Tese - UFS
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FÍSICA TESE DE DOUTORADO ESTUDO TEÓRICO DAS PROPRIEDADES ESTRUTURAIS, ELETRÔNICAS E ÓPTICAS DE TRÊS MATERIAIS DIELÉTRICOS: Bi4Ge3O12 (BGO), Bi12TiO20 (BTO) E LiAlSi2O6 Adilmo Francisco de Lima São Cristóvão/SE Julho de 2010 ESTUDO TEÓRICO DAS PROPRIEDADES ESTRUTURAIS ELETRÔNICAS E ÓPTICAS DE TRÊS MATERIAIS DIELÉTRICOS: Bi4Ge3O12 (BGO), Bi12TiO20 (BTO) E LiAlSi2O6 ADILMO FRANCISCO DE LIMA Tese de Doutorado apresentada ao programa de Pós-Graduação em Física da Universidade Federal de Sergipe como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Física. Orientador: Prof. Dr. Milan Lalic São Cristóvão/2010 ii Agradecimentos Antes de citar nomes, gostaria de agradecer a todos que acreditaram e me incentivaram desde o início de minha formação acadêmica que por ventura me falha a memória neste momento. Em especial gostaria de deixar meus agradecimentos: • ao prof. Dr. Milan Lalic, pela atenção e dedicação prestada na minha orientação; • aos amigos André, Cássio e Fabiane pelo companheirismo e suporte durante toda essa jornada; • a todos os professores do DFI-UFS que contribuíram para minha formação. Ao secretários Álvaro (do núcleo de pós-graduação da UFS) pelo suporte técnico; • à Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe (FAPITEC/SE), Conselho Nacional de Desenvolvimento de Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo auxílio financeiro; • aos meus Pais e irmãos; Rosângela, Mércia, Zé, Edisângela (in memória) e Airton (in memória), pelo incentivo e carinho; • à minha esposa, Maria, pelo amor, apoio e imensa compreensão, indispensáveis na realização deste trabalho. Adilmo F. de Lima iii Resumo Esta tese apresenta um estudo teórico baseado no formalismo da Teoria do Funcional da Densidade (DFT) sobre as propriedades estruturais, eletrônicas e ópticas de três materiais dielétricos: Bi4Ge3O12 (BGO), Bi12TiO20 (BTO) e α-LiAlSi2O6 (espodumênio alfa) de grande interesse tecnológico e científico. Além disso, é apresentado o estudo do BGO dopado com Cr. Foi utilizado como método de cálculo o full potential linear augmented plane waves (FPLAPW), implementado no código WIEN2k, considerado um dos mais precisos métodos para cálculo de estrutura eletrônica de sólidos cristalinos. Otimizações computacionais dos parâmetros de rede e das posições atômicas nas células unitárias foram levadas em conta no estudo de todos os sistemas, como também os efeitos relativísticos através da interação spinórbita (SO) no tratamento dos sistemas BGO e BTO. O trabalho original apresentado na tese foi dividido em quatro partes, como segue abaixo. A primeira parte descreve o estudo do BGO puro com a inclusão da interação spinórbita nos átomos de Bi e Ge. Para este sistema foi calculada a estrutura de bandas, a densidade de estados, o espectro de absorção óptica, a refletividade e o índice de refração na região do ultravioleta. A estrutura eletrônica por volta do gap fundamental é dominada pelos estados 2p dos oxigênios e 6s do Bi (topo da banda de valência) e 6p do Bi (fundo da banda de condução), sendo o gap caracterizado como indireto. Foi verificado que no processo de absorção de energia da radiação incidente, o fluxo maior de transferência de energia ocorre dos átomos de O para os átomos de Bi, explicando uma das etapas do processo de cintilação no BGO. A segunda parte destinou-se ao estudo do BGO dopado com Cr. Foram consideradas duas possíveis acomodações da impureza de Cr na matriz cristalina do BGO: (1) o Cr substituindo o átomo de Ge (sítio tetraédrico, Cr4+) e (2) o Cr substituindo o átomo de Bi (sítio octaédrico, Cr3+). Para cada sítio que a impureza ocupou foi analisada a energia de formação do defeito, a estrutura local, a densidade de estados e o espectro de absorção óptica. Ficou determinado que no caso do Cr3+ a impureza sofre um deslocamento da posição original (posição do átomo de Bi) ao longo do eixo C3 do octaedro imaginário com oxigênios vizinhos nos vértices. Os estados 3d do Cr são colocados no fundo da banda de condução e dentro do gap fundamental na forma de duas bandas totalmente populadas (no caso do Cr4+), e uma banda totalmente populada e outra vazia (no caso do Cr3+), exibindo momento magnético de +1,58 μB e - 2,44 μB, respectivamente. A região do espectro de absorção dominada pela iv contribuição de Cr foi analisada e interpretada em termos da estrutura eletrônica previamente determinada. A comparação com dados experimentais sugere que o espectro de absorção óptica do BGO:Cr é constituído por ambas as contribuições do Cr3+ e Cr4+, indicando a presença simultânea do Cr no sítio tetraédrico e octaédrico da matriz cristalina do BGO. Na terceira parte é apresentada uma análise de algumas características estruturais, eletrônicas e ópticas do BTO puro com a inclusão da interação spin-órbita no átomo de Bi. O cálculo do gap fundamental foi de 2,3 eV, sendo caracterizado como direto. O topo da banda de valência é dominado por estados 2p dos oxigênios e o fundo da banda de condução possui maior contribuição dos estados 6p do Bi, mas com considerada participação dos estados 3d do Ti. O espectro de absorção óptica foi calculado e interpretado em termos do estudo da estrutura eletrônica para um intervalo da energia da radiação incidente até 40 eV. A maior intensidade de absorção óptica ocorre dentro de um intervalo de 2,5 a 10 eV, originando-se principalmente das transições eletrônicas entre os estados 2p dos oxigênios para estados 6p dos átomos de Bi. Finalmente, a quarta parte descreve o estudo das características ópticas do espodumênio alfa. Nele, determinou-se a orientação dos três eixos principais em relação aos eixos cristalográficos do espodumênio, expressos em função do comprimento da onda da radiação incidente. O espectro da parte real e imaginária (diretamente proporcional à absorção óptica) do tensor dielétrico, da refletividade e o índice de refração foram determinados ao longo dos três eixos principais. Os cálculos mostram que todas as propriedades ópticas deste cristal são altamente anisotrópicas. v Abstract This thesis presents a theoretical study based on density functional theory (DFT) about structural, electronic and optical properties of three dielectric materials: Bi4Ge3O12 (BGO), Bi12TiO20 (BTO) e α-LiAlSi2O6 (alpha spodumene) which are of significant scientific and technological interest. Additionally, it is also presented a study of the Cr doped BGO crystal. As calculation tools it was employed the full potential linear augmented plane wave (FPLAPW) method, embodied in WIEN2k computer code, which is one of the most accurate methods for performing electronic structure calculations for crystals. Relaxation of lattice parameters and atomic positions has been considered for all studied systems, as well as the relativistic effects which were taken into account via the spin-orbit (SO) interaction for the BGO and BTO compounds. Original work of this thesis is divided into four parts and presented accordingly. The first part describes the study of the pure BGO, in which was calculated its electronic band structure, density of states, optical absorption-, reflectivity- and refractive index spectra, including the SO interaction for the Bi and Ge atoms. The electronic structure around the BGO band gap is found to be dominated by the O p- and the Bi s-states (valence band top) and the Bi p-states (conduction band bottom). The gap is found to be indirect. The optical spectra are analyzed and interpreted in terms of calculated band structures. It is shown that the absorption process involves significant energy flow from the O ions to the Bi ions, explaining the absorption part of scintillation process in the BGO. The second part presents the study of the Cr doped BGO crystal (BGO:Cr). In this study, two possible accommodations of Cr impurity have been taken into account: at the Ge (Cr4+) and the Bi (Cr3+) substitution site. For each Cr accommodation the structural, electronic and optical properties of the BGO:Cr were investigated. The local structure around the Cr has been determined, and in the Cr3+ case the Cr off-site displacement was analyzed. The Cr 3dstates are positioned at the bottom of the conduction band and within the gap in form of two deep-like (Cr4+) and shallow-like (Cr3+) bands, exhibiting magnetic moments of +1.58 μB and -2.44 μB, respectively. The Cr dominated part of absorption spectrum is calculated and analyzed in terms of Cr band arrangement. Comparison with the experimental BGO:Cr absorption spectrum suggests that it consists of both Cr3+ and Cr4+ contributions, indicating the Cr simultaneous presence at both substitution sites. vi In the third part of the thesis it is presented an analysis of some important structural, electronic and optical characteristics of the pure Bi12TiO20 crystal. The band gap is calculated to be 2.3 eV and found to be direct. The contributions to the valence band top and conduction band bottom come predominantly from O 2p- and Bi 6p-states, respectively. The optical absorption spectrum is calculated and interpreted in terms of electronic band structure for incident radiation energy up to 40 eV. The principal absorption occurs within the energy range from 2.5 to 10 eV, originating manly from the electronic transitions from the O 2p- to Bi 6p-states. Finally, in the fourth part it is presented an analysis of some important optical characteristics of the alpha spodumene crystal. The optical absorption spectrum is interpreted in terms of electronic band structure for incident radiation energy up to 35 eV. The orientation of the three orthogonal principal optical axes is determined relative to the crystallographic axes, and expressed as function of the incident radiation wavelength. All calculated optical properties are found to be highly anisotropic. vii Sumário 1 Introdução........................................................................................................................ 1 1.1 O estado da arte no cálculo de propriedades dos sólidos........................................ 1 1.2 Objetivos................................................................................................................. 2 1.3 Bi4Ge3O12 (BGO) puro e dopado com Cr............................................................... 2 1.4 Bi12TiO20 (BTO)...................................................................................................... 4 1.5 α-LiAlSi2O6 (espodumênio alfa)............................................................................. 5 1.6 Organização da tese................................................................................................. 7 PARTE I: Metodologia Empregada................................................................................. 9 2 A DFT e o método FPLAPW.......................................................................................... 10 2.1 A solução de um problema quântico de muitos corpos.......................................... 10 2.2 Teoria do funcional da densidade (DFT)............................................................... 11 2.3 Aproximações para o potencial de troca e correlação............................................ 15 2.4 Conjunto de funções de base................................................................................. 16 2.5 O método (L)APW................................................................................................. 17 2.6 Efeitos relativísticos............................................................................................... 20 3 Propriedades eletrônicas e ópticas baseadas na DFT.................................................. 22 3.1 Estrutura eletrônica................................................................................................. 22 3.2 Parte imaginária do tensor dielétrico...................................................................... 23 3.3 Constantes ópticas.................................................................................................. 27 3.4 Limitações do cálculo............................................................................................. 29 PARTE II: Aplicações da Metodologia no Estudo de Materiais.................................... 31 4 Propriedades eletrônicas e ópticas do BGO puro......................................................... 32 4.1 Detalhes estruturais e do cálculo............................................................................ 33 4.2 Propriedades eletrônicas......................................................................................... 34 4.2.1 Estrutura de bandas....................................................................................... 34 4.2.2 Densidade de Estados.................................................................................... 36 4.3 Propriedades ópticas............................................................................................... 38 4.3.1 Espectro de absorção óptica.......................................................................... 38 4.3.2 Constantes ópticas......................................................................................... 41 5 Aspectos energéticos, estruturais, eletrônicos e ópticos do BGO dopado com Cr.... 43 5.1 Detalhes do cálculo................................................................................................ 43 viii 5.2 Energia de formação do defeito............................................................................. 44 5.3 Estrutura local em volta do sítio da impureza........................................................ 45 5.4 Estrutura eletrônica................................................................................................ 48 5.5 Espectro de absorção óptica................................................................................... 51 5.6 Comparação entre o espectro de absorção óptica calculada e a experimental....... 53 6 Propriedades eletrônicas e ópticas do BTO puro......................................................... 57 6.1 Otimização da estrutura e detalhes do cálculo....................................................... 57 6.2 Propriedades eletrônicas......................................................................................... 59 6.2.1 Estrutura de bandas....................................................................................... 59 6.2.2 Densidade de Estados.................................................................................... 61 6.3 Propriedades ópticas............................................................................................... 62 6.3.1 Espectro de absorção óptica.......................................................................... 62 6.3.2 Constantes ópticas......................................................................................... 64 7 Análises das características ópticas do espodumênio alfa........................................... 66 7.1 Otimização da estrutura, detalhes do cálculo e estrutura eletrônica...................... 66 7.2 Determinação dos eixos principais do espodumênio alfa...................................... 69 7.3 Relações entre os eixos principais e as direções cristalográficas........................... 70 7.4 Espectro de absorção e constantes ópticas ao longo dos eixos principais.............. 74 8 Conclusões e Perspectivas............................................................................................... 78 8.1 Conclusões.............................................................................................................. 78 8.2 Perspectivas............................................................................................................ 81 Referências Bibliográficas................................................................................................. 83 Apêndice A – Lista de Publicações................................................................................... 87 ix Capítulo 1 Introdução 1.1 O estado da arte no cálculo de propriedades dos sólidos O desenvolvimento da mecânica quântica iniciada a partir do século XX permitiu estudar diversas propriedades microscópicas da matéria. Muito do que se conhece acerca das propriedades estruturais, elétricas, ópticas e magnéticas dos sólidos tem sido obtido usando cálculos baseados na teoria do funcional da densidade (DFT – density functional theory). O reconhecimento a essa grande contribuição refletiu, em 1998, no prêmio Nobel em Química dado a Walter Kohn (considerado o “pai da DFT”) e John Pople (responsável pela implementação da DFT em códigos computacionais de química). Essa teoria foi estabelecida durante os anos sessenta do século passado a partir dos teoremas de Hohenberg-Kohn [1] e as equações de Kohn-Sham [2]. A DFT fornece um caminho alternativo para resolver aproximadamente e numericamente um problema quântico de muitos corpos. Nela a variável básica para se obter as informações do sistema é a densidade eletrônica, e não a função de onda, como é a forma mais convencional. Um pré-requisito para as aplicações bem sucedidas da DFT no estudo de sistemas reais está associado ao desenvolvimento de métodos de cálculos de estrutura eletrônica, que só são utilizados na prática através de códigos computacionais (por exemplo: WIEN2k [3], SIESTA[4], VASP [5] etc). Existem vários métodos de cálculos baseados em DFT, entre os mais usados são: pseudopotencial (PP), projector augmented wave (PAW), full potential linear augmented plane waves (FPLAPW), linear muffi-tin orbital (LMTO) etc. O método FPLAPW é um dos mais precisos para o cálculo de estrutura eletrônica do estado fundamental dos sólidos, mas sua aplicação se restringe ao estudo de sistemas com poucas dezenas de átomos. Quando se tratar de sistemas maiores, uma das saídas é utilizar outro método de cálculo como, por exemplo, os baseados em pseudopotencial. Todos os métodos citados acima representam técnicas de primeiros princípios (ou ab initio); isto é, são métodos que não possuem em suas equações parâmetros empíricos ou semiempíricos (sendo derivados diretamente dos princípios teóricos, não incluindo dados experimentais). Como eles só são utilizados, praticamente, através dos códigos de computadores, suas aplicações foram limitadas, no início dos anos setenta do século passado, 1 para o estudo dos cristais com estruturas simples e idealizadas. Devido ao rápido desenvolvimento da tecnologia dos computadores, nas últimas décadas, esses métodos puderam ser utilizados para calcular sistemas reais, encontrados na natureza ou produzidos em laboratórios. Atualmente, eles são capazes de tratar cristais com defeitos, superfícies, interfaces, moléculas biológicas etc, e investigar fenômenos como magnetismo, interações hiperfinas, transições ópticas, correlações eletrônicas etc. 1.2 Objetivos O emprego de métodos de cálculos de primeiros princípios tem se tornado um importante componente na pesquisa de ciências dos materiais. Essa afirmação é apoiada, principalmente, por dois motivos: (i) medidas podem ser obtidas de forma indireta e, consequentemente, requerem interpretação teórica; e (ii) é comum o experimento ideal não poder ser realizado devido às limitações tecnológicas ou aos custos financeiros, nesse caso, os cálculos podem proporcionar informações sobre os mecanismos que dão origem a certas propriedades em determinados materiais. Dessa forma, uma estreita parceria entre métodos de cálculos de primeiros princípios e as técnicas experimentais é bastante vantajosa. Neste trabalho será empregado o método FPLAPW, utilizado através do código computacional WIEN2k [3], para investigar propriedades estruturais, eletrônicas e ópticas de três diferentes compostos: (1) o material cristalino cintilador (Bi4Ge3O12, BGO), tanto puro quanto dopado com Cr; (2) cristal com estrutura sillenite (Bi12TiO20, BTO) que tem como principal propriedade óptica a fotorrefratividade; e (3) o cristal de espodumênio alfa (αLiAlSi2O6) que é considerado uma pedra preciosa e é um material com potencialidade para finalidades cintiladoras. Os três materiais citados acima são tecnologicamente importantes, sendo que algumas de suas aplicações dependem de uma melhor descrição microscópica de suas propriedades. Em especial, a investigação da influência que certos defeitos pontuais e impurezas causam em suas propriedades ópticas. Nas três próximas seções serão discutidas as motivações que levaram ao estudo dos três materiais citados no parágrafo acima. 