Geoturismo: conceptualização, implementação e - ProGEO
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Geoturismo: conceptualização, implementação e - ProGEO
Escola de Ciências Eugénia Leandro da Silva Araújo Geoturismo: Conceptualização, Implementação e Exemplo de Aplicação ao Vale do Rio Douro no Sector Porto-Pinhão Outiubro de 2005 Escola de Ciências Eugénia Leandro da Silva Araújo Geoturismo: Conceptualização, Implementação e Exemplo de Aplicação ao Vale do Rio Douro no Sector Porto-Pinhão Tese de Mestrado em Ciências do Ambiente Trabalho efectuado sob a orientação do Professor Doutor Diamantino Pereira Outubro de 2005 Agradecimentos Este trabalho foi realizado com o apoio e a ajuda de várias pessoas, algumas das quais merecem especial destaque e a quem quero expressar a minha gratidão. Ao Professor Diamantino Ínsua Pereira quero deixar aqui expresso o meu muito obrigado, pelo acompanhamento prestado desde o início, pela disponibilidade demonstrada, pela sua paciência, pelos seus ensinamentos, pela sua leitura crítica, pelas correcções, pelas suas sugestões, concedendo-me sempre a liberdade necessária para eu expôr as minhas ideias e opiniões, pela simpatia e boa disposição. Quero também agradecer o encorajamento dado ao longo destes dois anos. Ao Professor José Brilha quero agradecer o facto de me ter facultado material de apoio, nomeadamente sobre a temática do património geológico e do geoturismo, sempre que o solicitei para tal. Ao Professor Espinha Marques o meu agradecimento por ter-me enviado artigos sobre o seu trabalho em Caldas do Moledo, bem como pela disponibilidade demonstrada para esclarecer as minhas dúvidas. À Professora Graciete Dias agradeço os artigos que me facultou sobre os granitóides. Ao Paulo pelo seu incentivo e pelos seus ensinamentos sobre o Photoshop. Aos operadores turísticos Douro Acima e Via D`Ouro que me ofereceram cruzeiros no rio Douro para que fosse possível realizar o guia geoturístico que apresento. Aos meus pais e à minha irmã, o meu especial agradecimento, não só pelo incentivo, mas também pela sua compreensão e apoio nos momentos mais difíceis. Para o Rui Silva o meu profundo agradecimento por todos os momentos em que disponibilizou o seu tempo para me ajudar nas mais variadas tarefas, por me ter substituído em actividades da minha responsabilidade e pelo seu incentivo incondicional. Para os meus amigos, o meu obrigado pelo incentivo, apoio e compreensão em todos os momentos. A todos aqueles, que apesar de aqui não serem citados, contribuíram de alguma forma para a realização deste trabalho, o meu sentido agradecimento. iii Geoturismo: conceptualização, implementação e exemplo de aplicação ao vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão Resumo Palavras-chave: rio Douro, desenvolvimento sustentável, turismo sustentável, turismo da natureza, ecoturismo, património geológico, geoturismo, cruzeiros fluviais, geologia, guia geoturístico. A área abrangida pela presente dissertação está enquadrada na região do vale do rio Douro, no sector Porto-Pinhão. Pretende-se com a abordagem da geologia deste sector e da temática do geoturismo a valorização geoturística da sua geodiversidade e do seu Património Geológico. Com a crescente preocupação da preservação da natureza surgiu o conceito de desenvolvimento sustentável, que deve ser considerado em todas as actividades humanas, incluindo o turismo. O sector do turismo, muitas vezes apontado como prejudicial para a natureza de diversas regiões, deve operacionalizar o conceito de sustentabilidade em todas as suas actividades, contribuindo assim para um desenvolvimento sustentável global. O interesse crescente dos turistas pela realização de actividades ao ar livre ou pela mera contemplação da natureza contribuiu para o aparecimento do turismo baseado na natureza. O ecoturismo, uma das modalidades do turismo da natureza, integra o geoturismo, que surge assim como uma actividade importante na conservação, valorização e divulgação do Património Geológico, parte integrante do Património Natural. O geoturismo é uma forma de turismo sustentável que pode contribuir para o desenvolvimento económico de muitas regiões, respeitando os critérios de sustentabilidade. O vale do rio Douro proporciona uma paisagem única e grandiosa que milhares de turistas contemplam anualmente através da realização de cruzeiros fluviais com duração variável, dependendo do percurso que é efectuado, bem como das múltiplas actividades complementares que são propostas aos turistas, para além da mera viagem de barco. Ao longo do seu vale, muitos são os aspectos geológicos que contribuem para a singularidade da paisagem. No seguimento deste pressuposto caracteriza-se a geologia do vale do rio Douro, no sector Porto-Pinhão. É apresentada uma descrição da estratigrafia e das litologias que afloram no sector referido, cuja idade vai desde o Précâmbrico/Câmbrico até ao Carbonífero e do Pliocénico ao Holocénico. Os recursos minerais, como as minas de ouro e as águas termais, e energéticos, como as minas de carvão e as barragens, são também aspectos geológicos de destaque nesta região. É feita a aplicação do conhecimento geológico da região através da apresentação de uma proposta de guia geoturístico do percurso fluvial Porto-Pinhão. Neste guia faz-se referência aos aspectos geológicos mais relevantes, bem como à cultura e história da região duriense, através de um conjunto de pontos de interesse desde a cidade do Porto à vila ribeirinha do Pinhão. v Geotourism: concept, implementation and application example to Douro river valley in the Porto-Pinhão sector Abstract keywords: Douro river, sustainable development, sustainable tourism, tourism of the nature, ecotourism, geological heritage, geotourism, fluvial cruises, geology, geotouristic guide. The area included by the present work is integrated in the area of the valley of the Douro river, in the sector Porto-Pinhão. With the approach of the geology of this sector and of the theme of the geotourism this work aims to contribute for the geotouristic valorization of his geodiversity and Geological Heritage. With to growing concern of the preservation of the nature the concept of sustainable development appeared that it should be considered in all of the human activities, including the tourism. The sector of the tourism, a lot of times appeared as responsible by the destruction of the nature in several areas, should put in action the sustainability concept in all their actividades, contributing like this to a global sustainable development. The tourists growing interest for the outdoor activities or for the pure contemplation of the nature contributed to the appearance of the tourism based on the nature. The ecotourism, one of the modalities of the tourism of the nature, integrates the geotourism, that appears as an important tool in the conservation, valorization and popularization of the Geological Heritage, integral part of the Natural Heritage. The geotourism is a form of sustainable tourism that can contribute to the economic development of a lot of areas, respecting the sustainability criteria. The Douro valley provides an only and magnificent landscape that thousands of tourists annually contemplate through the fluvial cruises, whose duration is variable, depending on the boat that realize them, as well as of the multiple complemental activities that are proposed to the tourists, for besides the mere boat trip. Along Douro valley, there are many geological aspects that contribute to the singularity of the landscape. Continuing this presupposition the geology of the valley of the Douro river is characterized, in the sector Porto-Pinhão, referring the stratigraphy of this sector. It is presented a description of the litologies that exist in the referred sector, whose age is going from Precambrian/Cambrian to the Carboniferous and of Pliocene to Holocece. For besides the litologies, the mineral resources, as the gold mines and the thermal waters, and energy, as the coal mines and the dams, are relevant geological aspects in this area. It is made the application of the geological knowledge of the area through the presentation of a proposal of geotouristic guide of the fluvial course Porto-Pinhão. In this guide, is made reference to the more relevant geological aspects, as well as to the culture and history of the Douro region, through a group of points of interest from the city of Porto to the riverine town of Pinhão. vi Índice Geral 1 Cap. I – Introdução ............................................................................................................. 1.1 Plano geral da dissertação ........................................................................................................................ 2 1.2 Contextualização do trabalho .................................................................................................................. 3 1.3 Objectivos e Metodologia ......................................................................................................................... 4 1.4 Caracterização da Bacia Hidrográfica do rio Douro ............................................................................ 6 17 Cap. II – Conceptualização e implementação do Geoturismo .................................... 2.1 Desenvolvimento sustentável e ecoturismo ............................................................................................ 18 2.2 Geodiversidade, Património Geológico e Geoconservação ............................................................... 24 2.3 Geodiversidade e Biodiversidade: comparação e integração .......................................................... 29 2.4 Iniciativas internacionais e nacionais de geoconservação .................................................................. 31 2.5 Geoturismo .................................................................................................................................................. 39 2.6 Implementação do ecoturismo ................................................................................................................ 42 2.6.1 Os intervenientes .............................................................................................................................. 42 2.6.2 A interpretação da natureza .......................................................................................................... 45 2.6.3 O ecoturismo em Áreas Protegidas ............................................................................................... 48 2.7 O ecoturismo e o geoturismo em Portugal .............................................................................................. 49 2.7.1 Exemplos nacionais de iniciativas geoturísticas ........................................................................... 52 2.8 Os cruzeiros fluviais e o turismo na região do Vale do rio Douro .......................................................... 58 65 Cap. III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão .................................. 3.1 Introdução .................................................................................................................................................... 66 3.2 Estratigrafia ................................................................................................................................................... 66 3.2.1 Précâmbrico superior – Câmbrico ................................................................................................. 66 3.2.1.1 Grupo do Douro ................................................................................................................... 69 3.2.2 Outras ocorrências ........................................................................................................................... 75 3.2.3 Ordovícico ......................................................................................................................................... 77 3.2.4 Silúrico ................................................................................................................................................ 79 3.2.5 Devónico ........................................................................................................................................... 80 3.2.6 Carbonífero ....................................................................................................................................... 80 3.2.7 Cenozóico ......................................................................................................................................... 83 3.2.7.1 Pliocénico ............................................................................................................................. 83 3.2.7.2 Pleistocénico ........................................................................................................................ 87 3.2.7.3 Holocénico ........................................................................................................................... 87 3.3 Granitóides .................................................................................................................................................. 88 vii 3.4 Modelo evolutivo no contexto dos Ciclos Varisco e Alpino .................................................................. 90 3.4.1 Deposição e evolução do Grupo do Douro ................................................................................ 90 3.4.2 A bacia no Paleozóico inferior ........................................................................................................ 91 3.4.3 A tectónica varisca .......................................................................................................................... 92 3.4.4 A génese e evolução da Bacia Carbonífera do Douro (BCD) e a instalação de granitóides sin D3 .................................................................................................. 93 3.4.5 A evolução Meso-Cenozóica ......................................................................................................... 94 Cap. IV – Recursos Minerais e Energéticos do vale do rio Douro 97 no sector Porto-Pinhão ...................................................................................... 98 4.1 Introdução .................................................................................................................................................... 4.2 Recursos minerais ....................................................................................................................................... 98 4.2.1 Ouro ................................................................................................................................................... 98 4.2.2 Termas ................................................................................................................................................ 100 4.3 Recursos energéticos .................................................................................................................................. 103 4.3.1 Carvão ............................................................................................................................................... 103 4.3.2 Aproveitamentos hidroeléctricos ................................................................................................... 104 107 Cap. V – Cheias do rio Douro ............................................................................................ Cap. VI – Aplicação do conhecimento geológico ao turismo da região – 115 proposta de guia geoturístico ........................................................................................... 197 Cap. VII – Considerações finais ......................................................................................... 201 Bibliografia ............................................................................................................................ viii Eugénia Araújo Cap. I - Introdução 1.1 Plano geral da dissertação Este trabalho encontra-se estruturado em sete capítulos. No primeiro capítulo é feita uma descrição sintética sobre a estrutura da dissertação, a sua contextualização e ainda uma abordagem aos objectivos que se pretendem atingir com a realização deste trabalho. No fim do capítulo, surge a caracterização da bacia hidrográfica do rio Douro. O segundo capítulo é dedicado à valorização turística do Património Geológico, enquadrando-se o conceito de geoturismo no panorama do desenvolvimento sustentável e do ecoturismo. Procede-se à definição dos conceitos de Património Geológico, Geodiversidade e Geoconservação, dado a sua estreita relação com o geoturismo. O conceito de geoturismo é depois discutido, apresentando-se definições de vários autores que vão sendo confrontadas. Enfatizam-se de seguida as interacções existentes entre a geodiversidade e a biodiversidade e as comparações efectuadas entre os dois conceitos. Depois, destacam-se algumas iniciativas nacionais e internacionais que visam a conservação do Património Geológico. A integração do conceito de geoturismo no conceito de ecoturismo pressupõe a existência de estratégias e metodologias comuns, daí que, de uma forma sintética, é referida a implementação do ecoturismo, destacando-se os vários protagonistas envolvidos, os diversos aspectos do processo de interpretação da natureza e a forma como o ecoturismo é desenvolvido nas áreas protegidas. Posteriormente, o geoturismo é referido na sua vertente pragmática, sendo dados alguns exemplos nacionais e internacionais de geoturismo. Por último, faz-se uma abordagem aos cruzeiros turísticos no rio Douro, nomeadamente à evolução desta actividade turística nos últimos anos e ao seu modo de funcionamento. É feita também uma referência ao que tem sido feito e ao que ainda está previsto fazer com o objectivo de desenvolver o turismo na região do Vale do rio Douro. No terceiro capítulo dedicado à caracterização da geologia do vale do rio Douro, no sector Porto-Pinhão, faz-se a descrição da estratigrafia desde o Pré- Câmbrico/Câmbrico ao Carbonífero e do Pliocénico ao Holocénico. De seguida, caracterizam-se os granitóides existentes no referido sector. Este capítulo termina com um modelo evolutivo, onde se integram as litologias anteriormente descritas com os processos geológicos e tectónicos que ao longo do tempo geológico condicionaram a sua génese. No quarto capítulo, dedicado aos recursos minerais e energéticos existentes no vale do rio Douro até ao Pinhão, faz-se uma abordagem à exploração mineira de ouro e de carvão, aos aproveitamentos hidroeléctricos e às termas. 2 Eugénia Araújo Cap. I - Introdução No quinto capítulo é feita uma breve referência às cheias do rio Douro, fenómeno que afecta frequentemente a população ribeirinha. No sexto capítulo é apresentada uma proposta de guia geoturístico, onde são apresentados vários pontos de interesse não só geológicos, mas também culturais e históricos, no percurso fluvial Porto-Pinhão. No sétimo e último capítulo são feitas algumas considerações finais, sendo apresentadas conclusões e sugestões para futuros trabalhos. 1.2 Contextualização do trabalho A região do vale do rio Douro caracteriza-se por ser uma região com um baixo nível de desenvolvimento, apesar da constante referência ao seu forte potencial económico. O reduzido investimento público dificulta a valorização e divulgação da riqueza do património natural, cultural e histórico que possui. Reconhecidas as suas potencialidades turísticas, o turismo surge como a actividade económica capaz de impulsionar o desenvolvimento económico, social e cultural da região do Douro. Uma das actividades turísticas que mais tem crescido nos últimos anos são os cruzeiros fluviais. Estes cruzeiros, apresentando várias modalidades e sendo realizados em vários tipos de embarcações, trazem para a região muitos turistas. No entanto, os cruzeiros potenciam outras actividades, a sua maioria relacionadas com a viticultura, como as visitas às quintas e a prova de vinhos. De uma forma geral, o turismo que se desenvolve na região está direccionado para a história secular da cultura da vinha e para os vinhos de grande qualidade que aí são produzidos. No entanto, a geologia e a geomorfologia são igualmente aspectos de grande relevância nesta região, tendo um papel essencial na beleza e atractividade turística da paisagem duriense. Na ausência de documentação de suporte no âmbito da Geologia constatada na realização dos cruzeiros fluviais, elaborou-se um guia do percurso fluvial Porto-Pinhão em que são abordados os aspectos geológicos mais importantes, integrando-os sempre que possível com a história e cultura dos locais. A abordagem da geologia nos cruzeiros no rio Douro contribuirá para aumentar a qualidade e o interesse deste produto turístico bem como para uma maior satisfação dos turistas, na medida em que lhes é proporcionada uma experiência mais enriquecedora. A região do Douro apresenta potencialidades para que o geoturismo possa constituir uma nova vertente turística, constituindo uma opção alternativa viável ou explorando a sua associação com o turismo direccionado sobretudo ao produto Vinho do Porto. 3 Eugénia Araújo Cap. I - Introdução 1.3 Objectivos e Metodologia Neste trabalho pretende-se, numa primeira fase, que sejam atingidos os seguintes objectivos: • aquisição de conhecimentos sobre a temática do geoturismo, reforçando a sua importância no desenvolvimento económico e social de uma região; • aquisição de conhecimentos sobre a geologia da região do Douro, nomeadamente do sector Porto-Pinhão. Depois de concretizados os objectivos anteriores, o objectivo seguinte é a aplicação dos conhecimentos adquiridos na elaboração de um guia geoturístico do percurso fluvial Porto-Pinhão. Por sua vez, com a apresentação de uma proposta de um guia geoturístico para a região do vale do Douro visa-se: • sensibilizar para a geodiversidade existente na região do Vale do Douro; • promover a valorização geoturística da região do Vale do Douro; • aplicar o conhecimento geológico ao turismo da região do Vale do Douro; • suscitar a introdução de aspectos da geodiversidade nos cruzeiros fluviais, permitindo aos turistas um conhecimento mais amplo sobre a região do vale do rio Douro; • integrar a geodiversidade com a biodiversidade, a história e cultura da região; • alertar para as pontencialidades da região do Douro no desenvolvimento do geoturismo. Para a elaboração do guia foram previamente realizados cruzeiros no rio Douro. A realização dos cruzeiros visava, numa primeira fase, definir, no sector Porto-Pinhão, os motivos de interesse geológico, cultural e histórico, que poderiam ser focados ao longo do percurso fluvial. Desta forma, ficámos com uma ideia acerca dos motivos de interesse turístico entre o Porto e o Pinhão para puder determinar os temas que seriam pertinentes abordar. A realização dos cruzeiros permitiu ainda efectuar a contagem do tempo que pretendia colocar no guia, ter conhecimento do nível e tipo de informação que era veiculada aos turistas e o contacto directo não só com os turistas, mas também com as pessoas que trabalham nas embarcações e que contactam anualmente com milhares de turistas. Este contacto revelou-se bastante enriquecedor, na medida em que possibilitou a aquisição de informações acerca da satisfação, 4 Eugénia Araújo Cap. I - Introdução necessidades e desejos dos turistas, assim como dos que trabalham nesta actividade turística. A informação a disponibilizar ao público foi dividida em três níveis: o primeiro nível que ocupa a página frontal em cada ponto de interesse; o segundo nível que se encontra no verso da folha nos pontos de interesse em que tal foi considerado necessário; o terceiro nível de informação, mais detalhado, pode ser encontrado nos restantes capítulos do presente trabalho, nomeadamente nos terceiro, quarto e quinto capítulos. Na elaboração do guia procuramos utilizar uma linguagem acessível, passível de ser compreendida por quem tem uma reduzida cultura geológica e em introduzir, sempre que possível, imagens, gráficos ou esquemas ilustrativos que auxiliassem na compreensão da informação transmitida. Numa segunda fase, com o guia quase terminado, a realização de mais um cruzeiro serviu para testar na prática a sua aplicação, para posteriormente fazer os ajustamentos necessários, nomeadamente no que diz respeito ao volume de informação fornecida, verificando se era ajustado ao tempo que separa pontos de interesse consecutivos. Adicionalmente aos cruzeiros fluviais, realizaram-se saídas de campo pelas margens do rio Douro, com o objectivo de conhecer e observar com o pormenor que não é possível a quem viaja de barco, as litologias que afloram nas duas margens. 5 Eugénia Araújo Cap. I - Introdução 1.4 Caracterização da Bacia Hidrográfica do rio Douro Introdução A bacia hidrográfica do Rio Douro (BHD) encontra-se localizada entre os paralelos 40º 20` e 43º 10` de latitude Norte, e os meridianos 1º 43` e 8º 40` de longitude Oeste, cortando longitudinalmente a Península Ibérica com uma orientação dominante EsteOeste (Figura 1). A sua área é de 97603 Km2, sendo 78960 Km2 em Espanha (80,9%) e os restantes 18643 Km2 (19,1%) em Portugal (Plano da Bacia Hidrográfica do rio Douro – PBHD, 1999). A BHD é a maior bacia hidrográfica da Península Ibérica e o rio Douro um dos rios mais extensos (o terceiro maior, depois do Tejo e do Ebro). Do seu percurso total, 927 Km, 208 Km situam-se em Portugal, 122 Km servem de fronteira (Douro Internacional) e 597 Km, situam-se em Espanha (PBHD, 1999). Figura 1 – Bacia hidrográfica do rio Douro e de outros rios peninsulares. (Fonte: Plano da Bacia Hidrográfica Portuguesa do Rio Douro) 6 Eugénia Araújo Cap. I - Introdução Ém território português a BHD é delimitada a norte pelas bacias do rio Leça, Ave, e Cávado e a Sul pelas bacias dos rios Tejo, Mondego e Vouga (Figura 2). Figura 2 – Bacias hidrográficas que limitam a norte e a sul a Bacia Hidrográfica Portuguesa do rio Douro (Fonte: www.snirh.inag.pt). Os principais afluentes do rio Douro em Espanha são o Esla, o Valderaduey e o Pisuerga na margem direita, o Huebra e o Tormes que desaguam no troço internacional, o Águeda que serve de fronteira, o Guarena, o Adaja e o Riaza na margem esquerda. Em Portugal, destacam-se na margem direita temos os rios Sabor, Tua, Corgo, Tâmega e Sousa e na margem esquerda os rios Côa, Távora e Paiva (Figura 3). 7 Eugénia Araújo Cap. I - Introdução Figura 3 – As principais sub-bacias da bacia hidrográfica portuguesa do rio Douro. (Fonte: Plano da Bacia Hidrográfica Portuguesa do Rio Douro) As suas condições geológicas, morfológicas e climáticas, contribuem para uma assinalável geodiversidade e biodiversidade e para os constrastes existentes no que diz respeito à ocupação humana. Geologia Em Portugal, a BHD está integrada numa unidade morfoestrutural bem diferenciada na Península Ibérica, o denominado Maciço Hespérico, que é constituído por um substrato rochoso de idade paleozóica e precâmbrica relacionado com o orógeno Varisco (Pereira et al., 1996). A Bacia Hidrográfica Portuguesa do Douro (BHPD) integra-se na Zona Centro-Ibérica (ZCI) e apenas, junto à foz do rio Douro, está instalada em terrenos do Precâmbrico incluídos na Zona de Ossa Morena (ZOM). A sua evolução tectónica posterior é imposta pela orogenia Alpina, por reactivação das falhas tardi-variscas e levantamento orogénico, factos que estão na origem dos seus actuais traços estruturais. Na BHPD podem ser definidas unidades autóctones, parautóctones e alóctones hercínicas, bem como rochas granitóides e depósitos de cobertura cenozóicos(Pereira et al., 1996). Nas unidades autóctones distingue-se uma pequena porção de terrenos do Precâmbrico, situada a sul da foz do rio Douro, integrada na ZOM, que inclui rochas de 8 Eugénia Araújo Cap. I - Introdução alto grau metamórfico como ortognaisses biotíticos, paragnaisses, migmatitos e anfibolitos. As unidades autóctones integradas na ZCI, ocupam o sector a leste de Bragança, Douro Internacional, Serra da Marofa e vale do Douro até ao Porto, interrompidas por granitóides na região entre Lamego e Castelo de Paiva (Pereira et al., 1996). Quanto às litologias predominantes nas unidades autóctones destacam-se: - xistos e grauvaques com intercalações de quartzitos e conglomerados (Complexo Xisto-Grauváquico do Vale do Douro – Grupo do Douro); - quartzito “Armoricano”; - xistos ardosíferos; - xistos negros, xistos carbonosos, filitos esverdeados e quatzofilitos; - xistos argilosos negros. As unidades parautóctones e alóctones ocupam grande parte da área de Trás-osMontes e correspondem a um empilhamento de unidades separadas por carreamentos de base e separadas das unidades autóctones pelo carreamento de base do Parautóctone. Destacam-se das unidades parautóctones as Unidades Peritransmontanas, onde predominam xistos, quartzitos e grauvaques. Os Maciços de Bragança e Morais constituem o empilhamento das unidades alóctones média e superior, onde estão representadas sequências da crusta oceânica e continental. Os depósitos superficiais são reduzidos e de um modo geral correspondem a depósitos situados na base das cristas quartzíticas, constituídos por clastos de quartzito e quartzo mal rolados (Ferreira, 1981), bem como depósitos de natureza fluvial e aluvial que restam de uma paleodrenagem anterior à actual (Pereira, 1997). Os depósitos de terraços fluviais são também escassos, devido ao forte encaixe da rede fluvial, destacando-se no entanto os terraços fluviais associadas à bacia de Chaves (Pereira et al., 1996). Os granitóides enquadrados na BHPD, integram os granitos hercínicos característicos da ZCI, cuja instalação foi sobretudo controlada pela 3ª fase de deformação hercínica(D3) (Ferreira et al., 1987). Relativamente a esta fase de deformação, são divididos em três grupos: - granitóides ante D3; - granitóides sin D3; - granitóides tardi a pós D3. Os granitóides ante D3 correspondem a granitos de duas micas, apresentando geralmente grão médio a grosseiro, por vezes com tendência porfiróide e um carácter peraluminoso, sendo a plagioclase pouco cálcica. Os granitóides sin e tardi a pós D3 correspondem a granitos biotíticos com plagioclase cálcica, associados a cisalhamentos dúcteis, e a granitos de duas micas com restitos (Pereira et al., 1996). Os granitóides tardi a pós-orogénicos, instalaram-se depois das fases de deformação 9 Eugénia Araújo Cap. I - Introdução anteriormente referidas, sobre o controlo da fracturação frágil tardia. Correspondem a granitos biotíticos, apresentando geralmente grão médio a médio-grosseiro, por vezes porfiróides (Pereira et al., 1996). Dos elementos tectónicos, destacam-se a falha de Verim-Régua e a falha de Bragança-Vilariça (Cabral & Ribeiro, 1988). Estes acidentes têm rejogado até à actualidade e registam actividade sísmica (Cabral, 1995). Encontram-se orientadas NNE-SSW, segmentando a BHPD em três sectores com a mesma orientação (Ferreira, 1981). Geomorfologia A BHPD está instalada sobre a parte norte de uma unidade geomorfológica da Península Ibérica designada Meseta Ibérica. Esta, corresponde a uma peneplanície, designada por “Superfície Fundamental da Meseta”, cuja altitude média, na parte norte da Meseta, é de cerca de 700 m , sendo limitada por grandes alinhamentos montanhosos (Pereira et al., 1996). É limitada a norte pela Cordilheira Cantábrica (Picos da Europa – Torre de Cerrado – 2648m), a este pela Cordilheira Ibérica (Serra de Moncayo – 2313m) e a sul pela Cordilheira Central (Serra de Gredos – Plaza del Moro Almanzor – 2592m). A expressão mais contínua da Meseta Norte na BHPD situa-se no Planalto Mirandês, situado a norte do rio Douro entre os 700 e os 800 metros de altitude e nos planaltos da Beira Alta, terras conhecidas por Beira transmontana, a sul do rio Douro. Contrastando com esta continuidade, no sector mais ocidental existem apenas vários retalhos aplanados da superfície fundamental da Meseta, resultado da dissecação provocada pelo encaixe profundo da rede fluvial atlântica. A oeste, a Meseta estende-se, na sua maior parte, sobre afloramentos de formações precâmbricas e paleozóicas do soco varisco, pertencentes ao Maciço Hespérico, mas a leste também se prolonga pelos depósitos terciários continentais da Bacia do Douro (Cabral, 1995). Destacam-se acima da Superfície Fundamental da Meseta relevos residuais, coincidentes com cristas quartzíticas. Alguns relevos quartzíticos apresentam topos aplanados, sugerindo uma correspondência com a superfície inicial finimesozóica. Nas montanhas, relevos salientes da superfície planáltica, existem por vezes superfícies aplanadas, relacionadas provavelmente com fases precoces do desenvolvimento da Meseta, posteriormente levantadas por acção da tectónica alpina durante o Cenozóico (Cabral, 1995). No sector mais ocidental da BHPD, assistese a uma descida do relevo em patamares, com desníveis da ordem dos 100 m, até à plataforma pliocénica do Douro, a menos de 100 m de altitude, nas proximidades da desembocadura do rio (Pereira et al., 1996). Esta forma um patamar com restos de 10 Eugénia Araújo Cap. I - Introdução depósitos pliocénicos, ligeiramente inclinada para oeste, onde se encaixam os depósitos quaternários deixados pelo rio Douro (Pereira et al., 1996). A génese desta superfície iniciou-se no Mesozóico, em que as condições climáticas favoreceram a meteorização das rochas, com formação de mantos de alteração. Com uma reduzida acção tectónica, os relevos foram atenuados e os materiais erodidos depositados em bacias sedimentares, formando-se uma vasta superfície aplanada (Pereira et al., 1996). Durante o Cenozóico, sofreu a conjugação dos levantamentos tectónicos, da erosão e da incisão remontante da rede fluvial, que ocorreu nos últimos 2 Ma (Cabral, 1995; Pereira et al., 1996). O processo de incisão dos vales fluviais nos sectores do Alto Douro e do Douro Superior deve ter ocorrido essencialmente durante o Plistocénico, depois de os rios que drenavam para o Atlântico capturarem outros cursos de água, que conduziam os sedimentos resultantes da erosão do Maciço Ibérico para o interior, em direcção à Bacia Terciária do Douro em Espanha (Pereira et al., 2000). A erosão regressiva dos rios que desaguavam no Atlântico, dos quais fazia parte um pré-Douro, com posterior captura da drenagem mais interior (endorreica) foi impulsionada pela acção simultânea dos movimentos tectónicos de soerguimento, durante o Neogénico, com o abaixamento do nível médio do mar durante as primeiras glaciações. A relativa juventude da actual rede fluvial nestes sectores é apoiada pelo forte encaixe fluvial, sobretudo no troço internacional do rio Douro, onde ocorre um profundo encaixe do vale, com vertentes de declive acentuado, as Arribas (Figura 4), numa morfologia do tipo canhão fluvial. Figura 4 – Arribas do Douro em Miranda do Douro. 11 Eugénia Araújo Cap. I - Introdução O carácter encaixado do rio Douro nesta região justifica o reduzido registo sedimentar quaternário, evacuado em sucessivos ciclos de encaixe, ocorrendo associado às apertadas curvaturas, controladas por alinhamentos tectónicos (Pereira et al., 2000). O perfil tranversal do rio e das vertentes sofre algumas alterações devido à natureza e resistência diferencial das litologias. O profundo encaixe no Douro Internacional, onde dominam os granitos, contrastam com o vale mais aberto e vertentes menos inclinadas nas zonas onde predominam as unidades metasedimentares do Grupo do Douro (Figura 5). Figura 5 – Rio Douro, com a cidade de Peso da Régua na margem norte. A maioria da área da BHPD, 63239 Km2 , o que equivale a 65% da área total, encontra-se compreendida entre as cotas de 600 e 1000m, correspondendo à parte central da bacia. Cerca de 22252 Km2 (23%), encontra-se entre os 1000 e os 1600m, correspondente aos limites Norte, Sul e Oeste da bacia (Figura 6). A altitude média é de 891m (PBHD, 1999). 