrada de várias estruturas musculares, o esfinc- gastroenterologia pediátrica – curso satélite S 192 XX reunião do hospital de crianças maria pia ter anal, com o seu componente interno e externo, os músculo pubo-rectal, as estruturas musculares do pavimento pélvico, do ângulo ano-rectal e mais ainda dos músculos responsáveis pela pressão intra-abdominal. A distensão do recto pelo acumular das fezes provoca o relaxamento do esfíncter anal interno permitindo o contacto das mesmas com a porção interna do canal anal, estimulando as células sensitivas responsáveis pela capacidade discriminatória, o que nos permite tomar consciência da natureza, sólida, líquida ou gasosa do conteúdo rectal. Nesta altura podemos fazer duas opções, ou não é o momento e local apropriado para a defecação e contraímos voluntariamente o esfíncter anal externo, o pubo-rectal (acentuando o ângulo ano-rectal) e ocorre relaxamento da musculatura rectal com adaptação ao volume fecal (continência) ou se pelo contrário decidimos evacuar, adoptamos uma posição facilitadora, relaxamos todas estas estruturas pelvirectais e contraímos os músculos abdominais (aumento da pressão intra-abdominal) e expulsamos o conteúdo rectal. A defecção é reflexa no lactente e voluntária na criança e no adulto. O controlo voluntário é adquirido em média pelos 28 meses. Tendo em consideração estas noções fisiológicas muito gerais podemos compreender que as alterações funcionais do colon, da dinâmica defecatória ou do sistema nervoso central (perturbações do comportamento) ou alterações orgânicas nomeadamente cólicas ou ano-rectais que modifiquem a actividade funcional poderão provocar obstipação. Na prática clínica contudo, deve dizer-se que com os meios de investigação de que dispomos actualmente, 90-95% NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 dos quadros de obstipação são de natureza ideopática e que a fissura anal e menos vezes as malformações ano-rectais são as alterações mais vezes observadas nos primeiros anos de vida. As doenças neurológicas e metabólicas e o uso de fármacos com interferência na actividade intestinal, são responsáveis por quadros de obstipação, como podemos ver no Quadro I. Deveremos começar o estudo de uma criança com obstipação fazendo uma história clínica cuidada, recolhida junto da criança e da família, tentando conhecer a idade de início do quadro, os hábitos alimentares da criança e da família, os hábitos defecatórios e se há ou não alterações do comportamento e do ambiente social e escolar da criança e da família. Deveremos também inquirir se existem sintomas associados, anorexia, vómitos, emagrecimento, enurese, dor abdominal, proctalgia ou rectorragia. Prosseguiremos com o exame objectivo geral não esquecendo um exame neurológico sumário e o exame proctológico, incluindo o toque rectal caso não existam fissuras ou outras lesões dolorosas anais. Com estes dados é possível na maior parte dos casos fazer um diagnóstico etiológico da obstipação e da sua gravidade e iniciar um esquema terapêutico. Assim na criança com menos de 6 meses na maior parte dos casos estamos perante um quadro a que se chama disquésia. Observa-se uma criança que durante cerca de 10 minutos faz grande esforço defecatório, chora e acaba por expulsar fezes pastosas com alívio. Tratase de uma situação de não aquisição da coordenação do aumento da pressão abdominal com o relaxamento pélvico que o tempo irá resolver. Deveremos intervir o menos possível e assegurar aos pais que não existe qualquer problema orgânico e que a resolução será espontânea. Na criança nos primeiros anos de vida é também muito frequente a história de instalação súbita de recusa defecatória, por vezes associada a pequena quantidade de sangue no papel de limpeza, após episódio de esforço para expulsar fezes duras ou de grande volume. Isto sugere a presença de fissura que o exame objectivo irá revelar na comissura anterior e ou posterior. Quadro I Causas de obstipação Ideopática (90-95%) Secundária a lesão anal – fissura e malformação ano/rectal Secundária doença endócrina – hipotiroidismo Diabetes Associada a hipercalcemia Associada a Insuficiência Renal Secund. Doenças neurológicas – Mielomeningocelo Displasia neuronal Paralisia cerebral Pseudobstrução intestinal D. Hirschprung Espinha bífida Secundária ao uso de fármacos – Antiácidos Anticonvulsivantes Antidepressivos Opiáceos Anticolinérgicos Associada a doença celíaca e fibrose quística É importante neste grupo etário chamar a atenção para a doença de Hirschprung ou aganglionismo cólico congénito, razão muito frequentemente invocada para enviar as crianças à consulta de Gastroenterologia Pediátrica. É preciso ter a noção clara que se trata de uma doença rara (1/5000 nados vivos), mais frequente no sexo masculino (4/1), que se manifesta desde o nascimento, começando por atraso na eliminação de mecónio e que por isso uma criança que teve trânsito intestinal normal até aos 2 ou 3 anos e depois desenvolve um quadro de obstipação não tem seguramente uma situação destas, embora possa ter retenção fecal acentuada e distensão cólica e abdominal marcada. Na criança em idade escolar é cada vez mais frequente identificar na história clínica erros alimentares importantes da responsabilidade do doente e da família e que uma vez conhecidos, se torna indispensável corrigir antes de iniciar qualquer investigação incómoda e dispendiosa e que não vai trazer qualquer informação adicional para a orientação terapêutica. Quando a observação clínica não permite um diagnóstico etiológico para a obstipação ou quando sugere a existência de patologia orgânica deveremos proceder a exames auxiliares de diagnóstico. Para além do estudo analítico geral que pode já sugerir um diagnóstico, devemos excluir a doença celíaca que pode ter esta forma de apresentação, o hipotiroidismo, a fibrose quística e as doenças musculares das quais podemos suspeitar pela presença de CPK elevada. Podemos recorrer aos estudos radiológicos (Radiografia da coluna lombo-sagrada, trânsito cólico, clister opaco e defecografia) que devemos escolher em função da patologia sugerida pela observação já efectuada; à endoscopia e ecoendoscopia e à manometria anorectal e cólica, esta última de mais difícil execução nas crianças. Para o estudo do trânsito cólico podemos utilizar a cintigrafia, o estudo radiológico após ingestão de marcadores radiopacos ou a manometria. Para o estudo da dinâmica defecatória recorremos à manometria anorectal (Pressão gastroenterologia pediátrica – curso satélite XX reunião do hospital de crianças maria pia S 193 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 basal do EA, resposta à contracção voluntária, Reflexo inibidor anal e estudo da sensibilidade e compliance rectal) e à defecografia. Na suspeita de processos inflamatórios, estenoticos ou tumorais recorremos à endoscopia. Na suspeita de doença de Hirschprung é obrigatória a realização de biopsias rectais com estudo imunocitoquímico. Em termos práticos diremos que poderemos deparar essencialmente com 3 tipos de situações: um quadro de obstipação ideopática ligeira (corresponde a cerca de 90% dos casos observados), em que não é necessário ir além da história clínica e exame objectivo e em que podemos desde a primeira consulta iniciar atitudes terapêuticas; uma situação de obstipação grave, com menos de uma dejecção por semana associada a sintomas gerais e retenção fecal e que obriga a investigação e instituição de tratamento sintomático; finalmente uma situação clara de obstipação secundária a patologia orgânica conhecida ou medicamentos que obrigará a medidas orientadas de correcção. O tratamento da obstipação nas suas mais variadas formas é feito com recurso às seguintes medidas: 1. Educação (higiénica e dietética) 2. Treino defecatório 3. Desimpactação fecal quando presente 4. Prevenção da retenção (Laxantes) 5. Acompanhamento 6. Tratamento específico da patologia responsável quando exista. Os laxantes mais utilizados nas crianças e que resolvem a maior parte das situações são a lactulose, o lactilol, o leite de magnésia philips, o bisacodil e o polietilenoglicol. A estimulação anal e os microclisteres podem ser utilizados quando não existam lesões anais mas devemno ser o menos possível. Na presença de retenção fecal acentuada é indispen- sável começar por proceder à remoção das fezes retidas, recorrendo à utilização de enemas com água ou soro fisiológico, antes de iniciar a outras medidas. Os laxantes quando instituídos devem ser mantidos na dose eficaz pelo tempo necessário à normalização do quadro. Nas crianças que não adquiriram ainda o hábito defecatório normal deverão ser mantidos, se necessários, até que aquela aquisição se faça. A interrupção súbita do laxante ou a sua utilização em baixa dose levam à descrença na sua eficácia e à mudança sucessiva para outro laxante, com o mesmo tipo de resultado e desespero subsequente. Vamos agora fazer algumas considerações sobre uma situação clínica que muitas vezes se associa à obstipação e que é a incontinência fecal funcional por vezes também designada de encopresis/ soiling. Trata-se de uma situação socialmente difícil de gerir, que pode ser primária, quando a criança não adquiriu o hábito defecatório ou secundária quando ocorre tempos depois daquela aquisição e que pode ou não também associar-se a acentuada retenção fecal (obstipação). A situação de retenção fecal funcional ocorre em crianças ou adolescentes em que se verifica eliminação de fezes de grande volume com intervalos inferiores a 2x semana e postura de retenção, evitando a defecação por contracção voluntária do pavimento pélvico e músculos nadegueiros. Esta situação acontece após episódio de defecação dolorosa, muitas vezes associada à presença de fissuras, quando não há tempo para evacuar ou a criança tem nojo dos sanitários da escola ou sofreu traumatismo psicológico em consequência de abuso sexual ou anúncio comercial ou televisivo impressionante. Associa-se a irritabilidade, soiling, dores abdominais, perda de apetite e saciedade fácil, sintomas que desaparecem após uma dejecção abundante e voltando alguns dias depois à medida que a retenção se vai verificando. Nestes gastroenterologia pediátrica – curso satélite S 194 XX reunião do hospital de crianças maria pia doentes é necessário proceder à limpeza intestinal, evitar a acumulação de fezes com recurso a laxantes que tornem as fezes moles e a defecação não dolorosa e em função da causa desencadeante accionar os mecanismos terapêuticos mais adequados para o acompanhamento da criança e da família. A outra situação que habitualmente conduz os doentes à consulta especializada é a incontinência fecal funcional sem retenção. São crianças com mais de 4 anos, geralmente em idade escolar, com história de defecação em local socialmente não apropriado, a maior parte das vezes na roupa interior, sem evidência de retenção fecal e na ausência de doença anatómica, inflamatória, metabólica ou neoplásica associada e frequentemente com enuresis. A família entra na consulta e quando inquirida sobre o motivo da visita refere que o filho não segura as fezes, suja-se e não sente que está sujo. A história clínica e o exame do doente permitem identificar alterações do comportamento ou personalidade da criança frequentemente provocados pelo ambiente social ou familiar que a rodeia. É muitas vezes possível encontrar uma relação temporal entre acontecimentos familiares ou escolares e o aparecimento do quadro. Estes doentes têm que criar hábito defecatório diário, os laxantes poderão apenas em alguns casos ser úteis e é o apoio psicológico ou mesmo psiquiátrico, o aspecto mais importante do seu tratamento. A violência física sobre o doente que alguns pais adoptam, por considerarem que o filho é “porco”, está formalmente contraindicada no tratamento desta situação clínica. Para terminar gostaria de dizer-lhes que em todas as situações que acabamos de descrever a intervenção terapêutica multidisciplinar é importante, com a participação do médico de família, do gastroenterologista, do psiquiatra, psicólogo e assistente social, e a indispensável colaboração e empenhamento da família. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Resumo das Comunicações Orais DISPLASIA DO DESENVOLVIMENTO DA ANCA – O PAPEL DOS FACTORES DE RISCO Patrícia Santos, Nádia Rodrigues, Vanessa Portugal, Aires Pereira, Alexandrina Portela, Agostinha Souto Serviço de Pediatria – Unidade de Neonatologia – Hospital Pedro Hispano Introdução: A Displasia do desenvolvimento da anca (DDA) apresenta um espectro de alterações anatómicas que podem variar desde a instabilidade da articulação coxofemoral à luxação da anca. Tem uma etiologia multifactorial com vários factores de risco descritos. Objectivos: conhecer a prevalência, factores de risco, rastreio e evolução da DDA em crianças naturais e residentes na área de referenciação do Hospital Pedro Hispano (HPH). Material e Métodos: Estudo prospectivo, longitudinal, baseado no seguimento dos recém-nascidos (RN), nascidos no HPH no ano de 2005. O seguimento foi baseado no exame físico aos 15 dias; 1, 2, 4, 6, 9, 12, 15, 18 meses de vida (médico assistente ou consulta hospitalar) para rastreio da DDA e realização de ecografia articular às 6 semanas de vida nos casos de pelve, gemelaridade, prematuridade, história familiar, alterações no exame objectivo sugestivas de DDA. Parâmetros avaliados: sexo, idade gestacional, apresentação fetal, gemelaridade, oligoamnios, história familiar, gesta, exame físico, idade suspeita de diagnóstico, meios de diagnóstico, tratamento e evolução da DDA. Resultados: No ano de 2005 nasceram no HPH 2107 RN (51,4% do sexo masculino). Foram incluídos no estudo 1549 RN. Cento e noventa e oito RN apresentavam factores de risco: prematuridade <35 semanas – 68 RN (34%); apresentação pélvica – 82 RN (41%), gemelaridade: 38 RN (19%), oligoamnios – 28RN (14%), pé boto – 2 RN (1%), torcicolo congénito 5 RN (2,5%), metatarso aducto – 2 RN (1%), doença neurológica – 2 RN (1%), exame físico sugestivo de DDA ao nascimento: 59 RN (29,5%). Em 66,5% dos RN estavam presentes 2 ou mais factores de risco. Dois RN apresentaram alterações sugestivas de DDA aos 9 e 18 meses respectivamente (ambos do sexo feminino e 1 IG, sem outros factores de risco). A ecografia efectuada a 168 RN foi normal em 90%, nomeadamente em 14/30 RN com DDA. Verificamos DDA em 54 RN (incidência de 35/1000 RN e de 27/100 RN com factores de risco): 24 com sub-luxação ou instabilidade e 20 com luxação comprovada. Analisando os RN com luxação verificamos que 65% pertencem ao sexo feminino, 60% são primogénitos, 65% apresentavam alterações no exame objectivo ao nascimento, 30% apresentação pélvica, 15% oligoaminos e 10% prematuridade. Nenhum dos RN com pé boto apresentou DDA concomitante. Relativamente ao tratamento e evolução: todas as crianças com sub-luxação ou instabilidade apresentaram resolução espontânea. Quinze dos vinte doentes com luxação foram submetidos a tratamento conservador (destes 2 foram posteriormente submetidos a cirurgia, com boa evolução), os restantes 5 apresentaram resolução espontânea. Nos RN com factores de risco o início do tratamento variou entre o 1º e o 10º mês (média: 2,9 meses), enquanto que os RN sem facto- res de risco iniciaram o tratamento mais tardiamente (10 e 18 meses). Conclusão: A incidência de DDA encontrada na nossa amostra é superior à descrita na literatura. O nosso estudo não demonstrou relação estatisticamente significativa para considerar gemelaridade e pé boto como factores de risco de DDA. Confirmou o risco acrescido no sexo feminino, na primeira gestação, na prematuridade, no oligoamnios, nas alterações no exame físico ao nascimento e quando se associam factores de risco. A ecografia das articulações coxofemorais deve ser considerada nos RN com factores de risco associados a primeira gesta e/ou sexo feminino, contudo mesmo que normal não exclui o diagnóstico de DDA. Todos os doentes com sub-luxação ou instabilidade da anca evoluíram favoravelmente sem necessidade de tratamento. A ausência de factores de risco aumentou a idade de início de tratamento, no entanto a evolução foi sobreponível. FILHOS DE MÃE VIH POSITIVO: EXPERIÊNCIA DE 8 ANOS NA MATERNIDADE JÚLIO DINIS Susana Carvalho, Ana Margarida Alexandrino, Isabel Valente, Maria João Carinhas, Ana Horta, Olga Vasconcelos, Maria Augusta Areias Serviço de Pediatria e Serviço de Obstetrícia Maternidade Júlio Dinis - Centro Hospitalar do Porto Serviço de Doenças Infecciosas, Hospital Joaquim Urbano Introdução: A transmissão vertical do VIH é inferior a 2% com o protocolo zidovudina, cesariana electiva e exclusão da amamentação. Na Maternidade resumo das comunicações orais XX reunião do hospital de crianças maria pia S 195 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Júlio Dinis, em 2006, passaram a associar-se outros antirretrovirais em caso de protocolo não cumprido ou riscos acrescidos. Objectivo: Avaliar a eficácia do protocolo de prevenção da transmissão vertical do VIH. Métodos: avaliação retrospectiva de indicadores na gravidez, parto e recém-nascidos da Maternidade Júlio Dinis de 2000 a 2007. Análise estatística efectuada através dos testes t e Fisher. Resultados: Foram tratados 133 recém-nascidos filhos de mãe VIH positivo (23% prétermo). A permilagem foi 4,6/1000. Quinze por cento das mães eram de outras nacionalidades (12% dos PALOPs). O contágio foi considerado sexual em 66% e em 33% das grávidas havia adicção de drogas. A co-infecção mais frequente foi hepatite C (29%). O diagnóstico foi efectuado durante a gestação em 49% e no parto em 7%. A profilaxia foi cumprida: na gravidez em 86%, intraparto em 90% e iniciada em todos os recém-nascidos. Em 8 casos, desde Janeiro de 2006, foram utilizados outros antirretrovirais além da zidovudina. Foi efectuada cesariana electiva em 69% e parto vaginal em 14% (4 no domicílio). A taxa de transmissão vertical foi 5,3% (7/133), constatando-se que quando o protocolo foi cumprido a taxa de infecção reduziu-se para 1%. Encontrámos diferenças estatisticamente significativas entre os grupos infectado versus não infectado relativamente à vigilância inadequada e ao não cumprimento do protocolo. Comentários: A taxa de transmissão sendo alta foi de 1% nos que cumpriram o protocolo zidovudina, pelo que é fundamental insistir no rastreio do VIH nos cuidados pré-concepcionais, de modo a aumentar a eficácia na evicção da transmissão vertical. Nos 2 últimos anos, não houve nenhuma criança infectada, para o que pode ter contribuído a associação de outros antirretrovirais. DESIDRATAÇÃO HIPERNATRÉMICA (DH) NO RECÉM-NASCIDO Nelea Afanas, Eunice Moreira, Cristina Godinho Serviço de Neonatologia, Maternidade Júlio Dinis - Centro Hospitalar do Porto, EPE. Introdução: A amamentação é um