Orientador: Adriano Luiz dos Santos Né
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Orientador: Adriano Luiz dos Santos Né
Este trabalho trata de um estudo teórico relativo a reconhecer as rupturas que as geometrias não euclidianas trazem ao pensamento geométrico e seus efeitos. De forma qualitativa, busco em uma linha investigativa estudar o desenvolvimento das geometrias não euclidianas, que se confunde com as tentativas de demonstração do quinto postulado de Euclides, as quais têm um histórico repleto de dúvidas e contradições que necessitaram de um longo período de estudo e reflexão para serem eliminadas. Destaco trabalhos de matemáticos como Saccheri, Bolyai, Lobachevsky e Riemann que, com seus estudos, trouxeram consistência para tais geometrias. Ainda, penso ser necessário reconhecer as discussões atuais que envolvem as concepções do pensamento geométrico no campo da Educação Matemática, destacando a tentativa de inserção das geometrias não euclidianas nos currículos escolares, além dos benefícios e dificuldades para que isso ocorra. Com isso, entendo tornar-se possível identificar alguns possíveis efeitos que este estudo traz para o ensino de geometria. Orientador: Adriano Luiz dos Santos Né JOINVILLE, 2015 UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC CENTRO DE CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS – CCT CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO AS GEOMETRIAS NÃO EUCLIDIANAS E SUAS RUPTURAS NO PENSAMENTO GEOMÉTRICO CAROLINE VANESSA WENDLAND JOINVILLE, 2015 CAROLINE VANESSA WENDLAND AS GEOMETRIAS NÃO EUCLIDIANAS E SUAS RUPTURAS NO PENSAMENTO GEOMÉTRICO Trabalho de Graduação apresentado ao Curso de Licenciatura em Matemática do Centro de Ciências Tecnológicas, da Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciatura em Matemática. Orientador: Adriano Luiz dos Santos Né JOINVILLE-SC 2015 Dedico este trabalho a meus pais, Iracema e Valmor, pelo apoio nesta caminhada. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, por tudo que tem feito e por tudo que vai fazer em minha vida. Serei eternamente grata por Ele ser meu porto seguro e ter me dado força e coragem para realizar este curso. Aos meus pais, por todo amor, carinho e paciência desde sempre. Obrigada por priorizarem minha educação, pela oportunidade de me dedicar integralmente aos estudos e pelo consolo nos momentos difíceis.Isto é por eles e para eles. Ao meu avô Herbert, o qual eu gostaria muito que ainda estivesse presente em minha vida, mas sei que cuida de mim de um lugar especial. Ao Diego, por seu amor e enorme compreensão. Obrigada pelo companheirismo, por ouvir meus desabafos e sempre me fazer sorrir. Ao professor Adriano, por ter me aceitado como sua orientanda. Obrigada pelo aprendizado,incentivo e auxílio para construir este trabalho. À banca examinadora deste trabalho, composta pelo professores Rogério de Aguiar e Valdir Damázio Junior. Obrigada por terem aceitado o convite. Além disso, agradeço ao professor Rogériopela oportunidade de ser monitora, foi de grande valia para mim. Agradeço também ao professor Valdir por tornarsuas disciplinas capazes de gerar tantas dúvidas e certezas em mim. Às amigas Caroline, Maysa e Raiane que compartilharam comigo os momentos de desesperança, superação e conquista no curso. Obrigada por tornarem este período mais alegre. De forma geral, à todos que torcem por mim. “A educação é um processo social, é desenvolvimento. Não é a preparação para a vida, é a própria vida.” John Dewey RESUMO WENDLAND, Caroline Vanessa. As geometrias não euclidianas e suas rupturas no pensamento geométrico. 2015. 66 páginas. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Licenciatura em Matemática) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Joinville, 2015. Este trabalho trata de um estudo teórico relativo a reconhecer as rupturas que as geometrias não euclidianas trazem ao pensamento geométrico e seus efeitos. De forma qualitativa, busco em uma linha investigativa estudar o desenvolvimento das geometrias não euclidianas, que se confunde com as tentativas de demonstração do quinto postulado de Euclides, as quais têm um histórico repleto de dúvidas e contradições que necessitaram de um longo período de estudo e reflexão para serem eliminadas. Destaco trabalhos de matemáticos como Saccheri, Bolyai, Lobachevsky e Riemann que, com seus estudos, trouxeram consistência para tais geometrias. Ainda, penso ser necessário reconhecer as discussões atuais que envolvem as concepções do pensamento geométrico no campo da Educação Matemática, destacando a tentativa de inserção das geometrias não euclidianas nos currículos escolares, além dos benefícios e dificuldades para que isso ocorra. Com isso, entendo tornar-se possível identificar alguns possíveis efeitos que este estudo traz para o ensino de geometria. Palavras-chave: Educação Matemática. Geometria. Pensamento geométrico. Geometrias não euclidianas. Ensino de geometria. ABSTRACT WENDLAND, Caroline Vanessa. Thenon-Euclidean geometriesandtheir breaksin the geometricthinking.. 