12 Eugénia Araújo Cap. I - Introdução Figura 6 – Hipsometria da bacia hidrográfica portuguesa do rio Douro. (Fonte: Atlas do Ambiente) O rio Douro corre a cerca de 115 m de altitude em Barca de Alva, a 200 Km da foz, e o desnível entre a peneplanície e o fundo de alguns vales chega a atingir, em alguns casos, 300 a 400 m (Ferreira, 1981). A sul e a norte do rio Douro existem elevações com mais de 1000 m de altitude, como as Serras do Marão, do Alvão, do Barroso-Cabreira, da Nogueira, de Bornes, do Larouco e do Montesinho, a norte, e as Serras de Montemuro e de Arada, a sul. Clima A BHD apresenta uma grande variedade de condições climáticas, reflexo da sua grande extensão e elevada diversidade em termos morfológicos. Podem ser considerados na BHPD dois conjuntos climáticos com características bem distintas (PBHD, 1999): o sector oeste, formado aproximadamente pelas sub-bacias do Sousa, Tâmega e Paiva, que se pode estender até à sub-bacia do Távora, incluindo ainda toda a faixa litoral da bacia, reflecte as condições associadas aos climas marítimos; toda a restante área, situada para leste, na qual se destacam as sub-bacias do Tua, do Sabor e do Côa, aproximam-se mais das condições associadas aos climas continentais. Os alinhamentos das serras do Marão, Alvão e Padrela, na margem norte, e das serras da Arada e de Montemuro, na margem sul, fazem a divisão entre estes dois conjuntos climáticos, constituindo um limite onde ocorre uma variação muito 13 Eugénia Araújo Cap. I - Introdução significativa dos elementos climáticos. Estes alinhamentos constituem uma barreira às massas de ar húmido, que ao embater com estes relevos, ascendem, provocando a condensação do vapor de água com consequente precipitação. Daí, as precipitações baixarem significativamente para leste desta barreira, onde as amplitudes térmicas anuais são particularmente bruscas devido aos máximos atingidos no verão. A precipitação, distribuída assimetricamente, varia com regularidade ao longo do ano, com valores maiores em Dezembro e Janeiro (nalguns locais em Março), e com valores menores em Julho ou Agosto (PBHD, 1999). A precipitação anual média, varia entre um valor máximo de cerca de 2400 mm e um valor mínimo de 400 mm (Figura 7). O valor da precipitação anual média é de cerca de 1030 mm. A distribuição sazonal da precipitação é também muito marcada, ocorrendo entre Outubro/Março cerca de 72% da precipitação anual. Em ano muito seco, a precipitação anual média atinge, cerca de 560 mm. A exposição ao sol, factor fisiográfico de grande importância na caracterização climática de qualquer região, reveste-se no Douro de redobrado interesse já que permite uma melhor compreensão do comportamento da vinha nas diferentes situações. A margem norte do rio está sob a influência de ventos secos do sul, estando a margem sul exposta aos ventos do norte, mais frios e húmidos, e a uma menor insolação, daí a temperatura do ar ser mais alta nos locais expostos a sul do que nos locais expostos a norte (PBHD, 1999). As temperaturas médias anuais variam entre 7,5 e 16 ºC (Figura 8). Os valores máximos das temperaturas médias anuais distribuem-se ao longo do rio Douro e dos vales dos seus afluentes, em especial os da margem direita (nomeadamente rio Tua e ribeira da Vilariça). Relativamente às amplitudes térmicas diurnas e anuais, verifica-se que têm maior valor em Barca d'Alva e menor valor em Fontelo, facto que é explicado pela distância ao mar. 14 Eugénia Araújo Cap. I - Introdução Figura 7 – Distribuição da precipitação na bacia hidrográfica portuguesa do rio Douro. (Fonte: Atlas do Ambiente) Figura 8 – Distribuição da temperatura na bacia hidrográfica portuguesa do rio Douro. (Fonte: Atlas do Ambiente) 15 Capítulo II Conceptualização e implementação do Geoturismo Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo 2.1 Desenvolvimento sustentável e ecoturismo O crescimento económico e industrial decorreu durante muito tempo sem qualquer preocupação pela degradação e poluição ambiental. Quando as consequências desta despreocupação foram constatadas, tornando-se evidentes os danos causados no ambiente, surgiu a ideia de equilibrar o crescimento económico das nações com a preservação da natureza, que veio a ser conhecida por desenvolvimento sustentável. Em 1987, a Comissão Mundial das Nações Unidas para o Ambiente e Desenvolvimento (UNWCED) apresentou o documento “O nosso futuro comum”, no qual o desenvolvimento sustentável é definido como um desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a habilidade das gerações futuras para satisfazer as suas próprias necessidades. Em conformidade com estes princípios a Organização Mundial de Turismo (WTO – World Tourism Organisation) declarou, em 1988, que o turismo sustentável deve ser encaradoeee como uma forma de gestão de todos os recursos, de tal modo que as necessidades económicas, sociais e estéticas possam ser cumpridas, ao mesmo tempo que se mantém a integridade cultural, os processos ecológicos essenciais, a diversidade biológica e os sistemas que suportam a vida. Posteriormente, na Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, foi adoptada a Agenda 21, que constitui um programa de acção que visa promover a implementação do desenvolvimento sustentável em todos os países, conciliando métodos de protecção ambiental, justiça social e eficiência económica. O desenvolvimento social e cultural, económico e ambiental devem reger-se pelos princípios da sustentabilidade. Embora o turismo não seja mencionado directamente neste documento, os princípios da sustentabilidade podem ser aplicados a todos os tipos de turismo e a todos os sectores do turismo (Bien, 2003). Segundo Klaus Topfer, Director Executivo do Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP - United Nations Environment Programme), “colocar o turismo no caminho da sustentabilidade é um grande desafio, mas também representa uma significativa oportunidade”. Na Carta Europeia do Turismo Sustentável para as Áreas Protegidas, o turismo sustentável é definido como qualquer forma de desenvolvimento, equipamento ou actividade turística que respeite e preserve a longo prazo os recursos naturais, culturais e sociais e que contribua de maneira positiva e equitativa para o desenvolvimento económico e bem-estar das pessoas que vivem, trabalham ou se encontram temporariamente nos espaços protegidos. Na Conferência Mundial do Turismo Sustentável, realizada em 18 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo Abril de 1995 na ilha de Lanzarote, em Espanha, tendo por base a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração do Rio para o Ambiente e Desenvolvimento, bem como as recomendações da Agenda 21, reconhecendo-se a ambivalência do turismo e a fragilidade dos seus recursos, foi elaborada a Carta do Turismo Sustentável. Neste documento é enfatizada a ideia de que o turismo deverá seguir critérios de sustentabilidade, participando activamente na estratégia para um desenvolvimento sustentável. O ecoturismo refere-se a um segmento de mercado no sector do turismo, caracterizado por pôr em prática os princípios da sustentabilidade, definidos pela WTO em 1988 (www.world-tourism.org, 2004). Esta forma de turismo expandiu-se rapidamente nas últimas duas décadas e por ser ainda esperado um maior crescimento no futuro e ser reconhecida a sua importância, as Nações Unidas designaram o ano de 2002 como o Ano Internacional do Ecoturismo, em que foram feitos esforços, nomeadamente pela WTO e UNEP, para que ao longo desse ano fossem realizadas actividades que possibilitassem uma troca de experiências e sensibilizassem todos os que estão envolvidos no ecoturismo para os seus benefícios, promovendo dessa forma o seu desenvolvimento sustentável no futuro (www.worldtourism.org, 2004; www.uneptie.org, 2004; www.un.org, 2004). Os princípios que constituem a base do ecoturismo provêm, pelo menos em parte, do movimento ambientalista ecodesenvolvimento que da emergiu década durante de sessenta, do movimento de a década de setenta do e desenvolvimento sustentável, que se desenvolveu durante a década de oitenta (Fennell, 2002). O ecoturismo é um nicho de mercado em amplo crescimento no sector da indústria turística, e tal como as outras formas de turismo sustentável, é um campo dinâmico com surgimento de novas técnicas e abordagens todos os anos, com potencial de vir a tornar-se uma ferramenta importante no desenvolvimento sustentável (Wood, 2002). O grande desenvolvimento que o ecoturismo tem vindo a experimentar deve-se à crescente procura dos turistas pelo contacto directo com a natureza, por locais ricos em fauna e flora, onde a tradição, os usos e costumes continuam preservados. É realizado sobretudo em Áreas Protegidas, onde não só as actividades são praticadas em ambiente totalmente natural como também são associadas à história, cultura e paisagem das zonas visitadas, em que o alerta para a conservação da natureza e de todo o ambiente envolvente é uma realidade sempre presente (http://www.portugalinsite.pt, 2004). O turismo baseado na natureza é em muitos países uma componente chave da indústria turística (Eagles, 2001). Segundo o mesmo autor, este sector do turismo depende fundamentalmente de duas componentes: níveis de qualidade ambiental e 19 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo níveis de satisfação do consumidor, tendo já crescido suficientemente para que possa ser subdividido em vários segmentos de mercado diferentes. Neste âmbito, Eagles (1995, 2001) utilizando uma metodologia baseada nas motivações, reconhece pelo menos quatro nichos de mercado no turismo baseado na natureza: ecoturismo, turismo de aventura, vida selvagem e campismo (Figura 9). Turismo baseado na natureza Ecoturismo Turismo aventura Vida selvagem Campismo Figura 9 – Nichos de mercado do turismo baseado na natureza (Eagles, 1995, 2001). Estes nichos de mercado encontram-se em diferentes estádios no ciclo empresarial, encontrando-se o ecoturismo e o turismo de aventura num estádio ainda com um grande potencial de crescimento, o turismo relacionado com a vida selvagem num estádio em que já atingiu o máximo potencial de crescimento e o campismo num estádio em que já se encontra em declínio (Eagles, 2001) (Figura 10). Figura 10 – Estádios dos diferentes nichos de mercado do turismo baseado na natureza no ciclo empresarial (Eagles, 2001). Para além dos quatro nichos de mercado identificados no turismo da natureza por Eagles (1995a), outras sugestões são apresentadas, como a subdivisão deste tipo de turismo em apenas dois nichos de mercado, sendo eles o ecoturismo e o turismo de aventura (Figura 11). Nesta perspectiva, o ecoturismo, bem como o turismo de aventura, são submercados do turismo da natureza, embora só o ecoturismo 20 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo estabeleça ligações com o turismo rural e cultural, o que não sucede com o turismo de aventura (Wood, 2002). Utilizando, tal como Eagles (1995a), o critério da motivação na distinção dos nichos de mercado enquadrados no turismo da natureza, Wood (2002) refere que enquanto no ecoturismo a principal motivação é a observação e apreciação dos elementos naturais e culturais, no turismo de aventura é o exercício físico e as situações de desafio em ambientes naturais. Turismo Turismo cultural Turismo rural Turismo natureza Ecoturismo Turismo praia Viagens negócios Turismo saúde e bem-estar Turismo aventura Figura 11 – Posicionamento do ecoturismo no amplo mercado turístico (WTO, modificado por Strasdas, 2001). (Fonte: www.unep.org) Apesar do ecoturismo constituir a versão mais sustentável do turismo da natureza é certo que todas as actividades turísticas, sejam elas em férias, negócios, conferências, congressos, feiras, de promoção da saúde e do bem-estar ou de aventura devem ter como meta a sustentabilidade (Wood, 2002) (Figura 12). Viagens de negócios Turismo Praia Turismo Rural Turismo da Natureza Ecoturismo Turismo Cultural Figura 12 – Strasdas, 2001 (Fonte: www.unep.org). 21 Formas de turismo não sustentável Turismo sustentável Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo Muito tem sido escrito sobre o ecoturismo, mas não existe consenso sobre o seu significado, em parte devido às variadas formas em que são oferecidas as actividades por um largo número de operadores e pelo facto de ser praticado por um número ainda maior de turistas (www.world-tourism.org, 2004). Em 1991, a Sociedade Internacional de Ecoturismo (TIES – The International Ecotourism Society) definiu ecoturismo como a visita responsável a áreas naturais, que conserva o ambiente e promove o bem-estar da população local. Esta definição enfatiza o facto de que deverá haver um impacto positivo quer na conservação quer na comunidade local. A IUCN, actualmente designada por Organização Mundial para a Conservação, realçando tal como na definição anterior a importância da conservação da natureza e da melhoria da qualidade de vida da comunidade local, definiu em 1996, o conceito de ecoturismo como viagem responsável e visita a áreas naturais relativamente imperturbáveis, para desfrutar e apreciar a natureza (e algumas particularidades culturais), promovendo a sua conservação, proporcionando um benefício sócio-económico para as populações locais e evitar os impactos negativos dos turistas. Também a WTO partilha da ideia patente na definição de ecoturismo da IUCN, de que os turistas para além de apreciarem a natureza também contactam com aspectos culturais das áreas naturais e de que o ecoturismo deve acarretar benefícios para as comunidades locais. Segundo esta, o ecoturismo é um turismo baseado na natureza, em que a motivação principal dos turistas é a observação e apreciação da natureza, bem como os aspectos culturais das áreas naturais, minimizando os impactos negativos no ambiente natural e sócio-cultural, gerando benefícios económicos, sociais e ambientais para as comunidades locais, gerando postos de trabalho e promovendo a consciencialização da população local e dos turistas para a importância da conservação dos recursos naturais e culturais (www.world-tourism.org, 2004). Para Weaver (2001), a sustentabilidade do ecoturismo não deverá verificar-se apenas a nível ambiental mas também a outros níveis, alegando que o ecoturismo é uma forma de turismo baseado na natureza, que se esforça para ser ecológica, sócio-cultural e economicamente sustentável, ao mesmo tempo que cria oportunidades para apreciar e aprender acerca da natureza ou de alguns dos seus elementos específicos como um animal ou uma planta. De acordo com Reimold (2001), o ecoturismo é o turismo focado na capitalização do ambiente, que satisfaz o turista ao mesmo tempo que sustenta o ambiente. Para este autor estas duas funções têm de andar unidas, caso contrário o recurso colapsará, talvez depois de ter provido ganhos económicos a curto prazo. Salienta-se nesta definição, para além do papel do ecoturismo no desenvolvimento sustentável, a satisfação do turista, que nas definições anteriores não foi referida. Embora seja dado muito enfoque à preservação da natureza, não podemos esquecer que o ecoturismo, como sector do 22 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo turismo que é, tem de cativar os seus clientes e não há melhor forma do que fazer com que fiquem satisfeitos e contentes com o que lhes é proporcionado. Este conceito alberga uma grande diversidade de actividades, tendo sido proposto um espectro de actividades, onde nos extremos se encontram o ecoturismo activo e o ecoturismo passivo (Weaver, 2001). No ecoturismo passivo (variante do turismo de massas) são reconhecidas algumas das características do turismo de massas, nomeadamente no que diz respeito ao volume e objectivo da viagem (Weaver, 2001). Este mesmo autor estabelece relações de benefício mútuo entre o ecoturismo e o turismo de massas. O ecoturismo beneficia o turismo de massas na medida em que contribui para a diversificação do produto turístico, oferecendo ao turista a oportunidade para aprender acerca das atracções naturais. O ecoturismo é atractivo para o aumento do mercado “verde” do turismo de massas e permite uma maior adequação aos princípios e práticas da sustentabilidade. O turismo de massas também beneficia o ecoturismo, trazendo mais clientela, nomeadamente ecoturistas passivos. Segundo Shores (2001), o conceito de ecoturismo deve ser o mais rigoroso possível para que se estabeleçam as metas e os desafios dos operadores turísticos, dos parques e dos turistas. Salienta ainda que as definições precisas permitirão comunicar com precisão entre todos os que estão envolvidos no ecoturismo, podendo as definições latas transmitir a falsa ideia de que uma viagem é, em termos ambientais, ecológica, quando na verdade é destrutiva para o ambiente local, regional e global. O termo tem sido usado com tamanha liberdade que quase todas as viagens se podem encontrar ao abrigo deste conceito. Na indústria turística, muitos são aqueles que utilizam o termo ecoturismo para promover os seus destinos sem, no entanto, tentarem implementar os mais básicos princípios do ecoturismo (Wood, 2002). Bien (2003) vai ainda mais longe, quando refere que para além da utilização frequente do termo ecoturismo por parte da indústria turística para parecer ser ecológica sem na realidade ser sustentável, prática conhecida por “greenwashing”, muitas vezes actua mesmo em contradição com estes conceitos. Para Wood (2002) trata-se de um grave problema que deita por terra a legitimidade do termo ecoturismo, mas que é o resultado de uma lacuna na compreensão dos princípios mais básicos do ecoturismo, apesar das conferências internacionais, dos Workshops e das publicações promoverem avanços significativos na educação sobre o ecoturismo. Os negócios que falsamente utilizam o termo ecoturismo representam uma competição injusta, danificando a credibilidade de toda a indústria turística. Existem muitos tipos de turismo sustentável que não são baseados na natureza e também existe turismo da natureza que não é sustentável, no entanto, nenhum destes deve ser considerado ecoturismo (Bien, 2003). Uma das soluções apontadas para este problema passa pela certificação, assegurando a verdadeira prática do ecoturismo, com o cumprimento 23 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo dos seus parâmetros específicos pelas empresas certificadas. Colocar o ecoturismo no caminho da sustentabilidade é um grande desafio que requer diálogo e cooperação entre a indústria turística, os governos, a população local e os próprios turistas (Larderel, 2002). O desafio é difícil pois envolve muitos actores e deve ser encarado como tal, mas não é uma tarefa impossível. A comprová-lo estão os inúmeros exemplos de sucesso, onde é praticado o ecoturismo com toda a legitimidade, que tem provado ser uma importante ferramenta para a conservação, tendo mesmo em certos casos conduzido ao aumento da qualidade de vida da comunidade local (Wood, 2002). Todavia, Larderel (2002) alerta que o ecoturismo, apesar de promover a preservação do ambiente e impactos sociais positivos, pode, infelizmente, ser tão danificador como o turismo de massas se não for promovido correctamente. As actividades turísticas não devem destruir a razão pela qual os turistas visitam determinado lugar, caso contrário põem em causa a continuidade dessas mesmas actividades (Bien, 2003). De acordo com Shores (2001) é o turista que pode alterar a forma como a indústria turística trata o património natural, indicando que para isso é preciso que o turista dê o primeiro passo – manter-se correctamente informado. 2.2 Geodiversidade, Património Geológico e Geoconservação As paisagens contempladas pelos turistas têm particularidades geológicas que frequentemente passam despercebidas. Para a satisfação de uma parte dos turistas basta a simples contemplação da paisagem, mas a oferta de conhecimentos históricos e científicos relativos ao que observa, é necessária para satisfazer os interesses de muitos turistas da natureza (Pereira, 2004). Este autor salienta que a base geológica é o factor mais importante na modelação da paisagem, que evolui em face da natureza das rochas, da sua deformação tectónica e da forma como se alteram e evoluem sob determinadas condições climáticas. Evidencia ainda que a forma das serras, das planícies, dos vales e muitas outras formas de escala variada, estão fundamentalmente relacionadas com as características geológicas do meio. Uma vez que o geoturismo é geodiversidade e sítios interesse com uma modalidade geológico turística que devidamente promove a protegidos e conservados, é essencial saber previamente o que se entende por Geodiversidade, Património Geológico e Geoconservação. O termo geodiversidade é recente, começando a ser utilizado por geólogos e geomorfólogos na década de noventa para descrever a variedade do meio abiótico (Gray, 2004). No entanto, de acordo com o memo autor, é difícil saber quando é que o termo geodiversidade foi referido pela primeira vez. Algumas das primeiras 24 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo utilizações parecem ter sido na Tansmânia (Austrália), em estudos que alguns autores realizaram sobre geoconservação. Gray (2004) também faz referência a uma conferência sobre geoconservação, realizada em 1993, em Malvern, no Reino Unido. Relativamente à definição de geodiversidade, são vários os autores que têm dado a sua contribuição. Nieto (2001) definiu geodiversidade como sendo o número e variedade de estruturas e materiais geológicos que constituem o substrato físico natural de uma região, sobre qual assenta a actividade orgânica, incluindo a antrópica. A Sociedade Real para a Conservação da Natureza do Reino Unido in Morris & Parkes (2004) refere que a geodiversidade consiste na variedade de ambientes geológicos, fenómenos e processos activos que originam as paisagens, as rochas, os minerais, os fósseis e outros depósitos superficiais que possibilitam a vida na Terra. Esta definição é mais abrangente do que a anterior, na medida em que inclui, para além das estruturas e materiais geológicos, os fenómenos e processos que estão na sua origem. De acordo com Gray (2004), a geodiversidade é a variedade natural de aspectos geológicos (rochas, minerais e fósseis), geomorfológicos (formas de relevo, processos) e do solo. Inclui as suas colecções, relações, propriedades, interpretações e sistemas. Conclui-se que para alguns autores o conceito de geodiversidade é mais restrito, incluindo quase apenas rochas, minerais e fósseis, e para outros o conceito é mais alargado, integrando para além dos aspectos anteriores os processos que estão na base da sua génese e que actualmente continuam a actuar. Apesar das diferenças na abrangência do conceito, salienta-se o facto de todas as definições apresentadas integrarem no conceito de geodiversidade os seres vivos. Assim, a geodiversidade não inclui apenas a componente abiótica do nosso planeta mas também a biótica. À geodiversidade são atribuídos vários valores (Gray, 2004): • valor intrínseco ou existencial, valor associado à simples existência das coisas (neste caso da geodiversidade) e não à utilidade que podem ter para o Homem; • valor cultural, valor colocado pela sociedade em algum aspecto do ambiente físico devido ao seu significado cultural e comunitário; • valor estético, valor associado à atractividade visual do ambiente físico; • valor económico, relacionado com a dependência da sociedade na utilização de materiais geológicos; • valor funcional, relacionado com o valor utilitário que a geodiverisdade pode ter no seu contexto natural e com o seu valor no suporte dos sistemas físicos e ecológicos; • valor científico e educativo, na medida em que a geodiversidade é imprescindível para a investigação científica e para a educação em Ciências da Terra. Os valores atribuídos à geodiversidade são diversificados, mas as ameaças à sua integridade são mais ainda. As ameças podem estar relacionadas com a ocorrência 25 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo de processos naturais, como a erosão fluvial e costeira, ou com acções humanas. Gray (2004) salienta as ameças humanas como a exploração de recursos geológicos, a expansão urbana, a gestão das bacias hidrográficas, a florestação, desflorestação e agricultura, a colheita de amostras geológicas para fins não científicos, as actividades recreativas e turísticas, os fogos, entre outras. Relativamente ao conceito de Património Geológico, segundo Munõz (1988) o Património Geológico é constituído por georrecursos culturais, ou seja, recursos não renováveis de índole cultural, que contribuem para o reconhecimento e interpretação dos processos geológicos que modelaram o nosso planeta, que podem ser caracterizados de acordo com o seu valor (científico, didáctico), pela sua utilidade (científica, pedagógica, museológica, turística) e pela sua relevância (local, regional, nacional e internacional). Valcarce e Cortés (1996) definem o Património Geológico como um conjunto de recursos naturais não renováveis, de valor científico, cultural ou educativo, que permitem conhecer, estudar e interpretar a evolução da história geológica da Terra e os processos que a modelaram. Uceda (1996) refere que o conceito de Património Geológico pode incluir todas as formações rochosas, estruturas, acumulações sedimentares, formas, paisagens, depósitos minerais ou paleontológicos, colecções de objectos geológicos de valor científico, cultural ou educativo e/ou de interesse paisagístico ou recreativo, podendo também incluir-se elementos de arqueologia industrial relacionados com instalações para a exploração de recursos do meio geológico. De acordo com Carvalho (1999) o conceito de Património Geológico é definido como qualquer ocorrência de natureza geológica, tal como um afloramento rochoso, uma pedreira, uma mina abandonada, uma jazida com fósseis, etc., desde que assuma valor documental e/ou monumental que justifique a sua preservação como herança às gerações vindouras. Tal como Munõz (1988), Carvalho (1999) também utiliza o termo georrecurso no contexto do Património Geológico. Segundo o autor um georrecurso é um recurso de natureza geológica, que pode ser económico, como por exemplo o petróleo, o gás natural, um minério, uma rocha ornamental, etc., e cultural, como por exemplo uma rocha, uma jazida fossilífera, etc., de valor documental com interesse no estudo e demonstração de certos acontecimentos ocorridos no passado geológico da Terra. Nieto (2002) refere que o Património Geológico é constituído por todos os recursos naturais, não renováveis, quer sejam formações rochosas, estruturas, acumulações sedimentares, formas, paisagens, minerais, fósseis, colecções de objectos geológicos de valor científico, cultural ou recreativo, que representam a memória da Terra, sobre a qual os seres vivos desenvolvem a sua actividade. Para além das diferenças no que diz respeito aos aspectos da geodiversidade que os autores incluem nas suas definições 26 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo de Património Geológico, salienta-se o facto de se encontrar referência unânime ao valor singular desses aspectos no âmbito científico, educativo, turístico ou cultural. Aos elementos da geodiversidade a que foram atribuídos valores singulares designam-se por geossítios. Sendo assim, o Património Geológico corresponde ao conjunto de geossítios existentes numa região (Figura 30). O Património Geológico engloba o Património Paleontológico, o Património Mineralógico, o Património Geomorfológico, entre outros. No entanto, é de salientar a não inclusão do Património Mineiro. Esta separação deve ser mantida dado as diferenças de conceitos e metedologias (Brilha, 2005), apesar do Património Geológico puder incluir geossítios correspondentes a antigas explorações mineiras, tal como defende Uceda (1996) e Carvalho (1999). As colecções de rochas, fósseis e minerais que se encontram em museus, por já não se encontrarem em contexto natural e estarem já protegidas, não integram normalmente o conceito de Património Geológico, apesar de muitas vezes apresentarem inegável valor patrimonial (Brilha, 2005). Este autor sugere a criação de um termo específico para este tipo de património, o de Património Geomuseológico. Dado o valor inegável de alguns geossítios, as ameaças que podem pôr em causa a continuidade da sua existência e a impossibilidade de conservar toda a geodiversidade, surgiu a necessidade de conservar esses locais. Daí, adveio a utilização do termo Geoconservação. Como sinónimo deste termo é também utilizada a expressão Conservação do Património Geológico. A implementação de um programa de conservação dos geossítios justifica-se na medida em que esses locais (Uceda, 1996): • constituem uma base imprescindível para formar geólogos e outros profissionais das Ciências da Terra; • possibilitam às gerações futuras aprender acerca da história geológica da Terra; • são um instrumento de ensino essencial para os ensinos básico e secundário; • servem para estabelecer a ligação entre a história da Terra, a história do Homem e a evolução biológica, na medida em que constitui o substrato sobre o qual evoluiu a actividade biológica e humana, sendo impossível a história do Homem ser reconstruída sem a base geológica; • podem ajudar a reconduzir o coleccionismo destrutivo, etc. De acordo com o mesmo autor, estas razões devem ser amplamente divulgadas, a fim de que seja reconhecida, considerada útil, necessária e apoiada. De acordo com Sharples (2002) o objectivo da geoconservação é a “preservação da diversidade natural (ou geodiversidade) de significativos aspectos e processos geológicos 27 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo (substrato), geomorfológicos (formas da paisagem) e de solo, mantendo a evolução natural (velocidade e intensidade) desses aspectos e processos”. Citando Sharples (1995), este autor salienta que a Geoconservação é a conservação da geodiversidade com valor intrínseco, ecológico e patrimonial. Para que a Geoconservação seja concretizada é necessária a implementação de estratégias que assegurem a efectiva conservação e gestão do Património Geológico. Estas estratégias assentam numa metodologia de trabalho que integra as seguintes etapas sequenciais: inventariação, quantificação, classificação, conservação, valorização e divulgação e, por último, monitorização (Brilha, 2005). No âmbito de uma estratégia de Geoconservação discute-se se é conveniente ou não divulgar geossítios com valor fundamentalmente científico, com o objectivo de impedir que sofram acções de roubo ou vandalização que podem ocorrer ainda que tenham sido previamente asseguradas as condições necessárias de protecção nos locais de maior vulnerabilidade. Salienta-se que a opção pela não divulgação nega ao público a possibilidade de tomar conhecimento da existência de algo valioso que também é seu, pois o Património Geológico é um bem comum da Humanidade. Será isso legítimo? Embora esta opção constitua uma medida que previna a possível degradação e destruição dos geossítios, pode ter o resultado oposto, na medida em que ao não se divulgar o Património Geológico, o público não toma conhecimento da sua existência, não compreende o seu valor e consequentemente não se encontra sensibilizado para a sua conservação. A divulgação tem um papel fundamental na preservação do Património Geológico. O facto de não se divulgar todo o Património Geológico conduz-nos a outras questões: quem vai proteger esse património? Um grupo restrito de investigadores, para quem esses geossítios são importantes na sua formação? como o farão?. São questões particulares que surgem no contexto da Geoconservação mas que de alguma forma põem em causa a sua importância. Apesar das razões anteriormente apontadas justificarem plenamente a necessidade da conservação do Património Geológico, esta não tem constituído uma prioridade a nível nacional, verificando-se uma tendência para privilegiar a conservação do Património Biológico. Tal facto, poderá estar relacionado com a reduzida cultura geológica de grande maioria dos cidadãos do nosso país, incluindo os responsáveis por deliberar em matéria de conservação da natureza. De acordo com Uceda (1996), a sensibilidade demonstrada para a conservação da flora e da fauna poderá estar relacionada com o facto de as pessoas se interessarem mais pelos seres vivos, na medida em que é algo mais concreto e fácil de apreciar por pessoas não entendidas, do que os elementos geológicos. Daí, ser imprescindível a sensibilização, educação e formação geológica do público em geral. Partilhando 28 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo desta ideia está Gordon et al. (2004), onde se salienta que promover a sensibilidade e apreciação para o Património Geológico e o envolvimento na sua conservação é a chave para a protecção de todo o Património Natural e para a gestão das nossas paisagens de uma forma sustentável. Assim, consciencializar e educar o público em geral é a principal prioridade para o sucesso da Geoconservação, o que é um grande desafio por várias razões: o conhecimento do público sobre Património Geológico, geodiversidade e Geoconservação é reduzido; tem de haver um profundo conhecimento da audiência e a mensagem tem de ser efectivamente comunicada (Dias & Brilha, 2004). Aquando da apresentação de definições do conceito de Património Geológico propostas por alguns autores, surgiu como sinónimo de Património Geológico o termo georrecurso. No entanto, deve ser enfatizado o carácter particular do Património Geológico como recurso geológico, na medida em que ao contrário do seu significado habitual, associado à exploração e aproveitamento económico, e portanto ao seu gasto e consequente perda, o Património Geológico exige rigorosos princípios de Geoconservação (Figura 30). 2.3 Geodiversidade e Biodiversidade: comparação e integração O aparecimento do termo e do conceito de geodiversidade conduziu inevitavelmente a comparações com o de biodiversidade, apesar dos aspectos da natureza a que se referem não serem os mesmos. Assim, foram encontrados alguns pontos em comum (Gray, 2004): • a utilização de alguns termos como “espécies” e “variedades”, que são há muito tempo utilizados nos minerais e na paleontologia; • os factores que ameaçam a integridade da biodiversidade e que podem conduzir à extinção de espécies animais e vegetais são muitas vezes os que também ameaçam a geodiversidade e conduzem ao desaparecimento de aspectos singulares da geodiversidade (Extinção geológica); • o pressuposto da existência de milhões de espécies ainda por descobrir, descrever e classificar aplica-se quer a animais e vegetais, quer a minerais, cujo número pode aumentar através do trabalho de campo, da cartografia geológica ou da actividade extractiva; • a necessidade de protecção e conservação. 29 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo No entanto, e apesar de terem em comum o facto de ser necessário proteger e conservar os aspectos que integram quer a biodiversidade quer a geodiversidade, o apoio dado ao trabalho no âmbito da biodiversidade é muito superior ao fornecido para o conhecimento e conservação da geodiversidade. O interesse pela conservação da biodiversidade e a operacionalização de estratégias de bioconservação tem globalmente mais adeptos. Face a este distinto tratamento no que respeita à implementação de estratégias de conservação da biodiversidade e da geodiversidade, a Geoconservação pode ser considerada a “Cinderela” das políticas de conservação da natureza (Larwood & Murphy, 2004). Em Portugal, a situação não é muito diferente dos outros países, e as áreas protegidas são definidas essencialmente tendo em atenção os seus aspectos biológicos (Dias & Brilha, 2004; Pereira et al., 2004). Esta desconsideração pelos aspectos geológicos conduz à falta de informação geológica que ocorre nos parques portugueses, o que é muito negativo no esforço para alcançar a sensibilidade do público para a geologia (Pereira et al., 2004). O papel da geologia e da geomorfologia na moldagem da paisagem, influenciando a biodiversidade e determinando o uso que o homem faz do solo, é importante, pois existem fortes ligações e interdependências entre o património cultural e natural e dentro deste entre o biológico e o geológico (Weighell, 2004). A geologia e a geomorfologia têm um papel importante na distribuição dos habitats e das espécies, mas esta associação está longe de ser simples, tornando-se ainda mais complexa pela influência do homem (Larwood & Murphy, 2004). De acordo com Stanley (2004), a geodiversidade é o resultado de processos dinâmicos interactivos entre a paisagem, a fauna, a flora e a nossa cultura, que ditaram o local onde as pessoas criaram as cidades, as indústrias, as estradas e a forma como os recursos foram utilizados. As interacções que se estabelecem entre a geodiversidade e a biodiversidade fundamentam a sua integração nas políticas de conservação da natureza. A Geoconservação não deve apenas afirmar-se como um domínio independente na conservação da natureza mas também é necessário estar integrada com a Bioconservação e ambas estarem incluídas nas estratégias de gestão do território (Gray, 2004). Partilhando desta perspectiva integradora Dias & Brilha (2004) defendem que qualquer política de conservação da natureza deve integrar todos os aspectos da natureza, os biológicos, os geológicos e os sociais, salientando que a Geoconservação é ainda uma palavra indiferente para políticos e gestores dos parques, quando a geologia é importante na definição de muitas áreas protegidas. A adopção de uma gestão integrada de conservação acarreta benefícios mútuos, no entanto ela é raramente considerada (Larwood & Murphy, 2004). Apesar dos 30 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo benefícios que pode trazer a integração da geodiversidade com a biodiversidade nas estratégias de conservação é necessária uma melhor compreensão das complexas interacções entre a geodiversidade e a biodiversidade (Larwood & Murphy, 2004). Segundo estes autores, essa compreensão conduzirá a uma mais bem sucedida gestão sustentável do nosso ambiente natural. Para além dos benefícios, a integração da geodiversidade e da biodiversidade numa estratégia de conservação pode gerar conflitos, na medida em que em algumas situações os interesses de cada uma colidem (Gray, 2004). Segundo o mesmo autor, nestas situações tem de se proceder separadamente à análise dos valores relativos associados à geodiversidade e à biodiversidade e existirão inevitavelmente situações onde é mais importante conservar o elemento da Património Geológico. Nesta perspectiva integradora da geodiversidade com a biodiversidade é proposta a inclusão na Rede Natura 2000 (iniciativa europeia que visa proteger os habitats naturais e semi-naturais, principalmente as espécies de animais e plantas que lá vivem) de uma directiva própria que considere o Património Geológico (Brancucci et al., 2004). Para os mesmos autores e porque muitos habitats são exclusivos não só pelos aos animais e plantas que lá vivem, mas também graças às características geológicas e geomorfológicas do local, a Directiva Habitats da União Europeia, aplicada em 1992, na medida em que esta desempenha um papel fundamental quando se discutem as medidas necessárias para a preservação e gestão das áreas naturais. 2.4 Iniciativas internacionais e nacionais de Geoconservação Nos últimos anos tem-se assistido a um esforço por parte da comunidade geológica no sentido de promover a conservação e divulgação do Património Geológico. Neste âmbito, algumas iniciativas a nível internacional e nacional têm vindo a ser realizadas. O Projecto Global Geosites, iniciativa levado a cabo pela International Union of Geological Sciences (IUGS) em cooperação com a Unesco, teve início em 1996 e pretende efectuar, numa escala global, a inventariação do Património Geológico. O inventário poderá vir a servir de base para o apoio à protecção e conservação do Património Geológico e da geodiversidade (Wimbledon et al.,1998; TheodossiouDrandaki et al., 2004). Desta forma, será criada uma Base de dados Global de Sítios Geológicos, que pretende constituir um instrumento que reúne informações, a nível internacional, sobre o maior número possível de sítios de interesse geológico (Wimbledon et al., 1998; Theodossiou-Drandaki et al., 2004). Para a realização deste trabalho a IUGS criou o Global Geosites Working Group mas na Europa este projecto 31 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo está a ser desenvolvido pelo grupo ProGeo, Associação Europeia para a Conservação do Património Geológico, nomeadamente pelos grupos de trabalho de cada país (Wimbledon et al.,1998; Fredén et al., 2004; Theodossiou-Drandaki et al., 2004). Para os geossítios, Wimbledon et al. (2004) referem a importância da prévia existência de um plano que permita aplicar uma metodologia de gestão e conservação coerente destes locais. O plano de gestão constitui uma ferramenta interna essencial na gestão diária destes locais e deve incluir a monitorização, de forma a manter os geosítios em boas condições, possibilitando o seu uso científico e educativo (Wimbledon et al., 2004). O grupo português da ProGeo, criado em finais de 2000, tem vindo a promover a inventariação, classificação e conservação de locais com interesse geológico (www.geopor.pt, 2004). Em Janeiro de 2002, decidiu estabelecer categorias temáticas para o Património Geológico em Portugal, sendo propostos três locais de relevância internacional que melhor representassem cada categoria, com vista à integração no Projecto Geosites da IUGS referido anteriormente (www.geopor.pt, 2004). Como prova da vitalidade destas actividades, a ProGeo-Portugal juntamente com o Centro de Ciências da Terra da Universidade do Minho organizou o IV Congresso Internacional da ProGeo, que se realizou na cidade de Braga, em Setembro de 2005 (www.dct.uminho.pt, 2004). Para captar a atenção dos media para o Património Geológico, o grupo português da ProGeo, decidiu em Fevereiro de 2004, que no dia 22 de Abril, consagrado internacionalmente como o Dia da Terra, se comemorasse também o Dia Nacional do Património Geológico (www.geopor.pt, 2004; www.geopor.pt, 2004). Neste dia é atribuído anualmente o Prémio Geoconservação à autarquia que se tenha distinguido na salvaguarda e promoção do Património Geológico do seu concelho (www.geopor.pt, 2004). O Prémio Geoconservação, ao qual se associou a National Geographic Portugal, foi entregue, em 2004, à Câmara Municipal de Idanha-a-Nova pelo trabalho desenvolvido na conservação dos fósseis de Penha Garcia, e em 2005, à Câmara Municipal de Valongo, pela sua dedicação na criação e desenvolvimento do Parque Paleozóico de Valongo (www.geopor.pt, 2005). Com esta iniciativa, a ProGEO-Portugal e a National Geographic Portugal pretendem sensibilizar o público e os responsáveis políticos para a necessidade de desenvolver estratégias para a conservação do Património Geológico (www.geopor.pt, 2004). O Programa Geoparques da Unesco, adoptado em Novembro de 1997, visa salvaguardar em todo o mundo áreas caracterizadas por possuírem um Património Geológico extraordinário, mas também arqueológico, ecológico, histórico e cultural, integrando a sua preservação na estratégia de desenvolvimento económico regional (Patzak, 2001). Um Geoparque é um território que compreende um determinado 32 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo número de geosítios com um significado geológico especial, raridade e beleza, que são protegidos e cuja gestão é da responsabilidade do governo do país onde este se localiza (Patzak & Eder, 1998). Os objectivos principais deste programa consistem na utilização do Património Geológico na educação do público em geral, na pesquisa científica, no desenvolvimento económico sustentável da população local (geoturismo) e na conservação do Património Geológico para as gerações futuras (Patzak & Eder, 1998). Estes territórios assegurarão a protecção e a gestão adequada do Património Geológico, constituindo uma ferramenta para o melhor compreender e consciencializar o público em geral para uma relação estável com a Terra (Patzak, 2001). A rede de Geoparques era inicialmente apenas europeia (Rede Europeia de Geoparques – REG), mas actualmente, desde Fevereiro de 2004 e sob a orientação da Unesco, está integrada numa rede mundial (Rede Global de Geoparques - RGG), da qual faziam inicialmente parte 25 geoparques, dos quais dezassete eram europeus e oito eram chineses (www.worldgeopark.org, 2004; http://portal.unesco.org, 2004). Actualmente, a RGG é contituída por trinta e cinco geoparques, dos quais 23 são membros europeus e 12 são chineses. Dos geoparques europeus, dois encontram-se no nosso país vizinho. Um deles é o Parque Cultural de Maestrazgo, situado na província de Aragão, no norte de Espanha, que ocupa um vasto território, cerca de 270000 ha, entre Saragoça e Teruel, no vale do rio Guadalope (Veen, 2001; www.europeangeoparks.maestrazgo.org, 2004). A sua riqueza patrimonial inclui vários monumentos, áreas etnológicas, depósitos arqueológicos e paleontológicos, espaços naturais e uma riqueza paisagística (www.europeangeoparks.maestrazgo.org, 2004). No interior do Parque Cultural de Maestrazgo existem seis centros de interesse, entre os quais se encontra o Parque Geológico de Aliaga (Figura 22), inventariado como Ponto de Interesse Geológico. Neste, é possível contemplar a História da Terra durante os últimos 200 milhões de anos através de dois itinerários distintos. Um dos intinerários tem carácter mais científico com um conjunto de onze pontos de interesse e o outro, de carácter mais turístico, possui nove pontos de interesse, alguns coincidentes com os do itinerário científico, onde se encontram quadros e painéis interpretativos, para além da existência de panfletos e guias que auxiliam a visita a crianças, estudantes ou cientistas (Veen, 2001; www.europeangeoparks.maestrazgo.org, www.turismomaestrazgo.com, 2004; www.parquegeologicoaliaga.com, 2004). 