BREVE HISTÓRICO: LIVROS E LEITURAS NO PERÍODO COLONIAL

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BREVE HISTÓRICO: LIVROS E LEITURAS NO PERÍODO COLONIAL
BREVE HISTÓRICO: LIVROS E LEITURAS NO PERÍODO
COLONIAL (SÉCULO XVI – XIX)
GT 7 – EDUCAÇÃO, LINGUAGENS E ARTES
Andréia Souza de Lemos Chagas 1
RESUMO
Este artigo tem como objetivo apresentar um breve histórico dos livros e leituras no
período colonial (século XVI – XIX) e suas influências na construção do perfil do leitor
deste período. Para este trabalho foram privilegiados os estudos de Araújo (1999),
Nascimento e Barreto (2007). De acordo com Carvalho (2001, apud NASCIMENTO;
BARRETO, 2007) o Brasil dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX foram pintados pelos
historiadores consolidando uma visão de que neste período estávamos indigentes de
ciência, no entanto, Araújo (1999, p. 19) afirma que “o brasileiro, se não lia tudo ou
bem, ao menos lia. E lia razoavelmente vário e muito”. Este estudo utilizou a
metodologia da pesquisa bibliográfica.
PALAVRAS-CHAVE: Livros, leituras, período colonial.
ABSTRACT
This article aims to present a brief history of books and reading in the colonial period
(sixteenth century - XIX) and their influence in building the profile of the reader of this
period. For this work were privileged studies Araújo (1999), Birth and Barreto (2007).
According to Carvalho (2001, apud BIRTH; Barreto, 2007) Brazil from the sixteenth,
seventeenth, eighteenth and nineteenth centuries were painted by historians
consolidating a view that this period were destitute of science, however, Araujo (1999,
p. 19) states that "the Brazilian, if not all read well or at least read. And read various and
very reasonably. "This study used the methodology of the literature search.
KEYWORDS: Books, readings, colonial
INTRODUÇÃO
Este texto tem o objetivo de investigar, de forma breve, as leituras e os livros no
período colonial, século XVI – XIX, e suas influências na construção do perfil do leitor
deste período. Para este trabalho foram privilegiados os estudos de Araújo (1999) e
1
Formação em Psicologia pela Universidade Tiradentes (2012). Mestranda em Educação pela
Universidade Tiradentes (2013-2014).
Nascimento e Barreto (2007) por serem historiadores que discutem este período a partir
de diferentes olhares.
De acordo com Carvalho (2001, apud NASCIMENTO; BARRETO, 2007) o
Brasil dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX foram pintados pelos historiadores
consolidando uma visão de que neste período estávamos indigentes de ciência em
função das tradições que herdamos dos jesuítas. No entanto, Araújo (1999, p. 19) afirma
que “o brasileiro, se não lia tudo ou bem, ao menos lia. E lia razoavelmente vário e
muito”. Sendo assim, este texto busca apresentar alguns aspectos políticos, sociais,
econômicos envolvidos no desenvolvimento da instrução da educação brasileira,
ressaltando a presença e circulação dos livros, e da leitura.
Para este estudo utilizou-se a metodologia da pesquisa bibliográfica, que de
acordo com Sulzarty (2010) é um tipo de pesquisa que levanta o conhecimento
disponível na área, possibilitando um conhecimento das teorias produzidas que possam
contribuir para a compreensão e/ou explicação do objeto de investigação.
LIVROS E LEITURAS NO SÉCULO XVI – XIX
Falar sobre as leituras do período colonial nos remete a falar do
desenvolvimento da instrução pública brasileira (ARAÚJO, 1999). De acordo com Faria
Filho (2000) a instrução era uma das principais estratégias civilizatórias do povo
brasileiro. Segundo o autor
[...] buscava-se constituir [...] as condições de possibilidade da
governabilidade [...] dentre essas condições, uma das mais
fundamentais seria, sem dúvida, dotar o Estado de mecanismos de
atuação sobre a população [...] a instrução como um mecanismo de
governo permitiria não apenas indicar os melhores caminhos [...] mas
também evitaria que esse mesmo povo se desviasse do caminho
traçado.” (p. 137)
A obra de Araújo (1999) “O perfil do Leitor Colonial” amplia nosso olhar sobre
as leituras feitas no período colonial. O autor desenvolveu uma pesquisa de campo para
o desenvolvimento de uma amostragem crítica e descritiva de livros e leituras no Brasil
Colônia e sua provável influência na produção intelectual brasileira do período,
resgatando a memória cultural brasileira da quadra colonial e construindo um
mapeamento cultural e literário brasileiro do Quinhentos ao Oitocentos.
