O Tempo de Estudo Autónomo na Aprendizagem da Língua

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O Tempo de Estudo Autónomo na Aprendizagem da Língua
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O Tempo de Estudo Autónomo na
Aprendizagem da Língua Estrangeira:
Treinar, Consolidar, Aprofundar
Conhecimentos e Competências
Maria Dulce Abreu*
A acção educativa centra-se no trabalho diferenciado de aprendizagem dos alunos e não no ensino
simultâneo do professor.
Sérgio Niza
(Princípios Estratégicos da Intervenção Educativa
do Modelo Pedagógico do MEM)
ESCOLA MODERNA Nº 27•5ª série•2006
O
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trabalho diferenciado de aprendizagem
concretiza-se na sala de aula fundamentalmente no tempo de estudo autónomo, ou
seja, no tempo em que os alunos desenvolvem
individualmente, a pares ou em pequenos grupos, um conjunto de actividades por eles seleccionadas de acordo com as suas necessidades,
dificuldades e interesses. (Figura 1, 2, 3).
Ainda que fazendo parte de um todo constituído por tempos de aula diferenciados,
numa perspectiva de organização social das
aprendizagens (tempo de comunicação do professor, tempo de trabalho nos projectos dos
alunos, tempo de comunicação dos alunos,
tempo de estudo autónomo), este texto centrase essencialmente na descrição de práticas de
estudo autónomo nas aulas de Inglês, com alunos do 3.º Ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário.
Tanto num ciclo como noutro, o objectivo é
facilitar e consolidar a aprendizagem da Língua
Estrangeira, num espaço onde os alunos po-
3.º Ciclo do Ensino Básico.
dem contar com a ajuda do professor e com a
dos restantes colegas da turma, e facilitar o desenvolvimento da autonomia na planificação,
gestão e avaliação do seu trabalho e da sua
aprendizagem (processo e produto).
A opção de pôr em prática um modelo que
inclui tempos de aula para estudo autónomo
resulta da minha reflexão sobre diversos factores:
– O conhecimento resulta de um processo
de construção individual e de interacção com
os pares.
– A construção do conhecimento faz-se à
base do trabalho pessoal e das experiências de
aprendizagem com que o aluno é confrontado,
mais do que através dos saberes transmitidos
pelo professor.
– As aprendizagens só são efectivas e duradouras se o professor tiver em conta o ponto
de partida dos alunos e, a partir dele, apoiá-los
na sua progressão.
Figura 1 – Momento de cooperação entre pares
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– Os alunos normalmente expressam verbalmente ou por escrito (aquando da sua autoavaliação) apetência para desenvolver trabalho
individual em aulas de estudo autónomo e fazem uma avaliação bastante positiva deste
tipo de aulas.
– A progressão dos alunos no currículo
passa inevitavelmente pela tomada de consciência das dificuldades que sentem e da selecção dos métodos e estratégias de aprendizagem que melhor se adequam à sua forma própria de aprender.
– O trabalho de aprendizagem desenvolvido
pelos alunos consolida conhecimentos essenciais para outras aquisições mais complexas.
– A disponibilização de um tempo de aula
para o desenvolvimento de estudo autónomo
motiva os alunos para a aprendizagem e aumenta a sua auto-estima.
– O trabalho realizado pelos alunos melhora significativamente, tanto em quantidade
como em qualidade.
– O apoio individual do professor (Fig. 4)
é fundamental na superação de algumas dificuldades.
Também a legislação em vigor, tanto no Ensino Básico como no Ensino Secundário, remete para a necessidade de práticas diferenciadas e diferenciadoras na sala de aula e para a
importância do desenvolvimento da autonomia do aluno enquanto aprendente.