1.3 Bi4Ge3O12 (BGO) puro e dopado com Cr O cristal de BGO com estrutura cristalina conhecida como eulytine é um material bem conhecido devido às suas notáveis características cintiladoras (descobertas em 1973 por 2 Weber e Monchamp [6]). Cristais de BGO são utilizados como detector de radiação em medicina nuclear (por exemplo, em tomografia de emissão de pósitrons [7]) e em pesquisa científica (calorímetros eletromagnéticos [8]). Além dessas aplicações, originadas de suas propriedades luminescentes intrínsecas, o BGO também possui importantes aplicações em dispositivos eletro-ópticos e na área da óptica não-linear [9]. Isso porque ele representa um dos poucos cristais não dopados que exibem resposta fotorrefrativa em regiões de menores comprimentos de onda do ultravioleta [10]. Análises de amostras de BGO dopadas e não dopadas mostram que cristais puros (nominalmente não dopados) contêm impurezas de Fe e Cr [11]. Essas impurezas são importantes, pois introduzem níveis de energia dentro do gap fundamental e mudam as propriedades ópticas do composto puro. Em particular, a presença de Cr na matriz cristalina do BGO é determinante em algumas de suas aplicações. É atribuída, por exemplo, a esse tipo de impureza o aumento da absorção da luz de cintilação pela própria matriz cristalina [12]. Com isso, ocorre uma diminuição na emissão de luz pelo cristal e, como consequência, sua eficiência cintiladora é prejudicada. Outro problema relacionado com a presença de Cr é a diminuição da resistência do material a danos causados pela própria radiação incidente [13], pois essa resistência determina o seu tempo de vida útil após altas doses de radiação. Por outro lado, a impureza de Cr acentua as propriedades fotorrefrativas do cristal de BGO [14]. O BGO dopado com Cr também tem sido investigado com um material ativo para laser de estado sólido (isto é, uma matriz cristalina hospedeira) que funcione em temperatura ambiente e seja sintonizável em frequências próximas ao infravermelho [15]. Vários estudos foram realizados até o momento com o BGO dopado com Cr os quais discutem, principalmente, suas propriedades ópticas e a possibilidade de acomodação da impureza de Cr na matriz cristalina de BGO. Eles, entretanto, oferecem interpretações diferentes para a origem das bandas no espectro de absorção óptica devido à impureza. Chernei et al. [16] e Mello et al. [12], com base na espectroscopia óptica para analisar o espectro de absorção medido, assumiram que todas as bandas de absorção originam-se de transições eletrônicas entre níveis de energia causados pela presença do íon Cr4+ no sítio de simetria tetraédrica do íon Ge4+. Enquanto que Yingpeng et al. [17] atribuíram à origem das bandas a presença de íons Cr3+ e Cr4+ na posição do Ge4+. Nenhum desses trabalhos considerou a possibilidade da impureza ocupar o sítio octaédrico do íon Bi3+, como indicado pelo estudo de ressonância paramagnética eletrônica (EPR) de Bravo et al. [15]. Neste último trabalho, eles discutem que a impureza de Cr pode assumir valência 4+ ou 3+, ocupando o sítio do Ge4+ e Bi3+, respectivamente, sem a necessidade de compensação de carga. A 3 concentração do íon Cr3+ é, contudo, estimada ser 50 vezes menor do que a do íon Cr4+ [15]. Um estudo teórico de Wu e Dong [18], baseando-se nas aplicações das fórmulas de teoria de perturbação em parâmetros de EPR, analisou o Cr situado no sítio do Bi e concluiu que a impureza sofre um deslocamento ao longo do eixo C3 e no sentido do centro dos oxigênios que estão posicionados nos vértices de um octaedro. 1.4 Bi12TiO20 (BTO) O BTO é um cristal que pertence à família dos óxidos do bismuto com estrutura sillenite descrita pela fórmula química Bi12MO20 (BMO), em que M pode ser em princípio qualquer elemento dos grupos II – VIII da tabela periódica [19]. Os compostos em que M é o Ge (BGO), ou Si (BSO) ou Ti (BTO), porém, são mais conhecidos e estudados. Esses compostos cristalizam-se em uma estrutura cúbica com grupo espacial I23 e possuem interessantes propriedades físicas que atraem atenção devido às amplas possibilidades de aplicações práticas. Principalmente, os BMO’s (M = Ge, Ti, ou Si) exibem alta fotossensitividade e mobilidade de portadores de carga, fatos que favorecem o seu uso em holografia, interferometria dinâmica, ampliação de sinais luminosos e processamento de imagens [20-22]. Por outro lado, os sillenites geralmente exibem pequeno coeficiente eletroóptico e alta atividade óptica, características que diminuem sua eficiência de difração, influenciam transferência da energia entre os átomos constituintes e geralmente atrapalham suas aplicações holográficas [23]. Embora esses três materiais tenham mesma estrutura cristalina e composições químicas quase idênticas, o BTO tem maior potencial de aplicação por duas razões: (1) sua alta sensibilidade holográfica na faixa da luz vermelha do espectro que corresponde aos comprimentos de onda emitidos pelos lasers comumente usados (He-Ne lasers), e (2) sua atividade óptica (isto é, a propriedade de girar o plano de polarização da luz incidente) é significativamente menor do que a do BGO e a do BSO [24-26]. Portanto, o BTO é o material mais indicado para aplicações que envolvem armazenamento de imagem holográfica. Fora essas importantes aplicações, o BTO também tem sido estudado como um material alternativo ao óxido de titânio (TiO2) para uso em fotocatalisador de poluentes orgânicos [27]. Ao longo dos anos, há um interesse contínuo de modificar algumas das características físicas e químicas dos BMO’s com objetivo de ampliar e melhorar suas aplicações práticas. Deseja-se, principalmente, diminuir a atividade óptica e aumentar o valor do coeficiente eletro-óptico dos BMO’s. Como também, para sintonizar sua absorção de luz na faixa de 4 comprimento de onda correspondente a luz emitida pelos lasers semicondutores, é altamente desejado deslocar, de maneira controlada, sua sensibilidade fotorrefrativa na direção de comprimentos de onda maiores (parte vermelha e infravermelha do espectro). A modificação das propriedades dos BMO’s usualmente é realizada através de dopagem dos materiais. Para que os materiais possam ser dopados de maneira controlada e com resultado previsível, é preciso alcançar o conhecimento e o controle sobre o espectro de absorção dos BMO’s, sabendo-se a origem dos níveis e bandas que aparecem dentro do gap fundamental. Várias experiências foram realizadas com esse objetivo, caracterizando eletricamente e opticamente os sillenites, tanto puros quanto dopados com Pb, Zr, Ga, V, Ce e Ru [28-31]. Infelizmente, os espectros de absorção são extremamente complexos e sensíveis às influências internas (defeitos intrínsecos e extrínsecos) e externas (luz, campo elétrico). Apesar da detecção de muitas bandas que foram parcialmente caracterizadas do ponto da vista fenomenológico, a conclusão final sobre a origem das bandas e a identificação dos centros fotorrefrativos não foi ainda atingida. Uma das principais discussões na literatura sobre os BMO’s está associada à natureza dos centros responsáveis pela absorção óptica entre 2,2 e 3,0 eV e pelos efeitos fotorrefrativos desses compostos. Um dos primeiros estudos, realizados com o BSO, afirmou que a banda de absorção óptica se origina de vacâncias de átomos de Si [32]. Oberschmid et al. [33], entretanto, atribuíram a essa banda à ocupação incorreta da posição do M pelo átomo de Bi (BiM), que é um defeito intrínseco denominado defeito antissítio. Foldvari et al. [34] discordaram dessas duas últimas conclusões e afirmaram que as impurezas de Fe exibem maior influência nessa faixa de absorção óptica. Reyher et al. [35] e um outro trabalho publicado mais recentemente [36] confirmaram que o defeito intrínseco mais importante em sillenites é exatamente o BiM. Como o átomo de Bi possui um elétron extra na sua camada de valência em relação ao átomo M tetraedricamente coordenado, o modelo proposto para assegurar a compensação de carga do sistema é aquele em que existe a vacância de um elétron localizada entre o átomo M (do defeito) e um dos seus quatro oxigênios mais próximos (primeira esfera de coordenação). No caso particular do BTO, resultados de Frejlich et al. [31] indicam que a banda de energia dentro do gap fundamental, responsável pela fotorrefração neste material, está centralizada em torno dos 2,2 eV abaixo do fundo da banda de condução. Apesar dessa determinação, eles não caracterizam microscopicamente a origem dessa banda e discutem seus resultados baseando-se no modelo do defeito BiTi, em que a neutralidade do sistema é adquirida pela ausência de um elétron entre os dois oxigênios ligantes do Ti. 5 1.5 α-LiAlSi2O6 (espodumênio alfa) O espodumênio alfa é um cristal natural de fórmula química LiAlSi2O6 e possui simetria cristalina monoclínica [37]. Ele é encontrado em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. Aparece como grandes cristais, sendo bastante usado nas indústrias de vidros e cerâmicas [38]. Existem três variedades de espodumênio coloridas que são consideradas pedras preciosas: a amarela (triphano), a lilás (kunzita) e a verde (hiddenita). A cor é devida à absorção da luz por algumas impurezas comumente encontradas no material como o Fe, Mn e Cr. A relação entre cor e a impureza depende do sítio ocupado por elas na rede cristalina, dos seus estados de valência e concentração. Além disso, a cor verde do espodumênio pode ser induzida com radiação gama ou raios X, e o lilás pode sofrer mudanças de cor quando submetidos a tratamentos térmicos. Essa última variedade exibe efeito de luminescência, tendo a possibilidade de ser utilizado como cintilador [39]. Todas as propriedades citadas acima fazem do espodumênio um material de interessantes propriedades ópticas para diversas aplicações, em especial para a indústria de joias. Até o momento, o estudo da origem dos centros de cor nas variedades de espodumênio tem sido feito apenas através de experimentos e por análises comparativas entre diferentes sistemas [40-42]. Dessa forma, mais esforços experimentais e teóricos ainda necessitam ser realizados para esclarecer a origem dos centros de cor nesse material. No espectro de absorção óptica do cristal de espodumênio lilás (não irradiado e/ou pré-aquecido) foram observadas por Fujii et al. [40] duas bandas de absorção em torno dos 350 e 530 nm, enquanto que Souza et al. [41] observaram três bandas em torno de 430, 530 e 630 nm. As duas primeiras bandas, em ambos os trabalhos, estão relacionadas a cor lilás do composto. Um estudo baseado em ressonância paramagnética eletrônica (EPR) [43] indica a presença de íon Mn4+ substituindo o íon Al3+ no sítio de simetria octaédrico. Para assegurar a neutralidade do sistema, foi proposta a existência de vacância de Li+ ou a presença de outra impureza como o Ca2+, Fe2+ ou Mn2+ em um sítio octaédrico do material [44]. Os cristais de espodumênio verde e amarelo apresentam espectros de absorção óptica similares, seus picos estão centrados no mesmo comprimento de onda e diferem apenas pelas intensidades [40]. São observados picos nos seguintes comprimentos de onda: 1640, 1110, 630, 500 e 360 nm. A origem dos picos, exceto o de 630 nm, é atribuída às transições eletrônicas entre estados do íon Fe2+ em um sítio de simetria octaédrica. A compensação de carga, nesse caso, é dada pela substituição de um Li+ por um Ca2+. 6 1.6 Organização da tese Os compostos de BGO, BTO e espodumênio alfa, como foi discutido nas seções 1.3, 1.4 e 1.5, são materiais de grande interesse prático e algumas de suas aplicações dependem de uma melhor descrição microscópica de suas propriedades. Em especial, são necessários estudos sobre a influência que a presença de alguns defeitos ou impurezas específicas causa nas propriedades ópticas desses materiais. Um estudo teórico, baseado na DFT, irá proporcionar novas informações que caracterizarão em um nível microscópico os compostos puros e com a presença de impurezas ou defeitos. Essas informações auxiliam na interpretação dos dados experimentais e promovem conhecimento para a melhoria das propriedades de interesse prático desses compostos. O estudo de defeitos e impurezas nas matrizes cristalinas através dos métodos baseados em DFT, em geral, se divide em duas etapas: (1ª) baseada na investigação das propriedades do sistema puro, isto é, sem levar em conta nenhum defeito intrínseco ou dopagem de alguma impureza e (2ª) envolve o estudo do sistema contendo o defeito ou a impureza de interesse. Confrontando os resultados das propriedades dos dois sistemas (puros e com defeito/impureza) são retiradas as previsões teóricas que são comparadas, quando possível, com os resultados experimentais. O trabalho apresentado nesta tese correspondeu ao estudo de algumas propriedades estruturais, eletrônicas e ópticas do: (1ª) BGO puro; (2ª) BGO dopado com Cr, que inclui o estudo do sistema em que o átomo de Cr substitui o átomo Ge no sítio de simétrica tetraédrica e outro no qual o átomo de Cr substitui o átomo de Bi no sítio de simetria octaédrica; (3ª) BTO puro; e (4ª) espodumênio alfa também puro. Neste último estudo foi determinada à orientação dos eixos principais do cristal do espodumênio em relação aos seus eixos cristalográficos, fato que permite determinar os eixos ópticos do cristal para cada frequêcia da radiação incidente. Esta investigação completou o trabalho previamente realizado na dissertação de mestrado do autor desta tese, em que foram calculadas as propriedades eletrônicas e ópticas, mas sem levar em conta à orientação cristalográfica nas suas propriedades ópticas. Esta tese está dividida em duas partes. A primeira delas é dedicada à descrição das principais características da metodologia empregada. O capítulo 2 é dedicado à abordagem da DFT e do método FPLAPW. O capítulo 3 descreve algumas das propriedades que o método permite calcular. A segunda parte diz respeito à aplicação desse método nos cálculos das propriedades do BGO puro (capítulo 4), BGO dopado com Cr (capítulo 5), BTO puro 7 (capítulo 6) e espodumênio alfa (capítulo 7). No capítulo 8 são feitas as conclusões e as perspectivas de continuidade de futuros trabalhos. Na sequência, desse último capítulo, seguem as referências bibliográficas. Por fim, no apêndice A, é redigida uma lista com os artigos publicados e submetidos que se originaram desta tese com suas respectivas cópias. 8 PARTE I: Metodologia Empregada 9 Capítulo 2 A DFT e método FPLAPW 2.1 A solução de um problema quântico de muitos corpos O estudo das propriedades dos elétrons em átomos, moléculas e em sólidos tem como ferramenta matemática básica a resolução da equação: H φ = Eφ , (2.1) a qual tem solução exata apenas para um sistema constituído de um núcleo e um elétron, como, por exemplo, o átomo de hidrogênio. Dessa forma, para um sólido, que é uma coleção de partículas leves (elétrons) e pesadas (núcleos) interagindo eletromagneticamente, ela não possui solução exata e, por isso, aproximações devem ser adotadas com o objetivo de resolvêla. O hamiltoniano exato não relativístico para esse sistema é: H = Te + Tn + Vnn + Vne + Vee , (2.2) onde o primeiro e o segundo termo são a energia cinética dos elétrons e dos núcleos, respectivamente. Os três últimos termos descrevem a interação coulombiana núcleo-núcleo, núcleo-elétron e elétron-elétron. A primeira aproximação adotada, conhecida como de Born-Oppenheimer (ou adiabática), consiste em desprezar o movimento nuclear ( Tn = 0 ) em relação ao dos elétrons. Aplicando-a, o problema pode ser redefinido como constituído de um conjunto de partículas negativas interagindo e se movendo sob o potencial externo, Vext , do sistema nuclear. Assim, H = Te + Vee + Vext , (2.3) onde Vext = Vnn + Vne , com coordenadas nucleares constantes. É importante notar que os dois primeiros termos à direita da equação (2.3) são independentes da espécie particular do sistema eletrônico que esteja sendo estudado. Eles são, portanto, universais para qualquer tipo de composto no estado sólido. As informações específicas do sistema estão inteiramente contidas no Vext. Depois desta primeira aproximação, o passo seguinte é transformar o hamiltoniano (2.3) de muitos corpos em um, de um único corpo. Existem dois métodos que realizam essa 10 tarefa. Um deles baseado na teoria de Hartree-Fock e um outro baseado na teoria do funcional da densidade (DFT). Na teoria de Hartree-Fock os efeitos de correlação eletrônica, isto é, o quanto a energia cinética de um elétron é afetada pelos demais, são desprezados totalmente. Já a interação dos elétrons devido ao seu spin, interação de troca é tratada de forma exata. Na teoria do funcional da densidade, por outro lado, ambos os efeitos de troca e correlação são tratados de forma aproximada como será discutida na próxima seção. 2.2 Teoria do funcional da densidade (DFT) A DFT foi formalmente estabelecida em 1964 devido aos dois teoremas de Hohemberg e Kohn [1]. O primeiro afirma que existe correspondência um a um entre r r densidade eletrônica do estado fundamental, ρ (r ) , e potencial externo, Vext (r ) , para um sistema de muitos elétrons. Assim, a média de qualquer observável Ô é funcional único de r ρ (r ) , isto é: φ Ô φ = O [ ρ ], (2.4) r O segundo teorema diz que para um dado ρ (r ) , pode-se definir o funcional energia r total, E[ ρ ] , que será mínimo quando ρ (r ) for a densidade correta do estado fundamental de r um gás de elétrons sob a influência de um potencial externo, Vext (r ) . Considerando o hamiltoniano (2.3), o funcional energia total no estado fundamental é definido por: E[ ρ ] = φ T + V φ + φ Vext φ 14243 FHK [ ρ ] r r E[ ρ ] = FHK [ ρ ] + ∫ d 3 rVext (r ) ρ (r ), (2.5) onde FHK [ ρ ] é um funcional desconhecido da densidade eletrônica, universal e não depende do potencial externo. A extensão desses dois teoremas para sistemas spin-polarizados é obtida de forma direta, ou seja, decompondo-se a densidade de carga no estado fundamental em uma de spin up e outra de spin down [45]. Dessa forma, a energia total e as outras propriedades do estado fundamental também serão funcionais de uma densidade de spin up e down. Para que os teoremas de Hohemberg e Kohn tenham valor prático é preciso implementar uma aproximação para o funcional desconhecido, FHK [ ρ ] . Com esse propósito ele é escrito como: 11 r r e2 3 3 ' ρ ( r ) ρ ( r ') + T0 [ ρ ] + Vxc [ ρ ] , FHK [ ρ ] = ∫ d rd r r r 2 r −r' (2.6) onde o primeiro termo corresponde à repulsão coulombiana dos elétrons (termo de Hartree). O segundo é a energia cinética de um sistema eletrônico não interagente, e o último é denominado de potencial de troca e correlação. É importante frisar que a energia cinética aqui definida não é a verdadeira do sistema, a qual é difícil de ser calculada por causa dos efeitos de muitos corpos. Ela é apenas a energia cinética de um sistema fictício não interagente com r densidade ρ (r ) . A parte da energia cinética difícil de ser calculada está contida no desconhecido potencial de troca e correlação. O segundo teorema de Hohemberg e Kohn torna possível o uso do princípio variacional para encontrar a energia no estado fundamental. Assim, para que a energia seja minimizada, ela deve satisfazer a equação variacional: δ ( E[ ρ ]) = 0 . (2.7) A substituição de (2.6) em (2.5) e a aplicação da condição (2.7), resulta em: r' δ T0 [ ρ ] δ Vxc [ ρ ] ⎫⎪ r ⎧⎪ r 3 2 3 ' ρ (r ) + + d r δρ ( r ) V ( r ) e d r ⎨ ext ∫ ∫ rr − rr ' δρ (rr) + δρ (rr) ⎬ = 0. ⎩⎪ ⎭⎪ (2.8) r A variação de carga, δρ (r ) , está sujeita a condição: ∫d 3 r rδρ (r ) = 0. (2.9) Os termos dos potenciais entre chaves, na expressão (2.8), são análogos aos da energia total de um sistema eletrônico não interagente em que os elétrons se movem em um potencial efetivo, r' r r r 2 3 ' ρ (r ) Vef (r ) = Vext (r ) + e ∫ d r r r ' + vxc (r ). r −r (2.10) Aqui o potencial de troca e correlação (mais detalhes serão dados na seção 2.3) está sendo definido por: r δV [ ρ ] v xc (r ) = xc r . δρ (r ) (2.11) É importante ressaltar que a analogia com o sistema de elétrons não interagente só foi possível graças à transformação escolhida para o termo de energia cinética, isto é, devido à 12 transferência dos efeitos de muitos corpos para o potencial de troca e correlação. O hamiltoniano desse sistema fictício é: H KS = − r 1 r2 ∇ + Vef (r ). 