No século XVI, segundo Araújo (1999) a Companhia de Jesus foi reconhecida
como importante na contribuição da instrução pública no Brasil, pois lançaram os
alicerces a formação social e literária da Colônia. Apesar de seu interesse salvacionista,
aponta Nascimento e Barreto (2007), a Companhia de Jesus contribui para a instrução
pública no país e indiretamente ampliou e trouxe as primeiras leituras para o Brasil.
Ainda segundo a autora, o livro Confissões da Bahia ofereceu pistas sobre a presença de
escolas e livros protestantes, durante o século XVI. Araújo (1999) nos confirma que
“pouco havia em matéria de livros nos primórdios da colonização portuguesa” (p.25).
Segundo o autor, o Brasil de Quinhentos permaneceu na sombra, parecendo que não lia.
Inicialmente o interesse português em relação ao Brasil era apenas especulativo,
pois não haviam descobertos as potencialidades da terra (ouro, prata, ferro, trigo, etc),
explorando, no século XVI, apenas o pau-brasil. Este cenário foi alterado somente no
século XVI-XVII com o ciclo da cana-de-açúcar. A América, para os portugueses, trazia
consigo a ideia de um ambiente intocado e desconhecido, habitado por selvagens
ingênuos e mansos. O Brasil não era considerado algum problema para o qual os
portugueses devessem voltar o olhar. Esta realidade despreocupada veio a mudar com as
invasões holandesas e com os quilombolas (ARAÚJO, 1999).
A América portuguesa dos primeiros séculos não tratou da formação ou
desenvolvimento de qualquer processo educativo que tomasse a literatura como
instrumento de transmissão cultural. Temas e recursos expressionais da literatura
europeia passaram ao largo da mentalidade colonial brasileira (ARAÚJO, 1999).
Sendo assim, a literatura no Brasil do século XVI ao XVIII emergiu de uma
cultura literária jesuítica comprometida com a ideologia conservadora da ContraReforma. Foram os padres jesuítas da Companhia de Jesus que introduziram o alfabeto,
o latim, a gramática e a literatura de fundo místico e ascético até 1757. Os jesuítas
estiveram à frente do ensino e da cultura e exerceram forte influência no
comportamento do leitor brasileiro. No entanto, Gilberto Freyre (1960, apud
NASCIMENTO; BARRETO, 2007) aponta que em 1555, através do estabelecimento e
organização do protestantismo, tiveram começo também a literatura israelita nas
Américas. Para compreensão do quadro da cultura no Brasil dos dois primeiros séculos
é necessário compreender a influência dos padres jesuítas (ARAÚJO, 1999, p.36).
A base da leitura jesuítica assentava-se na reprodução de sentidos marcados pela
ideologia da Contra-Reforma. Os primeiros livros que circularam no Brasil foram,
portanto, trazidos por eles após um crivo de avaliação da relação dos mesmos com os
propósitos da disciplina teológica. Além de cartilhas, livros de devoção, práticas de
sermonários e catecismos teológicos, existiam clássicos, censurados pelo Index
inquisitorial, como Virgílio, Cícero, Horácio, Ovídio, Sêneca, Aristóteles, Platão,
Demóstenes, Homero, Hesíodo e Píndaro (ARAÚJO, 1999).
Os padres jesuítas possuíam um caráter docente autoritário, permitindo serem
lidos apenas os livros em latim e que fossem de acordo com os objetivos de um
aprendizado mecânico. Os livros, enquanto objeto da cultura e da prática social, eram
admitidos como símbolos de uma ascensão intelectual nem sempre consentida dentro do
rigor axiomático dos jesuítas (ARAÚJO, 1999, p.41).
A instrução jesuítica foi um instrumento da catequese e a esta serviu mais que à
cultura brasileira. Não se desenvolveu a instrução pela instrução, nem o ensino como
propósito e modelo de mudança intelectual, ou de elevação social da Colônia, mas o
ensino contemplado pela dominação catequética. Embora abstruso e comprometido, o
modelo docente dos jesuítas implantou uma corrente cultural que alargou o conceito de
prática intelectual no Brasil. (ARAÚJO, 1999, 43). Oliveira (2010) aponta o papel do
catecismo como um dispositivo fundamental no processo de escolarização e como
método do ensino das primeiras letras.