Figura 4 – Momento de apoio do professor
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Figuras 2 e 3 – Momento de trabalho individual
No que respeita à aprendizagem da Língua
Estrangeira, e de acordo com o Currículo Nacional do Ensino Básico (Competências Essenciais – Línguas Estrangeiras, 2001), é fundamental que o professor crie «condições para que
o aprendente possa ir construindo uma competência
que, progressivamente, o estimula a implicar-se,
com renovada confiança» e, para isso, é preciso
que tenha oportunidade para:
– tomar consciência do sistema da língua, que ele
poderá ir descobrindo a partir da reflexão dos
seus usos;
– estabelecer e desenvolver uma relação afectiva
com a língua estrangeira, dispondo-se a reagir
de forma construtiva face aos problemas inerentes à aprendizagem;
– regular a qualidade dos seus desempenhos e
utilizar recursos para a superação de dificuldades.
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No final da escolaridade básica o aluno
deve ser capaz de:
(…)
– Adoptar metodologias personalizadas
de trabalho e de aprendizagem adequadas a
objectivos visados;
– Adoptar estratégias adequadas à resolução de problemas e à tomada de decisões;
– Realizar actividades de forma autónoma, responsável e criativa;
– Cooperar com os outros em tarefas e
projectos comuns;
(…)
Currículo Nacional do Ensino Básico, Competências Essenciais, 2001
Princípios Orientadores para organização
e gestão do currículo:
(…)
b) Flexibilidade na construção de percursos formativos;
(…)
h) Alargamento da duração dos tempos
lectivos, de forma a permitir maior diversidade de metodologias de ensino e melhor consolidação das aprendizagens.
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Decreto-Lei n.º 74/2004 (Decreto-Lei n.º 24/
/2006)
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Esta necessidade de diferenciar o trabalho e
as aprendizagens dos alunos fundamenta-se
com o facto de revelarem diferentes tipos de
competências, diferentes ritmos de aprendizagem, diferentes tipos e níveis de conhecimentos já adquiridos, diferentes estilos de aprendizagem e diferentes experiências de aprendizagem anteriores. Na prática, «a adequação e a
diferenciação curricular [são] necessárias para que
todos tenham acesso ao mesmo a que têm direito,
através dos caminhos diversos que lhes permitam
chegar lá» (Roldão, 1999).
Durante as aulas de estudo autónomo, os
alunos realizam actividades por eles planifica-
das de acordo com as suas necessidades. Estas
actividades são essenciais para:
– treino e aprofundamento de aprendizagens realizadas no colectivo, que ainda não foram devidamente concretizadas;
– consolidação de aprendizagens já realizadas no colectivo, mas que exigem algum trabalho suplementar;
– superação de dificuldades reveladas em
testes e outros trabalhos de avaliação;
– preparação para testes e outros trabalhos
para avaliação;
– aperfeiçoamento de textos elaborados;
– produção de textos no âmbito dos projectos dos alunos;
– produção de fichas de leitura sobre livros
da biblioteca de turma que são lidos.
Seja qual for o ciclo ou o ano de escolaridade em que se encontrem, o desenvolvimento das actividades de aprendizagem por
parte dos alunos implica a diferenciação de:
– conteúdos – para treino de assuntos já leccionados e para superação de dificuldades e
consolidação de novas aprendizagens;
– processos – para adequação de métodos
de trabalho e de estudo às necessidades dos
alunos;
– produtos – para consecução dos objectivos definidos para as tarefas propostas e para
visibilidade das aprendizagens realizadas pelos
alunos.
Todo este trabalho implica ainda a definição e explicitação de papéis diferenciados na
sala de aula, tanto para o professor como para
os alunos.
Resta acrescentar que a avaliação é um elemento fundamental neste processo, não só
para diagnosticar as necessidades dos alunos e
para que os próprios alunos tomem consciência das suas dificuldades, mas também para regular todo o trabalho por eles desenvolvido.
Neste contexto, a avaliação regula o grau de
consecução das aprendizagens e a eficácia dos
métodos e estratégias utilizados pelo professor
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Professor
– organiza o espaço da sala de aula de forma a favorecer o trabalho dos alunos;
– constrói e organiza materiais que contemplem os diversos domínios de aprendizagem;
– apoia e orienta os alunos na resolução das suas dificuldades individuais;
– faz balanços periódicos do trabalho desenvolvido pelos alunos;
– faz os ajustes necessários para optimização das aprendizagens dos alunos;
– dá feedback aos alunos em relação aos seus desempenhos.