2me (2.12) O qual é denominado de hamiltoniano de Kohn e Sham. r A densidade eletrônica no estado fundamental, ρ (r ) , pode ser obtida achando-se autovalores e autovetores do H KS , isto é, resolvendo-se formalmente as equações do tipo de Schrödinger: ⎡ 1 r2 r ⎤ r r ∇ + Vef (r ) ⎥ φi (r ) = ε iφi (r ), ⎢− ⎣ 2me ⎦ (2.13) para calcular: r N v ρ (r ) = ∑ φi (r ) , 2 (2.14) i =1 onde a soma é sobre os estados ocupados com os menores autovalores ε i . As equações (2.13) r e (2.14) são denominadas equações de Kohn e Sham [2] e as funções φ i (r ) , são conhecidas como orbitais de Kohn e Sham. r Das equações acima, nota-se que o potencial efetivo depende da densidade, ρ (r ) , a r qual, por sua vez, depende de φ i (r ) que deverão ser encontradas. Para resolver esse problema, utiliza-se o procedimento autoconsistente (ver ilustração na fig. 1) descrito da seguinte forma: primeiro, constrói-se uma densidade inicial, ρ 0 , para montar o hamiltoniano, H KS1 . Resolvendo o problema de autovalores e autovetores, o resultado é um conjunto de autofunções, φ1 , a partir do qual a nova densidade, ρ1 , pode ser determinada. Como em geral ρ0 ≠ ρ1 , a densidade de carga recém calculada, ρ n , é misturada com a anterior, ρ n −1 , e essa combinação passa a ser a nova densidade. Agora ρ1 será usada para construir o novo hamiltoniano, H KS 2 , o qual produzirá nova densidade, ρ 2 . Esse procedimento continuará até que a densidade não mude de um ciclo para outro, isto é, ρ n = ρ n −1 . Quando essa condição for atingida, significa dizer que ela é a densidade de carga que minimiza a energia e consequentemente o problema estará resolvido. 13 constrói ρ 0 entrada ρn-1 determina Vef HKSn resolve HKSnφn = εnφn obtêm φn constrói ρn de φn não ρ n = ρ n −1 ? sim ρn é a densidade procurada Figura 1: Fluxograma para as n-ésimas interações no procedimento autoconsistente para resolver as equações de Kohn e Sham. 14 2.3 Aproximações para o potencial de troca e correlação As equações de Kohn e Sham demonstram que é possível resolver um problema quântico de muitos corpos transformando-o em vários de um único corpo que se move sob um potencial efetivo. Com esse esquema, têm-se N equações de uma partícula e não mais uma equação de N partículas interagentes. A complexidade do problema real de muitos corpos foi transferida para o potencial de troca e correlação, que é desconhecido. As aproximações usuais para o potencial de troca e correlação são da densidade local (LDA – local density approximation) e do gradiente generalizado (GGA – generalized gradient approximation). A LDA consiste em substituir o potencial de troca e correlação do sistema interagente pelo potencial de troca e correlação de um gás eletrônico homogêneo, muito mais simples e com a mesma densidade eletrônica do sistema real. Esse potencial é calculado a partir da expressão: r r Vxc [ ρ ] = ∫ d 3r ρ (r )ε xcghom [ ρ (r )], (2.15) r onde ε xcghom [ ρ (r )] é a energia de troca e correlação de um gás homogêneo de elétrons, cuja densidade é determinada pela equação (2.14). Assim, a expressão (2.11) assume a forma: r r r d ( ρ (r )ε xcghom [ ρ (r )]) vxc (r ) = . r d ρ (r ) (2.16) r Como ε xcghom [ ρ (r )] é conhecido, resta somente conhecer a densidade eletrônica para determinar (2.16). Para entender a ideia básica da LDA, pode-se pensar que o sistema de interesse é dividido em pequenos volumes infinitesimais, de modo que sobre cada um desses volumes a densidade de partículas possa ser considerada constante. A contribuição de cada um desses volumes para a energia de troca e correlação é igual à energia de troca e correlação de um volume idêntico preenchido por um gás homogêneo de elétrons com a mesma densidade do sistema original. A princípio poder-se-ia pensar que esta é uma aproximação válida somente para sistemas onde a densidade eletrônica não varia muito, porém, depois de muitas investigações bem sucedidas com diversos materiais, ela mostra-se muito útil e aplicável para vários sistemas. Além da LDA, outra aproximação conhecida é a GGA, que tem uma expressão similar r à (2.15), mas o termo ε xcghom [ ρ (r )] é substituído por uma função que, além de depender da densidade local, também depende da magnitude do gradiente, ou seja, 15 r r r ε xcg [ ρ (r )] → ε xcg [ ρ (r ), ∇ρ (r ) ] . hom hom (2.17) Essa consideração é realmente desejável, pois a densidade eletrônica de um sistema real não é homogênea e varia espacialmente. Dessa forma, a aproximação do gradiente generalizado tem aplicações mais gerais do que a da densidade local [45]. 2.4 Conjunto de funções de base No esquema autoconsistente, proposto por Kohn e Sham, para a determinação da densidade eletrônica no estado fundamental, deve-se resolver o seguinte problema de autovalores: H KS φ i = ε i φ i . A técnica usual para resolvê-lo é expandindo φ i (2.18) em um conjunto apropriado de funções de base, ∞ φ i = ∑ cij φ j b , (2.19) j =1 onde φ bj são funções de base e cij são os coeficientes da expansão. Substituindo (2.19) em (2.18) e multiplicando φ m pela esquerda, obtém-se: ∑∑ c c [ φkb H KS φ bj − ε i φkb φ bj ] = 0, * mk ij k (2.20) j onde jk H KS = φ kb H KS φ bj , (2.21) são os elementos de matrizes do hamiltoniano de Kohn-Sham, e S jk = φ kb φ bj , (2.22) é denominada matriz de sobreposição. Nota-se que a expansão (2.19) é infinita, mas para que os cálculos possam ser feitos na prática, deve-se ter um conjunto limitado de funções de base. Quanto maior o número destas, melhor será a aproximação para a função de onda. Isso implica, entretanto, que o tempo 16 consumido no processo para que seja feita a diagonalização da matriz (formada pelos jk ) também será maior. elementos de matriz H KS Com o propósito de resolver a equação (2.18) de forma mais eficiente, foram criados vários métodos de cálculos como pseudopotencial (PP), projector augmented wave (PAW), full potential linear augmented plane waves (FP-LAPW), linear muffi-tin orbital (LMTO) etc, todos baseados na DFT, que se diferenciam principalmente pela escolha do conjunto de funções de base. Dentre os métodos existentes, será discutido na próxima seção o método FPLAPW, implementado no código WIEN2k [5], que foi utilizado como ferramenta de cálculo para este trabalho. 2.5 O método (L)APW O método LAPW (linear augmented plane waves) é fundamentalmente uma modificação do método APW (augmented plane waves) desenvolvido por Slater [46]. A ideia básica que motivou a construção da base APW, se baseou no fato de que em regiões distantes dos núcleos, o potencial cristalino é aproximadamente plano, e por conta disso a solução da equação de Schrödinger pode ser expressa como combinação linear de um número razoável de ondas planas. Por outro lado, nas regiões próximas aos núcleos, o potencial sofre grandes oscilações, e a solução exige a combinação de um número muito grande de ondas planas. Portanto, as funções de onda eletrônicas são melhores representadas pelo produto de dois fatores: (1) uma função radial, ulα (r , E ) , equivalente à solução da equação radial de Schrödinger com a parte esférica do potencial cristalino, ⎡ d 2 l (l + 1) ⎤ + V (r ) − E ⎥ rul (r ) = 0 , ⎢− 2 + 2 r ⎣ dr ⎦ (2.23) e (2) uma outra função, Ylm (θ , ϕ ) , que descreve a dependência dos ângulos através dos harmônicos esféricos. Como consequência, o espaço cristalino fica dividido em duas regiões distintas; ilustradas na figura 2, nas quais os diferentes conjuntos de funções de base são usados. A função de onda do elétron em um cristal, portanto, pode ser expandida da seguinte forma: 17 r r r ⎧ 1 i ( k + K ).r re c ∑ ⎪⎪ V r K r K φ (r , E ) = ⎨ ⎪∑ A uα (r ' , E )Y (θ ' , ϕ ' ) lm ⎪⎩ lm lm l r r ∈I r r ∈ Sα , (2.24) onde Sα corresponde à região chamada de esfera muffin-tin (MT), envolvendo cada átomo do r tipo α e I corresponde ao espaço fora dessas esferas, denominada de região intersticial. K é o r vetor de translação da rede recíproca, k um vetor de onda dentro da primeira zona de r Brillouin e V o volume da célula unitária. Os ângulos θ’ e φ’ especificam a direção de r ' em coordenadas esféricas. Note que o vetor posição dentro da esfera é dado em relação ao centro de cada esfera, isto é, rr ' = rr − rrα . Figura 2: Divisão do espaço cristalino em esferas muffin-tin (Sα e Sβ) e região intersticial (I), para um caso particular de uma célula unitária com dois átomos, situados nos centros das esferas. A representação dual da base APW não garante a continuidade da função de onda na superfície da esfera. Para contornar esse problema, os coeficientes Alm da expansão (2.24) devem ser definidos em termos dos coeficientes cKr . Isso pode ser feito através da expansão de ondas planas em harmônicos esféricos, onde os coeficientes de cada componente lm são r r combinados na superfície da esfera, r ' = Rα . Esse procedimento leva a expressão: Alm = r r r r 4π i * r j ( k + K R )Y ( k + K ), c ∑ l α lm K V ul ( Rα , E ) Kr α (2.25) 18 r r onde jl ( k + K Rα ) é a função de Bessel de ordem l. Desse modo, os coeficientes Alm são determinados pelos coeficientes cKr , mas o parâmetro de energia, E, que define a parte radial da solução, ainda, é desconhecido. Para determinar esse parâmetro, um procedimento autoconsistente deve ser aplicado para cada função ulα , pois ele é igual ao próprio autovalor desconhecido, E = ε krn , na equação radial de Schröedinger. Isso se torna um problema bastante “caro” do ponto de vista computacional. Esse foi o ponto negativo do método APW que motivou a construção do formalismo LAPW. Para contornar o problema da base APW, Andersen [47] propôs a linearização da base APW e foi criado o método LAPW [48]. Neste método, a função de onda da parte radial é construída sem a dependência da energia E. Isso é possível expandindo a função radial em uma série de Taylor em torno de uma energia fixa E0 . Escrevendo apenas até o termo de ordem linear, fica-se com a seguinte expressão para a expansão da energia em torno de E = E0 : ulα (r ', E ) = ulα (r ', E0 ) + ( E − E0 )u&lα ( r ', E0 ). (2.26) Nessa expressão surge um termo desconhecido, ( E − E0 ) , o qual será tratado como um coeficiente, Blm , a ser determinado, juntamente com o coeficiente Alm a partir das condições de contorno do problema. Substituindo a equação (2.26) na (2.24), obtém-se a seguinte expansão da função de onda: r r r ⎧ 1 i ( k + K ).r re c ∑ r ⎪⎪ V Kr K φ (r ) = ⎨ ⎪∑ [ A u α (r ' , E ) + B u&α (r ', E )]Y (θ ' , ϕ ' ) lm l lm 0 0 ⎪⎩ lm lm l r r ∈I r r ∈ Sα . (2.27) A equação acima, ainda, não corresponde à definição final da base LAPW, pois é preciso saber como escolher o valor de E0 . Se, por exemplo, pretende-se descrever um autoestado que tenha caráter predominantemente p (l = 1) para um dado átomo α, é extremante vantajoso escolher uma energia E0 próxima ao centro da banda p, pois o erro na linearização da energia é menor. Esses argumentos podem ser repetidos para os estados s, d e f, e para todos os átomos da célula unitária. Diante disso, certamente, não se pode optar por uma energia E0 universal, mas um conjunto bem particular, Elα , e daí pode-se definir, finalmente, a base LAPW da seguinte forma: 19 r r r ⎧ 1 i ( k + K ).r re c ∑ r ⎪⎪ V Kr K φ (r ) = ⎨ ⎪∑ [ A u α (r ' , E α ) + B u&α (r ', E α )]Y (θ ' , ϕ ' ) l lm l l lm ⎪⎩ lm lm l r r ∈I (2.28) r r ∈ Sα . Novamente, será preciso usar a expansão de ondas planas em harmônicos esféricos para fazer a combinação das duas funções nas bordas das diferentes regiões (nas superfícies das esferas atômicas) e, assim, obter os coeficientes Alm e Blm como funções de cKr . A base LAPW, entretanto, não é muito adequada para tratar os estados que possuem energias que se encontrem longe da energia de linearização, tais como os chamados estados de semicaroço. Estes estados, apesar de terem um mesmo número quântico principal igual aos estados da valência, possuem autovalor muito distante deles. Para melhorar a linearização da base LAPW, Singh [49] introduziu os chamados orbitais locais (LO’s), em que é possível usar diferentes energias de linearização para os estados com o mesmo número quântico orbital l, mas diferentes números quânticos principais n (por exemplo, estados 3s e 4s ambos pertencentes à valência). Assim, a base com orbitais locais consiste em uma combinação linear de duas funções radiais em duas diferentes energias; E1,αl e E2,α l (onde E1,αl corresponde à energia de linearização do estado mais próximo ao nível de Fermi e E2,α l representa o valor para o estado mais interno, em relação ao nível de Fermi) e uma derivada da energia em uma delas. Dessa forma, portanto, a função de onda do elétron nessa base é expressa por: r r φlmα , LO (r ) = [ Almα , LO ulα (r ' , E1,αl ) + Blmα , LOu&lα (r ', E1,αl ) + Clmα , LO ulα (r ', E2,α l )]Ylm (θ ' , ϕ ' ) r ∈ Sα . (2.29) A base com orbitais locais é definida para um determinado valor de l e m, e também, para um átomo α. Os estados com energia E2,α l são chamados de estados de semicaroço. Os α ,LO α ,Lo α ,LO , Blm e Clm serão determinados ao se requerer que a base de orbitais três coeficientes Alm locais seja normalizada e tenha valor e derivada zero nos contornos da esfera. 2.6 Efeitos relativísticos No método LAPW são diferenciados três tipos de estados eletrônicos: estados de caroço, semicaroço e de valência. Os estados de caroço geralmente apresentam energias atômicas abaixo de -6,0 Ry e possuem densidades eletrônicas totalmente confinadas nas esferas atômicas. Os estados de semicaroço não possuem as cargas totalmente confinadas nas esferas atômicas, mas uma pequena porcentagem está fora delas. Geralmente, possuem 20 valores de energia entre -1,0 e -6,0 Ry. Já os estados da valência são os estados de maior energia ocupados que apresentam uma quantidade de carga significativa fora das esferas atômicas. Os estados eletrônicos de caroço, semicaroço e valência são tratados de forma diferenciada no cálculo utilizando o método (L)APW. Os estados de semicaroço e valência são expandidos na base de funções APW/LAPW usando o potencial cristalino, enquanto que os do caroço são calculados por um código computacional atômico que trata esses estados de forma totalmente relativística. Essa aproximação, no método (L)APW, é denominada de aproximação relativística escalar. A outra forma leva os efeitos relativísticos para os estados de semicaroço e valência através de um segundo método variacional [50]. Neste método, é incluído o acoplamento spin-órbita (SO), indispensável para descrever corretamente os estados eletrônicos de átomos com números atômicos altos. Como será discutido, por exemplo, no átomo de Bi dos compostos BGO e BTO estudados neste trabalho. 21 Capítulo 3 Propriedades eletrônicas e ópticas baseadas na DFT 3.1 Estrutura eletrônica Na mecânica quântica, a informação sobre o sistema eletrônico está contida na função de onda. Em cálculos baseados na DFT, a solução estacionária do problema é descrita por um estado φkr que é um auto-estado do hamiltoniano de Kohn-Sham. Em um sólido cristalino, para se calcular o espectro de autovalores, aplicam-se as condições de contorno periódicas. A solução da equação de autovalores para esse problema r dará diferentes valores de energia para cada vetor k da rede recíproca. Esses valores são indexados pelo índice n. Para cada n existe um conjunto de diferentes autovalores, ε krn , os r quais correspondem aos diferentes valores de k . Esse conjunto, forma bandas de energias identificadas pelo número quântico n. Para que os autovalores, ε krn , sejam estudados, é preciso escolher um conjunto de r pontos k na primeira zona de Brillouin. Assim, seleciona-se um caminho ao longo dos pontos de alta simetria na primeira zona de Brillouin e calculam-se as energias, ε knr , para cada r r vetor k do caminho escolhido. Representando essas energias em função dos pontos k escolhidos, o resultado é conhecido como estrutura das bandas. No cálculo de estrutura de bandas de energia, a simetria do cristal é de grande importância. Para discutir cuidadosamente essa afirmação seria preciso recorrer à teoria de grupo. Mas, em linhas gerais, existe um teorema básico no qual se afirma que qualquer operação tal como uma rotação em torno do eixo do cristal, que deixa ele invariante, também transforma a função energia nela própria. Isso pode ser usado para classificar e simplificar os níveis de energia e funções de onda que correspondem a vários pontos na zona de Brillouin; isto é, para um dado limite computacional, podem-se tomar valores mais precisos de ε knr em pontos de alta simetria do que em pontos arbitrários. Outra propriedade importante usada para obter informações sobre a estrutura eletrônica de um sólido é calculando a densidade de estados (DOS - density of states). Ela é 22 uma função somente da energia e define o número de estados de um elétron por unidade de volume e por unidade de energia, expressa por: g (ε ) = 2 VZB r ∑ ∫ δ (ε − ε krn )dk , (3.1) n ZB onde δ é a função delta de Dirac, o VZB é o volume da primeira zona de Brillouin e a integral r aproxima a soma sobre todos os vetores k na zona de Brillouin. O fator 2 é para levar em conta a degenerescência dos estados eletrônicos devido ao spin. A integral é calculada r numericamente usando funções de onda e autovalores de um número finito de pontos k . Dois tipos de cálculos de densidade de estados serão mostrados neste trabalho: a total (TDOS) e parcial (PDOS). A TDOS corresponde à soma sobre todos os átomos cujos estados por unidade de energia pertencem às esferas MT, enquanto PDOS é obtida como projeção de densidade de estados em um dado subnível l de um átomo, constituinte do composto. A partir do conhecimento da estrutura eletrônica de um sólido é possível saber se ele é um isolante, condutor ou semicondutor. Em um isolante a banda ocupada e mais alta em energia é chamada de banda de valência, e a próxima banda, separada por um intervalo das energias proibidas chamado gap fundamental, é completamente vazia, denominando-se banda de condução. Para que um elétron seja excitado da banda de valência para a banda de condução é necessário fornecer uma energia superior ao gap. As transições eletrônicas entre bandas são classificadas como diretas e indiretas. A r primeira ocorre quando o vetor de onda do elétron (ke ) não muda durante a transição, ou seja, r ele sai de uma banda populada para uma banda vazia que estão no mesmo ponto k da zona de Brillouin. Na transição indireta, diferentemente, o elétron muda seu vetor de onda. Nesse caso, para que a lei de conservação do momento não seja violada, um quantum de vibração da rede cristalina (fônon) entra como um terceiro corpo para compensar a diferença de momento. Consequentemente, o momento final do elétron será o do fóton mais a do fônon. Assim, a partir do conhecimento da estrutura de bandas de um sólido é possível investigar as suas propriedades ópticas. Na próxima seção, será discutido como obter a função dielétrica de um sólido e as constantes ópticas dentro do formalismo da DFT e do método LAPW. 3.2 Parte imaginária do tensor dielétrico As propriedades ópticas dos sólidos refletem a resposta do sistema eletrônico causada pela incidência de uma perturbação eletromagnética dependente do tempo. Então, o cálculo 23 das propriedades ópticas pode se resumir na