De acordo com Araújo (1999) o século XVII, no Brasil, aparece quase que
desconhecido pelos historiadores, principalmente em relação à circulação de livros e
formação de bibliotecas. Segundo o autor a experiência luso-espanhola também em
nada pareceu ter alterado a situação de entrave à circulação de livros no Brasil. No traço
específico da influência cultural holandesa não registra, no Brasil do século XVII, a
circulação de obras. Araújo (1999) aponta que há ausência de outros documentos
representativos, que estabeleçam respostas conclusivas sobre as tendências de leitura no
século XVII. O autor aponta que deveria haver livros entre os bens coloniais do
Seiscentos brasileiro, no entanto, nenhum historiador de nossa cultura teria arriscado
traduzir com segurança um sentido orgânico da leitura brasileira no século XVII.
Porém, os estudos de Nascimento e Barreto (2007) apontam que em 1640, a
partir do trabalho de brasilianização, com a necessidade de catecismo em língua tupi, foi
organizada e impresso na Holanda o livro Uma instrução simples e breve da palavra de
Deus nas línguas brasiliana, holandesa e portuguesa, o qual foi distribuído no Brasil no
ano seguinte.
As tendências e comportamentos de leitura no Brasil, no século XVIII, “século
das luzes” (OLIVEIRA, 2010), distinguem-se dos do século XVII, em quantidade e
qualidade de títulos e de assuntos, de acordo com Araújo (1999), porque denuncia uma
maior presença e mais franca presença de outros modelos culturais e literários. No
entanto não existe ainda um leitor que se evidencie intelectualmente. Os documentos
desta época indicaram um leitor apenas refletido a partir das áreas diretamente oriundas
de um interesse específico de ampliação de status acadêmico ou profissional. Os livros
permanecem na predominância das obras de devoção, mas já vão aparecendo, em um
número considerável, os clássicos latinos, as gramáticas e dicionários, Ciências naturais
e Filosofia. A Instrução Pública, no interior da reforma pombalina, é assunto que se
afigura como contribuição ao conhecimento de um perfil de leitura no século XVIII.
De acordo com a legislação da reforma pombalina tanto o processo de seleção
dos docentes quanto às literaturas às quais os alunos e professores teriam acesso, foram
dirigidas pelas instruções sancionadas pelo Estado.
[...] instruções apresentam-se não somente como guia dos
professores [...] mas como peça de erudição, tanto do ponto de
vista pedagógico quanto linguístico e literário [...] indica os
compêndios a serem usados [...] pelos estudantes e [...] consulta
dos professores [...] cânone escolar ideal para o novo perfil do
Estado português. (OLIVEIRA, 2010, p. 75).
Com a reforma e expulsão dos jesuítas dos reinos de Portugal, conquanto não
ofereça matizes precisos dos seus efeitos, certamente trouxe dissabores. No Espírito
Santo a biblioteca praticamente desapareceu. A expulsão dos jesuítas, em termos da
eliminação de sua base cultural e de suas livrarias, alcançou todos os domínios de
Portugal. Borba de Moraes especula que, em todo o Brasil, muitos desses livros devem
ter sido vendidos a preço vil, condenados a embrulhar unguentos, em virtude da sanha
intervencionista do Estado pombalino. (ARAÚJO, 1999, p. 72)
O século XVIII português é marcado pela singular presença e rica biografia do
marquês de Pombal.
Com ele nasce um movimento de ilustração não-libertária,
envergonhada, mas de significativa irradiação, expressa superlativamente no Verdadeiro
método de estudar, de Verney com seus desdobramentos e consequências. Verney critica
a Gramática latina do padre Àlvares, praticado como método de ensino na Universidade
de Coimbra, considerando danoso ao entendimento da mocidade portuguesa e
prejudicial a boa educação, uma vez que, para o entendimento da gramática era
necessário uma outra série de obras para explicá-la, já que a mesma era escrita em latim.
(ARAÚJO, 1999)
O século de Pombal veio trazer grandes alterações. O eixo da educação a serviço
se desloca então da Igreja para o Estado. Curioso o perfil de Pombal enquanto leitor.