– desenvolvem actividades de treino, consolidação e/ou aprofundamento dos conteúdos já
aprendidos, orientados por um plano individual de trabalho;
Alunos
– desenvolvem actividades dirigidas à superação das suas dificuldades;
– recorrem a materiais diversificados como suporte das aprendizagens;
– responsabilizam-se pelo desempenho de tarefas que asseguram o bom funcionamento
das aulas e a manutenção do espaço e dos materiais de trabalho;
– recebem apoio mais individualizado do professor;
– cooperam com os outros colegas na concretização das tarefas;
e pelos alunos, tornando-se assim um «acto intencional que agindo sobre mecanismos de aprendizagem [contribui] directamente para a progressão
e/ou redimensionamento dessa aprendizagem» (Departamento da Educação Básica, 2001).
A avaliação também tem a função de dar ao
professor a possibilidade de disponibilizar ao
aluno o feedback indispensável que lhe permita
ir ajustando as suas estratégias e o apoie na tomada de decisões em relação à melhor forma
de conduzir a sua aprendizagem. A avaliação
assume assim um papel essencialmente formativo «por um lado, como instrumento para adaptação constante das formas de ensino às características
e às necessidades dos alunos; por outro, como instrumento para facilitar a assunção cada vez maior
do controlo e responsabilidade por parte do aluno sobre o seu próprio processo de aprendizagem» (Morgado, 2001).
Assim, a avaliação deve:
– ser contínua e sistemática;
– incidir sobre o ensino do professor e as
aprendizagens dos alunos;
– permitir a reformulação constante dos
métodos de ensino e das estratégias de
aprendizagem;
– dar indicações aos alunos que lhes permitam progredir no currículo;
– basear-se na recolha de informações através de instrumentos diversificados;
– permitir a intervenção atempada do professor junto dos alunos com mais dificuldades;
– reforçar os aspectos positivos do desempenho dos alunos.
1. Práticas na Sala de Aula
No tempo de estudo autónomo, os alunos guiam-se por um plano individual (Fig. 5) onde consta a
previsão das actividades de estudo, de treino ou de
produção de textos, por exemplo, escolhidas por
cada aluno tendo em conta as suas necessidades e as
orientações inscritas pelo professor na ficha do plano
anterior. Enquanto decorrem estas actividades de
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– regulam e auto-avaliam o seu percurso de aprendizagem e definem novos percursos.
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Figura 5 – Plano Individual de Trabalho
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estudo e de treino planeadas, o professor individualiza o seu trabalho de ensino para os alunos com necessidade de apoio específico.
Niza, 2000
1.1. O Plano Individual de Trabalho (PIT)
O trabalho que o aluno desenvolve nas aulas de estudo autónomo é regulado por um PIT
(Figura 5), cuja utilização lhe permite:
– envolver-se e responsabilizar-se pelo seu
percurso de aprendizagem;
– desenvolver o conhecimento de si próprio
enquanto aprendente;
– tomar consciência das suas dificuldades
reais;
– tomar decisões em relação à sua aprendizagem;
– definir percursos para aprender;
– desenvolver determinadas competências,
nomeadamente:
– a capacidade de planificar/gerir o tempo
em função das actividades seleccionadas;
– a capacidade de seleccionar as actividades
que melhor se adequam às suas necessidades;
– a capacidade de seleccionar os modos de
trabalhar mais adequados ao seu modo de
aprender;
– a capacidade de assumir e cumprir compromissos;
– a capacidade de se auto-avaliar e melhorar/optimizar o seu desempenho.
A selecção das actividades é feita com base
no conhecimento que, gradualmente, o aluno
vai adquirindo sobre o estado das suas aprendizagens. Este conhecimento resulta do seu
confronto com as dificuldades que vai sentindo na realização das tarefas, com os resultados dos testes e outros trabalhos, com o feedback regular do professor.