determinação de uma função resposta que é denominada de tensor dielétrico complexo. A parte imaginária do tensor dielétrico está diretamente relacionada com a absorção óptica do material. Recorrendo à teoria de perturbação dependente do tempo é possível demonstrar uma expressão aproximada para a parte imaginária do tensor dielétrico. Neste tratamento, o campo eletromagnético é descrito classicamente, enquanto que os elétrons são tratados quanticamente. Com essa finalidade, serão consideradas todas as interações da radiação incidente com os elétrons do cristal. A perturbação no estado fundamental do cristal devido ao r potencial vetorial, A , do campo eletromagnético incidente causa transições eletrônicas de estados ocupados para estados vazios. O hamiltoniano exato do sistema (os elétrons + luz incidente) é: r 1 r r (3.2) ( p + eA) 2 + V (r ), 2m r r onde p é operador do momento do elétron e V (r ) é o potencial cristalino. Esse hamiltoniano H= pode ser descrito na forma: H = H 0 + H rad , (3.3) r p2 r onde H 0 = + V (r ) é o hamiltoniano eletrônico do sistema não perturbado (hamiltoniano 2m Kohn-Sham) e H rad = e r r p. A é o hamiltoniano da perturbação causada pela radiação. O 2m termo quadrático da equação (3.2) será desprezado, porque nos interessa apenas propriedades ópticas lineares. Considerando o potencial vetorial na forma de uma onda plana, tem-se: r r rr A = e . A0 ei (κ .r −ωt ) + c.c, (3.4) r onde c.c. denota o termo complexo conjugado, e é o vetor unitário de polarização na direção r do campo elétrico incidente, κ é o vetor de onda da radiação incidente e ω a sua frequência. O primeiro termo do lado direito da equação (3.4) corresponde à parte relacionada à absorção da luz e o segundo termo à emissão que não será considerada. r A probabilidade de transição para um elétron sair do estado ocupado, ε v (kv ) , na banda r de valência, para um estado vazio, ε c (kc ) , na banda de condução é dada pela regra de ouro de Fermi [51]: r r e2 w(ω , t ', kv , kc ) = 2 2 mh 2 rr r r r ∗ r r ∫ dt ' ∫ drφc (kc , r , t ') A. pφv (kv , r , t ') , t 0 (3.5) V 24 onde o limite inferior de integração sobre t’ é escolhido no instante t’ = 0 de tal forma que o r r estado, ε v (kv ) , está ocupado e o estado, ε c (kc ) , está vazio. φc e φv são os orbitais de KohnSham de condução e valência, respectivamente, já determinados. Eles são do tipo Bloch, e podem ser escritos da forma: r r φv (kv , r , t ') = e− ih r −1 ε v ( kv ) t ' r r r r u v ( k v , r ) e i ( kv . r ) (3.6) e de maneira análoga para o correspondente φc . As funções uv e uc são periódicas e contêm a periodicidade da rede cristalina. Inserindo o primeiro termo da equação (3.4) e (3.6) em (3.5), e ao mesmo tempo r r ∂A usando a relação E = − para o campo elétrico da radiação incidente, obtém-se: ∂t r r e2 E 2 w(ω , t ', kv , kc ) = 2 2 0 2 mhω t ∫ dt ' e 2 ih −1 ( ε c −ε v − hω ) t ' r r e .M vc , (3.7) 0 r r onde E0 é a amplitude de campo elétrico e e .M vc é um elemento de matriz do operador momento projetado na direção do campo elétrico, isto é: r r r r r r r r r r rr r r e .M vc = ∫ dre −i ( kc −κ ).r uc∗ (kc , r )(e . p)ei ( kv .r )uv (kv , r ). (3.8) V Segundo a lei de conservação do momento, a diferença entre os momentos eletrônicos, r r r r r r hkc e hkv , é igual ao momento do fóton, hκ , que causou a transição ( hkc − hkv = hκ ). Os r r r vetores kc e kv pertencem à primeira zona de Brillouin do cristal. Como o vetor de onda κ da radiação é muito pequeno comparado às dimensões da zona de Brillouin, ele pode ser r desprezado, κ ≈ 0 , ficando: r r k c = kv . (3.9) r A transição eletrônica que ocorre sem mudança do vetor k , é denominada de transição direta entre bandas. Existe outro tipo de transição eletrônica interbandas a qual envolve, simultaneamente, a absorção da luz com vibração da rede cristalina (fônon), denominada transição indireta entre bandas. Nesse caso, o momento final do elétron será o do fóton mais o do fônon. Esta forma de transição eletrônica não será levada em conta, portanto, sendo mais uma aproximação usada para a demonstração da parte imaginária do tensor dielétrico. Executando a integração em (3.7), é obtida uma probabilidade de transição por unidade de tempo envolvendo um par de bandas (valência e condução): 25 Wvc = e 2 E02 r r 2 e .M vc 2πδ (ε c − ε v − hω ), m 2ω 2 h 2 (3.10) e, ainda, para uma probabilidade de transição entre todos os estados de valência e condução, respectivamente, por unidade de tempo e volume, tem-se: W= rr r 2 e2 E02 dk e .M vc δ (ε c − ε v − hω ), 2 2 2 ∑ ∫ 2π m ω h v ,c ZB (3.11) onde a integração é feita sobre a primeira zona de Brillouin (ZB). Observa-se, nessa expressão, que a probabilidade de transição só não é zero se a diferença de energia entre as bandas de condução e valência coincidir com a energia da perturbação incidente, isto é: ε c − ε v = hω . (3.12) Impondo, portanto, uma segunda regra de seleção baseada na conservação da energia. Finalmente, pode-se fazer uma conexão entre equação (3.11) e a parte imaginária da função dielétrica do material. A perda de energia sofrida pela radiação incidente no cristal é dada pelo produto [51]: W .hω , (3.13) por outro lado, da teoria de Maxwell, a mesma perda de energia é expressa por: 1 σ E02 , 2 (3.14) onde σ é a condutividade elétrica a qual está relacionada à parte imaginária da função dielétrica através de Im ε = 4πσ ω . Dessa forma, igualando (3.13) e (3.14) e usando expressão (3.11), pode-se escrever para a parte imaginária da função dielétrica: 4e2 Im ε (ω ) = π m 2ω 2 rr r ∑ ∫ dk e.M v ,c ZB 2 vc δ (ε c − ε v − hω ) . (3.15) Nota-se que Im ε (ω ) é dada como sendo uma função escalar e, assim, válida apenas para meios opticamente isotrópicos (por exemplo, em sólidos cristalinos de simetria cúbica), isto é, a propriedade tem o mesmo valor para qualquer direção do campo elétrico aplicado no material. Entretanto, quando o meio é opticamente anisotrópico (por exemplo, em sólidos cristalinos de baixa simetria), observa-se que a resposta do sistema eletrônico varia de modo que ela depende da direção do campo aplicado (ou da polarização) em relação aos eixos cristalinos [52]. Nesse caso, a parte imaginaria da função dielétrica é representada por um tensor simétrico de segunda ordem. Para esses problemas, sempre será possível diagonalizar o tensor escolhendo um conjunto de três direções perpendiculares entre si, designadas de eixos 26 principais, característico de cada simetria cristalina (um dos trabalhos desta tese, capítulo 7, diz respeito à determinação dos eixos principais e da sua relação como os eixos cristalinos do espodumênio). Reescrevendo (3.15) na forma tensorial, tem-se: 4e2 Im ε ij (ω ) = π m 2ω 2 r ∑ ∫ dk v , c ZB r r r r φckr ei . p φvkr φckr e j . p φvkr δ (ε c − ε v − hω ) (3.16) Através do método FPLAPW, implementado no código WIEN2k [3], os elementos de matrizes do operador momento da expressão (3.16), r r M i = φckr ei . p φvkr , (3.17) r são calculados entre todas as combinações de bandas para cada ponto k na parte irredutível da zona de Brillouin. Desse modo, obtém-se a parte imaginária do tensor dielétrico em função da frequência da radiação incidente, ou seja, o espectro de absorção óptica. O cálculo dos r elementos de matrizes (eq. 3.17) requer um número de pontos k muito superior ao que foi r usado para convergir o cálculo da estrutura eletrônica. Esse aumento do número de pontos k é principalmente exigido quando se trata de sistemas simples e de alta simetria [53]. Isso porque, em compostos mais complexos, a absorção óptica usualmente representa a soma de várias contribuições de diferentes regiões na zona de Brillouin e também da contribuição de muitas bandas, fato que não ocorre com os materiais simples. 3.3 Constantes ópticas Os fenômenos ópticos, por exemplo, como reflexão, refração e absorção são representadas por coeficientes mensuráveis, denominados de constantes ópticas. Na realidade não se tratam de constantes, mas de funções escalares que dependem da frequência da radiação incidente. Na seção anterior foi mostrado como obter a parte imaginária do tensor dielétrico. A parte real, por sua vez, pode ser obtida através das relações de Kramers-Kronig: ω 'Im ε ij (ω ') 2 dω ', Re ε ij (ω ) = δ ij + ℘∫ π 0 ω '2 − ω 2 ∞ (3.18) onde a integral acima é uma integral de Cauchy e ℘ denota o seu valor principal. Essa relação conecta a parte real de uma função complexa analítica a uma integral contendo a parte imaginária da função e vice-versa. 27 De posse do tensor dielétrico complexo, todas as constantes ópticas que estão relacionadas com a parte real e imaginária do tensor dielétrico podem ser calculadas. Pode-se verificar, da solução da equação de onda em um meio opticamente isotrópico, na ausência de efeitos magnéticos, que o índice de refração é uma grandeza complexa, dada por: nˆ 2 (ω ) = ε (ω ) − 4πσ ω i, (3.19) onde ε é a constante dielétrica do meio, σ é a condutividade e ω a frequência angular. É comum, escrever a equação (3.19) em termos da sua parte real e complexa da seguinte forma: nˆ (ω ) = n(ω ) − ik (ω ). (3.20) A parte real, n, é o que normalmente se chama de índice de refração, o qual está relacionado à mudança da velocidade de fase e do ângulo de propagação da onda incidente, e a parte imaginária, k = 4πσ ω , conhecido como coeficiente de extinção, que descreve o quanto a amplitude da onda diminui ao penetrar no material. Elevando ao quadrado a equação (3.20), nˆ 2 (ω ) = n 2 − k 2 − 2nki = ε (ω ) − 4πσ ω i, e comparando parte real e imaginária com (3.19), retiram-se importantes resultados que conectam constantes elétricas e ópticas, ou seja: ε (ω ) = n 2 (ω ) − k 2 (ω ) (3.21) e σ (ω ) = nkω . 2π (3.22) No caso, particular, de um material isolante ( σ ≈ 0 ) o índice de refração, n, e a constante dielétrica, ε (ω ) , estão relacionados através da seguinte equação: nˆ 2 (ω ) = ε (ω ). (3.23) Esse resultado permite reescrever (3.19) como a diferença entre duas constantes dielétricas, isto é: n̂ 2 ≡ εˆ = ε1 − iε 2 , (3.24) onde a parte real e imaginária são equivalentes as equações (3.21) e (3.22), respectivamente. Assim, usando (3.21), (3.22) e (3.24), pode-se obter o índice de refração e coeficiente de extinção para qualquer estrutura cristalina através de: nij (ω ) = ε ij (ω ) + Re ε ij (ω ) 2 , (3.25) 28 e kij (ω ) = ε ij (ω ) − Re ε ij (ω ) 2 (3.26) Outra propriedade importante que pode ser determinada a partir do conhecimento de (3.25) e (3.26), ou diretamente da parte real e imaginária do tensor dielétrico, é o coeficiente de refletividade, Rij (ω ) = (nij − 1) 2 + kij2 (nij + 1) 2 + kij2 , (3.25) o qual permite, por exemplo, caracterizar em uma faixa de frequência se o material é transparente ou opaco. 3.4 Limitações do cálculo Os métodos baseados na DFT descrevem satisfatoriamente o estado fundamental da maioria dos cristais e sistemas moleculares, sendo atualmente os mais usados para cálculos da estrutura eletrônica em química e física do estado sólido. As principais limitações desses métodos se originam das aproximações que fazem parte do seu formalismo. No caso particular das propriedades ópticas é possível calcular apenas a absorção óptica. Só nesse caso, é possível utilizar a estrutura eletrônica calculada no estado fundamental para determinar a resposta do sistema eletrônico. Isso se deve ao fato de que os elétrons que absorvem a energia dos fótons fazem transições muito rápidas para banda de condução, de maneira que a estrutura de bandas não mude (princípio de Franck-Condon ). Por outro lado, para calcular o espectro de emissão seria necessário utilizar a estrutura eletrônica que corresponde ao estado excitado do sistema, pois os elétrons excitados permanecem na banda de condução tempo suficiente para que os núcleos mudem suas posições (efeito de relaxamento), causando uma mudança de potencial cristalino. Infelizmente, a DFT tem validade somente para estado fundamental, portanto, não pode descrever os efeitos de emissão da radiação. Outro fato intrínseco dos cálculos baseados na DFT é a subestimação do gap fundamental de semicondutores e isolantes em relação ao experimental. Essa falha ocorre devido aos efeitos da aproximação do potencial de troca e correlação, seja usando a LDA ou GGA. O erro no gap pode ser tanto maior quanto mais diferente forem os efeitos de correlação do gás de elétrons em que se baseia a aproximação LDA (ou GGA). Nos materiais 29 semicondutores e isolantes, em geral, os efeitos de correlação tendem a ser menores do que o do gás de elétrons. Isso, portanto, ocasiona a diminuição das energias dos estados desocupados do material em relação aos estados ocupados e a consequente diminuição do gap fundamental [54]. Existem alguns outros efeitos das aproximações que podem ser controladas se r efetuadas pelo usuário do programa de cálculo. São elas o número de pontos k utilizados na zona de Brillouin, as escolhas dos raios das esferas MT, a escolha da base e os limites nas energias das bandas. O método, apesar de ser designado para o cálculo das estruturas perfeitamente periódicas, pode ser usado também para estudar defeitos em cristais, se considerar as impurezas isoladas. Esses sistemas são tratados da mesma forma que os sistemas periódicos, com a única diferença na escolha da célula unitária do material (cuja repetição gera o cristal). Escolhe-se essa célula de tal forma que contenha o defeito em seu centro. Ela deve ser grande o suficiente para prevenir iteração defeito-defeito, e por isso é comumente chamado de método da supercélula. O problema que pode ser encontrado com método (L)APW para simular supercélula está associado com as suas limitações em relação ao número de átomos que podem ser tratados computacionalmente. Assim, para simular uma supercélula com número de átomos muito grande é preciso recorrer a outro método de cálculo DFT. 30 PARTE II: Aplicações da Metodologia no Estudo de Materiais 31 Capítulo 4 Propriedades eletrônicas e ópticas do BGO puro 4.1 Detalhes estruturais e do cálculo O germanato de bismuto, Bi4Ge3O12 (BGO), é um cristal de simetria cúbica (fig. 3) e grupo espacial I-43d (nº. 220). A célula unitária primitiva contém 38 átomos e não possui centro de inversão. Os átomos de Bi, Ge e O ocupam as posições 16c, 12a e 48e, respectivamente, segundo a notação de Wyckoff. Cada íon Bi3+ é coordenado a seis íons O2(primeira esfera de coordenação do Bi) que ocupam os vértices de um octaedro distorcido (três ligações Bi – O têm comprimento maior enquanto que o comprimento das outras três é menor, como se pode conferir na tabela 2, na seção 5.3). Os átomos de Bi ocupam os sítios de simetria trigonal cujo eixo C3 está situado ao longo da direção [111] da célula unitária cúbica. Os íons Ge4+, por sua vez, são rodeados por quatro íons O2- (primeira esfera de coordenação do Ge) arranjados nos vértices de um tetraedro perfeito (o comprimento de todas as ligações Ge – O é o mesmo). Os átomos de Ge ocupam os sítios de simetria tetraédrica cujo eixo S4 é inclinado em relação à direção cristalográfica [100]. Figura 3: Estrutura cristalina do Bi4Ge3O12. As esferas cinza (maior), preta (média) e branca (menor) representam os íons Bi3+, Ge4+ e O2-, respectivamente. No lado direito, são mostradas a primeira esfera de coordenação dos átomos de Bi e Ge. 32 A célula unitária do BGO foi computacionalmente otimizada. Isto é, foram determinados os valores dos parâmetros de rede e posições atômicas dentro da célula unitária que correspondem à mínima energia em relação aos valores experimentais à temperatura ambiente. Esse é um passo necessário em cálculos baseados na DFT, pois sua validade se restringe ao estudo do estado fundamental do sistema. Desse modo, o valor encontrado para o parâmetro de rede foi a = 10, 594 Å [55]. Esse valor implicou em um aumento de 2% do volume da célula unitária utilizada para os cálculos das propriedades em relação ao volume da célula unitária experimental [56]. Todas as posições atômicas dentro da célula unitária também foram otimizadas. Após esse processo, as forças atuando sobre cada um dos átomos se tornaram menores do que 2 mRy/u.a. (valor considerado ideal no método de cálculo empregado neste trabalho). Na tabela 2, do próximo capítulo, seção 5.3, serão mostrados os resultados das distâncias interatômicas após esse processo de mudança das posições e relaxação das forças interatômicas. Os raios das esferas MT dos átomos de Bi, Ge e O foram 2,3 u.a., 1,8 u.a. e 1,45 u.a., respectivamente. O valor máximo do momento angular foi fixado em lmáx = 10 para a expansão das funções de onda dentro das esferas atômicas. O parâmetro de corte para a expansão das ondas planas na região intersticial foi limitado em Kmáx . RMT = 7. Os efeitos de troca e correlação foram tratados pela aproximação do gradiente generalizado de Perdew et al. r [57]. O número de pontos k usados no cálculo da estrutura eletrônica foi igual a 6 na primeira zona de Brillouin. Foram considerados estados eletrônicos da valência 5d, 6s e 6p do Bi; 3d, 4s e 4p do Ge; 2s e 2p do átomo de O. Usando esse conjunto de parâmetros, foram executados dois tipos de cálculos, o primeiro, usando a aproximação relativística escalar e um segundo em que o acoplamento spin-órbita (SO) foi incluído nos átomos de Bi e Ge do composto. Com base no cálculo da estrutura eletrônica do BGO foi calculada a parte imaginária do tensor dielétrico (eq. 3.16), para uma faixa de energias da radiação incidente compreendida r entre 0 e 40 eV. Nessa etapa do cálculo, foram utilizados 44 pontos k (usando a aproximação r relativística escalar) e 55 pontos k (quando incluído a interação spin-órbita) na primeira zona de Brillouin. A parte real do tensor dielétrico é, então, determinada usando a relação de Kramers-Kronig (eq. 3.18). Devido à simetria cúbica do cristal de BGO, seu tensor dielétrico é diagonal, ou seja, o tensor é reduzido a uma função escalar, ε11 = ε 22 = ε 33 = ε (ω ) . Os espectros de absorção, reflexão e refração calculados foram ajustados com o gap experimental de 4,96 eV [58]. Nesse procedimento, apenas os estados desocupados (banda de condução) 33 são deslocados para se ajustar ao gap fundamental experimental (1,77 eV para o cálculo do BGO com interação spin-órbita e 1,50 eV para o cálculo do BGO sem a interação spin-órbita). 