Conhece-se o homem por seus livros? Se assim for, Pombal não teria nada de calculista
ou maquiavélico, não se revelaria dono de uma excepcional cultura. Outros inspiradores
da reforma pombalina, pedagogos ou executores, quase todos vieram a ser autores
populares, com livros de garantida circulação entre leitores do século XVIII no Brasil
(ARAÚJO, 1999). De acordo com Oliveira (2010) as reformas de Pombal foram
capazes de dar um novo rumo à educação na colônia, em termos de renovação
metodológica, de conteúdo e de organização.
Sem dúvida, é Verney a personagem mais polêmica e rica no complexo universo
das reformas aplicadas à pedagogia portuguesa do Setecentos. Em defesa da
simplicidade, da clareza, do espírito prático e não-contemplativo, a linha do pensamento
verneyano era reformista stricto sensu, como aponta Araújo (1999). A última carta do
Verdadeiro Método é, tacitamente, a de uma reprogramação sócio-cultural, proposta
para o Reino de Portugal, compreendendo desde o ensino primário gratuito à assistência
médica. O Verdadeiro Método de estudar toma a si a tarefa de anular as barreiras
oficiais, de desmitificar o sistema fechado do ensino jesuíta.
Um dos traços singulares que reponta do Verdadeiro método é que, para Verney,
não é necessário ler muito, mas bem. Diz ele, criticando os mestres, que os autores não
se devem ler correndo, como muitos fazem; mas devem-se ler e reler atentissimamente.
Pois, quem não reflete como deve no que lê, tanto importa que leia Cícero, como os
actos de Maria Parda, de acordo com Verney. (ARAÚJO, 1999).
De acordo com Araújo (1999) no Brasil Setecentista, muitos autores foram
proibidos, mas chegaram a ter regular circulação. Nascimento e Barreto (2007) aponta
que foram encontrados cadernos com cópias manuscritas de autores franceses proibidos,
como Rousseau, entre os Inconfidentes. Nota-se que é sintomático de que o interdito
tinha gosto de descoberta e subversão. As ações e reações da reforma pombalina tiveram
ressonância na vida intelectual e na atitude leitora brasileira, com influência no gosto ou
no aborrecimento de livros e ideias (ARAÚJO, 1999). Nascimento e Barreto (2010)
aponta que o movimento de ilustração pombalina teve um grande impacto no Brasil
trazendo uma vitalidade na circulação de livros e ideias. Segundo a autora os brasileiros
foram estimulados a ler em Português, enquanto o Estado fechou os olhos para as
leituras dos livros franceses proibidos.
Antes, durante ou depois da marcada influência da era Pombal, os brasileiros
aqui desenvolveram suas leituras basicamente nos colégios, de ensino tradicional, ou
nas livrarias que formavam. A tendência de predomínio da literatura religiosa ou mística
toma corpo no século XVIII. A presença e envolvimento dos religiosos com as
instituições de ensino e o Estado explica o grande volume de livros de natureza religiosa
e mística. (ARAÚJO, 1999)
O século XIX foi marcado pelo progresso de mudanças sociais, políticas e
administrativas no Brasil, que se fez acompanhar, de forma progressiva, por um
conjunto de mudanças nos hábitos do leitor em termos quantitativos, reiterativos e
valorativos, como nos descreve Araújo (1999). A observação mais óbvia deriva da
investigação das livrarias oitocentistas, que aponta que o país parece mudar,
aumentando e massificando as bibliotecas. Ocorre um crescimento horizontal de títulos
e de assuntos, com a variação e circularidade de livros populares desde o século XVIII.
Segundo Araújo (1999), dentre as grandes mudanças advindas do progresso, o que não
muda é o perfil sociológico do leitor. O qual conserva-se como um homem abastado ou
de classe média, entre conservador e liberal, ainda preso ao limite da devoção religiosa e
ao profissionalismo, seguramente curioso e interessado numa maior gama de
interpretações do mundo à sua volta.