2015. 66 pages. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Licenciatura em Matemática) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Joinville, 2015. This work is a theoretical study on the breaks to recognize that the nonEuclidean geometries bring to the geometric thinking and its effects. Qualitatively, I seek in a research line to study the development of nonEuclidean geometries, which coincides with the demonstration attempts fifth postulate of Euclid, which have a history full of doubts and contradictions that required a long period of study and reflection to be eliminated. Highlight mathematical work as Saccheri, Bolyai, Lobachevsky and Riemann that with his studies, brought consistency to such geometries. Still, I think it necessary to recognize the current discussions involving the concepts of geometric thinking in the field of mathematics education, highlighting the attempted insertion of nonEuclidean geometry in school curricula, and the benefits and difficulties for this to occur. With that, I see become possible to identify some possible effects that this study brings to the teaching of geometry. Key words:Math Education. Geometry.Geometric thinking.NonEuclidean geometries.Geometry teaching. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Quadrilátero de Saccheri ...................................................... 29 Figura 2 – Quadrilátero de Saccheri: hipóteses dos ângulos agudo e obtuso .................................................................................................... 30 Figura 3 – Lema 1 ................................................................................. 31 Figura 4 – Uso feito por Saccheri do Lema 1........................................ 32 Figura 5 – Equidistância e paralelismo ................................................. 33 Figura 6 – Hipótese do ângulo reto válida para todos os quadriláteros . 33 Figura 7 – Casos dos ângulos agudos ou obtusos.................................. 34 Figura 8 – Prolongamentos do Quadrilátero de Saccheri ...................... 35 Figura 9 – Construção do quadrilátero isósceles ................................... 36 Figura 10 – Refutação da hipótese do ângulo obtuso de Legendre ....... 37 Figura 11 – Teorema 1 .......................................................................... 39 Figura 12 – Hipótese do ângulo agudo.................................................. 39 Figura 13 – Caso em que a reta s interceptasse AB .............................. 40 Figura 14 – Quadrilátero de Lambert .................................................... 41 Figura 15 – Postulado de Lobachevsky ................................................. 43 Figura 16 – Teorema 2 .......................................................................... 44 Figura 17 – Teorema 3 .......................................................................... 45 Figura 18 – Postulado de Riemann........................................................ 46 Figura 19 – Teorema 4 .......................................................................... 47 Figura 20 – Caso LLL de congruência de triângulos ............................ 65 Figura 21 – Lema de Saccheri ............................................................... 67 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais PNLD Programa Nacional do Livro Didático SEED Secretaria de Estado da Educação UDESCUniversidade do Estado de Santa Catarina SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................... 22 1 UMA OUTRA GEOMETRIA EMERGE ...................................... 24 1.1 UMA GEOMETRIA, DUAS GEOMETRIAS, VÁRIAS GEOMETRIAS ..................................................................................... 24 1.2 ALGUNS DESENVOLVIMENTOS MATEMÁTICOS ................ 28 1.2.1 Um pouco do trabalho de Girolamo Saccheri .............................. 