33 2004; Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo Figura 22 – Parque Geológico de Aliaga. (Fonte: www.parquegeologicoaliaga.com/galeria, 2004) Existem quatro aspectos nucleares de interesse no interior do parque: os estratos do período do Cretácico, com alternância de formações calcárias marinhas (Figura 23) e formações arenosas e argilosas depositadas em rios e lagos; formações continentais da Era Terciária; deformações tectónicas ocorridas durante a Orogenia Alpina e formas de relevo singulares, resultantes dos processos erosivos que modelaram a paisagem (Simon, 1995; www.europeangeoparks.maestrazgo.org, www.turismomaestrazgo.com, 2004). Figura 23 – Camadas de calcário. (Fonte: Robert van der Veen, in European Geoparks Magazine, issue 1, November, 2001) 34 2004; Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo Um outro geoparque europeu é o Parque Natural Psiloritis, situado na zona central da ilha de Creta, na Grécia, que inclui a cadeia montanhosa Psiloritis e as colinas do norte (Koziol e Koziol, 2001; www.psiloritis.net.gr, 2004). É uma área com uma excelente beleza natural, um lugar histórico de grande valor cultural, um símbolo de Creta, com características geomorfológicas, ecológicas e culturais (www.psiloritis.net.gr, 2004). Milhares de pessoas vivem e trabalham neste lugar de cultura e entretenimento, onde um modo de vida pastoral que permaneceu inalterável até à actualidade atrai milhares de visitantes todos os anos (www.psiloritis.net.gr, 2004). No interior do parque existem excelentes afloramentos, onde é possível observar em bom estado de conservação a maioria dos diferentes tipos de rochas presentes na ilha e encontrar conchas fossilizadas (Koziol e Koziol, 2001; www.psiloritis.net.gr, 2004 . Para além disso, caracterizam a paisagem todo o tipo de estruturas geológicas, numerosas cavernas, desfiladeiros impressionantes e estruturas geomorfológicas (Figura 24) (Koziol e Koziol, 2001; Charalampos, 2003; www.psiloritis.net.gr, 2004). 1 3 2 4 Figura 24 – Parque Natural Psiloritis: 1 - Falhas de Kroussonas; 2 - Dobras de Vossakos; 3 - Kamariotis Karst ; 4 - Caverna de Sfentoni. (Fonte 1 e 4: Barbara Koziol e Martin Koziol in European Geoparks Magazine, issue 1, November, 2001; Fonte 2 e 3: C. Fassoulas) De grande valor científico é o Planalto de Nida (Figura 25) e as secções de Damasta, para o aparecimento sem igual da falha que trouxe até à superfície as rochas das montanhas de Psiloritis (Koziol e Koziol, 2001). Para além dos aspectos geológicos, existem muitos locais de valor arqueológico, como a caverna de Ideon Andron (Figura 35 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo 26), onde se acredita que Zeus, o rei dos deuses gregos, terá crescido e que a este local chegariam muitas pessoas para oferecer sacrifícios e adorar Zeus (Koziol e Koziol, 2001; Kaloust, 2003; www.psiloritis.net.gr, 2004). Figura 25 – Planalto de Nida. (Fonte: C. Fassoulas) Figura 26 - Caverna de Ideon Andron. (Fonte: Barbara Koziol e Martin Koziol in European Geoparks Magazine, issue 1, November, 2001) Para além dos aspectos geológicos, culturais e históricos salientam-se ainda os aspectos ecológicos, na medida em que a cadeia montanhosa Psiloritis abriga um grande número de espécies endémicas de fauna e flora, sendo também amplamente conhecida pela sua riqueza de ervas aromáticas com qualidades terapêuticas (Koziol e Koziol, 2001; Kaloust, 2003; www.psiloritis.net.gr, 2004). Para desenvolver o geoturismo na Europa, relacionando o Património Geológico existente nos diferentes países europeus, surgiu a ideia, conhecida por “Geopark Trip”, de disponibilizar viagens através da Europa que ligassem todos os geoparques, possibilitando aos turistas desfrutar do Património Geológico europeu (Frey, 2001). No entanto, dado o pragmatismo económico do sector do turismo, esta ideia não parece ter aplicabilidade por motivos de viabilidade económica (Frey, 2001). Nos EUA existem muitos parques nacionais, que embora não pertencendo à rede mundial de geoparques, possuem uma forte componente geológica. Talvez um dos mais conhecidos internacionalmente seja o Parque Natural de Yellowstone. Criado em 1872, foi o primeiro Parque Nacional dos EUA. Possuidor de uma grande diversidade e riqueza natural, é o parque dos EUA que recebe mais visitantes. Ocupa uma área de 28 000 metros quadrados, onde é preservada uma grande variedade de espécies de vida selvagem e os processos naturais que os sustentam (www.nps.gov/yell, 2004). Existindo na área do parque evidências da ocorrência de extensas erupções vulcânicas (Figura 27) e da presença de glaciares, os aspectos que mais se destacam 36 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo neste parque são os géiseres, a vida selvagem, os lagos, o canhão do rio Yellowstone e as árvores petrificadas (www.nps.gov/yell, Setembro, 2004). Figura 27 – Colunas basálticas. (Fonte: http://volcanoes.usgs.gov/yvo/gallery, 2004) O Parque Natural de Yellowstone fica situado no canto noroeste da fronteira de Wyoming e é aqui que existem mais géiseres que em qualquer outro lugar do globo (Figura 28), incluindo o mundialmente conhecido Géiser do Velho Fiel, para além de milhares de outras manifestações vulcânicas como fontes termais e fumarolas (www.nps.gov/yell, 2004). 1 2 Figura 28 – Géiseres do Parque Natural de Wellowstone: géiser Steamboat (1) e géiser Fountain (2). (Fonte: http://volcanoes.usgs.gov/yvo/gallery, 2004 e www.geyserstudy.org, 2004) 37 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo É também muito conhecido pela existência do espectacular Canhão do rio Yellowstone, com 1200 pés de profundidade, realçada pelas magníficas quedas de água (www.nps.gov/yell, 2004) (Figura 29). . Figura 29 – Canhão do rio Yellowstone. (Fonte: http://volcanoes.usgs.gov/yvo/gallery, 2004) A nível nacional salienta-se a iniciativa Geologia no Verão da responsabilidade da Ciência Viva – Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica e patrocinada pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior, que tem contribuído para a valorização e divulgação da Geologia e do Património Geológico. Esta iniciativa tem fomentado junto do grande público, o interesse e conhecimento da Geologia e do Património Geológico. Tem igualmente captado a atenção do público para o significado dos objectos geológicos, para a sua utilidade e importância e em alguns casos tem sensibilizado para a geoconservação. Merecem também destaque alguns projectos que foram desenvolvidos nos últimos anos, nomeadamente o que se desenvolveu na Universidade do Minho, ao abrigo de um projecto conjunto da Fundação Ciência e Tecnologia e do Instituto da Conservação da Natureza. Este projecto consistiu na realização de um estudo da geologia e do Património Geológico em dois parques naturais do NE do país, o Parque Natural do Douro Internacional e o Parque Natural do Montesinho, procedendo-se à sua inventariação, caracterização e divulgação ao público. O trabalho desenvolvido 38 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo nestes parques poderá desempenhar um papel importante, pelo exemplo que poderá constituir quanto à importância do Património Geológico nas políticas de conservação da natureza destes parques, na medida em que é a geodiversidade que suporta a biodiversidade que os caracteriza (Dias & Brilha, 2004; Alves et al., 2004; Pereira et al., 2004). Este trabalho tem vindo a promover a defesa da geoconservação e sua integração na conservação da natureza. O Departamento de Ciências da Terra da Universidade do Minho destaca-se ainda por ser pioneiro na estruturação de uma pósgraduação em Património Geológico e Geoconservação, que teve início em Outubro de 2005. Segundo a brochura promocional, este visa o desenvolvimento de capacidades em geoconservação, aumentar a consciência dos professores na educação para temas de sustentabilidade, permitir trocas de experiências, desenvolver pesquisa nesta área, etc. O Museu Nacional de História Natural tem desempenhado também um papel importante na defesa do Património Geológico português. A título de exemplo cita-se o projecto de criação de um Exomuseu da Natureza, que inclui um Exomuseu Geológico (Carvalho,1999). Este corresponde a um conjunto de geossítios localizados em várias regiões do território português, que constituem pólos do Exomuseu com elevado valor científico, pedagógico e cultural. Sendo assim, as peças geológicas do museu serão observadas em contexto natural, integradas na paisagem de que fazem parte. A Associação Portuguesa de Geólogos (APG) e o IGM (actualmente integrado no INETI) são entidades que se têm destacado, nomeadamente pela promoção de congressos e seminários. Salienta-se o I Seminário sobre Património Geológico, realizado em Junho de 1999, em Alfragide, e o Congresso Internacional sobre Património Geológico e Mineiro, realizado em Outubro de 2001, em Beja, para além dos congressos nacionais de Geologia, onde tem sido feita uma abordagem à conservação e valorização do Património Geológico. 2.5 Geoturismo A protecção do Património Geológico para além da sua conservação, deve igualmente promover o desenvolvimento sustentável e sua possível utilidade para a sociedade (Nieto, 2002). De acordo com o mesmo autor, o Património Geológico pode ter uma utilidade científica, educativa e turística/geoturística, sendo a sua utilização com fins turísticos a que proporciona maior valor económico ao Património Geológico, pressupondo no entanto, a construção de infra-estruturas e criação de postos de trabalho, quer relacionados directamente com a divulgação do Património Geológico exposto, quer com a hotelaria e restauração, potenciando desta forma a 39 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo economia local. Quando o turismo e a ciência se associam novas oportunidades emergem, quer para a ciência porque alcança nova audiência, quer para o turismo porque proporciona novas oportunidades para melhorar a experiência dos turistas ao oferecer uma visão diferente da paisagem e ao dar novas razões para explorá-la, fazendo com que permaneçam mais tempo numa região e gastem consequentemente mais dinheiro, o que estimula a economia local (Monro, 2004). O geoturismo é considerado uma vertente do ecoturismo, pelo que deve assentar nos princípios do turismo sustentável. O seu desenvolvimento tem por base a geodiversidade e/ou o Património Geológico de uma região (Figura 13). A primeira definição de geoturismo a ser amplamente publicada foi a de Hose (1995), segundo a qual o geoturismo permite aos turistas a aquisição de conhecimento e compreensão da geologia e da geomorfologia de um local, para além do nível de mera avaliação estética. O geoturismo constitui um meio para promover o valor e benefícios sociais dos locais de interesse geológico e geomorfológico, os seus materiais e para assegurar a sua conservação, para o uso de estudantes, turistas, etc. Na Malásia, foi sugerido que este termo, seja um novo ramo da geologia, que deverá suportar mundialmente o crescimento do ecoturismo (Patzak, 2001). Para a TIA (Travel Industry Association of America), o geoturismo combina os aspectos culturais e ambientais, que fazem com que um lugar seja diferente de outro, tendo a preocupação do impacto local do turismo nas comunidades, na sua economia e estilo de vida. Segundo esta associação, o geoturismo também deverá integrar aspectos culturais e não somente os aspectos geológicos de um local. Esta ideia da integração de outros aspectos que não apenas os geológicos no geoturismo é partilhada por Matthias & Andreas (2003), que referem que o geoturismo é uma forma de turismo baseada no Património Natural de uma região, incluindo os aspectos geológicos, botânicos ou arqueológicos, onde o conceito de desenvolvimento sustentável tem um papel essencial. Desta forma, é essencial que a geologia, em vez de ser considerada isoladamente, seja abordada no geoturismo num contexto mais amplo, devendo ser desenvolvida uma abordagem integrada das paisagens, como fazendo parte de um único mosaico onde se encontram as características culturais, biológicas e geológicas (Larwood & Prosser, 1998). O geoturismo oferece uma oportunidade para que a conservação do Património Geológico aconteça quando o impacto do seu uso é cuidadosamente gerido, mas também é, em parte, uma consequência de uma bem sucedida conservação do Património Geológico, assegurando a sua preservação para que seja possível aos turistas desfrutar e aprender acerca dele (Larwood & Prosser, 1998). Desta forma, o geoturismo e a Geoconservação têm uma relação ambivalente, uma vez que o 40 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo geoturismo pode promover a Geoconservação e a Geoconservação pode por sua vez promover o geoturismo(Figura 30). Indústria pode ameaçar a o seu valor económico pode conduzir à Exploração de recursos minerais e energéticos para serem utilizados na Produção de energia Turismo sustentável Ecoturismo Património Geológico deve ser conservado Geoturismo Geoconservação o seu conjunto constitui o pode promover Geossítios pode promover educativo constituem os locais com significativo valor turístico científico ou outro Geodiversidade Figura 30 – Esquema representativo das interrelações que estabelecem os conceitos de Geodiversidade, Geossítios, Património geológico, Geoconservação e Geoturismo. O geoturismo é assim a melhor oportunidade que existe para promover o Património Geológico e sensibilizar o público em geral e as comunidades locais para a importância da sua conservação (Larwood & Prosser, 1998; Patzak, 2001). Para além do papel importante que o geoturismo desempenha na Geoconservação, este constitui uma actividade económica interessante, que, sem dúvida, pode ajudar ou potenciar a economia de áreas rurais economicamente desfavorecidas (Nieto, 2002). Pode trazer vantagens como a venda dos produtos locais, a promoção de novos produtos com conotação geológica, crescimento dos negócios de hotelaria e restauração, criação de empregos, apoio ao transporte local, etc (Patzak, 2001). No entanto, as actividades turísticas podem também acarretar impactes negativos sobre a geodiversidade e sobre o Património Geológico, que devem ser evitados a fim de impedir a destruição dos objectos geológicos, que constituem a razão pela qual muitos turistas visitam determinadas regiões. Os impactes negativos também se podem verificar em sentido contrário - o Património Geológico sobre o turismo. Um exemplo 41 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo disso foi a diminuição da frequência turística em algumas regiões dos Alpes, depois das avalanches ocorridas em Fevereiro de 1999 (Reynard et al., 2003). Apesar de ser mais comum o desenvolvimento do geoturismo em áreas afastadas das cidades, destaca-se a sua aplicação em centros urbanos, através da criação de itinerários geoturísticos. Estes itinerários integram os locais mais importantes, proporcionando a compreensão da sua história geológica e a forma como ela condicionou o desenvolvimento urbano (Auteri, 2004). O mesmo autor refere que a promoção do geoturismo em centros urbanos é uma forma de sensibilizar o público para a evolução natural e antrópica das cidades e que pode servir de catalizador para o desenvolvimento do turismo sustentável. São muitas as regiões que têm a possibilidade de promover o geoturismo. Estas regiões, devidamente geridas, podem gerar emprego e novas actividades económicas, especialmente nas regiões onde são importantes as fontes de rendimento adicionais (Patzak, 2001). O programa Leader é um programa da União Europeia que teve início em 1991 com o programa Leader I, ao qual se seguiu o Leader II, encontrando-se agora em vigor o Learder +. Este visa promover o desenvolvimento económico das zonas rurais do território europeu e onde o turismo, nomeadamente o geoturismo, pode surgir como um instrumento importante para o desenvolvimento económico sustentável dessas zonas. 2.6 Implementação do ecoturismo 2.6.1 Os intervenientes A implementação do ecoturismo não é uma tarefa fácil, mas para que seja facilitada deverá existir a cooperação entre os vários intervenientes, nomeadamente entre as entidades governamentais, a indústria turística, os operadores turísticos, as agências de viagens, as organizações não governamentais e as comunidades locais (Wood, 2002). Para além da cooperação entre os muitos intervenientes neste processo, que é essencial, a forma como é efectuada a planificação e a gestão de um local que se pretende que seja um destino ecoturístico, determinará a forma como o ecoturismo poderá aí prosperar. Os gestores do ecoturismo nos diversos países estão dependentes dos governos, nomeadamente dos Ministérios do Turismo e do Ambiente, para desenvolver políticas que protegerão e administrarão as áreas naturais, e da indústria turística, para transportar e acomodar os ecoturistas (Wood, 2002). Por isso, os governos e os ministérios são actores cruciais para estabelecer o reconhecimento do seu país como 42 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo um ecodestino, devendo as suas políticas de turismo promover uma experiência de qualidade ao turista e não apenas divulgação a um número elevado de turistas (Wood, 2002). A indústria turística promove o turismo da natureza com uma variedade de nomes, mas é geralmente referido como a oportunidade para observar e experimentar ambientes naturais e os seus habitantes locais de formas que não são viáveis no turismo de massas (Shores, 2001). Em 1993 foram publicadas pela TIES (The International Ecotourism Society) as directrizes que os operadores turísticos da natureza devem seguir. De uma forma resumida, estas directrizes passam pela preparação dos turistas, pela minimização do impacte provocado por estes, bem como dos operadores turísticos, por providenciar formação adequada, contribuir para a conservação, promover a empregabilidade local, oferecer alojamento local que não seja destrutivo para o ambiente, não desperdiçar os recursos locais, etc. No entanto, nem todos os operadores ecoturísticos são responsáveis, não seguindo na totalidade as directrizes referidas. Wood (2002) também faz referência aos requisitos que um bom operador ecoturístico deve cumprir e especificando a preparação dos turistas que a TIES destacou, salienta que um operador ecoturístico deverá providenciar informação acerca da região e da cultura local antes da visita, acerca do vestuário e comportamento apropriado antes da partida e também ao longo da visita, para além de fornecer informação detalhada ao longo da visita transmitida por guias locais bem treinados, de promover a interacção dos turistas com a comunidade local, de assegurar a liquidação das taxas de entrada, etc. As agências de viagens têm um papel importante no marketing dos produtos da indústria turística, embora não tenham desempenhado ainda um papel de relevo na divulgação e vendas para o mercado do ecoturismo (Wood, 2002). As organizações não governamentais desempenham também um papel importante no desenvolvimento do ecoturismo, estando geralmente envolvidas por duas razões: protecção da biodiversidade e do ambiente e pelo desenvolvimento sustentável da população local (Wood, 2002). Este tipo de organizações têm trabalhado activamente, quer a nível nacional quer a nível internacional, para assegurar o desenvolvimento do ecoturismo de acordo com as directrizes do desenvolvimento sustentável, daí realizarem os seus próprios programas ecoturísticos dado o seu grande desejo de utilizar o ecoturismo como uma ferramenta na conservação e desenvolvimento sustentável (Wood, 2002). As comunidades locais têm um papel vital no desenvolvimento do ecoturismo na sua região, pois a sua participação e envolvimento são críticos neste processo e daí a importância das entidades governamentais, quer regionais quer nacionais, facilitarem a integração das comunidades locais (Wood, 2002). A comunidade local pode não 43 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo compreender o valor do património que tem, que para ela é trivial, mas pode ser receptiva e encorajada a valorizá-lo. Assim, as entidades públicas e privadas devem considerar a colaboração com a comunidade local e compreendê-la, pois é o seu ambiente, é ela que trabalha com e na paisagem, é preciso dar-lhe a capacidade para gerir o seu ambiente e os meios para o fazer, senão de outra forma não o farão (Faulkner, 2004). Deverá por isso, nos procedimentos para a implementação do ecoturismo, estar incluída uma avaliação realizada com as comunidades locais acerca dos benefícios e dos potenciais impactes negativos que o projecto pode acarretar (Wood, 2002). As comunidades locais devem ter o poder de escolher o seu próprio destino e para isso, devem possuir toda a informação necessária para decidir se os impactes negativos do projecto não excedem as vantagens, antes de se realizar um novo projecto (Wood, 2002). Neste processo com as comunidades locais é aconselhável utilizar intermediários qualificados com o intuito de facilitar a comunicação entre ambas as partes (Wood, 2002). Se o projecto for aceite pela comunidade, os seus representantes deverão então ser integrados nos processos de tomada de decisão em todas as fases do projecto (Wood, 2002). A realização de um acordo escrito entre a comunidade e o projecto ecoturístico pode ajudar ambos ao lados a sentir-se mais seguro, uma vez que todas as regras e responsabilidades ficam claramente definidas desde o início (Wood, 2002). Para que o projecto se torne um sucesso, a comunidade local tem de investir nele, utilizando os recursos que têm disponíveis como o seu trabalho, os recursos renováveis locais e a terra (Wood, 2002). Podem ainda estabelecer parcerias, convidando grupos ambientalistas para trabalharem em conjunto e encontrarem as soluções e o capital necessário para as concretizar (Shores, 2001). Para além dos actores atrás referidos, cujo papel desempenhado no ecoturismo já foi salientado, não se pode esquecer de maneira alguma quem procura ou poderá procurar este sector do turismo, os turistas. O desafio do ecoturismo depende muito dos turistas, pois estes podem mudar a forma como a indústria turística trata as áreas naturais (Shores, 2001). O mesmo autor defende que os turistas antes de viajar devem ser encorajados a informar-se acerca do local que pretendem visitar, bem como acerca dos operadores turísticos, para que ao serem confrontados com uma oferta variada de turismo da natureza, a tarefa de seleccionar uma viagem e um operador turístico esteja facilitada. A progressiva adesão dos turistas a operadores que seguem os parâmetros do ecoturismo, promoverá a adesão dos restantes às boas práticas (Shores, 2001). A identificação dos turistas é fundamental para a planificação e gestão do turismo. Alguns estudos foram feitos no âmbito da tipologia dos turistas, que incluem a identificação dos ecoturistas, fazendo a distinção entre estes e outros tipos de turistas. 44 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo Nestes estudos, os critérios utilizados para identificar os ecoturistas relacionam-se com o local visitado, as actividades desenvolvidas, ou ainda as motivações que este tipo de turistas possui quando planificam uma viagem. As regras são diferentes para cada um dos intervenientes referidos, mas em conjunto podem encontrar os métodos e as práticas ambientais economicamente viáveis, de forma a assegurar a manutenção das atracções naturais e culturais sem prejudicar os seus recursos (Shores, 2001). Destaca-se a insistência dos vários autores na importância da cooperação e comunicação entre todos aqueles que intervêm directa e indirectamente para o sucesso do ecoturismo, uma vez que existem relações de dependência entre eles. Baseada na cooperação de todos os intervenientes, a planificação e gestão que é realizada nos ecodestinos deve ocorrer de tal forma que a longo prazo evite a sua massificação, os impactes ambientais e a perda de integridade biológica e cultural Wood (2002). A massificação do ecoturismo deve ser evitada a todo custo devido às consequências negativas que acarreta. Os roteiros construídos para o turismo de massas estão geralmente dirigidos para os interesses daqueles, nomeadamente para os serviços que os turistas vão desfrutar como restaurantes, piscinas, praias, ginásios, desportos aquáticos, etc. Esses roteiros são bem diferentes dos roteiros ecoturísticos que obedecem já a regras básicas estabelecidas e que devem se cumpridas: as cores utilizadas, a segurança, os materiais utilizados, o número de infra estruturas, a sinalização, a largura dos caminhos, e a originalidade (Chávez, 2004). 2.6.2 A interpretação da natureza Como a grande maioria das pessoas vive nos grandes centros urbanos, não tendo muitas oportunidades para estar em contacto com a natureza, a interpretação ambiental tem um papel muito importante num roteiro ecoturístico (Chávez, 2004). A importância atribuída à interpretação ambiental advém do facto, e de acordo com Wood (2002), do ecoturismo permitir aos turistas em primeiro lugar compreender melhor os ambientes naturais e culturais únicos que existem no nosso planeta. Netto (2000) distingue a interpretação ambiental de educação ambiental, salientando que a educação ambiental promove o desenvolvimento do conhecimento e um comportamento positivo perante o ambiente, perseguindo objectivos educativos muito específicos, ao passo que a interpretação ambiental é provocação, revelação, enriquecimento da experiência do visitante, com respeito pelo lugar ou objecto que é interpretado, desenvolvendo também atitudes positivas para a conservação do património. Desta forma, os principais objectivos da interpretação ambiental são 45 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo diferentes dos da educação ambiental, mais amplos, dirigidos a um destinatário mais heterogéneo, que se pretendem atingir num contexto não escolar, muito embora possam estar na interpretação alguns dos objectivos da educação ambiental, estes nunca são os seus principais objectivos (Netto, 2000). Apesar dos seus principais objectivos serem diferentes, para o mesmo autor a interpretação ambiental relacionase com a educação ambiental, quando se consideram os aspectos da influência sobre o conhecimento e o comportamento das pessoas e daí a interpretação pode ser o ponto de partida para a educação ambiental. Hose (2000) in Dias & Brilha (2004) define a interpretação ambiental como a “revelação do significado e valor de um local, traduzindo a linguagem geológica e científica, dados e conceitos em factos comuns, termos e ideias, baseadas nas experiências, conhecimento e compreensão de pessoas que não são especialistas”. Em Nykanen (2001), está também patente a ideia da descoberta da natureza, em que esta se é dada a conhecer no processo de interpretação. O autor salienta que o papel da interpretação da natureza é expor as pessoas à natureza, mostrar os significados e a interdependência entre elas e a natureza. Neste processo, os visitantes constroem o significado das experiências que tiveram no lugar que visitaram, dos pensamentos, das recordações e dos sentimentos que trazem consigo; as palavras e as imagens que lhes são oferecidas são apenas uma parte dessa experiência (Carter, 2004). Este autor refere ainda, e relacionando com a ideia de Netto (2000) de que a interpretação ambiental é provocação, que os visitantes devem ser estimulados e que a sua resposta emocional é a verdadeira razão da interpretação, pois este é um processo essencialmente criativo, em que se deve “semear nas cabeças da nossa audiência”. De acordo com Bini & Poli (2004) o processo de interpretação e comunicação deve habilitar cada um de nós a observar conscientemente o mundo físico e os seus fenómenos, observando de diferentes perspectivas o mundo que nos rodeia e que normalmente não estamos habilitados a compreender e assimilar. A existência de um processo de interpretação da paisagem é justificada por Bini & Poli (2004), que referem a sua necessidade para que os turistas desenvolvam uma percepção consciente da paisagem, para que não fiquem apenas com uma memória daquilo que observaram, que descodifique os seus significados e revele as suas complexidades particulares, capaz de dar uma identidade precisa e uma unicidade aos diferentes lugares. Enfatizam ainda que apenas um processo de interpretação e de transmissão do conhecimento eficiente pode tornar a maioria dos locais únicos, transformando-os numa mais valia para o desenvolvimento social e económico do local. Um puzzle pode representar o que deve ser reproduzido no processo de interpretação, uma vez que ao recompor certas peças numa imagem, o verdadeiro significado do que estamos a observar é revelado (Bini & Poli, 2004). A 46 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo interpretação assistiu a um desenvolvimento, sendo considerada uma disciplina, que possui já um plano metodológico, um conjunto de procedimentos e técnicas, transformando numa verdadeira profissão a tarefa de quem comunica com os visitantes, muitas vezes de uma forma instintiva e desorganizada (Netto, 2000). A justificação para a ascensão da tarefa de quem comunica com os turistas a um estatuto de verdadeira profissão poderá encontrar-se em Loikkanen (2001), quando este refere que os intérpretes são aqueles que agem para estabelecer a ligação entre a população local, os turistas e os locais que estes visitam. No processo de interpretação, a escolha das técnicas mais adequadas dependem do público que integra a audiência, com quem se vai estabelecer uma relação e obter um feedback, dos objectivos previamente estabelecidos e obviamente daquilo que os locais nos Objectivos oferecem (Bini & Poli, 2004) (Figura 31). Figura 31 – Modelo de interpretação de Cherem (1977) in Bini & Poli (2004). A interpretação é um processo de comunicação específico, onde é importante “vestir” os conceitos, tendo em atenção os meios de comunicação a utilizar, que são variados e que podem ser combinados, para que melhor se possam satisfazer os objectivos estipulados (Bini & Poli, 2004). A interpretação do Património Geológico é geralmente baseada em quadros e panfletos, escritos frequentemente por cientistas, que assumindo um bom conhecimento técnico da sua audiência têm tendência para veicular muita informação em vez de interpretação (Gordon et al., 2004). No entanto, segundo os 47 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo mesmos autores, assiste-se hoje a uma tentativa de largar esta abordagem muito científica para a interpretação e veiculação de informação aos turistas utilizando vários tipos de abordagem, com meios específicos, dependendo da audiência, baseadas em princípios de interpretação. Uma das maiores dificuldades com que se deparam é a transformação da linguagem científica numa linguagem acessível e compreensível para o público em geral, embora compreender a informação seja apenas o primeiro passo no processo de interpretação (Bini & Poli, 2004). No entanto, a transformação do complexo, a linguagem científica, em simples, a linguagem clara para toda a gente, é segundo Summermatter (2003) um processo com uma metodologia, que implica a observação das técnicas utilizadas e uma profunda reflexão sobre os processos usados ou a ser adoptados, para que se possa descobrir um caminho através da nébula que é a vulgarização científica. Os geólogos têm a fama de serem uma classe que não comunica muito bem entre si e muito menos com o público, mas esta situação tem-se alterado e há um desejo crescente dos geólogos partilharem com as pessoas o conhecimento que possuem acerca da evolução das paisagens (Monro, 2004).É importante que os geólogos continuem a trabalhar de perto com os profissionais da interpretação, de forma a assegurar que a mensagem transmitida seja clara e compreensível para a audiência e que é transmitida de uma forma atractiva (Gordon et al., 2004). 2.6.3 O ecoturismo em Áreas Protegidas O ecoturismo necessita de áreas naturais acessíveis, encontrando-se muitas delas nos parques naturais ou em outras áreas protegidas, locais que servem para a conservação e recreação e não para o turismo (Buckley, 2002). No entanto, segundo o mesmo autor, o turismo em áreas naturais protegidas está a crescer, uma vez que possuem muitos atractivos como a paisagem, a fauna e flora selvagem e actividades ao ar livre. Apesar de se encontrarem também em outros locais públicos e privados, os mais conhecidos e acessíveis pontos de atracção estão nos parques nacionais. Para além da acessibilidade constituir um factor importante para o desenvolvimento do turismo nestes locais, também o turismo da natureza é apontado por muitos como a solução para o subfinanciamento dos parques naturais e áreas protegidas (Shores, 2001). A maioria dos parques têm financiamentos públicos muito baixos, que não chegam para colmatar as despesas de gestão e o aumento do número de visitantes, o que os leva a recorrer aos operadores turísticos para obterem ganhos extra, que lhes permita fazer frente às despesas (Buckley, 2002). Desta forma, o ecoturismo é vital para muitas áreas protegidas, gerando lucro e benefícios para a população local. As WCPA`s Task Force on Tourism (uma das seis comissões da IUCN) auxiliam as áreas 48 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo protegidas a fazer o melhor uso do turismo, sem provocar danos (World Comission on Protected Areas (WCPA), 2000). O modelo de gestão dos parques, em que a administração está a cargo dos governos de cada país, não é normalmente problemático quando o governo central providencia anualmente um orçamento suficiente (Eagles, 2001). De acordo com o mesmo autor, quando tal não acontece, e existe um poderoso sector privado que pressiona para atingir os seus objectivos individuais, ocorre geralmente a degradação ambiental, na medida em que a falta de orçamento conduz à incapacidade da administração em controlar as pressões de turismo. No entanto, os governos de muitos países apesar de não financiarem os parques com verbas adequadas também não vêem com bons olhos o turismo em parques públicos, na medida em que se geram lucros privados com base em financiamentos públicos (Buckley, 2002). Os parques e as empresas de turismo têm objectivos diferentes. Para as empresas o principal objectivo é o lucro, enquanto que para os responsáveis pelos parques um dos principais objectivos é a conservação. Sem os princípios adequados podem ocorrer alguns conflitos entre os gestores dos parques naturais públicos e os interesses comerciais privados. Por isso, foram criados alguns princípios adequados para a categoria II (Área Protegida para conservação de ecossistemas e recreação) das Áreas Protegidas da IUCN (Buckley, 2002). Alguns destes princípios referem que: • o objectivo primordial dos parques é a conservação e o objectivo secundário a recreação; • o turismo não tem um direito especial nos parques; • o impacte provocado pelo turismo tem de ser mínimo; • os operadores turísticos devem pagar uma taxa pelo usufruto dos parques nas suas actividades, entre outros. 2.7 O ecoturismo e o geoturismo em Portugal Apesar de termos assistido a um crescimento considerável nos últimos anos e ainda ser esperado um maior crescimento no futuro, o ecoturismo não teve em Portugal o desenvolvimento que seria desejado. Embora sejam conhecidas as vantagens da sua implementação e existir no nosso país áreas menos desenvolvidas, muitas delas afectadas pela desertificação, que poderiam impulsionar a sua economia através do ecoturismo, este tem tardado em desenvolver-se. Existem em Portugal muitos locais em que o ambiente, a população e a sua cultura são únicos e que atrairiam muitos turistas, que anseiam cada vez mais por terem novas experiências e visitarem locais singulares. O nosso país, pela existência de paisagens atraentes e diversificadas, pela extensa costa litoral, pela variedade da fauna e flora que se pode encontrar de norte 49 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo a sul do continente e ilhas, pela existência de espécies protegidas, pelos usos e costumes de populações ainda preservados, pela gastronomia e produtos artesanais, pela realização de eventos de raiz ancestral, é um destino de eleição para a prática do ecoturismo (http://www.portugalinsite.pt, 2004). No entanto, em Portugal, têm sido desenvolvidos poucos projectos capazes de fomentar efectivamente o ecoturismo e os que vão sendo realizados, ficam na maioria das vezes no papel. Seria desejável que o país se preparasse para receber um número crescente de turistas que procuram este sector do turismo, pois de outra forma poderá estar arredado do circuito dos destinos ecoturísticos. A Resolução do Conselho de Ministros (RCM) de 25 de Agosto de 1998, tendo por base um protocolo de cooperação entre o Ministério da Economia e o Ministério do Ambiente, produziu o Programa Nacional de Turismo de Natureza (PNTN), onde são definidas algumas directrizes para o desenvolvimento de uma actividade turística, que denominaram “Turismo de Natureza”, em áreas nacionais protegidas, na medida em que consideram que estas áreas apresentam muitas potencialidades para desenvolver esta actividade. Segundo o mesmo documento, o PNTN deve desenvolver-se no sentido de integrar a conservação da natureza, o desenvolvimento local e a qualificação e diversificação da oferta turística. Posteriormente e baseandose nesta RCM, foram elaborados alguns decretos, que versam sobre o regime jurídico do Turismo de Natureza, a definição e regulamentação das modalidades de alojamento e das actividades de animação ambiental. Naqueles documentos, infelizmente, a referência ao Património Geológico é quase inexistente. Salienta-se o facto de o próprio termo “ecoturismo” não ser utilizado nos projectos políticos, em vez deste utilizam “turismo de natureza”, onde apesar do ecoturismo estar incluído, alberga outro tipo de actividades distintas do ecoturismo. Em 2003 foi aprovado o Plano de Desenvolvimento para o Sector do Turismo, onde não é feita qualquer referência ao Turismo de Natureza. Alguns passos já foram dados, criando nomeadamente alguma legislação, mas seria importante efectuar estudos sobre os turistas para poder dar uma resposta que vá ao encontro das suas pretensões e necessidades e para auxiliar na formulação de estratégias que permitam a Portugal adquirir confirmação, qualidade e competitividade neste sector do turismo nacional. No Plano de Desenvolvimento para o Sector do Turismo uma das medidas diz respeito ao reforço da informação e do conhecimento do sector, que de acordo com o mesmo plano será operacionalizada através da reformulação do sistema de recolha e tratamento de informação estatística e apoio ao desenvolvimento de estudos turísticos e investigação aplicada ao turismo e lazer. O governo reconhece a importância desta medida, que considera um requisito essencial para a formulação de políticas para o sector. Contudo, segundo a Associação Portuguesa de Turismo Sustentável e Ecoturismo (ATECO) e a Liga Portuguesa para a Conservação da 50 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo Natureza (LPN) assiste-se em Portugal a um retrocesso no que respeita à implementação do ecoturismo, verificando-se a ausência de uma estratégia nacional, o que acaba por condicionar também as iniciativas privadas que pretendem promover este sector do turismo. O sector privado, ao contrário das entidades governamentais, tem revelado um maior interesse e dinamismo. No entanto, sem a cooperação e diálogo com os órgãos do governo é difícil desenvolver projectos. Seria aconselhável que o desenvolvimento do ecoturismo no nosso país não se limitasse às áreas protegidas e que se desenvolve-se também fora destas, pois existem locais igualmente interessantes, que apresentam as características que possibilitam o desenvolvimento deste tipo de turismo. No entanto, se o ecoturismo for bem implementado nas áreas protegidas é um bom começo, pois poderá incrementar a sua expansão generalizada. Em Portugal, tal como em outros países, a implementação de estratégias geoturísticas não é fácill. Sendo o geoturismo uma modalidade turística que se baseia na geodiversidade, este tipo de turismo poderia apresentar um amplo crescimento no nosso país se dependesse apenas deste factor, visto Portugal apresentar uma vasta geodiversidade. No entanto, assim não acontece porque a geodiversidade tem ainda na nossa sociedade um reduzido reconhecimento. Daí que, num país como o nosso, onde a consideração da geodiversidade e da sua conservação é reduzida, embora com alguns avanços nos últimos anos, acarreta consequentemente muitas dificuldades no desenvolvimento do geoturismo. Face a esta situação, poucos são os locais que tendo por base uma adequada estratégia de Geoconservação e condições de acessibilidade ao público são valorizados e divulgados. O geoturismo não se desenvolverá se o público em geral e o governo desconhecerem a existência da geodiversidade e do seu valor, nomeadamente turístico e económico. É o desenvolvimento desta cultura científica no domínio das Ciências da Terra que poderá potenciar a protecção e conservação da geodiversidade e por sua vez promover o geoturismo no nosso país. 51 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo 2.7.1 Exemplos nacionais de iniciativas geoturísticas Em Portugal, o Património Paleontológico e o Património Geomorfológico, partes integrantes do Património Geológico, são aqueles que têm tido uma mais ampla divulgação turística, talvez por serem aqueles que mais atraem o público em geral. No entanto, deverão ser feitos esforços para que outros aspectos do Património Geológico português possam ser valorizados no âmbito do geoturismo. Referem-se em seguida alguns exemplos de locais onde se assiste a um aproveitamento pedagógico e turístico do Património Geológico em que a sua valorização e divulgação é suportada por uma estratégia de conservação. No Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, no extremo oriental da Serra de Aire encontra-se o Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios da Serra de Aire, situado a cerca de 10 Km de Fátima, na localidade de Bairro, entre Ourém e Torres Novas. A jazida paleontológica da Pedreira do Galinha (Figura 32), descoberta em Julho de 1994 e classificada como Monumento Natural em 1996, contém um importante registo fóssil do período do Jurássico médio, Bajociano-Batoniano, de pegadas de dinossáurios saurópodes, animais herbívoros, quadrúpedes e muito corpulentos, que constituem um dos registos mais antigos de saurópodes. No calcário, onde ficaram registadas as pegadas podem ser observados cerca de 20 trilhos ou pistas, uma delas com 147 m e outra com 142 m de comprimento (www.pegadasdedinossaurios.org, 2004). Os turistas efectuam um percurso pedestre com cerca de 1500 metros com acesso à laje onde se encontram as pegadas dos dinossáurios. A cada visitante é disponibilizada um folheto informativo de apoio à visita e ao longo do percurso existem painéis informativos e leitores de paisagem que complementam a informação, adicionando aspectos da História da Terra, dos dinossáurios, da formação das pegadas, da interpretação da paisagem passada e actual, entre outras. Podem ser efectuadas visitas de grupo, que se forem marcadas previamente, terão o acompanhamento de um guia (www.pegadasdedinossaurios.org, 2004). O visitante também pode conhecer o Jardim Jurássico (Figura 33), onde se pretende fazer a reconstituição da flora existente do período Jurássico com fetos arbóreos e não arbóreos, cicas, araucárias, ginkgos, zimbros, teixos e cavalinhas e onde também existe um painel de grandes dimensões que apresenta, de uma forma simples, a evolução da vida na Terra ao longo de milhões de anos (www.pegadasdedinossaurios.org, 2004). 