acto natural e fisiológico com vantagens para o RN, mãe, família e sociedade. Os benefícios do leite materno são de todos conhecidos. Com a política da amamentação nos hospitais, as altas precoces e uma falta de suporte nos sistemas (saúde, social e cultural) que tradicionalmente apoiavam os casais na amamentação, corre-se o risco de graves complicações às quais o pediatra ou o médico assistente devem estar atentos. A desidratação hipernatrémica é uma dessas complicações e pode conduzir a insuficiência renal aguda, SCID, hemorragia intra-cerebral, trombose vascular, convulsões e até morte. Objectivo: Caracterizar os RN com DH e conhecer alguns dos factores responsáveis pelo insucesso do aleitamento materno exclusivo, que conduzem a esta patologia. Material e métodos: Estudo retrospectivo, por consulta dos processos clínicos dos RN internados na Maternidade Júlio Dinis entre Janeiro 2004 e Agosto 2008. Resultados: Durante este período foram internados 9 recém-nascidos, 5 do sexo masculino, a maior parte (4) foram diagnosticados em 2008. Todos eram de termo, com um peso adequado à idade gestacional, excepto um, grande para a idade gestacional. Não se observaram diferenças no tipo de parto: 4 partos eutócicos e 5 distócicos. A idade materna variou entre os 19 e os 35 anos (média de 28,9 anos), sendo a maioria primíparas (6/9). Relativamente à proveniência 6/9 foram internados a partir do Serviço de Urgência, um deles foi transferido do Hospital de Barcelos por Insuficiência Renal Aguda e Desidratação e 2 RN não chegaram a ter alta do puerpério por ter sido detectada a desidratação no momento da alta prevista (3º dia de vida). O motivo principal da consulta foi: dificuldades na amamentação (4/9). A idade de diagnóstico variou entre 3 e 11 dias de vida (média de 5,7 dias). resumo das comunicações orais S 196 XX reunião do hospital de crianças maria pia A percentagem de peso perdido variou entre 8,8% e 21% (média de 15%). O valor máximo de sódio encontrado foi de 171 mEq/L. De salientar que foi nos RN com mais dias de vida na altura do diagnóstico que a perda ponderal foi maior. Tratamento realizado em 55,5% (5/9) foi endovenoso (soroterapia) associado à alimentação com leite materno e/ou leite de fórmula. Como comorbilidade: 1 caso de Síndrome de Pierre-Robin. A maior parte (66,6%) teve alta com aleitamento misto. Em nenhum caso, foram descritas outras complicações. Conclusão: O maior número de casos internados no último ano, pode sugerir que além de se estar mais atento a esta complicação, há de facto um maior incentivo à prática do aleitamento materno exclusivo mas que falta o apoio necessário para que as mães se sintam confiantes num processo que levanta tantas questões, sobretudo para mães jovens e primíparas. Os autores alertam para a necessidade de colocar em prática as recomendações da AAP de 2006 sobre a vigilância da amamentação. ALTE – UMA ANÁLISE RETROSPECTIVA Brígida Amaral, Joana Amorim, Rosa Lima, Helena Mansilha, Esmeralda Martins, José Cunha, Ana Ramos Serviço de Pediatria Unidade Hospital Maria Pia - Centro Hospitalar do Porto Os autores fazem uma revisão dos casos de ALTE internados durante o período de Janeiro de 2005 até Setembro de 2008 no serviço de Pediatria do Hospital Maria Pia. Por definição ALTE (Apparent Life Threatening Event) refere-se a um episódio súbito, assustador para o observador, no qual o lactente exibe uma combinação de sintomas, que incluem: apneia, alteração da coloração da pele (palidez, rubor, cianose ou plétora), alteração do tónus muscular (hipotonia, rigidez), engasgamento ou tosse. Tem sido descrita uma incidência de aproximadamente 0,6 casos/1000 nados vivos, ocorrendo a maioria em lactentes NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 com idade inferior às 10 semanas de vida com predomínio no sexo masculino. A etiologia subjacente ao episódio é variável sendo 50% dos casos idiopáticos. Nos restantes casos encontra-se uma causa gastrointestinal, neurológica, respiratória, cardíaca, metabólica ou endócrina. Para o diagnóstico é fundamental uma história clínica minuciosa e um exame físico completo. Os exames complementares de diagnóstico requisitados deverão ser criteriosamente direccionados à provável etiologia. Uma vez identificada a causa deverá ser instituída a terapêutica adequada. Foram revistos 34 casos clínicos de lactentes internados por episódio de ALTE, 19 (55,9%) do sexo feminino e 15 (44,1%) do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 5 dias e os 6 meses. Na maioria (82,4%) tratavam-se de gestações de termo. Em 47% dos casos, não se conseguiu determinar a etiologia. Os diagnósticos mais frequentes encontrados foram do foro digestivo (32,4%), respiratória (11,7%), cardiovascular (2,9%), neurológico (2,9%) e doença metabólica (2,9%). O refluxo gastro-esofágico foi a única causa digestiva identificada. Perante os resultados obtidos podemos concluir que em cerca de metade dos episódios não se identificou a etiologia, sendo o refluxo gastro-esofágico e patologia mais frequente, concordando com a literatura consultada. RASTREIO NEONATAL NAS DOENÇAS METABÓLICAS HEREDITÁRIAS: FOLLOW-UP 19 DOENTES Esmeralda Martins, Anabela Bandeira, Laura Vilarinho Serviço de Pediatria, Centro Hospitalar do Porto; Centro de Genética Médica Jacinto de Magalhães Introdução: O rastreio neonatal é um programa sistemático destinado a todos os RN, tendo como objectivo evitar a evolução da patologia rastreada através do diagnóstico pré-sintomático e da instituição precoce de terapia adequada. No nosso país, o Programa Nacional de Diagnóstico Precoce teve início em 1979 com o rastreio da fenilcetonuria. A partir de Março 2005 a utilização da espectrometria de massa em tandem permitiu alargar este rastreio a novas doenças, sendo actualmente rastreadas no teste do pezinho a fenilcetonuria e 24 outras doenças metabólicas tratáveis. Método e resultados: Avaliação retrospectiva dos processos de 19 crianças diagnosticados no rastreio, e que estão em seguimento na Unidade de Doenças Metabólicas do Hospital Maria Pia. Foi registada a idade actual, o tipo de doença, situação clínica à data da primeira observação, adesão à terapêutica, descompensações e evolução. Foram incluídas: 10 aminoacidopatias, 5 acidúrias orgânicas e 4 defeitos da β-oxidação mitocondrial dos ácidos gordos. Com idades compreendidas, actualmente, entre os 4 meses e os três anos de idade todos estavam assintomáticos à data do diagnóstico. Com a terapêutica preconizada para a doença respectiva, todos tem um crescimento e um desenvolvimento psicomotor normais. Cinco, foram internados durante intercorrencias infecciosas com recusa alimentar e/ou vómitos, não tendo sido registado nenhum episódio de descompensação grave. Comentários: O diagnóstico e início de tratamento na fase assintomática, permite melhorar o prognóstico neste grupo de doenças metabólicas tratáveis ao evitar o aparecimento de sintomas irreversíveis ou fatais. O estudo familiar e identificação de outros elementos afectados pela mesma doença é, também importante. SÍNDROME DE STEVENS-JOHNSON TRÊS CASOS CLÍNICOS Brígida Amaral, Emília Costa, Lurdes Morais, Laura Marques, Virgílio Senra Serviço de Pediatria Centro hospitalar do Porto Unidade Hospital Maria Pia O Síndrome de Stvens-Johnson (SSJ) é uma doença mucocutânea, rara e potencialmente grave. Caso 1: Criança sexo feminino, 4 anos, internada por febre, exantema papulo-vesiculoso generalizado, queilite, conjuntivite e vulvovaginite. Infecção respiratória medicada com amoxicilina/ácido clavulânico nos 15 dias antes e contacto com sulfatos nos 10 dias antes. Apirexia em D2 de internamento e início de resolução das lesões em D3 com tratamento sintomático. Caso 2: Criança sexo feminino, 6 anos, asmática, internada por febre, tosse produtiva, exantema eritematovesiculoso com atingimento da mucosa conjuntival, oral, vulvar e anal. Infecção respiratória medicada com azitromicina nos 7 dias antes. Infiltrado intersticial bilateral no Rx tórax. O estudo serológico revelou IgM e IgG positivas para Mycoplasma pneumoniae, EBV e HSV, com pesquisa por PCR negativa. Efectuou terapêutica com IgG. Apirexia em D16 de internamento com resolução gradual das lesões cutâneo-mucosas Caso 3: Criança sexo feminino, 9 anos, internada por febre, vómitos, exantema maculo-papulo-vesiculoso generalizado com atingimento da mucosa conjuntival, oral, vulvar e uretral. Sem história de doenças infecciosas ou ingestão medicamentosa. O Rx Tórax foi normal. As serologias foram negativas para EBV, CMV, HSV 1 e 2, HIV 1 e 2, Coxsackie, Mycoplasma pneumoniae, Rickettsia conorii, Brucella e Salmonella typhi. A hemocultura e a pesquisa de vírus no lavado naso-faríngeo foram negativas. Verificou-se destacamento da epiderme em 20% da área de superfície corporal e aparecimento de sinéquias palpebrais com necessidade de desbridamento cirúrgico. Efectuou terapêutica com IgG. Apirexia em D15 de internamento com epitelização total das lesões. A gravidade de apresentação do SSJ é variável. O caso 1 é clinicamente menos exuberante comparado com os restantes. No caso 3 o destacamento de epiderme é superior a 10% da área de superfície corporal, havendo sobreposição na definição de SSJ e Necrólise Epidérmica Tóxica. O diagnóstico etiológico é frequentemente dificil. Os agentes etiológicos mais comuns são os fármacos e as infecções. No caso 1 e 2 há história de infecção respiratória. Apenas no caso 2 o estudo serológico foi positivo. A tera- resumo das comunicações orais XX reunião do hospital de crianças maria pia S 197 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 pêutica no SSJ mantém-se controversa, no entanto o uso de IgG é cada vez mais consensual. INTERNAMENTO POR PÚRPURA DE HENOCH-SHÖNLEIN - A EXPERIÊNCIA DO HPH Patrícia Santos, Ana de Lurdes Aguiar, Tânia Sotto Maior, Ana Castro, Rui Almeida, Sofia Aroso Serviço de Pediatria do Hospital Pedro Hispano Introdução: A Púrpura de HenochShönlein (PHS), também conhecida como púrpura anafilactóide é a causa mais comum de púrpura não trombocitopénica e vasculite sistémica na infância. É uma vasculite de pequenos vasos, caracterizada por exantema púrpurico palpável associado frequentemente a artrite, dor abdominal e nefrite. A evolução clínica é favorável na grande maioria dos casos. Objectivos: Caracterizar os internamentos por PHS no Hospital Pedro Hispano (HPH) quanto à sua apresentação, presença de complicações, abordagem terapêutica e evolução. Material e Métodos: Estudo retrospectivo, descritivo, incluindo crianças internadas no HPH entre Janeiro de 2002 e Dezembro de 2007 por PHS. Parâmetros avaliados: sexo, idade, mês de apresentação, sinais e sintomas no diagnóstico, antecedentes infecciosos e medicamentosos recentes, exames auxiliares de diagnóstico, tratamento e evolução. Tempo de seguimento mínimo de 18 meses. Resultados: Durante o período estudado foram internadas 23 crianças com o diagnóstico de PHS, que corresponderam a 36 internamentos. Encontrou-se um ligeiro predomínio do sexo feminino (52,2%) e uma média etária ao diagnóstico de 5,47 anos (mínimo: 18 meses, máximo: 2 anos). Verificou-se um predomínio de internamentos no Outono e Inverno. Como factores precipitantes destacaram-se as infecções das vias aéreas superiores em 10 crianças (43%). Relativamente aos sintomas de apresentação verificou-se a presença de atingimento cutâneo em todas as crian- ças, artralgias em 16 crianças (70%), dor abdominal em 6 crianças (26%), febre em 2 crianças, edema escrotal em 2 crianças e hematúria macroscópica numa criança. Os reinternamentos (n=13) foram maioritariamente devidos a queixas abdominais (8 casos). Encontraram-se as seguintes complicações: nefropatia de IgA (n=1), recidiva das lesões cutâneas com evolução superior a 1 ano (n=1), sobreinfecção bacteriana das lesões cutâneas (n=1). A taxa de mortalidade foi nula. A corticoterapia (prednisolona EV) foi administrada em 50% internamentos. Onze crianças (47,8%) foram tratadas sintomaticamente (repouso e analgesia) com sucesso. Conclusões: Os autores salientam a benignidade da PHS nesta amostra, ressalvando o caso de atingimento renal com evolução para a cronicidade. Foi encontrada uma relação sexo F: sexo M inferior à de 2:1 descrita na literatura o que poderá ser explicado pela dimensão da amostra. Confirmou-se o predomínio sazonal nos meses de Outono/Inverno e de infecções respiratórias prévias já descritos em estudos anteriores. Apesar de a dor abdominal ter apresentado uma percentagem inferior à descrita nos sintomas de apresentação, foi a principal causa de reinternamento; nestes não correspondeu em nenhum dos casos a situações de emergência cirúrgica (i.e. invaginação ou enfarte/perfuração intestinal), devendo-se o reinternamento à exuberância das queixas e ansiedade parental. A corticoterapia foi utilizada em 50% dos internamentos o que nos leva a repensar os critérios de utilização deste fármaco. HIPERBILIRRUBINÉMIA NÃO CONJUGADA: EXPERIÊNCIA DE UM HOSPITAL DISTRITAL Susana Lima, Otília Cunha, Mafalda Sampaio, Miguel Costa Serviço de Pediatria do H. S. Miguel – Oliveira de Azeméis Introdução: A síndrome de Gilbert é caracterizada por uma hiperbilirrubine- resumo das comunicações orais S 198 XX reunião do hospital de crianças maria pia mia leve não conjugada causada por uma deficiência na enzima bilirrubina-uridinofosfato glicoruniltransferase (UGT1A1). O valor da bilirrubina total pode atingir os 5 mg/dl, estando por vezes associada a episódios de icterícia intermitente. Trata-se de uma doença geneticamente transmissível, com um padrão autossómico recessivo. Foi estimado que cerca de 10-15% da população ocidental estará afectada. Material e Métodos: Avaliação dos processos clínicos de 27 doentes seguidos na consulta de Patologia Digestiva do nosso hospital com o diagnóstico de síndrome de Gilbert. Resultados: A idade média de diagnóstico foi 10 anos (intervalo de 4 a 16), com predomínio do sexo feminino (56%). A maioria dos doentes foi detectada em análises de rotina, sendo que 3 foram avaliados por história familiar de síndrome de Gilbert. Um outro doente foi diagnosticado por ter apresentado episódio de icterícia em contexto de doença infecciosa, tendo o diagnóstico molecular revelado alterações em heterozigotia associadas a Síndrome de Gilbert / Crigler-Najjar. O valor médio de bilirrubina total máxima foi de 1,9 mg/dl (intervalo de 1,2 a 4,7mg/dl). Todos efectuaram estudo genético, com prevalência da homozigotia para a duplicação dinucleotídia TA na região promotora do gene UGT1A1 em 78% (n=21) Conclusões: Tal como vem descrito na literatura, a idade média de diagnóstico foi verificada na adolescência, estando a maioria dos doentes assintomáticos. A homozigotia para a duplicação TA tem vindo a ser associada à síndrome de Gilbert, sendo a alteração mais prevalente na raça caucasiana, como se pode verificar também neste estudo. Foi possível verificar ainda, a nível de estudo molecular, alterações em heterozigotia compostas que em outros estudos se encontram individualmente associadas a Síndrome de Gilbert e a Síndrome de Crigler-Najjar, conferindo valores de bilirrubina total mais elevados. Os autores alertam para o facto de o diagnóstico preciso destas patologias dispensar outros estudos exaustivos perante doentes com hiperbilirrubinemia NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 não conjugada. Além do mais, é importante para o anestesiologista saber as condições que podem levar à diminuição da enzima UGT para impedir o aparecimento de toxicidade intra-operatória. ANEMIA FERROPÉNICA. CARACTERIZAÇÃO DE UMA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA Cálix MJ, Figueiredo M, Melo T, Bini-Antunes M, Barbot J Serviço de Hematologia da Unidade do Hospital Maria Pia - Centro Hospitalar do Porto Introdução: O défice de ferro constitui um dos mais comuns problemas nutricionais podendo causar graves problemas na infância nomeadamente atraso de crescimento e psicomotor, mau rendimento escolar e diminuição da tolerância ao exercício. Objectivos: Caracterização da população pediátrica com anemia ferripriva ou défice de ferro seguida na consulta de Hematologia do Hospital Maria Pia. Material e métodos: Análise retrospectiva dos processos dos doentes admitidos entre Janeiro 1994 e Agosto 2008 com avaliação de: sexo, idade à data da primeira consulta, motivo do envio, terapêuticas prévias com ferro, existência de erros alimentares, parâmetros hematológicos e bioquímicos de ferro na primeira consulta e subsequentes, terapêuticas instituídas, documentação de resposta e investigação de défice de absorção associado (doença celíaca (DC), gastrite atrófica auto-imune (GAAI) e infecção por Helicobacter pylori (HP)). Resultados: Foram orientados 139 doentes (94 do sexo masculino) com mediana de idade 3.5 anos (0,5- 17). Os principais motivos para o envio à Consulta foram anemia microcitica hipocrómica (61) e anemia resistente a terapêutica com ferro oral (17). Em 69 doentes havia registo de terapêuticas prévias com ferro e em 71 referência a erros alimentares significativos. As atitudes terapêuticas na primeira consulta foram: ferro oral com eventual ajuste da dose (92), ferro EV (8), transfusão de glóbulos rubros e posteriormente ferro oral (3), correcção exclusiva dos erros alimentares (5), suspensão de terapêutica (2), outras atitudes (15), nenhuma atitude (14). Em 113 dos 139 doentes foi comprovada a existência de anemia ferropénica e/ou ferropenia sendo que nos restantes foram detectadas outras situações, nomeadamente alfa talassemia minor (10), beta talassemia minor (3), esferocitose hereditária (1), traço de drepanocitose (2). A reavaliação aos 3 meses foi possível em 109 casos e permitiu documentar resolução da anemia (42), melhoria parcial (40) e ausência de resposta (27). A prova de absorção com ferro oral foi efectuada em 19 doentes, tendo resultado positiva em 12 (foi documentada infecção por HP isolada (4), infecção por HP associada a provável alteração no metabolismo do ferro (3), infecção por HP associada a GAAI (1), GAAI isolada (1) e outros diagnósticos (3)). O tempo mediano de seguimento dos doentes foi de 10 meses (mínimo 1, máximo 48). Do total de doentes 55 mantêm vigilância, 56 tiveram alta, 10 foram referenciados a outras consultas e 18 foram perdidos no seguimento. Comentários: As situações de défice de ferro devem ser detectadas e tratadas eficazmente pois são comprovadamente prejudiciais no desenvolvimento físico e intelectual da criança. De referir a importância de detecção atempada de patologias que interferem na absorção do ferro nas situações de anemia não responsiva à terapêutica oral. Estas situações devem ser diagnosticadas antes do recurso à terapêutica com ferro EV cuja previsível boa resposta pode adiar o diagnóstico. Destaca-se a