29 1.2.2 Bolyai e Lobachevsky .................................................................. 42 1.2.3 Riemann ....................................................................................... 45 2 AS GEOMETRIAS NÃO EUCLIDIANAS, O ENSINO DE GEOMETRIA E A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA ........................ 48 2.1 O ENSINO DE GEOMETRIA........................................................ 48 2.2 GEOMETRIAS NÃO EUCLIDIANAS: PESQUISAS NO CAMPO DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA ...................................................... 53 2.3 ALGUMAS ANÁLISES ................................................................. 56 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................. 59 REFERÊNCIAS .................................................................................. 61 APÊNDICES........................................................................................ 64 APÊNDICE A ...................................................................................... 65 APÊNDICE B ...................................................................................... 67 21 22 INTRODUÇÃO Na clássica geometria euclidiana, o geômetra Euclides1parece evitar utilizar seu quinto postulado, o postulado das paralelas. Foi assim que surgiu a curiosidade de saber se esse postulado era realmente necessário e se poderia ser deduzido como teorema dos outros nove axiomas e postulados (EVES, 2004, p. 539). A partir desta curiosidade, busco neste trabalho identificar algumas das rupturas sofridas no pensamento geométrico no decorrer de estudos realizados referentes ao quinto postulado euclidiano. Muitos estudos acerca da autoevidência do quinto postulado foram realizados, trazendo um forte desenvolvimento para a área geométrica. Numa organização do panorama histórico a respeito das geometrias não euclidianas, falarei sobre como a geometria euclidiana perdeu, em partes, sua naturalidade no mundo físico. Nos últimos anos surgiram diversos trabalhos no campo da Educação Matemática que se referem às geometrias não euclidianas. São trabalhos que apresentam aplicações de sequências de estudos a respeito do tema no ensino fundamental, propostas de inserção no currículo da formação inicial de professores, discussão a respeito das potencialidades destas geometrias no ensino de geometria, entre outras. Neste âmbito, reconhecendo as discussões a respeito da constituição das concepções do pensamento geométrico e identificando os possíveis efeitos que a utilização das geometrias não euclidianas traz para o ensino de geometria, pretendo salientar como os aspectos da Matemática como uma construção humana são importantes no desenvolvimento intelectual do estudante desde o início de sua formação escolar, onde o aluno constrói seu conhecimento. Este trabalho está divido da seguinteforma: no Capitulo 1apresentarei o panorama histórico a respeito das geometrias não euclidianas e um pouco do desenvolvimento matemático que trouxeram consistência de tais geometrias, já no Capitulo 2 trarei alguns aspectos sobre o ensino de geometria e falarei sobre algumas tentativas de 1 Estudioso matemático que possivelmente viveu 300 a.C. é autor da obra Elementos, a qual abrange aspectos algébricos, aritméticos e geométricos. Na parte geométrica de sua obra, enunciou 9 noções comuns e 5 postulados para posteriormente demonstrar seus teoremas. 23 inserção das geometrias não euclidianas nos currículos escolares. Por fim, nas considerações finais deste trabalho, apresento minhas conclusões e sugestões para trabalhos futuros. 24 1UMA OUTRA GEOMETRIA EMERGE Inicio este capítulo apresentando um panorama histórico a respeito das geometrias não euclidianas, para tanto exponho partes do desenvolvimento matemático que trouxeram a consistência de tais geometrias. 