4.2 Propriedades eletrônicas 4.2.1 Estrutura de bandas A figura 4 ilustra a estrutura de bandas de energia na vizinhança do gap fundamental para o BGO puro ao longo das direções de alta simetria da primeira zona de Brillouin. À esquerda, é mostrado o resultado do cálculo usando a aproximação relativística escalar (sem SO) e, à direita, com a inclusão da interação spin-órbita (com SO). A existência de várias bandas em um pequeno intervalo de energia é consequência do grande número de átomos por célula unitária. Os valores calculados do gap fundamental são de 3,54 eV (sem SO) e 3,19 eV (com SO). Assim, a interação SO causa uma diminuição no gap fundamental calculado, que é consequência da quebra de degenerescência nas bandas localizadas no fundo da banda de condução. Na próxima seção, será mostrado que essas bandas têm caráter predominante 6p do Bi. Assim, com a inclusão da interação SO, os estados 6p do Bi se desdobram nas componentes j=1/2 e j=3/2. Verificam-se, em ambos os tipos de cálculos, que o gap fundamental pode ser classificado como indireto, isto é, o máximo da banda de valência (localizado no ponto H) e o mínimo da banda de condução (próximo ao ponto Δ) ocorrem em r diferentes pontos k da zona de Brillouin. Recentemente, essa conclusão sobre o gap indireto ao longo linha H – Δ, foi confirmado através de um outro cálculo realizado por Jellison et al. [59]. Esses autores empregaram o mesmo método DFT, mas trataram os efeitos de troca e correlação através da aproximação do gradiente generalizado de Engel e Vosko [60]. Eles executaram dois tipos de cálculos, um deles usando a aproximação relativística escalar e o outro com a inclusão da interação spin-órbita. Os valores obtidos para o gap fundamental foram de 4,10 eV (sem SO) e 3,80 eV (com SO). De forma semelhante aos resultados apresentados neste trabalho, esses autores também obtiveram uma redução no valor do gap com a inclusão da interação SO. O valor experimental, estimado a partir da borda dos espectros de absorção óptica, do gap fundamental do BGO é de 4,13 eV [61]. Esse resultado, entretanto, refere-se à diferença de energia entre o topo da banda de valência e o nível de energia de natureza excitônico localizado antes da borda de absorção óptica do material. Então, o gap fundamental real, que 34 corresponde à diferença entre a energia do estado ocupado de maior energia (no topo da banda de valência) e a menor energia do estado desocupado (no fundo da banda de condução), deve ser maior do que 4,13 eV. Antonangeli et al. [58], excluindo o pico no espectro de absorção óptica devido à transição de natureza excitônica, determinaram que o gap fundamental fosse de 4,96 eV. De qualquer modo, os valores calculados são subestimados em relação ao experimental. Esse fato se deve aos efeitos da aproximação no potencial de troca e correlação inerentes aos cálculos baseados na DFT. Percebe-se, também, que apesar da aproximação do gradiente generalizado de Engel e Vosko [60] diminuir o erro no valor calculado do gap fundamental do BGO, o valor do gap fundamental ainda permanece subestimado. Figura 4: Estrutura de bandas de energia na vizinhança do gap fundamental do BGO puro. À esquerda, resultado do cálculo usando a aproximação relativística escalar (sem SO) e, à direita, com a inclusão da interação spin-órbita (com SO). Os símbolos no eixo horizontal r denotam diferentes pontos k de alta simetria na primeira zona de Brillouin. O topo da banda de valência, isto é, a banda de maior energia ocupada é colocada no 0 eV. 35 4.2.2 Densidade de estados Outra propriedade associada com a estrutura eletrônica do BGO puro, mostrada na figura 5, é a densidade de estados total (TDOS), com aproximação relativística escalar (sem SO) e com o acoplamento spin-órbita (com SO). Todas as bandas localizadas em energias negativas são totalmente populadas (banda de valência) e as posicionadas em energias positivas são totalmente vazias (banda de condução). O caráter orbital predominante dessas bandas, obtido a partir da densidade de estados parcial (PDOS), está sendo indicado sobre elas. Verifica-se que a banda de valência do BGO é caracterizada pelos estados eletrônicos dos seus três tipos de átomos constituintes: Bi, Ge e O. Nas energias mais baixas, predominam os estados localizados 3d do Ge e 5d do Bi, e com energias um pouco mais alta e mais dispersos, os estados 2s do O. Esses estados podem ser considerados como de semicaroço. Os verdadeiros estados pertencentes à valência estão compreendidos entre -10 e 0 eV. Eles consistem em uma mistura dos estados s e p do Bi, Ge e O. No fundo da banda de condução (até 7,5 eV), predominam estados 6p do Bi e em energias um pouco maiores os estados 4p do Ge. Para as energias mais altas, ocorre uma hibridização dos estados p dos átomos de Bi, Ge e O. A inclusão da interação spin-órbita introduz importantes modificações na estrutura eletrônica, como se pode constatar pela comparação das duas TDOS da figura 5. Uma das principais diferenças ocorre nos estados localizados 3d do Ge e 5d do Bi que são desdobrados nas componentes j = 3/2 e j = 5/2. A outra diferença é percebida no fundo da banda de condução em que os estados 6p do Bi são desdobrados nas componentes j = 1/2 e j = 3/2. Esse último desdobramento ocasiona uma diminuição no gap fundamental de 0,35 eV em relação ao cálculo sem a interação spin-órbita. 36 Figura 5: Densidade de estados total (TDOS). Parte superior: TDOS do cálculo usando a aproximação relativística escalar (sem SO). Parte inferior: TDOS do cálculo incluindo o acoplamento spin-órbita (com SO). A linha pontilhada na vertical está indicando a energia de Fermi (EF) e o caráter orbital predominante das bandas está sendo indicado sobre elas. Todos os resultados apresentados na figura 5 foram confirmados pelo cálculo de Jellison et al. [59] usando o GGA de Engel e Vosko [60]. De modo geral, esses resultados também concordam com o diagrama de bandas de energia deduzido por Antonangeli et al. [58], mas também revela algumas diferenças importantes como será discutido abaixo. (1ª) Eles consideram que os estados ocupados 2p do O estão divididos em duas bandas (compostas de orbitais ligantes σ e π). Essa conclusão foi baseada em investigações teóricas de cálculos do cluster (GeO4)4- feito por Hojer et al. [62]. Nos cálculos baseados em DFT, todos os estados ocupados 2p do O estão concentrados em uma única banda. (2ª) Foi considerado que os estados populados 6s do Bi formam o topo da banda de valência e sendo todos eles concentrados nas energias mais altas da banda de valência. Essa conclusão foi baseada em um outro trabalho de Marcogé et al.[63] que fizeram um cálculo dos níveis de energia do cluster (BiO6)9-. Os cálculos baseados na DFT, entretanto, dividiram os estados 6s do Bi conforme se vê na figura 6 em que os estados 6s ligantes estão centrados 37 em -9 eV e os estados não-ligantes são deslocalizados (devido a hibridização com os estados 2p do O) entre -7 e 0 eV. Existem estados 6s do Bi no topo da banda de valência, mas eles não são predominantes em relação aos estados 2p do O. (3ª) no diagrama de energia de Antonangeli et al. [58], os estados 5d do Bi e 2s do O se sobrepõem. Nota-se, claramente, na fig. 5, que estes estados são separados. Os cálculos das energias que determinam os desdobramentos ocorridos nos estados 5d e 6p do Bi (3,0 e 1,97 eV, respectivamente) estão em boa concordância com os determinados por Antonangeli et al.[58] (2,8 ± 0,1 eV e 1,8 ± 0,1 eV, respectivamente). Figura 6: Densidade de estados parcial (PDOS) do átomo de Bi do BGO. Os estados 6s são representados pela região sombreada e os estados 6p, representados pela linha preta (não sombreada). A linha pontilhada na vertical está indicando a energia de Fermi (EF). 4.3 Propriedades ópticas 4.3.1 Espectro de absorção óptica A parte imaginária do tensor dielétrico é diretamente proporcional ao espectro de absorção óptica do material quando a radiação incide sobre ele. Na parte superior da figura 7, são mostrados os espectros de absorção óptica do BGO puro, calculados usando a aproximação relativística escalar (sem SO) e incluída a interação spin-órbita (com SO). Além disso, é mostrada uma curva experimental determinada por Antonangeli et al. [58]. Dessa curva foi extraído um pico de menor energia de natureza excitônica, por motivos que foram discutidos na subseção 4.2.1. 38 Os espectros de absorção óptica calculados, figura 6, entre 5 e 35 eV, podem ser divididos em três diferentes estruturas: (1) menor energia (de 5 a 11 eV), caracterizada pela maior intensidade de absorção; (2) energia intermediária (de 11 a 20 eV), com uma intensidade média de absorção; e (3) maior energia (acima de 25 eV), onde a intensidade de absorção é bem menor. A curva experimental também segue a estrutura geral obtida nos cálculos, sendo que na estrutura de energia intermediária a absorção óptica calculada é menos intensa. A interação spin-órbita apenas influencia as estruturas de menor e maior energia, enquanto que a estrutura de energia intermediária não apresenta diferença significativa. Figura 7: Parte imaginária da função dielétrica do BGO (em unidades arbitrárias) em função da energia da radiação incidente. Na parte superior da figura são mostrados os espectros de absorção óptica calculados sem a interação SO (linha pontilhada), incluída a interação SO (linha contínua) e a curva experimental do trabalho de Antonangeli et al. [58] (linha tracejada). Na parte inferior da figura o espectro de absorção óptica é decomposto e interpretado com base na análise da estrutura eletrônica feita na seção 4.2.2. 39 Considerando a descrição feita sobre o caráter orbital das bandas do BGO puro (figura 5), as seguintes conclusões podem ser extraídas sobre as três principais estruturas do espectro de absorção, como ilustra a parte inferior da figura 7: (1ª) A parte mais intensa da absorção no material, descrita pela estrutura de menor energia, é causada pelas transições eletrônicas entre o topo da banda de valência e o fundo da banda de condução. Então, ela é caracterizada por transições eletrônicas entre os estados 2p (O) → 6p (Bi), assim como entre os estados não-ligantes 6s (Bi) → 6p (Bi), embora de forma bem menos significativa. (2ª) A estrutura de energia intermediária é originada pelas transições eletrônicas entre o topo da banda de valência e as bandas vazias de maiores energias (bandas hibridizadas) e, também, da banda centrada em -9 eV para o fundo da banda de condução. Assim, essa parte do espectro é dominada pelas transições 2p (O) → 4p (Ge), 6p (Bi) ou 2p (O). Como também, existe absorção que é devido às transições eletrônicas entre estados 6s (Bi) → 6p (Bi), mas de forma bem menos expressiva. (3ª) Na região situada entre 28 e 30 eV, dominam transições eletrônicas entre os estados ocupados 5d do Bi para os estados vazios 6p do Bi. Essa parte do espectro é destacada para melhor visualizar os três principais picos. Acima deles, são indicadas as transições eletrônicas entre os estados que lhe dão origem. O cálculo do espectro de absorção (figura 7) e a caracterização da estrutura eletrônica (figura 5) possibilitam um melhor entendimento das características básicas de cintilação do BGO. Dois aspectos do mecanismo de cintilação desse material podem ser descritos com base neste estudo: (1) como o material absorve a energia da radiação incidente e (2) como essa energia é transferida ao centro luminescente. Sabe-se que a intensidade da absorção óptica depende (obedecidas às regras de seleção) da quantidade de estados eletrônicos ocupados e vazios disponíveis para cada transição eletrônica. Assim, a maior parte da energia incidente não é diretamente absorvida pelo átomo de Bi (via transições 6s à 6p). Os estados 2p do O são dominantes no topo da banda de valência, então, os átomos de O que rodeiam o átomo de Bi (ver fig. 3) absorvem a maior parte da energia dos fótons incidentes e a transferem para o átomo de Bi (neste caso, elétrons do estado p são transferidos dos átomos de O para os estados p do átomo de Bi). Portanto, o átomo de Bi recebe a energia da radiação incidente através dos oxigênios que o rodeiam, tornando-o excitado. Seu retorno ao estado fundamental, definirá o espectro de emissão do composto, mas este não é analisado aqui, pois o método de cálculo utilizado para este estudo não descreve os estados excitados do material. 40 4.3.2 Constantes ópticas Como foi discutido no capítulo 3, seção 3.3, a partir do conhecimento da função dielétrica complexa é possível calcular várias constantes ópticas as quais caracterizam a propagação da radiação eletromagnética através do material. Na figura 8 é mostrada a variação do índice de refração e refletividade em função da energia da radiação incidente para os dois tipos de cálculos executados; isto é, usando a aproximação relativística escalar (sem SO) e com a interação spin-órbita (com SO). Esses resultados são comparados com dados experimentais. No caso do índice de refração, foram encontrados apenas medidas no intervalo de 300 – 800 nm [59]. O espectro de refletividade experimental é originário do trabalho de Antonangeli et al. [58]. Assim como no caso do espectro de absorção, o pico de natureza excitônica foi extraído, visto que os cálculos apenas se referem aos picos no espectro originados das transições eletrônicas. Comparando as figuras 7 e 8, verifica-se que o índice de refração atinge o máximo valor na faixa da energia em que o composto tem maior intensidade de absorção óptica. Para as maiores energias do espectro, o índice de refração mostra uma tendência de diminuição. Na faixa de 300 – 800 nm, os cálculos são comparados com os dados experimentais [59]. Nota-se que a curva do cálculo incluindo a interação spin-órbita está mais próxima da experimental em relação ao cálculo sem SO, confirmando, assim, a importância desse efeito para descrever as propriedades ópticas do BGO. A constante dielétrica estática, isto é, Re ε(ω → 0) , obtida através deste cálculo é de 2,0854, bastante próxima do valor experimental estimado em 2,0975 ± 0,0003 [64]. De modo geral, o espectro de refletividade apresenta, assim com o espectro de absorção óptica, três principais estruturas de maior (entre 5-15 eV), intermediária (entre 15-28 eV) e menor intensidade da reflexão da luz incidente (entre 28-30 eV). Em comparação com a curva experimental, conclusão similar também pode ser obtida. Os espectros calculados, entretanto, não reproduzem bem a segunda estrutura. Nos cálculos, ela está centrada em torno de 20 eV, enquanto que na curva experimental ela se encontra por volta dos 15 eV. Essa discrepância é provavelmente causada pela deficiência da DFT quando descreve os estados desocupados (banda de condução) do material. 41 Figura 8: Índice de refração e refletividade em função da energia da radiação incidente. Cálculo usando a aproximação relativística escalar (linha pontilhada), incluída a interação spin-órbita (linha contínua) e curva experimental (linha tracejada). A curva experimental do índice de refração do material foi obtida do trabalho Jellison et al. [59], enquanto que a refletividade foi do trabalho de Antonangeli et al. [58]. 42 Capítulo 5 Aspectos energéticos, estruturais, eletrônicos e ópticos do BGO dopado com Cr 5.1 Detalhes do cálculo Nesta parte do trabalho foram tratados dois sistemas: o BGO com um átomo de Cr substituindo um átomo de Bi (BGO:Cr→Bi) e o BGO com um átomo de Cr substituindo um átomo de Ge (BGO:Cr→Ge). Os sistemas dopados correspondem à célula unitária primitiva do BGO puro da qual um átomo de Bi (ou Ge), na origem do sistema, foi removido e substituído por um átomo de Cr. Dessa forma, o cristal é gerado por infinitas repetições desta célula unitária. Os sistemas dopados possuem uma concentração de 1/38 ou 2,6% de Cr. Todas as posições atômicas dos dois sistemas descritos acima foram otimizadas. Após esse processo as forças atuando sobre cada um dos átomos se tornaram menores do que 2 mRy/u.a. Na seção 5.3 (tabela 2) serão mostrados os resultados desse processo de mudança das posições e relaxação das forças interatômicas em comparação com o do sistema puro. O parâmetro de rede utilizado foi o mesmo da célula unitária do BGO puro (a = 10, 594 Å [55]). Os raios das esferas muffin-tin dos átomos de Bi, Ge, O e Cr foram 2,3 u.a., 1,8 u.a., 1,45 u.a. e 1,8 u.a., respectivamente. O valor máximo do momento angular foi fixado em lmáx = 10 para a expansão das funções de onda dentro das esferas atômicas. O parâmetro de corte para a expansão das ondas planas na região intersticial foi limitado em Kmáx. RMT = 7. Os efeitos de troca e correlação foram tratados pela aproximação do gradiente generalizado de r Perdew et al. [57]. O número de pontos k foi igual a 12 na primeira zona de Brillouin. Foram considerados estados eletrônicos da valência: 5d, 6s e 6p do Bi; 3d, 4s e 4p do Ge; 2s e 2p do O; 3s, 3p, 3d e 4s do átomo de Cr. Três tipos de cálculos foram executados: (1) não spinpolarizado, (2) spin-polarizado e (3) spin-polarizado com inclusão da interação spin-órbita no átomo de Bi. Esse esquema permitirá avaliar a importância dos efeitos da polarização de spin e da interação spin-órbita nas propriedades calculadas. A parte imaginária do tensor dielétrico foi calculada numa faixa de energia da radiação r incidente compreendida entre 0 e 40 eV. Foram utilizados 58 pontos k (no caso do cálculo do r BGO:Cr→Ge) e 76 pontos k (no caso do cálculo do BGO:Cr→Bi) na primeira da zona de 43 Brillouin. Esses espectros calculados não sofreram nenhum ajuste com relação ao valor do gap fundamental experimental, como ocorrido no caso do cálculo dos espectros do BGO puro. 5.2 Energia de formação do defeito A energia de formação do defeito ( Ed ) foi calculada de acordo com a seguinte equação: Ed = [ EBGO puro + ECr ] − [ EBGO:Cr + EBi (Ge ) ], (5.1) onde o primeiro colchetes representa a soma da energia total da célula unitária do BGO puro e a energia do átomo livre de Cr, enquanto que o segundo é a soma da energia total da célula unitária do BGO contendo o Cr (com o Cr substituindo o Bi ou Ge) e a energia do átomo livre de Bi ou Ge, os quais são removidos da célula unitária para dar lugar à impureza. Os átomos livres são computacionalmente tratados da mesma maneira como o cristal do BGO. Para esse propósito foi criada uma estrutura infinita que contém uma célula unitária (cujo parâmetro de rede foi de 30 u.a.) com o átomo no centro. Devido às grandes dimensões da célula unitária, as interações mútuas entre os átomos de cada célula unitária são desprezíveis. A energia do átomo livre na equação acima foi, então, calculada como sendo a energia total de uma célula r unitária através de um cálculo spin-polarizado, e usando 1 ponto k na primeira zona de Brilouin. Esse procedimento assegura a mesma precisão para os cálculos das energias do átomo livre e cristalina, o que permitirá fazer as somas e diferenças na equação da energia de formação. Tabela 1: Energia de formação para as duas diferentes acomodações da impureza de Cr dentro da rede cristalina do BGO. A energia de formação do defeito foi determinada para cada tipo de cálculo. Energia de formação do defeito [eV] Cálculo não spin-polarizado Cálculo spinpolarizado Cálculo spinpolarizado com SO ECr → Bi - 1,023 0,532 -0,392 ECr →Ge 0,042 0,151 -0,431 44 Na tabela 1 são mostradas as energias de formação do defeito para os dois possíveis sítios no cristal de BGO:Cr substituindo o átomo Bi (sítio de simetria trigonal) e Cr substituindo o átomo de Ge (sítio de simetria tetraédrica). Como também para os três tipos de cálculos que foram executados. Nota-se que essas energias dependem fortemente da precisão do cálculo. O mais preciso deles, o qual leva em conta a interação spin-órbita no átomo de Bi, mostra que a impureza de Cr não possui um sítio muito mais energeticamente favorável. Verifica-se que a diferença entre as energias de formação do defeito entre os dois diferentes sítios é bastante pequena (0,039 eV). 5.3 Estrutura local em volta do sítio da impureza As informações estruturais em volta da impureza de Cr foram determinadas a partir da relaxação das posições atômicas do BGO dopado com Cr. Essas informações são úteis para o estudo em espectroscopia óptica e para o estudo de ressonância paramagnética eletrônica (EPR). A estrutura local que descreve a primeira esfera de coordenação em volta do átomo de Bi e Ge na matriz cristalina do BGO puro é representada por dois parâmetros: (1) o comprimento da ligação metal-oxigênio, RM – O, e (2) o ângulo β entre o RM – O e o eixo de simetria S4 (no caso do Ge) ou C3 (no caso do Bi). De forma semelhante, esses parâmetros também podem ser utilizados para descrever a estrutura local do Cr substituindo o Ge ou Bi no BGO dopado (BGO: Cr). Na tabela 2, percebe-se que a presença de Cr no sítio do Ge não causa mudanças significativas nos seus arredores, pois o comprimento da ligação Cr – O e o ângulo β permanecem praticamente os mesmos em relação ao caso do composto puro. Quando o Cr está na posição do Bi, entretanto, a impureza causa mudanças significativas na sua vizinhança, pois, existem grandes diferenças entre os parâmetros que caracterizam a estrutura local do Bi no sistema puro e entre aqueles que caracterizam a estrutura local do Cr no sistema dopado. Tais diferenças na estrutura local, em volta do Cr, não são apenas devido ao relaxamento das posições dos oxigênios vizinhos (O’s), mas do próprio movimento da impureza. Uma análise mais detalhada, baseando-se na comparação das posições atômicas do Cr e dos seis O’s vizinhos antes e depois da otimização, revela que o deslocamento sofrido pela impureza é dez vezes maior do que o experimentado pelos O’s. Essa mesma análise mostra também que o deslocamento do Cr ocorre ao longo da direção [111], a qual coincide com o eixo de simetria trigonal, C3. 