52 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo Figura 32 – Pegadas de dinossáurios da Pedreira do Galinha, Serra de Aire. (Fonte: www.pegadasdedinossaurios.org ) Figura 33 – Flora do jardim Jurássico. (Fonte: www.pegadasdedinossaurios.org/html/home.htm) O Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros disponibilizam ainda outros percursos pedestres, onde são integrados aspectos biológicos, culturais e geológicos, destacando-se para além das pegadas de dinossáurios do Pedreira do Galinha, aspectos variados da morfologia cársica (www.icn.pt/areas_protegidas, 2004). Segundo uma brochura deste parque, o calcário é a litologia dominante que devido à acção erosiva da água foi moldado tendo originado diversas formas cársicas como dolinas, uvulas, polje, lapas, grutas, lapiaz, etc. O Património Mineiro pode também ter valor turístico, e um exemplo disso é o caso do Parque Mineiro Cova dos Mouros, localizado na Serra do Caldeirão, próximo de Vaqueiros, no concelho de Alcoutim, no Algarve, encontra-se aberto ao público desde 1998 (http://minacovamouros.sitepac.pt, 2004; Guia Didáctico Parque Mineiro Cova dos Mouros). De acordo com Martins et al. (2001) e com a página web do Parque Mineiro Cova de Mouros este é o primeiro e único parque mineiro temático deste género em Portugal, onde os visitantes podem efectuar um percurso de 750 m a céu aberto e conhecer a evolução da história da mineração e da metalurgia. Neste 53 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo parque existem reconstituições de habitações pré-históricas e utensílios primitivos, incluindo representações de figuras humanas (Figura 34 e 35), que dão ao visitante a sensação de viajar até épocas remotas desde o Calcolítico (2500 a.C.) até à actualidade. O percurso dispõe de um sistema de guia-áudio, disponível em cinco línguas (Português, Espanhol, Inglês, Alemão e Holandês) (roteiro mineiro AlgarveAndaluzia). Figura 34 – Representação de figuras humanas e de habitações do Calcolítico. Figura 35 – Trincheira a céu aberto onde se podem observar escravos e a reprodução de uma grua que representam a época romana. (http://minacovamouros.sitepac.pt, 2004) Neste projecto, é feita a integração de uma forte vertente arqueológica, em que um dos aspectos mais importantes é o estudo da evolução do conhecimento metalúrgico do Homem primitivo, baseado no estudo dos fornos primitivos onde se fazia a fundição dos minérios dos quais existem no parque réplicas (Figura 36), com vários domínios das Ciências da Terra como a Estratigrafia, a Mineralogia, a Paleontologia, a Geologia 54 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo Estrutural e a GeomorfologiA (Martins et al., 2001). No Parque são evidentes diversos vestígios dos trabalhos mineiros mais recentes (século XIX), destacando-se pequenas escombreiras, blocos de grauvaque com malaquite e óxidos de ferro, galerias e os poços mineiros (Figura 37). Figura 36 – Réplica dos “fornos tipo túnel” da Idade do Ferro. (Fonte: http://minacovamouros.sitepac.pt, 2004) Figura 37 – Poços do núcleo mineiro Cova de Mouros. (Fonte: http://minacovamouros.sitepac.pT, 2004) Para além dos aspectos intimamente relacionados com a exploração mineira, os visitantes podem também apreciar a paisagem , a fauna e flora e as piscinas naturais da ribeira da Foupana (brochura; roteiro mineiro Algarve-Andaluzia). O parque possibilita aos visitantes um passeio à volta do parque em burros ibéricos, cuja espécie que se encontra em declínio o parque tem ajudado a perpetuar (Martins et al., 2001; brochura; roteiro mineiro Algarve-Andaluzia). 55 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo O Parque Paleozóico de Valongo, criado em 1998, foi um projecto onde a Câmara Municipal de Valongo e a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto trabalharam em parceria, tendo tido a colaboração e assessoria científica e técnica dos Departamentos de Geologia, Zoologia e Botânica da UP (Couto et al., 2000; Couto, 2001; www.paelozoicovalongo.com, 2004). Actualmente o Centro e o Departamento de Geologia da UP prestam assessoria e apoio científico para dinamização, conservação e divulgação do Património Geológico do parque (Couto, 2001; www.paelozoicovalongo.com, 2004). O Parque localiza-se numa área a norte do concelho de Valongo, que abrange a Serra de Sta. Justa, parte da Serra de Pias e do vale do rio Ferreira (www.paelozoicovalongo.com, 2004). Possui três percursos interpretativos distintos, devidamente sinalizados, que permitem aos visitantes contactar com os diferentes aspectos do Património Natural do parque (Couto & Dias, 1998; Couto et al., 2000; www.paelozoicovalongo.com, 2004; brochura). No vasto Património Geológico incluem-se aspectos de grande interesse relacionados com a Estratigrafia, Paleontologia, Tectónica, Geomorfologia e Recursos Minerais (Couto & Dias, 1998; Couto et al., 2000; Couto, 2001; www.paelozoicovalongo.com, 2004; brochura). Dos vários motivos de interesse que caracterizam cada um dos percursos destaca-se: • o registo da Era Paleozóica, do Precâmbrico e/ou Câmbrico e Ordovícico; • fósseis; • estruturas geológicas como dobras e falhas; • trabalhos mineiros, onde se destacam os vários “fojos” resultantes do desmonte dos filões auríferos que remonta ao tempo da ocupação romana, minas de ouro do séc. XX abandonadas e poços de antigas explorações mineiras; • o vale do rio Ferreira e alguns dos seus aluviões e terraços do Quaternário (Couto & Dias, 1998; Couto, 2001; www.paelozoicovalongo.com, 2004; brochura) (Figura 38). Para além dos aspectos de carácter geológico, é também possível visitar moinhos hidráulicos em funcionamento, a aldeia rústica de Couce, observar exemplares representantes da fauna e flora endémicas e ainda praticar desportos radicais, como alpinismo e escalada (brochura; www.paelozoicovalongo.com, 2004). Existe ainda um Centro Interpretativo, onde é possível observar uma maqueta representativa da evolução geológica e geomorfológica da área do Parque, consultar publicações científicas numa biblioteca temática, visitar uma exposição de exemplares fósseis, outra exposição sobre os recursos minerais da região, consultar mapas geológicos e topográficos, etc (Couto et al., 2000; brochura; www.paelozoicovalongo.com, 2004). 56 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo 1 2 3 4 5 6 Figura 38 - Alguns aspectos geológicos do Parque Paleozóico de Valongo (Couto & Dias, 1998; Couto & Dias s/d). 1 - Pistas de locomoção de trilobites em quartzito da base do Ordovícico; 2 - Camada de quartzito dobrada; 3 - Entrada do Fojo das Pombas, exploração aurífera romana; 4 - Galeria de mina de antimónio e ouro; 5 - Fragas do Castelo - encaixe do rio Ferreira nas cristas quartzíticas do Arenigiano do flanco normal do Anticlinal de Valongo; 6 - Aluviões do rio Ferreira utilizados para a agricultura. 57 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo 2.8 Os cruzeiros fluviais e o turismo na região do Vale do rio Douro Na área em estudo, o vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão, cerca de 125,8 Km, vários operadores turísticos privados sedeados na sua maioria nas cidade do Porto e Gaia, realizam cruzeiros turísticos de subida e descida do rio Douro. No entanto, estes cruzeiros são realizados para além do sector referido, nomeadamente até Barca d`Alva, a cerca de 209 Km da cidade do Porto. Os cruzeiros apresentam várias modalidades, associando por vezes à viagem de barco uma viagem de comboio na Linha Ferroviária do Douro, uma viagem no Comboio Histórico do Douro, uma passagem por caves do vinho do Porto de algumas quintas com prova de vinhos, excursões a outras localidades fora do âmbito ribeirinho, alojamento e realização de passeios e de algumas refeições. A duração dos cruzeiros também é variável, podendo durar um ou mais dias, estando condicionada pelo tipo de embarcações que realizam os cruzeiros. Estas, podem ter a forma de barcos rabelos, inspirados nos tradicionais barcos que faziam o transporte do vinho ou embarcações mais modernas, de maiores dimensões e mais luxuosas que oferecem aos turistas maior conforto. Estas proporcionam dormidas a bordo e funcionam como verdadeiros hóteis flutuantes (Figura 39). 2 1 Figura 39 – Embarcações que realizam cruzeiros no rio Douro: rabelo (1) e barco-hotel (2). (Fonte: www.douroazul.com/Main/MainFS.asp, 2004) A oferta é feita sob a forma de pacotes mais ou menos rígidos, que incluem todo o apoio logístico necessário, nomeadamente para as refeições que são realizadas a bordo dos barcos. A realização dos cruzeiros fluviais desde 1986 tornou-se possível graças à prévia construção das barragens, quer porque regularizaram o leito do rio e melhoraram a navegabilidade, quer devido ao facto com segurança e ao facto de todas elas possuirem eclusas de navegação, que funcionam como um elevador de 58 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo água, possibilitando às embarcações a transposição das mesmas (Figura 40). Figura 40 – Barragem de Crestuma-Lever. O número de passageiros dos cruzeiros fluviais no rio Douro, tem vindo a registar um aumento significativo nos últimos anos (Gráfico 1). Gráfico 1 – Evolução do nº de passageiros dos passeios fluviais no rio Douro, 1997-2003 (Fonte: RTDS/GAI em PDTVD) Segundo dados fornecidos, entre Janeiro e Setembro de 2004 realizaram cruzeiros no rio Douro 145.846 turistas, mais 7% do que em igual período do ano de 2003, entre os quais 124.979 turistas são de nacionalidade portuguesa. Até 15 de Novembro, altura prevista para o fecho da navegação no canal, as estimativas totais apontam para os 185 mil turistas, o maior valor de sempre. Comparando com os valores do gráfico, e tendo em conta que esta estimativa para 2004 se irá verificar, irá registar-se um aumento de cerca de 10% relativamente ao ano de 2003 e de cerca de 60% 59 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo comparando com ano de 2002. Em 2005, até 14 de Outubro tinham realizado cruzeiros no rio Douro 156000 turistas, estimando-se que até ao fim da época este número aumente até aos 190000. De acordo com Francisco Lopes, responsável pela delegação do Douro do Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos (IPTM), esta actividade turística irá continuar a crescer, como resultado de investimentos que os operadores turísticos estão a fazer, sendo os cais mais visitados os da Ribeira, Gaia, Régua e Pinhão. O apoio e a informação que é fornecida ao longo dos cruzeiros varia com o operador turístico em que se viaja. Existem cruzeiros onde não é dada qualquer informação, outros em que é veiculada alguma informação, nomeadamente sobre as pontes construídas sobre o rio, as barragens e algumas das localidades localizadas nas margens do rio Douro. Esta informação é essencialmente sobre dados históricos, como por exemplo as datas de construção das barragens e das pontes. Nas subidas que realizámos não foi feita qualquer referência à paisagem magnífica do vale do rio Douro, respeitante quer a aspectos de natureza cultural, biológica ou geológica (Figura 41). 1 2 Figura 41 - Alguns aspectos geológicos observáveis no percurso fluvial Porto-Pinhão. 1 - Quartzitos do Ordovícico; 2 - Poço mineiro de Germunde; 3 – Granitos. 3 60 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo Numa destas subidas até ao Pinhão, um turista estrangeiro questionava-nos apontando numa Carta Geológica à escala 1/500000 de Lamego que observavamos, se o local onde nos encontravamos já era Espanha, pois esperava que o cruzeiro iria também efectuar-se em território espanhol. Esta situação revelou que estes turistas não estavam sequer informados sobre a contextualização geográfica do cruzeiro, não se conseguindo por isso situar no território nacional e ibérico. Salienta-se que neste cruzeiro não foi distribuído nenhum suporte informativo. Contudo, diversas abordagens revelaram o interesse dos turistas em possuir mais informação. Em conversa com alguns turistas estrangeiros num dos cruzeiros, observámos a admiração pela total ou quase ausência de informação e o seu interesse relativo aos aspectos geológicos e paisagísticos. Julgo mesmo que os turistas ficaram um pouco desiludidos, pois as suas expectativas em relação ao cruzeiro não foram suplantadas. Ao longo dos últimos anos, foram várias as acções e os documentos elaborados com o objectivo de desenvolver a região do Vale do Douro, nomeadamente no que diz respeito ao sector do turismo. Destacam-se os estudos “Contribuição para o inventário das potencialidades turísticas da área do Douro” e o “Estudo de desenvolvimento da Região Douro”, o programa PRODOURO – Programa de Desenvolvimento do Douro e o plano PROZED – Plano Regional de Ordenamento da zona envolvente do Douro. No entanto, e apesar dos estudos e programas realizados a oferta turística desta região continua a ser muito inferior às suas reais potencialidades. Para valorizar toda a riqueza da região diriense, foi criada em 1996 a Rota do Vinho do Porto. Esta organização é constituída por 49 locais, ligados em rede e directa ou indirectamente relacionados com a produção do Vinho do Porto e Douro (www.rvp.pt, 2004). Para atingir o seu principal objectivo, que visa o desenvolvimento regional, é proposto aos turistas a realização de um conjunto de itinerários pela região, possibilitando-lhes o contacto com a cultura da vinha e produção dos Vinhos do Porto e Douro, bem como com as suas gentes e costumes (www.rvp.pt, 2004). Os visitantes podem realizar provas de vinhos nas quintas produtoras, saborear a gastronomia tradicional tendo a possibilidade de ficarem alojados nas belas quintas existentes na região do Douro (www.rvp.pt, 2004). Mais recentemente, a RCM n. 139/2003, de 29 de Agosto determinou a elaboração e execução do Plano de Desenvolvimento Turístico do Vale do Douro (PDTVD), que de acordo com Arlindo Marques, encarregado de Missão do PDTVD, apresenta uma estratégia integrada de desenvolvimento turístico para o Vale do Douro, que define os 61 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo grandes objectivos a atingir, os tipos de investimento privado a apoiar e apresenta um quadro de programação dos investimentos públicos mais urgentes. Este plano visa genericamente estimular e desenvolver o aproveitamento das potencialidades turísticas, através do reforço das suas estruturas, dos recursos humanos e da sua capacidade de promoção. Grande parte do conjunto de projectos preconizados no PDTVD e considerados fundamentais para o desenvolvimento turístico do vale do rio Douro deverão ser operacionalizados no período 2004-2007. Estes projectos, considerados prioritários, estão enquadrados em grandes temas que incluem: acessibilidades rodoviárias; acessibilidades e projectos ferroviários; navegação fluvial; infra-estruturas aeroportuárias; património natural e ambiental; património históricocultural; ruralidade e desenvolvimento local; alojamento turístico tradicional e termalismo; formação em turismo; marketing, promoção e animação; itinerários turístico culturais e informação e sinalização turística. Pretende-se com a concretização deste conjunto de medidas que o Vale do Douro se venha a tornar um grande destino turístico de qualidade, quer no mercado nacional, quer internacional. Espera-se que todas estas boas intenções sejam efectivamente operacionalizadas e que não fiquem uma vez mais apenas no papel. De acordo com o PDTVD, são destacados como pontos fortes para o desenvolvimento turístico da região quer o rio Douro e o seu canal navegável, quer o Património Natural, Paisagístico, Histórico e Cultural. Como oportunidades salientam-se as novas motivações dos turistas, que privilegiam destinos com elevado grau de autenticidade e qualidade ambiental e os novos produtos turísticos como os cruzeiros fluviais. Estes surgem como um dos principais produtos turísticos do vale do Douro com maior interesse para o destino em termos de potencial de crescimento (nível de despesa e atractividade local). Os principais mercados emissores de turistas com motivações que vão ao encontro das características do vale do Douro, são a Alemanha, Reino Unido, EUA, Holanda e Espanha (Gráfico 2). Gráfico 2 - % de turistas com motivações Vale do Douro, por principais origens (Fonte: Deloitte Consulting/Neoturis, 2003 em PDTVD). 62 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo Sem dúvida que o conhecimento destes dados são essenciais na definição das estratégias de desenvolvimento turístico a implementar, na medida em que ao conhecer os potenciais turistas podemos desenvolver um produto que melhor responda às suas expectativas. Salienta-se o facto de Portugal ser o país que apresenta menor percentagem de turistas com motivações Vale do Douro, apesar da região apresentar características de eleição do mercado português, em que a paisagem é apontada como a principal preferência de 30% dos turistas. No entanto, assiste-se desde 1994 a uma procura crescente por parte dos turistas portugueses pelo turismo fluvial no rio Douro, tendo sido entre Janeiro e Setembro de 2004 os que mais procuraram esta actividade (cerca de 125 mil). Do conjunto de medidas incluídas no PDTVD, destaca-se a medida relacionada com o Património Natural e Ambiental, que inclui um conjunto de projectos que visam requalificar, preservar e valorizar o Património Natural e Ambiental. Enquadrados nesta medida, são considerados prioritários projectos relacionados com a sensibilização dos agentes regionais e locais, das populações residentes e dos turistas para a preservação do Património Natural bem como com estudos e inventários do Património Natural. São referidos ainda nesta medida, embora considerados não prioritários, os projectos da construção do Centro de Interpretação e Animação das Arribas do Douro e o Centro de Interpretação e animação do Parque do Alvão, promovidos pelo Parque Natural do Douro Internacional e Parque Natural do Alvão, respectivamente. Para além da medida anterior, existe uma outra, intitulada “Itinerários turístico-culturais e informação/sinalização turística” que deverá promover percursos temáticos (rotas e itinerários) que deverão assentar num conjunto de valores histórico-patrimoniais, culturais, naturais e vitinícolas, representativos do potencial endógeno do Vale do Douro. Os projectos enquadrados nesta medida estão relacionados na sua maioria com o vinho e as vinhas, mas incluem também a execução de uma rede de miradouros. Do PDTVD, destaca-se o elevado número de projectos relacionados com as acessibilidades, nomeadamente rodoviárias, ferroviárias, fluviais e aéreas, quando comparados por exemplo com o número de projectos no âmbito do Património Natural. No entanto, nem sempre um vasto leque de infra-estruturas de comunicação é sinónimo de desenvolvimento turístico. A sustentabilidade surge neste plano como condição essencial no desenvolvimento turístico no vale do rio Douro, assegurando a preservação do Património Natural, Cultural e Ambiental, contribuindo assim para um desenvolvimento turístico ambientalmente sustentado. Com todas as alterações previstas para a região, nomeadamente em termos de infra-estruturas, a tarefa de fazer cumprir os critérios de sustentabilidade não vai ser fácil e os possíveis impactos negativos destas alterações na qualidade da paisagem podem pôr em causa a razão pela qual os turistas visitam o Vale do Douro. Esperemos então que para se valorizar 63 Eugénia Araújo Cap. II - Conceptualização e implementação do Geoturismo não se danifique. É ainda de destaque a preocupação presente no PDTVD na participação das populações locais, bem como pela melhoria do seu bem-estar. Neste plano, destaca-se a ausência de uma referência directa à geodiversidade e ao Património Geológico da região e a inexistência de medidas que visem a sua preservação, valorização e divulgação, com excepção da medida não prioritária da construção do Centro de Interpretação Ambiental das Arribas do Douro. No entanto, poderão estar implícitas em alguns projectos enquadrados na abrangente medida Património Natural e Ambiental. Salienta-se a alusão ao ecoturismo, quando se refere que o Património Natural, Cultural e Histórico da região, constitui um conjunto único para a implementação de intervenções na área do ecoturismo. 64 Capítulo III Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão Eugénia Araújo Cap. III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão 3.1 Introdução A geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão abrange aspectos diversificados como a estratigrafia, as rochas ígneas, os recursos minerais e energéticos e outros como os impactes dos processos geológicos, nomeadamente as cheias. Neste capítulo faz-se a caracterização e descrição sintética da estratigrafia desta região, que abrange terrenos desde o Pré-Câmbrico até ao Carbonífero e do Pliocénico ao Holocénico, bem como das rochas ígneas (Figura 42). Por último, é apresentado um modelo evolutivo no contexto dos Ciclos Varisco e Alpino, com referência aos ambientes deposicionais, bacias sedimentares, registos estratigráficos e sedimentológicos, bem como à actuação de processos tectónicos. Desta forma, pretende-se fazer uma abordagem dinâmica dos processos geológicos que ao longo do tempo se conjugaram, condicionando a formação e evolução das litologias e das estruturas geológicas que caracterizam a região do vale do rio Douro. Em capítulos posteriores serão abordados os temas referentes aos recursos e às cheias. 3.2 Estratigrafia 3.2.1 Précâmbrico superior – Câmbrico As formações geológicas regionais com esta idade pertencem na sua maioria ao tradicionalmente denominado Complexo Xisto-Grauváquico (CXG), designação da autoria de Carríngton da Costa (1950). Surgiram outras designações como “Formação xistosa das Beiras” e “Formação argilo-gresosa das Beiras” (Teixeira, 1981). Posteriormente, Sousa (1982) na sequência do estudo do CXG na região do Vale do Douro atribui-lhe a designação de “Grupo do Douro”. O mesmo autor propõe a subdivisão do CXG em dois grandes grupos que incluem a maioria dos afloramentos do CXG: o Grupo do Douro e o Grupo das Beiras. Estes dois Grupos estão incluídos no Super-Grupo Dúrico-Beirão (Sequeira & Pereira, 2000). Na região do Vale do Douro tem grande desenvolvimento o Grupo do Douro, do qual se faz em seguida uma síntese. 66 Figura 33 – Extracto da carta geológica de Portugal à escala 1:500 000 (Oliveira et al., 1992b). Legenda: GRANITÓIDES RELACIONADOS COM FRACTURAS FRÁGEIS Holocénico Devónico Inferior Ordovícico inferior Plistocénico Silúrico Pliocénico Carbonífero Câmbrico (Grupo do Douro e Grupo das Beiras) Granitos biotíticos em geral porfiróides GRANITÓIDES RELACIONADOS COM CISALHAMENTOS DÚCTEIS GRANITÓIDES DE DUAS MICAS COM RESTITOS Granitos moscovíticobiotíticos Granitos e granodioritos porfiróides Granitos geralmente porfiróides Ordovícico médio Granitos monzoníticos Granodioritos biotíticos Granito de duas micas indiferenciado Ordovícico superior Granitos monzoníticos porfiróides Quartzodioritos e granodioritos biotíticos Granitos gnáissicos Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão 3.2.1.1 Grupo do Douro O Grupo do Douro localiza-se geograficamente no vale do rio Douro (Figura 33) e a norte da província da Beira Alta, estendendo-se para a província de Salamanca e Las Hurdes, em Espanha. Apresenta uma individualidade própria e constitui uma sequência de metassedimentos com uma homogeneidade geográfica, que traduz uma génese comum (Coke et al., 2000). Está representado por um conjunto de seis unidades litoestratigráficas, constituídas por alternâncias de grauvaques e pelitos com características turbidíticas e para o topo por grauvaques e conglomerados, que no conjunto apresenta uma espessura da ordem dos 2000 m (Sousa, 1982, 1985; Oliveira et al., 1992a). A sequência litoestratigráfica do Grupo do Douro, foi inicialmente definida na região de Pinhão-S. João da Pesqueira por Sousa (1982). No entanto, trabalhos de cartografia geológica posteriores, permitiram cartografar o Grupo do Douro noutras regiões, nomeadamente no núcleo do anticlinal de Valongo e na região a oeste do Sulco Carbonífero Dúrico Beirão (SCDB) (Pereira & Ribeiro, 1992) (Figura 43). Figura 43 – Afloramento do CXG nas proximidades de Melres. 69 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão Foram cartografadas e definidas seis Formações, da base para o topo (Sousa, 1982, 1985) (Figura 44): - Formação de Bateiras - Formação de Ervedosa - Formação Rio Pinhão - Formação Pinhão - Formação da Desejosa - Formação de S. Domingos Figura 44 – Coluna estratigráfica do Grupo do Douro (Sousa & Sequeira, 1989). Faz-se em seguida uma descrição sucinta das seis Formações com base em Sousa (1982, 1985) e Sousa & Sequeira (1989). Formação de Bateiras Esta Formação pode ser dividida em dois membros: um Membro Inferior, caracterizado pela presença de xistos negros com intercalações de leitos muito finos esbranquiçados de metagrauvaques e de quartzo-filitos; um Membro Superior com níveis calcários a que se sobrepõem espessos metagrauvaques com intercalações filitosas cinzento e cinzento-escuras, listrados. O Membro Inferior, apresenta localmente metaconglomerados para a base. Os xistos negros são constituídos principalmente por quartzo, grafite, clorite, moscovite e albite, contendo por vezes pirite visível. Os leitos esbranquiçados intercalados são essencialmente quartzosos. Os calcários são 70 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão constituídos por cristais de calcite e dolomite, encontrando-se por entre estes cristais grãos de quartzo, moscovite e plagioclase. Os metagrauvaques são feldspáticos, com clastos de quartzo, plagioclase e mais raramente moscovite. Os clastos apresentam dimensões mais pequenas no Membro Inferior. Nos conglomerados, os clastos são essencialmente de quartzo e a matriz é quartzítica, por vezes carbonatada. A espessura desta Formação é de cerca de 900m. O limite desta Formação é marcado quando os filitos escuros, listrados, do topo da Formação, passam a uma sucessão finamente estratificada de cor verde. Formação de Ervedosa do Douro É caracterizada pela presença de bancadas finas de metaquartzovaques verdes e xistos cloríticos, apresentando um nível com cristais de magnetite bem desenvolvido de 20-25 cm de espessura, que foi utilizado como camada guia na cartografia regional. Localmente, apresenta intercalações de metaconglomerados e metagrauvaques. A espessura desta Formação é de 250±50m. A passagem à Formação de Rio Pinhão identifica-se pelo aumento dos termos metagrauváquicos, que passam de um modo rápido a bancadas espessas. Formação de Rio Pinhão A base desta Formação consta de uma sucessão de bancadas centimétricas (1020 cm) de metagrauvaques e/ou metaquartzovaques, alternando com intercalações filitosas finas. Cerca de 70 a 80 m a partir da base as bancadas tornam-se mais espessas, atingindo espessuras de 70 cm a 1 m. Geralmente, entre as bancadas de metagrauvaques há intercalações de xistos listrados, com espessuras muito menores (10 a 30 cm). No interior da Formação, em posição variável, ocorrem níveis de microconglomerados e conglomerados. As bancadas metagrauváquicas mostram com frequência diversas estruturas sedimentares: figuras de carga, estratificação gradativa, laminação oblíqua. Os metagrauvaques desta Formação são rochas geralmente de cor cinzenta-escura, de granulometria relativamente fina quartzofeldspáticos. Os clastos dos microconglomerados e dos conglomerados são principalmente de quartzo, apresentando-se muito arredondados. A matriz é constituída por microclastos de quartzo e plagioclase e mais raramente de moscovite. No Sector do Pinhão apresenta uma espessura de cerca de 250±50 m. A passagem à unidade seguinte considera-se quando se perde o carácter metagrauváquico, geralmente com uma tonalidade cinzenta escura e se passa a uma sucessão de cor verde, finamente estratificada. 71 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão Formação de Pinhão Esta Formação apresenta uma sequência finamente estratificada de cor verde, onde alternam metaquartzovaques com xistos. Salienta-se a ocorrência de dois níveis de cristais bem desenvolvidos de magnetite. A acompanhar a magnetite, aparecem esporadicamente cristais de pirite bem desenvolvidos. Os metaquartzovaques são constituídos por quartzo, plagioclase, clorite e moscovite. São frequentes zonas carbonatadas com calcite. Os xistos, em análise microscópica correspondem a filitos cloríticos e quartzosos. A espessura desta Formação, na região do Pinhão é de 350±50 m. A passagem à Formação de Desejosa ocorre de uma forma gradual mas rápida, transitando-se para uma sequência de xistos de cor escura, onde intercalam metassiltitos claros, que lhe confere um aspecto listrado. Formação da Desejosa Nesta Formação ocorrem alternâncias milimétricas a centimétricas de xistos cinzento escuros e finos leitos de metassiltitos claros. Localmente, observam-se bancadas de metagrauvaques e metaconglomerados. As estruturas sedimentares mais frequentes são as figuras de carga e a estratificação entrecruzada. Os metagrauvaques são feldspáticos, sendo os clastos essencialmente de quartzo e plagioclase e a matriz constituída principalmente por quartzo, clorite, mocovite e calcite. Os xistos são sericítico-cloríticos e quartzo-sericítico-cloríticos. Apesar desta Formação constituir uma unidade homogénea e monótona, é possível em algumas localidades observar por exemplo a ocorrência quer de leitos quartzosos com contribuição carbonatada, assemelhando-se por vezes a calcários cristalinos, quer de bancadas de metagrauvaques com mais frequência e mais espessas, desaparecendo o carácter listrado. A espessura desta Formação é de cerca de 300m. A passagem à Formação de S. Domingos é assinalada pela passagem rápida e progressiva a finas bancadas de metaquartzarenitos pelito-psamíticas, que se tornam cada vez mais espessas para o topo, com desaparecimento dos xistos. Formação de S. Domingos Nas finas bancadas de metaquartzarenitos, que para o topo passam a bancadas métricas, ocorrem intercalações de níveis conglomeráticos espessos, com variações laterais de espessura. Os conglomerados possuem clastos principalmente de quartzo e mais raramente de calcário cinzento, filito, metagrauvaques e metaquartzovaques. A matriz é constituída essencialmente por quartzo, plagioclase, calcite, clorite, moscovite 72 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão e biotite. Observam-se nos conglomerados figuras de erosão nas base das bancadas e estratificação positiva, com diminuição do tamanho dos clastos. Os metaquartzarenitos apresentam uma cor clara e granulometria grosseira, sendo os minerais principais o quartzo, plagioclase, moscovite, clorite e biotite. A espessura desta Formação é de 50 m. Na região de Moncorvo, foi definida a Formação Quinta da Ventosa, que assenta sobre a Formação de Desejosa e que passa em concordância cartográfica ao Ordovícico (Silva et al., 1989). De acordo com Sousa (1985) a Formação Quinta da Ventosa poderá ser um equivalente lateral da Formação de S. Domingos. Na zona de Castelo Melhor foi ainda definida uma outra Formação, a Formação de São Gabriel (Silva & Ribeiro, 1991), que assenta na Formação de Desejosa e que faz a transição gradual para o Ordovícico sem discordância angular aparente. A estratigrafia relativa destas unidades -Formações de S. Domingos, de Quinta da Ventosa e de São Gabriel, é considerada discutível, sendo ainda expressa a convicção de que possam corresponder a passagens laterais de fácies de idade semelhante (Silva & Ribeiro, 1991, 1994). Esta sequência estratigráfica proposta para o Grupo do Douro foi posta em causa, quando foi inferida a presença de um acidente cavalgante na região da Sra. do Viso (Silva & Ribeiro, 1985) – o carreamento sinsedimentar da Sra. do Viso – cuja responsabilidade é atribuída aos movimentos da fase Sarda. A identificação deste acidente sugere a existência para W de uma duplicação tectónica no Grupo do Douro, existindo uma equivalência lateral entre a Formação de Ervedosa e Formação de Pinhão e entre a Formação de Bateiras e a Formação do Rio Pinhão (Figura 45). Figura 45 – Esquema de duplicação tectónica no Grupo do Douro (Sousa, 1985). 73 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão Estes movimentos teriam favorecido deslizamentos E-W, de materiais mais proximais sobre materiais distais, situados a oeste (Silva & Ribeiro, 1994). A duplicação tectónica terá ocorrido devido a um deslizamento por gravidade sinsedimentar, de idade sarda, gerado durante a deposição da Formação de São Domingos (Sousa, 1985). Desta forma, teríamos a sequência estratigráfica do Grupo do Douro constituída por uma sequência autóctone envolvendo as F. de Bateiras e F. de Ervedosa do Douro e uma sequência alóctone incluindo as F. Rio Pinhão, F. Pinhão, F. Desejosa e F. S. Domingos (Sousa & Sequeira, 1989). Opinião em favor do carácter alóctone das Formações de Desejosa e de S. Domingos foram ainda emitidas mais recentemente por Sequeira & Pereira (2000). No entanto, outros investigadores indicam a ocorrência dos carreamentos durante a sedimentação da Formação de Desejosa (Silva & Ribeiro, 1985), pelo que as Formações de Desejosa e de S. Domingos seriam assim, no todo, ou pelo menos em parte, autóctones (Silva & Ribeiro, 1994). Esta opinião é também partilhada por Coke et al. (2000) que atribui um carácter sinsedimentar aos cavagalmentos. A sua causa não é atribuída à fase Sarda, que só terá actuado depois da sedimentação da Formação de Desejosa e que conduziu em muitos locais à sedimentação de uma sequência conglomerática que se sobrepõe à Formação de Desejosa. Por fim, deve salientar-se que aquando da definição do Grupo do Douro (Sousa, 1982) o autor tinha já indicado semelhança de fácies entre a F. Ervedosa e a F. Pinhão, que encontrou explicação através deste modelo de duplicação tectónica. Todavia, a passagem gradual da Formação de Ervedosa à Formação do Rio Pinhão e a ausência de indícios de acidente entre as duas unidades não conduziram o autor à suposição da existência de uma duplicação tectónica (Sousa, 1985; Sousa & Sequeira, 1989). Desta forma, na região do Pinhão o acidente é inferido, na medida em que os trabalhos de campo não permitiram detectar evidências da ocorrência da duplicação litostratigráfica (Sequeira & Pereira, 2000). Os carreamentos sin- sedimentares também não foram identificados no levantamento geológico da área correspondente (Silva & Ribeiro, 1994). É problemática uma atribuição cronostratigráfica para o Grupo do Douro, dado a escassez de fósseis, no entanto correlações litoestratigráficas com outras áreas apontam uma idade câmbrica inferior (Sousa, 1982; Schermerhorn, 1956; Martinez Garcia, 1973; Iglésias & Ribeiro, 1981 in Sousa, 1985). A atribuição desta idade para o Grupo do Douro foi apoiada por fósseis de trilobites encontrados no topo da F. Desejosa, na região de Moncorvo (Rebelo, 1985), que não permitindo uma datação exacta, devido ao seu mau estado de conservação, apontam para uma idade câmbrica. 74 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão Para Teixeira (1981), o CXG na região do Porto tem uma idade précâmbrica superior. Uma outra indicação advém da presença de rochas granitóides caledónicas próximo da fronteira da ZCI com a ZOM (granitos de Figueiró dos Vinhos, Pedrógão, Vila Nova, Coentral, etc.) de idades compreendidas entre os 500 Ma e os 530 Ma, que metamorfizaram o CXG, factos que sugerem uma idade precâmbrica superior para uma parte do CXG (Pereira & Macedo, 1983 in Sousa, 1985). Na Carta Geológica de Portugal à escala 1:500 000 (Oliveira et al., 1992b) e na Folha 1 da Carta Geológica de Portugal na escala 1:200 000 (Pereira & Ribeiro, 1992) é atribuída ao CXG/Grupo do Douro uma idade câmbrica inferior. Após uma indicação para limite PrecâmbricoCâmbrico que se poderia situar intra F. Bateiras (Sousa, 1985), foi posteriormente indicado que a passagem ao Câmbrico poderá estar localizada entre a deposição das Formações de Ervedosa e de Pinhão (Sousa & Sequeira, 1993 in Sequeira & Pereira, 2000). 3.2.2 Outras ocorrências Existem unidades localizadas a oeste do Sulco Carbonífero do Douro, nas proximidades do Porto, para os quais não se encontrou paralelo com as unidades do Grupo do Douro definidas por Sousa (1982), mas cuja constituição litológica permitiu que surgissem na cartografia sob a designação do CXG e incluem os xistos de Fânzeres, migmatitos, gneisses, micaxistos, xistos luzentes, etc. (Costa & Teixeira, 1957; Medeiros, 1964; Teixeira & Perdigão, 1962). Estas ocorrências surgem mais recentemente sob a designação de CXG indiferenciado pelo facto das condições de metamorfismo não permitirem distinguir formações. (Pereira & Ribeiro, 1992). Migmatitos, gneisses, micaxistos e outras litologias (Complexo Xisto-grauváquico indiferenciado) Entre estas litologias aparecem manchas isoladas de granitos, responsáveis pela sua intensa metamorfização. Nas zonas de contacto com as rochas graníticas observam-se quase sempre estruturas migmatíticas (Costa & Teixeira, 1957; Medeiros, 1964). A passagem gradual de umas rochas às outras e o seu estado de alteração dificultam a sua cartografia (Costa & Teixeira, 1957; Teixeira & Perdigão, 1962). Os migmatitos são ricos em quartzo e feldspatos, contendo também biotite, moscovite e ainda raros cristais de zircão, apatite e magnetite. Os gneisses são pobres em quartzo e feldspatos, com moscovite, biotite, silimanite e cordierite (Costa & Teixeira, 1957) (Figura 46). 75 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão Figura 46 – Gneisses e micaxistos na zona de Atães - Jovim. Xistos de Fânzeres Os xistos de Fânzeres dispõem-se numa faixa localizada a oeste do Anticlinal de Valongo, que se estende desde as proximidades de Ermesinde e atravessa o rio Douro na zona da foz do Sousa e de Zebreiros (Costa & Teixeira, 1957; Teixeira & Perdigão, 1962; Medeiros, 1964; Fernandes et al., 1998) (Figura 47). Figura 47 – Xistos de Fânzeres, nas proximidades da Foz do rio Sousa. 76 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão Trata-se de uma unidade constituída por xistos micáceos porfiroblásticos, com quartzo, biotite, moscovite e andaluzite, atingindo os porfiroblastos de estaurolite dimensões na ordem dos 5 cm (Fernandes et al., 1998). Estes xistos estaurolíticos apresentam-se moderadamente alterados nos afloramentos, sendo frequente os cristais de estaurolite, por vezes maclados, se encontrarem soltos e espalhados pelo chão (Medeiros, 1964; Fernandes et al., 1998). São frequentes os filonetes de quartzo intercalados nos xistos (Teixeira & Perdigão, 1962). 3.2.3 Ordovícico A transição do CXG para o Ordovícico é marcada pela importante existência discordância evidenciada no bordo de angular, sul do uma bem Domínio Dúrico-Beirão, que aparentemente se vai atenuando para nordeste, podendo ocorrer localmente no Vale do Douro passagem gradual entre os sedimentos do CXG e os do Ordovícico (Oliveira et al., 1992a). Segundo Romano & Diggens (1974) in Couto et al. (2000), o Ordovícico compreende, da base para o topo, as seguintes formações (Figura 48): Formação de Santa Justa Esta formação é equivalente da Formação do Quartzito Armoricano que ocorre em toda a Península Ibérica (Pereira & Ribeiro, 1992). Em Valongo é usada a designação de Formação de Santa Justa e em Trás-os-Montes Formação anteriormente com a designação Quartzítica. designada «Bilobites» e de Foi também por Quartzitos xistos intercalados (Medeiros, 1964). Figura 48 - Coluna estratigráfica da Carta Geológica à escala 1:50 000 de Penafiel, com representação de unidades litostratigráficas do Ordovícico (Medeiros et al., 1980). 