1.1 UMA GEOMETRIA, DUAS GEOMETRIAS, VÁRIAS GEOMETRIAS Segundo registros históricos, no início da Idade Antiga houve uma grande fixação de pessoas na região nordeste da África, mais especificamente em torno do rio Nilo, como fuga de regiões desérticas. Por esta região, chamada de Egito, ser fértil e de ligação entre o Mediterrâneo, a Ásia e a África, os mais diversos grupos étnicos se estabeleceram às suas margens. As cheias do rio Nilo duravam aproximadamente de junho a novembro, quando ocorria a fertilização do solo, tornando-o propício à agricultura. Entretanto, ao findar das cheias havia a necessidade de se refazer mensurações de terras, pois a inundação destruía as marcações territoriais. Heródoto (484 – 425 a.C.), geógrafo e historiador grego, acredita que a geometria se originou através dessa necessidade de medição. Além da geometria, a matemática da época abordava também aspectos algébricos. Uma prova da existência desse conhecimento matemático são os papiros egípcios que resistiram ao desgaste temporal, como o papiro Rhind (ou Ahmes). Segundo Eves (2004), O papiro Rhind é uma fonte primária rica sobre a matemática egípcia antiga, descreve os métodos de multiplicação e divisão dos egípcios, o uso que faziam das frações unitárias, seu emprego da regra de falsa posição, sua solução para o problema da determinação da área de um círculo e muitas aplicações da matemática e problemas práticos. (p. 70). 25 Existe também o papiro de Moscou ou Golonishev, onde são apresentados muitos exemplos da vida prática, não fugindo do mesmo modelo do papiro Rhind. Aproximadamente, um quarto dos problemas destes dois papiros é de ordem geométrica e em sua maioria procuram calcular áreas territoriais e volumes de grãos e pirâmides. Mudanças econômicas e políticas depois, o poder do Egito declinou e povos como os gregos e hebreus se tornaram potências da época. Nesse desenvolvimento histórico e racional, naturalmente novos questionamentos surgiram, de forma que os processos empíricos antigos se tornaram insuficientes. “Os gregos, porém, ao contrário dos egípcios, apreciavam a geometria não apenas em virtude de suas aplicações práticas, mas em virtude de seu interesse teórico, desejando compreender a matéria por ela mesma” (BARKER, 1969, p. 28). Experiências com o método demonstrativo começaram a ser construídas utilizando deduções rigorosas das leis conhecidas das aplicações práticas da geometria. Provavelmente Tales de Mileto (624 – 546 a.C.) foi um dos primeiros a lidar com demonstrações geométricas deste tipo. Algumas literaturas mencionam que ele tenha alcançado resultados através de raciocínio lógico que, por exemplo, provam que ângulos opostos pelo vértice são iguais. Por volta de 387 a.C. foi fundada em Atenas a famosa Academia de Platão, que buscava sistemas de investigação filosófica que ultrapassassem os nossos sentidos. Muitos dos trabalhos matemáticos da época foram influenciados de alguma forma por Platão e sua Academia. Vargas (1996) diz que: Na Academia platônica desenvolve-se a geometria que, embora inspirada nas técnicas egípcias de medir terrenos, é uma teoria das formas perfeitas das quais as coisas participam. Os geômetras da Academia desenvolveram os teoremas pelos quais as propriedades das figuras geométricas eram demonstradas de forma racional. (p. 250). Muitos dos que estudaram na Academia de Platão difundiram seu conhecimento e suas habilidades com diversos outros jovens aprendizes, que, por sua vez, ensinaram outros. Neste processo de difusão de conhecimento, encontra-se Euclides, que possivelmente viveu em 300 a.C. Pouquíssimos dados sobre a vida pessoal de Euclides 26 são encontrados, o que faz com que sua existência não seja absolutamente comprovada. As bibliografias a seu respeito mencionam que Euclides deve ter se mudado para Alexandria, onde realizou estudos matemáticos em conjunto com outros interessados em tal tema na época. Alguns estudiosos consideram a possibilidade de que participantes desses estudos matemáticos tenham compartilhado com Euclides a escrita de alguns trabalhos, entre eles o principal: os Elementos. Para Boyer (1996, p. 72), os Elementos “[...] trata-se de um livro introdutório cobrindo toda a matemática elementar – isto é, aritmética (no sentido de “teoria dos números”), geometria sintética (de pontos, retas, círculos e esferas), e álgebra (no sentido de roupagem geométrica).”Nos Elementossão rigorosamente estudados 465 tópicos (chamados por Euclides de proposições), estes estão divididos em treze livros, onde os seis primeiros são sobre geometria plana, os três seguintes sobre teoria dos números, o décimo livro sobre incomensuráveis e os três últimos abordam principalmente a geometria no espaço. Por muito tempo os Elementos foram o modelo do que o pensamento científico deveria ser e, exceto a Bíblia, nenhum outro livro foi tão estudado como ele. Em foco a geometria, Euclides não se limitou a apenas enunciar muitas leis, mas sim em demonstrá-las. Para tanto, assumiu nove noções comuns e cinco postulados primeiros. Nas novas edições desta obra tais noções