45 Tabela 2: Cálculo do comprimento das ligações (em Å) Cr – O e ângulos β para o BGO dopado com Cr (BGO:Cr). Os resultados são comparados com dados experimentais e teóricos do BGO puro. Os termos O1 e O2 denotam os três oxigênios mais próximos e os outros três mais distantes ao Bi, respectivamente. Os números entre parênteses representam o número de ligações metal-oxigênio. BGO: Cr BGO puro Experimental (ref. [65]) Teórico Teórico (Cr → Ge) Ge – O 1,739 (4) β = 58,06° 1,782 (4) β = 59,47° 1,774 (4) β = 59,88° (Cr → Bi) Bi – O1 Bi – O2 2,149 (3) β = 51,38° 2,620 (3) β = 104,62 2,221 (3) β = 50,11° 2,583 (3) β = 102,77° 1,864 (3) β = 60,50° 2,575 (3) β = 113,51° O deslocamento ao longo do eixo C3 do Cr em relação ao sítio do Bi no BGO dopado com Cr já tinha sido previsto por Wu e Dong [18]. Eles determinaram que o Cr desloca-se ao longo do eixo C3, no sentido do centro do octaedro com os O’s ocupando os vértices, e determinaram que o módulo desse deslocamento é de 0,17 Å. Os autores explicaram esse comportamento da impureza no sítio do Bi baseando-se no fato de que o íon de Cr3+ tem raio iônico menor (0,69 Å) do que o íon Bi3+ (1,02 Å) e com isso sobra espaço em volta do átomo substituto, o qual vai na direção do centro do octaedro formado pelos oxigênios nos vértices. Os resultados apresentados na tabela 2, baseados em DFT, confirmam que o Cr se desloca ao longo do eixo C3, mas discordam com relação ao sentido do deslocamento sofrido pela impureza. Nota-se que o Cr aproxima-se dos três oxigênios mais próximos, o que é evidente ao se comparar a distância Bi – O1 no sistema puro (2ª ou 3ª coluna da tabela 2) com a distância do Cr – O1 (4ª coluna da tabela 2). Ao mesmo tempo, ambos os ângulos β que estão relacionados com a distância Cr – O1 aumenta o que é consistente com o movimento descrito pela impureza. Esses fatos, portanto, mostram que o Cr sofre um deslocamento ao longo do eixo C3 no sentido de se afastar do centro do octaedro em que os O’s ocupam os 46 vértices, como ilustra a figura 9. O valor calculado para o deslocamento sofrido pelo Cr, inicialmente colocado no sítio do Bi, é de 0,46 Å. Figura 9: Ilustração do deslocamento da impureza de Cr quando substitui o átomo de Bi no BGO. O deslocamento ocorre ao longo da direção [111] no sentido dos três oxigênios mais próximos, afastando-se do centro do octaedro imaginário em que os O’s ocupam os vértices. Pode-se apontar como motivo, pelo qual ocorre esta discordância entre os resultados DFT apresentados e os de Wu e Dong [18], o fato de que seus cálculos foram obtidos assumindo certos valores para os raios iônicos dos constituintes do composto. Essa estratégia pode funcionar muito bem quando se trata de compostos altamente iônicos, entretanto, esse não é o caso do BGO dopado com Cr. As ligações Cr – O no BGO têm significante caráter covalente que se originam das hibridizações dos estados eletrônicos s, p e d do Cr com os estados eletrônicos p dos átomos dos O’s. Assim, estimar qualquer valor para o tamanho do íon Cr3+ ou Bi3+ deve ser questionável. Um trabalho recente, baseado em DFT, sobre a análise da estrutura local do íon Nd3+ o qual substitui o íon Bi3+ no BGO mostrou discordância semelhante quanto ao sentido do deslocamento, ao longo do eixo C3, da impureza em relação ao centro do octaedro ocupado por oxigênios nos vértices. Wu e Dong [18] concluíram que o átomo de Nd3+ deve se mover no sentido de se afastar do centro do octaedro enquanto que os resultados DFT predizem que a impureza se move no sentido oposto [66]. 47 5.4 Estrutura eletrônica O principal interesse nesta seção é identificar a influência da impureza de Cr na estrutura eletrônica quando ela substitui o Ge (BGO:Cr→Ge) ou o Bi (BGO:Cr→Bi). Esse propósito será alcançado analisando a densidade de estados (DOS) do cálculo spin-polarizado com a interação spin-órbita, o mais preciso entre os três tipos de cálculo executado para este trabalho. Desse modo, será omitida a discussão sobre as diferenças existentes na estrutura eletrônica para os cálculos não spin-polarizados, spin-polarizados e spin-polarizados com a inclusão do acoplamento spin-órbita no átomo de Bi. A figura 10 mostra a densidade de estados total e parcial (TDOS e PDOS, respectivamente) up e down do BGO dopado com o Cr que substitui o Ge (BGO:Cr→Ge). A diferença básica entre a TDOS nesta figura e a mostrada na figura 5 (capítulo 4) do BGO puro consiste na presença de bandas situadas dentro do gap fundamental (bandas B e C) ou na região de menor energia da banda de condução (bandas D, E e F), as quais se misturam com estados 6p do Bi. Todas essas bandas, com exceção da banda F, tem caráter orbital predominante 3d do Cr e estão sendo destacadas pelo retângulo de linha pontilhada na parte superior da figura 10. As duas bandas dentro do gap fundamental (bandas B e C) são totalmente ocupadas. Cada uma acomoda um elétron e estão separadas por uma energia de 0,6 eV. Esse fato demonstra que os cálculos, baseados em DFT-GGA, descrevem corretamente o estado de carga 4+ do Cr (configuração eletrônica 3d2). Essas bandas são hibridizadas com os estados 2p dos oxigênios que fazem parte da primeira esfera de coordenação do Cr, conforme mostra o gráfico da PDOS, parte inferior da figura 10. Esse fato é um dos que causam o alargamento das bandas devido à impureza. A banda ocupada localizada em menor energia (banda B) é constituída pelos estados dz2 do Cr, onde o eixo z corresponde à direção do eixo de simetria do tetraedro formado pelos oxigênios que rodeiam o átomo de Cr. Na banda C, predominam estados dx2- y2 do Cr, enquanto as bandas vazias no fundo da banda de condução (denominadas de bandas D e E) tem maior contribuição dos estados dxz e d yz de spin up (banda D e E) e dz2 de spin down (banda F). A diferença de energia entre o a banda de maior energia ocupada (banda C) e a banda de energia de menor energia desocupada (banda D) é de 1,1 eV, a qual corresponde a menor energia necessária para excitar um elétron no sistema BGO:Cr→Ge. Verifica-se que ocorre uma diferença entre a densidade de estados de spin up e down na região onde a impureza coloca suas bandas. A maioria dos estados no sistema 48 BGO:Cr→Ge , mostrado na figura 9, são de spin up do Cr e o momento magnético do átomo de Cr é de +1,58 μB. Figura 10: Parte superior: densidade de estados total (TDOS) spin-polarizada do BGO dopado com Cr na posição do Ge. As contribuições do Cr são enfatizadas por um retângulo de linha pontilhada. Parte inferior: densidade de estados parcial (TDOS) mostrando apenas os estados do átomo de Cr e de seus quatro oxigênios mais próximos. Na figura 11 é mostrada a densidade de estados total e parcial (TDOS e PDOS, respectivamente) up e down do BGO dopado com o Cr o qual substitui o Bi (BGO:Cr→Bi). Verifica-se que a impureza introduz duas bandas com spin down dentro do gap (bandas B e C) e outra com spin up na região de menor energia da banda de condução, as quais se misturam com estados 6p do Bi. Todas essas bandas têm caráter orbital predominante 3d do Cr e estão sendo enfatizadas pelo retângulo em linha pontilha mostrado na parte superior da figura 11. 49 A banda B está totalmente ocupada, contendo três elétrons, e a banda C está vazia. Essa situação descreve corretamente o estado de carga 3+ do Cr (configuração eletrônica 3d3) quando substitui o Bi. De forma semelhante ao que ocorreu no sistema BGO:Cr→Ge, as bandas dentro do gap são hibridizadas com estados 2p dos oxigênios vizinhos que ocupam os vértices do octaedro, como se mostra na parte inferior da figura11. Ao contrário do que ocorre com o BGO:Cr→Ge, todas as bandas têm a mesma mistura de caráter orbirtal dz2, dx2-y2, dxy, dxz e dyz do átomo de Cr. A maioria dos estados no sistema BGO:Cr→Bi, mostrado na figura 11, são de spin down do Cr e o momento magnético do átomo de Cr é de -2,44 μB. A menor energia de excitação eletrônica nesse sistema é de 1,8 eV, bem superior ao que foi obtido para o caso do BGO:Cr→Ge. Figura 11: Parte superior: densidade de estados total (TDOS) spin-polarizada do BGO dopado com Cr na posição do Bi. As contribuições do Cr são enfatizadas por um retângulo de linha pontilhada. Parte inferior: densidade de estados parcial (TDOS) mostrando apenas os estados do átomo de Cr e de seus seis oxigênios mais próximos. 50 5.5 Espectro de absorção óptica Nesta seção será analisado o espectro de absorção óptica do BGO dopado com Cr no intervalo de 0 a 3,5 eV, no qual o BGO puro não absorve a energia da radiação incidente, mas a impureza causa essa absorção adicional em relação ao sistema puro. Os espectros de absorção óptica são acompanhados com um diagrama simplificado das bandas de energia que foi deduzido a partir da análise da estrutura eletrônica da seção anterior e servirá para explicar a origem das estruturas mais proeminentes de seus respectivos espectros. As setas verticais nos diagramas de bandas de energia representam as transições eletrônicas que originam as respectivas estruturas no espectro de absorção óptica. A figura 12 mostra o espectro de absorção óptica do sistema BGO:Cr→Ge, bem como o seu diagrama de bandas de energia. Observa-se que existem várias estruturas abaixo da borda de absorção do composto puro as quais são identificadas pelos números romanos de I-IV. Todas essas estruturas são devidas à presença da impureza de Cr na matriz cristalina do BGO. A estrutura I, centrada em torno de 1,1 eV, origina-se das transições eletrônicas entre estados d – d do Cr, da banda C (dx2-y2) para a banda D (dxz, dyz). A estrutura II, centrada em torno de 1,8 eV, é também originada das transições eletrônicas entre estados d do Cr, da banda B (dz2) para a banda D (dxz, dyz). É importante ressaltar que as transições d – d do Cr não são proibidas (∆l = ± 1, regra de Laporte) porque a célula unitária do BGO não possui centro de inversão. A estrutura III é originada da promoção de elétrons das bandas B e C para a banda E. Essa estrutura apresenta-se menos pronunciada e dispersa do que as demais, pois há uma menor disponibilidade de estados de spin up do Cr na banda E se comparada em relação ao número de estados disponíveis do Cr na banda D. Finalmente, a estrutura IV, posicionada entre 3,2 e 3,5 eV, é causada pelas transições eletrônicas entre a banda A e D. Observa-se que na sua maior parte são envolvidas transições eletrônicas entre estados 2p ocupados e 2p vazios dos oxigênios. 51 Figura 12: À esquerda: intensidade da absorção óptica do sistema BGO: Cr→Ge (em unidades arbitrárias) em função da energia da radiação incidente. A linha pontilhada indica a borda de absorção óptica do sistema puro. À direita: diagrama de bandas de energia deduzido a partir da análise da estrutura eletrônica da seção anterior, onde foi definida a notação das bandas de A – E. As setas verticais representam as transições eletrônicas que originam as respectivas estruturas no espectro. O cálculo do espectro de absorção do sistema BGO: Cr→Bi é representado na figura 13 (lado esquerdo) junto com o diagrama de bandas de energia (lado direito). Observa-se que esse espectro de absorção óptica é bem mais simplificado do que o do caso do sistema BGO: Cr→Ge. Isso ocorre porque a impureza de Cr introduz apenas duas bandas spin down dentro do gap fundamental. As transições eletrônicas entre elas geram a estrutura V, no espectro de absorção, centrada por volta de 1,8 eV. As transições da banda B para o fundo da banda de condução são proibidas por spin (ΔS≠0). A estrutura VI, situada próxima à borda de absorção do BGO puro, é devida à promoção eletrônica da banda A para a banda C. A origem dessa última estrutura é atribuída às transições eletrônicas dos estados 2p dos oxigênios para estados 3d do Cr, como também entre os estados 2p ocupados e 2p vazios dos oxigênios. 52 Figura 13: À esquerda: intensidade da absorção óptica do sistema BGO: Cr→Bi (em unidades arbitrárias) em função da energia da radiação incidente. A linha pontilhada indica a absorção do sistema puro. À direita: diagrama de bandas de energia deduzido a partir da análise da estrutura eletrônica da seção anterior, onde foi definida a notação das bandas de A – D. As setas verticais representam as transições eletrônicas que originam as respectivas estruturas no espectro de absorção. 5.6 Comparação entre o espectro de absorção óptica calculada e a experimental A figura 14 mostra a intensidade da absorção óptica calculada de ambos os sistemas BGO: Cr→Ge e BGO: Cr→Bi em função do comprimento de onda da radiação incidente, comparados com o espectro de absorção óptica experimental do BGO dopado com Cr, medido à temperatura ambiente [16]. O espectro de absorção experimental é caracterizado por duas largas bandas acima da borda de absorção do composto puro. A primeira banda, adjacente à borda de absorção óptica, está situada no intervalo de 300-600 nm com máximos em 390, 430 e 530 nm (picos 1, 2 e 3, respectivamente). A segunda banda é localizada no intervalo de 600-900 nm com máximos em 680, 720 e 800 nm (picos 4, 5 e 6, respectivamente). Existe também uma terceira banda de absorção observada no intervalo de 1150-1300 nm. Esta parte do espectro não foi descrita no trabalho de Chernei et al. [16], mas foi descrita por Yingpeng et al. [17] os quais estenderam a medida da absorção óptica para regiões de comprimento de onda do infravermelho. 53 Nos dois trabalhos experimentais citados acima foi discutida a origem das bandas de absorção óptica baseando-se no diagrama de Tanabe e Sugano para um íon de Cr acomodado no sítio do Ge. Ambos os trabalhos descrevem que a origem dos picos de absorção óptica na faixa de 600-900 nm se deve as transições eletrônicas entre os níveis de energia do íon Cr4+ no sítio tetraédrico. Chernei et al. [16] assumem que os picos entre 300 e 600 nm têm essa mesma origem, mas Yingpeng et al. [17] discutem que essa banda, como também a banda em torno de 1150-1300 nm, origina-se de transições eletrônicas entre níveis de energia do íon Cr3+ que ocupa um sítio tetraédrico. Essa explicação, entretanto, requer considerações de compensação de carga, as quais eles não explicaram. Os resultados dos cálculos apresentados neste trabalho demonstram que o espectro de absorção óptica experimental pode ser satisfatoriamente interpretado pela superposição dos dois espectros de absorção óptica produzidos pelos íons Cr4+ e Cr3+, os quais substituem o Ge4+ e o Bi3+, respectivamente. A superposição desses dois espectros teóricos é mostrada no gráfico da parte inferior da figura 14, donde se pode verificar que existem três distintas bandas de absorção compostas pelas estruturas de I a VI, discutidas na seção anterior. A banda de absorção na região do infravermelho foi observada no trabalho de Yingpeng et al. [17] (não mostrada na figura 14) a qual é reproduzida teoricamente por uma larga banda entre 950 a 1250 nm que, claramente, se origina das transições d-d do íon Cr4+ (estrutura I). Essa conclusão, portanto, não apoia a interpretação oferecida pelos autores da referência [17], os quais atribuíram à origem dessa banda as transições eletrônicas entre os estados do íon Cr3+ situado no sítio do íon Ge4+. A região do espectro experimental entre 600 e 900 nm é reproduzido pela curva teórica por uma banda entre 600 e 800 nm, que é composta de um único pico mais pronunciado. O resultado teórico mostra uma aparente discordância com a experiência, que possui mais dois picos bem pronunciados na região de maior comprimento de onda. Na parte superior da figura 14, entretanto, observa-se que essa banda é composta de pelo menos duas estruturas. Essa banda é composta pelas contribuições das transições eletrônicas entre os estados d-d de ambos os íons Cr3+ e Cr4+. Essa interpretação se confronta com a proposta feita pelos estudos experimentais [16,17] que atribuem à origem dessa banda, exclusivamente, ao Cr4+. Uma possível explicação para esse fato é que, segundo Bravo et al. [15], a concentração de Cr4+ é sempre muito maior do que a de Cr3+ e, por consequência, essa banda é dominada pelas transições entre estados eletrônicos do Cr4+. 54 Figura 14: Parte superior: cálculo da intensidade da absorção dos sistemas BGO: Cr→Ge e BGO: Cr→Bi em função do comprimento de onda da radiação incidente, comparado com o espectro experimental do BGO dopado com Cr [16]. Os números arábicos denotam picos no espectro experimental, enquanto que os números em romanos, definidos nas figuras 12 e 13, denotam as estruturas mais proeminentes nos espectros calculados. Parte inferior: comparação entre o espectros de absorção experimental e teórico do BGO:Cr. O espectro teórico foi obtido a partir da superposição dos espectros dos sistemas BGO: Cr→Ge e BGO: Cr→Bi. A banda experimental na faixa de 300-600 nm é bem reproduzida teoricamente por uma série de “ombros” que se colocam próximos à borda de absorção (estruturas III, IV e VI), para os quais os íons Cr3+ e Cr4+ são os responsáveis. A contribuição do Cr4+, contudo, é menos significante, visto que a intensidade da estrutura III é muito menor do que a da estrutura VI. Além disso, a estrutura IV pode ser considerada como sendo não devida à impureza, mas como fazendo parte da absorção óptica da própria matriz (BGO puro). Assim, conclui-se que a origem dessa banda é devida ao íon Cr3+, sendo originada pela transferência de elétrons dos estados 2p populados dos oxigênios para os estados d do íon Cr3+ situado no sítio octaédrico (estrutura VI). 55 Devido ao fato de que o gap fundamental do BGO é subestimando em relação ao experimental (3.19 versus 4,96 [58]), a interpretação teórica do espectro de absorção do BGO dopando com Cr tem apenas caráter qualitativo. O erro no cálculo do gap fundamental é devido aos efeitos da aproximação no potencial de troca e correlação eletrônica feita através do GGA [57]. Apesar dessa limitação, a análise feita nos últimos parágrafos oferece argumentos de tal forma a apoiar a conclusão de que o espectro de absorção óptica do BGO:Cr é composto da resposta óptica originada dos íons Cr3+ e Cr4+, indicando a presença de Cr nos sítios do Bi3+ e Ge4+ na matriz cristalina do BGO. Essa conclusão é reforçada pelos resultados apresentados acerca da energia de formação do defeito (seção 5.2), os quais demonstram não haver um sítio mais energeticamente favorável. 