importância de uma alimentação saudável no sentido de prevenir erros que possam causar a longo prazo situações de carência de ferro. Da presente casuística ressalta a percentagem elevada de crianças que se mantém em vigilância na consulta, assim como o follow-up elevado dos que tiveram alta. Estes números devem ser avaliados no contexto de um serviço onde recorrem crianças que já revelaram algum tipo de resistência às terapêuticas efectuadas no âmbito dos cuidados de saúde primários. DIETA CETOGÉNICA – EXPERIÊNCIA NA PEDIATRIA Carla Silva, Manuela Almeida, Esmeralda Martins, Inês Carrilho, Teresa Temudo, Fernando Pichel Unidade de Nutrição Departamento da Infância e Adolescência, Centro Hospitalar do Porto IRJ - Centro de Genética Médica Jacinto de Magalhães Introdução: A dieta cetogénica, é uma dieta normocalórica, rica em gordura e restrita em hidratos de carbono, que estimula a formação de corpos cetónicos que são utilizados pelo cérebro como energia alternativa. Esta terapêutica não farmacológica usada há longa data no tratamento das epilepsias refractárias, é também o tratamento de eleição em algumas doenças do metabolismo energético cerebral como o défice de transportador da glicose tipo I (GLUT-I) e o défice em piruvato desidrogenase (PDH). Objectivos: Descrever um grupo de crianças seguidas no CHP, que efectuaram tratamento com dieta cetogénica. Avaliar a eficácia e complicações desta dieta nos doentes com tratamento superior a 6 meses. Material e Métodos: Estudo retrospectivo descritivo através da recolha de dados dos processos clínicos dos doentes que iniciaram tratamento com dieta cetogénica. Foram recolhidos os seguintes dados: idade actual, sexo, diagnóstico, idade de início do tratamento, duração do tratamento, eficácia ou não do tratamento, complicações detectadas durante o tratamento (clínicas e analíticas) e evolução ponderal. Resultados: A dieta foi instituída em 12 doentes, 5 do sexo feminino e 7 do sexo masculino com idades compreendidas entre 1 e 12 anos e uma média de 4,9 anos. Destes, 7 apresentavam diagnóstico de epilepsia refractária, 3 apresentavam défice em piruvato desidrogenase e 2 défice de transportador da glicose tipo I. Cinco doentes suspenderam a dieta (1 por não adesão e 4 por não se verificar benefício). Nos sete doentes que mantiveram a dieta por um período superior a 6 me- resumo das comunicações orais XX reunião do hospital de crianças maria pia S 199 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 ses a evolução foi: epilepsia (3 doentes) redução superior a 90% do número de crises, défice de transportador da glicose tipo I (1 doente) redução de quase 100% no número de episódios paroxisticos (ataxia/sonolência), défice em piruvato desidrogenase (3 doentes) verificou-se uma melhoria clínica significativa ao nível do desenvolvimento motor. Nestes sete doentes registaram-se as seguintes complicações: aumento das transaminses (2 doentes), hipercolesterolemia (3 doentes), hipertrigliceridémia (2 doentes), hipocalcemia (1 doente), esteatose (1 doente) e excesso de peso (1 doente). Conclusões: A dieta cetógénica mostrou ser eficaz e segura no tratamento destas situações clínicas. Contudo, é de extrema importância o conhecimento dos riscos ao nível nutricional assim como o impacto ao nível do crescimento, sendo para tal necessária uma avaliação dos parâmetros analíticos e antropométricos ao longo do tratamento. Outro factor importante a considerar consiste na motivação dos pais para instituir este tipo de dieta, assim como a própria divulgação deste tratamento ao nível dos profissionais de saúde. CITOPATIA MITOCONDRIAL E RIM Patrícia Nascimento, Alzira Sarmento, Anabela Bandeira, Conceição Mota, Mª Sameiro Faria, Esmeralda Martins Serviço de Pediatria e Serviço de Nefrologia Pediátrica das Unidades Hospital Maria Pia e Hospital Santo António - Centro Hospitalar do Porto Introdução: As citopatias mitocondriais (CM) são um grupo heterogéneo de doenças hereditárias causadas por défices na fosforilação oxidativa comprometendo o fornecimento adequado de ATP ás células. Nestas doenças caracterizadas pelo envolvimento multissistémico, são mais frequentes os sintomas nos órgãos com consumo energético elevado dependente do metabolismo aeróbio (cérebro, musculo, coração, fígado e rim). O envolvimento renal nas crianças manifesta-se por tubulopatia proximal (mais frequente), síndrome nefrótico, nefropatia tubulointersticial e insuficiência renal. Objectivo: Estudar o envolvimento renal dos doentes com CM seguidos na consulta de Doenças Metabólicas do Hospital Maria Pia. Métodos: Estudo retrospectivo pela consulta dos processos clínicos dos doentes com diagnóstico de CM (critérios morfológicos, bioquímicos ou moleculares). Avaliou-se a função renal através da excreção fraccionada de sódio, potássio e ácido úrico, reabsorção tubular de fósforo, proteinuria, níveis séricos de albumina, metabolismo ácido-base, relação magnésio/creatinina, doseamento de aminoácidos e glicose e cálcio na urina. Resultados: Das 27 crianças com idades compreendidas entre os 1 e os 14 anos de idade, 13 (48,1%), tinham envolvimento renal. Destas 12 apresentavam patologia do tubulo próximal (1 raquitismo hipofosfatemico, 1 síndrome Fanconi, 10 tubulopatia ligeira com aminoaciduria, proteínuria tubular e perda de sal). O atingimento glomerular com síndrome nefrótico ocorreu num caso. Apenas um doente apresenta doença renal isolada e nos restantes o envolvimento renal surge num contexto de doença multissistémica onde predomina a clínica neurológica. Comentários: Os dados obtidos encontram-se em consonância com os publicados nas crianças com CM, existindo envolvimento do rim em cerca de 50% dos casos com predomínio marcado de doença do tubulo próximal. Os autores alertam para a necessidade de pensar neste grupo de doenças perante crianças com patologia renal não filiada, particularmente quando existe envolvimento de órgãos sem relação funcional ou embriologica. AUTO DECLARAÇÃO DE ALERGIA A FÁRMACOS EM IDADES PEDIÁTRICAS - ANÁLISE MULTIVARIADA DE FACTORES DE RISCO L. Araújo, E. Gomes, J. Fonseca Serviço de Imunoalergologia, H.S. João EPE; Serviço de Imunoalergologia, H.M Pia; Serviço e Laboratório de Imunologia; Serviço de Biostatítica e Informática Médica, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Objectivo: Avaliar a prevalência de auto-declaração de alergia a fármacos, resumo das comunicações orais S 200 XX reunião do hospital de crianças maria pia características das reacções e análisar os factores de risco, em diferentes populações de ambulatório nas idades pediátricas. Métodos: Questionários preenchidos pelos pais foram recolhidos em 3 populações pediátricas distintas (uma população de crianças seguidas em Pediatria privada, uma população seguida em Cuidados de Saúde Primários e uma população do ambulatório hospitalar de 7 consultas (Imunoalergologia, Medicina Física e de Reabilitação, Cirurgia Pediátrica, Estomatologia, Otorrinolaringologia, Pediatria Geral e Pedopsiquiatria). O questionário avaliava a ocorrência de reacções adversas a fármacos, fármacos envolvidos e manifestações clínicas das reacções. Numa subpopulação de crianças seguidas em consulta de Imunoalergolgia foi avaliada a associação entre atopia e alergia a fármacos. Foi utilizado um modelo de regressão logística multivariada para avaliar possíveis factores de risco, para um nível de significância de 5%. Resultados: Foram analisados 1849 questionários. A mediana de idade foi de 6 (Min 0 - Max 20) anos; 58% de sexo masculino. Auto-declararam reacções adversas a fármacos 10% dos pais e 6% acreditavam que os filhos sofriam de alergia a fármacos; 5% tinham um diagnóstico médico prévio de alergia a fármacos. As reacções cutâneas foram as mais frequentes (58%); 80% das reacções levaram os pais a recorrer a assistência médica não programada e 42% necessitaram de algum tipo de tratamento médico. No modelo de regressão logística multivariada, apenas a população de origem (OR 1.2; 95% CI 1.02-81.5; p=0.03) e a presença de manifestações cutâneas (OR 4.1; 95% CI 1.7-10; p=0.002) se revelaram factores de risco independentes para diagnóstico médico de alergia a fármacos Conclusões: A auto-declaração de alergia a fármacos pelos pais é frequente. Os únicos factores de risco independentes para diagnóstico médico de alergia a fármacos encontrados foram manifestações cutâneas da reacção e a população de origem, pelo que factores não relacionados com as características clínicas das NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 reacções poderão influenciar o diagnóstico médico de alergia a fármacos. ESTUDO RETROSPECTIVO DE ALTA ESTATURA SINDRÓMICA NUMA CONSULTA DE GENÉTICA/METABOLISMO Diana Moreira, Jorge Sales Marques Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar Gaia/Espinho – EPE Objectivo: O objectivo deste estudo é caracterizar os casos clínicos de alta estatura sindrómica, seguidos na consulta de Genética e Metabolismo do Centro Hospitalar Gaia/Espinho – EPE. Material e Métodos: Revisão dos processos clínicos dos pacientes com alta estatura seguidos na consulta de Genética/Metabolismo, no período de 1-1-00 a 31-12-07. Foram analisadas as seguintes variáveis: sexo, idade, idade de diagnóstico, motivo de consulta, diagnóstico etiológico, parâmetros antropométricos, desenvolvimento psicomotor, alterações ao exame físico e comorbilidades associadas. Excluíram-se do estudo os pacientes com alta estatura familiar. Resultados: De um total de 412 pacientes seguidos na consulta de Genética/Metabolismo, 20 pacientes (4,9 %) apresentam alta estatura de etiologia sindrómica, destes 65% (13 pacientes) são do sexo masculino. A idade média de diagnóstico etiológico foi 5 (mínimo 1 e máximo 15) anos de idade. A causa mais frequente de alta estatura é o Síndrome (S.) de Beckwith-Wiedemann (5 casos, 25%), seguido pelo S. de Marfan (4 casos, 20%), S. do X Frágil e S. de Klinefelter (3 casos cada um, 15%), Trissomia X (2 casos, 10%) e finalmente S. de Beals, S. de Sotos e Homocistinúria (1 caso cada um, 5%). Apenas 1 dos 20 casos (5%) foi referenciado à consulta por alta estatura, o motivo de consulta mais frequente foi distúrbios do desenvolvimento psicomotor (7 casos, 35%). Onze pacientes apresentam comorbilidades associadas (55%), mais prevalente no S. de de Beckwith-Wiedemann (75%). Discussão: A alta estatura foi um motivo infrequente de consulta nesta amostra populacional. Os autores pretendem realçar a importância do reconheci- mento precoce da dismorfologia, distúrbios do desenvolvimento psicomotor e pubertário nos pacientes com alta estatura, com intuito de permitir uma adequada orientação clínica e aconselhamento genético. DOENÇA RENAL POLIQUÍSTICA AUTOSSÓMICA RECESSIVA: REVISÃO CASUÍSTICA DE 21 ANOS Susana Sousa, Sérgia Soares, Bernarda Sampaio, Teresa Costa, M. Sameiro Faria, Conceição Mota Serviço de Nefrologia Pediátrica do Centro Hospitalar do Porto Introdução: A Doença Renal Poliquística Autossómica Recessiva (DRPAR) é uma doença multissistémica de transmissão genética (AR), que se caracteriza por dilatação cística dos ductos colectores renais e vários graus de anomalias hepáticas. Afecta 1 em 10.000 a 40.000 recém-nascidos, mas a frequência do gene na população geral é de 1/70. É devida a mutações em um único gene, localizado no braço curto do cromossoma 6, existindo no entanto diferentes formas de apresentação clínica e evolução da doença. Objectivos: Revisão e caracterização dos casos de DRPAR seguidos na consulta de Nefrologia Pediátrica. Material e métodos: Estudo retrospectivo dos registos clínicos das crianças com DRPAR seguidas entre Novembro de 1987 e Abril de 2008, com análise de diversas variáveis, como sexo, idade, história familiar, diagnóstico, evolução clínica e imagiológica e tratamento. Resultados: Das 11 crianças incluídas no nosso estudo, 55% é do sexo masculino, com uma idade média actual de 13,5 anos. A história familiar foi relevante em 4 doentes, com 1 caso de consanguinidade parental e 3 doentes com irmãos afectados pela doença. O motivo que levou ao diagnóstico foi: alteração na ecografia pré-natal em 5 casos (45%), massas abdominais palpáveis em 3 (27%), insuficiência renal em 1 e rastreio familiar em 1. Dos 6 casos diagnosticados após o nascimento, 2 foram no período neo-natal, 1 aos 3 meses e 3 após o 1º ano de vida. Na primeira ecografia renal efectuada 91% dos doentes apresentavam alterações típicas da doença (rins aumentados, hiperecogénicos e com má diferenciação cortico-medular) e em mais de metade eram já visíveis numerosos quistos renais. Na 1ª ecografia abdominal apenas 2 doentes (18%) apresentavam alterações. O estudo genético foi realizado numa família. Quanto à evolução, 9 crianças (82%) apresentaram HTA (em 5 delas de difícil controlo) e 7 crianças (64%) IRC (2 das quais com evolução para IRC terminal, já transplantadas). Em 5 crianças existe fibrose hepática, embora nenhuma com repercussão clínica. Conclusões: A DRPAR, apesar de ser uma doença geneticamente homogénea, cursa com diferentes expressões fenotípicas. Estabeleceram-se já algumas correlações geno-fenotípicas e, no futuro, o estudo das mutações permitirá compreender melhor a relação entre elas e as manifestações clínicas da doença. CONSULTA DE GINECOLOGIA PEDIÁTRICA E DA ADOLESCÊNCIA NA MATERNIDADE JÚLIO DINIS – UMA EXPERIÊNCIA MULTIDISCIPLINAR Eugénia Fernandes, Sandra V. Soares, Inês Vaz, Teresa Oliveira, José Cidade Rodrigues Serviços de Ginecologia e Obstetrícia Maternidade e Júlio Dinis e Serviço de Cirurgia Pediátrica Hospital Maria Pia - Centro Hospitalar do Porto Introdução: A Ginecologia Pediátrica e da Adolescência (GPA) é uma especialidade relativamente recente, de carácter multidisciplinar, que se alicerça em várias especialidades como a Pediatria, a Endocrinologia, a Ginecologia, a Cirurgia Pediátrica, a Urologia, a Nefrologia, a Pedopsiquiatria, a Genética, entre outras. Os progressos recentes na Biologia Molecular, na Genética Clínica e nas Técnicas de Imagem, deram um grande contributo para o nosso conhecimento sobre o desenvolvimento do aparelho genital humano e permitiram clarificar os limites da variação fisiológica. A abordagem clínica da patologia ginecológica na criança e na adolescente resumo das comunicações orais XX reunião do hospital de crianças maria pia S 201 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 reveste-se por vezes de grande complexidade do ponto de vista médico e psicológico, pelo que requer uma abordagem multidisciplinar. É com base nestes pressupostos e seguindo as recomendações da Federation Internacionale de Gynecologie Infantile et Juvenile e da North American Society for Pediatric and Adolescent Gynecology que foi criada em Março de 2007 a Consulta de Ginecologia Pediátrica e da Adolescência na Maternidade Júlio Dinis. A consulta de GPA é constituída por uma equipa multidisciplinar que envolve profissionais da MJD e HMP nas áreas de Ginecologia, Cirurgia Pediátrica, Endocrinologia Pediátrica, Urologia/Nefrologia Pediátrica, Genética Médica e Pedopsiquiatria. Dedica-se ao estudo diferenciado da patologia ginecológica geral da criança e adolescente, bem como às doenças do desenvolvimento e diferenciação sexual, nomeadamente intersexo. Tem como objectivos prioritários: desenvolver actividade assistencial médicocirúrgica no domínio da GPA, definir guidelines de actuação clínica de acordo com a medicina baseada na evidência, criar base de dados clínicos para posterior auditoria, apresentar e publicar regularmente trabalhos científicos e desenvolver competências formativas na área da GPA. Em termos descritivos, a Consulta de GPA dedica-se à abordagem diagnóstica e terapêutica de: doenças do desenvolvimento sexual – anomalias estruturais/malformativas do aparelho genital, alterações do desenvolvimento pubertário – puberdade precoce ou atraso pubertário, doenças endócrinas (hiperandrogenismo/hirsurtismo, S.O.P., falência ovárica prematura, hiperprolactinémia, patologia tiroideia), alterações do ciclo menstrual, patologia vulvo-vaginal, diagnóstico e tratamento de D.S.T., patologia anexial, patologia mamária, sequelas de tratamento oncológico de tumores pediátricos e follow-up de crianças e adolescentes portadoras de doença sistémica com envolvimento ginecológico. Esta consulta está igualmente vocacionada para o follow-up de doentes que tendo sido operadas na infância ou ado- lescência por patologia genital, necessitam de vigilância ginecológica regular na idade adulta. A Consulta de Ginecologia Pediátrica e da Adolescência realiza-se com periodicidade bimensal e dispõe de uma Consulta de Grupo para discussão de casos clínicos de maior complexidade. Apresenta a particularidade de ser realizada num espaço adaptado à idade, com tempo de consulta apropriado e apoio de outras especialidades. Objectivo: Divulgação da Consulta de Ginecologia Pediátrica e da Adolescência. Revisão da casuística. Metodologia: Descrição do organigrama funcional da consulta, constituição da equipa e âmbito da actividade assistencial. Consulta dos processos clínicos das doentes observadas na consulta de GPA. Resultados: Desde a sua implementação, foram realizadas 91 consultas de GPA na MJD, das quais 55 primeiras consultas. Foram observadas doentes com idades compreendidas entre os 5 e os 26 anos. Vinte e nove (53%) foram referenciadas pela Unidade Hospital Maria Pia (maioritariamente pelo Serviço de Cirurgia Pediátrica), 19 (34%) encaminhadas pelos Centros de Saúde, 5 (9%) orientadas pelo Serviço de urgência da MJD e 2 provenientes de outros hospitais. Entre as situações clínicas observadas, destacam-se pela sua frequência, as tumefacções anexiais, as hemorragias genitais anómalas, a patologia vulvovaginal, as amenorreias primária e secundária e as alterações endócrinas. Foram seguidas na consulta 3 doentes com Síndrome de Mayer–Rokitansky– Küster–Hauser, 3 casos de Disgenesia gonadal, 2 casos de Pseudohermafroditismo masculino (um por Deficiência da 17 β-hidroxiesteróide desidrogenase e outro por Síndrome de insensibilidade completa aos androgénios) e um caso de Pseudohermafroditismo feminino por Hiperplasia adrenal congénita virilizante - Deficiência da 21-hidroxilase). Conclusões: A consulta de GPA pretende ser uma mais-valia na prestação de cuidados de saúde diferenciados, no âmbito da assistência ginecológica neste grupo etário. resumo das comunicações orais S 202 XX reunião do hospital de crianças maria pia Apesar da sua implementação na MJD ser recente e ainda pouco divulgada, os casos clínicos observados justificam por si só a sua existência. Pretende-se, no futuro, que esta constitua uma consulta multidisciplinar de referenciação na área da Ginecologia Pediátrica e da Adolescência. SAÚDE SEXUAL E REPRODUTIVA: OS COMPORTAMENTOS DOS ADOLESCENTES Marcília