Os alunos fazem a previsão do tipo e número de tarefas a desenvolver num determinado período de tempo e procedem ao seu registo no PIT (Figura 5: Practising Activities –
I’m going to do…), estabelecendo assim um
contrato didáctico com o professor. Findo o período de execução do plano, os alunos registam as actividades que efectivamente fizeram
(Figura 5: Practising Activities – I’ve done…) e
comparam estes dados com as suas previsões
iniciais. Esta reflexão permite ao aluno tomar
consciência do que é capaz de fazer e das razões que o levaram a cumprir ou não o seu
plano. É também solicitado ao aluno que defina as alterações a introduzir no plano subsequente. Assim, com o PIT, o aluno aprende a
estabelecer metas e a definir objectivos individuais, a estabelecer prioridades e a definir estratégias para as atingir. O feedback do professor apoia-o ao longo de todo o processo e incentiva-o a continuar a trabalhar.
Além das actividades para treino, consolidação ou aprofundamento das aprendizagens,
Levar o aluno a construir o seu plano individual
de trabalho (e a cumpri-lo) é transmitir-lhe a importância de saber sempre o que há a fazer, quando o
fazer e também o tempo de que dispõe para outras
actividades (…) respeitando os seus compromissos e
adquirindo autonomia (…). O aluno aprende a gerir o seu tempo, a organizar o seu trabalho, a ser responsável.
Pais e Monteiro, 2002
Figura 6 – Momento de produção de texto para projecto
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o PIT também inclui o registo do trabalho realizado no âmbito dos projectos dos alunos e
das actividades de oralidade.
No Ensino Secundário, o PIT é semelhante
ao representado na Figura 5, mas os alunos
também aproveitam o tempo de estudo autónomo para realizar tarefas relacionadas com os
seus projectos (produção e melhoramento de
textos, preparação de comunicações à turma,
etc.).
A concretização de um currículo pressupõe que se
estabeleçam diferentes caminhos para que as aprendizagens sejam bem sucedidas e para que se atinjam os principais objectivos.
Departamento de Educação Básica, 2001
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1.2. Os Recursos Materiais
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A organização de aulas de estudo autónomo passa obrigatoriamente por um trabalho
prévio do professor para preparação e recolha
de materiais que servirão de suporte às aprendizagens dos alunos. Estes materiais têm de ser
diversificados, tanto ao nível das competências
a desenvolver, como dos conhecimentos a
construir pelo aluno. O objectivo é confrontar
os alunos com diferentes tipologias de actividades, que abranjam diferentes competências
específicas da disciplina e diferentes modos e
métodos de trabalhar.
Por outro lado, estes recursos devem permitir que todos os alunos encontrem tarefas adequadas à superação das suas dificuldades individuais e devem ainda permitir a realização de
tarefas diferenciadas na mesma aula (os alunos
não estão todos a realizar a mesma tarefa, ao
mesmo tempo, sobre o mesmo conteúdo).
Nas aulas de Inglês, estes recursos incluem
o manual e o livro de exercícios do aluno, ficheiros auto-correctivos (Fig. 7), dicionários,
gramáticas, outros manuais do mesmo ano de
escolaridade, livros diversos para consulta sobre os tópicos em estudo, etc. Os ficheiros
auto-correctivos são elaborados de forma a
Figura 7 – Ficheiros Auto-Correctivos
cumprirem o programa e os objectivos da disciplina, incidindo sobre os diferentes domínios
e tipos de aprendizagem. São fichas construídas a partir de outros manuais, de informação
recolhida de sites específicos da Internet e de
outros livros. As fichas são devidamente identificadas com um código composto por uma letra (relacionada com a natureza das propostas
de trabalho: produção escrita, gramática, leitura e compreensão de textos, etc.) e um número, de forma a facilitar o preenchimento do
PIT, aquando do balanço final (Fig. 8).
Esta diversidade de recursos possibilita que,
gradualmente, os alunos se tornem mais autónomos e consigam seguir um percurso pelo
«seu próprio pé», deixando o professor mais disponível para apoiar aqueles que realmente precisam de ajuda, ou seja, criando-se um espaço
de aula para um ensino mais individualizado.