56 Capítulo 6 Propriedades eletrônicas e ópticas do BTO puro 6.1 Otimização da estrutura e detalhes do cálculo O dodecaedro titanato de bismuto, Bi12TiO20 (BTO), é um material cristalino com simetria cúbica (fig. 15) e grupo espacial I23 (nº. 173). A célula unitária primitiva contém 33 átomos e não possui centro de inversão. Exitem três oxigênios (no texto eles serão referidos como O’s) cristalograficamente não equivalentes, um deles, denotado por O1, ocupa a posição 24f e dois outros (O2 e O3) ocupam as posições 8c. Os átomos de Bi e Ti ocupam as posições 24f e 2a, respectivamente. Cada íon Bi3+ está coordenado a sete íons O2-, que ocupam os vértices de um poliedro distorcido (todos os comprimentos das ligações Bi – O são diferentes, conforme mostra a tabela 3). O íon Ti4+ está coordenado a quatro íons O2- arranjados nos vértices de um tetraedro perfeito, o comprimento das ligações Ti – O são todos iguais. Esses tetraedros ocupam o centro e os vértices da célula unitária cúbica. Figura 15: Estrutura cristalina do Bi12TiO20. As esferas cinza (maior), preta (média) e branca (menor) representam os íons Bi3+, Ti4+ e O2-, respectivamente. Ao lado, a primeira esfera de coordenação dos átomos de Bi e Ti. 57 Os parâmetros de rede e as posições atômicas da célula unitária do cristal de BTO foram computacionalmente otimizados. O valor calculado para o parâmetro de rede foi a = 10, 322 Å. Esse valor implicou em um aumento de 4% do volume da célula unitária utilizada para os cálculos das propriedades em relação ao volume da célula unitária experimental à temperatura ambiente [67]. As posições atômicas dentro da célula unitária foram relaxadas até que as forças atuando sobre cada um dos átomos se tornaram menores do que 2 mRy/u.a. Na tabela 3, são mostrados os cálculos das distâncias Bi – O e Ti – O após o processo de relaxamento das posições interatômicas. Nota-se que os resultados calculados se comparam bem com os medidos experimentalmente [67]. Os valores médios calculados das distâncias Bi – O e Ti – O diferem apenas 1% e 3%, respectivamente, em relação aos valores médios experimentais. Tabela 3: Cálculo das distâncias interatômicas no BTO puro. O número entre parênteses indica o número de ligações que o Bi (ou Ti) faz com os oxigênios mais próximos (primeira esfera de coordenação). Os valores teóricos são comparados com dados experimentais à temperatura ambiente [67]. Distância Teórico Experimental (ref. [67]) Bi – O (1) Bi – O (1) Bi – O (1) Bi – O (1) Bi – O (1) Bi – O (1) Bi – O (1) 2,063 2,234 2,304 2,592 2,788 2,968 3,352 2,163 2,205 2,206 2,514 2,622 3,131 3,370 Ti – O (4) 1,842 1,809 Os raios das esferas MT dos átomos de Bi, Ti e O foram 2,3 u.a., 1,8 u.a. e 1,4 u.a., respectivamente. O valor máximo do momento angular foi fixado em lmáx = 10 para a expansão das funções de onda dentro das esferas atômicas. O parâmetro de corte para a expansão das ondas planas na região intersticial foi limitado em Kmáx . RMT = 7. Os efeitos de 58 troca e correlação foram tratados pela aproximação do gradiente generalizado de Perdew et al. r [57]. O número de pontos k usados no cálculo da estrutura eletrônica foi igual a 7 na primeira zona de Brillouin. Foram considerados estados eletrônicos da valência 5d, 6s e 6p do Bi; 3d, 4s, 3p e 3s do Ti; 2s e 2p do átomo de O. Usando esse conjunto de parâmetros, foram executados dois tipos de cálculos, no primeiro, usando a aproximação relativística escalar e, no segundo, incluindo a interação spin-órbita (SO) nos átomos de Bi do composto. A parte imaginária do tensor dielétrico (eq. 3.16) foi calculada para uma faixa de energias da radiação incidente compreendida entre 0 e 40 eV. Nessa etapa do cálculo, foram r utilizados 45 pontos k na primeira zona de Brillouin. A parte real do tensor dielétrico foi, então, determinada usando a relação de Kramers-Kronig (eq. 3.18). Devido à simetria cristalina cúbica, o tensor dielétrico do BTO é diagonal (assim como no caso do BGO), ou seja, o tensor é reduzido a uma função escalar, ε11 = ε 22 = ε 33 = ε (ω ) . 6.2 Propriedades eletrônicas 6.2.1 Estrutura de bandas Na figura 16 é mostrada a estrutura de bandas de energia na vizinhança do gap fundamental para o BTO puro ao longo das direções de alta simetria da primeira zona de Brillouin. À esquerda, é mostrado o resultado do cálculo usando a aproximação relativística escalar (sem SO) e, à direita, com a inclusão da interação spin-órbita (com SO). O valor calculado do gap fundamental é de 2,6 eV (sem SO) e 2,3 eV (com SO). Assim, de forma semelhante ao que ocorreu nos cálculos do BGO, o valor do gap fundamental diminui no cálculo com a inclusão da interação SO devido ao desdobramento dos estados 6p do Bi (predominante no fundo da banda de condução) nas componentes j= 1/2 e j=3/2. Nota-se que o máximo da banda de valência e o mínimo da banda de condução estão localizados no mesmo ponto Г da zona de Brillouin; assim, o gap fundamental do BTO é classificado como direto em ambos os tipos de cálculos (com e sem SO). A estrutura de bandas do BTO puro já tinha sido estudada por Wei et al. [68], entretanto, eles concluíram que o gap fundamental é indireto (máximo da banda de valência no ponto Г e mínimo da banda de condução no ponto H), cujo valor é de 2,61 eV. Esses autores empregaram um diferente método DFT (pseudopotencial) sem levar em conta à interação SO. Contudo, a princípio não se pode atribuir essa discordância a nenhum desses 59 dois fatos. Isso porque o método de pseudopotencial trata o potencial de interação dos elétrons na região da valência no cristal sem aproximação, de forma similar ao tratamento que é dado a esses elétrons no método FPLAPW. Como também, não se pode atribuir ao fato da não inclusão da interação spin-órbita, pois, conforme mostra a figura 16, verifica-se que em ambos os cálculos (com e sem SO) o gap fundamental é direto. Experimentalmente, o valor do gap fundamental do BTO é estimado a partir da borda do espectro de absorção óptica (2,4 eV [69]) e do experimento da fotocondutividade (3,2 eV [31]). Em nenhum desses trabalhos foi determinado se o gap fundamental é direto ou indireto. Apenas no trabalho de Yao et al. [69] foi assumido, mas sem nenhuma evidência experimental, que o BTO, assim como outro material isolante tipo o TiO2, possui gap indireto. Figura 16: Estrutura de bandas de energia na vizinhança do gap fundamental do BGO puro. À direita, resultado do cálculo usando a aproximação relativística escalar (sem SO) e, à esquerda, com a inclusão da interação spin-órbita (com SO). Os símbolos no eixo da abscissa r denotam diferentes pontos k de alta simetria na primeira zona de Brillouin. O topo da banda de valência; isto é, a banda de maior energia ocupada é colocada no 0 eV. 60 6.2.2 Densidade de estados Na figura 17 é mostrada a densidade de estados total (TDOS) com aproximação relativística escalar (sem SO) e com o acoplamento spin-órbita (com SO). O caráter orbital predominante das bandas está sendo indicado sobre cada uma delas. O topo da banda de valência (de -5 a 0 eV) é formado pelos estados ligantes 2p dos O’s, estados 6s, não-ligantes, do Bi e estados ligantes 3d do Ti, mas com predomínio dos estados do 2p dos O’s. A banda em torno de -9 eV concentra os estados ligantes 6s do Bi. As bandas localizadas nas menores energias negativas do espectro são dominadas pelos estados s e p do Ti, 2s do O e 5d do Bi (desdobrados nas componentes j = 3/2 e j = 5/2 devido à inclusão da interação SO). O primeiro bloco nas menores energias (entre 3,2 e 7,5 eV), no fundo da banda de condução, é formado pelos estados 6p do Bi (desdobrados nas componentes j = 1/2 e j = 3/2 devido à inclusão da interação SO) e estados antiligantes 3d do Ti. A componente Bi-6p1/2 domina a parte de menor energia (2,3-4,3 eV) enquanto que a parte de maior energia (4,3 a 7,5 eV) é composta pela mistura da componente Bi-6p3/2 e estados antiligantes 3d do Ti. A região da banda de condução acima de 9 eV é formada pelos estados hibridizados 6p do Bi, 2p dos O’s e 3d do Ti. A composição orbital predominante das bandas de energia do BTO puro já era conhecida dos trabalhos de Wei et al. [68] e Zhou et al. [70], mas seus resultados discordam quanto aos estados que devem constituir o fundo da banda de condução. Ambos os trabalhos empregaram o mesmo método DFT (pseudopotencial) e a mesma aproximação para tratar os efeitos de troca e correlação (GGA de Perdew et al. [57]). Zhou et al. [70] mostraram em seu trabalho que o fundo da banda de condução consiste de apenas estados 3d do Ti, enquanto que Wei et al. [68] obtiveram que ela é composta de estados 3d do Ti e estados 6p do Bi, sendo estes últimos predominantes. Os resultados apresentados na figura 17 (empregando o método FPLAPW) confirmam os resultados de Wei et al. [68]. Pode-se, portanto, concluir que o fundo da banda de condução do BTO é formada pelos estados 6p do Bi e 3d do Ti. Sendo que os estados 3d do Ti tem maior expressividade apenas para a formação da banda na região entre 4,3 e 7,5 eV. 61 Figura 17: Parte superior: densidade de estados total (TDOS) do cálculo usando a aproximação relativística escalar (sem SO). Parte inferior: TDOS do cálculo incluindo o acoplamento spin-órbita (com SO). A linha pontilhada na vertical está indicando a energia de Fermi (EF) e o caráter orbital predominante das bandas está sendo indicado sobre cada uma delas. 6.3 Propriedades ópticas 6.3.1 Espectro de absorção óptica A figura 18 mostra o espectro de absorção óptica para o cristal de BTO puro, assim como a interpretação desse espectro baseada na análise da estrutura eletrônica que foi apresentada na seção anterior. Nesse espectro é apresentada apenas a curva obtida para o cálculo que incluiu a interação SO no átomo de Bi. A região de menor energia do espectro (entre 2,6 e 10 eV) é caracterizada por dois picos de maior intensidade de absorção da luz incidente. Ela é causada por transições eletrônicas entre o topo da banda de valência e bloco isolado de menor energia na banda de condução. O primeiro pico (centrado por volta de 4 eV) é originado das transições eletrônicas 62 entre estados 2p do O’s para as componentes 6p1/2 do Bi. O segundo pico (centrado em 7 eV) é dominado pelas transições eletrônicas entre estados 2p do O’s para os estados 3d do Ti e os estados 6p3/2 do Bi. Na região do espectro entre 12 e 17 eV, caracterizada por uma intensidade de absorção óptica intermediária relativa a primeira estrutura, é devida às transições eletrônicas entre o topo da banda de valência e a parte localizada em maiores energias da banda de condução. Nela também há uma pequena contribuição das transições eletrônicas entre a banda centrada em torno de -9 eV para o bloco isolado na banda de condução. Assim, as transições eletrônicas responsáveis por essa parte do espectro são entre estados 2p dos O’s para os estados 6p do Bi, 3d do Ti ou outros estados vazios 2p dos O’s. A parte do espectro de maior energia (entre 20 e 40 eV), menor absorção, é caracterizada por quatro picos. O primeiro (~24 eV) é devido às transições eletrônicas entre os estados 5d do Bi, desdobrado na componente j =5/2, para os estados 6p do Bi, desdobrado na componente j =1/2. O segundo (~27 eV) é dominado pelas transições eletrônicas entre estados 5d5/2 (Bi)→ 6p3/2 (Bi) e 5d3/2 (Bi) → 6p1/2 (Bi). O terceiro pico (~30 eV) é causado por transições eletrônicas entre estados 5d3/2 (Bi) → 6p3/2 (Bi). O último pico (~36 eV) origina-se de transições eletrônicas entre estados 5d3/2 (Bi) para estados nas bandas de maiores energia. Figura 18: Parte imaginária da função dielétrica do BGO (em unidades arbitrárias) em função da energia da radiação incidente. O espectro foi decomposto e interpretado com base na análise da estrutura eletrônica apresentado na seção anterior. A região entre 20 e 40 eV está em destaque para melhorar a visualização dos picos enumerados de 1 a 4. 63 O modelo apresentado acima, para o mecanismo de absorção da energia dos fótons incidentes do BTO puro, não concorda com o modelo anteriormente proposto por Yao et al. [69]. Baseando-se nas características da estrutura eletrônica próximo ao gap fundamental de outros óxidos, eles deduziram que a absorção óptica na região do visível para o BTO deve ser devido às transições eletrônicas entre estados 6s do Bi para estados 3d do Ti. De acordo com os resultados apresentados na fig. 18, tais transições (6s-Bi → 3d-Ti) somente são possíveis no intervalo de energia acima do espectro visível (entre 5 e 10 eV). A comparação direta entre os resultados apresentados aqui e os de Yao et al. [69] é possível, pois o gap fundamental calculado de 2,3 eV é próximo ao estimado em sua experiência de 2,4 eV. 6.3.2 Constantes ópticas A figura 19 mostra a variação do índice de refração e da refletividade do BTO puro em função da energia da radiação incidente, calculada com a interação SO no átomo de Bi. Esses espectros são comparados com dados experimentais da literatura, sendo que a curva do índice de refração é comparada com o trabalho de Papazoglou et al. [24], enquanto que a refletividade é comparada com a curva extraída do trabalho de Burkov et al. [19]. Verifica-se que o índice de refração atinge o valor máximo para energias próximas à energia em que também ocorre a máxima intensidade de absorção no composto. Esse fato também foi observado com o espectro de absorção e índice de refração do BGO puro. O índice de refração diminui gradualmente do comprimento de onda da luz azul (~500 nm) para o vermelho (~700 nm). Comportamento similar também é observado na curva experimental [24], embora com valores relativamente maiores do que os calculados. Os índices de refração calculados variam de 2,182 a 1,921, enquanto que os experimentais variam de 2,674 a 2,548 na região de 500 a 700 nm. O espectro de reflexão da luz incidente, de forma geral, pode ser caracterizado por três estruturas. A primeira entre 2 – 10 eV (região de maior intensidade na reflexão da luz incidente), a segunda entre 12 – 25 eV e a terceira situada entre 26 e 32 eV. A primeira estrutura é comparada com medidas experimentais [19], enquanto que para as energias maiores do que 12 eV não foram encontrados resultados experimentais publicados para o cristal de BTO. A interpretação desse espectro é análoga à análise feita para o espectro de absorção óptica (fig. 18), ou seja, as mesmas transições eletrônicas que causam as três estruturas no espectro de absorção óptica também são responsáveis pela existência de três estruturas no espectro de reflexão. 64 Figura 19: Índice de refração (parte superior) e refletividade (parte inferior) em função da energia da radiação incidente. Os cálculos incluem a interação spin-órbita. A curva experimental do índice de refração do material foi obtida do trabalho Papazoglou et al. [24], enquanto que a refletividade foi do trabalho de Burkov et al. [19]. 65 Capítulo 7 Análises das características ópticas do espodumênio alfa 7.1 Otimização da estrutura, detalhes do cálculo e estrutura eletrônica O espodumênio alfa, LiAlSi2O6, é um cristal de simetria monoclínica (fig. 20) e grupo espacial C2/c (nº. 15). A célula unitária primitiva contém 20 átomos e possui centro de inversão. Exitem três oxigênios cristalograficamente não equivalentes, denominados O1, O2 e O3 (no texto eles serão referidos como O’s), que ocupam a posição 8f. Ambos os átomos de Li e Al ocupam as posições 4e. Cada íon Al3+ e Li+ são coordenados a seis íons O2posicionados nos vértices de um octaedro distorcido (três pares de comprimento das ligações Al – O ou Li – O são diferentes, como pode ser conferido na tabela 4). Dois de cada íon Al3+ e Li+ pertencem ao mesmo plano b – c cristalográfico. O íon Si4+ é coordenado a quatro íons O2ocupando os vértices de um tetraedro distorcido (o comprimento das ligações Si – O são todos diferentes). Figura 20: Estrutura cristalina do α-LiAlSi2O6. As esferas cinza escura, cinza clara, preta e branca representam os íons Al3+, Li+, Si4+ e O2-, respectivamente. Ao lado, a primeira esfera de coordenação dos íons Al3+, Li+ e Si4+. 66 Os parâmetros de rede a = 9,54 Å, b = 5,26 Å e c = 8,46 Å, usados no cálculo, foram otimizados. Eles produziram um aumento de 3% no volume da célula unitária do espodumênio em relação ao volume experimental à temperatura ambiente [71]. As posições atômicas dentro da célula unitária foram relaxadas até que as forças atuando sobre cada um dos átomos se tornaram menores do que 2 mRy/u.a. Na tabela 4, são mostrados os cálculos das distâncias metal (Li, Al ou Si) – oxigênios (O1, O2 ou O3) após o processo de relaxamento das posições interatômicas. Verifica-se que os resultados estão em boa concordância com os da experiência obtidos a partir da difração de nêutrons à temperatura de 54 K [72]. Tabela 4: Cálculo do comprimento (em Å) da ligação entre o átomo central (Li, Al e Si) e seus primeiros vizinhos no espodumênio alfa. O número entre parênteses se refere ao número de ligações metal (Li, Al ou Si) – oxigênio (O1, O2 ou O3) que correspondem ao mesmo valor. Os valores são comparados com os experimentais obtidos à temperatura de 54 K [72]. Distância Teórico Experimental [72] Li – O1 (2) Li – O3 (2) Li – O2 (2) 2,102 2,257 2,302 2,090 2,245 2,272 Al – O2 (2) Al – O1 (2) Al – O1 (2) 1,838 1,964 2,012 1,822 1,941 1,995 Si – O2 (1) Si – O3 (1) Si – O3 (1) Si – O1 (1) 1,612 1,651 1,651 1,664 1,585 1,623 1,626 1,644 Os raios das esferas MT das quatro espécies químicas Li, Al, Si e O utilizados no cálculo foram 1,6 u.a., 1,7 u.a., 1,8 u.a. e 1,2 u.a., respectivamente. O valor máximo do momento angular foi fixado em lmáx = 10 para a expansão das funções de onda dentro das esferas atômicas. O parâmetro de corte para a expansão das ondas planas na região intersticial 67 foi limitado em Kmáx . RMT = 8. Os efeitos de troca e correlação foram tratados pela r aproximação do gradiente generalizado de Perdew et al. [57]. O número de pontos k usados no cálculo da estrutura eletrônica foi igual a 10 na primeira zona de Brillouin. Foram considerados estados eletrônicos da valência 1s, 2s do Li; 2p, 3s, 3p do Al; 3s, 3p do Si e 2s, 2p do O. Os efeitos relativísticos foram levados em conta usando a aproximação relativística escalar. A figura 21 se refere à densidade de estados total (TDOS) do espodumênio alfa. O caráter orbital predominante das bandas está sendo indicado sobre cada uma delas. A região da valência é composta de duas bandas formadas predominantemente pelos estados 2s e 2p dos O’s. A banda entre -20 e 16 eV é composta predominantemente pelos estados 2s dos O’s, enquanto que a banda entre -9 e 0 eV é dominada pelos estados ligantes 2p dos O’s. Essas bandas também têm contribuição dos estados s e p do Si, sendo que o pico centrado em -8 eV é composto principalmente dos estados 3s do Si. O fundo da banda de condução é separado do topo da banda de valência por um gap fundamental de 5,5 eV. Nos dois primeiros picos, no fundo da banda de condução, predominam estados 3p do Si, no terceiro pico dominam os estados antiligantes 2p dos O’s, sendo que o quarto e o quinto pico são devido aos estados 2p do Li e 3p do Al. No restante da banda de condução, com energias acima de 20 eV, volta a dominar os estados 3p do Si. Figura 21: Densidade de estados total (TDOS) do espodumênio alfa. A linha pontilhada na vertical está indicando a energia de Fermi (EF). O caráter orbital predominante das bandas está sendo indicado sobre elas. 68 7.2 Determinação dos eixos principais do espodumênio alfa Em sistemas cristalinos de alta simetria (e.x.: sólidos cristalinos de simetria cúbica, como as do BGO e BTO), o tensor dielétrico tem coeficientes não-diagonais nulos ( ε ij (ω ) = 0 , se i ≠ j ) e todos os coeficientes diagonais são iguais ( ε11 = ε 22 = ε 33 = ε (ω ) ). Assim, o tensor dielétrico se reduz a uma função escalar. Por outro lado, o tensor dielétrico em sólidos cristalinos de baixa simetria tem coeficientes não-diagonais diferentes de zero ( ε ij (ω ) ≠ 0 ) e o número destes, depende se o material possui simetria monoclínica, triclínica ou ortorrômbica. Nesses casos, o tensor dielétrico dado em um sistema de coordenadas cartesiana arbitrário {x, y, z} pode ser reduzido a uma forma diagonal pela transformação r r r deste sistema de coordenadas em outro (n1 , n2 , n3 ) que é ortogonal. Esse novo sistema de coordenadas é usualmente denominado de eixos principais [52]. Essa transformação é ilustrada abaixo para o caso da parte imaginária do tensor dielétrico do espodumênio: ⎡ ε (ω ) ε (ω ) ⎡ε ′ (ω ) 0 0 ⎤ 0 ⎤ 12 ⎢ 11 ⎥ ⎢ 11 ⎥ ′ (ω ) 0 ⎥ , Im ε (ω ) = ⎢ ε 21 (ω ) ε 22 (ω ) 0 ⎥ ⇒ Im ε ′ (ω ) = ⎢ 0 ε 22 ⎢ ⎥ ⎢ ⎥ ⎢ ⎢ 0 ′ (ω ) ⎥ 0 0 ε 33 (ω ) ⎥ 0 ε 33 ⎣ ⎦ ⎣ ⎦ onde ε ij (ω ) e ε ij′ (ω ) representam Im ε ij (ω ) e Im ε ij′ (ω ) , respectivamente, por uma questão de diminuição da notação empregada. Mostra-se, usando as técnicas de diagonalização de matrizes, que os autovalores ε ij′ (ω ) são expressos em termo das componentes ε ij (ω ) , segundo as fórmulas: 1 2 1 ′ (ω ) = [(ε11 + ε 22 ) − (ε11 − ε 22 )2 + 4ε122 ] ε 22 2 ′ (ω ) = ε 33 ε 33 ε11′ (ω ) = [(ε11 + ε 22 ) + (ε11 − ε 22 )2 + 4ε122 ] ⎫ ⎪ ⎪ ⎪ ⎬ ⎪ ⎪ ⎪ ⎭ (7.1) Esses três coeficientes da parte imaginária do tensor dielétrico são diretamente proporcionais à intensidade da absorção óptica do material ao logo dos três eixos principais, r r r os quais são determinados pelos autovetores n1 , n2 e n3 , respectivamente: 69 r r r n1 = x(ω )ex + ey r r r n2 = y (ω )ex + ey r r n3 = ez ⎫ ⎪⎪ ⎬ ⎪ ⎪⎭ (7.2) r r r sendo e x , e y e e z os vetores unitários ortogonais do sistema de coordenadas original {x, y, z} com x(ω ) e y(ω ) são dados por: x(ω ) = ε11 − ε 22 − 2ε12 + (ε11 − ε 22 )2 + 4(ε12 )2 ε11 − ε 22 + 2ε12 − (ε11 − ε 22 )2 + 4(ε12 )2 (7.3) y(ω ) = ε11 − ε 22 − 2ε12 − (ε11 − ε 22 )2 + 4(ε12 )2 ε11 − ε 22 + 2ε12 + (ε11 − ε 22 )2 + 4(ε12 )2 (7.4) Com as equações (7.1) e (7.2) podem-se obter as propriedades ópticas do cristal ao longo das três direções principais que são dadas em termos de um sistema de coordenadas cartesiano arbitrário. Falta, entretanto, relacionar essas direções principais, dadas pelas equações 7.2, com os eixos cristalinos do espodumênio alfa. A relação entre esses dois sistemas de coordenadas e as considerações usadas para se chegar a esse objetivo serão mostradas na próxima seção. 