Teixeira, Mónica Fernandes, Himali Bachu, Ana Paula Teixeira, Delfina Leite, Joana Santos, Teresa Oliveira, Paulo Sarmento Departamento da Mulher e da Neonatologia, Centro Hospitalar do Porto-Unidade Maternidade Júlio Dinis; Departamento de Matemática, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Objectivo: Os adolescentes têm grande probabilidade de comportamentos sexuais de risco devido à sua fase de desenvolvimento. O objectivo deste estudo foi avaliar os comportamentos dos adolescentes que recorrem à consulta do Espaço Jovem em relação à saúde sexual e reprodutiva. Material e Métodos: Um questionário auto-aplicado sobre sexualidade foi proposto a todos os utentes do Espaço Jovem entre Junho de 2007 e Julho de 2008. Dos 1711 (68,5%) questionários devolvidos, foram seleccionados 506 (29,6%) correspondentes a utentes com idade igual ou inferior a 18 anos. Foram analisados factores demográficos, hábitos sociais, idade da coitarca, número de parceiros e métodos contraceptivos. Resultados: A maioria dos utentes era do sexo feminino (96%) e a idade média era 16,6 (±1,3) anos. Quase todos eram estudantes (85,2%), 57,7% destes do ensino secundário. A maioria afirmou não ter hábitos tabágicos (71,1%) ou de uso de drogas (93,1%); no entanto mais de metade (54,7%) consumiam álcool e cerca de 80% reportavam saídas à noite. Cerca de 85% dos adolescentes tinham já iniciado a sua actividade sexual, com uma idade média da coitarca de NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 13,7 (± 5,1) anos, tendo esta sido inesperada em 45,8% dos casos, embora com a utilização de algum método contraceptivo em quase 90% das relações, sendo o preservativo o método de eleição (66,8%). Um terço afirmava ter tido 2 ou mais parceiros sexuais. Cerca de 60% afirmaram nunca ter utilizado contracepção de emergência e 6,7% tinham história de gravidez, sendo que 55,9% destas terminaram em interrupções voluntárias. Conclusão: A grande maioria dos utentes deste grupo tinha já iniciado a sua vida sexual, de forma inesperada e apresentando alguns comportamentos de risco. Assim, todos os profissionais de saúde em contacto com esta população devem informar e educar os adolescentes desde cedo, de forma a promover um estilo de vida saudável/protector no campo da saúde sexual e reprodutiva. Trabalho premiado pela Comissão de Fomento da Investigação em Cuidados de Saúde P.I. nº137/2007 HEPATITE COLESTÁTICA AGUDA: UMA APRESENTAÇÃO RARA DE UMA INFECÇÃO COMUM Alexandre Braga, Patrícia Nascimento, João Goudiaby, Manuel Tavares, Ermelinda Santos Silva Serviços de Pediatria do Centro Hospitalar do Porto, Unidade Hospital Maria Pia e Centro Hospitalar Tâmega e Sousa, Unidade Hospital Amarante Resumo: A infecção por Vírus Epstein-Barr (EBV) tem uma grande prevalência (95%) em todas as populações. Nos países desenvolvidos, é comum durante a infância, embora 1/3 dos casos ocorra já na adolescência. Nas crianças com menos de 4 anos, a infecção é geralmente subclínica ou manifesta-se por sintomas inespecíficos; nas crianças mais velhas e nos adolescentes manifesta-se em 50% dos casos pela tríade clássica do sindrome da mononucleose infecciosa: astenia, faringite, linfadenopatia generalizada. Em ambas as apresentações, é frequente a elevação ligeira a moderada das transaminases (50%) e hepatomegalia em cerca de 10% dos pacientes, embora a apresentação como hepatite aguda colestática seja rara. Os autores apresentam o caso de uma criança de 8 anos de idade, previamente saudável, com antecedentes de icterícia durante o 2º mês de vida (não investigada e com resolução espontânea), que foi admitida por quadro clínico de anorexia, astenia, temperatura subfebril com alguns dias de evolução, seguido de vómitos, icterícia, colúria, fezes despigmentadas e hepatomegalia, na ausência de faringite, adenomegalias e esplenomegalia. O estudo analítico revelou linfocitose com linfóticos atípicos, hiperbilirrubinémia conjugada, transaminases e GGT muito elevadas, mas com funções de síntese hepática preservadas. A investigação complementar confirmou o diagnóstico de infecção aguda por EBV e permitiu excluir outras causas de hepatite aguda. A evolução foi favorável, com resolução dos sintomas em 2 semanas e diminuição lenta mas progressiva das enzimas hepáticas. SÍNDROME DE JUNÇÃO PIELO-URETERAL SUBMETIDOS A CIRURGIA: CASUÍSTICA DE 10 ANOS Lígia Peralta, Sónia R. Silva, Paula Rocha, Armando Reis, Jorge Vaz Duarte Serviço de Pediatria, Hospital Infante D. Pedro, Aveiro; Serviço de Urologia, Unidade Hospital Maria Pia, Centro Hospitalar do Porto Introdução: A obstrução da junção ureteropélvica, ou síndrome da junção pielo-ureteral (SJPU), deve-se a um estreitamento funcional ou anatómico da junção entre a pelve renal e o ureter. É a causa mais frequente de hidronefrose detectada no período pré-natal (PN). Geralmente, a ecografia renal mostra dilatação da pelve renal e do sistema colector, sem evidência de dilatação do ureter e sem alterações da bexiga. O diagnóstico é confirmado pelo renograma após diurético. O tratamento cirúrgico está indicado nos casos mais graves. Objectivos: Caracterização dos casos de SJPU identificados na Consulta de Patologia Nefro-urológica Pediátrica do Hospital Infante D. Pedro (HIP), que foram sujeitos a intervenção cirúrgica e sua evolução. Material e métodos: Análise retrospectiva dos processos clínicos das crianças com SJPU submetidas a intervenção cirúrgica entre os anos de 1999 e 2008. Resultados: Durante o período de estudo foram intervencionadas 11 crianças, 9 do sexo masculino. Sete apresentavam dilatação pielocalicial PN, 3 com atingimento bilateral. Duas crianças apresentaram hematúria e outra infecção urinária (IU) precoce. À data do diagnóstico, as ecografias renais mostraram bacinete superior ou igual a 15mm em 8 crianças, com predomínio do atingimento renal esquerdo (7), houve afectação do parênquima renal em 8. Em nenhuma se observou refluxo vesico-ureteral. Todas as crianças apresentaram um atraso de esvaziamento no renograma com MAG3, sem resposta ao diurético. Apenas uma apresentou compromisso da função diferencial. A função renal foi normal em todas, excepto numa (com melhoria significativa pós-cirurgia). Após o diagnóstico, todas as crianças foram orientadas para a consulta de Urologia do Hospital de Crianças Maria Pia. Oito foram intervencionadas nos primeiros 2 anos de vida, uma aos 4 anos, uma aos 10 e uma aos 16 anos de idade. Uma das crianças, de 5 meses de idade, faleceu no pós-operatório imediato. Uma das crianças abandonou a consulta e 2 encontram-se em fase de estudo póscirurgia. Houve recorrência do SJPU em 2 crianças, apenas 1 repetiu IU. Quatro apresentam compromisso do parênquima renal e 3 mantêm atraso no esvaziamento, com resposta ao diurético, no renograma de controlo. Conclusões: O diagnóstico atempado do SJPU e a correcção cirúrgica nos casos mais graves permitem diminuir o número de infecções urinárias e preservar a função renal. O tratamento geralmente é cirúrgico, mas a abordagem deve ser sempre efectuada por uma equipa experiente e pluridisciplar (pediatria e cirurgia). resumo das comunicações orais XX reunião do hospital de crianças maria pia S 203 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 NEFROUROPATIAS CONGÉNITAS ADMITIDAS NUMA UCIN: CASUÍSTICA DE 10 ANOS Teresa Andrade, Liliana Pereira, M. Sameiro Faria, Teresa Costa, Alzira Sarmento, Armando Reis, Conceição Mota, Carlos Duarte Serviço de Nefrologia, UCINP, Serviço de Urologia - Unidade Hospital Maria Pia - Centro Hospitalar do Porto Introdução: Aproximadamente um terço das crianças com Insuficiência Renal Crónica Terminal tem doença por malformações do tracto urinário. O prognóstico associado a este tipo de malformações depende do grau de atingimento renal e da presença de outras malformações, e pode por vezes começar a definirse in útero. Objectivo: O objectivo deste estudo é a análise dos casos admitidos numa Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN), com diagnóstico de malformação nefro-urológica (MNU). Métodos: Estudo retrospectivo com base na revisão dos processos clínicos de 34 recém-nascidos admitidos na UCIN com MNU, de Janeiro de 1998 a Dezembro de 2007. Foram avaliadas a idade, sexo, diagnóstico pré-natal, presença de malformações extra-renais, insuficiência renal, necessidade de diálise, correcção cirúrgica e evolução. Resultados: A amostra incluiu 34 recém-nascidos (RN), com predomínio de sexo masculino (82%) e idades na admissão compreendidas entre 1 e 20 dias (mediana de 1 dia). Os diagnósticos etiológicos mais frequentes foram válvulas da uretra posterior (9 casos) e extrofia vesical (8 casos). O diagnóstico pré-natal (DPN) mais frequente foi hidronefrose bilateral. O parto foi por cesariana em 53% dos casos, metade deles associados à presença de oligoâmnios. Dois RN apresentavam restrição de crescimento intra-uterino e 13 (38,2%) nasceram prematuros. O peso ao nascimento variou entre 1830g e 4330g, com uma mediana de 3050g. Verificou-se a presença de malformações extra-renais em 44% dos casos, na maioria malformações cardíacas, perineais, e síndromes dismórficos. A ecografia pós-natal confirmou o DPN em 73% dos casos. Nenhum caso de extrofia vesical foi diagnosticado no período neonatal. Na admissão, 47% dos RN apresentavam insuficiência renal (IR), 85% dos quais não oligúrica. Refluxo vesico-ureteral foi observado em 15 e displasia renal em 14 dos 34 casos. A correcção cirúrgica foi realizada em 25 RN (mediana de idade de 7 dias), observando-se uma melhoria da função renal em 40% dos casos com IR. Verificou-se evolução para insuficiência renal crónica (IRC) em 10 RN (31%); destes, 5 necessitaram de iniciar terapêutica substitutiva da função renal. Conclusões: As malformações nefro-urológicas graves detectadas no período pré-natal e/ou neonatal, estão frequentemente associadas a insuficiência renal. Alguns casos beneficiam com a intervenção cirúrgica, sobretudo os de causa obstrutiva, outros evoluem para IRC. LUPUS ERITEMATOSO SISTÉMICO – A REALIDADE DE UM SERVIÇO Joana Rios, Liliana Pereira, Teresa Costa, M. Sameiro Faria, Conceição Mota Serviço de Nefrologia Pediátrica do Hospital Maria Pia - Centro Hospitalar do Porto Introdução: O Lúpus eritematoso sistémico (LES) é uma doença auto-imune complexa, com envolvimento muti-orgânico. Em diversos casos só a evolução ao longo do tempo, pela associação de sinais e sintomas e de alterações analíticas mais específicas, permite o diagnóstico. A morbilidade desta patologia e o tratamento são variaveis, mantendo-se controverso o tratamento mais eficaz. Objectivos: Caracterização das crianças com o diagnóstico de Nefrite lúpica; Avaliar os seguintes parâmetros: idade de aparecimento das primeiras manifestações e do diagnóstico, modo de apresentação, manifestações clínicas, o envolvimento dos diversos órgãos e sistemas, tratamento efectuado e evolução. Material e métodos: Consulta de processos clínicos das crianças seguidas na consulta de Nefrologia pediátrica do Hospital Maria Pia com o diagnostico de Nefrite lúpica, nos últimos 15 anos. Resultados: População: 16 crianças e adolescentes, todas do sexo femi- resumo das comunicações orais S 204 nino. O modo mais frequente de apresentação foi sintomatologia geral – febre, astenia, anorexia - (25%), seguidos de artralgias (19%). As manifestações clínicas mais frequentes foram os sintomas gerais (56%), rash malar (38%), manifestações articulares (81%), anemia/ trombocitopenia (69%) e edema (19%). A manifestação renal mais frequente foi hematoproteinuria (81%). As alterações imunológicas foram uma constante à data do diagnóstico, apresentando todas as crianças alguma alteração. Onze crianças efectuaram biopsia renal que revelou a presença de alterações compatíveis com nefropatia lúpica classe III em 45%, IV em 36% e V em 18%. No tratamento imunossupressor foi utilizado ciclofosfamida, azatioprina, micofenolato de mofetil e corticoterapia oral, com esquemas individuais aplicados a cada caso clínico. Conclusão: O LES é uma patologia não muito frequente. O espectro e a severidade da nefropatia lúpica é muito variável e o prognóstico é influenciado por diversos factores. XX reunião do hospital de crianças maria pia O QUE SABEM OS PEDIATRAS SOBRE ABUSO DE DROGAS? Patrícia Nascimento, Teresa Andrade, Alexandre Braga, Manuel Oliveira, Márcia Gonçalves, Miguel Fonte, Gisela Silva, Rute Moura, Teresa Campos, Sandra Costa, Íris Maia, Fátima Pinto Centro de Saúde da Carvalhosa; Centro hospitalar Alto Ave - Guimarães; Centro Hospitalar Vila Nova Gaia; Centro hospitalar PortoHGSA; Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa; Hospital São João; Hospital São Marcos Introdução: Os adolescentes constituem um grupo de risco para o consumo de drogas de abuso. O inquérito Nacional em Meio Escolar – 2001, da autoria do Instituto da droga e da toxicodependência (IDT), revela um aumento na prevalência do consumo de substâncias de abuso, o que constitui uma ameaça à saúde e bem-estar. O álcool é a substância com maior percentagem de consumidores (91%), seguido pelo tabaco (70%) e pelo cannabis (26% entre os alunos do secundário e 10% entre os alunos do 3º NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 ciclo). O mesmo estudo revela uma tendência para a igualdade entre os sexos a nível do consumo de álcool e tabaco (92%♂: 90%♀; 70%♂: 70%♀, respectivamente), mas com diferenças a nível do consumo de cannabis, em que se verifica predomínio masculino (32%♂: 22%♀). Com o alargamento da idade pediátrica de atendimento nos serviços de urgência, até aos 15 anos e 364 dias durante o ano de 2008 e até aos 18 anos nos próximos anos, é fundamental preparar os pediatras para esta nova realidade. Objectivos: Com este estudo os autores pretenderam avaliar o conhecimento geral que os pediatras e internos de pediatria de alguns hospitais da região norte do país possuem acerca do abuso de substâncias psicotrópicas. Materiais e Métodos: Elaboração de inquérito com perguntas de respostas múltiplas e respostas descritivas. A população alvo foi Pediatras e Internos de Pe- diatria de oito hospitais públicos da região norte do país. Procedeu-se ao registo de dados em base própria e ao tratamento estatístico dos mesmos. Resultados: Responderam ao inquérito 105 médicos sendo que 85,6% afirmou lidar com adolescentes no quotidiano. A maioria (85,4%) considerou saber o suficiente sobre esta temática. Quando inquiridos quanto à faixa etária a partir da qual equacionam as drogas de abuso, 28,9% responderam a partir dos 12 anos, 23,1% a partir dos 10 anos, 15,4% a partir dos 11 anos e 10,6% respondeu que pensa em abuso de drogas em qualquer idade. Cerca de 2/3 dos médicos acredita haver diferença de incidência entre os sexos, dos quais 92,5% pensa que o abuso é mais prevalente no sexo masculino. Na questão acerca de qual a substância de abuso mais utilizada pelos adolescentes, as substâncias mais referidas foram o álcool, com 60,2% e o haxixe, com 17,5% das respostas. 90,7% Acredita que consegue identificar situações de intoxicação aguda. Quando se pergunta perante que sintomas pensam em abuso de drogas, 85,7% refere alteração súbita da consciência, 79,6% alterações agudas do comportamento e 17,3% ataxia aguda. Conclusões: Deste trabalho se constata que a maioria dos inquiridos se encontra consciente do problema e que possui informação sobre o mesmo. Contudo, a opinião manifestada pela maioria dos inquiridos em relação ás substância de abuso mais utilizadas diverge dos dados nacionais existentes. Os autores concluem com este trabalho que é necessária a elaboração de acções formativas nesta área de forma a preparar todos os profissionais de saúde para uma nova realidade, uma vez que os adolescentes vão ser cada vez mais doentes pediátricos. resumo das comunicações orais XX reunião do hospital de crianças maria pia S 205 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Resumo dos Posters ELEVAÇÃO DAS TRANSAMINASES: CAUSAS NÃO HEPÁTICAS Mariana Pinto, Sofia Ferreira, Diana Gonzaga, Marta Grilo, Susana Tavares Serviço Pediatria/Neonatologia, Hospital São Sebastião Introdução: A detecção acidental de elevação das transaminases no Serviço de Urgência (SU) em idade pediátrica conduz frequentemente à investigação de doença hepática. Contudo estas enzimas também estão presentes noutros tecidos, nomeadamente tecido muscular. O objectivo deste trabalho consiste em alertar o pediatra para outro diagnóstico possível aquando do achado acidental de elevação das transaminases. Caso clínico: Criança do sexo masculino, observada no SU aos 2 anos de idade por episódio de convulsão febril simples. Ao exame objectivo apresentava hipertrofia amigdalina com exsudado. Sem hepatomegalia e sem outras alterações de relevo. Efectuou estudo analítico que, por mero acaso, incluiu transaminases, cujo resultado veio alterado (TGO 242 U/L; TGP 402 U/L). Teve alta com o diagnóstico possível de hepatite vírica, orientado para a consulta externa com serologias para CMV e EBV em curso. Ao ser avaliado em consulta, por persistência de elevação das transaminases, sem outros estigmas de doença hepática, o exame objectivo foi revisto, verificando-se apresentar pseudohipertrofia dos gastrocnémios e dos quadricípites femorais com marcha de base alargada e rotação externa dos pés. Dos antecedentes é de referir início tardio da marcha (19 meses) e atraso da linguagem expressiva. Sem antecedentes familiares de relevo. Nessa altura foi colocado o diagnóstico clínico de Distrofia Muscular de Duchenne (DMD), subsequentemente apoiada pela elevação da creatinaquinase (CK) e posteriormente confirmada por biópsia muscular. Discussão: Com a apresentação deste caso clínico pretende-se transmitir que a elevação das transaminases, na ausência de sinais ou sintomas de doença hepática deve alertar para outras patologias, nomeadamente doenças musculares. A anamnese e o exame objectivo detalhados são fundamentais para apoiar este diagnóstico. DA TROMBOSE DO SEIO VENOSO AO ENFARTE CEREBRAL: INFECÇÃO E STATUS PRÓ-TROMBÓTICO Arnaldo Cerqueira, Filipa Belo, Vera Santos, Carla Moço Hospital Central de Faro Os sintomas e sinais de trombose do seio venoso cerebral (TSVC) são inespecíficos, e, por vezes, o diagnóstico tardio. A incidência de TSVC é de 6,7/1 000 000 crianças/ano. As manifestações podem ser fatais e causar défices neurológicos permanentes. Alterações pró-trombóticas foram encontradas em 2/3 a 1/2 dos casos de TSVC em séries pediátricas recentes, e podem ser adquiridas ou geneticamente determinadas. A Trombose sinovenosa é multifactorial e causa subdiagnosticada de mortalidade e morbilidade na população pediátrica. Descreve-se o caso de um lactente do sexo masculino de 19 meses com antecedentes familares de convulsões febris e epilepsia, e pessoais irrelevantes, com