77 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão Na base desta formação predominam conglomerados do Tremadociano, constituídos por calhaus rolados de quartzo, de dimensões variáveis, que estão relacionados com o movimento transgressivo do Ordovícico (Medeiros, 1964). Os quartzitos sucedem aos conglomerados e aqueles sebrepõe-se uma sequência finamente bandada constituída por alternâncias de sedimentos gresosos claros e sedimentos pelíticos escuros do Arenigiano, em que foram identificados níveis vulcano-sedimentares (Couto 1993, 1995). No contacto das alternâncias gresosas-pelíticas com as litologias da Formação que lhe segue(Formação de Valongo), ocorrem níveis fosfatados (Couto 1993, 1995). As bancadas de quartzitos têm uma orientação NW-SE. As rochas quartzíticas atravessam o rio Douro nas proximidades da Quinta da Varziela e continuam em direcção ao rio, através da região da Lomba, onde desaparecem, reaparecendo na margem direita do rio parcialmente cobertas por areias fluviais (Medeiros, 1964). As assentadas quartzíticas voltam a cortar o vale do rio Douro a montante, no sítio da Abitureira (Figura 49), inflectindo na margem esquerda do rio para este. Devido a uma falha nas proximidades de Barqueiros, situado a montante da Abitureira, a faixa de quartzitos é desviada cerca de 1 Km para NE (Teixeira et al., 1967). Figura 49 – Cristas quartzíticas na região da Abitureira, margem direita do rio Douro. Formação de Valongo Esta formação, datada do Lanvirniano e Landeiliano, é referida nas cartas geológicas à escala 1/50000 do Porto, Castelo de Paiva e de Peso da Régua como xistos argilosos finos, escuros, ardosíferos, com fósseis (Xistos de Valongo). No Douro 78 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão inferior esta sequência é conhecida por Formação Xistenta e no Marão por Formação de Pardelhas (Oliveira et al., 1992a). Em termos litológicos esta formação é constituída por siltitos de cor rosada, seguidos por siltitos cinzentos e xistos. Os fósseis abundantes existentes nestas rochas indicam uma idade de Lanvirniano a Landeiliano (Couto et al.,2000). Esta formação encontra-se metamorfizada dando origem a corneanas pelíticas e quartzo-pelíticas e xistos quiastolíticos, mosqueados, granatíferos, cordieríticos (Medeiros, 1964). Formação de Sobrido Esta unidade foi designada por Nery Delgado (1908) por “Grauvaques de Sobrido”, sendo mais tarde redefinida por Romano & Diggens (1974) (Pereira & Ribeiro, 1992). Na carta geológica à escala 1/50000 do Porto e de Castelo de Paiva, esta unidade não tinha esta designação, sendo referida como xistos e grauvaques com quartzitos. A Formação de Sobrido é composta por dois membros: no inferior ocorre uma bancada de quartzitos do Caradociano, que forma relevos ou pequenas cristas; o membro superior é formado essencialmente por grés argilosos ou grauvaques de tons claros, micáceos e com níveis de diversos materiais detríticos de variadas dimensões e também concreções carbonatadas ricas em matéria orgânica (Pereira & Ribeiro, 1992). No Anticlinal de Valongo, o membro superior é constituído por arenitos e siltitos, sendo-lhe atribuída a idade provável de Ashgiliano superior ou Silúrico inferior (Oliveira et al., 1992a). De acordo com Couto (1993,1995), na base da Formação de Sobrido ocorre um horizonte ferruginoso, que coincide com uma descontinuidade estratigráfica, pondo em contacto materiais do Ashgiliano com materiais do Landeiliano. 3.2.4 Silúrico Apesar do Silúrico não cortar o vale do rio Douro no sector em estudo, encontramse sedimentos datados desta idade na região do anticlinal de Valongo e do Marão. No anticlinal de Valongo, o Silúrico, que se encontra em duas faixas extensas, uma de cada lado da dobra, é constituído por três unidades: Unidade dos Xistos Carbonosos Inferiores, Unidade dos Xistos Carbonosos Superiores e Formação de Sobrado (Pereira & Ribeiro, 1992). Na região do Marão encontra-se a Formação de Campanhó, onde predominam xistos grafitosos e liditos, ocorrendo na parte superior calcários e um nível quartzítico de espessura métrica no topo. Nesta Formação foram encontrados graptólitos de Venloquiano Superior (Oliveira et al., 1992a). 79 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão 3.2.5 Devónico Tal como no caso das unidades do Silúrico, as unidades do Devónico não intersectam o vale do rio Douro, no sector em estudo. No entanto, o Devónico inferior (Gediniano e Coblenciano) encontra-se associado ao flanco ocidental do Anticlinal de Valongo, estendendo-se ao longo de uma faixa de largura variável, com algumas interrupções e orientação geral NW-SE, acompanhando a oeste o Carbonífero (Medeiros, 1964; Medeiros et al., 1980). As litologias predominantes de Ervedosa a St.ª Justa, são os xistos cinzentos, intercalados com leitos de arenito fino que passam a quartzitos (Medeiros et al., 1980). Na região de Midões, a faixa devónica, é constituída por xistos finos, de cor amarela, amarelo-avermelhada, e por vezes, cinzento-azulada (Medeiros et al., 1980). Encontra-se definida a Formação de Telheiras, onde é possível distinguir dois membros: o membro inferior, constituído essencialmente por quartzitos e o nível superior constituído por xistos argilosos, avermelhados, amarelados ou arroxeados (Pereira & Ribeiro, 1992). 3.2.6 Carbonífero Existem em Portugal três afloramentos principais de carbonífero de fácies continental (Wagner & Sousa, 1983) (Figura 50): • Estreita faixa muito alongada, com orientação geral NW-SE, que se estende por cerca de 130 Km entre Criaz (Conselho da Póvoa do Varzim) e Mioma (Nordeste de Viseu). Esta faixa é por sua vez constituída por retalhos, de diferentes idades, fortemente laminados entre afloramentos de rochas do Paleozóico Inferior: Criaz – Serra de Rates (Vestefaliano ?); Casais – Alvarelhos ( Vestefaliano Figura 50 – Ocorrências do Carbonífero terrestre em Portugal: 1- Criaz-Serra de Rates; 2 – Casais-Alvarelhos; 3 – Ervedosa; 4- Bacia do Douro; 5 – Bacia do Buçaco; 6 – Bacia de Santa Susana (Wagner & Sousa, 1983). C ?) – Unidade do Bougado 80 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão Faixa Carbonífera Dúrico-Beirã ou Bacia Carbonífera do Douro (BCD). Dispõe-se ao longo de cerca de 90 Km entre São Pedro Fins (Conselho da Maia) e Mioma. Está datada do Estefaniano C inferior – Unidade de S. Pedro Fins-Midões; Ervedosa (Vestefaliano D superior) - Unidade de Ervedosa; • Bacia do Buçaco a norte de Coimbra (Estefaniano C mais superior); • Bacia de Santa Susana no Alto Alentejo (Vestefaliano D superior). O Carbonífero que corta o vale do rio Douro próximo de Medas enquadra-se na BCD (Figura 51) e corresponde a terrenos muito fossilíferos, quer em fósseis animais quer vegetais. Foi inicialmente atribuída à Bacia Carbonífera do Douro, uma idade do Estefaniano B-C (Medeiros, 1964). No entanto, estudos mais recentes, paleobotânicos (Wagner & Sousa, 1983), paleozoológicos (Eagar, 1983) e palinológicos (Fernandes et al., 1997 in Jesus, 2003), limitam a idade ao Estefaniano C inferior (Jesus, 2003). Figura 51 – Enquadramento regional da Bacia Carbonífera do Douro (Jesus, 2001). A BCD estende-se ao longo de 53 Km, desde a localidade de S. Pedro Fins, a noroeste, até Janarde, a sudeste, como uma faixa que raramente ultrapassa os 500m de largura 81 Eugénia Araújo (Jesus, 2001). Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão O muro da BCD corresponde a uma descontinuidade por inconformidade com discordância angular, encontrando-se delimitado a SW pelas formações do CXG em quase toda a extensão da BCD à excepção do extremo SE, em que o contacto é feito com sedimentos do Silúrico. O tecto da BCD encontra-se cortado por importante falha inversa que coloca as formações do Paleozóico inferior, no flanco inverso do Anticlinal de Valongo, sobre os terrenos da BCD (Domingos et al., 1983; Sousa, 1984b; Jesus, 2001, 2003). Na sua sequência apresenta camadas de carvão do tipo metantracite, que foram exploradas principalmente em duas áreas, os Coutos Mineiros de S. Pedro da Cova e do Pejão. A BCD, à qual se atribui a designação de Unidade de S.Pedro Fins-Midões, compreende da base para o topo (Costa & Teixeira, 1957; Medeiros, 1964; Medeiros et al., 1980; Pereira & Ribeiro, 1992) (Figura 52): ! conglomerado-brecha, com elementos sub-angulosos e sub-rolados de granito, quartzito e micaxistos, provenientes de rochas vizinhas mais antigas, sobretudo do CXG; Figura 52 – Registo estratigráfico simplificado da BCD (Jesus, 2003). ! intercalações de xistos argilosos negros e finos com bancadas de metantracite. Existem também níveis conglomeráticos e várias camadas de grés e arcoses 82 Eugénia Araújo associados Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão aos xistos negros. Os conglomerados são constituídos predominantemente por calhaus de quartzito, quartzo e lidito. Os calhaus são bem rolados e apresentam dimensões que variam entre 1 e 5 cm. O cimento que os liga é sílico-argiloso, de cor cinzenta, e em certos pontos, de cor avermelhada devido a impregnações de óxidos de ferro. 3.2.7 Cenozóico 3.2.7.1 Pliocénico Estes depósitos que foram genericamente considerados por Oliveira et al. (1992b), na Carta Geológica de Portugal à escala 1/500 000, e nas cartas geológicas à escala 1/50 000 por “plio-plistocénicos” (PQ) ocupam a plataforma litoral e as áreas aplanadas na proximidade do vale do rio Douro (Araújo et al., 2003). A plataforma litoral corresponde a uma faixa aplanada existente ao longo do litoral português, limitada para o interior por um relevo alinhado, o “Relevo Marginal”, com orientação NNW-SSE, que contrasta com a área aplanada. Outra interpretação feita acerca da plataforma litoral considerava que os depósitos que ela suporta correspondem a níveis de praias antigas que se encontravam organizados em patamares e que eram testemunho das variações eustáticas, sendo limitados para o interior por uma arriba fóssil. A definição destes depósitos tinha por base exclusivamente critérios altimétricos não considerando possíveis desnivelamentos por acção da tectónica devido ao desconhecimento de acidentes tectónicos recentes (Teixeira, 1979). Em estudos posteriores onde se efectuou uma comparação destes depósitos no que respeita à altitude, cor, alteração do substrato, calibragem e onde se considera a influência da tectónica, veio-se comprovar que alguns depósitos da plataforma litoral são de origem continental e não marinha, ou seja, praias levantadas, como foram considerados por Ribeiro et al. (1943) e por Teixeira (1979) (Araújo, 1997, 2000; Araújo et al., 2003). No seguimento dos estudos referidos, estes depósitos foram agrupados (Araújo, 1991) em (Figura 53): - depósitos fluviais da fase I; - depósitos fluviais da fase II; - depósitos quaternários, essencialmente marinhos. Como poderá ser constatado, parte destes depósitos relacionam-se com a organização da rede fluvial regional, possivelmente numa fase anterior à instalação di rio Douro. 83 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão Figura 53 – Localização dos depósitos plio-plistocénicos (Araújo, 1997). A atribuição de fase I e fase II a estes depósitos deve-se ao facto de se admitir a existência de duas fases de deposição em condições muito diferentes (Araújo et al., 2003). Correspondem a fases diferentes da evolução do relevo, separadas entre si por um longo período de tempo, ou por um acontecimento relevante, de origem tectónica ou estática (Araújo, 1997). Os depósitos da fase I, designados como aluviões antigos por Cabral (1881), um dos primeiros investigadores a estudar os depósitos na região do Porto, foram considerados plio-plistocénicos e identificados nas cartas geológicas do Porto (Costa & Teixera, 1957) e de Castelo de Paiva (Medeiros, 1964) à escala 1:50000, como depósitos de praia e de terraço do rio Douro. Na folha 1 da carta geológica de Portugal à escala 1:200 000 (Pereira & Ribeiro, 1992) estes depósitos são identificados pela sigla PQ, sendo considerados depósitos fluviais. Nestes depósitos, foi possível identificar diversas unidades que aparecem associadas na maioria dos afloramentos. No entanto, a sequência completa não está presente em todos os afloramentos, o que implica que nem todas as unidades se depositaram em todos os locais ou que algumas foram destruídas pela erosão (Araújo et al., 2003). Os afloramentos onde se encontram depósitos desta fase localizam-se em Rasa de Baixo ou Telheira, Aldeia Nova de Avintes, Esposade, Gandra e Medas. O afloramento da Rasa de Baixo situa-se a oeste do relevo marginal e os restantes a este (Figura 44). Este afloramento, local 84 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão onde funcionou uma exploração de caulino, constituía o local onde era possível observar a sequência das unidades da fase I, que apresentava de baixo para o topo: - base de blocos que podem ser de granito alterado ou de quartzo filoniano; - camada rica em elementos micáceos, com cor cinzenta esverdeada; - camada mais grosseira (areão e seixos) com estratificação entrecruzada. No topo do depósito surge frequentemente um forte encouraçamento, com uma cor avermelhada/acastanhada, que contrasta com a cor branca das unidades inferiores do depósito. O substrato apresenta-se intensamente caulinizado e daí as exploração de caulino. A base deste depósito encontra-se basculado para este (Ribeiro et al., 1943), cuja génese poderá estar relacionada com actividade tectónica pósdeposicional. O afloramento de Aldeia Nova de Avintes encontra-se na margem esquerda do rio Douro, desenvolvendo-se ao longo de uma faixa, com cerca de 4Km, embora com algumas interrupções, desde Cabanões, em Avintes, até Arnelas, reaparecendo em Lever (Figura 44). Estes depósitos, quando comparados com o anterior, apresentam algumas diferenças, nomeadamente um maior calibre dos blocos da base, uma composição litológica com quartzo e quartzitos, um encouraçamento mais intenso e a existência de níveis finos cinza-esverdeados menos espessos, que se encontram inclinados para oeste, o que sugere também actividade tectónica pós-deposicional (Araújo, 1997, 2000, 2003). O depósito da Gandra, localizado na margem direita do rio Douro (Figura 44), apresenta elementos muito grosseiros e fenómenos de intenso encouraçamento, que conduzem à existência de arenitos e conglomerados ferruginosos, com uma espessura superior a 1,5 m. Em Medas, encontram-se dois depósitos escalonados, em que o mais alto encontra-se a 162 m (Figura 44). Da observação que efectuámos destes depósitos sobressai o carácter grosseiro, com blocos de cerca de 30 cm e o carácter subanguloso da maioria dos clastos, grande parte de quartzitos e quartzo (Figura 54). Figura 54 – Depósitos de Medas. 85 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão Os depósitos da fase II são, tal como os depósitos da fase I, referidos na folha 1 da Carta Geológica de Portugal à escala 1:200 000 (Pereira & Ribeiro, 1992) pela sigla PQ. Na Carta Geológica à escala 1:50 000 do Porto (Costa & Teixera, 1957) estes depósitos foram considerados como depósitos de praia e de terraço e também sob a designação de formação areno-pelítica de cobertura, ao passo que na de Castelo de Paiva (Medeiros, 1964) foram cartografados como depósitos de terraço. Os depósitos da fase II são muito mal calibrados e apresentam blocos muito grosseiros na base, podendo ocorrer cristas ferruginosas com espessuras que não ultrapassam 1 cm, nunca tendo sido encontradas as couraças que existem nos depósitos da fase I. Estes depósitos não se sobrepõem aos da fase I, situando-se geralmente mais para oeste, a altitudes compreendidas entre 50 e 100 m (Araújo, 1997, 2000; Araújo et al., 2003). Encontram-se em duas zonas principais, próximo do vale do rio Douro e numa faixa paralela a oeste do relevo marginal. Na proximidade do vale do rio Douro encontramse os afloramentos da Pedrinha, Valbom e na proximidade de Medas. A oeste do relevo marginal existem os afloramentos de Coimbrões, Ponte da Arrábida (Candal), Boavista e da Avenida Marechal Gomes da Costa. Apresentam sequências granodecrescentes com elementos mais grosseiros na base e mais finos no topo, o que sugere tratar-se de leques aluviais. Na Pedrinha podem observar-se blocos com cerca de 0,5 m de diâmetro. Em Coimbrões a granulometria é menos grosseira. Em alguns locais, observam-se no topo das formações melhor calibração dos materiais. Devido à ausência de fósseis nestes depósitos, foram efectuadas correlações através de semelhanças de litofácies. Desde sempre que se considerou a inexistência de depósitos paleogénicos e miocénicos na região do Porto, não podendo correlacionálos com os depósitos desta idade existentes em Trás-os-Montes (Araújo, 2000; Araújo et al., 2003). Nas cartas geológicas à escala 1/50 000 e em Teixeira (1949, 1979) os depósitos mais antigos eram datados do Pliocénico. Excluída a hipótese destes depósitos serem atribuídos ao Paleogénico e ao Miocénico, surge a hipótese de considerar os depósitos da fase I pliocénicos, que podem ser correlacionados com as “fases ocres” do interior da Península, atribuídas ao Pliocénico (Araújo, 2000; Araújo et al., 2003). É feita ainda uma correlação dos depósitos da fase I com os depósitos da Formação de Mirandela que se enquadra no episódio 3 da sedimentação cenozóica em Trás-osMontes, que é atribuída à unidade alostratigráfica SLD13 (Pereira et al., 2000; Araújo, 2000; Araújo et al., 2003). Esta correlação, efectuada com base nas semelhanças existentes entre os dois depósitos, nomeadamente o carácter conglomerático, com clastos quartzosos e quatzíticos numa matriz arenosa quartzo-feldspática e com caulinite abundante, implicaria considerar os depósitos da fase I do Pliocénico superior (Placenciano?) e é (Araújo, 2000; Araújo et al., 86 2003). Os depósitos da fase II são Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão correlacionados com os depósitos, possivelmente de leques aluviais, do episódio 4 do Terciário de Trás-os-Montes cuja idade pode estar próxima da transição GelasianoPleistocénico (Pereira et al., 2000). 3.2.7.2 Pleistocénico O início do Quaternário foi, no passado, considerado coincidente com o início da regressão pós-pliocénica e dividido em Quaternário antigo (Qa), correspondente ao Pleistocénico inferior, e em Quaternário moderno (Qm), que abrangeria o Pleistocénico médio e superior (Teixeira, 1979). A última actualização da Tabela Estratigráfica da responsabilidade da International Comission on Stratigraphy, indica o Quaternário como o conjunto do Gelasiano, Pleistocénico e Holocénico, com base a 2.588 Ma. A representação cartográfica do Quaternário era, no passadso, baseada na altitude dos terraços, tendo-se definido quatro níveis de terraços, em função da “sua altura acima do nível do rio na estiagem”: Q4 (8-15m), Q3 (25-40m), Q2 (50-65m) e Q1 (75-95m). Aos depósitos de praias antigas aplicou-se um sistema análogo (Daveau, 1993). Nestes, a altitude do topo dos depósitos relacionava-se com um determinado nível do mar, aquando das variações eustáticas no decorrer das oscilações climáticas durante o Pleistocénico. Em algumas cartas geológicas à escala 1:50 000 modificaramse as altitudes de referência e subdividem-se certos terraços, sem nunca explicar o significado científico das alterações introduzidas (Daveau, 1993). Actualmente, os depósitos de terraço que foram sendo abandonados a diferentes altitudes à medida que ocorreu o encaixe do rio Douro, encontram-se fora do alcance da sua acção e existem em vários locais na forma de pequenos afloramentos, quer na margem esquerda quer na margem direita. 3.2.7.3 Holocénico Os depósitos fluviais atribuídos ao Holocénico correspondem a aluviões, depósitos de vertente, a areias e cascalheiras fluviais, bem como depósitos areno-argilosos de inundação. Deste conjunto, destacam-se os depósitos de vertente gerados nos relevos residuais e cristas quartzíticas. Os depósitos de inundação, raros mas de grande significado, ainda se encontram em pequenos afloramentos em Vila Nova de Gaia, muito antropizados, em Peso da Régua e Pocinho, aqui menos afectados pela ocupação humana (Aires et al., 2000a). As areias e cascalheiras preenchem em alguns locais o leito do rio e são por vezes dragados e explorados comercialmente. 87 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão 3.3 Granitóides Nas cartas geológicas à escala 1/50 000 mais antigas fazia-se uma descrição exaustiva das características petrográficas e mineralógicas dos granitos (Medeiros, 1964; Teixeira et al., 1967; Teixeira et al., 1969). No entanto, com o aparecimento de novos métodos de estudo, nomeadamente geoquímicos e isotópicos é possível ir para além dessa descrição e propor modelos explicativos detalhados para a sua génese. A instalação dos granitóides que afloram no vale do rio Douro está maioritariamente associada à orogenia varisca, nomeadamente à terceira fase de deformação dúctil, tendo ocorrido grande parte do plutonismo durante e após a 3ª fase de deformação (D3). O facto mais marcante na distribuição geográfica das principais fácies graníticas da Península Ibérica é a sua concentração segundo zonas de cisalhamento dúctil, como é o caso do cisalhamento do Sulco Carbonífero DúricoBeirão (SCDB) e do cisalhamento Vigo-Régua e de zonas de falha, como a falha Régua-Verin (Ferreira et al., 1987) (Figura 55). Trata-se de plutonismo granítico, por vezes associado a rochas de composição básica e intermédia, definindo alinhamentos em estreita relação com zonas de cisalhamento (Ferreira et al., 1987). Os granitóides existentes ao longo do vale do rio Douro, enquadram-se na Zona Centro Ibérica, onde ocorre um importante volume de granitóides, instalados na etapa pós-colisional da orogenia Hercínica (sin a pós-D3, a última fase de deformação dúctil) e caracterizam-se por uma forte variabilidade composicional e tipológica (Dias, 2001). A caracterização dos reservatórios envolvidos na génese destes granitóides é de significativo interesse na reconstrução geodinâmica da Cadeia Hercínica Ibérica, fornecendo o estudo isotópico destes granitóides importantes indicações relativamente ao papel da reciclagem crustal e dos processos de acreção (Dias, 2001). Instalaram-se granitóides que se enquadram no grupo dos granitóides sin-D3 (320-310 Ma), tardi- D3 (310-305 Ma) e dos granitóides tardi a pós-D3 (300 Ma). Nos primeiros predominam leucogranitos de duas micas fortemente peraluminosos e monzogranitos/granodioritos biotíticos fraca a moderadamente peraluminosos, nos segundos monzogranitos/granodioritos essencialmente biotíticos, fraca a moderadamente peraluminosos, por vezes associados a rochas de decomposição básica a intermédia e nos terceiros leucogranitos de duas micas fortemente peraluminosos (Ferreira et al., 1987; Dias et al., 1998). Os granodioritos e os monzogranitos biotíticos são as rochas graníticas mais abundantes na ZCI, por vezes associados a encraves microgranulares máficos e a rochas de composição básica a 88 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão intermédia (Dias, 2001; Dias et al., 2002). Os granitos biotíticos tardi-F3, são porfiróides de grão muito grosseiro e distribuem-se em largas faixas lateralmente aos cisalhamentos correspondentes aos sulcos Carbonífero Dúrico-Beirão e Vigo-Régua (Ferreira et al., 1987). Os granitóides biotíticos tardi a pós-F3 constituem uma série intrusiva na anterior, ocupando a parte mais interna entre as zonas de cisalhamento mais importantes como as do SCDB e de Vigo-Régua (Ferreira et al., 1987). Figura 55 - Distribuição dos granitóides Hercínicos sin a pós-tectónicos da Zona Centro Ibérica, Norte de Portugal (Ferreira et al., 1987 modificado). A- Cisalhamento do SCDB; B- Cisalhamento Vigo-Régua; C-Cisalhamento Moncorvo-Bemposta; D- Cisalhamento Traguntia-Penalva do Castelo; I- Falha Gerês-Lovios; II- Falha Régua-Verin; III- Falha da Vilariça; D3- Última fase de deformação dúctil. 89 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão 3.4 Modelo evolutivo no contexto dos Ciclos Varisco e Alpino 3.4.1 Deposição e evolução do Grupo do Douro Os trabalhos que na década de oitenta se realizaram sobre o Grupo do Douro sugerem um ambiente deposicional de fácies turbidítica (Sousa, 1982, 1985; Sousa & Sequeira, 1989). As sequências encontradas e as associações de fácies existentes, conduzem à atribuição de ambientes deposicionais equivalentes a um “fan” submarino (Sousa, 1985, Sousa & Sequeira, 1989). Os afloramentos de idade câmbrica, com características de plataforma continental, do norte e centro da Península Ibérica definem uma região onde se poderia localizar a plataforma e o talude que limitariam o “fan” submarino e cujos sedimentos constituiriam os equivalentes laterais do CXG (Sousa, 1985). Posteriormente, surgiu a possibilidade do Grupo do Douro ter-se depositado segundo um modelo de bacia sedimentar do tipo aulacógeno (Ribeiro et al., 1991) estruturada num fosso marinho intracontinental correspondente à Zona Centro-Ibérica, enquadrado por duas plataformas carbonatadas equivalentes à Zona Cantábrica e à Zona de Ossa-Morena. O fosso maior englobaria vários fossos circunscritos onde se terão depositado diferentes conjuntos de unidades litostratigráficas, um deles conferindo individualidade ao Grupo do Douro (Sequeira & Pereira, 2000). Esta unidade também foi relacionada com o preenchimento de uma bacia tipo “foreland” (Oliveira et al., 1992a). Mais tarde, com base em propriedades geofísicas, dado a impossibilidade de identificar grandes acidentes a nível do soco precâmbrico apenas com critérios geológicos, devido à quase ausência de afloramento câmbricos na Zona Centro-Ibérica, foram definidos dois planos de anisotropia principais (falha Porto-Viseu-Guarda e Mondim-Murça-Moncorvo) que separam três tipos diferentes de soco (Coke et al., 2000). Segundo este modelo, a bacia em que se depositou o Grupo do Douro terá sido o resultado de um half-graben associado ao abatimento do bloco situado a nordeste da falha Porto-Viseu-Guarda, o qual integraria o rift intracontinental. Assim, no bordo mais a SW, existiria uma discordância de alto ângulo entre os metassedimentos e o soco, enquanto que a NE, a discordância seria de baixo ângulo, com ligeiro declive para SW. Esta situação poderia ter despoletado instabilidades gravíticas que originaram cavalgamentos (cavalgamento da Senhora do Viso), cujo carácter sinsedimentar é apoiado pela ocorrência de frequentes slumps na Formação da Desejosa (Coke et al., 2000). Outros autores (Sousa, 1985; Silva & Ribeiro, 1985; Sousa & Sequeira, 1989) atribuem a ocorrência do carreamento sinsedimentar da Senhora do Viso à fase de deformação 90 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão sarda, que terá provocado instabilidade na bacia. Este carreamento conduziu à duplicação do Grupo do Douro, existindo uma equivalência lateral entre a Formação de Ervedosa e Formação do Pinhão e entre a Formação de Bateiras e a Formação do Rio Pinhão. A fase Sarda, curto episódio compressivo anteordovícico da orogenia Caledónica, teve início no final da sedimentação da Formação de Desejosa. Esta inversão tectónica estará provavelmente relacionada com fenómenos de reajuste isostático e terá provocado o rejogo dos acidentes que afectavam o soco, induzindo a formação de dobras. A deformação foi heterogénea, existindo regiões com discordâncias angulares de alto ângulo e outras regiões com desconformidades. A existência de discordâncias implica a ocorrência de um período erosivo, que terá originado a sequência conglomerática (F. S. Domingos e F. Quinta da Ventosa), que em muitos locais se sobrepõe à Formação de Desejosa (Coke et al., 2000). Na base deste nível de conglomerados foram descobertos calhaus da Formação de Desejosa, o que indica que este processo de inversão tectónica estaria já a afectar uma sequência litificada (Coke et al., 2000). Terminada a fase sarda, ocorre um episódio de vulcanismo ácido, que originou uma espessa cobertura de material tufítico, cujos canais alimentadores se encontrariam nas proximidades das falhas que limitavam o rift intracontinental (Coke et al., 2000). 3.4.2 A bacia no Paleozóico inferior O espaço temporal correspondente ao Paleozóico inferior é caracterizado por um regime transgressivo da sedimentação, com ambientes deposicionais de baixa energia no Ordovícico médio a superior que conduziu à sedimentação de materiais finos pelágicos (xistos ardosíferos) (Pereira & Ribeiro, 1992). Como consequência do paleorelevo herdado da fase sarda associado ao jogo de falhas activas, a sedimentação inicial, no Tremadociano, teve variações locais importantes, desde a passagem gradual dos sedimentos do CXG, subjacente, até ao desenvolvimento de leques aluviais, fluvio-marinhos ou submarinos, e mesmo mistura de materiais vulcânicos provenientes do vulcanismo associado às falhas activas que bordejavam a bacia sedimentar (Oliveira et al., 1992a). A partir do Arenigiano deu-se a colmatação da bacia, tendo a deposição ocorrido em ambiente litoral marinho, passando esta a estar principalmente dependente das variações eustáticas do nível do mar. A sedimentação ocorreu portanto em águas pouco profundas (Meireles, 2000). Supõe-se a existência desde o Arenigiano de uma área emersa no bordo sul da bacia e o aparecimento durante o Landeiliano de uma outra área emersa a nordeste, sugerida pela ocorrência de abundantes depósitos de óxidos de ferro na Formação Xistenta em Trás-os-Montes (Meireles, 2000). Durante o Landeiliano o ambiente deposicional é de 91 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão baixa energia (Meireles, 2000). No Caradociano, parte do bordo norte da bacia estava emersa enquanto no bordo sul continuava a sedimentação na plataforma litoral. No final do Caradociano e início do Ashgiliano ocorreu vulcanismo predominantemente básico em ambos os bordos da bacia. No Ashgiliano ocorreu importante alteração nas condições de sedimentação, em parte devido à glaciação ocorrida no final do Ordovícico (Oliveira et al., 1992a). Esta glaciação conduziu à deposição de materiais glaciogénicos e correspondem a uma brusca regressão que assinala o final do Ordovícico ou a transição Ordovícico-Silúrico (Pereira & Ribeiro, 1992). No Silúrico tudo aponta para a existência de uma bacia confinada entre os terrenos da ZOM, a oeste do Porto e os terrenos a NE de Trás-os-Montes (Pereira & Ribeiro, 1992). No Silúrico inferior (Landoveriano, Venloquiano inferior), as condições de sedimentação eram predominantemente euxínicas, tendo ocorrido no bordo norte episódios distensivos que provocaram vulcanismo predominantemente ácido e alguns carbonatos locais. A partir do Venloquiano médio passou-se novamente para condições de deposição em mar aberto, com desenvolvimento gradual de sedimentação terrígena, sucessivamente mais clástica (arenitos), mas sempre em condições litorais, em ambientes pouco profundos (Oliveira et al., 1992a). Segundo os mesmos autores, a partir do Silúrico superior, passaram a vigorar condições de sedimentação de mar aberto, provavelmente induzidas pela aceleração da distensão crustal. A génese do oceano silúrico (Paleo- Tethys) tem início com a formação de um rift oceânico, por adelgaçamento da crusta continental devido aos episódios distensivos que ocorreram neste período. 3.4.3 A tectónica varisca No início do Devónico, estaria já consumada a abertura do oceano varisco (Paleo-Tethys), que teria atingido expansão máxima no Devónico inferior. A partir do Devónico médio, inicia-se um regime compressivo induzido pela actuação da fase D1 da orogenia varisca, que provocou o fecho do oceano varisco por colisão das placas Laurentia-Báltica, Armórica e Gondwana. Este processo inicia-se com a delaminação da crusta oceânica, verificando-se simultaneamente subducção e obducção da placa oceânica no sentido E-W, seguida de colisão entre os dois continentes limítrofes do oceano. O resultado é um empilhamento de mantos do topo para a base: unidade proveniente do bordo adelgaçado do continente situado a oeste; unidade correspondente ao complexo ofiolítico; unidade correspondente ao complexo sedimentar e vulcânico que constitui o bordo do continente situado a leste (Pereira, 92 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão 1988). No Devónico superior o fecho do ramo norte do oceano varisco já estaria consumado e os blocos continentais envolvidos soldados. No contexto geodinâmico do fecho do oceano varisco ocorreu a instalação de granitóides. O ramo subductado originou granitóides que se hibridizam ao atravessar a crusta no período distensivo ocorrido entre as fases D2 e D3 variscas. O calor desenvolvido induziu a fusão de granitóides pré-existentes e de materiais crustais (Pereira, 1988). 3.4.4 A génese e evolução da Bacia Carbonífera do Douro (BCD) e a instalação de granitóides sin D3 Durante o ciclo varisco, a actividade do Sulco Carbonífero Dúrico-Beirão (SCDB), que delimita a SW o flanco inverso do Anticlinal de Valongo, foi particularmente importante, controlando a abertura e sedimentação de várias bacias sedimentares continentais intramontanhosas durante o Carbonífero, tendo a BCD sido a última a formar-se, já durante o Estefaniano C inferior (Wagner & Sousa, 1983; Jesus, 2003). Em Jesus (2003) encontra-se descrita de uma forma sintética um modelo bastante complexo da evolução sedimentar e tectónica da BCD que de seguida se faz referência. De acordo com este autor, a BCD encontrava-se controlada por falhas inversas cuja actividade tectónica era superior na margem NE relativamente à margem SW. O tipo de bacia formada corresponde a uma bacia do tipo foreland, cuja subsidência teve início em D1 e terá continuado em D3 varisca. O substrato da BCD adquire uma configuração transversal assimétrica devido à maior velocidade de subsidência no sector a NE que a SW, encontrando-se este último em levantamento. O produto sedimentar resultante deste período tectónico activo nas duas margens são as brechas de base que forram o substrato da BCD e para as quais é proposto um modelo deposicional de leques aluviais constituídos por sedimentos do tipo debris flow, estruturados nas margens da bacia. Segue-se uma acalmia tectónica que conduziu a uma diminuição da energia nos meios sedimentares que passam a meios palustres e lacustres. Posteriormente, inicia-se a implantação dos granitóides tardi a pós-D3, que conjugada com o basculamento e incremento da subsidência da BCD, conduz incarbonização dos depósitos orgânicos. O aumento da energia nos meios sedimentares, relacionada com a reactivação tectónica inerente à granitização, provocou a instalação de sistemas fluviais entraçados que passam lateral e verticalmente para sistemas palustres. Com a diminuição da energia nos meios sedimentares, relacionada provavelmente com uma nova acalmia tectónica, o meio passa a ser dominado por ambientes lacustres. Com a continuação da instalação dos granitóides variscos pós-fase D3, aumenta o grau de incarbonização dos carvões da BCD e o basculamento da bacia, com mergulho da inclinação de SW para NE. Depois 93 Eugénia Araújo da Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão instalação dos granitóides pós-fase D3 e consequente conclusão da incarbonização da BCD, ocorre a sua escamização. A fase D4 varisca, que actuou após a formação e a consolidação das rochas sedimentares da BCD, simultânea com o processo de escamização, provocou nas litologias mais frágeis, principalmente no carvão, microdobramentos. Durante a fase de deformação D3 da orogenia varisca instalou-se um importante volume de granitóides na ZCI. Instalaram-se leucogranitos de duas micas (320-300 Ma), aluminopotássicos, essencialmente fortemente biotíticos peraluminosos (320-305 Ma), e monzogranitos/granodioritos moderadamente peraluminosos, aluminopotássicos, para os quais se admite uma origem puramente crustal ou essencialmente crustal (Dias, 2001). Assim, para os leucogranitos de duas micas admite-se uma origem por fusão parcial de rochas predominantemente metapelíticas a diferentes níveis crustais (crusta média e inferior) e para os monzogranitos/granodioritos biotíticos é proposta uma origem por fusão parcial de materiais metassedimentares (metagrauvaques) e/ou metaígneos félsicos da crusta inferior (Dias, 2001). No período compreendido entre 320-305 Ma, para além da formação de monzogranitos/granodioritos biotíticos formaram-se também granitóides híbridos, resultantes cristalização de fraccionada um e processo hibridação petrogenético entre magmas complexo, crustais envolvendo e mantélicos (equivalentes às rochas gabróicas aflorantes) (Dias, 2001; Dias et al., 2002). A ocorrência significativa destes granitóides híbridos do tipo monzogranitos/granodioritos biotíticos calcoalcalinos e monzoníticos, que têm grande quantidade de encraves microgranulares máficos e que se encontram associados a corpos de composição básica a intermédia, indicam que os processos de reciclagem crustal foram acompanhados por importante episódio de acreção crustal (Dias, 2001; Dias et al., 2002). 3.4.5 A evolução Meso-Cenozóica Ao longo do Mesozóico o Maciço Hespérico foi sujeito a uma forte erosão, predominando um clima quente e seco durante o Triássico e quente e húmido durante o Jurássico e o Cretácico. Durante o Cenozóico, o norte de Portugal continuou a ser sujeito a processos predominantemente erosivos, relacionados com uma tendência dominante de soerguimento (Pereira et al., 2000). Os episódios sedimentares cenozóicos do norte de Portugal foram principalmente controlados pela tectónica, mas nos últimos tempos (Placenciano-Quaternário) também pelo eustatismo (Pereira et al., 2000). Na região do Porto, os depósitos cenozóicos pré-quaternários 94 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão depositaram-se em duas fases, provavelmente separadas por um importante evento tectónico e climático (Araújo, 2000; Araújo et al., 2003). Os depósitos da fase I ter-seiam depositado num contexto de planície litoral, por cursos de água de baixa energia (Araújo, 1997, 2000; Araújo et al., 2003). Os afloramentos situados a leste do relevo marginal parecem ligados a uma drenagem fluvial com um traçado semelhante ao do Douro actual (Pereira et al., 2000). Próximo do limite Plio-Plistocénico, as condições climáticas e principalmente morfotectónicas favoreceram a génese de corpos do tipo leque aluvial a partir quer de relevos residuais quer no contexto de depressões tectónicas (Pereira, 1997, 1999a, 1999b). A modificação das condições climáticas no fim do Pliocénico (Gelasiano), no sentido de maior aridez e frio, bem como a ocorrência de uma nova fase tectónica intensamente compressiva segundo WNWESSE, devem ter conduzido ao desenvolvimento de leques aluviais na periferia de alguns relevos em soerguimento ou já salientes (Pereira, 1999a, 1999b; Pereira et al., 2000). Nesta fase de deposição devido às características torrenciais, originaram-se os depósitos da fase II na plataforma litoral do Porto, com elementos de grande calibre (Araújo, 2000; Araújo et al., 2003). A actividade tectónica poderá ter condicionado o levantamento do relevo marginal, que constituiria a origem dos depósitos da fase II que posteriormente formaram depósitos do tipo leques aluviais, na proximidade do relevo marginal a leste do Porto (Araújo, 2000; Araújo et al., 2003). A melhor calibração dos materiais no topo dos depósitos do tipo leque aluvial da fase II poderão corresponder ao início de uma drenagem regularizada (Araújo, 1997, 2000; Araújo et al., 2003). Estes depósitos têm sido relacionados quer com uma ruptura tectónica conhecida por Ibero-Manchega II, com aproximadamente 2 Ma, quer com condições de clima mais frias e secas que contrastam com as condições quentes e húmidas precedentes (Pereira, 1997). No sector de Trás-os-Montes e do Alto Douro, dominaram os processos erosivos durante este período de tempo e a evacuação de grande parte dos sedimentos resultantes para leste, em direcção à Bacia Terciária do Douro (BTD) (Pereira, 1997). No entanto, em algumas etapas foram criadas condições morfológicas, fundamentalmente devido à actividade tectónica, que permitiram a deposição de sedimentos nesta região. Com os primeiros episódios de arrefecimento (2.5 Ma), terá ocorrido uma erosão remontante, a partir de uma drenagem limitada à franja atlântica (Pereira, 1997, 1999b). Até ao Plistocénico ter-se-á chegado à captura progressiva pelo Douro dos sectores mais interiores do norte de Portugal e posteriormente do sector correspondente à Bacia Terciária do Douro, no interior da Península (Pereira et al., 2000). Assim, é admissível que no Pliocénico um pré-Douro terá capturarado sucessivamente, anteriores drenagens endorreicas (Pereira et al., 2000). Com o início do Pleistocénico, há cerca de 1.8 Ma, registou-se um novo arrefecimento acentuado do clima, ocorrendo a partir daí uma alternância de períodos glaciares 95 Eugénia Araújo Cap.III - Geologia do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão com períodos interglaciares menos frios. Durante os períodos glaciares as massas de gelo continentais expandiram-se e nas zonas montanhosas acumularam-se massas de gelo. As regiões que se encontravam no limite dos glaciares, designadas de periglaciares, apresentavam condições de frio e aridez acentuada. Estas oscilações parecem estar marcadas nos vales minhotos, onde estão registados quatro ciclos principais de gliptogénese/sedimentogénese quaternária que sucedem aos vestígios da sedimentação pliocénica e que conduziram ao seu encaixe sucessivo (Alves & Pereira, 2000; Pereira et al., 2000). Estes aspectos não são observáveis no Douro em território nacional, devido ao forte encaixe fluvial. O rio Douro, nos sucessivos embutimentos da sua rede hidrográfica, evacuou as aluviões, entretanto acumulados, pelo que se observa um limitado registo sedimentar associado ao seu encaixe, restando somente pequenos retalhos, em geral situados em apertadas curvaturas, controladas por alinhamentos tectónicos (Pereira et al., 2000). A partir do máximo de frio da última glaciação (!20 000 anos), verifica-se um lento e progressivo aquecimento, que possibilitou o desenvolvimento de florestas e que atinge condições de clima semelhantes ao actual à cerca de 10 000 anos (Holocénico). No Holocénico inferior o clima e a vegetação não favoreciam a erosão, no entanto a partir do Neolítico médio (Holocénico superior), com a introdução do factor antrópico, os processos erosivos vão conhecer uma nova dinâmica, em que o Homem tem uma influência crescente e decisiva no desencadeamento e intensificação da erosão (Cordeiro, 1990). A acção antrópica pode ser dividida em dois momentos distintos: o primeiro é caracterizado pela conquista de espaços para a prática da pastorícia; o segundo momento e no segundo momento, que se desenrola provavelmente desde a instalação romana, é caracterizado por uma acção antrópica mais evidente, causando a modificação quase completa da paisagem natural holocénica (Cordeiro, 1990). Os depósitos holocénicos conservam indicadores sobre a recente transformação global, como as variações climáticas, as variações do nível do mar, dos limites dos ecossistemas não marinhos e dos processos antrópicos (Granja, 1993). O Homem, na sua evolução, induziu impactes negativos nos seu próprio ambiente ao dispor de maior capacidade de exploração dos recursos naturais do planeta (Granja, 1993). Existe uma relação dialéctica entre homem e meio, na medida em que o homem é um agente que directa ou indirectamente transforma o espaço, no contexto das actividades que realiza quotidianamente, por outro lado o homem também é profundamente influenciado pelo meio (Bettencourt et al., 2003). 