e postulados são apresentados como a seguir (EUCLIDES, 2009): Noção Comum 1. As coisas iguais à mesma coisa são também iguais entre si. Noção Comum 2. E, caso sejam adicionadas coisas iguais a coisas iguais, os todos são iguais. Noção Comum 3. E, caso de iguais sejam subtraídas iguais, os restantes são iguais. Noção Comum 4. E, caso iguais sejam adicionados a desiguais, os todos são desiguais. Noção Comum 5. E os dobros das mesmas coisas são iguais entre si. 27 Noção Comum 6. E as metades da mesma coisa são iguais entre si. Noção Comum 7. E as coisas que se ajustam uma à outra são iguais entre si. Noção Comum 8. E o todo [é] maior que a parte. Noção Comum 9. E duas retas não contêm uma área. Postulado 1. Fique postulado traçar uma reta a partir de todo ponto até todo ponto. Postulado 2. Também prolongar uma reta limitada, continuamente, sobre uma reta. Postulado 3. E, com todo centro e distância, descrever um círculo. Postulado 4. E serem iguais entre si todos os ângulos retos. Postulado 5. E, caso uma reta, caindo sobre duas retas, faça os ângulos interiores e do mesmo lado menores do que dois retos, sendo prolongadas as duas retas, ilimitadamente, encontrarem-se no lado no qual estão menores do que dois retos. Este último postulado, conhecido como postulado das paralelas,é comumente enunciado conforme a sugestão do matemático e físico escocês John Playfair (1748 - 1819): por um ponto fora de uma reta dada não há mais do que uma paralela a essa reta. Aparentemente Euclides retardou o uso deste postulado em sua obra principal, não se sabe por que, mas isso gerou entre alguns matemáticos a hipótese de que este postulado não era necessário ou que possivelmente seria demonstrável. Por aproximadamente dois mil anos a geometria euclidiana foi considerada a única geometria possível. Muitos geômetras se dedicaram para tentar demonstrar o postulado das paralelas, pois o tinham como o menos autoevidente e desejavam eliminá-lo do sistema axiomático da geometria. Após várias tentativas falhas, estudiosos do século XIX 28 concluíram que este postulado era independente dos quatro primeiros. Entretanto, todo o estudo realizado acerca do quinto postulado não foi em vão. Segundo Lázaro Coutinho (2001, p. 36), “[...] as mentes criativas dos matemáticos Bolyai, Lobachevsky, Gauss e Riemann lançaram as bases de outras geometrias tão logicamente aceitas quanto à euclidiana.” Criaram-se novos campos geométricos, onde este postulado foi substituído por outros, formando um sistema consistente. Falarei sobre algumas destas tentativas na próxima seção deste trabalho. 1.2 ALGUNS DESENVOLVIMENTOS MATEMÁTICOS Após inúmeras tentativas fracassadas de estudiosos como Ptolomeu (90 - 168), Proclus (412 - 485), ThabitibnQurrah (836 - 901) e John Wallis (1616 - 1703) para demonstrar o quinto postulado euclidiano, uma tentativa de GirolamoSaccheri (1667 - 1733) foi publicada num pequeno livro intitulado, em tradução,Euclides Livre de Toda Imperfeição. Esta obra tornou-se muito conhecida, inclusive sendo retomada posteriormente por Johann Heinrich Lambert (1728 - 1777). O diferencial de Saccheri e Lambert em relação aos tantos outros estudiosos foi o fato destes não pecarem assumindo, implicitamente, hipóteses equivalentes ao quinto postulado para deduzir o próprio, fazendo uso da prova por contradição. Garbi (2010b) explica que neste método supõe-se que a proposição a qual se deseja demonstrar seja falsa e, a partir desta, infere-se alguma proposição absurda, chegando na insustentabilidade da falsidade da proposição original. Logicamente, pelo Princípio do Terceiro Excluído de Aristóteles, quando uma proposição não é falsa, ela é verdadeira, não existindo outra possibilidade. Nesta forma de se fazer uma demonstração, não se tenta provar o que “alguma coisa” é, mas o que ela não pode ser. É o princípio aristotélico do terceiro excluído que garante que a negação do que se supôs inicialmente é verdadeira. Para entender um pouco melhor esta forma de demonstrar, vou apresentar um pouco do trabalho desenvolvido por Saccheri, pois a intenção de ambos era mostrar que o quinto postulado dependia dos outros quatro, ou seja, que ele não era autoevidente e, portanto, deveria deixar de ter o “lugar” de postulado. 