o diagnóstico de varicela nos 10 dias prévios ao internamento, admi- resumo dos posters S 206 XX reunião do hospital de crianças maria pia tido por episódio de paragem súbita da actividade, olhar fixo intervalado por revolução ocular, movimentos clónicos dos membros e rotação cefálica externa para a esquerda. Ao exame objectivo apresentava sonolência e hemiparésia direita de predomínio braquial. Realizou PL que revelou aumento das proteínas e TAC CE que evidenciou enfarte cerebral cortical frontal esquerdo com pequenas zonas de hemorragia preenchendo parcialmente os sulcos a este nível. A RMN CE identificou foco de isquemia aguda com edema perilesional frontal esquerdo. Foi colocada a hipótese de enfarte cerebral no contexto de vasculite por VVZ e iniciou aciclovir EV. Em D6 por manter prostração, cefaleia e fotofobia e iniciar vómitos repete TAC CE que revelou aumento da área do enfarte. Por suspeita de trombose venosa realizou Angio RM CE em D7, que evidenciou trombose do seio longitudinal superior e iniciou enoxaparina em dose terapêutica. Com melhoria clínica progressiva. Sem evidência de défices neurológicos focais aos 24 meses. Do estudo pró-trombótico efectuado constatou-se elevação do título de anticorpos anti β2 Glicoproteína (IgM e IgG) e diminuição da Proteína S livre. Houve normalização dos valores após controlo analítico aos 6 meses. A deficiência auto-imune de proteína S pode ser um mecanismo trombose pós-infecciosa. O prognóstico é imprevisível e pode relacionar-se com a precocidade do tratamento pela prevenção da progressão da trombose e da hipertensão venosa intracraneana (controlo da infecção, profilaxia das convulsões, anticoagulação). Constituem predictores de bom prognóstico: idade, ausência de alterações parenquimatosas, anticoa- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 gulação, envolvimento do seio lateral e/ ou sigmóide. Reconhecimento dos subtipos de AVC pediátrico, apresentação clínica e achados imagiológicos facilita a identificação precoce e desenvolvimento de estratégias de tratamento, nomeadamente considerar áreas enfarte venoso vs arterial (venoso - alta convexidade fronto - parietal; próximo linha média; arterial - transformação hemorrágica tardia). O reconhecimento dos mecanismos patofisiológicos pode fornecer uma base racional para o tratamento. CONJUNTIVITE NEONATAL Gisela Silva, Ilídio Quelhas, Joaquim Cunha Serviço de Pediatria do Hospital Maria Pia – Centro Hospitalar do Porto; Unidade de Neonatologia e Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar Tâmega e Sousa A conjuntivite é a infecção mais frequente no período neonatal. A grande maioria é causada por agentes colonizadores da pele e entre estes o mais comum é o Staphylococcus aureus. Mas há agentes que é importante excluir não pela sua frequência, mas pela sua potencial gravidade, como a Chlamydia tracomatis, Neisseria gonorreia e Neisseria meningitidis. A conjuntivite a Neisseria meningitidis é rara, mas o seu diagnóstico tem fortes implicações terapêuticas, pelo risco associado de doença invasiva grave e a pela importância da utilização de antibioterapia sistémica nos casos comprovados e da profilaxia dos contactos. Os autores apresentam o caso de um RN que inicia, aos 22 dias de vida, exsudado ocular purulento à esquerda cujo exame microbiológico isolou Neisseria meningitidis (serogrupo B). O doente ficou internado na Unidade de Neonatologia, por risco de doença invasiva, completando 10 dias de antibioterapia endovenosa (cefotaxime). Foi realizada profilaxia aos contactos para erradicação do estado de portador. Os autores pretendem alertar para a necessidade de colheita de zaragatoa do exsudado ocular, sobretudo no primeiro mês de vida, e da realização de antibioterapia sistémica nos casos comprovados pelo risco de infecção invasiva por esse agente. GIARDÍASE NUMA INSTITUIÇÃO Susana Lima, Ventzislav Ouzounov, Miguel Costa Serviço de Pediatria – H. S. Miguel Introdução: A Giardíase é uma das parasitoses intestinais mais comuns no Mundo, especialmente em áreas onde existem más condições sanitárias ou difícil acesso a água potável. É provocada pelo parasita Giardia lamblia, um protozoário flagelado que existe na natureza em duas formas: cistos ou trofozoítos. É responsável tanto por epidemias como por doença esporádica, sendo um importante agente nas diarreias associadas a água ou alimentos contaminados e à diarreia do viajante. As crianças são mais frequentemente infectadas que os adultos. Existem evidências de transmissão interpessoal, nomeadamente em infantários ou centros de dia, sendo considerada por alguns autores uma infecção endémica nestas instituições. Material e métodos: Após identificação de uma menina pertencente a um Centro de Acolhimento do distrito de Aveiro, que apresentou infecção por Giardia com múltiplas recidivas após tratamento, foram rastreadas todas as crianças da referida instituição para a presença do parasita nas fezes. O rastreio e seguimento foram efectuados num período de 6 meses. Resultados: Foram rastreadas 28 crianças, com idades compreendidas entre os 2 meses e os 7 anos (média de 2 anos e 10 meses), maioritariamente rapazes (54%). Não foi documentada diarreia ou quaisquer outros sintomas na amostra estudada. Apenas a criança que motivou o estudo apresentava má evolução ponderal. Seis crianças apresentaram quistos de Giardia nas fezes (21%). Todas responderam favoravelmente ao tratamento, com parasitológicos de fezes posteriormente negativos. Foi considerada como fonte provável um pequeno lago existente na instituição, no recreio que as crianças habitualmente frequentam. Além do tratamento médico, foram também implementadas medidas higieno-sanitárias na referida instituição. Conclusões: A ocorrência de surtos de infecção por Giardia em infantários está descrita na literatura. Tal como podemos verificar neste trabalho, o facto de persistir contacto com a fonte provável bem como com outras crianças igualmente infectadas, motivou as frequentes recidivas verificadas numa doente. Com este estudo os autores alertam para a importância das medidas higieno-sanitárias em instituições que tenham a seu cargo crianças, com vista a minorar a possibilidade de ocorrência deste tipo de infecções. SURDEZ NEUROSENSORIAL PROFUNDA E RETINITE PIGMENTAR: UM CASO FAMILIAR Luísa Neiva Araújo, Vanessa Portugal, Sandra Ramos Serviço de Pediatria do Hospital Maria Pia – Centro Hospitalar do Porto; Serviço de Pediatria do Hospital Pedro Hispano; Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar Póvoa de Varzim / Vila do Conde Introdução: O diagnóstico de surdez profunda em vários elementos da mesma família traduz habitualmente uma forma hereditária de doença que, quando associada a outros sintomas específicos, se designa de sindrómica. A surdo-cegueira é uma deficiência que cria necessidades especiais de comunicação e causa uma extrema dificuldade na conquista de metas educacionais, vocacionais, recreativas e sociais. Caso Clínico: J.P.C.N, sexo masculino, segundo filho de pais saudáveis, não consanguíneos. Gestação, parto e período neonatal sem intercorrências. Exame objectivo normal ao nascimento. Foi orientado para Consulta Externa de Pediatria, para rastreio auditivo e vigilância clínica, por história de irmão com surdez neurosensorial profunda e retinite pigmentar. Na observação do primeiro mês de vida, fixava e seguia, não sorria, não palrava, não emitia sons, não reagia a estímulos sonoros fortes e apresentava resumo dos posters XX reunião do hospital de crianças maria pia S 207 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 ligeira hipotonia axial. O restante exame físico e neurológico era normal. Foi encaminhado para realização de Potenciais Evocados Auditivos confirmando-se surdez neurosensorial profunda. Foi orientado no sentido de colocação de próteses auditivas e posterior consideração de implantes cocleares. Por apresentar atraso motor com hipotonia global, foi encaminhado para fisioterapia e Centro de Estimulação Precoce. Aos 11 meses iniciou o infantário com apoio do ensino especial. No decurso da investigação do atraso de desenvolvimento psicomotor, realizou estudo analítico alargado com função renal, hepática e tiroideia, enzimas musculares, estudo metabólico, cariótipo, ecografia abdominal e RMN Cerebral, que foram todos normais. Foi observado por Oftalmologia aos 2 anos, detectando-se alterações pigmentares à periferia da retina. Actualmente, tem 2 anos e 9 meses, mantém atraso do desenvolvimento com perturbação do equilíbrio, não permitindo ainda uma marcha estável. Perante a história familiar e pessoal de surdez neurosensorial profunda e retinite pigmentar, com atraso motor e restante investigação negativa, conclui-se tratar de um Síndrome de Usher tipo I. A família foi orientada para Consulta de Genética para estudo e aconselhamento. Conclusões: O síndrome de Usher é uma doença autossómica recessiva caracterizada por perda auditiva neurosensorial e défice visual progressivo secundário a retinite pigmentar. A prevalência da doença na população geral varia entre 3 a 5 por cada 100000 nados vivos. Clinicamente, pode ser classificada em 3 grupos, tendo em conta o grau de défice auditivo e vestibular. O tipo I caracteriza-se por surdez grave/profunda e anomalias vestibulares (atraso motor). O reconhecimento precoce desta doença permite o acompanhamento multidisciplinar atempado, no sentido de melhorar a qualidade de vida e prevenir o isolamento social, implementando estratégias de comunicação precoces e alternativas. ASSOCIAÇÃO DE DOENÇA CELÍACA E DÉFICE DE ALFA-1-ANTITRIPSINA COM LESÃO HEPÁTICA E HIPERTENSÃO PORTAL – CASO CLÍNICO Alexandre Braga, Rosa Lima, Ermelinda Santos Silva, José Ramon Vizcaíno, Fernando Pereira, Herculano Rocha Unidade Hospital Maria Pia e Unidade Hospital de Santo António – Centro Hospitalar do Porto Apresenta-se o caso de um doente que aos 7 meses de idade foi hospitalizado por palidez, distensão abdominal, esplenomegalia, ascite e edemas periféricos. Da investigação efectuada destaca-se anemia microcítica e hipocrómica, trombocitopenia, elevação das transaminases, anticorpos antigliadina positivos e doseamento de alfa-1-antitripsina = 57,4 mg/dl (fenótipo SZ). A biópsia jejunal evidenciou infiltrado inflamatório e atrofia vilositária total. A endoscopia mostrou varizes esofágicas grau 2 no terço inferior. O Eco Doppler da veia porta mostrou um fluxo normal (ausência de trombose). A histologia hepática revelou esteatose e sofrimento hepatocitário discreto, sem fibrose ou inflamação dos espaços-porta. O doente foi colocado sob dieta sem glúten. Nos anos seguintes registou-se um bom controlo da doença celíaca com resolução completa da anemia e excelente crescimento estaturoponderal. A hipertensão portal foi progredindo e aos 5,5 anos a histologia hepática mostrava fibrose densa, esteatose difusa, e infiltrado discreto e grânulos de α1AT nos espaços porta. O Eco Doppler nunca evidenciou a presença de trombose portal mas foi mostrando uma diminuição progressiva do fluxo, e sinais de acentuada arterialização do fígado. A endoscopia aos 11 anos mostrava quatro cordões varicosos no terço inferior do esófago e três cordões varicosos no fundo gástrico com “red spots”. O doente foi referenciado para transplante hepático e ficou inscrito. Discute-se a etiologia da doença hepática neste doente, portador de duas condições clínicas que para ela podem concorrer e mutuamente se potenciar, bem como a etiologia da hipertensão portal “ad início” ainda na ausência de cirrose estabelecida. resumo dos posters S 208 XX reunião do hospital de crianças maria pia ALIMENTAÇÃO NO PRIMEIRO ANO DE VIDA - O QUE OS PAIS SABEM! Cristiana Ribeiro, Sandrina Martins, Miguel Salgado, Isabel Martinho, Íris Maia, Ana Araújo Serviço de Pediatria do CHAM, EPE; Serviço de Pediatria do Hospital de S.Marcos - Braga Introdução: A infância é a altura ideal para se estabelecerem bons hábitos alimentares de forma a contribuir para um bom crescimento e evitar o aparecimento de doenças relacionadas com a alimentação. Gostar de alimentos naturais e evitar alimentos doces e produtos industriais compostos e refinados, são objectivos nos quais os pais se devem empenhar. Objectivos: Avaliar alguns hábitos alimentares das crianças no primeiro ano de vida e o conhecimento dos pais sobre formas de preparação, composição dos alimentos e diversificação alimentar adequada. Material e métodos: Estudo prospectivo baseado num questionário efectuado às mães das crianças com idade ≤ 3 anos, que recorreram à consulta de Pediatria durante um período de 3 meses. Processamento informático dos dados no programa SPSS 15.0. Resultados: No período estudado foram efectuados 69 inquéritos. A média de idades foi de 19 meses sendo 52,2% do sexo feminino. A maioria (87%) das crianças fez aleitamento materno, 35% em exclusivo até aos 4 meses e 16% até aos 6 meses. Os principais motivos apontados para a sua suspensão foram: hipogalactia (44,9%), início actividade profissional (10,1%), diversificação alimentar (8,7%), rejeição da mama (8,7%) e entrada no infantário (5,8%). A duração média da amamentação foi de 3 meses. A maioria das crianças (84%) fez leite adaptado antes de iniciar leite de vaca. Na preparação do leite, 26% das mães colocava primeiro o pó. O leite de vaca foi introduzido, em média, aos 12 meses de idade, tendo 30% iniciado antes do ano de idade. A diversificação alimentar iniciou-se em 53,6% das crianças com a sopa e ocorreu em média aos 4,5 meses. O glúten foi introduzido antes dos 6 meses em 8,4% dos casos. O consumo de queijo tinha sido iniciado em 67% das NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 crianças, tendo sido a idade média de início de 11 meses. Verificou-se o consumo de produtos industriais compostos por queijo fresco em 82,6% das crianças, 45,6% sem conhecimento do médico assistente. A maioria (56,5%) das mães referia que estes produtos se assemelhavam a iogurte e 2,9% desconheciam a sua constituição. Os principais motivos do seu consumo foram o aconselhamento por outras pessoas (22,8%), por iniciativa própria (17,5%) e por pensarem tratar-se de iogurtes para crianças (17,5%). A não introdução destes produtos foi em 41,6% por aconselhamento médico. A maioria das crianças (91,7%) que não consumia os produtos industriais atrás referidos era orientada por Pediatra. Conclusão: Concluímos que ainda há um grande desconhecimento da população sobre aleitamento materno e alimentação saudável no primeiro ano de vida. É essencial que os profissionais de saúde abordem estes temas com os pais, pois muitas vezes estes desconhecem alguns assuntos, que para nós são “simples”, e outras vezes têm ideias erradas. Se nos empenharmos podemos contribuir para um crescimento e desenvolvimento mais saudável das nossas crianças. GALACTOSEMIA CLÁSSICA NUM PREMATURO: CASO CLÍNICO Nelea Afanas, Eunice Moreira, Cármen Carvalho, Esmeralda Martins, Elisa Proença UCIN (MJD), Unidade Doenças Metabólicas (HMPia) Introdução: A galactosemia clássica é uma doença autossómica-recessiva, causada por défice da enzima galactose-1-fosfato-uridiltransferase (GALT). A incidência é de cerca de 1 por cada 50 000 recém-nascidos, com uma mortalidade neonatal que pode chegar a 20%. Clinicamente manifesta-se por hepatomegalia com colestase, vómitos, hipoglicemia e má progressão ponderal. A sépsis por E. coli é a complicação mais temida no período neonatal. O tratamento passa pela evicção de lactose, que apesar de tudo não garante um desenvolvimento intelectual normal a longo prazo. Um diagnóstico precoce é muito importante para prevenir as complicações graves desta patologia. Caso clínico: Recém-nascido do sexo masculino, 2º gémeo, nascido de parto eutócico às 32 semanas, com peso de 1650 g. Fez 1 dose de surfactante por doença das membranas hialinas com evolução favorável. Iniciou aleitamento materno em D2, com boa tolerância até D13, altura em que surge quadro de hipotonia e vómitos alimentares, inicialmente ocasionais e progressivamente mais frequentes e abundantes, sem resposta às medidas anti-refluxo. Detectada entretanto hepatomegalia com aumento das transaminases e colestase (BD 2,8 mg/dl, 16 % da BT). Foi excluída a hipótese de infecção e por suspeita de galactosemia foi pedido doseamento de galactose em sangue na ficha do diagnóstico precoce. Confirmado o diagnóstico de galactosemia clássica com valores de galactose = 602,9 mg/dL (N <5 mg/dl). A observação por Oftalmologia realizada em D18 mostrou “hipotransparência do cristalino”. Iniciou alimentação com leite de soja em D19 com boa tolerância e melhoria clínica e analítica. O estudo molecular confirmou o diagnóstico verificando-se a presença das mutações S135L e Q188R em heterozigótia. A irmã gémea, sempre assintomática é portadora de mutação Q188R em heterozigótia. Teve alta aos 43 dias orientado para a consulta de Doenças Metabólicas do HMPia. Actualmente com 5 meses (3M IC) tem uma evolução estaturo - ponderal no percentil 10, bem adaptado à dieta isenta de lactose e apresenta um desenvolvimento normal para a idade. Comentários: O caso clínico descrito é um exemplo de apresentação neonatal da galactosemia. Discutem-se as hipóteses de diagnóstico colocadas e os diagnósticos diferenciais em casos de vómitos, icterícia e hepatomegalia no período neonatal bem como a sua abordagem. ATRASO MENTAL LIGADO AO X – DEFEITO DO TRANSPORTADOR DA CREATINA Anabela Bandeira, Gabriela Soares, Carla Valongo, Fernanda Manuela, Margarida Reis Lima, Lígia Almeida, Maria Luís Cardoso, Esmeralda Martins Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar do Porto; Centro de Genética Médica Dr Jacinto Magalhães Introdução: Na última década foi descrito o síndrome de deficiência de creatina cerebral como um conjunto de erros congénitos do metabolismo da creatina. Conhecem-se três defeitos metabólicos: dois que afectam a síntese (deficiência da guanidinoacetato metiltransferase e da arginina-glicina amidinotransferase) e um o transporte da creatina. Este último é responsável por uma forma de atraso mental ligado ao X, caracterizado por atraso na linguagem, epilepsia, comportamento autista, deterioração neurológica e perturbações do movimento. Caso clínico: Criança, do sexo masculino, com 4 anos de idade, referenciado por atraso do desenvolvimento psico motor com maior atingimento da área da linguagem. Internamento no período neonatal por dificuldades na alimentação e má evolução ponderal. Actualmente apresenta evolução estaturo-ponderal no percentil 5 e perímetro cefálico no percentil 25-50. O atraso do desenvolvimento psicomotor atinge principalmente as áreas da linguagem e interacção social; segurouse sentado sozinho aos 10 meses, andou sozinho aos 21 meses; primeiras palavras aos 28 meses. Sem história de crises