A esta primeira grande recolha de materiais
de trabalho são posteriormente acrescentados
outros recursos que os próprios alunos trazem
para as aulas (dicionários, livros para a biblioteca de turma, etc.). Os ficheiros auto-correctivos, por exemplo, também são enriquecidos
com novas fichas produzidas pelos alunos.
1.3. O Trabalho na Aula e em Casa
As aulas de estudo autónomo são por excelência os momentos em que o trabalho de
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Figura 8 – Fichas dos Ficheiros Auto-Correctivos
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aprendizagem é diferenciado. Ainda que em
relação às aulas no colectivo (tempo de comunicação do professor), o professor tente que tenham um carácter o mais interactivo e prático
possível, as actividades são normalmente
iguais para todos os alunos e, na maior parte
das vezes, envolvem a participação da turma
na sua globalidade (para actividades de oralidade, para exposição ou sistematização de
conteúdos, para a realização de exercícios de
aplicação de conhecimentos, etc.). É nas aulas
de estudo autónomo que os alunos têm oportunidade de estar todos a trabalhar, ao mesmo
tempo, mas não estão todos a trabalhar sobre
o mesmo conteúdo ou a resolver a mesma actividade.
Apesar de por hábito não marcar trabalhos
de casa, os alunos realizam regularmente trabalho em casa relacionado com a disciplina,
mesmo sabendo que o trabalho feito em casa
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não substitui aquele que tem de ser feito em
sala de aula. (Fig. 9).
O número de alunos que realizam tarefas
extra em casa e o número de actividades realizadas fora da aula aumentam significativamente, e este facto constitui um indicador da
motivação que os alunos sentem para o estudo
e aprendizagem da Língua Estrangeira.
Constata-se assim que estes trabalhos feitos
em casa são facilmente assumidos pelos alunos
já que partem de uma necessidade por eles
sentida e reconhecida e, por isso, os efeitos que
produzem na melhoria das suas aprendizagens
são mais positivos. No entanto, é preciso que o
aluno esteja na posse das ferramentas necessárias para realizar as tarefas de forma autónoma, uma vez que em casa não pode contar
nem com o apoio do professor nem com a
ajuda de colegas mais competentes.
Todos os produtos do trabalho dos alunos
são organizados numa capa individual (junta-
Figura 9 – Trabalho de aula e de casa
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mente com o PIT), constituindo um «portfolio»
de aprendizagem, através do qual os alunos
podem perceber o percurso que fizeram e as
aprendizagens que realizaram.
1.4. A Organização da Turma
O desempenho destas tarefas pelos alunos
satisfaz também um outro objectivo da escola
actual, a educação para a cidadania, enquanto
construção da identidade e desenvolvimento
da consciência cívica dos alunos e formação de
cidadãos responsáveis, críticos, activos e intervenientes, com recurso, nomeadamente, ao intercâmbio de experiências vividas e à sua participação, individual e colectiva, na vida da
turma, da escola e da comunidade (Decreto-Lei
n.º 6/2001).
A vida da turma, dentro do grande grupo
que é a escola, é assegurada pela divisão de tarefas e pela responsabilização pelo bem-estar
de todos. (Fig. 13).
A perspectiva de desenvolvimento social,
intelectual e moral dos alunos inerente ao modelo pedagógico do MEM não se esgota, obviamente, na organização e gestão do espaço
da sala de aula e do funcionamento da turma,
mas estas actividades representam com cer-
Figuras 10, 11 e 12 – Tarefas na Sala de Aula
teza um contributo para o desenvolvimento
global dos alunos.
Os alunos aprendem que têm direitos, mas
também têm deveres, organizando-se numa
experiência de exercício de cidadania, revelada
através da demonstração de respeito pelos outros e pelos bens comuns, do cumprimento de
regras de convivência e da interiorização de
normas de conduta social adequadas a diferen-
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A organização e funcionamento da turma e
a gestão do espaço da sala de aula e dos recursos materiais são da responsabilidade dos alunos, que assumem rotativamente tarefas essenciais para a criação de um bom ambiente de
trabalho. Estas tarefas incluem a manutenção
da limpeza e arrumação do espaço da sala de
aula, a organização dos recursos materiais e a
sua arrumação no armário da sala de aula, a requisição e entrega das fichas para trabalho de
casa e dos livros da biblioteca de turma, a distribuição e recolha das capas dos alunos que ficam no armário, etc. (Figs. 10, 11, 12). Naturalmente, os alunos reconhecem a necessidade e
a importância destas tarefas na utilização e optimização de um espaço que é de todos.