96 Capítulo IV Recursos Minerais e Energéticos do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão Eugénia Araújo Cap.IV - Recursos Minerais e Energéticos do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão 4.1 Introdução O abandono quase generalizado da exploração mineira em Portugal e em especial na região do Vale do Douro, conduz à perda gradual de um património colectivo importante que urge manter. Contudo, no caso dos recursos energéticos e termais, o seu interesse sócio-económico é actual. No sector em estudo assume grande importância o distrito mineiro Dúrico-Beirão, onde foram importantes as explorações mineiras com as associações paragenéticas de Sb-Au, Au-As, Pb-Zn (Ag) e Sn-W (Couto, 1993, 1995, 1997; Couto et al., 2000). O distrito mineiro Dúrico-Beirão localiza-se nas proximidades do Porto, estendendo-se por uma faixa de cerca de 90 Km, com orinetação NW-SE, desde Esposende até próximo de Castro Daire (Couto, 1995; Couto & Dias, 1998). Para além da exploração mineira de metais foi ainda importante a exploração de carvão. Na actualidade, a actividade mineira é inexistente, mas ocorre o aproveitamento dos recursos hídricos na produção de electricidade, através das barragens construídas ao longo do troço do rio e dos recursos hidrotermais, tendo sido construídas estâncias balneares a que a população recorre para tratamentos variados que são aconselhados para alguns problemas de saúde. 4.2 Recursos minerais 4.2.1 Ouro Nas proximidades do Porto, o distrito auri-antimonífero é constituído por mais de uma dezena de jazigos, explorados desde a época da ocupação romana até ao início do nosso século (Couto, 1995, 1997). As mineralizações exploradas pelos romanos foram essencialmente as do tipo Au-As. Dos trabalhos mais antigos, que geralmente não ultrapassam os 100 m de profundidade, destacam-se os fojos, que correspondem a cavidades estreitas e profundas para efectuar o desmonte dos filões auríferos na época da ocupação romana, os poços e as galerias (Couto & Dias, 1998; Couto et al., 2000). As mineralizações auri-antimoníferas (Sb-Au) ocorrem preferencialmente no flanco oeste do Anticlinal de Valongo em formações do Precâmbrico e/ou Câmbrico (?) e em formações do Carbonífero (Couto, 1995, 1997). A maior parte dos jazigos auríferos (Au-As) localizam-se no flanco normal do Anticlinal de Valongo e ocorrem em formações do Arenigiano, mais precisamente na zona das alternâncias de pelitos e arenitos(Couto et al., 2003), onde foram identificadas camadas negras (Combes et al., 98 Eugénia Araújo Cap.IV - Recursos Minerais e Energéticos do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão 1992) e níveis de origem vulcano-sedimentar (Couto, 1993) (Figura 56). Figura 56 – Localização das minas (modificado depois de Couto et al., 1990 in Combes et al., 1992). Das minas localizadas a oeste do Anticlinal de Valongo, de onde se procedeu à extracção de antimónio e ouro, salientam-se as mais importantes: Montalto, Corgo, Ribeira, Tapada, dos Pinheirinhos, Alto do Sobrido, etc. A exploração destes jazigos atingiu o seu auge entre 1870 e 1890, tendo cessado por completo a sua actividade em 1971 (Couto & Dias, 1998; Couto et al., 2000). A produção global foi aproximadamente 12 000 t de antimónio com cerca de 2t de ouro (Couto, 1995, 1997). Tendo sido definidas duas fases principais de deformação, uma anterior e outra posterior ao Estefaniano C inferior, as mineralizações são posteriores à última deformação, tendo-se os filões instalado em fracturas de tracção ou de corte geradas durante esta fase ou em fracturas mais antigas geradas durante a deformação anteEstefaniana, que rejogaram durante a deformação pós-Estefaniana (Couto, 1995, 1997; Couto et al., 2000). Das minas situadas em formações do Ordovícico é de referir a mina das Banjas. Nesta mina, as mineralizações estão principalmente associadas às camadas negras com veios de quartzo interestratificados, que ocorrem em anticlinais relacionados com a 1ª fase da orogenia hercínica (Combes et al., 1992; Couto, 1993). Nestas, o ouro está 99 Eugénia Araújo Cap.IV - Recursos Minerais e Energéticos do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão concentrado em veios de quartzo associado a arsenopirite de baixa temperatura, não relacionada com os processos hidrotermais que geraram os filões, tendo possivelmente uma origem vulcânica e/ou metamórfica(Couto et al., 2003a, 2003b). A relação entre as mineralizações e as alternâncias do Arenigiano poderá ter sido condicionada por alguns factores, nomeadamente (Couto et al., 2003b): a sequência das alternâncias do Arenigiano apresenta uma heterogeneidade litológica que pode facilitar a fracturação frágil, dado que os contactos entre camadas mais e menos competentes constituem planos de fraqueza, possibilitando a drenagem de fluidos para zonas mais fracturadas e mais permeáveis; reacção topoquímica entre os fluidos mineralizantes e a sequência de alternâncias do Arenigiano, nomeadamente as camadas negras e sulfuretos disseminados (pirite e arsenopirite); existência de pré-concentrações em Au, Sb e As nas alternâncias do Arenigiano do Anticlinal de Valongo. As camadas negras com intercalações de veios de quartzo aurífero, apresentam evidências de uma origem detrítica (Couto, 1993; Couto et al., 2003a). No entanto, admite-se que uma pequena quantidade de ouro tenha sido depositado por processos químicos ou bioquímicos (Couto et al., 2003b). 4.2.2 Termas As nascentes termominerais estão, frequentemente, relacionadas com sistemas hidrogeológicos condicionados pelas condições tectónicas e morfoestruturais (Marques et al., 2003). No sector em estudo existem alguns locais com ocorrências termoninerais, cujo aproveitamento e exploração contribuem para o desenvolvimento sócio-económico da região. São de referir as estâncias termais da Quinta da Torre, em Entre-os Rios (www.inatel.pt, 2004), Caldas de Aregos e Caldas de Moledo (Figura 57). De acordo com a sua composição iónica, tratam-se de águas sulfúreas (www.igm.ineti.pt, 2004). A estância termal de Quinta da Torre localiza-se a norte de Entre-os-Rios, próximo da confluência do rio Tâmega com o rio Douro, junto da estrada de Penafiel. Em termos litológicos enquadra-se numa região dominada por granito porfiróide de grão fino. As suas águas são bicarbonatadas sódicas sulfúreas e são indicadas para o tratamento de doenças do sistema respiratório, reumáticas e músculo-esqueléticas (www.igm.ineti.pt, 2004; www.inatel.pt, 2004). As termas de Caldas de Aregos localizam-se no concelho de Resende, junto da povoação de Aregos, na margem sul do rio Douro. O fluxo hidrotermal superficial ocorre ao longo de fracturas e diaclases do granito porfiróide de grão fino que aflora na região. A temperatura da água é de 61ºC. 100 Eugénia Araújo Cap.IV - Recursos Minerais e Energéticos do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão Figura 57 - Localização das termas de Entre-os-Rios, Caldas de Aregos e Caldas de Moledo (modificado de www.igm.ineti.pt, 2004). A primeira referência às águas termais de Aregos surgiu na Idade Média. Posteriormente, no século XII, a rainha D. Mafalda mandou construir no local uma albergaria que terá constituído a primeira estância termal de Aregos (www.termasdeportugal.pt, 2004; www.geocities.com/caldas_de_aregos, 2004). O seu funcionamento foi interrompido devido a falta de condições resultantes da inundação dos balneários aquando das cheias do Douro de 1962 e 1966 e da construção da barragem do Carrapatelo. No início da década de 90, foi construído um novo balneário que deu continuidade à exploração do recurso hidrotermal em Aregos. As suas águas são, tal como as anteriores, bicarbonatadas sódicas sulfúreas e indicadas para o tratamento de doenças do aparelho respiratório, reumáticas e músculoesqueléticas (www.igm.ineti.pt, 2004). As termas de Caldas de Moledo, ficam situadas na freguesia de Fontelas, a 4 Km da cidade de Peso da Régua, na estrada para o Porto, na margem norte do rio Douro (www.cm-pesoregua.pt, 2004). As suas águas sulfúreas bicarbonatadas sódicas, emergindo a temperaturas entre 46ºC e 35ºC, estão indicadas para o tratamento de doenças do aparelho respiratório, da pele, reumáticas e músculo-esqueléticas (www.igm.ineti.pt, 2004; Marques et al., 2001). A localização das emergências minerais está fortemente relacionada com as características geológicas da área de descarga do sistema hidromineral (Marques et al. 2001). A geomorfologia da região é dominada pelo forte encaixe do vale do rio Douro, que em Peso da Régua se torna mais amplo, 101 Eugénia Araújo Cap.IV - Recursos Minerais e Energéticos do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão enquadrado a norte pela serra do Marão e a sul pela serra das Meadas (Marques et al., 2003). Em termos litológicos, ocorrem fundamentalmente rochas metassedimentares, de idade câmbrica inferior, pertencentes ao Grupo do Douro. Foi também identificado um afloramento granítico, junto da localidade de Cidadelhe, que não se encontra assinalado na cartografia geológica publicada. Ocorrem ainda numerosos filões e massas aplitopegmatíticas instaladas em zonas de fractura dos terrenos pertencentes ao Grupo do Douro. As principais estruturas tectónicas da região são a falha Penacova-Régua-Verin, com a direcção NNE-SSW e a zona de cisalhamento de Vigo-Régua. orientada segundo WNW-ESE. Salientam-se ainda as fracturas com orientação NNE-SSW a NE-SW e as descontinuidades de orientação E-W, paralelas à falha do Douro. O fluxo de água mineral é fortemente controlado pela geomorfologia, pela tectónica e pelas litologias presentes, entre a zona de recarga e a zona de descarga. No modelo de circulação proposto por Marques et al. (2003) (Figura 58), o cisalhamento Vigo-Régua, tem um papel fundamental, sendo através dele que deverá ocorrer a maior parte da recarga e fase inicial do fluxo hidromineral. Figura 58 – Tentativa de conceptualização do modelo de fluxo do sistema hidromineral de Caldas do Moledo (Marques et al., 2003). 102 Eugénia Araújo Cap.IV - Recursos Minerais e Energéticos do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão A recarga menos significativa deverá ocorrer junto do vértice geodésico do Rojão. O armazenamento profundo estará associado ao cisalhamento Vigo-Régua, à rocha fracturada e ao ramo da falha Régua-Verin que intersecta o alinhamento estrutural Vigo-Régua. A circulação hidromineral mais superficial nas zonas de recarga e descarga ocorre, principalmente, através de rochas metassedimentares. No entanto, estudos efectuados conduziram à hipótese de que a circulação profunda se possa efectuar através das rochas graníticas subjacentes aos metassedimentos. Na zona de descarga, o fluxo hidromineral depende fundamentalmente de estruturas paralelas à falha de Régua-Verin e de forma menos significativa, de estruturas relacionadas com a falha do Douro. Desta forma, a tectónica, desempenha um papel fundamental na infiltração, na recarga, na circulação profunda e na ascensão da água mineral. 4.3 Recursos energéticos 4.3.1 Carvão A extracção de carvão, que se enquadra no agrupamento das metantracites (Sousa, 1973, 1978), ocorreu ao longo do Sulco Carbonífero Dúrico-Beirão, nos afloramentos correspondentes à Bacia Carbonífera do Douro, destacando-se o Couto Mineiro de S. Pedro da Cova e o Couto Mineiro do Pejão. Ao primeiro pertencem as minas de S. Pedro da Cova, Midões, Gens, Covelo, etc. O couto mineiro do Pejão estende-se desde Germunde, na margem esquerda do rio Douro, até Paraduça, numa distância de cerca de 9 Km. Há notícias da descoberta do carvão em Ervedosa, nos finais do séc.XVIII, tendo início a sua exploração regular em 1804, na região de S. Pedro da Cova. A partir de 1957 as minas mais pequenas foram abandonadas e em 1972 o Couto Mineiro de S. Pedro da Cova suspendeu a lavra (Sousa, 1984a). No Couto Mineiro do Pejão, a mina de Germunde, a última onde se procedeu à exploração por lavra subterrânea, suspendeu a sua actividade em 1994, tendo-se extraído anualmente cerca de 287 000 toneladas brutas de carvão, das quais aproximadamente 215 000 toneladas comerciais (Jesus & Gaspar, 1997). As escombreiras da mina do Pejão foram incluídas num projecto nacional de recuperação de minas abandonadas que visa diminuir o seu impacte ambiental. A suspensão da exploração do carvão conduziu a um agravamento da taxa de desemprego da população, que na sua maioria dependia quase exclusivamente da actividade mineira devido à ausência de actividades económicas alternativas na região. Os carvões da BCD foram utilizados como combustível, em usos domésticos e 103 Eugénia Araújo Cap.IV - Recursos Minerais e Energéticos do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão industriais, sobretudo durante as guerras mundiais (Sousa, 1984a). Desde 1960, a principal utilização foi o abastecimento da Central Termoeléctrica da Tapada do Outeiro, sendo alguma quantidade destinada às cimenteiras, para o fabrico de cal hidráulica e de cimento, tendo sido também utilizado com sucesso como agente redutor na indústria metalúrgica (Sousa, 1984a; Jesus & Gaspar, 1997). 4.3.2 Aproveitamentos hidroeléctricos As características morfológicas do rio Douro, associadas ao regime do rio, conferem-lhe uma feição excepcionalmente adequada ao aproveitamento hidroeléctrico (Centro de Produção Douro, 1992). Ao longo do troço nacional e internacional do rio Douro estão instalados oito aproveitamentos hidroeléctricos: Miranda, Picote, Bemposta, Pocinho, Valeira, Régua, Carrapatelo e Crestuma-Lever. No sector em estudo existem quatro barragens, nomeadamente a de Crestuma-Lever, Carrapatelo e da Régua, localizadas no rio Douro, e a do Torrão localizada no rio Tâmega, um dos seus principais afluentes (Figura 59). Figura 59 – Localização das barragens de Crestuma, do Torrão, do Carrapatelo e da Régua (EDP, 1992). A barragem de Crestuma-Lever, a última a ser construída no troço nacional do rio Douro, entrou em funcionamento em 1986, a potência instalada é de 105 MW e produção média anual de 399 GWh. É o aproveitamento hidroeléctrico situado mais a jusante no troço nacional do rio Douro, a cerca de 13 Km da cidade do Porto. A água da sua albufeira é utilizada para o abastecimento de água às cidades do Porto e de Gaia. A sua capacidade total é de 110 milhões de metros cúbicos, sendo apenas de 16 milhões o volume utilizável em exploração normal. A barragem é do tipo móvel, o 104 Eugénia Araújo Cap.IV - Recursos Minerais e Energéticos do vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão que significa que em situação de grandes cheias as comportas são elevadas acima do nível das águas, ficando apenas os pilares a obstruir a corrente. O aproveitamento hidroeléctrico de Carrapatelo foi o primeiro a ser construído no troço nacional do rio Douro e localiza-se junto do lugar de Mourilhe, no concelho de Cinfães, a cerca de 8 Km desta vila. Entrou em funcionamento em 1971, com a potência instalada de 180 MW e uma produção média anual de 949 GWh. Dos aproveitamentos hidroeléctricos do troço nacional é o que tem maior desnível, cerca de 36 m. A sua albufeira tem uma extensão de 40 Km e uma capacidade total de 148 milhões de metros cúbicos, no entanto a sua capacidade útil é de apenas 16 milhões de metros cúbicos. O aproveitamento hidroeléctrico da Régua (Bagaúste) entrou em exploração no ano 1973. A potência instalada é de 156 MW e a produção média anual de 738 GWh. Localiza-se a montante da cidade de Peso da Régua, próximo da povoação de Bagaúste. A albufeira estende-se por cerca de 43,5 Km e a sua capacidade total é de 95 milhões de metros cúbicos, sendo no entanto utilizados apenas 13 milhões em exploração normal. Os três aproveitamentos hidroeléctricos referidos estão equipados com eclusas de navegação (Figura 60), não impedindo que o rio Douro deixasse de ser uma via de comunicação e de transporte, e com eclusas de peixes do tipo “Borland”. Figura 60 - Eclusa de navegação da barragem da Régua (Bagaúste). A construção das barragens contribuiu para a melhoria das condições de navegabilidade do rio Douro, tendo promovido o desenvolvimento das actividades turísticas e de lazer, nomeadamente a prática de desportos náuticos, as regatas e os cruzeiros e a criação de emprego, potenciando o desenvolvimento económico e social das regiões onde se encontram. 105 Capítulo V Cheias do rio Douro Eugénia Araújo As Cap.V - Cheias do rio Douro cheias do rio Douro, pela sua dimensão, efeitos e espectacularidade, constituem um tema cuja abordagem se mostra pertinente. A sua ocorrência está fortemente relacionada com a geomorfologia da Bacia e em particular com a forma estreita e encaixada do vale. A referência às cheias é feita de uma forma sintética, destacando-se as principais cheias, o seu período de retorno e a influência da construção das barragens no controlo das cheias. Na bacia hidrográfica do rio Douro, alguns locais sofrem frequentemente os efeitos das cheias. As localidades mais afectadas são as que se localizam em zonas mais baixas da bacia e que apresentam ocupação urbana. Destacam-se as cidades do Porto, Vila Nova de Gaia e Peso da Régua. A cheia mais antiga de que há conhecimento é a de 1526, mas em Espanha existem referências desde o ano de 1256 (Aires et al., 2000b). No Douro Internacional, o limnígrafo mais antigo é o de Bemposta, que entrou em funcionamento em 1945, e no Douro Nacional é o da Régua, que remonta a 1944 (Aires et al., 2000b). A maior cheia de que há registo foi a de 1727, tendo atingido em Peso da Régua um caudal de 14000m3/s (Figura 61) e uma altura de cerca de 20 m acima do nível de estiagem e no Porto uma altura de cerca de 4 m acima do cais da Ribeira. Figura 61 – Cheias históricas na Régua acima do limiar 10000m3/s com sobreposição das cheias no último decénio (Rodrigues et al., 2003). Pode-se concluir que houveram anos sucessivos em que ocorreram cheias de grande magnitude (1909 e 1910) (Figura 62) e longos períodos sem a ocorrência de cheias dessa magnitude (por exemplo, de 1910 a 1962). Salienta-se também o facto que desde 1989 não ocorrem cheias de magnitude igual ou superior a 10000 m3/s. Os valores de ponta de cheia registados em Janeiro de 2003 (com cerca de 7400 m 3/s) foram inferiores quer aos da cheia de Janeiro de 2001 (com 8550 m3/s) (Figura 63), ou 108 Eugénia Araújo Cap.V - Cheias do rio Douro mesmo Março de 2001 (com cerca de 7600 m3/s), que coincidiu com a queda da Ponte Hintze Ribeiro, quer aos da cheia de 1996 (com cerca de 8900 m3/s). Figura 62 - A cheia de 1909 no cais da Ribeira e em Miragaia, no Porto (Fotos de Alvão). Figura 63 – Cheia de Janeiro de 2001 na Ribeira e em Gaia respectivamente (Fotos de D. Pereira). O carácter encaixado do rio Douro não promove a acumulação de sedimentos em períodos de cheia, ocorrendo uma grande subida dos níveis da água e limitada expressão lateral (Aires et al., 2000a). No entanto, em locais onde existem curvaturas 109 Eugénia Araújo Cap.V - Cheias do rio Douro controladas por zonas de falha, a probabilidade de encontrar estes sedimentos é maior (Aires et al., 2000a). O estudo destes depósitos revela-se importante na medida em que é possível obter dados sobre cheias com largos períodos de retorno, das quais não existe registo histórico (Pereira, 1999). Com base na totalidade dos registos históricos das cheias obtidos entre 1727 e a actualidade foi possível calcular o período de retorno das cheias, relacionando-o com a altura atingida pelas águas e com o caudal escoado (Figura 64 e Tabela I). Figura 64 – Altura das cheias do Douro no cais da Ribeira, a apartir de 1727; estimativa da altura atingida para cheias com período de retorno de 20 anos (Rt20), 50 anos (Rt50) e 100 anos (Rt100) (Pereira, 1999). Tabela I – Períodos de retorno associados a diferentes caudais de ponta de cheia na cidade de Peso da Régua (Rodrigues et al., 2003). Caudal (m3/s) Período de retorno (anos) 10500 10 12000 13 12625 14 13500 18 14125 22 15000 32 15625 45 16500 80 17125 125 18000 245 18625 390 110 Eugénia Araújo Cap.V - Cheias do rio Douro O elevado valor das pontas de cheia atingidas no rio Douro em território português deve-se à combinação de vários factores: intensidade de precipitação, forma da bacia hidrográfica (pouco alongada em relação aos seus afluentes), inclinação do leito do rio e dos seus afluentes e a constituição geológica da bacia (Aires et al., 2000a, 2000b). De acordo com a classificação das cheias em função dos seus efeitos, no Douro designam-se por extraordinárias as cheias que ultrapassam a cota dos + 6,00 m, medidos junto à ponte de D. Luis, na margem direita, por serem aquelas que galgam o cais da ribeira (Aires et al., 2000b). Na cidade de Peso da Régua, são consideradas cheias extraordinárias aquelas que inundam a Avenida João Franco, o que implica uma subida do nível do rio de 13 m (caudal ! 6000 m3/s). As cheias extraordinárias caracterizam-se por apresentarem um grande volume, rápida propagação, grande elevação do nível das águas, curta duração de 2 a 3 dias, uma vez que a descida do nível das águas é relativamente rápida (Aires et al., 2000b). Segundo os mesmos autores, o regime hidrológico do rio Douro em território nacional é do tipo pluvial oceânico, ocorrendo as cheias essencialmente no Inverno e as estiagens no Verão(Figura 65). Figura 65 – Distribuição mensal da ocorrência de cheias registadas entre 1526 e 1996 (Aires et al., 2000b). As cheias no rio Douro são agora menos frequentes, tendo-se registado um aumento do período de retorno para caudais entre os 4000 e os 8000 m3/s (Rodrigues et al., 2003) (Figura 66). Assim, para caudais de 6000 m3/s ou superiores, que ocorriam em média três vezes em cada dez anos, ocorrem agora duas vezes em cada dez anos. Este aumento da recorrência deve-se ao incremento da capacidade de armazenamento em Espanha, que deixa de ter influência a partir de períodos de retorno entre os 10 e os 20 anos. As cheias com caudais superiores a 10000 m3/s continuarão a decorrer com a recorrência anteriormente sentida. 111 Eugénia Araújo Cap.V - Cheias do rio Douro Figura 66 – Aumento do período de retorno das cheias na Régua nos últimos 30 anos (Rodrigues et al., 2003). Aquelas condições reflectem o facto de as condições de escoamento do rio Douro já não serem naturais, devido a intervenções humanas, como a construção de barragens, que alteraram o seu perfil e consequentemente o regime fluvial (Figura 67, Tabela II). Figura 67 – Perfil do rio Douro. (Fonte: Centro de Produção Douro, 1992) 112 Eugénia Araújo Cap.V - Cheias do rio Douro Tabela II – Armazenamento teórico disponível nas albufeiras do troço português e internacional do rio Douro (Rodrigues et al., 2003). Albufeira Capacidade (hm3) Miranda 28 Picote 63 Bemposta 130 Aldeadavila 115 Saucelle 169 Pocinho 83 Valeira 97 Régua 95 Carrapatelo 148 Crestuma 110 Total 1038 As últimas cheias de 27 de Dezembro de 2002 e de 3 de Janeiro de 2003 mobilizaram volumes de escoamento de 2125 e 1767 hm3, respectivamente, o que significa que para reter estes caudais teria de se proceder por duas vezes ao armazenamento, sem tempo para recuperação, do dobro do que a capacidade teórica das albufeiras anteriores permitem (Rodrigues et al., 2003). Assim, os dados vêm demonstrar que os aproveitamentos a fio de água não são albufeiras de armazenamento e daí a sua reduzida influência no controlo e na minimização das consequências das cheias no rio Douro. O facto de existir um desnível muito reduzido entre montante e jusante durante as cheias impede a produção de electricidade, por não haver praticamente altura de queda para turbinamento (Figura 68). Figura 68 – Cheia de 1978 na Barragem do Carrapatelo (caudal de ponta – 10170 m3/s). ( Foto extraída de “Aproveitamento Hidráulico do Douro”, EDP, 1986 in Rodrigues et al., 2003) 113 Eugénia Araújo Cap.V - Cheias do rio Douro No território espanhol apenas as albufeiras de Almendra, no rio Tormes (afluente da margem esquerda do troço internacional do rio Douro) e de Ricobayo, no rio Esla (afluente da margem direita do rio Douro, próxima à fronteira de Miranda), possuem albufeiras com capacidade para reter volumes significativos, com capacidades de armazenamento de 2586 hm3 e de 1178 hm3 respectivamente. A capacidade de armazenamento nos dois afluentes espanhóis é cerca de quatro vezes superior à capacidade de armazenamento nos dez aproveitamentos a fio de água referidos anteriormente (Tabela II). 114 Capítulo VI Aplicação do conhecimento geológico ao turismo da região – proposta de guia geoturístico Guia Geoturístico do percurso fluvial Porto-Pinhão Introdução O vale do rio Douro proporciona aos seus visitantes paisagens magníficas onde se fundem os aspectos culturais, históricos e geológicos. O que hoje observamos no vale do rio Douro resultou da acção conjunta das suas gentes ao longo de gerações, da forma como povoaram e fizeram o aproveitamento do solo, bem como das caracteríticas geológicas desta região, que influenciaram a forma como a acção humana decorreu. É nesta região que é produzido o Vinho do Porto, onde a geologia, entre outros factores naturais, contribui para a excelência deste vinho. A geologia é a ciência que estuda a Terra e tem grande relevância nesta região, tendo um papel essencial na beleza e atractividade turística da paisagem duriense. Do conjunto de temas ou disciplinas que são tratadas no âmbito da Geologia, a Geomorfologia merece destaque nesta região, pois estuda as formas de relevo e a sua interpretação. Neste guia, ao longo do percurso fluvial Porto-Pinhão, são abordados os aspectos geológicos mais importantes, relacionando-os sempre que possível com a história e cultura dos locais. Para uma melhor compreensão e enquadramento desta região única e particular do Douro, a Geologia será abordada num contexto mais amplo, em especial do Norte de Portugal. Faz-se referência à formação das rochas que existem no vale do rio Douro e à sua evolução ao longo do tempo geológico. Pretende-se que todos os visitantes compreendam o que estão a observar e ir além da mera contemplação, suscitando-lhes um papel mais activo na interpretação da paisagem duriense, pois um conhecimento mais profundo desta região, nomeadamente no âmbito da geologia, resultará certamente numa maior satisfação. Conhecer a história geológica do vale do rio Douro é um desafio mas de certeza que o vai surpreender! Este guia está integrado num trabalho de tese de mestrado em Ciências do Ambiente, efectuado no Departamento de Ciências da Terra da Universidade do Minho e constitui o capítulo VI desse trabalho. Assim, se pretender obter informação mais detalhada sobre os aspectos geológicos da região, bem como sobre a temática do Património Geológico e do geoturismo, poderá consultar o referido trabalho intitulado “Geoturismo: conceptualização, implementação e exemplo de aplicação ao vale do rio Douro no sector Porto-Pinhão”. Considerações iniciais - formato do guia (layout) Percurso Porto-Pinhão, com sinalização do local onde nos encontramos. Tempo aproximado de duração do percurso, a localidade e o tema aí abordado. Numeração dos pontos de interesse. Áreas temáticas em que se enquadra a informação que será abordada em cada ponto de interesse. Espaço destinado para a informação que será fornecida em cada ponto de interesse. Nos casos em que se justifica, em alguns pontos de interesse existirá no informação verso da adicional, página que é complementar da informação já fornecida, onde se aprofundam, alguns aspectos geológicos. Os textos e informações que integram este guia resultam de um trabalho de pesquisa de campo efectuado pelo autor e de um trabalho de pesquisa bibliográfica. Por uma questão de simplicidade e facildade de leitura são em geral evitadas essas referências ao longo dotexto. No fim do guia existe um glossário de alguns termos geológicos. 121 Tempo: 00h:00 min Local: Ribeira Tema: Enquadramento geográfico do percurso Partida O percurso fluvial que se irá efectuar é realizado no rio Douro, cuja bacia hidrográfica se localiza na Península Ibérica, abrangendo por isso quer território português, quer território espanhol (Figura 69). O trajecto será efectuado apenas em território português, especificamente entre a cidade do Porto e a vila do Pinhão, numa extensão de cerca de 125,8 Km (Figura 70). A bacia hidrográfica do rio Douro corta longitudinalmente a Península Ibérica com uma orientação dominante Este-Oeste. A sua área é de 97603 Km2, sendo 78960 Km2 em Espanha (80,9%) e os restantes 18643 Km2 (19,1%) em Portugal. A bacia hidrográfica do rio Douro é a que possui maior área, quando comparada com as restantes bacias peninsulares. O rio Douro é um dos rios mais extensos da Península Ibérica (o terceiro maior, depois do Tejo e do Ebro) e do seu percurso total, 927 Km, 208 Km (22%) situam-se em Portugal, 122 Km (13%) servem de fronteira (Douro Internacional) e 597 Km, situam-se em Espanha. O rio Douro nasce a cerca de 1700 m de altitude, na Serra de Urbion em Espanha e desagua no Oceano Atlântico, junto à cidade do Porto. Figura 69 – Bacia hidrográfica do rio Douro. 123 Hidrologia A Figura 70 – Enquadramento geográfico do percurso fluvial Porto-Pinhão. A – Enquadramento da bacia hidrográfica do rio Douro na Europa. B – Bacia hidrográfica do rio Douro com indicação da percentagem que se encontra em território português e em território espanhol. C – Enquadramento do percurso fluvial PortoPinhão na bacia hidrográfica do rio Douro em território português. B C 124 Tempo: 00:05 min Local: Ribeira Tema: Vale do Douro na foz Nas margens do rio Douro, junto à sua foz, estão implantadas duas importantes cidades, a 1 cidade do Porto, na margem norte, e a cidade de Vila Nova de Gaia, na margem sul. Daí, existir nesta zona um denso povoamento que assenta em rochas designadas por granitos. Ao contrário da maioria dos rios e apesar da proximidade da foz, o leito do rio Douro encontra-se bastante encaixado o que origina margens muito inclinadas, como nos revelam as escarpas dos Guindais, a norte, e da Serra do Pilar, a sul. A escarpa granítica dos Guindais tem revelado alguma instabilidade, tendo ocorrido num passado recente queda de blocos e escorregamentos de terrenos. Este comportamento relaciona-se com a intensa fracturação do granito. As fracturas são o resultado de esforços tectónicos que afectaram a rocha. Estes incidentes conduziram à tomada de medidas para a sua estabilização que culminou com a construção de muros de protecção (Figura 71). Esta medida correctiva promove a segurança dos que utilizam e passam neste local, prevenindo acidentes que podem causar danos humanos e materiais. Figura 71 – Escarpa dos Guindais com muros de estabilização. 125 Tectónica Tempo: 00h:10 min Local: Ponte da Arrábida Tema: As pontes 2 O leito encaixado do rio Douro desde sempre dificultou a comunicação entre as duas margens, cuja ligação se foi tornando ao longo do tempo essencial. Por isso, foram sendo construídas várias pontes (Quadro I). Actualmente, existem seis pontes a ligar a cidade do Porto e de Vila Nova de Gaia: ponte da Arrábida, ponte de D. Luís I, ponte do Infante D. Henrique, ponte D. Maria Pia, ponte de S. João e ponte do Freixo. Daqui adveio a designação de “Cidade das Pontes” para a cidade do Porto. Embora estas sejam as pontes que actualmente podemos observar na cidade do Porto, outras existiram em tempos mais remotos, como é o caso da Ponte das Barcas (Figura 72) e da Ponte Pênsil (Figura 73). História Quadro I – Pontes sobre o rio Douro que ligam e ligaram a cidade do Porto à cidade de Vila Nova de Gaia. Nome Data de inauguração Tipo de circulação Barcas Pênsil D. Maria Pia D. Luís Arrábida S. João Freixo Infante D. Henrique 1806 1843 1877 1886 1963 1991 1995 2002 Pedonal Pedonal Ferroviária Rodoviária Rodoviária Ferroviária Rodoviária Rodoviária A montante existem ainda outras pontes que permitem a ligação entre as duas margens do rio Douro. Figura 73 – Pintura antiga onde é retratada a Ponte Pênsil. Figura 72 – Pintura antiga onde é retratada a Ponte das Barcas. 127 Quadro II – Algumas particularidades das pontes que ligam e ligaram a cidade do Porto à cidade de Vila Nova de Gaia. Nome Particularidades Foi a primeira ponte sobre o rio Douro e o seu nome deve-se ao facto desta ponte ter sido construída com barcas, ligadas com amarras de ferro e nas quais assentava madeira. Devido à forma como foi construída e à matéria prima utilizada, esta ponte subia e descia consoante a variação do nível da água e abria e fechava para permitir a passagem dos barcos que navegavam no rio Douro. A esta ponte está associado um acontecimento trágico, aquando da 2ª invasão francesa. A 26 de Março de 1809, as tropas francesas comandadas pelo General Soult realizaram um cerco à cidade do Porto, que pouco tempo resistiu à investida. No dia 29 de Março, os franceses conseguem romper a defensiva portuense e um grande número de populares desesperados, homens, crianças e mulheres, querendo fugir, tentam alcançar a outra margem, atravessando a então existente Ponte das Barcas. Esta, devido ao peso e ao balanço cedeu num dos troços e uma larga abertura na estrutura da ponte fez com que morressem afogadas cerca de quatro mil pessoas. A esta tragédia foi feita uma homenagem através de um painel conhecido por “Painel das Almas”, realizado em 1897 e colocado no cais da Ribeira, no local onde existia a ponte. A Ponte das Barcas foi posteriormente reconstruída e só deixou de existir em 1843, quando a Ponte Pênsil foi inaugurada. Apesar de ser conhecida como Ponte Pênsil, esta foi oficialmente designada por Ponte D. Maria II, uma vez que as obras de construção tiveram início em maio de 1841, no dia de aniversário de coroação de D. Maria II. Foi desactivada em 1887 e actualmente os vestígios desta ponte reduzem-se a dois obeliscos(pilares de cantaria) existentes na margem direita do rio, junto à ponte D. Luís I. É a mais antiga das pontes actualmente existentes a ligar a cidade do Porto à cidade de Vila Nova de Gaia. Esta ponte é uma obra da autoria de Gustave Eiffel e esteve em funcionamento durante 114 anos até à abertura da Ponte S. João. Foi encerrada em 1992, mas continua a ser possível admirar a sua beleza, tendo sido classificada como Monumento Nacional em 1982. A ponte foi construída por um discípulo de Eiffel, o engenheiro Teófilo Seyrig. Tem dois tabuleiros metálicos sustentados por um grande arco de ferro e cinco pilares. O tabuleiro superior mede 392 metros de comprimento e 5 metros de largura enquanto o inferior tem 174 metros de comprimento e 5 de largura. Foi classificada como Imóvel de Interesse Público em 1982. A Ponte da Arrábida, a segunda a ser construída para circulação rodoviária manteve durante algum tempo o recorde mundial para pontes em arco de betão armado. Constituíu uma das obras de maior importância para o desenvolvimento do país, tendo sido a primeira ponte sobre o rio Douro a ser inteiramente realizada pela engenharia portuguesa. A Ponte de S. João foi construída com o intuito de substituir a velha Ponte D. Maria Pia, uma vez que esta não oferecia condições de segurança, para além de limitar a velocidade e a carga dos comboios mais modernos, foi inaugurada a 24 de Junho de 1991, dia em que é celebrado o S. João na cidade do Porto. A Ponte do Freixo, localizada já no extemo da cidade, possui 8 faixas de circulação rodoviária. Distingue-se estruturalmente das outras pontes, possuindo duas vigas gémeas afastadas 0,10 m ao longo da sua extensão, daí muitas vezes se referir esta ponte como se tratando de ponte dupla. A Ponte Infante D. Henrique possui duas faixas de rodagem em cada sentido. Apresenta um vão de arco com 280 metros, que constitui um recorde mundial. Um enorme arco de betão une a margem norte à margem sul e foi construída com o objectivo de substituir o tráfego rodoviário que se efectuava no tabuleiro superior da Ponte D. Luís, que vai ser usado para a passagem do Metropolitano de Superfície do Porto. Barcas Pênsil D. Maria Pia D. Luís Arrábida S. João Freixo Infante D. Henrique 128 Tempo: 00h:22 min Local: Campanhã Tema: Palácio do Freixo O Palácio do Freixo, localizado na margem norte, é um edifício do século XVIII, da 3 autoria do arquitecto italiano Nicolau Nazoni (Figura 74 e Figura 75). Constitui um excelente exemplo do barroco português. O edifício foi mandado construir pelo Cónego Jerónimo de Távora e Noronha, que queria um palácio de Verão na sua Quinta do Freixo. Por volta de 1850 foi vendido a António Afonso Velado, um comerciante que recebeu o título de Barão e mais tarde o de Visconde do Freixo. Este, realizou obras de remodelação que vieram a alterar significativamente a arquitectura de origem do edifício. Está classificado como Património Nacional desde 1910. Em 1984, foi adquirido pelo Ministério do Trabalho e passado dois anos sofreu um grande incêndio, o que levou à realização de História obras de recuperação que foram encomendadas a Fernando Távora, descendente do primeiro proprietário do palácio. Figura 74 – Palácio do Freixo voltado para o rio Douro. ! Figura 75 – Sala dos espelhos do Palácio do Freixo (Fotografia de António Amen). 129 Museu da Ciência O Museu da Ciência e da Indústria, contíguo ao Palácio do Freixo, localiza-se no antigo edifício das Moagens Harmonia (Figura 76). Foi construído em 1891-92 e a Companhia de Moagens Harmonia SA fundada em 1918. Utilizava um processo de fabrico importado da Alemanha, caracterizado pela utilização de moinhos que moíam o cereal através de dois cilindros em ferro fundido horizontais, um liso e outro estriado. A arquitectura do edifício obedece às características necessárias numa fábrica com este tipo de produção, como a existência de amplos salões e muitos pisos, onde se localizavam de forma combinada as várias máquinas, por forma a produzir uma variedade de farinhas. No exterior é possível observar a verticalidade das fachadas, onde se encontram um conjunto de janelas e portas e uma grande chaminé. Desde 1998 que neste edifício funciona o Museu da Ciência e da Indústria onde só posteriormente foram realizadas as obras necessárias para recuperar e adaptar o edifício ao funcionamento do museu. Este possibilita um percurso interpretativo e observação da antiga fábrica, onde os visitantes revivem o circuito de laboração. Existem ainda espaços destinados a exposições temporárias ou permanentes no âmbito da Ciência e da Indústria, espaços de animação cultural, centro de documentação e arquivo, loja, livraria e restaurante. No exterior, existem os terraços que constituem um lugar privilegiado para disfrutar o rio Douro. Desta forma, este espaço é dedicado à história da indústria na cidade do Porto, salientando o impacto que teve a nível social e económico nos séculos XIX e XX. Figura 76 – Museu da Ciência e da Indústria na margem direita do rio Douro, junto ao Palácio do Freixo. 