convulsivas. Aos 3 anos de idade: marcha de base alargada e instável, dificuldade em correr, coordenação deficiente, hipotonia generalizada e salivação constante. A linguagem consiste em frases de duas a três palavras. Ao exame físico: fácies particular, com fronte alta, nariz pequeno, desvio para baixo das sobrancelhas. Cariótipo e estudo molecular X frágil e CATCH 22 normais. Cromatografia dos aminoácidos séricos e urinários, amónia e lactato sem alterações. Cromatografia dos ácidos orgânicos sem alterações. RMN cerebral resumo dos posters XX reunião do hospital de crianças maria pia S 209 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 sem alterações. Aumento da excreção de creatina na urina com relação creatina/ creatinina aumentada na urina. Verificouse uma diminuição do uptake de creatina em cultura de fibroblastos. A análise de DNA revelou mutação no gene SLC6A8 (Unidade Metabólica – VU Medisch Centrum – Amsterdão). A mesma mutação foi encontrada na mãe. Espectrometria (1H-RMN) revelou diminuição do pico da creatina. Aos 5 anos de idade iniciou tratamento com monohidrato de creatina 400mg/kg/dia; L-arginina 400mg/kg/dia e glicina 150mg/ kg/dia. Após um ano de tratamento, repetiu a espectroscopia que revelou normalização do pico de creatina. Conclusão: Os defeitos no transportador da creatina correspondem a uma das causas metabólicas de atraso mental ligado ao X. A suspeita do diagnóstico pode ser feita com base na apresentação clínica, uma vez que o padrão de atraso mental é característico e está descrito em algumas famílias com este síndrome. USO DE PAMIDRONATO NA OSTEOPOROSE DE DESUSO Susana Castanhinhal, João Neves, Fernanda Carvalho, Susana Gama de Sousa Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar Médio Ave – Unidade de Famalicão A osteoporose é pouco frequente na idade pediátrica, estando associada a doenças crónicas específicas. Um número crescente de crianças é actualmente tratado com bifosfonatos como o pamidronato por osteoporose, particularmente crianças que têm um risco acrescido de fracturas causadas por doenças ósseas, ou aquelas com reduzida mobilidade como as que têm paralisia cerebral grave ou doença neuromuscular. Os autores apresentam o caso clínico de um rapaz actualmente com 8 anos de idade, com tetraparesia espástica e osteoporose de desuso. Aos 5 e aos 6 anos foi internado por fracturas com localização supracondiliana no fémur esquerdo, ambas diagnosticadas pela presença de sinais inflamatórios da coxa esquerda, sem história de traumatismo anterior. Do estudo laboratorial efectuado, destacavase metabolismo fosfocálcico, Vitamina D, Paratormona, Calcitonina e FA óssea normais. Realizou densitometria óssea (DEXA) que foi compatível com osteoporose franca e elevado risco de fractura (Z score - 6.5), pelo que iniciou terapêutica com carbonato de cálcio, colecalciferol e pamidronato sódico endovenoso (ciclos de 3 dias de 1mg/kg/dia, cada 4 meses, durante um ano), sem registo de intercorrências clínico-laboratoriais. Um ano após o tratamento, a densitometria mostrava uma melhoria significativa da densidade mineral óssea (Z score - 1.1). Não foram registadas novas fracturas no tempo de seguimento de 18 meses. Discussão: A terapêutica com ciclos de pamidronato é útil no tratamento da osteoporose em crianças com paralisia cerebral. Estudos efectuados em séries de doentes mostram ser bem tolerada, aumentar significativamente a densidade mineral óssea com desaparecimento de novas fracturas, e ainda reduzir significativamente a dor do doente à manipulação. VERRUGAS ANOGENITAIS NA CRIANÇA: A IMPORTÂNCIA DA ABORDAGEM MULTIDISCIPLINAR Lia Rodrigues e Rodrigues, Vanessa Portugal, Teresa Gomes, Saritta Nápoles, Conceição Casanova Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar Póvoa de Varzim / Vila do Conde As verrugas anogenitais resultam da infecção pelo papiloma vírus humano (HPV), sendo crescente na literatura o relato de casos em idade pediátrica. Este facto poderá estar relacionado com o aumento da prevalência deste vírus na população adulta, na qual lidera a lista de doenças sexualmente transmissíveis. A presença de verrugas anogenitais na criança levanta a preocupação de um possível abuso sexual, pelo que a sua abordagem envolve uma avaliação multidisciplinar na tentativa de esclarecer o modo de transmissão da infecção. A frequente ausência de sinais físicos de abuso, aliada ao prolongado tempo de incubação do vírus e à possibilidade de latência com posterior reactivação dificul- resumo dos posters S 210 XX reunião do hospital de crianças maria pia tam o estabelecimento dum nexo causalidade. É consensual que a probabilidade de aquisição de infecção por abuso sexual aumenta com a idade da criança. Apresenta-se uma menina de três anos referenciada à consulta de Pediatria com o diagnóstico de verrugas perianais. A mãe refere aparecimento ao ano de idade de 2-3 lesões milimétricas de localização perianal que terão aumentado de forma marcada a partir dos dois anos e meio, sem qualquer sintomatologia associada. Foi negada história de lesões semelhantes noutra localização na criança, pais ou conviventes, assim como a possibilidade de abuso sexual. O exame objectivo confirmou a presença de condiloma perianal. Mãe e filha foram avaliadas por ginecologia, tendo a criança realizado biópsia com identificação de HPV tipo 6. O exame clínico, citologia ginecológica e pesquisa de HPV na mãe foram negativos. A criança realizou estudo analítico, pesquisa de marcadores víricos e serologia infecciosa cujos resultados foram negativos. Foi avaliada em consultas de psicologia não evidenciando sinais de possível abuso e da avaliação social realizada concluiu-se não existir contexto de risco. Houve regressão completa das lesões após dois ciclos de tratamento tópico com imiquimod a 5%. Mantém seguimento na consulta não tendo apresentado até à data recidiva das lesões verrucosas. Este caso ilustra a dicotomia entre um diagnóstico clínico simples e a complexa abordagem multidisciplinar, fundamental para o esclarecimento duma situação com potenciais implicações sóciomédico-legais importantes. DERMATOSE IGA LINEAR EFICAZMENTE TRATADA COM FLUCLOXACILINA Hugo Braga-Tavares, Enrique Carro, Conceição Rosário, Miguel Taveira Unidade Dermatologia Pediátrica, Hospital Maria Pia - Centro Hospitalar Porto; Unidade Anatomia Patológica, Hospital Geral de Santo António, EPE – Centro Hospitalar Porto Introdução: A Dermatose IgA Linear é uma doença vesico-bolhosa tipicamente das crianças em idade pré-escolar que se caracteriza pelo depósito linear de IgA na NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 junção dermo-epidérmica. É uma doença auto-imune, rara, descrevendo-se alguns casos induzidos por drogas. A dapsona constitui o tratamento de primeira escolha, estando descritas outras opções terapêuticas como corticosteróides sistémicos, colchicina e flucloxacilina, esta última com um padrão de segurança na idade pediátrica amplamente demonstrado. Caso Clínico: Criança de 5 anos de idade, saudável, que apresenta quadro de lesões bolhosas com padrão circular e linear e atingindo preferencialmente a região peri-oral, genital e membros inferiores, com um mês de evolução. A pele subjacente apresentava eritema e lesões em alvo, algumas ulceradas e impetiginadas. Sem história de ingestão medicamentosa ou patologia infecciosa recente. Realizada biópsia cutânea que revelou bolha subpepidérmica com infiltrado inflamatório; a imunofluorescência directa demonstrou depósito linear de IgA na junção dermo-epidérmica. Estudo analítico incluindo anticorpos anti-endomísio e membrana basal se alterações. Iniciou tratamento com flucloxacillina oral na dose de 50mg/Kg/dia durante 3 meses, prednisolona oral 1mg/Kg/dia 10 dias seguido de esquema de desmame num total de 60 dias; e omeprazol (durante corticoterapia). Verificou-se recuperação da maioria das lesões após 10 dias de tratamento. Ao mês de tratamento apresentava resolução completa das lesões, não se tendo verificado recorrência das mesmas após a suspensão do tratamento. ERUPÇÃO VARICELIFORME DE KAPOSI – A PROPÓSITO DE UM CASO CLÍNICO Sónia R. Silva, Bárbara Fernandes, Carla Maia, Sónia Coelho, Filipa Inês Cunha, Maria João Bilelo Serviço de Pediatria e Serviço de Dermatologia, Hospital Infante D. Pedro, Aveiro; Hospital Pediátrico de Coimbra Introdução: A erupção variceliforme de Kaposi (EVK) é uma erupção cutânea generalizada provocada pela sobreinfecção vírica de uma dermatose preexistente, mais frequentemente a dermatite atópica (DA). O vírus herpes simples (HSV) tipo 1 é o agente mais comum, mas excepcionalmente podem estar envolvidos o HSV tipo 2, coxsackie A-16 ou ortopoxvírus. Tem um curso agudo, febril, toxémico, com aparecimento de lesões cutâneas, caracteristicamente pustulosas e umbilicadas, independentemente do agente em causa. Há risco de virémia, com grave compromisso de órgãos, bem como de infecção bacteriana secundária, septicémia e morte. Caso clínico: Apresenta-se o caso clínico de um menino de 21 meses, com antecedentes de DA de difícil controlo. Foi observado no Serviço de Urgência por exantema com sete dias de evolução, de agravamento progressivo, acompanhado de irritabilidade e nas últimas 24 horas febre e prostração. O exantema teve início como pápulas na região frontal, com generalização posterior, surgindo lesões do tipo erosivo-crostosas, umbilicadas, algumas com aspecto exsudativo e sobreinfectado. Já havia, desde o início do quadro clínico, recorrido três vezes ao Serviço de Urgência. Tinha sido medicado com hidrocortisona + ácido fusídico desde o segundo dia (D2) de doença e flucloxacilina oral desde D4, sem melhoria. Após observação conjunta com a Dermatologia, foi internado com a hipótese de EVK e medicado com aciclovir endovenoso, flucloxacilina oral e hidrocortisona + ácido fusídico tópico. Teve evolução clínica favorável, ficando apirético a D1 de internamento (D8 de doença), com melhoria progressiva das lesões cutâneas. Teve alta a D5 de internamento sob aciclovir oral, completando 10 dias. Fez 8 dias de flucloxacilina. As serologias efectuadas revelaram títulos elevados de IgG para HSV tipo 1. Comentários: Embora se trate de uma situação rara e se tenha observado uma diminuição da mortalidade por EVK após a disponibilidade do aciclovir para menos de 10%, esta é ainda uma doença potencialmente grave. Desta forma, os autores alertam para a necessidade de a incluir no diagnóstico diferencial de casos de agravamento ou falha de resposta terapêutica em doentes com DA. EDEMA HEMORRÁGICO AGUDO DA INFÂNCIA: “QUANDO A RARIDADE DO DIAGNÓSTICO E A APRESENTAÇÃO ATÍPICA SE CONJUGAM” Clara Alves Pereira, Tiago Correia, Isabel Vale, Joana Pinto, Edite Tomás, Cristina Garrido Serviço de Pediatria, Centro Hospitalar Tâmega e Sousa O edema hemorrágico agudo da infância (EHAI) é uma patologia rara, com uma apresentação exuberante e por vezes alarmante, apesar de benigna e auto-limitada. Caracteriza-se pelo aparecimento súbito de febre, edema e púrpura e surge entre os 4-24 meses de idade. Os seus diagnósticos diferenciais incluem entidades clínicas importantes como meningococemia ou doença de Kawasaki. Caso clínico: Lactente de 9 meses, sexo feminino, sem antecedentes de relevo. PNV actualizado e 3 doses de vacina anti-pneumocócica. Trazido ao hospital por febre com poucas horas de evolução e aparecimento súbito de edema e equimose no tornozelo direito. Sem outros sintomas, traumatismo, imunizações recentes ou consumo de fármacos, excepto paracetamol. Referência a episódio febril 5 dias antes. Ao exame objectivo apresenta razoável estado geral, palidez cutânea e adequada perfusão periférica. Evidencia edema do tornozelo e pé, equimose perimaleolar e petéquias dispersas limitadas à zona da peúga à direita e algumas petéquias no pé esquerdo. Analiticamente regista-se, apenas, leucocitose, PCR e fibrinogénio elevados. Durante a observação verifica-se rápida progressão do exantema e edema em ambos os pés e tornozelos. Por suspeita de meningococcemia inicia antibioticoterapia e é internada. Fica apirética 5h depois, associado a melhoria do estado geral. Não se evidenciou progressão do exantema nas 36h seguintes, surgindo, no entanto, edema das mãos. Posteriormente, apesar de manter o bom estado geral, foi constatado o aparecimento de equimoses na região palpebral e pavilhão auricular direitos e de lesões urticariformes na região glútea e membros que evoluem, em minutos, para lesões equimóticas. Os estudos culturais são negativos e a IgM positiva para resumo dos posters XX reunião do hospital de crianças maria pia S 211 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 HSV 1+2. Tem alta 8 dias depois com regressão completa das lesões. Discussão: O grupo etário, as lesões características e a evolução benigna descritos são típicos do EAHI e permitem o diagnóstico. A história de infecção vírica precedente é frequente. A pausa na progressão do exantema, constitui uma apresentação atípica da doença. Por outro lado, o atingimento do estado geral, as alterações analíticas e a melhoria clínica com a terapêutica antibiótica sugerem a presença de um processo infeccioso concomitante, situação já descrita na literatura. Conclusão: Com este caso os autores pretendem lembrar esta patologia rara, expor uma forma menos típica de apresentação bem como mostrar as dificuldades de abordagem e a importância da consideração de diagnósticos diferenciais. EXEQUIBILIDADE E SEGURANÇA DO ESPUTO INDUZIDO EM CRIANÇAS Luís Araújo, André Moreira, Luís Delgado, Carmo Palmares, João Fonseca, MG Castel-Branco Serviço de Imunoalergologia, H.S. João E.P.E; Serviço de Imunologia e Serviço de Biostatística e Informática Médica, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Portugal Introdução: A indução de esputo com soro hipertónico é um método útil para a avaliação da inflamação brônquica eosinofílica. Objectivos: Avaliação da aplicabilidade clínica e segurança da indução de esputo em idade pediátrica. Métodos: Análise retrospectiva de todas as induções de esputo realizadas nos últimos 3 anos. O procedimento foi explicado às crianças e registados os valores basais e pós administração de 200 μg de salbutamol do débito expiratório máximo instantâneo (DEMI). A criança foi incentivada a expulsar qualquer quantidade de esputo que se formasse, após a inalação de soro hipertónico a 4,5% por períodos de 5 minutos. Se não fosse obtida uma amostra de esputo e se o valor de DEMI se mantivesse superior a 80% do valor pós broncodilatação, a indução era continuada. O procedimento era interrompido caso a criança produzisse uma amostra satisfatória de esputo, quando se atingiam 20 minutos de indução ou se o DEMI caísse abaixo de 80% do valor inicial. Resultados: Foram realizadas 83 induções de esputo; 59 asmáticos (mediana±DP de idade de 13±3 anos, 36 do sexo masculino) e 24 crianças saudáveis (mediana±DP de idade 13±3 anos, 16 do sexo masculino), tendo sido obtida uma amostra satisfatória em 47 (57%) dos casos. O tempo de indução (mediana (P25-75)) foi de 15 (10-20) minutos. Dez crianças referiram sintomas (opressão torácica e/ou tosse excessiva) durante a indução: destas, 3 apresentaram quedas significativas do DEMI e uma apresentou uma queda assintomática do DEMI. Todas as reacções foram facilmente revertidas com a inalação de 200 μg adicionais de salbutamol. Não se registaram reacções adversas graves. Numa análise de regressão logística multivariada, idade, sexo, diagnóstico de asma e tempo total de indução não se correlacionaram com o sucesso da indução. Conclusão: Estes resultados sugerem que a indução de esputo com soro hipertónico a 4,5% é um método fácil, não-invasivo, seguro e exequível na maioria das crianças, de estudar a inflamação brônquica. ASMA NA CRIANÇA: PROVAS DE BRONCODILATAÇÂO EM PRIMEIRA CONSULTA DE IMUNOALERGOLOGIA Eva R. Gomes, Sandrine Almeida Unidade de Imunoalergologia – Hospital Maria Pia – Centro Hospitalar do Porto Introdução: A asma brônquica é uma das doenças crónicas mais prevalentes na infância e atinge cerca de 12% da população pediátrica em Portugal. Trata-se de uma doença inflamatória das vias aéreas que condiciona uma obstrução variável e reversível da via aérea e se associa uma hiper-reactividade brônquica. Tais características podem ser postas em evidência através de uma prova de broncomotricidade. Objectivos: Analisar os achados espirométricos numa primeira consulta de resumo dos posters S 212 XX reunião do hospital de crianças maria pia avaliação de doentes pediátricos com suspeita de asma brônquica nomeadamente a resposta à prova de broncodilatação. Avaliar a utilidade da realização deste exame em primeira consulta por asma. Material e métodos: Avaliação retrospectiva de 50 crianças referenciadas a uma primeira consulta de Imunoalergologia por suspeita de Asma Brônquica. Foram analisados os resultados da espirometria e da resposta à administração de broncodilatador (Ventilan®inalador – 2x100μg). A prova de broncodilatação foi considerada positiva quando de demonstrou um aumento de 12% nos valores basais de FEV1 ou de 30% nos valores de FEF50. Resultados: 26 crianças eram do sexo masculino e a média de idade da população foi de 8 anos. A maioria (96%) apresentava valores espirometricos dentro da normalidade e apenas 2 doentes apresentavam critérios de obstrução das pequenas vias aéreas (FEF50 « 60% previsto). A prova de broncodilatação foi considerada positiva em 14 doentes; seis deles com critérios de reversibilidade no FEV1 e oito com reversibilidade a nível das pequenas vias. Conclusão: A maioria das crianças avaliadas estavam em período intercritico e apresentavam provas de função respiratória normais. No entanto, a realização de uma prova de broncodilatação foi considerada positiva em 28% dos doentes permitindo uma confirmação diagnostica e objectivando os melhores valores pessoais para cada doente a ser encarados como alvo terapêutico. URETEROCELO: REVISÃO DE QUATRO CASOS Sónia R. Silva, Lígia Peralta, Jorge Vaz Duarte, Armando Reis, Paula Rocha Serviço de Pediatria do Hospital Infante D. Pedro, Aveiro; Serviço de Urologia do Hospital Maria Pia, Porto Introdução: O ureterocelo é uma dilatação quística da porção terminal do ureter. Associa-se a outras malformações urológicas, mais frequentemente a duplicidade pielocalicial, e condiciona NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 geralmente significativa obstrução urinária. O tratamento cirúrgico tem por objectivo aliviar a obstrução e preservar a função renal. Descrição dos casos: Os autores descrevem quatro casos de ureterocelo diagnosticados e seguidos no Serviço de Pediatria do HIP, nos últimos oito anos, todos sujeitos a intervenção cirúrgica no HMPia. Só uma das crianças era do sexo masculino. O diagnóstico pré-natal de dilatação