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Fig. 13 – Mapa de Tarefas
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tes contextos, participando num processo que
não pode ser ensinado pelas palavras do professor, mas precisa de ser vivido e construído
por cada um deles.
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Se educa na acção (…); nos formamos para a
polivalência do saber-fazer, vamo-nos iniciando,
construindo na cidadania, o que implica solidariedade social, mas igualmente que na escola o aluno
seja tratado por medida, como pessoa, e não massificando.
António Sérgio, 1984
2. A Regulação e Avaliação
das Aprendizagens
A avaliação formativa aparece como uma componente necessária de um dispositivo de individualização das aprendizagens e de diferenciação das
intervenções e dos meios pedagógicos, e mesmo dos
passos de aprendizagem ou dos ritmos de progressão, ou ainda dos próprios objectivos.
Perrenoud, 1991, cit por Perrenoud, 1999
A avaliação está presente em todos os momentos em que ocorre o ensino e em que ocorrem as aprendizagens, seja para diagnosticar
necessidades e dificuldades, seja para fazer balanços do que se ensinou e do que se aprendeu
e de como se ensinou e se aprendeu.
O carácter regulador da avaliação permite
que os alunos desenvolvam um melhor conhecimento de si próprios que lhes permite identificar dificuldades e potencialidades e definir
percursos de trabalho e de aprendizagem ajustados aos objectivos previamente definidos.
O PIT engloba todo o percurso feito pelo
aluno, desde a planificação até à regulação dos
processos e avaliação dos produtos e das
aprendizagens realizadas, e a reflexão que o
aluno faz sobre a sua consecução é extremamente importante (Fig. 14), pois só assim toma
consciência do que realmente é capaz de fazer
e do trabalho que precisa de desenvolver para
progredir no currículo proposto. Também os
comentários (feedback) dados pelo professor
apoiam essa tomada de consciência e orientam
as decisões a tomar para definição de percursos individuais para aprender.
O objectivo da avaliação é confrontar o que
o aluno tinha inicialmente planeado fazer e
aquilo que efectivamente conseguiu realizar,
aferir da pertinência das actividades e tarefas
seleccionadas em função das necessidades sentidas e avaliar os produtos que materializam o
processo de superação dessas necessidades.
A tomada de consciência do percurso realizado e das aprendizagens bem sucedidas (Figura 14 – With this plan I’ve learnt…) implica
também a responsabilização por um processo
que tem obrigatoriamente de ir produzindo
efeitos positivos e apoia a definição de estratégias para melhoria de futuros desempenhos
(Figura 14 – To improve my learning I will…).
Só através da prática de uma avaliação adequada e dos dados que dela se recolhem é possível ao professor organizar e desenvolver um
tipo de ensino que permita diferenciar as
aprendizagens, os métodos e modos de trabalhar e os recursos materiais, e ao aluno saber o
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que tem de fazer e como o fazer para aprender
mais e melhor.
(…)
2 – A avaliação diagnóstica realiza-se no início de cada ano de escolaridade, devendo articular-se com estratégias de diferenciação pedagógica, de superação de eventuais dificuldades dos alunos.
(…)
3 – A avaliação formativa assume carácter
contínuo e sistemático, recorre a uma variedade de instrumentos de recolha de informação, adequados à diversidade das aprendizagens e dos contextos em que ocorrem, tendo
como uma das funções principais a regulação
do ensino e da aprendizagem.
Decreto-Lei n.º 6/2001
1 – A avaliação consiste no processo regulador das aprendizagens (…).
(…)
2 – A avaliação formativa é contínua e sistemática e tem função diagnóstica (…) com
vista ao ajustamento de processos e estratégias.