O século XIX começa com um período conturbado em Portugal. O que parecia
impossível em termos de civilização pôde afinal ser conhecido em pouco tempo no
Brasil a partir da transferência da Corte para o Rio de Janeiro, em 1808, como
melhoramentos sociais efetivos, modernização da malha urbana, criação de um Jardim
Botânico, de uma Biblioteca, de uma Tipografia, abertura de portos às nações amigas. A
sociedade se organiza, a educação se amplia e começam enfim a ceder algumas
barreiras colonialistas ao nosso papel de gestores de um desenvolvimento nacional
associado a um processo civilizatório que compreenda maior integração com ideias e
culturas correntes no continente europeu, nos aponta Araújo (1999). Gilberto Freyre
(2000, apud NASCIMENTO; BARRETO 2007) registra em vários trechos de seu livro
Ingleses no Brasil a presença de livros e jornais em bibliotecas e casas particulares de
brasileiros.
Parece fora de dúvida que o Brasil oitocentista passa a ser visto e considerado
como um universo mental diferente a partir da mudança política e administrativa. Desde
o principio do século é notável a preocupação reinol em fazer chegar aos brasileiros
uma porção considerável de livros, junto a um incentivo a produção teatral. As grandes
livrarias vão se formando da segunda para a terceira década do Oitocentismo, em
quantidade, variedade e importância de títulos, autores e assuntos (ARAÚJO, 1999).
Ao estudar as características da educação pública em São Paulo e no Rio de
Janeiro, observa-se como é rigorosamente específico o universo de leituras decorrentes
das orientações pedagógicas. Em outras palavras, não havia propriamente o
desenvolvimento de um gosto, mas a obediência ao senso ideológico e às decisões
superiores na ordem de leituras dirigidas. O estudo de idiomas pouco se acentuou nesse
período. As autoridades temiam que o estudo do Francês pudesse abrir o flanco à leitura
de filósofos suspeitos. A arte da retórica era a arte da nobreza dos instintos e da
inteligência. Quintiliano desponta como o autor mais representativo, tomado como
principal modelo para o ensino e para uma nova visão da arte retórica (ARAÚJO, 1999).
A educação pública no Brasil do início do século XIX seguia as pegadas de
Verney no Verdadeiro método de estudar. Neste período a questão da instrução pública
no Brasil é ainda relevante, em termos das dificuldades de extensão e adequação, pela
natureza social das dificuldades e pela política de implantação pedagógica. Vários
aspectos influenciaram e estimularam a leitura colonial, como por exemplo, a instalação
da tipografia no Brasil, da Impressão Régia e seus previsíveis desdobramentos para uma
certeira massificação do hábito leitor brasileiro nos Oitocentos. A instalação da
tipografia no Brasil ofereceu uma série de questões de natureza política, cultural e
econômica, validando estudos e levantamentos polêmicos até hoje (ARAÚJO, 1999).
Como exemplo de questões políticas, encontramos o impedimento a Isidoro da
Fonseca de dar continuidade ao seu ofício de impressor, já desempenhado em Lisboa; o
que trouxe significativo atraso na cultura literária brasileira. (ARAUJO, 1999, p.173)
Após o advento da Impressão Régia, outros empreendimentos tipográficos foram
sendo estimulados e desenvolvendo um sólido processo editorial no Rio de Janeiro e na
Bahia. Livrarias e tipografias concorriam, então, para servir aos interesses de leitura
despertados naquele época. Livrarias que, em 1792, se reduziam a uma única, dispondo
apenas de obras de Teologia, além de um vendedor isolado de obras de Medicina
portuguesa, eram sete em 1822 (ARAÚJO, 1999).
O leitor do século XIX, entretanto, não foi rigorosamente a mera reiteração de
modelos exclusivos das produções saídas de um incremento tipográfico ou de uma
doutrinação absolutista. Ele vestiu outras capas. Este leitor não se nutriu apenas das
obras contemporâneas e nem exclui outras que o acompanharam desde a censura
anterior, uma vez que existia a probabilidade de que muitos livros entraram no Brasil
como peça de contrabando (ARAÚJO, 1999). Carvalho (2006a, apud NASCIMENTO;
BARRETO, 2007) aponta a presença de piratas corsários franceses, ingleses e
holandeses na costa brasileira, que tentaram romper o monopólio comercial ibérico.
PERFIL DO LEITOR COLONIAL
De acordo com Araújo (1999), embora o leitor do período colonial tenha
permanecido ainda um tanto subordinado ou obediente à leitura comprometida, os
inventários pesquisados autor apontaram um leitor progressivamente variado em seu
gosto e em sua curiosidade, alterando-se estes sentidos em cada período da situação
colonial.