pielocalicial em três casos e o de ureterocelo noutro, motivou a investigação precoce destas crianças, bem como a instituição de profilaxia antibiótica. A ecografia reno-pélvica no primeiro mês de vida revelou ureterocelo em todas as crianças e duplicidade ipsilateral em três (todas do sexo feminino). A única criança do sexo masculino, apresentava ureterocelo bilateral, em sistemas excretores únicos. Os três casos com duplicidade ipsilateral foram submetidos a ureteronefrectomia polar superior, antes dos dois meses de idade, sendo que numa destas crianças, com infecção urinária prévia, foi necessária drenagem do ureterocelo por punção transvesical. Na criança com ureterocelo bilateral, foi efectuada drenagem dos ureterocelos por via transvesical. Todas as crianças com duplicidade ipsilateral apresentavam refluxo vesicoureteral (RVU) para o pielão inferior, de grau elevado (com necessidade de tratamento cirúrgico em duas) e RVU contralateral (com resolução espontânea em duas). No seguimento, todas apresentam boa evolução estaturo-ponderal, função renal normal e ausência de infecções urinárias. Comentários: Confirmou-se a associação de ureterocelo a malformações urológicas complexas, particularmente duplicidade pielocalicial e RVU, nas crianças do sexo feminino, o que motivou várias intervenções cirúrgicas. Os autores salientam a importância do diagnóstico pré-natal, motivando a investigação precoce, bem como o valor diagnóstico da ecografia. DIAGNÓSTICO DE BAIXA ESTATURA: MAIS VALE TARDE QUE NUNCA? Susana Sousa, Vânia Martins, Marisa Sousa, Helena Cardoso, Teresa Borges Serviço de Pediatria, Centro Hospitalar de Trás os Montes e Alto Douro; Consulta de Endocrinologia Pediátrica - Serviço de Pediatria, Hospital de Santo António – Centro Hospitalar do Porto Introdução: A baixa estatura é um dos principais motivos de referenciação à consulta de Endocrinologia Pediátrica. Apesar de nem sempre se associar a anomalia endócrina, podendo acompanhar uma doença sistémica não endócrina ou um estado de má nutrição, o défice de Hormona de crescimento (HC) deve ser sempre considerado no diagnóstico diferencial de uma baixa estatura. O défice de HC é a deficiência hormonal hipofisária mais frequente, podendo ocorrer isoladamente ou em combinação com outras deficiências hormonais do eixo hipotálamo-hipofisário. Quando a insuficiência hipofisária é devidamente reconhecida e a terapêutica hormonal instituída precocemente, reduz-se significativamente a morbilidade associada. Caso Clínico: Rapaz de 12 anos e meio, 1º filho de pais jovens e não consanguíneos, sem doenças heredo-familiares conhecidas. Antecedentes pessoais de obstipação e coxalgia bilateral, desenvolvimento psico-motor adequado, boa evolução ponderal, mas evolução estatural abaixo do P5. Em Novembro de 2007 recorre a pediatra particular por baixa estatura. Do estudo efectuado de salientar doseamento de IGF-1 baixo, Rx da idade óssea com atraso de 6 anos e Rx das ancas com sinais sugestivos de Doença de Legg-Calvé-Perthes bilateral, pelo que foi orientado às Consultas de Endocrinologia e Ortopedia. Ao exame físico apresentava estatura de 124 cm (P<0,1, SDS -3,59), peso de 33 Kg, IMC de 21,7 (P94, SDS 1,59), estadio pubertário I e atraso na implantação dentária. No seguimento do estudo fez prova de clonidina (pico de HC de 0,3 mg/ml), prova de hipoglicemia insulínica (pico de HC de 0,3 ng/ml e pico de cortisol de 14ug/ dl), estudo da função tiroideia (diminuição de T4 livre e TSH dentro do intervalo de referência para a idade) e RM cerebral (interrupção da haste hipofisária, hipófise posterior ectópica). Iniciou tratamento com HC e levotiroxina, ao qual se associou algum tempo depois hidrocortisona, por episódios sugestivos de hipoglicemia em stress. Cerca de 9 meses após início de terapêutica com HC verificou-se um crescimento de 7,2 cm (última estatura132,7 cm, <P1, SDS – 3,02) com uma velocidade de crescimento de 10,48 cm/ ano (P99,78, SDS 2,85) Conclusões: A avaliação da estatura é o procedimento mais barato disponível numa consulta infantil, constituindo um indicador importante do estado de saúde da criança. Os autores pretendem alertar para a necessidade da sua determinação regular, a fim de evitar o diagnóstico tardio de doenças potencialmente tratáveis, do qual podem resultar sequelas significativas. TUMEFACÇÃO ESCROTAL: NECESSIDADE DE UMA AVALIAÇÃO URGENTE Vanessa Portugal, Lia Rodrigues, Luísa Araújo, Pedro Almeida, Maria Bom Sucesso, Conceição Silva, Sandra Ramos Serviço de Pediatria Hospital Pedro Hispano; Serviço de Pediatria do Hospital Maria Pia; Centro Saúde Vila do Conde; Serviço de Pediatria do IPO; Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar Povoa de Varzim / Vila do Conde Na criança as neoplasias testiculares são extremamente raras, representando aproximadamente 1% dos tumores sólidos. Estima-se que a incidência anual seja cerca de 0,5 a 2/100.000 crianças. Ao contrário das neoplasias testiculares do adulto, a incidência na população pediátrica tem-se mantido estável nas últimas décadas. Os tumores de células germinativas são responsáveis por cerca de 95% dos casos, sendo o tumor do saco vitelino o carcinoma mais frequente neste grupo etário. Apresenta-se o caso clínico de uma criança, 16 meses de idade, sexo masculino, raça branca, enviado pelo médico assistente ao Serviço de Urgência por tumefacção escrotal esquerda, com 15 dias resumo dos posters XX reunião do hospital de crianças maria pia S 213 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 de evolução, de agravamento progressivo, sem sinais inflamatórios visíveis ou outra sintomatologia associada. Antecedentes familiares e pessoais irrelevantes. Ao exame objectivo apresentava bom estado geral, apirético, tumefacção escrotal esquerda com 3,5 cm de maior diâmetro, consistência dura, aparentemente indolor à palpação, sem transiluminação ou sinais inflamatórios associados. Testículo direito sem alterações. Sem adenomegalias ou organomegalias palpáveis; restante exame objectivo sem alterações relevantes. Do estudo analítico efectuado, destaca-se alfa-fetoproteina francamente elevada e beta-HCG normal. Realizou ecografia testicular “Assimetria dimensional testicular, com aumento do testículo esquerdo com ecoestrutura heterogénea e algumas formações quísticas dispersas pelo parênquima. Testículo direito normal.”; Ressonância Magnética Nuclear testicular: “testículo esquerdo representado por massa ovóide de 3,2x2,6x2,7 cm, de contorno regular, discretamente heterogénea, com alguns componentes quísticos. Sem evidência de componentes adiposos ou calcificações. Compatível com neoformação testicular primária”. Perante este diagnóstico foi orientado para o Instituto Português de Oncologia do Porto. Efectuou Tomografia Axial Computadorizada toraco-abdominal para estadiamento, tendo sido programada orquidectomia total esquerda. O exame anatomo-patológico da peça operatória confirmou a presença de tumor do saco vitelino. Mantém-se em seguimento com controlo regular da alfafetoproteina. O espectro de patologias que podem afectar o escroto e o seu conteúdo é extenso e de gravidade variável, exigindo condutas divergentes. Deste modo, é necessário estabelecer um plano de orientação diagnóstico adequado à suspeita clínica, condicionando um tratamento precoce e melhorando o prognóstico. PSEUDOTUMOR CEREBRI E TRATAMENTO DE ACNE COM MINOCICLINA – A PROPÓSITO DE UM CASO CLÍNICO Inês Vaz Matos, Ana Novo, Diana Pinto, Maria João Oliveira, Teresa Borges, Teresa Temudo Hospital de Santo António – Centro Hospitalar do Porto, EPE Introdução: O pseudotumor cerebri (PTC) é uma entidade clínica caracterizada por aumento da pressão intracraniana, sem evidência de doença neurológica subjacente. É uma doença relativamente rara em idade pediátrica, que afecta com maior frequência adolescentes do sexo feminino e cuja patofisiologia não está bem esclarecida. Os sintomas de apresentação mais comuns são as cefaleias, vómitos e perturbações visuais, podendo ser múltiplas as situações associadas a PTC, incluindo a trombose dos seios venosos, perturbações metabólicas, infecciosas, hematológicas, sistémicas e uso de vários fármacos. Descrição do caso: Adolescente de 14 anos, do sexo feminino, com irregularidades menstruais, excesso de peso (IMC- P85-90) e acne vulgaris, medicada há 3 meses com minociclina resumo dos posters S 214 XX reunião do hospital de crianças maria pia e espironolactona. Foi avaliada por cefaleias holocranianas e opressivas com duas semanas de evolução, sem relação com a actividade ou posição e sem resposta aos analgésicos. Edema papilar bilateral com hemorragias retinianas focais na fundoscopia, documentando hipertensão intracraniana. A ausência de alterações na RMN cerebral, pressão de abertura de LCR aumentada (50cmH2O) e exame citoquímico de LCR normal permitiram o diagnóstico de pseudotumor cerebri, que foi interpretado como associado ao tratamento com minociclina após exclusão das outras condições potencialmente implicadas. A abordagem incluiu terapêutica oral com acetazolamida e furosemida, suspendendo minociclina. A evolução clínica foi favorável com alívio imediato dos sintomas após a realização da punção lombar diagnóstica e regressão quase total do edema papilar duas semanas após o início do tratamento. Discussão: O pseudotumor cerebri é uma complicação referida do tratamento com minociclina, para a qual parecem contribuir factores como a predisposição genética. Este antibiótico é amplamente utilizado no tratamento da acne vulgaris, condição muito prevalente na adolescência. Os autores alertam para a pertinência de manter um nível elevado de suspeição de hipertensão intracraniana nesta faixa etária, nomeadamente quando se apresentam com queixas de cefaleias que frequentemente são subvalorizadas. O diagnóstico precoce de PTC pode evitar a progressão para défices de visão permanentes. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Pinga Seca Arelo Manso Uma Mãe, enfermeira de profissão, andava preocupada, havia tempo, por observar a filha a efectuar movimentos rítmicos dissimulados, afundada pelo sofá enquanto consumia imagens da TV. Por aparente precaução, antes de iniciar o procedimento varria com o olhar a área circundante como se quisesse certificar-se de que não estava no campo visual de nenhum mirone. O resultado final da ginástica efectuada com ritmo mas em recatado silêncio, era traduzido numa expressão mímica de esgares depois seguidos por uma ruborização facial e uma quietude, moldada por num aparente relaxamento de bem-estar. A observação do fenómeno era sempre fortuita. Preocupação de Mãe levam-na a perguntar, inocentemente, á filha o que é que ela tinha. Resposta é que a Mãe não ouvia. O poder da repetição fez um dia com que a resposta surgisse – é por causa da “Pinga Seca”. Apesar de demorada foi inteligente a resposta, já que invocou como casualidade o produto final. Poderia a filha aos seis anos invocar a biologia e suas pulsões ou definir as sensações que as mesmas lhe proporcionavam? Uma vida com equilíbrio necessita de uma gestão adequada entre a energia ingerida e a transformada. Um corpo jovem mais parado gasta, naturalmente, menos energia com a locomoção, e com isso, dá mais tempo à mente para vaguear e se interiorizar na procura e descoberta de todos os recantos, sejam eles anatómicos ou funcionais. Uma vida activa, sempre que possível, com actividade física programada efectuada em grupo pode fazer toda a diferença, já que permite criar centros de interesse novos, para além de proporcionar desenvoltura muscular que por esta altura se começa a desenhar. Abrir as portas a outras formas de realização e prazer, ajudam mais tarde a conseguir uma partilha saudável entre os diferentes modos de obter bem-estar, pois todos eles são importantes para um adulto se sentir integrado afectiva e socialmente. pequenas histórias 215 RESUMO DAS CARACTERÍSTICAS DO MEDICAMENTO. DENOMINAÇÃO DO MEDICAMENTO. SAIZEN 8 mg click.easy, pó e solvente para solução injectável. COMPOSIÇÃO QUALITATIVA E QUANTITATIVA. Cada frasco para injectáveis de SAIZEN 8 mg click.easy contém Somatropina* (hormona do crescimento humana recombinante). *produzida pela tecnologia do ADN recombinante em células de mamífero. A reconstituição com o solvente bacteriostático contido no cartucho apresenta uma concentração de 5,83 mg por ml. Excipientes, ver secção “Lista de Excipientes”. FORMA FARMACÊUTICA: Pó e solvente para solução injectável. Pó branco liofilizado e solvente límpido e incolor. INFORMAÇÕES CLÍNICAS: Indicações terapêuticas - SAIZEN está indicado no tratamento de: - atraso do crescimento em crianças causado por secreção insuficiente ou inexistente da hormona do crescimento endógena; - atraso do crescimento em raparigas com disgenésia gonadal (Síndroma de Turner) confirmada por análise do cariotipo; - atraso do crescimento em crianças pré-pubertárias devido a insuficiência renal crónica (IRC). - atraso do crescimento (estatura actual < -2,5 Desvio Padrão (DP) e estatura ajustada à dos progenitores < -1 DP) em crianças pequenas com baixa estatura para a idade gestacional (SGA “Small for Gestational Age”), com um peso e/ou comprimento à nascença inferior a –2 DP, que não conseguiram uma recuperação do crescimento (DP da velocidade de crescimento <0 durante o último ano) até aos 4 ou mais anos de idade. Terapêutica de substituição em adultos com deficiência pronunciada de hormona do crescimento, diagnosticada por um único teste dinâmico para deficiência de hormona do crescimento. Os doentes deverão também satisfazer os seguintes critérios: Início na infância: Os doentes com deficiência de hormona do crescimento diagnosticada na infância, deverão ser reavaliados, para confirmação da deficiência em hormona do crescimento, antes de iniciar o tratamento com SAIZEN. Início na idade adulta: A deficiência de hormona do crescimento no adulto deverá ser resultante de doença hipotalâmica ou hipofisária, e o doente deve apresentar pelo menos outra deficiência hormonal (excepto a prolactina), a qual deverá ser adequadamente tratada com terapêutica de substituição, antes do início do tratamento com hormona do crescimento. POSOLOGIA E MODO DE ADMINISTRAÇÃO: SAIZEN 8 mg click.easy destina-se a administração multidose. A posologia do SAIZEN deve ser individualizada para cada doente com base na superfície corporal ou no peso corporal. É recomendada a administração de SAIZEN ao deitar, nas doses seguintes: Atraso do crescimento devido a secreção insuficiente da hormona do crescimento endógena: 0,7-1,0 mg/m2 de superfície corporal, por dia, ou 0,025-0,035 mg/kg de peso corporal, por dia, por administração subcutânea. Atraso do crescimento em raparigas devido a disgenésia gonadal (Síndroma de Turner): 1,4 mg/m2 de superfície corporal ou 0,045 – 0,050 mg/kg de peso corporal, por dia, por administração subcutânea. A terapêutica concomitante com esteróides anabólicos não-androgénicos em doentes com Síndroma de Turner pode aumentar a resposta do crescimento. Atraso do crescimento em crianças pré-pubertárias devido a insuficiência renal crónica (IRC): 1,4 mg/m2 de superfície corporal, aproximadamente igual a 0,045-0,050 mg/kg de peso corporal, por dia, por administração subcutânea. Atraso do crescimento em crianças pequenas com SGA: A dose diária recomendada é 0,035 mg/kg de peso corporal por dia (ou 1 mg/m2/dia, igual a 0,1 UI/kg/dia ou 3 UI/m2/dia), por administração subcutânea. Duração do tratamento: O tratamento deve ser interrompido quando o doente tiver atingido uma estatura adulta satisfatória, ou quando as epífises estiverem fechadas. No atraso do crescimento em crianças pequenas com SGA, o tratamento é habitualmente recomendado até que se atinja a estatura final. O tratamento deve ser suspenso após o primeiro ano, se o desvio padrão da velocidade de crescimento for inferior a +1. O tratamento deve ser suspenso quando se atinge a estatura final (definida como velocidade do crescimento < 2 cm/ano) e, no caso de ser necessária a confirmação, a idade óssea seja >14 anos nas raparigas ou > 16 anos nos rapazes, o que corresponde ao encerramento epifisário. Deficiência de hormona do crescimento no adulto: No início do tratamento com somatropina, recomendam-se doses baixas, de 0,15 a 0,3 mg, administradas diariamente por injecção subcutânea. A dose deverá ser gradualmente aumentada, mediante controlo dos valores do Factor de Crescimento Insulin-like (IGF-1). A dose final recomendada de hormona do crescimento raramente excede 1,0 mg/dia. De modo geral deverá ser administrada a dose mínima eficaz. Nos doentes com mais idade ou com excesso de peso, poderão estar indicadas doses mais baixas. MODO DE ADMINISTRAÇÃO: Para a administração da solução reconstituída para injecção de SAIZEN 8 mg click.easy, consulte as instruções do folheto informativo e do manual de instruções fornecido com o auto-injector seleccionado: o auto-injector one.click, o auto-injector sem agulha cool.click ou o auto-injector easypod. Consulte também a secção “Instruções de utilização/ manuseamento”. CONTRA-INDICAÇÕES: SAIZEN não deve ser utilizado em crianças em que tenha ocorrido a fusão das epífises. SAIZEN está contra-indicado em doentes com hipersensibilidade à Somatropina ou a qualquer um dos excipientes do pó para solução injectável ou do solvente. SAIZEN está contra-indicado em doentes com neoplasia activa. A terapêutica anti-tumoral deverá estar terminada antes do início do tratamento com Somatropina. SAIZEN não deve ser utilizado em casos com evidência de qualquer progressão ou recorrência de uma lesão intracraniana subjacente. Doentes com patologia aguda crítica, apresentando complicações pós cirurgia de coração aberto, cirurgia abdominal, politraumatizados, insuficiência respiratória aguda ou situações similares não devem ser tratados com Somatropina. (Relativamente aos doentes, em tratamento com Somatropina, que desenvolvam uma situação clinicamente crítica, ver “Advertências e precauções especiais de utilização”.). ADVERTÊNCIAS E PRECAUÇÕES ESPECIAIS DE UTILIZAÇÃO: O tratamento deve ser efectuado sob a vigilância regular de um médico com experiência no diagnóstico e tratamento de doentes com deficiência de hormona do crescimento. Os doentes com neoplasia intra ou extracraniana em remissão, e em tratamento com hormona do crescimento, devem ser cuidadosamente observados pelo médico em intervalos regulares. Os doentes com deficiência de hormona do crescimento secundária a um tumor intracraniano, devem ser examinados frequentemente para avaliação da progressão ou recorrência da patologia subjacente. Foram registados alguns casos de leucemia em crianças com deficiência de hormona do crescimento, tratadas ou não com esta hormona, podendo eventualmente representar um ligeiro aumento da incidência