130 Tempo: 00h:32 min Local: Avintes Tema: Praias fluviais A praia fluvial de Avintes na margem sul (Figura 77) resulta da acumulação de areia que 4 ocorre neste local. São várias as praias fluviais existentes no percurso que será efectuado e ocorrem normalmente associadas à face interna da curvatura do rio, ou seja, à parte convexa dessa curvatura. Nas zonas do rio onde o trajecto é curvo, a erosão ocorre preferencialmente na parte côncava e a acumulação dos materias erodidos na zona convexa, onde podem formar-se as praias fluviais, se a quantidade de sedimentos acumulados for considerável (Figura 78). O canal navegável está assim deslocado no sentido da margem côncava como podem constatar ao longo do percurso. Hidrologia Figura 77 – Praia fluvial de Avintes. Figura 78 – Nas curvaturas de um rio ocorre erosão (E) na parte côncava e acumulação de sedimentos (S) na parte convexa, onde podem surgir as praias fluviais (Carvalho, 2003). 131 Tempo: 00h:57 min Local: Arnelas Tema: Afluentes do Douro Vilas ribeirinhas Na margem norte encontra-se a foz do rio Sousa, um dos afluentes importantes do rio 5 Douro. O rio Douro recebe ao longo do seu percurso os caudais de vários rios. Na margem norte, para além do rio Sousa destacam-se o rio Tâmega, o rio Corgo e o rio Pinhão. Na margem sul destacam-se o rio Arda, o rio Paiva, o rio Varosa e o rio Távora (Figura 79). Na margem sul encontra-se a povoação de Arnelas, uma das mais características vilas ribeirinhas do rio Douro, que tal como outras vilas ribeirinhas, teve uma forte tradição de pesca fluvial. Esta, foi em tempos, uma actividade importante das povoações ribeirinhas. Bogas, barbos, escalos, muges e enguias eram as espécies mais comuns, para além da lampreia e do sável que subiam o rio Douro para desovar. No entanto, esta actividade História entrou em declínio aquando da construção das barragens, que impossibilitaram, por exemplo, a subida do rio Douro pela lampreia e pelo sável. As pessoas eram atraídas pela proximidade da água e pelo facto do rio poder constituir uma via de comunicação. Não foram muitas as populações que se fixaram mesmo junto ao rio, pois quer as cheias quer as condições extremamente secas que se fazem sentir no Verão ou ainda o relevo acidentado (Figura 80) funcionaram como factores de repulsão das populações para fora das margens do rio Douro. Desta forma, os núcleos populacionais mais antigos da região surgiram no alto das encostas, onde o clima era mais húmido e onde a terra era mais fácil de cultivar. Só mais tarde, o cultivo da vinha atraíu a população, originando núcleos populacionais, ainda que raros, nas margens e uma crescente humanização do vale. As povoações ribeirinhas caracterizam-se por serem geralmente pequenas e com as habitações concentradas. Escala 0 10Km Figura 79 – Afluentes do rio Douro no sector Porto-Pinhão. 133 Hidrologia Figura 80 – Mapa hipsométrico do norte de Portugal (Fonte: Atlas do Ambiente). 134 Tempo: 1h:02 min Local: Montante de Arnelas Tema: Rochas Metamórficas Tempo Geológico A montante da vila ribeirinha de Arnelas, começam a surgir na margem sul alguns 6 afloramentos de rochas genericamente designadas por xistos.. Os xistos são rochas metamórficas que quando observadas à vista desarmada apresentam grão muito fino e um empilhamento de finas lâminas, característica conhecida por xistosidade, que promove a fácil desagregação desta rocha. Rochas Metamórficas Existe uma relação entre a largura do vale e as rochas atravessadas pelo rio. Normalmente as margens são mais abertas quando são atravessadas por xistos, que decorre do facto de ser mais fácil desagregar esta rocha quando comparada com outras rochas que nos vão surgir ao longo do percurso e às quais vai corresponder um vale mais estreito. Os xistos que observamos têm origem em sedimentos depositados num mar primitivo durante o Câmbrico, o primeiro período da Era Paleozóica (Figura 81). Salienta-se assim que estas rochas tiveram origem há cerca de 500 Milhões de anos (Ma) (Para a idade das rochas é utilizada uma escala do tempo específica, a Escala do Tempo Geológico (Figura 72). Nesta escala o tempo encontra-se dividido em períodos, que por sua vez se agrupam em eras). Era Período Neogénico 23.03 Paleogénico 65.5 Cenozóico Mesozóico Paleozóico Idade (Milhões de anos – Ma) Cretácico 145.5 Jurássico 199.6 Triássico 251.0 Pérmico 299.0 Carbonífero 359.2 Devónico 416.0 Silúrico 443.7 Ordovícico 488.3 Câmbrico 542.0 Pré-Câmbrico 4600 Figura 81 – Escala do Tempo geológico. 135 Nota: O termo xisto será genericamente utilizado para rochas com as características referidas, apesar de em algumas situações e numa análise mais detalhada não ser o mais correcto. Tempo geológico Os processos geológicos não ocorrem à escala do tempo humano e têm estado activos desde a formação do planeta Terra, à cerca de 4600 Ma. Por isso, como na Geologia não se pensa no tempo em horas ou semanas mas antes em muitos milhões de anos, os geólogos criaram a escala do tempo geológico. A definição dos períodos geológicos é baseada na ocorrência de particulares eventos geológicos, no predomínio de animais e plantas característicos ou, mais frequentemente, pela combinação de ambos. O Paleozóico inferior, do qual faz parte o Câmbrico é caracterizado pela abundante ocorrência de trilobites, fóssil encontrado frequentemente em rochas desta idade e em particular nesta região (Figura 82). Figura 82 – Trilobite (7cm) do Ordovícico de Valongo. Classificação das rochas As rochas são classificadas em ígneas, sedimentares e metamórficas de acordo com o processo que lhes deu origem. Ao longo do nosso percurso surgem rochas dos três tipos (Figura 83): - os granitos, que são rochas ígneas, foram consolidados a grandes profundidades a partir de magmas que se encontravam inicialmente a temperaturas muito elevadas; - os xistos e os quartzitos, que são rochas metamórficas formadas a partir da transformação de outras rochas; - as areias, que são rochas sedimentares resultantes do transporte e acumulação de materiais resultantes da alteração e desagregação de rochas pré-existentes. N Legenda: Xistos, conglomerados e grauvaques (Pré-Câmbrico/Câmbrico) Xistos, arenitos e quartzitos (Ordovícico médio e superior) Quartzitos, conglomerados e xistos (Ordovícico inferior) Xistos (Silúrico) Xistos e quartzitos (Devónico) Xistos, arenitos e conglomerados (Carbonífero) Granitos Figura 83 – Carta litológica simplificada que enquadra o percurso fluvial Porto-Pinhão. Ciclo das rochas: ver página 138 136 Tempo: 1h:15 min Local: Crestuma Tema: Barragens 7 Entre a cidade do Porto e a vila do Pinhão existem três barragens (Figura 84). A primeira a surgir neste percurso é a barragem de Crestuma-Lever. Esta barragem foi a última a ser construída no troço nacional do rio Douro, tendo entrado em funcionamento em 1986. Apresenta um desnível de 13.20 m e tem uma potência instalada de 105 MW. Na sua albufeira, com uma capacidade total de 110 metros cúbicos, encontram-se as captações para abastecimento de água potável às cidades do Porto e de V. N. De Gaia. As barragens estão equipadas com eclusas de navegação, que permitem o tráfego fluvial no rio Douro, que continua a ser uma via de comunicação e transporte importante. Recursos Energéticos Para além das eclusas de navegação estas barragens possuem eclusas de peixes do tipo “Borland”. A construção das barragens regularizou o leito do rio outrora com águas violentas, responsável por muitos dos naúfragos que ocorreram. Hoje em dia e graças à construção das barragens ocorreu uma melhoria das condições de navegabilidade do rio Douro, sendo possível navegar com segurança pelas suas águas. Tal facto, promoveu o desenvolvimento de algumas actividades turísticas como os cruzeiros fluviais ou os desportos náuticos, para além de ter criado postos de trabalho, potenciando o desenvolvimento económico e social das regiões onde se encontram. Contudo, as barragens, como a maior parte das obras de engenharia, descaracteriza o vale do Douro, retirando-lhe a beleza selvagem que o caracterizava, como o leito rochoso, cascatas e vales mais profundos do que hoje é possível observar. N Escala 0 10Km Figura 84 – Localização das barragens no percurso Porto-Pinhão. A barragem do Torrão está localizada no rio Tâmega, um dos afluentes do rio Douro. 137 Os três tipos de rochas referidos anteriormente relacionam-se entre si através de um ciclo, denominado ciclo das rochas ou ciclo litológico (Figura 85). Este ciclo sintetiza o conjunto de processos sofridos pelas rochas ao longo do tempo que ocorrem no interior e à superfície da Terra. 1. Meteorização e Erosão Rochas sedimentares 3 2 2. Transporte Sedimentação Diagénese Rochas metamórficas 1 Sedimentos 3. Metamorfismo 4. Fusão 5. Arrefecimento e solidificação 3 1 4 Rochas magmáticas 5 Magma Figura 85 – Esquema representativo do ciclo litológico (as setas representam os processos geológicos referidos pelos números de 1 a 5). 1. Uma vez expostas à superfície, as rochas sofrem meteorização e erosão originando sedimentos. 2. Estes depois de transportados pela água e pelo vento, depositam-se - sedimentação. São exemplos as areias das praias fluviais já observadas. Os sedimentos podem ser depois compactados e ligados entre si – diagénese – originando as rochas sedimentares. 3. Com o afundamento das rochas sedimentares, aumenta a pressão e a temperatura que conduzem à sua transformação em rochas metamórficas - metamorfismo. 4. Se a temperatura continuar a aumentar pode provocar a fusão das rochas, originando o magma, que após arrefecimento, solidifica originando rochas magmáticas. Estas podem-se formar à superfície devido a processos vulcânicos, ou no interior da Terra. No entanto, pode acontecer, por exemplo, que as rochas sedimentares em vez de originarem rochas metamórficas originem rochas magmáticas, ou as rochas metamórficas em vez de originarem rochas magmáticas originem outras rochas metamórficas ou até rochas sedimentares. 138 Tempo: 1h:43 min Local: Broalhos Tema: Central Termoeléctrica Na margem norte encontra-se o edifício da Central Eléctrica da Tapada do Outeiro. Foi 8 construída em 1959 para produzir energia eléctrica em períodos estivais, quando a produção hidroeléctrica era reduzida, mas actualmente já não está em funcionamento. Utilizava como combustível o carvão extraído das minas de S. Pedro da Cova e do Pejão. O transporte do carvão explorado nas minas de S. Pedro da Cova para a central era assegurado por um cabo aéreo com cestos metálicos, que estabelecia a ligação entre as minas e esta central. Muito perto do antigo edifício foi construída uma nova central História eléctrica (Figura 86). Esta central, que entrou em funcionamento em 1998, produz energia Recursos Energéticos eléctrica a partir de gás natural e tem uma capacidade instalada de 990 MW. Figura 86 – Central eléctrica de ciclo combinado a gás da Tapada do Outeiro. 139 Tempo: 1h:57 min Local: Medas Tema: Xistos 9 Na margem sul é possível observar afloramentos de xistos (Figura 87), pertencentes ao Complexo Xisto-Grauváquico (CXG), uma unidade geológica mais recentemente designada por Grupo do Douro, à qual é atribuída uma idade entre o Pré-Câmbrico superior e o Câmbrico inferior. O Grupo do Douro é constituído por uma sequência de rochas metamórficas derivadas de rochas sedimentares. Os sedimentos resultantes da erosão das rochas superficiais acumularam-se num mar primitivo, há cerca de 550 milhões de anos, vindo a formar as rochas sedimentares. Posteriormente, estas rochas foram submetidas a condições de pressão e/ou temperatura elevadas que conduziram à sua transformação em rochas metamórficas. Seguiu-se uma evolução complexa e lenta que permitiu que estas rochas formadas em profundidade estejam hoje à superfície. Figura 87 – Xistos pertencentes ao Grupo do Douro, nas proximidades da barragem de Crestuma. 141 Rochas Metamórficas Formação dos xistos A formação das rochas metamórficas ocorre quando qualquer tipo de rocha é transformado em outro tipo através da actuação em profundidade dos factores de metamorfismo como a pressão e a temperatura. O metamorfismo pode ocorrer devido a um aumento da temperatura provocado pela ascensão de massas magmáticas ou estar associado ao afundamento de grandes extensões de massas rochosas, que ficam submetidas a condições elevadas de temperatura e/ou pressão. Neste último caso, as elevadas pressões conduzem a uma reorganização de certos minerais segundo um plano principal, o plano de xistosidade, o que origina a estrutura laminar em planos paralelos (xistosidade) que caracteriza os xistos. Modelo evolutivo Há cerca de 550 Ma, o adelgaçamento da crusta continental então existente permitiu a formação de uma depressão marinha. Aí, começaram a depositar-se os sedimentos resultantes da erosão dos continentes que limitavam essa depressão (Figura 88). Legenda: Sedimentos Falha Figura 88 – Formação de uma depressão marinha onde ocorre deposição de sedimentos. (modificado de Pereira et al., 2004) 142 Tempo: 2h:12 min Local: Lavercos Tema: Quartzitos 10 Os relevos pronunciados que se destacam no horizonte correspondem ao afloramento de rochas metamórficas muito duras, conhecidas por quartzitos (Figura 89). Os sedimentos que deram origem a estas rochas depositaram-se no Ordovícico, em ambienta litoral, à cerca de 495 milhões de anos. Estes relevos destacam-se na paisagem porque perduram no tempo à medida que as outras rochas vão sendo erodidas. O quartzito é uma rocha muito difícil de erodir pois é constituída essencialmente por grãos de quartzo aglutinados por metamorfismo. Assim, à medida que as outras rochas vão desaparecendo, os quartzitos permanecem como relevos residuais. Figura 89 – Quartzito, rocha dura e compacta, na estrada nacional 108, depois de Melres (ao Km 32). 143 Rochas Metamórficas Modelo evolutivo Tal como hoje acontece, também no passado os grãos de areia depositaram-se em ambiente costeiro, nas margens da depressão marinha referida anteriormente (Figura 90). Legenda: Sedimentos do Câmbrico Sedimentos do Ordovícico Falha Figura 90 – Mar primitivo onde se depositaram os sedimentos no Ordovícico por cima dos sedimentos do Câmbrico depositados anteriormente (modificado de Pereira et al., 2004). Esta depressão marinha foi evoluindo por alargamento, até se formar no Silúrico um oceano, caracterizado pela formação de uma nova crusta mais densa – crusta oceânica (Figura 91). No Devónico, a bacia oceânica começou a fechar o que provocou a colisão dos continentes que a limitavam (Figura 92). As rochas aí formadas foram então dobradas e fracturadas devido ao efeito da compressão. Legenda: Expansão do fundo oceânico Ascensão de magma Falha Figura 91 – Ruptura da crusta continental e formação de crusta oceânica. (modificado de Pereira et al., 2004). Legenda: Obducção Falha Colisão Subducção Figura 92– A partir do Devónico, ocorre a deformação das rochas devido a um movimento compressivo que conduz ao fecho do oceano primitivo (modificado de Pereira et al., 2004). 144 Tempo: 2h:17 min Local: Melres Tema: Praia fluvial – níveis de terraço 11 Em Melres observa-se uma praia fluvial, onde são visíveis níveis de terraço acima do nível das areias da praia. Estes níveis de teraço resultam da sedimentação correspondente a momentos intermédios durante o encaixe do rio Douro, que decorreu desde à cerca de 2 Ma (Figura 93). À medida que o rio se foi encaixando foi deixando acumulados alguns sedimentos, correspondentes a praias antigas e que hoje se encontram suspensos a cotas mais elevadas, devido a um actual maior encaixe do rio. Salienta-se neste local o contraste entre os depósitos de areia da praia fluvial e os relevos que se observam por detrás, correspondentes aos quartzitos. Hidrologia 1- Preenchimento do vale por aluviões. 2- Fase de encaixe do leito do rio nos aluviões, por efeito, por exemplo, do abaixamento do nível do mar e/ou levantamento tectónico do continente, com a formação do 1º nível de terraço. 3- Fase de novo aluviamento. 4- Fase de novo encaixe, com formação de um 2º nível de terraço. Figura 93 – Esquema representativo da formação dos níveis de terraço(Carvalho, 2003). 145 Tempo: 2h:25 min Local: Germunde Tema: Minas de Carvão do Pejão O Couto Mineiro do Pejão estende-se desde Germunde, na margem sul do rio Douro, até Paraduça, numa distância de cerca de 9 Km. Ao longo desta extensão ocorreu a 12 extracção de carvão nos xistos datados do Carbonífero, formados há cerca de 300 Ma (Figura 94). O carvão é uma rocha sedimentar, sendo também designado por combustível fóssil por ser utilizado para a obtenção de energia e por resultar da transformação, ao longo de milhões de anos, de restos de plantas. No Couto Mineiro do Pejão, a mina de Germunde suspendeu a lavra em 1994. A mina do Pejão foi posteriormente integrada num projecto de recuperação de minas abandonadas, de modo a evitar o impacte ambiental negativo das suas escombreiras. O carvão explorado foi utilizado como combustível na Central Termoeléctrica da Tapada do Outeiro, sendo para aí transportado através de teleférico a partir de Germunde, e nas cimenteiras, para o fabrico de cal hidráulica e de cimento. A extracção de carvão ocorreu em afloramentos do Carbonífero superior na designada Bacia Carbonífera do Douro (BCD), que se prolonga por cerca de 90 Km, cortando o vale do rio Douro próximo de Medas. O carvão surge em leitos intercalados nos xistos e é do tipo antracite. Existem outros tipos de carvão como a turfa, a lenhite e a hulha. A antracite é de todos os carvões o que possui um maior poder calorífico e é geralmente o que demora mais tempo a formar-se. N Escala 0 Legenda: Pré-Câmbrico/Câmbrico Carbonífero Granitos Ordovícico a Devónico Neogénico Falha provável 10Km Falha Figura 94 – Localização das rochas do Carbonífero onde ocorreu a extracção de carvão. 147 Recursos Energéticos Génese do carvão No Carbonífero, o clima quente e húmido permitiu o desenvolvimento de florestas luxuriantes constituídas por fetos arbóreos e outras espécies arborescentes localizadas em áreas pantanosas ou lagunares. Em determinadas condições os restos vegetais, como folhas, troncos e raízes, eram arrastados e depositados na água, originando camadas ricas em carbono orgânico. Por cima destes detritos depositaram-se rapidamente sedimentos resultantes da erosão das rochas que se encontravam à superfície, fazendo com que ficassem ao abrigo do ar. Nestas condições, pela acção conjunta de microrganismos (bactérias), do calor e da pressão, num processo complexo e lento, os detritos vegetais foram transformados em carvão – incarbonização (Figura 95). Na medida em que são as plantas que estão na origem do carvão, esta rocha é designada por rocha sedimentar biogenética. Figura 95 – Esquema representativo da formação do carvão (Jacob, 1973 in Anadón, 1989). 1- Existência de uma planície de inundação fluvial; 2- Início da formação de uma zona pantanosa; 3 – Desenvolvimento de uma floresta e formação de depósitos de carvão; 4- Isolamento dos depósitos de carvão. Modelo evolutivo Os restos vegetais que originaram os carvões foram depositados, juntamente com outros sedimentos, em depressões intramontanhosas formadas na sequência de movimentos tectónicos (Figura 96). O aumento da temperatura que promoveu a formação dos carvões, deveu-se para além do afundamento dos sedimentos à ascensão de magmas que ocorreu nesta altura. Legenda: Ascensão de magma Obducção Falha Falha provável Dobras Figura 96 – Deformação das rochas devido à compressão tectónica com consequente formação de uma cadeia montanhosa no Paleozóico superior. Deposição de sedimentos em depressões intramontanhosas em simultâneo com a ascensão de magmas . Acções tectónicas posteriores afundaram as rochas da BCD, que assim ficaram preservadas em profundidade. Após longo tempo, a erosão permitiu que os níveis de carvão atingissem a superfície, tornando possível a sua exploração. 148 Tempo: 2h:27 min Local: Pedorido Tema: Minas de Ouro e Antimónio As unidades geológicas pertencentes ao Anticlinal de Valongo, suportam um número 13 elevado de antigas explorações mineiras. Destacam-se as minas onde ocorreu a exploração de ouro (Au) e de antimónio(Sb) (Figura 97). Existem minas onde foi explorado simultaneamente o ouro e o antimónio, outras onde foi apenas explorado o ouro e ainda outras onde apenas se explorou o antimónio. Estas minas foram exploradas desde a altura da ocupação romana mas na actualidade nenhuma delas está em funcionamento. Salientam-se as minas de Montalto, da Tapada, Alto do Sobrido e das Banjas. Estes metais foram explorados a partir de rochas datadas do Précâmbrico/Câmbrico, Ordovícico e Carbonífero. N Recursos Minerais Legenda: Pré-Câmbrico/Câmbrico Carbonífero Neogénico Ordovícico a Devónico Granitos Minas de Au,Sb Falha Falha provável Figura 97 - Localização das minas de ouro e antimónio(modificado de Combes et al., 1992). 149 Origem dos jazigos minerais A origem dos minérios está intimamente associada ao movimento de fluidos, os fluidos mineralizantes, que podem estar associados a processos magmáticos, metamórficos ou sedimentares. Assim, os fluidos mineralizantes podem ser líquidos magmáticos, hidrotermais, água das chuvas, água do mar, água existente entre os sedimentos ou ainda fluidos metamórficos. Nos processos magmáticos, a constituição do magma é constantemente alterada e à medida que vai arrefecendo, os minerais que se vão formando através de um processo designado por cristalização fraccionada vão sendo depositados no fundo da câmara magmática, processo designado por diferenciação gravítica, o que possibilita a concentração de elementos metálicos nas rochas magmáticas resultantes. À medida que os processos anteriores ocorrem, porções de magma ricas em alguns metais podem intruir nas rochas que estão à sua volta e originar um depósito mineral. No decorrer da cristalização magmática a concentração de voláteis aumenta. Esta componente rica em voláteis, cujo principal constituinte é a água, tem a designação de fluido hidrotermal e pode separar-se do magma e deslocar-se através de fissuras, fracturas ou poros existentes nas rochas. À medida que migram através das rochas, os fluidos hidrotermais vão dissolvendo metais existentes na crusta, que podem ser concentrados e precipitados quando ocorrem variações de pressão e temperatura. Quando a precipitação ocorre em fracturas formam-se veios hidrotermais que podem ter desde alguns milímetros a metros de largura. Alguns depósitos minerais podem formar-se por metamorfismo que ocorre ao longo do contacto da intrusão magmática com as rochas encaixantes (auréola de contacto). Também pode acontecer que as águas das chuvas que penetram em profundidade possam ser postas em movimento e assim reagir com as rochas devido ao aumento da temperatura que acompanha as intrusões magmáticas. Estes fluidos arrastam consigo, ao longo de zonas permeáveis, componentes químicos que posteriormente podem precipitar e originar um depósito mineral (Figura 98). Figura 98 – Alguns processos de formação de depósitos minerais (modificado depois Woodcock, 1994 in Gray, 2004). 150 Tempo: 2h:42 min Local: Abitureira Tema: Quartzitos do Anticlinal de Valongo 14 Nas proximidades da povoação de Abitureira observam-se, agora mais de perto, os relevos pronunciados correspondentes às cristas quartzíticas do Ordovícico e que já há algum tempo se vinham a destacar no horizonte. A alternância de camadas de quartzo com alguns níveis de xistos destaca estruturas do tipo dobras, formadas por acção de compressão tectónica. Estas dobras encontram-se por sua vez integradas numa grande dobra conhecida por Anticlinal de Valongo (Figura 99). Rochas Metamórficas Salienta-se a quase inexistência de vegetação nos quartzitos, explicada pelo facto desta rocha ser muito resistente à erosão, o que dificulta a formação de um solo. Estes quartzitos são os responsáveis pela existência para noroeste de algumas elevações com cristas quartzíticas orientadas NW-SE, das quais se destacam a Serra de Santa Justa (367m), a Serra das Flores (mais alta, 519 m) e a Serra de Santa Iria (416 m). A grande resistência que os quartzitos oferecem à erosão traduz-se no estrangulamento ou estreitamento do leito e do vale neste local. E W 1 Km Legenda: Xistos (Pré-Câmbrico- Câmbrico) Quartzitos, conglomerados e xistos (Ordovícico inferior) Xistos (Ordovícico médio) xistos, arenitos e quartzitos (Ordovícico superior) Xistos (Silúrico inferior) Xistos (Silúrico superior) Xistos, arenitos e quartzitos (Devónico inferior) Xistos, arenitos e conglomerados (Carbonífero) Falha Figura 99 – Perfil geológico Este-Oeste do Anticlinal de Valongo (modificado de Carta Geológica de Portugal à escala 1:200 000, Folha 1). 151 Dobras e Falhas As dobras são estruturas geológicas formadas quando as rochas sofrem a acção de compressões tectónicas que as forçam a dobrar (Figura 100). Quando possuem flancos simétricos podem ser de dois tipos: anticlinal, como acontece em Valongo, ou sinclinal. Forças compressivas Figura 100 – Formação de um anticlinal e de um sinclinal. No entanto, nos casos em que o limite de elasticidade das rochas é ultrapassado ou nos casos em que as rochas não dobram, estas fracturam e forma-se uma falha, ocorrendo movimento das partes que se separam. Algumas das curvaturas acentuadas que o rio Douro apresenta em determinados locais podem estar relacionadas com o facto de aí existirem falhas geológicas, que o rio Douro terá “aproveitado” na definição do seu trajecto. Destacam-se as curvaturas que o rio Douro descreve próximo da cidade de Peso da Régua e na região do Pocinho, fora do âmbito do sector abrangido por este guia. 152 Tempo: 3h:02 min Local: Entre-os-Rios Tema: Ponte de Hintze Ribeiro 15 A nova Ponte de Hintze Ribeiro inaugurada a 4 de Maio de 2002 liga Entre-os-Rios, localizado na margem norte, a Castelo de Paiva, localizado na margem sul. Foi construída para substituir a antiga e centenária Ponte de Hintze Ribeiro (Figura 101) que caiu numa noite de temporal. A sua queda, devido á cedência de um pilar, provocou uma tragédia com a morte de 59 pessoas, ocupantes de um autocarro de passageiros e de três automóveis ligeiros que atravessavam a ponte na altura. Foi considerado um dos maiores acidentes rodoviários de sempre em Portugal. A nova ponte começou a ser contruída no Verão de 2001 à imagem da ponte anterior. Tem uma largura de 11 metros, duas faixas de circulação rodoviária e uma extensão de 562 metros assentes em sete pilares, dois dos quais estão no leito do rio. As causas apontadas para a queda da ponte foram os elevados caudais do rio Douro nessa altura, devido à ocorrência de intensa precipitação nesse Inverno, e a extracção de areias no leito do rio. O Tribunal de Castelo de Paiva declarou posteriormente que a queda da ponte deveu-se apenas a causas naturais, não ficando provada uma relação directa com a actividade dos areeiros, apesar de existir uma forte convicção pública e ambiental de que esta actividade teve implicações no acidente. Os areeiros, juntamente com alguns responsáveis de entidades públicas ligadas ao ambiente e às estradas, que foram constituídos arguidos do processo, não foram incriminados, não havendo dessa forma julgamento. O monumento que se localiza na margem sul junto à nova ponte, “O Anjo de Portugal”, presta homenagem às vítimas desta tragédia. A montante da Ponte Hintze Ribeiro, a cerca de 15 metros, encontra-se a Ponte do IC35. Figura 101 – Ponte de Hintze Ribeiro que caiu em Março de 2001 (Alvão, 1935). 153 História Tempo: 3h:07 min Local: Entre-os-Rios Tema: Foz do Rio Tâmega e barragens Na margem norte, junto da povoação de Entre-os-Rios, encontra-se um dos principais 16 afluentes do rio Douro, o rio Tâmega. O rio Tâmega nasce em Espanha, na Serra de S. Mamede, próximo da povoação de Albergaria. Apresenta um comprimento de 183,5 Km, dos quais 46 Km são em território espanhol, 3,5 Km constituem fronteira entre os dois países, sendo os restantes em território português. A bacia hidrográfica do rio Tâmega possui uma área de 3252 Km2 e uma forma aproximadamente rectangular, bastante alongada, de orientação NE-SW. A cerca de 3,5 Km da confluência com o rio Douro localiza-se a barragem do Torrão (Figura 102). Foi o primeiro aproveitamento hidroeléctrico construído na bacia hidrográfica do rio Tâmega. Entrou em funcionamento em 1988 e tem uma potência instalada de 146 MW, podendo produzir em média 228GWh/ano. A cota máxima prevista para a sua Recursos Energéticos exploração é de 65 m, o volume bruto armazenado de 124 milhões de metros cúbicos e o volume utilizável em exploração normal de 77 milhões de metros cúbicos. A albufeira tem um comprimento de cerca de 31 Km, abrangendo os concelhos de Marco de Canaveses, Penafiel e Amarante. Figura 102 – Albufeira do Torrão na zona de Canaveses (Fonte: Centro de Produção Douro). 155 Hidrologia Tempo: 3h:30 min Local: Alpendurada Tema: Convento de Alpendurada Na margem norte pode observar-se o imponente edifício do Convento de Alpendurada 17 (Figura 103). Este convento foi fundado em 1024, no século XI por um sacerdote, tendo sido um local de acolhimento de peregrinos, mercadores e cruzados. O edifício original foi depois ao longo dos séculos aumentado. Os monges estiveram em Alpendurada até 1834, no entanto em finais do século XVI foi esvaziado de quase tudo em favor do Convento de São Bento da Victória no Porto. Os abades deste convento eram conselheiros influentes do rei, tendo o abade Afonso Martins participado nas Cortes de Coimbra quando foi proclamado rei D. João I. O mosteiro foi posteriormente recuperado por D. Frei Jerónimo Freire, em 1611. Exceptuando a bela igreja e o velho claustro, já pouco resta da arquitectura original. Este Convento possuía uma das bibliotecas mais importantes do Reino, pois era aqui que se guardavam, catalogavam e protegiam os documentos mais importantes. Após o incêndio provocado pelo soldados franceses, a sua documentação foi distribuída pelos arquivos distritais de Braga, Porto e Tombo. A igreja foi posteriormente doada aos monges da Ordem Beneditina. Actualmente o edifício é propriedade privada e encontra-se adaptado a hotel, estando lá a funcionar o Hotel Convento de Alpendurada, após duas décadas de restauros. Nas suas paredes encontram-se azulejos originais do século XVII e XVIII, sendo também utilizado o granito, material abundante na região, e a madeira para forrar os tectos. A cozinha do convento tem sido o local ideal para a realização de banquetes medievais, com animação e trajes característicos da época medieval. O Convento de Alpendurada constitui um local privilegiado para contemplar a paisagem magnífica que o rio Douro nos proporciona. Figura 103 – Convento de Alpendurada. (Fonte: www.conventoalpendurada.com) 157 História Tempo: 3h:35 min Local: Alpendurada Tema: Granitros O Convento de Alpendurada encontra-se instalado em terrenos onde predomina o 18 granito, rocha ígnea plutónica, que já se têm vindo a observar desde que passámos os quartzitos do Anticlinal de Valongo. Os granitos caracterizam-se por apresentarem grãos de diferentes minerais visíveis a olho nú. Os granitos têm geralmente cor clara, mas algumas variedades aparentadas com granitos podem ter cores relativamente escuras. Os principais minerais constituintes do granito são o quartzo, os feldspatos e as micas. A idade dos granitos que existem no vale do rio Douro varia entre os 320 e 300 Milhões de anos. O granito que aqui se observa apresenta uma textura porfiróide, com grão grosseiro a médio. O granito forma-se quando um magma, material rochoso no estado líquido proveniente do interior da Terra e que se encontra a elevadas temperaturas solidifica lentamente em profundidade (em média entre 3 e 7 kms) (Figura 104). Rochas ígneas plutónicas Figura 104 – Génese das rochas ígneas plutónicas: o magma ao solidificar em profundidade, origina rochas magmáticas plutónicas como o granito. Por ser muito abundante, o granito é explorado no vale do rio Douro para ser utilizado nas mais diversas aplicações da construção civil. Nas margens é possível observar a sua utilização na construção das casas e dos muros. Neste sector do rio Douro o canal é particularmente estreito, estando tal facto associado à dureza e resistência do granito. Os granitos ainda nos vão acompanhar nesta viagem até às proximidades de Barqueiros e por isso falaremos novamente deles mais adiante. 159 Rochas Magmáticas Génese dos granitos A ascensão dos magmas que originaram estes granitos está relacionada com o processo entre o Devónico e o Carbónico de fecho de um oceano primitivo com, colisão dos continentes que o limitavam. O mergulho da crusta oceânica por baixo da crusta continental, processo designado por subducção, conduziu à formação de magmas devido à fusão dos materiais rochosos mergulhantes, que ao arrefecer em profundidade originam os granitos (ver Figura 92 e 96). O aumento da temperatura aquando da ascensão destes magmas na crusta conduziu também à fusão de material rochoso encaixante. Afloramento dos granitos Após a instalação destes granitos há cerca de 300 milhões de anos, a paisagem era dominada por relevos muito vigorosos. O longo processo que permite que estas rochas estejam hoje à superfície está esquematizado na figura seguinte. 1. Maciço granítico em profundidade, formado a partir da solidificação do magma no interior da Terra. 2. A espessura das rochas que se encontram por cima do maciço granítico diminui. Este facto deve-se ao levantamento geralmente lento dos continentes e à acção dos agentes de meteorização e erosão que ao longo de milhões de anos desagregaram e desgastaram essas rochas, sendo os materiais resultantes transportados para outros locais. 3. O maciço granítico aflora à superfície, uma vez que as rochas suprajacentes foram totalmente erodidas. O maciço granítico uma vez à superfície vai estar também sujeito à acção dos agentes de meteorização e erosão. Figura 105 – Esquema representativo do afloramento do granito. A paisagem granítica é variável devido a factores como a composição mineralógica dos granitos, estado de fracturação e tipo de meteorização que sobre eles actua. Assim, observamos em algumas situações uma paisagem granítica com relevos suaves e arredondados e noutras, relevos abruptos, de picos elevados. 160 Tempo: 4h:12 min Local: Carrapetelo Tema: Barragens 19 O aproveitamento hidroeléctrico de Carrapatelo foi o primeiro a ser construído no troço nacional do rio Douro e localiza-se junto do lugar de Mourilhe, no concelho de Cinfães. Tectónica Entrou em funcionamento em 1971, com a potência instalada de 180 MW. Dos aproveitamentos hidroeléctricos do troço nacional é o que tem maior desnível, 36m. A sua albufeira tem uma extensão de 40 Km e uma capacidade total de 148 milhões de metros cúbicos, estendendo-se pelos concelhos de Cinfães, Resende e Lamego, na margem esquerda, e Marco de Canaveses, Baião, Mesão Frio e Régua, na margem direita. Encontra-se equipada com eclusa de navegação e de peixes. A barragem está situada nas proximidades de uma falha geológica, a falha do Carrapatelo (Figura 106). É por essa razão que a margem norte, à entrada da eclusa, se encontra toda cimentada, uma medida que tem como objectivo estabilizar a estrutura da barragem e diminuir a probabilidade desta apresentar algum tipo de movimento causado pela falha. N Legenda: Falha do Carrapatelo Granitos Figura 106 – Localização da falha do Carrapatelo. 161 Recursos Energéticos Tempo: 5h:17 min Local: Caldas de Aregos Tema: Termas Ao longo do percurso existem alguns locais com ocorrência de águas termais com 20 características sulfúreas alcalinas (Figura 107), que têm vindo a ser exploradas para o tratamento de várias doenças. Neste âmbito, destacam-se as Termas de Caldas de Aregos, localizadas junto da povoação de Aregos, na margem sul do rio Douro. A temperatura da água é de 61ºC, sendo indicada para o tratamento de doenças do aparelho respiratório, reumáticas e músculo-esqueléticas. A primeira referência a estas termas remonta à Idade Média, tendo a rainha D. Mafalda mandado construir no século XII uma albergaria, que terá sido a primeira estância termal de Aregos. Posteriormente, devido às cheias do rio Douro e à construção da barragem do Carrapatelo, os balneários foram inundados e não História ficaram em condições de funcionamento, levando ao encerramento das termas. No início da década de noventa, foi construído um novo balneário que permitiu voltar a usufruir deste recurso. A origem das águas termais está relacionada com as características geológicas do terreno, nomeadamente com a litologia e as condições tectónicas existentes no local, que Termalismo são determinantes na criação de zonas de maior permeabilidade por onde a água pode circular. O fluxo hidrotermal superficial em Caldas de Aregos ocorre ao longo de fracturas do granito. N Legenda: Xistos, conglomerados e grauvaques (Pré-Câmbrico/Câmbrico) Quartzitos, conglomerados e xistos (Ordovícico inferior) Xistos (Silúrico) Xistos e quartzitos (Devónico) Granitos Termas Xistos, arenitos e quartzitos (Ordovícico médio e superior) Xistos, arenitos e conglomerados (Carbonífero) Figura 107– Carta litológica simplificada do sector Porto-Pinhão, com localização das termas de Caldas de Aregos e de Caldas do Moledo. 163 Tempo: 5h:39 min Local: Ermida Tema: Linha do Douro e Ponte de Ermida Viajar de comboio pela Linha do Douro constitui uma opção ou um complemento para 21 quem pretende disfrutar da paisagem do Vale do Douro (Figura 108). Demorou 12 anos, desde 1875 a 1887, a construir a linha ferroviária do Douro desde a cidade do Porto até Barca de Alva, com 60 pontes e 50 túneis. Este sonho surgiu de um grupo de banqueiros do Porto, que tinham como objectivo ligar, através de Salamanca, o Norte de Portugal ao resto da Europa, mas o sonho ficou apenas por Barca d`Alva. Actualmente, o comboio já não chega a Barca d`Alva, vai apenas até ao Pocinho. A viagem do Porto ao Pocinho, numa distância de 175 Km, demora cerca de quatro horas. Após os primeiros 75 Km, até Mosteirô, a viagem passa a ser à beira rio, apreciando paisagens com uma beleza grandiosa numa perspectiva um pouco diferente daquela que é oferecida pelas embarcações. Ao longo da viagem de comboio passa-se obrigatoriamente pelas estações ferroviárias, algumas delas particularmente interessantes, com painéis de azulejos que reproduzem cenas do quotidiano regional. As estações ferroviárias caracterizam-se por apresentarem as suas paredes caiadas de branco e por ainda hoje manterem o seu antigo mobiliário de madeira. Neste troço do rio surge-nos primeiro a Estação Ferroviária de Caldas de Aregos na margem norte e cerca de 6 Km adiante a Estação Ferroviária de Ermida. A Ponte de Ermida revela-se em seguida na margem norte. É mais uma ponte a estabelecer a ligação entre a duas margens do rio Douro, neste caso a ligar Resende ao concelho de Baião. As obras para a construção da ponte de Ermida iniciaram-se em 1996 e terminaram a 2 de Março de 1998. Apesar da sua construção ser recente, o sonho de a construir surgiu há mais de um século, embora com características diferentes da ponte que existe na actualidade. O tabuleiro tem 430 metros de extensão e encontra-se a 73 metros acima do nível da água, assente em quatro pegões e com uma faixa de rodagem em cada sentido. No tempo em que Portugal ainda não era um reino independente de Castela, não existia nenhuma ponte para transpôr o rio Douro, sendo apenas possível atravessar o rio nas barcas de passagem, que neste local tinha o nome de Barca De Por Deus. ! Figura 108 – Troço da Linha do Douro. 165 História Tempo: 5h:47 min Local: Ermida Tema: Granitos 22 Pode-se constatar que o relevo das áreas graníticas é, tal como naquelas onde existem os quartzitos, mais acidentado, para além de se verificar também um estreitamento do vale. Em alguns locais é possível observar sinais visíveis da alteração do granito, resultantes da sua exposição aos agentes de meteorização como a água, o ar e os seres vivos (Figura 109). Os maciços graníticos apresentam fracturas, também chamadas diaclases, que surgem por várias razões: pressões orientadas a que estas rochas estiveram sujeitas; contracção aquando do arrefecimento do magma e descompressão quando surgem à superfície. Quando o granito, formado em profundidade, passa a estar à superfície, estas fracturas constituem locais de fragilidade da rocha, por onde a água pode circular e infiltrar-se no maciço granítico, conduzindo à sua alteração e desagregação . Nas margens do rio Douro surge uma paisagem tipicamente granítica caracterizada pela presença de blocos arredondados dispostos de forma caótica, isolados ou empilhados, morfologia conhecida por caos de blocos. Fenocristal de feldspato Figura 109 – Pormenor da alteração do granito caracterizada pela perda de coesão do granito e formação de areia granítica, resultante da transformação dos feldspatos e das micas, minerais constituintes do granito. Notar a presença de um cristal de maior dimensão de feldspato, designado por fenocristal, que confere ao granito uma textura dita porfiróide. 