Segundo o autor, ideias e reflexões percorriam os livros e as cabeças dos leitores,
principalmente a dos estudantes de Coimbra, os magistrados, poetas, médicos e
sacerdotes, que formavam a elite ledora, e que queriam mudanças ou aperfeiçoamentos
no corpo da sociedade. A cultura literária evolui da notação superficial, de moda cultural
por lazer ou ócio, para uma caudal de sentimentos, convicções e posturas ideológicas
mais consequentes. A cultura assume, assim, características de um valor moral, ou ético,
em função de uma necessidade prática ou tecnicista, mas de fundo intelectual e
humanista.
Predominava, portanto, a partir das leituras feitas pelos brasileiros no século
XVI ao XIX, a partir dos documentos pesquisados por Araújo (1999), um perfil de
leituras de natureza recorrente e especializada. Bibliotecas maiores vão sendo
constituídas a partir do século XVIII, tanto em volume, quanto em variedade de
assuntos ou diversidade de títulos. Ainda poucas são as obras pertencentes a ramos do
conhecimento fora da especialização. Devocionários, livros de rezar, catecismos,
manuais de missa, confessionários, livros de elevação e doutrina ascética são os mais
numerosos entre os bens arrolados como livros nos inventários pesquisados.
A observação mais concreta do perfil social do leitor brasileiro colonial, de
acordo com Araújo (1999), é que este era abastado, e do sexo masculino. A
característica marcante na tipologia dos livros coloniais, do século XVI ao XIX foi de
livros na maior parte pertencentes à Teologia dogmática, à Hagiografia, à Ascética, ao
Direito canônico. O perfil do leitor no século XIX apresenta-se mais eclético.
Alguns autores ressaltam alguns aspectos da pesquisa de Araújo (1999) na
construção do perfil do leitor e das leituras no período colonial. A questão dos estudos
das bibliotecas do período colonial, do século XVI aos inícios do XIX, feita por Araújo
(1999) é apontada por Villalta (2005) como sendo limitada em suas análises e sem
aprofundamento na interpretação quantitativa dos dados empíricos, contudo considera a
erudição do autor e a apresentação de uma enormidade de fontes.
De acordo com Villalta (2005) outros estudos têm sido desenvolvidos por
historiadores de uma forma mais ampla com pesquisas que privilegiam o estudo da
censura, da circulação de livros e das bibliotecas coloniais, onde sobressai a
preocupação em estabelecer conexões entre o universo do livro e os sistemas e
movimentos políticos. Chartier (1998, p. 77) aponta que “a leitura é sempre apropriação,
invenção, produção de significados”.
Nascimento e Barreto (2007) ressalta que na construção do perfil do leitor
colonial, Araújo (1999) não considerou a ação protestante no país, presente desde
meados do século XVI, concomitantemente à presença dos jesuítas, quando os franceses
comercializavam madeiras brasileiras com os índios tupinambás. Segundo a autora,
católicos e protestantes são agentes religiosos presentes no Brasil desde a segunda
metade do século XVI.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Compreender uma parte do processo de desenvolvimento da educação brasileira
a partir da chegada, utilização, seleção e influência dos livros no Brasil colônia, nos
permite refletir sobre a importância da leitura na formação do indivíduo e na construção
de uma cultura. A partir dos estudos de Araújo (1999), Nascimento e Barreto (2007),
Oliveira (2010), e outros, percebemos a influência histórica dos livros na vida social.
Tal compreensão instiga o pensamento de que a história é construída a partir das
leituras que fazemos dos fatos e acontecimentos, tendo sempre a presença de algum
interesse, seja de caráter ideológico, político, econômico ou mesmo de desconstrução ou
embate a alguma ideia ou pensamento estabelecido. Isto nos faz retomar o que Chartier
(1996) diz ao afirmar que os livros também “são objetos cujas formas comandam se não
a imposição de um sentido ao texto que carregam ao menos os usos de que podem ser
investidos e as apropriações às quais são suscetíveis”
REFERÊNCIAS
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Disponível
em:
http://silvanosulzarty.blogspot.com.br/2010/04/pesquisa-bibliografica-transcrevendo.
html. Acesso em: 10 abr. 2013.
VILLALTA, Luiz Carlos. A história do livro e da leitura no Brasil Colonial: balanço
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