desta patologia, quando comparado com crianças sem esta deficiência. Não se encontra estabelecida uma relação causal com o tratamento com hormona do crescimento. Após a administração de hormona do crescimento observa-se uma hipoglicémia transitória de aproximadamente 2 horas e, nas 2-4 horas seguintes verifica-se uma elevação dos níveis de glucose no sangue, apesar da existência de uma concentração elevada de insulina. A Somatropina pode induzir um estado de resistência à insulina, o qual pode resultar em hiperinsulinismo e, em alguns casos, hiperglicémia. Para detectar uma resistência à insulina, os doentes deverão ser monitorizados para evidência de intolerância à glucose. SAIZEN deve ser utilizado com precaução em doentes com diabetes mellitus ou com história familiar de diabetes mellitus. Os doentes com diabetes mellitus podem necessitar de um ajuste da sua terapêutica anti-diabética. Uma retinopatia estável não deve levar à suspensão da terapêutica de substituição com Somatropina. No caso de surgirem alterações pré-proliferativas e na presença de retinopatia proliferativa deve ser suspensa a terapêutica de substituição com Somatropina. Durante o tratamento com Somatropina, verificou-se um aumento da conversão de T4 para T3, o qual pode resultar a nível do soro numa redução das concentrações de T4 e num aumento das concentrações de T3. Em geral, os níveis periféricos da hormona tiroideia permaneceram dentro dos limites de referência para indivíduos saudáveis. O efeito da Somatropina nos níveis da hormona tiroideia pode ter relevância clínica em doentes com hipotiroidismo central subclínico, nos quais, em teoria, se pode desenvolver hipotiroidismo manifesto. Inversamente, em doentes a receber terapêutica de substituição com tiroxina, pode ocorrer hipertiroidismo ligeiro. Portanto, é aconselhável a avaliação da função tiroideia após o início do tratamento com Somatropina e sempre que se proceda a ajustes da dose. Pode verificar-se retenção de líquidos durante a terapêutica de substituição com hormona do crescimento no adulto. No caso de edema persistente ou parestesia grave, a dosagem deverá ser reduzida de modo a evitar o desenvolvimento da síndroma do canal cárpico. No caso de cefaleia grave ou recorrente, problemas visuais, náuseas e/ou vómitos, recomenda-se uma fundoscopia para verificar se existe papiloedema. Se se confirmar o papiloedema, deve considerar-se o diagnóstico de hipertensão intracraniana benigna (ou pseudotumor cerebral) e interromper o tratamento com SAIZEN. Actualmente, não existe evidência suficiente para levar a uma decisão clínica em doentes com hipertensão intracraniana resolvida. Se se reiniciar o tratamento com hormona do crescimento, é necessária uma monitorização cuidadosa para detecção de sintomas de hipertensão intracraniana e o tratamento deve ser suspenso se se verificar recorrência da hipertensão intracraniana. O deslizamento da epífise femural é frequentemente associado a perturbações endócrinas, tais como deficiência de hormona do crescimento e hipotiroidismo, e períodos de maior velocidade de crescimento. Em crianças tratadas com hormona do crescimento, o deslizamento da epífise femural pode ser devido quer a perturbações endócrinas subjacentes ou à maior velocidade do crescimento causada pelo tratamento. Os períodos de maior velocidade de crescimento podem aumentar o risco de alterações articulares, especialmente a articulação coxo-femural está sob particular pressão durante o surto de crescimento pré-pubertário. O médico e os pais devem estar alerta no caso de a criança tratada com SAIZEN apresentar claudicação ou queixas articulares localizadas à coxo-femural ou joelho. As crianças com atraso do crescimento devido a insuficiência renal crónica, devem ser examinadas periodicamente para evidência ou progressão de osteodistrofia renal. Em crianças com osteodistrofia renal avançada pode verificar-se episiolístese ou necrose avascular da cabeça do femural, sendo incerto se estes problemas são afectados pelo tratamento com hormona do crescimento. Antes de se iniciar o tratamento deverá ser efectuado um radiograma das articulações coxo-femurais. Nas crianças com insuficiência renal crónica, a função renal deve apresentar um decréscimo de 50% relativamente ao padrão normal, antes de se instituir o tratamento. O crescimento deve ser monitorizado durante um ano antes de se instituir a terapêutica, de modo a verificar alterações no crescimento. O tratamento convencional da insuficiência renal (o qual inclui o controlo da acidose, do hiperparatiroidismo e do estado nutricional durante o ano anterior ao tratamento) deve ter sido estabelecido e mantido durante o tratamento. O tratamento deve ser interrompido na altura do transplante renal. Antes de se iniciar o tratamento em crianças pequenas com SGA, devem ser excluídas outras razões clínicas ou tratamentos que possam explicar o atraso do crescimento. Em crianças pequenas com SGA, recomenda-se a determinação da insulina e da glicémia em jejum, antes do início do tratamento e anualmente. Em doentes com risco aumentado para diabetes mellitus (por exemplo, história familiar de diabetes, obesidade, índice aumentado de massa corporal, resistência grave à insulina, acanthosis nigricans) deve ser realizado o teste da tolerância à glucose oral. Em caso de diagnóstico de diabetes, não deve ser administrada hormona do crescimento. Em crianças pequenas com SGA, recomenda-se a determinação do nível de IGF-I antes do início do tratamento e depois, duas vezes por ano. Caso se detectem, em determinações sucessivas, níveis de IGF-1 que excedam +2 DP em relação à referência para a idade, a razão IGF-I/IGFBP-3 pode ser considerada para o ajuste da dose. Existe experiência limitada no início do tratamento em doentes com SGA e que estejam próximos do início da puberdade. Não se recomenda portanto o início do tratamento em doentes com idade próxima do início da puberdade. A experiência em doentes com SGA, com a síndroma de Silver-Russel é limitada. Em crianças com SGA, parte do ganho em estatura obtido com o tratamento com Somatropina pode perder-se, caso este seja suspenso antes de se atingir a estatura final. Deve mudar-se o local da injecção para evitar lipoatrofia. A deficiência em hormona do crescimento no adulto é uma situação vitalícia, pelo que deverá ser tratada adequadamente. No entanto, é limitada a experiência em doentes com mais de 60 anos ou em tratamentos prolongados. Em todos os doentes que apresentem uma patologia aguda crítica, o possível benefício do tratamento com Somatropina deverá ser avaliado relativamente ao potencial risco envolvido. Foram relatados casos de apneia do sono e morte súbita em doentes com Síndroma de Prader-Willi em tratamento com Somatropina. SAIZEN não está indicado no tratamento de doentes com Síndroma de Prader-Willi. INTERACÇÕES MEDICAMENTOSAS E OUTRAS FORMAS DE INTERACÇÃO: A terapêutica concomitante com corticosteróides pode inibir a resposta ao SAIZEN. Verificou-se que a Somatropina induz uma redução ligeira dos níveis de cortisol sérico em doentes com deficiência de hormona do crescimento recebendo terapêutica de substituição das suprarrenais. Consequentemente, nos doentes em terapêutica de substituição com corticosteróides, que iniciam terapêutica com Somatropina, recomenda-se a monitorização dos níveis de cortisol sérico e o eventual ajuste da dose dos corticosteróides. Dados in vitro publicados indicam que a hormona do crescimento pode ser um indutor do citocromo P450 3A4. Desconhece-se o significado clínico desta observação. No entanto, quando a Somatropina é administrada em combinação com medicamentos que se sabe serem metabolizados pelas enzimas hepáticas do CYP P450 3A4, é aconselhável monitorizar a efectividade clínica de tais medicamentos. GRAVIDEZ E ALEITAMENTO: Gravidez: No que respeita a SAIZEN, não existem dados clínicos sobre as gravidezes a ele expostas. Assim, desconhece-se o risco para o ser humano. Embora os estudos em animais não indiquem um risco potencial durante a gravidez, o tratamento com SAIZEN deve ser interrompido no caso de ocorrer uma gravidez. Aleitamento: Desconhece-se se as hormonas peptídicas exógenas são excretadas no leite, mas a absorção da proteína intacta pelo tracto gastrintestinal da criança é improvável. EFEITOS SOBRE A CAPACIDADE DE CONDUZIR E UTILIZAR MÁQUINAS: SAIZEN não interfere com a capacidade de conduzir ou operar com máquinas. EFEITOS INDESEJÁVEIS: Até 10% dos doentes podem apresentar vermelhidão e prurido no local da injecção, particularmente quando se utiliza a via de administração subcutânea. Espera-se que ocorra retenção de fluidos durante a terapêutica de substituição com hormona do crescimento no adulto. Edema, edema articular, artralgias, mialgias e parestesias podem ser manifestações clínicas desta retenção de fluidos. No entanto estes sintomas são geralmente transitórios e dependem da dose. Os adultos com deficiência de hormona do crescimento, em consequência do diagnóstico deste défice na infância, apresentam uma menor frequência de efeitos secundários do que os que iniciam a terapêutica na idade adulta. Podem formar-se anticorpos à somatropina em alguns doentes; desconhece-se o seu significado clínico, e até à data estes anticorpos têm apresentado baixa capacidade de ligação e não têm sido associados a atenuação do crescimento, excepto em doentes com deleções de genes. Em casos muito raros, em que a baixa estatura é devida à deleção do gene da hormona do crescimento, o tratamento com esta hormona pode induzir anticorpos atenuantes do crescimento. As reacções adversas reportadas a seguir encontram-se classificadas de acordo com a frequência de ocorrência, conforme se segue: Muito frequentes: ≥ 1/10; Frequentes: > 1/100 - < 1/10; Pouco frequentes: > 1.000 -< 1/100. Raros: > 1/10.000 - < 1/1.000; Muito raros: ≤ 1/ 10.000. Reacções no local de administração - Frequentes. Reacções no local da injecção: Lipoatrofia localizada, que pode ser evitada variando o local da injecção. Distúrbios do estado geral - Frequentes (no adulto) Pouco frequentes (na criança). Retenção de fluídos: edema periférico, entumescimento, artralgia, mialgia, parestesia - Pouco frequentes: Síndroma do canal cárpico. Sistema Nervoso Central. Pouco frequentes - Hipertensão intracraniana idiopática (hipertensão intracraniana benigna). Doenças endócrinas. Muito raros - Hipotiroidismo. Afecções musculosqueléticas. Muito raros - Deslizamento da epífise da cabeça femural (Epiphysiolysis capitis femoris), ou necrose avascular da cabeça femural. Doenças do metabolismo. A resistência à insulina pode resultar em hiperinsulinismo e, em casos raros, em hiperglicémia. SOBREDOSAGEM: Não foram relatados casos de sobredosagem aguda. Porém, exceder as doses recomendadas pode causar efeitos indesejáveis. Uma sobredosagem pode levar a hipoglicémia e, subsequentemente, a hiperglicémia. Além disso, uma sobredosagem com Somatropina pode causar manifestações de retenção de fluidos. PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS. Propriedades farmacodinâmicas: Grupo farmacoterapêutico: 8.1.1 Hormonas do lobo anterior da hipófise. Código ATC: HO1A. SAIZEN contém hormona do crescimento humana recombinante, produzida por células de mamífero geneticamente modificadas. É um péptido de 191 aminoácidos idêntico à hormona do crescimento humana hipofisária, no que respeita à sequência e composição de aminoácidos assim como ao mapa peptídico, ponto isoeléctrico, peso molecular, estrutura isomérica e bioactividade. A hormona do crescimento é sintetizada numa linha celular murina transformada, modificada através da adição do gene da hormona do crescimento hipofisária. SAIZEN é um agente anabólico e anticatabólico que produz efeito não só no crescimento, mas também na composição e metabolismo do organismo. Interactua com receptores específicos numa variedade de tipos de células incluindo miócitos, hepatócitos, adipócitos, linfócitos e células hematopoiéticas. Alguns, mas não todos os seus efeitos são mediados por uma outra classe de hormonas conhecidas por somatomedinas (IGF-1 e IGF-2). Dependendo da dose, a administração de SAIZEN produz um aumento na IGF-1, IGFBP-3, ácidos gordos nãoesterificados e glicerol, uma diminuição da ureia sanguínea, e diminuição nas excreções urinárias do azoto, do sódio e do potássio. A duração do aumento nos níveis de GH pode desempenhar um papel na determinação da magnitude dos efeitos. É provável uma saturação relativa dos efeitos do SAIZEN com doses altas. Não é este o caso da glicémia e excreção urinária do peptido-C, que só aumentam significativamente após doses elevadas (20 mg). Num ensaio clínico randomizado, crianças pré-pubertárias pequenas com SGA, foram tratadas durante três anos com uma dose de 0,067 mg/kg/dia, e verificou-se um ganho médio de +1,8 DP-estatura. Nas crianças que não receberam tratamento adicional para além dos três anos, perdeu-se parte do benefício, mas as crianças mantiveram um aumento significativo de +0,7 DP-estatura, na estatura final (p<0,01 comparado com o valor basal). Os doentes que receberam um segundo tratamento após um período variável de observação, apresentaram um aumento total de +1,3 DP-estatura (p=0,001 comparado com o valor basal), na estatura final. (A duração de tratamento cumulativa média no último grupo foi de 6,1 anos). O aumento na DP-estatura (+ 1,3 ± 1,1) na estatura final neste grupo foi significativamente (p<0,05) diferente do aumento em DP-estatura obtido no primeiro grupo (+0,7 ± 0,8), o qual recebeu apenas 3,0 anos de tratamento em média. Um segundo ensaio clínico, investigou dois regimes posológicos diferentes durante quatro anos. Um grupo foi tratado com 0,067 mg/kg/dia durante 2 anos e observado durante os 2 anos posteriores sem tratamento. O segundo grupo recebeu 0,067 mg/kg/dia no primeiro e terceiro anos e nenhum tratamento no segundo e quarto anos. Qualquer dos regimes de tratamento resultou numa dose administrada cumulativa de 0,033 mg/kg/dia durante o período de quatro anos do estudo. Ambos os grupos revelaram uma aceleração do crescimento comparável e uma melhoria significativa de +1,55 (p<0,0001) e +1,43 (p<0,0001) DP-estatura respectivamente no final do período de quatro anos do estudo. Os dados sobre a segurança a longo prazo continuam a ser limitados. Propriedades farmacocinéticas: A farmacocinética do SAIZEN é linear pelo menos com doses até 8 UI (2,67 mg). Com doses mais elevadas (60 UI/20 mg) não pode ser excluído um certo grau de não-linearidade, porém sem relevância clínica. Após administração IV a voluntários saudáveis, o volume de distribuição em estado estacionário é de cerca de 7 L, a “clearance” metabólica total é de cerca de 15 L/h, enquanto que a “clearance” renal é insignificante, e o fármaco exibe uma semi-vida de eliminação de 20 a 35 minutos. Após a administração de doses únicas de SAIZEN por via SC e IM, a semi-vida terminal aparente é muito mais prolongada, cerca de 2 a 4 horas. Isto é devido a uma taxa limitada do processo de absorção. As concentrações séricas máximas de hormona do crescimento (GH) são atingidas após aproximadamente 4 horas e os níveis séricos de GH voltam ao valor basal dentro de 24 horas, indicando que não ocorre acumulação de GH durante as administrações repetidas. A biodisponibilidade absoluta de ambas as vias é de 70-90%. INFORMAÇÕES FARMACÊUTICAS: Lista de excipientes: Pó para solução injectável. Sacarose, Ácido Fosfórico, Hidróxido de sódio. Solvente para utilização parentérica. Metacresol a 0,3% (p/v) em água para preparações injectáveis. Incompatibilidades: Não se conhecem presentemente incompatibilidades de SAIZEN com outras preparações farmacêuticas. Prazo de validade: 3 anos. Após reconstituição, o produto deve ser conservado durante um período máximo de 28 dias no frigorífico (2ºC – 8ºC). Os auto-injectores easypod e one.click, quando contendo o cartucho reconstituído de SAIZEN, têm de ser conservados no frigorífico (2ºC – 8ºC). Quando se utilizar o auto-injector sem agulha cool.click, unicamente o cartucho da solução reconstituída de SAIZEN, deverá ser conservado no frigorífico (2ºC-8ºC). Precauções especiais de conservação: Não conservar acima de 25ºC. Não congelar. Conservar na embalagem de origem. Para a conservação do produto reconstituído, ver secção “Prazo de Validade”. Natureza e conteúdo do recipiente. Os frascos para injectáveis DIN 2R de 3 ml contendo 8 mg de pó e os cartuchos de 3 ml contendo 1,37 ml de solvente são de vidro neutro (Tipo 1). Os frascos para injectáveis e os cartuchos são fechados com tampa de borracha. SAIZEN 8 mg click.easy está disponível em embalagens com: 1 frasco para injectáveis de SAIZEN 8 mg e 1 cartucho de solvente bacteriostático pré-incluídos num dispositivo de reconstituição (click.easy) composto pelo corpo do dispositivo com cânula de transferência estéril. Instruçôes de utilização / manuseamento: O cartucho contendo a solução reconstituída de SAIZEN 8 mg click.easy destina-se exclusivamente a ser utilizado com o auto-injector one.click, com o auto-injector sem agulha cool.click, ou com o auto-injector easypod. Para conservação dos auto-injectores contendo o cartucho, ver secção “Prazo de Validade”. Para a administração do SAIZEN 8 mg click.easy, consulte as instruções do folheto informativo e do manual de instruções fornecido com o auto-injector apropriado. Os utilizadores do easypod são principalmente crianças desde os 7 anos até à idade adulta. A utilização de dispositivos médicos por crianças, deverá ser sempre feita sob a supervisão de um adulto. O pó para a solução injectável tem de ser reconstituído com o solvente bacteriostático que o acompanha (metacresol a 0,3% (p/v) em água para preparações injectáveis) para administração parentérica, utilizando o dispositivo de reconstituição click.easy. A solução injectável reconstituída deve ser límpida, sem partículas. Se a solução contiver partículas, não deve ser injectada. Qualquer produto não utilizado ou o material usado deve ser deitado fora de acordo com as exigências locais. TITULAR DA AUTORIZAÇÃO DE INTRODUÇÃO NO MERCADO: Serono Portugal, Lda. R. Tierno Galvan, 16 – B, Amoreiras, Torre 3, 16 º, Esc. 1 - 1070-274 LISBOA. NÚMEROS DA AUTORIZAÇÃO DE INTRODUÇÃO NO MERCADO 3505484- Frasco para injectável – 1 unidade. DATA DA PRIMEIRA AUTORIZAÇÃO/RENOVAÇÃO DA AUTORIZAÇÃO DE INTRODUÇÃO NO MERCADO: Data da Primeira Autorização de Introdução no Mercado: 26/01/2001. Data da Renovação da Autorização de Introdução no Mercado: 03/04/2004. DATA DA REVISÃO (PARCIAL) DO TEXTO: 23 de Fevereiro de 2007. Medicamento sujeito a receita médica. Fornecimento exclusivo hospitalar (CompartIcipado 100% nos estabelecimentos saúde especiais). Vol. 17, nº 3, Setembro 2008 17| 3
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