7.3 Relações entre os eixos principais e as direções cristalográficas Conhecida a relação dos autovetores em termos do sistema de coordenadas cartesiano arbitrário {x, y, z}, equação (7.2), pode-se, agora, expressá-los em função das direções dos eixos cristalográficos monoclínicos do espodumênio. Esse cristal tem célula unitária monoclínica de base centrada. Assim, os vetores primitivos da rede de Bravais são dados a 2 pelas seguintes coordenadas: (0, b, 0) , ( sin γ , a c a a c cos γ , − ) e ( sin γ , cos γ , + ) , expressas 2 2 2 2 2 no sistema de coordenadas cartesiano {x, y, z}, como ilustra a figura 22. 70 Figura 22: Ilustração da célula unitária monoclínica de base centrada. Os ângulos α e β são retos, enquanto que o ângulo γ é de 110,13°. O sistema de coordenadas em que o tensor dielétrico é calculado é denotado como {x, y, z} e eixos cristalográficos representados por a, b e c. O eixo x situa-se no plano a – b, inclinado por um ângulo de γ – 90° com relação ao eixo a. Os vetores primitivos da rede de Bravais conectam os pontos 1, 2 e 3 da rede. Verifica-se da figura 22 que é possível estabelecer uma relação entre o sistema de coordenadas original {ex , ey , ez } e o sistema de coordenadas cristalográfico {ea , eb , ec } , r r r r r r dada por: r r r ex = ea / senγ − (ctgγ )eb r r ey = eb r r ez = −ec ⎫ ⎪⎪ ⎬ ⎪ ⎪⎭ (7.5) Substituindo o resultado acima na equação 7.2, são obtidas as relações que determinam a orientação entre os eixos principais e os eixos cristalográficos do espodumênio em termos de suas direções cristalográficas: 71 r x(ω ) r r n1 = ea + [1 − x(ω )ctgγ ]eb senγ r r y (ω ) r n2 = ea + [1 − y (ω )ctgγ ]eb senγ r r n3 = −ec ⎫ ⎪ ⎪ ⎪ ⎬ ⎪ ⎪ ⎪ ⎭ (7.6) r Infere-se das relações 7.6 que o eixo principal n3 é paralelo ao eixo cristalográfico c, r r enquanto que os outros dois eixos principais ( n1 e n2 ) situam-se no plano definido pelos r r outros dois eixos cristalográficos (a e b), sendo n1 e n2 mutuamente ortogonais para qualquer r r valor da frequência ω da radiação incidente. As orientações de n1 e n2 dependem de ω, isto r r é, n1 e n2 giram em torno do eixo c em função da frequência da radiação incidente (ver ilustração de um caso particular na figura 24). r r Observa-se ainda que a direção de n3 é fixa ao longo do eixo c e o ângulo entre n1 e r n2 é sempre 90°. Com isso, conclui-se que a orientação dos eixos principais é determinada r por apenas um ângulo, θ, entre um eixo cristalográfico a (ou b) e um eixo principal n1 (ou r n2 ). Fazendo o produto escalar entre os vetores da fórmula 7.6, lembrando que o sistema de r r r coordenadas {ea , eb , ec } não é ortogonal, mostra-se que esse ângulo depende da frequência da radiação incidente; cos θ = x(ω )senγ + cos γ 1 + x 2 (ω ) . (7.7) Na figura 23 é mostrada a dependência do ângulo θ em relação ao comprimento de onda da radiação incidente. Os valores do ângulo θ variam de 21° a 180° e exibem uma rápida mudança para menores comprimentos de onda. A explicação para tais mudanças abruptas está no fato de que a componente não-diagonal ε12 (ω ) do tensor dielétrico é muito pequena e possui valores que mudam de sinal em função do comprimento de onda (resultados não mostrados aqui). Cada vez que ocorre mudança de sinal, o denominador de x(ω ) na equação 7.4 se torna extremamente pequeno ocasionando também a sua mudança de sinal. Assim, uma pequena variação do comprimento de onda pode causar uma extrema variação de x(ω ) . Quando ε12 (ω ) é positivo, x(ω ) é muito grande e positivo; e se ε12 (ω ) é negativo, x(ω ) é muito grande e negativo. A mudança abrupta de x(ω ) implica na mudança repentina do ângulo θ dentro de um intervalo que pode ser estimado pela equação 7.7. Para x(ω ) muito 72 grande e positivo, 1 + x 2 ≈ x e a equação 7.7 se reduz a cos ϑ ≈ senγ , o qual determina aproximadamente o limite inferior do ângulo θ ≈ 21° . Por outro lado, se x(ω ) for muito grande e negativo o cos ϑ ≈ −senγ e θ ≈ 160° . r Figura 23: Ângulo θ entre o eixo principal n1 e o eixo cristalográfico a do espodumênio em função do comprimento de onda da radiação incidente. Na figura 23 é ilustrada a orientação dos eixos principais em relação aos eixos cristalográficos do espodumênio para λ = 125,5 nm. Esse valor de λ foi escolhido por ser um dos comprimentos de onda em que ocorre maior intensidade de absorção no material, mas r sem maiores motivações. Verifica-se que o ângulo entre o eixo principal n1 e o eixo cristalográfico a é 33,5° no sentido do movimento dos ponteiros do relógio. O eixo c está perpendicular ao plano da folha e saindo dela. Dessa forma, a equação 7.7 em conjunto com o gráfico da figura 23 é capaz de determinar a orientação dos eixos principais para qualquer comprimento de onda arbitrário de luz incidente. 73 Figura 24: Elipsóide óptica do espodumênio que mostra a orientação dos eixos principais r r r n1 , n2 e n3 em relação aos eixos cristalográficos a, b e c para um comprimento de onda de λ = 125,5 nm. 7.4 Espectro de absorção e constantes ópticas ao longo dos eixos principais A figura 25 mostra o espectro de absorção óptica do espodumênio ao longo dos três eixos principais. Esse espectro foi interpretado a partir do conhecimento da estrutura eletrônica do composto que foi apresentada na figura 21. Observa-se que para as regiões do espectro de maiores comprimentos de onda (entre 100 – 200 nm), ele é claramente dominado por transições eletrônicas dos estados 2p dos O’s para estados 3p do Si. As mesmas transições são responsáveis pelo lado oposto do espectro, mas para apenas uma pequena faixa que vai de 50 a 60 nm. A região entre 60-100 nm do espectro é determinada por três tipos de transições cujas contribuições são superpostas: (1) dos estados 2p dos O’s para estados 2p dos O’s cristalograficamente não equivalentes como, por exemplo, do O1→O2, O1→O3 e do O2→O3; (2) estados 2p dos O’s para os estados 3p do Al ou 2p do Li; e (3) dos estados 2p dos O’s para estados 3p do Si. Ainda na figura 25, observa-se a maneira diferente da curva de absorção óptica ao longo das três direções principais, confirmando o comportamento anisotrópico do cristal de espodumênio ao absorver a energia da radiação incidente. 74 Figura 25: Espectro de absorção óptica do espodumênio (em unidades arbitrárias) ao longo dos r r r eixos principais n1 (parte superior), n2 (parte intermediária) e n3 (parte inferior). O espectro foi decomposto e interpretado com base na análise da estrutura eletrônica apresentada na seção 7.1. Na figura 26 é mostrada a parte real do tensor dielétrico e a refletividade para as três direções principais do espodumênio em função do comprimento da radiação incidente. A região entre 60 a 150 nm, do espectro da parte real do tensor dielétrico, é de onde se observa um maior comportamento anisotrópico do cristal em relação a essa propriedade. Por outro lado, no limite de comprimentos de onda grande (λ → ∞ / ω → 0) , a parte real do tensor dielétrico possui comportamento quase isotrópico. Por definição, para valores de λ muito grande ou ω tendendo a zero (resultados não mostrados na figura 26) a parte real do tensor dielétrico é equivalente a constante dielétrica estática do material. Assim, esses valores são relativamente próximos ao r r r longo das três direções principais: 2,86 ( n1 ), 2,92 ( n2 ) e 2,90 ( n3 ). 75 Figura 26: Parte real do tensor dielétrico (tela superior), refletividade (tela intermediária) e índice de refração (tela inferior) em função do comprimento de onda da luz incidente, ao longo r r dos três eixos principais do espodumênio alfa. Ao longo de n3 (linha contínua), n2 (linha r pontilhada) e n1 (linha tracejada). O espectro de reflexão da luz incidente (parte intermediária da figura 26) exibe um comportamento bastante anisotrópico, pois se verifica que suas curvas são bastante diferentes ao longo dos três eixos principais. Quando a luz incidente é polarizada ao longo da direção do r eixo principal n3 ela tem o maior percentual de luz refletida na região entre 50 a 70 nm. O r mesmo é verdade para a luz polarizada ao longo de n1 . Contudo, nesse caso, a reflexão é mais intensa e caracterizada por três picos mais proeminentes. Por sua vez, a reflexão da luz r polarizada ao longo do eixo n2 ocorre em um intervalo mais largo de comprimentos de onda, entre 50 a 120 nm com intensidade mais ou menos similar. O espodumênio alfa pertence a uma classe de materiais que pelo seu comportamento óptico é chamado de biaxial. Esses materiais são assim denominados porque possuem dois 76 eixos ópticos, isto é, quando a luz incide no cristal, existem duas direções na qual a velocidade de fase da onda eletromagnética não depende da direção de polarização. Nesses materiais os ' ' três índices de refração principais são diferentes (n11' ≠ n22 ≠ n33 ) e o material é denominado trirefringente. Esse comportamento é bem reproduzido pelos cálculos apresentadas na parte inferior da figura 26. Conhecendo os valores dos índices de refração ao longo dos eixos principais para um dado comprimento de onda, as direções dos eixos ópticos podem ser ' ' > n33 > n11' , mostra-se que ambos os determinadas. Para λ > 150 nm, por exemplo, em que n22 r r eixos ópticos são situados no plano gerado pelos eixos principais n2 e n1 , inclinados r simetricamente pelo mesmo ângulo θ EO em relação ao eixo principal n2 . Sendo o ângulo θ EO determinado por [52]: sen θ EO = ± n11' ' n22 ′2 − n33 ′2 n22 ′2 n11′2 − n33 (7.8) 77 Capítulo 8 Conclusões e perspectivas 8.1 Conclusões Nesta tese foi realizada uma investigação teórica das propriedades estruturais, eletrônicas e ópticas de três materiais isolantes: Bi4Ge3O12 (BGO), Bi12TiO20 (BTO) e αLiAlSi2O6 (espodumênio alfa) de grande interesse tecnológico e científico. Adicionalmente, foram estudados os efeitos da impureza de Cr nas propriedades acima citadas quando ela substitui o átomo de Ge no sítio tetraédrico ou o átomo de Bi no sítio octaédrico na matriz cristalina do BGO. A ferramenta teórica empregada para a realização deste estudo foi o método full potential linear augmented plane waves (FPLAPW), baseado no formalismo da Teoria do Funcional da Densidade (DFT) e utilizado na prática através do código computacional WIEN2k. Apesar das limitações conhecidas da DFT-GGA em fornecer corretamente o valor do gap fundamental em materiais semicondutores e isolantes, os resultados encontrados de modo geral, quando comparados com dados experimentais disponíveis na literatura, mostraram boa concordância. Ficou demonstrada a importância de ter sido considerada a interação spin-órbita (SO) quando estudados os materiais BGO e BTO. As principais conclusões para cada um dos sistemas estudados seguem descritas abaixo. 1. BGO puro: • O cálculo da estrutura eletrônica com a inclusão da interação spin-órbita forneceu um gap fundamental de 3,16 eV que ficou caracterizado como indireto. O topo da banda de valência e o fundo da banda de condução são dominados pelos estados 2p dos oxigênios e 6p do Bi, respectivamente. Os estados 6s do Bi são divididos devido às suas interações mútuas em estados 6s, ligantes, concentrados aproximadamente em torno de 9 eV abaixo do nível de Fermi e, não-ligantes, dispersos ao longo de todo o topo da banda de valência. A interação SO influenciou principalmente no fundo da banda de condução (com o desdobramento dos estados 6p do Bi) e nos estados da banda de valência localizados em menor energia (estados 5d do Bi e 3d do Ge). Esses 78 desdobramentos afetaram os espectros ópticos nas regiões de menor e maior energia que foram calculados neste trabalho. • O espectro de absorção óptica foi caracterizado por três estruturas mais proeminentes. A localizada em menor energia, a qual exibe maior intensidade, origina-se das transições eletrônicas: 2p (O) → 6p (Bi) e 6s (Bi) → 6p (Bi), sendo o primeiro tipo a transição predominante. Os átomos em volta do Bi absorvem a maior parte da energia da radiação incidente que é transferida para o centro luminescente, Bi, levando-o para o estado excitado. Assim, as características de absorção e emissão dependem do arranjo dos oxigênios em volta do Bi. • O espectro do índice de refração e refletividade compara-se bem com os dados experimentais. O cálculo da estrutura eletrônica confirma as características básicas do diagrama de bandas de energia construído anteriormente com base no espectro de refletividade, mas também revela algumas importantes diferenças, entre elas, a que está relacionada com os estados 6s do Bi. • Todos os resultados teóricos apresentados aqui, baseados na DFT e usando a GGA de Perdew, Burke e Ernzerhof (PBE), foram posteriormente confirmados por um outro grupo de pesquisa que utilizou o mesmo método DFT, mas empregou como aproximação o GGA de Engel e Vosko [60]. 2. BGO dopado com Cr: • Os resultados do balanço energético realizados com a impureza de Cr localizada no sítio tetraédrico e no sitio octaédrico não indicam que existe um sítio preferencial para a substituição. A energia de formação do Cr no caso quando ele substitui o Bi é apenas 0,039 eV maior em relação ao caso quando ele substitui o Ge. • A estrutura local em torno do sítio tetraédrico, quando o Cr substitui o Ge, mantém-se praticamente inalterada, isto é, o comprimento das ligações e ângulos com os oxigênios vizinhos quase não mudam. Quando substitui o Bi, entretanto, a impureza de Cr altera o ambiente octaédrico, sofrendo um deslocamento ao longo do eixo de simetria C3 no sentido de afastamento do centro do octaedro. • O Cr modifica a estrutura eletrônica do BGO puro introduzindo seus estados 3d dentro do gap fundamental. Surgem duas bandas totalmente ocupadas se ele substitui o Ge (Cr4+) e uma banda ocupada e outra vazia se ele substitui o Ge (Cr3+). No primeiro 79 caso o momento magnético do Cr calculado é de +1,58 μB, enquanto que no segundo caso é de – 2,44 μB, indicando que eles devem se alinhar em sentidos opostos quando o material é submetido a um campo magnético externo. • As estruturas no espectro de absorção causadas pela impureza de Cr na matriz cristalina do BGO foram identificadas e interpretadas com base no cálculo da estrutura eletrônica. Comparações com dados experimentais sugerem que o espectro de absorção do BGO dopado com Cr é composto pela resposta óptica de ambos os íons Cr3+ e Cr4+, indicando a presença de Cr nos sítios substitucionais do Ge e Bi. 3. BTO puro: • O cálculo da estrutura eletrônica com a inclusão da interação spin-órbita forneceu um gap fundamental de 2,3 eV que ficou caracterizado como direto. O topo da banda de valência e o fundo da banda de condução são dominados pelos estados 2p dos oxigênios e 6p do Bi, respectivamente. O fundo da banda de condução tem significante contribuição dos estados antiligantes 3d do Ti. De forma semelhante ao obtido no cálculo do BGO, a interação SO influenciou principalmente o fundo da banda de condução (com o desdobramento dos estados 6p do Bi) e os estados da banda de valência localizados em menor energia (estados 5d do Bi). • O espectro de absorção óptica calculado mostrou que o material absorve mais a energia da radiação incidente numa faixa entre 2,4 e 10 eV, sendo essa absorção causada principalmente pelas transições eletrônicas entre os estados 2p dos O’s para estados 6p do Bi. A parte do espectro de absorção caracterizado por transições eletrônicas entre estados 2p dos O’s para estados 3d do Ti só ocorre fora da faixa de energia do espectro visível. O espectro do índice de refração e refletividade comparase bem com os dados experimentais. 4. Espodumênio alfa: • r Ficou determinado que a direção principal n3 é fixa e paralela ao eixo cristalográfico r r c, enquanto que os outros dois eixos principais n1 e n2 estão no plano definido pelos r eixos cristalinos a e b e giram em torno de n3 em função do comprimento de onda da radiação incidente. A orientação desses dois últimos eixos é precisamente determinada 80 por apenas um ângulo formando entre um dos eixos principais com um dos eixos cristalinos para cada comprimento de onda da radiação incidente através da equação 7.7. • A maior parte do espectro de absorção ao longo das três direções principais é devida às transições eletrônicas entre estados 2p dos O’s para estados 3p do Si, indicando a transferência de energia dos O’s para os átomos de Si. Todas as propriedades ópticas mostram-se bastante anisotrópicas. Em especial para o espectro de refletividade e índice de refração. A refletividade exibe comportamento bastante diferente quando a r luz incidente é polarizada ao longo do eixo n3 em comparação com luz polarizada ao r r longo dos eixos n1 e n2 . 8.2 Perspectivas Planeja-se no futuro estudar os efeitos da presença de alguns defeitos e impurezas nos compostos BTO e espodumênio alfa. Para isso, serão utilizadas as estruturas cristalinas desses materiais puros que já foram computacionalmente otimizadas e apresentadas nesta tese. No caso do BTO puro, pretende-se: (1ª) introduzir o átomo do Bi no lugar do Ti, simulando assim o defeito intrínseco antissítio BiTi, (2ª) relaxar as posições da impureza e da sua vizinhança, e (3ª) calcular a estrutura eletrônica do composto, energia de formação do defeito e o espectro da absorção óptica. O mesmo procedimento deverá ser aplicado para simular a presença de outras impurezas em BTO, preferencialmente de V e Pb, que entram no sítio do Ti. Com esse estudo pretende-se classificar as bandas que venham a surgir dentro do gap fundamental do BTO, identificando os defeitos que as causam. Deseja-se, especialmente, oferecer uma resposta sobre a natureza da banda larga centralizada em torno da energia de 2,2 eV abaixo do fundo da banda de condução e responder se ela é causada pela presença do defeito antissítio ou não. No espodumênio alfa, pretende-se analisar as propriedades eletrônicas e ópticas do espodumênio dopado com impurezas de Mn, Fe e Cr. Nesse caso, serão estudados três sistemas, cada um considerando uma impureza especifica. Almeja-se, particularmente, estudar a relação entre cor do material com o tipo de impureza, pois, como foi discutido, há um grande número de dados experimentais de absorção óptica que esperam uma interpretação teórica. Esse conhecimento ajudará a controlar a coloração da gema, e a entender qual é a origem da luminescência do material. 81 Outro caminho a ser seguido é no estudo e utilização de um novo pacote computacional recentemente desenvolvido denominado de Exciting Code. Ele está baseado no formalismo da Time Dependent Density Functional Theory (TDDFT) e permite estudar as propriedades nos estados excitados dos materiais. Como, por exemplo, os espectros de emissão que não puderam ser calculados para os materiais cintiladores estudados nesta tese, como o do BGO e do espodumênio. Isso supriria uma das deficiências dos métodos baseados no formalismo da teoria do funcional da densidade (DFT), que foi discutida na seção 3.5. 82 Referências bibliográficas [1] P. Hohenberg e W. Kohn, Phys. Review, v.136, B864 (1964). [2] W. Kohn e L. J. Sham, Phys. Review, v. 140, A1133 (1965). [3] P. Blaha, K. Schwarz, G. K. H. Madsen, D. Kvasnicka, e J. 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Computational Materials Science, v. 49, p. 321 (2010). Artigo submetido para publicação relacionada com o trabalho da tese: 1. “Structural, electronic and optical aspects of Cr doping of the Bi4Ge3O12: an ab initio study.” A. F. Lima and M. V. Lalic. Journal of Applied Physics, submetido para publicação em junho de 2010. 87