(…)
2 – A avaliação formativa determina a adopção de medidas de diferenciação pedagógica
adequadas às características dos alunos e às
aprendizagens a desenvolver.
Decreto-Lei n.º 74/2004
A avaliação é assim um processo de «regulação tanto no sentido da adequação dos procedimentos utilizados pelo magistério às necessidades e pro-
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Fig. 14 – Plano Individual de Trabalho (verso)
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Competências Essenciais:
➣ Adoptar metodologias personalizadas de trabalho e de aprendizagem adequadas
a objectivos visados.
➣ Realizar actividades de forma autónoma, responsável e criativa.
➣ Cooperar com os outros em projectos e tarefas comuns.
Estratégias Gerais de Intervenção
Práticas na aula
de Inglês
Organizar o ensino prevendo a experimentação de técnicas, instrumentos e formas
de trabalho diversificadas.
✓*
Promover intencionalmente actividades dirigidas à expressão e ao esclarecimento
de dúvidas.
✓
Organizar o ensino com base em materiais e recursos diversificados, adequados
às diferentes formas de aprendizagem, à natureza das necessidades e dificuldades
dos alunos e de forma a desenvolver a sua autonomia enquanto aprendentes.
✓
Apoiar o aluno na descoberta das diversas formas de organização da sua
aprendizagem.
✓
Organizar o ensino prevendo a realização de actividades por iniciativa do aluno.
✓
Organizar actividades cooperativas de aprendizagem rentabilizadoras da
autonomia e responsabilização.
✓
* ✓ = verificado.
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Fig. 15 – Currículo Nacional do Ensino Básico, 2001.
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gressos dos alunos, quanto de regulação para permitir que os alunos possam ir construindo um sistema pessoal de aprendizado e adquiram a maior
autonomia possível».
Jorba e Sanmarti, 2003
3. Considerações Finais
O tempo de aula aqui descrito faz, como já
referi, parte de um todo e é enquanto parte integrante desse modelo pedagógico global, que
o trabalho realizado para, com e pelos alunos
ganha sentido e coerência.
Salienta-se o facto de os alunos não só adquirirem e construírem conhecimento e treinarem as aprendizagens realizadas, mas também
desenvolverem competências integradoras de
conhecimentos, capacidades e atitudes, entendidas como o saber em acção ou em uso (Currículo Nacional do Ensino Básico, 2001). (Fig. 15).
Se observarmos o quadro que se segue, verificamos que a prática de estudo autónomo na
sala de aula vai ao encontro das orientações
normativas no que respeita ao desenvolvimento de competências nos alunos.
Estas práticas pressupõem a existência de
professores que desempenham um papel muito
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mais complexo do que simplesmente transmitir «matérias», pressupõem que ensinar é fazer
os outros aprender e pressupõem também a
existência de alunos cujo ofício mudou.
Na planificação do ensino a oferecer aos
alunos, não podemos esquecer que não vale a
pena continuar a ensinar para um aluno médio
que não existe, tentando que todos aprendam
o mesmo e ao mesmo tempo, pois com isso estaremos a contribuir para o insucesso da maioria dos alunos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Lisboa: Ministério da Educação;
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Aprendizagem, in Coll, C. et al. Psicologia da
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Artmed Editora;
MORGADO, J. (2001). A Relação Pedagógica, 2.ª edição. Lisboa: Editorial Presença, col.
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Escola Moderna, Revista do Movimento da Escola Moderna, n.º 9;
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PERRENOUD, Ph. (1999). Construir Competências desde a Escola. Porto Alegre: Artmed Editora;
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Gestão do Currículo – Perspectivas e Práticas em
Análise. Porto: Porto Editora, col. CIDINE,
n.º 9;
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Ministério da Educação.
Legislação consultada:
. Currículo Nacional do Ensino Básico – Competências Essenciais. (2001). Lisboa: ME – DEB;
. Decreto-Lei n.º 6/2001;
. Decreto-Lei n.º 74/2004;
. Decreto-Lei n.º 24/2006.
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