167 Rochas Magmáticas Formação de caos de blocos O aparecimento de caos de blocos, tal como acontece nas margens do rio Douro (Figura 111), pode ser explicado de uma forma simplificada através dos seguintes esquemas (Alan McKirdy & Roger Crofts, 1999). 1. Afloramento de um maciço granítico, caracterizado pela existência de uma rede de diaclases. Estas expõem uma maior área dos maciços graníticos à alteração. 2. A água pode infiltrar-se através das diaclases e reagir com os minerais que constituem o granito, transformandoos noutros. A água também pode solidificar com o abaixamento da temperatura. Quando a água solidifica, aumenta de volume, o que promove o alargamento das diaclases e por sua vez a desagregação do maciço granítico em blocos. À medida que se verifica a alteração do granito, com formação de uma areia grosseira, os vértices desaparecem, as arestas suavizam-se e pouco a pouco os blocos tornam-se arredondados, formando bolas. 3. A areia grosseira é removida pelas águas das chuvas ou pelo vento. Os blocos podem encontrar-se amontoados ou dispersos ao acaso. Figura 110 – Esquema representativo da formação de caos de blocos. Figura 111 - Caos de blocos na margem sul do rio Douro. 168 Tempo: 6h:07 min Local: Barqueiros Tema: Região Demarcada do Vinho do Porto (RDVP) Em Barqueiros podemos localizar o contacto entre os granitos, que desde há muito tempo nos acompanham, e os xistos e quartzitos do Ordovícico, aos quais se seguirão em breve as 23 rochas xistentas do Grupo do Douro (Câmbrico) (Figura 112). No entanto, salienta-se o facto da transição dos quartzitos do Ordovícico aos terrenos do Câmbrico não ser evidente. Devido à presença de uma falha neste local, que mais uma vez o rio aproveitou para encaixar o seu leito, as unidades geológicas do Ordovícico encontram-se deslocadas para norte na margem sul. É a partir de Barqueiros, onde os xistos, em especial os do Grupo do Douro passam a dominar, que começa a surgir a edificação de socalcos onde se faz o cultivo do famoso Vinho do Porto e onde se inicia a Região Demarcada do Douro. A 10 de Setembro de 1756, foi instituída por Marquês de Pombal a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, que demarcou as zonas para a produção vinícola. A Região Demarcada do Douro foi uma ideia pioneira, sendo a mais antiga a nível mundial. A área de produção da vinha demarcada não foi sempre a mesma, tendo aumentado ao longo dos século XVIII e XX para montante, abrangendo actualmente uma área de 250 000 hectares (Tabela III). Encontra-se subdividida em três sub-regiões: Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior (Figura 113). O Vinho do Porto produzido nesta região é o produto nacional mais conhecido internacionalmente. Legenda: Figura 112 – Extracto da Carta Geológica de Portugal à escala 1:500 000 (Oliveira et al., 1992b). 169 História Escala 0 15Km Figura 113 – Região Demarcada do Douro (fonte: www.ivdp.pt). Tabela III – Caracterização das sub-regiões da Região Demarcada do Douro (fonte: www.ivdp.pt). Sub-Região Baixo Corgo Cima Corgo Douro Superior Área Total (ha) % 45.000 95.000 110.000 250.000 18 38 44 Área com vinha (ha) 13.492 17.036 8.060 38.588 170 % da Área total 29,9 17,9 7,3 15,4 Tempo: 6:17 min Local: Rede Tema: Xistos 24 Os xistos, uma vez à superfície, são alterados e desagregados por acção dos agentes de meteorização e erosão (Figura 114). A facildade com que os xistos são alterados e desagregados relaciona-se com o facto de apresentarem xistosidade, o que se traduz numa erosão mais rápida comparativamente Rochas Metamórficas aos quartzitos e granitos. Por isso, as margens são mais abertas nos xistos e mais fechadas nos quartzitos e granitos. Figura 114 – Alteração dos xistos pertencentes ao Grupo do Douro, próximo da barragem de Crestuma. Os minerais primários transformam-se em minerais secundários – argilas. A alteração dos xistos resulta da reacção entre os minerais primários e a água, com produção de minerais secundários e aumento de volume com consequente desagregação dos xistos. 171 Modelo evolutivo As rochas que temos vindo a observar - xistos, quartzitos e grauvaques- formaram-se no Paleozóico. No Mesozóico predominou a alteração das rochas, sob condições de clima quente e húmido. A alteração dos xistos foi mais profunda, atingindo centenas de metros de espessura (Figura 115). Legenda: Dobras Falha Falha provável Figura 115 – As condições climáticas favoreceram a alteração profunda das rochas, originando-se uma superfície de aplanamento(modificado de Pereira et al., 2004). Na era Cenozóica, e antes da instalação do sistema fluvial do Douro, uma grande quantidade de rocha alterada foi removida e acumulada em depressões associadas aos sistemas fluviais mais antigos (Figura 116) ou atingiram depressões marinhas como o Atlântico. Legenda: Dobras Falha Falha provável Antiga superfície de aplanamento Levantamento tectónico Figura 116 – Uma grande quantidade de rocha alterada foi removida por acção dos agentes erosivos e em resposta ao levantamento tectónico. Forma-se uma paisagem em que se destacam as rochas menos alteradas como os quartzitos. Os agentes de meteorização continuaram a actuar até à actualidade (modificado de Pereira et al., 2004). 172 Tempo: 6h:27 min Local: Moledo Tema: Termas Na margem norte do rio Douro encontram-se as Termas de Caldas do Moledo, integradas 25 num parque com plátanos seculares e tílias que dá aos seus utentes a tranquilidade e sossego necessários para o seu repouso (Figura 117). As águas das termas nascem a 41ºC e são conhecidas por serem indicadas para o tratamento de doenças do aparelho respiratório, da pele, reumáticas e músculoesqueléticas. O tratamento é efectuado por banhos de imersão, duches (sub-aquático, agulheta, escocês) pulverizações, inalações, irrigações e gargarejos. Possui uma piscina termal com sauna, hidroterapia e hidro-massagem. Os actuais balneários foram mandados construir por D. Antónia Adelaide Ferreira no final do séc. XIX, junto à estrada nacional. A povoação de Caldas do Moledo, situada logo a seguir às termas, nasceu com o aproveitamento das águas medicinais, no tempo do rei D. Afonso Henriques. Termalismo Figura 117 – Termas de Caldas do Moledo. 173 Circulação hidromineral em Caldas do Moledo A nascente de águas minerais das Termas de Caldas do Moledo ocorre em rochas do Grupo do Douro (Figura 118). A circulação da água mineral em profundidade ocorre mais superficialmente em xistos e mais profundamente em granitos subjacentes aos xistos. O fluxo hidromineral ocorre em profundidade através de falhas existentes nas rochas, sendo através destas que se dá a ascensão da água mineral até à superfície, onde depois é captada para ser utilizada em diversos tratamentos nas Termas de Caldas do Moledo. Desta forma, a tectónica desempenha em Caldas do Moledo um papel importante na circulação das águas minerais. Legenda: Rochas do Grupo do Douro Circulação de águas minerais Circulação de águas normais Granitos Falha Captação de água mineral Figura 118 – Esquema representativo do modelo da circulação mineral em Caldas do Moledo (modificado de Marques et al., 2003). 174 Tempo: 6h:42 min Local: Peso da Régua Tema: Sedimentos fluviais 26 Nas proximidades da cidade de Peso da Régua encontram-se, na margem sul, uma ampla plataforma com sedimentos depositados pelo rio Douro (Figura 119). A formação destes depósitos ocorreu nos últimos 2 Ma, durante o processo de encaixe do rio. Mais uma vez os sedimentos depositaram-se na zona convexa da curvatura do rio, num troço em que o rio se encaixou numa falha geológica aí existente. Hidrologia Figura 119 – Depósitos fluviais na margem sul do rio Douro, antes de chegar a Peso da Régua. 175 Modelo evolutivo Nos últimos 2Ma (Plistocénico e Holocénico), instalou-se um novo sistema fluvial, que actualmente se reconhece na paisagem (Figura 120). Estes rios escavaram, a partir do Atlântico, vales profundos na superfície da Meseta, que dominava a paisagem durante o Cenozóico. Este encaixe do sistema fluvial deveu-se à continuação do levantamento do continente por acção tectónica e ao abaixamento do nível do mar nos períodos glaciares que caracterizaram o Quaternário. Legenda: Dobras Falha Falha provável Levantamento tectónico Figura 120 – Nos últimos 2 Ma instalaram-se os rios, incluindo o rio Douro. Foram-se encaixando e originaram os vales fluviais que constituem elementos da paisagem actual (modificado de Pereira et al., 2004). 176 Tempo: 6h:47 min Local: Peso da Régua Tema: Depósitos de inundação e cheias 27 Na margem norte, um talude da estrada nacional na Régua mostra sedimentos depositados durante inundações provocadas pelas cheias do rio Douro. As cheias são fenómenos naturais que são frequentes no rio Douro, sendo as localidades mais afectadas aquelas que se localizam mais próximas do leito do rio como é o caso de Peso da Régua (Figura 121). No Porto e em Vila Nova de Gaia, o rio Douro provoca cheias que são consideradas das maiores da Europa, devido aos elevados caudais escoados. Estes valores elevados devem-se a vários factores como a intensidade de precipitação, a forma da bacia hidrográfica, a inclinação do leito do rio Douro e dos seus afluentes e a constituição geológica da bacia. Verifica-se durante os períodos de cheia uma subida acentuada do nível da água, pelo facto de o vale ser estreito e encaixado, o que não possibilita o seu espraiamento. Na cidade de Peso da Régua, tal como em outras cidades afectadas pelas cheias do rio Douro, existem placas gravadas com a data da cheia e que são colocadas à altura que a água atingiu (Figura 122). No passado a ocupção destas áreas tomava em consideração as cheias, como se pode observar por exemplo na Ribeira e em Miragaia, no Porto. Aí, o piso inferior é aberto e os arcos suportam as habitações elevadas. Neste piso inferior eram guardados barcos e bens fáceis de remover durante as cheias. Actualmente, observa-se uma ocupação diferente destes espaços, valorizados pelo turismo, mas em que períodos de cheias são fortemente penalizados. ! Figura 122 – Placas gravadas com a data de ocorrência da cheia, colocadas à altura atingida pela água em Peso da Régua. " Figura 121 – Cheia de 1989 na cidade da Régua. 177 Hidrologia Tempo: 6h:50 min Local: Peso da Régua Tema: Cheias 28 As cheias são fenómenos naturais dos quais nem sempre existiram registos sistemáticos, apesar de se ter conhecimento da sua ocorrência. Os caudais escoados pelos rios são registados pelos limnígrafos. O mais antigo limnígrafo no troço português do rio Douro, situase na Régua e entrou em funcionamento em 1944. No quadro seguinte (Quadro III) encontram-se as 20 maiores cheias do rio Douro com os caudais escoados e as alturas atingidas pela água, na cidade de Peso da Régua e do Porto. Quadro III – As vinte maiores cheias do rio Douro em Peso da Régua e no Porto. Ano 1739 1909 1779 1962 1823 1788 1860 1727 1850 1910 1887 1843 1966 1855 1989 1888 1978 1979 1948 1996 Peso da Régua Caudal (m3/s) Altura (m) 18000 25.0 16700 23.7 16100 23.1 15700 22.7 15600 22.6 15500 22.5 15100 22.0 14000 20.8 13900 20.7 13700 20.5 13500 20.3 13000 19.7 12500 19.1 12500 19.1 12000 18.6 11800 18.5 11600 18.1 11000 17.4 9620 15.7 8900 15.5 Porto (Cais da Ribeira) Altura (m) 6.0 5.2 4.9 4.5 3.7 4.2 3.3 3.6 3.7 2.2 3.6 3.3 3.8 2.1 2.8 3.0 3.2 3.0 1.4 1.6 Hidrologia Nota: A altura na cidade de Peso da Régua corresponde à altura acima do nível de estiagem. Na cidade do Porto a altura corresponde à altura acima do cais da Ribeira. Como se pode constatar pelos valores do quadro, a água na cidade de Peso da Régua atingiu em alguns anos, nomeadamente em 1739 e 1909, alturas impressionantes. Em Peso da Régua a partir da altura de 11,50 m alaga o cais turístico e a partir dos 12,00 m o rio Douro começa a inundar a marginal. Das cheias mais recentes destacam-se as de 2001 e 2003. Em 2001 registou-se na Régua um caudal de 8548 m3/s e em 2003 de 7387 m3/s. 179 Cheias no Douro Conhecidos os caudais de cheia num intervalo longo de tempo (Quadro III) é possível determinar o período de retorno, ou seja, estimar qual o intervalo de tempo esperado para a ocorrência de uma cheia com determinada dimensão (Gráfico 3). Gráfico 3 – Relação caudal/ período de retorno para a cidade de Peso da Régua (Aires et al., 2000b). Através do gráfico pode-se concluir que, em média, existem cheias como as de 1739 e 1909, num intervalo de mais de cem anos. Sucessivas cheias deixaram um registo sedimentar em raros locais das margens do rio Douro. Num desses locais, situados na Régua, datações e estudos efectuados num talude com uma altura de 10 metros de sedimentos, evidenciaram uma sucessão mais ou menos regular de cheias desde há cerca de 10 000 anos (Figura 123). Figura 123 - Depósitos de inundação na margem norte do rio Douro em Peso da Régua. 180 Tempo: 6h:52 min Local: Peso da Régua Tema: Cidade de Peso da Régua 29 A cidade de Peso da Régua, conhecida como a capital do Douro, fica situada na margem norte do rio Douro, pertence ao distrito de Vila Real e dista 110 Km da foz do rio Douro, no Porto. Pensa-se que o seu nome terá tido origem numa casa romana que aqui existiu "Vila Regula", outros acreditam que a origem do nome está em “récua”, em virtude dos conjuntos de récuas ou cavalgaduras que passavam o rio Douro e outros ainda pensam que o nome pode derivar de “reguengo”, nome dado às terras dos reis. No que diz respeito ao nome Peso, pensa-se que poderá derivar do lugar onde eram pesadas as mercadorias e cobrados os impostos ou ter evoluído a partir de um lugar onde os animais de transporte eram alimentados ou pensados, o “Penso”. Depois de Marquês de Pombal instituir a Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro em 1756 na Régua, com o objectivo de defender a qualidade dos vinhos da região e regulamentar a sua produção, esta cidade passou a ser a Capital da Região Demarcada do Douro e cresceu para junto da margem do rio Douro, tendo-se desenvolvido economicamente. Este crescimento, foi uma consequência do comércio do vinho da região, desempenhando esta cidade a função de entreposto vinícola da Companhia, controlando o transporte fluvial do vinho do Porto. Era a partir de Peso da Régua que as pipas de vinho eram transportadas em barcos rabelos até Gaia, onde o vinho envelhecia nas caves, para posterior comercialização. A vinha cultivada em socalcos domina a paisagem em redor da cidade, sendo possível em muitas das quintas que aqui existem, onde foram recuperadas as antigas casas senhoriais, fazer provas de vinhos e visitas guiadas aos locais onde são produzidos. A belíssima paisagem que cerca a cidade pode ser contemplada em alguns miradouros existentes nos arredores dos quais se destacam os de São Leonardo, em Galafura, e do Alto de Santo António, em Loureiro. Actualmente, a cidade da Régua tem o estatuto de Cidade Internacional da Vinha e do Vinho. Encontram-se aqui instaladas importantes instituções associadas à produção, certificação, fiscalização, comercialização e divulgação do vinho e da região como a Casa do Douro, que possui no seu interior vitrais magníficos alusivos à cultura da vinha (Figura 124), o Instituto dos Vinhos Douro e Porto (criado em Novembro de 2003, através da fusão do Instituto do Vinho do Porto com a Comissão Interprofissional da Região Demarcada do Douro), a Rota do Vinho do Porto e o Museu do Douro. Existem três pontes a atravessar o rio Douro na cidade de Peso da Régua, uma ferroviária desactivada, datada de 1872, outra rodoviária, datada de 1932, e uma de recente construção, parte integrante da A24. 181 História Figura 124 – Vitrais da Casa do Douro na cidade de Peso da Régua. A “Ferreirinha da Régua” Foi na cidade da Régua que nasceu em 1811 Dona Antónia Adelaide Ferreira, conhecida na região como “Ferreirinha” (Figura 125). Foi uma das mais importantes personalidades da região do Douro e possuidora de uma das maiores fortunas da época. Defendeu a qualidade e a credibilidade do Vinho do Porto, tendo superado graves crises económicas do sector. Para além disso, defendeu os direitos dos vitivinicultores durienses e contribuiu para o desenvolvimento e prosperidade da região do Douro. Figura 125 – Pintura de D. Antónia Adelaide Ferreira, conhecida por “Ferreirinha”. 182 Tempo: 7h:10 min Local: Montante P.Régua Tema: Barragens A barragem da Régua localiza-se a cerca de 4 Km a montante da cidade de Peso da Régua, próximo da povoação de Bagaúste. A sua construção iniciou-se em 1967 e entrou em funcionamento em Junho de 1973. A sua albufeira tem uma capacidade para reter 95 milhões de metros cúbicos e a potência instalada é de 156 MW. Encontra-se equipada com eclusa de peixes, tipo “Borland”, e por uma eclusa de navegação. Esta barragem é a última de três barragens que existem no percurso Porto-Pinhão. Tabela IV – Características gerais dos aproveitamentos hidroeléctricos de Crestuma-Lever, Carrapatelo e Régua (Fonte: Centro de Produção Douro, 1992). CRESTUMA-LEVER CARRAPATELO RÉGUA Gravidade Gravidade Fundo móvel aligeirada aligeirada 25.5 57 41 26 000 22 000 21 500 105 180 156 12.60 34.50 28.50 5.50 20.00 15.00 399 949 738 Nível máx. Normal 13.20 46.50 73.50 Comprimento (Km) 44.00 40.00 43.50 12.98 9.52 8.50 110.0 148.0 95.0 16.0 16.0 10.0 Barragem Tipo Altura máxima (m) Capac. Max. de descarga (m3/s) Potência instalada (MW) Queda bruta máxima (m) Queda bruta mínima (m) Produtividade média anual (GWh) Albufeira Superfície inundada (Km2) Capacidade total (hm3) Capacidade útil (hm3) 183 30 Tempo: 7h:40 min Local: Montante P.Régua Tema: A vinha 31 A montante da cidade de Peso da Régua a paisagem é dominada pelas famosas e belas quintas, onde é cultivada a vinha que produz o Vinho do Porto. A designação "do Porto" advém do facto da armazenagem e comercialização ter lugar no porto existente no estuário do rio Douro, entre a cidade do Porto e Vila Nova de Gaia. Esta designação surgiu apenas com o início da sua exportação, principalmente para Inglaterra. O local em que nos encontramos pertence à Região Demarcada do Vinho do Porto (RDVP) e está integrado na sub-região do Cima Corgo, onde é produzido um Vinho do Porto de excelente qualidade. A paisagem vitícola singular resultou do esforço humano levado a cabo ao longo de centenas de anos de trabalho (Figura 126), para transformar História uma região dominada pelos xistos do Grupo do Douro e declives acentuados, pouco favorável para outras culturas, numa extensa rede de socalcos . Figura 126 – Surribas do Douro (Alvão, 1935). “É o mais belo e doloroso monumento ao trabalho do povo português.” (Jaime Cortesão) “...uma das mais extraordinárias paisagens rurais construídas que se conhecem no mundo.” (Orlando Ribeiro) “Da pedra se fez terra, do sol bravo o licor generoso, que tem um ressaibo de brasa e de framboesa.” (Aquilino Ribeiro) “Socalcos que são passadas de homens titânicos, as encostas, volumes, cores e modulações que nenhum escultor, pintor ou músico podem traduzir (...). Um poema geológico. A beleza absoluta.” (Miguel Torga) Os barcos rabelos O transporte dos vinhos foi inicialmente efectuado através do rio Douro em barcos rabelos (Figura 127) e, mais tarde, em comboios ou camiões. Os barcos rabelos possuíam características que lhe permitiam navegar nas fortes correntes que rio Douro tinha no passado. Não têm quilha, possuem um fundo chato feito com madeiras resistentes, uma vela quadrada e o leme, que tem o nome de espadela, é uma peça comprida, quase do seu tamanho, para permitir rápidas manobras. A espadela prolongava o corpo do barco, dando a impressão que tinha um rabo, daí a designação de rabelo. Muitos foram os náufragos de barcos rabelos carregados de pipas de vinho devido à difícil navegabilidade do rio Douro. Estes barcos, que constituem um símbolo da região duriense, transportaram o Vinho do Porto pelo rio Douro até 1965, sendo actualmente utilizados em regatas e adaptados aos cruzeiros turísticos de curta duração. Para recordar a sua actividade inicial, muitas empresas do sector do Vinho do Porto têm junto ao cais de Gaia e Régua, barcos rabelos carregados com pipas que fazem lembrar tempos passados. Figura 127 – Barco rabelo a transportar pipas de vinho no rio Douro (Serén, 2002). 186 Tempo: 7h:55 min Local: Montante P.Régua Tema: Vinho do Porto O Vinho do Porto é o resultado de um conjunto de factores naturais como o clima, a 32 exposição ao sol, o xisto que acumula calor e permite a infiltração da água, os declives acentuados, mas também do trabalho árduo do agricultor duriense levado a cabo durante várias gerações e do aperfeiçoamento das técnicas de produção ao longo dos tempos. Depois de um ano de trabalho, pois a vinha requer muitos cuidados, as vindimas decorrem de Setembro a Outubro, a grande festa do ano na região do Douro (Figura 128 e 129). Depois de produzido, era transportado para os armazéns do Porto e de Gaia, para envelhecer e para posterior exportação. O Alto Douro Vinhateiro foi consagrado Património Mundial pela UNESCO, na categoria de paisagem cultural em Dezembro de 2001, reconhecendo-se internacionalmente a singularidade da paisagem vitícola duriense, onde está bem patente a interrelação entre os factores humanos e os factores naturais. Figura 128 – Vindima (Fonte: Rota do Vinho do Porto). Figura 129 – Transporte das uvas em cestos (Fonte: Rota do Vinho do Porto). 187 História Os vinhos e outras culturas do Douro O Vinho do Porto é um vinho licoroso de sabor único e características peculiares. Apesar de ser o que goza de mais prestígio no mercado mundial, outros vinhos de excelente qualidade são produzidos na região do Douro. Destacam-se os vinhos de mesa do Douro e outros tipos de vinho como os moscatéis e os espumantes. Desta forma, os vinhos durienses não se reduzem ao Vinho do Porto, existindo uma grande variedade de vinhos produzidos na região do Douro sem a designação “Porto”, mas igualmente de elevada qualidade. Na bordadura das vinhas existem oliveiras e amendoeiras que descrevem verdadeiras linhas na separação das parcelas com vinha, fazendo lembrar peças de um puzzle que encaixam na perfeição. Na época em que as amendoeiras estão em flor, os socalcos ficam enfeitados e ganham outra cor, numa ilusão de salpicos por algodão. Na região do Douro são também abundantes laranjeiras, macieiras, castanheiros, e cerejeiras. Existem ainda terrenos incultos com vegetação natural, nomeadamente em locais de declive acentuado e difícil acesso. A vinha As vinhas do Douro foram parasitadas por várias pragas, salientando-se a partir da década de sessenta do século XIX, a filoxera, um insecto proveniente da América do Norte que ataca a raíz das videiras. A morte das videiras conduziu ao abandono de grande parte dos terraços com apenas uma fila de videiras(Figura 130-A), que vieram a ser designados por mortórios. Posteriormente, devido à dimensão da destruição e a obras efectuadas no rio que permitiram a sua navegabilidade para montante, a região demarcada expandiu-se, passando a incluir o Douro Superior. A vinha começou a ser plantada em terraços mais largos, onde são plantadas duas ou mais filas de videiras(Figura 130-B). No entanto, este novo sistema de plantação da vinha não permitia a mecanização. Por isso, no fim dos anos 60 e início dos anos 70 do século XX, surgiu um novo sistema de plantação, os patamares e mais tarde a vinha plantada ao alto (Figura 130-C). Com as mudanças na forma de plantar a vinha, a paisagem vitícola duriense sofreu várias transformações ao longo do tempo. A B C Figura 130 – Diferentes técnicas de plantação da vinha. A – Terraços pré-filoxera; B – Terraços pósfiloxera; C – Vinha ao alto. 188 Tempo: 8h:10 min Local: Pinhão Tema: Vila ribeirinha do Pinhão O Pinhão é uma vila ribeirinha situada na margem norte do rio Douro (Figura 131), 33 pertencente ao concelho de Alijó. O nome desta vila deriva do facto de se encontrar aqui a foz do rio Pinhão, um dos afluentes do rio Douro. Em tempos remotos, a população dedicava-se à pesca ou à passagem de pessoas e mercadorias entre as margens, quer do rio Douro, quer do rio Pinhão. No entanto, com o cultivo da vinha e o incremento do comércio do Vinho do Porto, o Pinhão, devido à sua localização privilegiada, tornou-se num entreposto importante dos vinhos produzidos na região circundante. Actualmente, o Pinhão vive sobretudo do comércio e do turismo. Sobre o rio Douro existe uma ponte rodoviária que permite a ligação entre o Pinhão e o concelho de São João da Pesqueira. Sobre o rio Pinhão, e a estabelecer a ligação entre o Pinhão e o concelho de Sabrosa, existe uma ponte metálica ferroviária e uma outra rodoviária. Foi a partir de Junho de 1880 que o Pinhão passou a ter disponível o transporte ferroviário. Figura 131 – Vila ribeirinha do Pinhão (1928). (Fonte: Serén, 2002) 189 História A estação ferroviária do Pinhão Quem visita o Pinhão não pode deixar de visitar a sua estação ferroviária (Figura 132) para apreciar os seus azulejos que constituem autênticos quadros com panorâmicas do Pinhão (Figura 133), do rio Douro, de algumas quintas, bem como imagens relacionadas com a cultura da vinha como a vindima, o transporte dos cestos, a carregação de vinho para os barcos rabelos, etc. Figura 132 – Estação ferroviária do Pinhão. Figura 133 – Painel de azulejos com panorâmica do Pinhão. O miradouro de Casal de Loivos Sobre o Pinhão, o miradouro localizado na aldeia de Casal de Loivos (Figura 134), proporciona um cenário magnífico em que o rio Douro, descrevendo um “s”, corre encaixado no seu vale com as encostas forradas a vinha plantada em socalcos. Neste local podemos sentir a calma característica desta região e contemplar uma das mais belas paisagens da região vinhateira, com panorâmicas de importantes quintas, como a das Carvalhas, a da Roêda e da Foz. Os socalcos, suportados por muros de xistos para evitar o desabamento dos terrenos aquando da queda de precipitação, fazem lembrar uma imponente escadaria que vai desde as margens do rio até ao alto das encostas. Figura 134 – Panorâmica do miradouro de Casal de Loivos, nas proximidades do Pinhão. 190 Glossário de termos geológicos a afloramento - toda e qualquer exposição directa, observável, de rochas na superfície da Terra, que pode ser natural (em escarpas) ou artificial (em escavações). afluente - curso de água que desagua num curso maior ou num lago. O mesmo que tributário. água mineral - água proveniente de fontes naturais ou de fontes artificialmente captadas, com composição química ou propriedades físicas ou físico-químicas distintas das águas comuns. Caracteriza-se por possuir uma elevada quantidade de elementos dissolvidos, acreditando-se vulgarmente, ter efeitos benéficos para a saúde. As águas minerais estão geralmente relacionadas com a circulação profunda e/ou fenómenos vulcânicos ou tectónicos. água termal – água mineral natural cuja temperatura de emergência é 4ºC mais elevada que a temperatura média anual do local onde emerge. De acordo com a classificação adoptada pelo Instituto Português de Hidrologia, da autoria de Fraústo da Silva e Maria Cândida, uma água termal é uma água com temperatura de emergência entre 35 e 45ºC. aluviões – sedimentos deixados pelos cursos de água no seu leito, mas também fora deste depois das inundações. b bacia hidrográfica - área topograficamente definida, drenada por um curso de água perene ou temporário e seus eventuais afluentes, de tal modo que todos os caudais efluentes sejam descarregados através de uma única saída. O contorno de uma bacia hidrográfica coincide com a linha de separação de águas ou linha de cumeada, que divide as precipitações que caiem na bacia das que caiem nas bacias contíguas. bacia de sedimentação – largas depressões na crusta terrestre, onde os sedimentos são depositados (Ex: mares, oceanos, lagos). C câmara magmática – reservatório de magma que existe no interior da crusta. canal de estiagem - leito de um curso de água ocupado durante os períodos de estiagem. 191 carbono 14 - isótopo radioactivo do carbono com peso atómico 14 que é utilizado na determinação da idade de rochas que contêm carbono. A datação por radiocarbono baseia-se na desintegração radioactiva do 14C, originando 12C que tem comumente um alcance máximo de cerca de 30000 anos. caudal - volume de um fluido escoado por unidade do tempo. cheia - acentuada subida do nível da água num curso de água, lago, reservatório ou região costeira. cimentação – a água existente nos sedimentos pode precipitar substâncias que nela estão dissolvidas, formando um cimento natural que une as partículas. cristalização fraccionada – processo responsável pela diferenciação de um magma numa câmara magmática devido às diferentes temperaturas de cristalização dos diversos minerais presentes na mistura. compactação – à medida que os sedimentos se afundam, na bacia de sedimentação, a pressão a que estão sujeitos vai expulsar parte da água existente entre eles, ocorrendo uma redução do espaço existente entre eles. d deformação - por influência das forças terrestres (frequentemente relacionadas com eventos orogénicos) as rochas podem deformar-se de dois modos distintos: 1. Deformação dúctil: quando as rochas se encontram num estado relativamente plástico (a grandes profundidades), dá origem ao aparecimento de estruturas como dobras, foliações, etc. 2. Deformação frágil: quando as rochas se encontram à superfície, ou muito perto dela, a acção de forças tectónicas pode provocar a ruptura das rochas, dando origem ao aparecimento de fracturas e falhas. diagénese – conjunto de modificações que os sedimentos sofrem, desde que são depositados até se transformarem numa rocha sedimentar compacta. diferenciação gravítica – transformação progressiva de um magma durante um processo de cristalização fraccionada por subtracção dos elementos que constituem os primeiros minerais a cristalizar e que se depositam na base da câmara magmática por serem mais densos, o que altera a composição mineralógica do magma residual. 192 e erosão - remoção dos materiais da crusta terrestre quando sujeitos à acção dos agentes atmosféricos. escombreira - material solto e estéril proveniente dos desmontes de uma mina. estrato - formação geológica que se apresenta sob a forma de uma camada e que pode ser individualizada das que lhe são contíguas. f fluido - composto no estado fluido (líquido e/ou gasoso) que pode conter elementos em solução e que circula nas rochas. foz - é o local onde o rio desemboca. Pode ser no mar, num lago o ou em outro rio. Também pode ser chamada de desembocadura. g geologia - ramo das ciências naturais que trata do estudo do planeta Terra, nomeadamente a sua origem, evolução, composição e estrutura, matérias constituintes e evolução da vida. h hidrologia - ciência multidisciplinar que estuda as águas superficiais e subterrâneas da Terra, a sua formação, circulação e distribuição, tanto no tempo como no espaço, as propriedades biológicas, químicas e físicas e as interacções com o seu ambiente, incluindo a sua relação com os seres vivos. i inundação – associada à acção de cobrir de água uma determinada superfície por águas provenientes de cheias. j jazigo mineral - acumulação natural de matérias minerais ou orgânicas (sólidas, líquidas ou gasosas) susceptível de ser explorada. 193 l litologia - o termo litologia refere-se ao tipo de rocha. Consiste na descrição de rochas em afloramento ou amostra de mão, com base em várias características tais como a cor, textura, estrutura, composição mineralógica ou granulometria. m magma - material existente no interior da Terra a temperatura elevada (superior a 700°C), possuindo mobilidade e podendo englobar fases sólida (minerais formados pela cristalização magmática), líquida e gasosa (essencialmente vapor de água). O magma poderá migrar e, em alguns casos, ascender até à superfície dando origem a um episódio vulcânico. Quando o magma atinge a superfície designa-se por lava e solidifica formando rochas vulcânicas (por exemplo, o basalto). Se o magma arrefece e cristaliza em profundidade dá origem a rochas plutónicas como o granito. metamorfismo - reajustamento químico, mineralógico, textural e estrutural, no estado sólido, de qualquer tipo de rochas quando sujeitas a condições físico-químicas distintas das condições de formação. O processo metamórfico ocorre, normalmente, em ambientes endógenos (no interior da Terra) induzido por factores como a temperatura, pressão, fluidos e tempo. As novas rochas assim formadas designam-se por rochas metamórficas (por exemplo, mármores, xistos, quartzitos, gnaisses, corneanas, etc.). meteorização - conjunto de processos físicos e químicos que afectam as rochas quando sujeitas à acção dos agentes atmosféricos (água, ar, variações de temperatura, etc.), conduzindo a modificações a nível mineralógico, estrutural e textural. Assim, podem formar-se novos minerais à custa de minerais pré-existentes, com destruição da estrutura e textura iniciais da rocha. Esta perde coerência e ocorrem, frequentemente, mudanças de coloração. mineralização - acção de deposição de elementos minerais numa rocha, de forma natural. mineral - elemento ou composto químico sólido, inorgânico, de ocorrência natural, com um arranjo atómico ordenado (estrutura cristalina), composição química definida e propriedades físicas características (por exemplo, cor, dureza, brilho, hábito, clivagem). montante - relativo à região compreendida entre um ponto considerado e a nascente de um curso de água. 194 n nascente - local da superfície topográfica onde emerge, naturalmente, uma quantidade apreciável de água subterrânea. Estes locais representam descargas naturais dos aquíferos que alimentam normalmente os cursos de água, podendo eventualmente ser utilizadas para consumo humano, rega, etc, através de obras de captação. p planície de inundação – planície que se forma quando um curso de água transborda e inunda as zonas adjacentes. r recurso energético – substância natural que pode ser utlizada pelo Homem para a obtenção de energia. rocha - matéria natural consolidada ou não, formada por um ou mais minerais, cuja origem pode ser sedimentar, ígnea ou metamórfica. s sedimento - material de natureza mineral ou orgânica que constitui o solo. Os sedimentos são originados pelo intemperismo e erosão, podendo ser transportados do seu local de origem por agentes geológicos (ventos, rios, correntes, etc.) e acumular-se em depressões onde tendem a formar camadas sedimentares. sedimentação – processo pelo qual os sedimentos deixam de ser transportados, depositando-se. t tectónica - termo relacionado com estruturas produzidas por deformação dos materiais. Ramo da Geologia que estuda a origem e evolução das estruturas produzidas pela deformação da crusta terrestre, principalmente os dobramentos e os falhamentos. textura - refere-se ao tamanho, forma e arranjo dos constituintes de uma rocha. As designações texturais variam consoante o tipo de rocha. textura porfiróide – Textura caracterizada por existirem megacristais numa matriz granular, ou seja, os grãos apresentam sensivelmente as mesmas dimensões. 195 Capítulo VII Considerações finais Eugénia Araújo Cap.VII – Considerações finais Considerações finais O conceito de geoturismo, enquadrado neste trabalho no conceito de turismo sustentável e de ecoturismo, é uma actividade que está relacionada com a geodiversidade e com a Geoconservação. Em Portugal, o desenvolvimento do geoturismo não tem sido o desejado devido à falta de sensibilização do público e dos políticos para a geodiversidade e para o Património Geológico, a razão de ser do geoturismo, dificultando o desenvolvimento de estratégias de Geoconservação e a integração dos geossítios em iniciativas geoturísticas. Daí que, seja essencial desenvolver esforços conjuntos para suscitar o interesse do público para a geodiversidade, para o Património Geológico e para a importância da Geoconservação para que cada vez mais geossítios no nosso país possam ser integrados em estratégias geoturísticas. A caracterização geológica do sector Porto-Pinhão realizada neste trabalho, apesar de sintética, atesta a diversidade de aspectos geológicos existentes neste sector. Salienta-se o facto dos aspectos geológicos referidos serem aqueles que no percurso fluvial Porto-Pinhão se destacam nas margens, para quem realiza a subida do rio Douro. Este percurso enquadra-se na região do Vale do Douro, visitada anulamente por milhares de turistas que viajam pela região através dos cruzeiros fluviais. Dado o aumento significativo nos últimos anos do número de turistas que recorrem a esta actividade e a ausência de informação de índole geológica constatada ao longo da realização destes cruzeiros, a sua introdução seria pertinente. As margens do rio Douro “respiram” geologia e embora seja suspeita, considero que a abordagem da geologia no vale do rio Douro, integrada claramente com outros aspectos culturais e históricos, impõe-se e é imperativa. Para Miguel Torga, o Douro é um “poema geológico”. Seria importante que este “poema” fosse lido em voz alta a todos que lá se deslocam para observar uma paisagem singular. A veiculação desta informação acarretaria uma maior qualidade e atractividade aos cruzeiros fluviais e certamente contribuiria para uma maior satisfação dos turistas, cada vez mais exigentes, na medida em que lhes é proporcionada uma experiência mais enriquecedora, fazendo-os sentir num lugar único, diferente de qualquer outro do mundo que já tenham visitado. Os cruzeiros proporcionam uma paisagem grandiosa, de beleza única, em que os turistas têm geralmente um papel de meros contempladores dessa paisagem. Julgo que outro dinamismo seria dado aos cruzeiros se os turistas passassem a ser mais activos, ou seja, se para além da mera contemplação, se empenhassem em compreender aquilo que observam. Para que o Vale do Douro seja um destino turístico de referência, impõe-se que todos os produtos turísticos da região, como os cruzeiros fluviais, se pautem por um 198 Eugénia Araújo Cap.VII – Considerações finais elevado nível de qualidade. No trabalho apresentado, visou-se sensibilizar para as potencialidades que a região do vale do rio Douro possui em termos geoturísticos, que podem constituir uma ferramenta importante no desenvolvimento do turismo da região. Reconhecendo essas potencialidades e constatada a ausência de informação, apresenta-se neste trabalho uma proposta de um guia geoturístico. A sua aplicação em contexto real constituiria uma oportunidade para alertar os turistas da geodiversidade que os rodeia quando realizam os cruzeiros e para compreender a sua história, ao mesmo tempo que observam uma paisagem única. Neste guia, contemplou-se, sempre que foi possível e considerado adequado, aspectos da cultura e história regional. Saliento o facto da referência aos aspectos geológicos focados no guia não se limitar à sua descrição, tendo havido a preocupação de fazer uma abordagem mais dinâmica do que se observa, contextualizando no tempo e no espaço a sua génese e evolução. Salienta-se que o guia apresentado neste trabalho é uma primeira proposta, na medida em que outros aspectos podem ser integrados em trabalhos futuros. Trabalhos futuros Verificou-se que a formatação do guia geoturístico que integra este trabalho não foi a mais adequada, mas por ter de se dispender muito tempo a formatar novamente o que já estava feito, que era muito, não foi alterada. No entanto, será importante rever a formatação do guia, adoptando aquela que mais se adeque a futuras utilizações do guia, nomeadamente a uma possível edição. Para que tal seja concretizado será necessário procurar as entidades e/ou os meios que promovam a sua edição. O presente trabalho abrange o sector Porto-Pinhão mas seria interessante em trabalhos futuros realizar um guia geoturístico do sector fluvial a montante do Pinhão até Barca d`Alva que daria continuidade ao guia apresentado neste trabalho. Desta forma, o percurso que o rio Douro efectua em território português e que milhares de turistas realizam todos os anos através da realização dos cruzeiros fluviais ficaria suportado por informação, onde constariam os aspectos mais relevantes da geodiversidade e do Património Geológico da região do Vale do Douro integrados, sempre que considerado adequado, com aspectos históricos, culturais e da biodiversidade. Seria importante fazer um estudo da Geomorfologia da região do Vale do rio Douro e incluir os aspectos geomorfológicos mais relevantes que por razões de tempo e complexidade deste trabalho não foi realizado. 199 Bibliografia Aires, C.; Pereira, D. I. & Azevedo, T. M. (2000a) – Alguns dados para o conhecimento das inundações do rio Douro. Seminário sobre Geologia Ambiental, Universidade do Minho. Aires, C.; Pereira, D. I. & Azevedo, T. M. (2000b) – Inundações do rio Douro: dados históricos e hidrológicos. II Jornadas do Quaternário da APEQ, Porto, FLUP. Alves, M. I. C.; Monteiro, A.; Ferreira, N.; Dias, G.; Brilha, J. & Pereira, D. I. (2004) – Landscapes as a support for biodiversity. The Arribas do Douro case study (International Douro Natural Park, NE Portugal). In: Natural and Cultural Landscapes - The Geological Foundation, M.A. Parkes (Ed.), Dublin, Royal Irish Academy, pp. 65-68. Alves, M. I. C. & Pereira, D. I. 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