29 1.2.1 Um pouco do trabalho de Girolamo Saccheri A tática escolhida por Saccheri foi estudar as possibilidades dos ângulos C e D num quadrilátero qualquer ABCD, em que os ângulos A e B são retos e os segmentos AD e BC são iguais, conforme Figura 1. Figura 1 – Quadrilátero de Saccheri Fonte:Produção da própria autora. Sem muitas complicações é possível provar que os ângulos C e D são iguais através das diagonais AC e BD traçadas, formando os triângulos ABC e BAD, iguais pelo caso LAL (lado – ângulo – lado), e os triângulos ACD e BCD, iguais pelo caso LLL (lado – lado – lado), como apresento de forma mais detalhada no Apêndice A deste trabalho. Assim, Saccheri lançou três possibilidades: os ângulos podem ser retos, agudos ou obtusos. Obviamente, apenas uma destas hipóteses pode ser a correta. O plano de Saccheri era levar as hipóteses dos ângulos agudo e obtuso a uma contradição, restando a hipótese do ângulo reto, a qual implicaria no postulado das paralelas. A seguir tentarei apresentar os passos seguidos por Saccheri, para tanto tomarei muitas vezes, como referência, a obra A Rainha das Ciências, de Gilberto Geraldo Garbi (2010a), para organizar minha escrita. 30 Em seu quadrilátero, Saccheri une os pontos M e M‟, sendo estes os pontos médios de AB e CD, respectivamente, conforme mostro na Figura 2. Ele faz isso supondo que a reta MM‟ é perpendicular à AB e CD, pois divide o quadrilátero inicial em outros dois quadriláteros iguais. Figura 2 – Quadrilátero de Saccheri: hipóteses dos ângulos agudo e obtuso Fonte:Produção da própria autora. Para continuar sua argumentação, Saccheri considera válida a proposição que aqui denomino como Lema 1, e que trago sua demonstração no Apêndice B. Lema 1. Se um quadrilátero ABCD tem os ângulos consecutivos A e B iguais a um reto, então se AD for igual a BC os ângulos dos vértices C e D serão iguais2; se AD for diferente de BC entre os ângulos dos vértices C e D, será maior o ângulo que for adjacente ao menor dos segmentos AD e BC. Reciprocamente, se os ângulos de vértices C e D forem iguais, 2 Esta primeira parte demonstro no Apêndice A deste trabalho. 31 AD será igual a BC; se forem diferentes, o maior dos segmentos AD e BC será adjacente ao menor dos ângulos de vértice C e D. Entre outras coisas, este lema nos garante que num quadrilátero como o ABCD da Figura 3, em relação aos ângulos C e D, o menor entre estes ângulos é adjacente ao maior lado, e o maior é adjacente ao menor lado. Figura 3 – Lema 1 Fonte:Produção da própria autora. Então, no quadrilátero da Figura 2, Saccheri parte da hipótese do ângulo C ser obtuso e tenta chegar a uma contradição. Ele utiliza o Lema 1 no quadrilátero MBCM‟ da Figura 4 para estabelecer uma relação de ordem entre os lados BM e CM‟. 32 Figura 4 – Uso feito por Saccheri do Lema 1 Fonte:Produção da própria autora. Assumindo a hipótese de que o ângulo em C é obtuso, como B é um ângulo reto, o ângulo em C é maior do que o ângulo em B. Pelo Lema 1, BM > CM‟, pois como mencionei acima, „o menor entre estes ângulos é adjacente ao maior lado, e o maior é adjacente ao menor lado‟. Assim, o maior lado é BM. Por BM > CM‟, temos que (na Figura 2), AB > CD. Analogamente, para a hipótese do ângulo agudo, onde o ângulo em C é menor que um reto, conclui-se que AB < CD. Das hipóteses do ângulo agudo e do ângulo obtuso as perpendiculares AD e BC à AB não mantêm a mesma distância entre si (veja Figura 5) e, como estas não podem se cruzar, nota-se que equidistância e paralelismo diferem entre si. 33 Figura 5 – Equidistância e paralelismo Fonte:Produção da própria autora. Outro resultado que Saccheri prova é que se a hipótese do ângulo reto for válida em um quadrilátero, será válida em todos. Para tanto, considerou que em seu quadrilátero valeria a hipótese do ângulo reto e AB = CD. Entre A e D e entre B e C tome-se os pontos R e S, respectivamente, tais que AR = BS, conforme Figura 6. Unindo R a S, formam-se os quadriláteros ABSR e RSCD. Figura 6 – Hipótese do ângulo reto válida para todos os quadriláteros Fonte:Produção da própria autora. 34 Não tomando como válido o postulado das paralelas, Saccheri sabe que os ângulos formados nos vértices R e S podem ser de qualquer tipo, mas, para chegar numa contradição, supõe que estes ângulos não são retos. Observe que os ângulos ∠ARS e ∠BSR não podem ser um agudo e outro obtuso, caso contrário, pelo resultado do Lema 1, um lado seria maior que o outro, contradizendo a hipótese de AR = BS. Portanto, seguindo o que é apresentado em Garbi (2010a), ou os dois são obtusos, ou os dois são agudos. Vejamos primeiramente o caso em que os ângulos ∠ARS e ∠BSR são agudos e ∠DRS e ∠CSR obtusos. Como indico na Figura 7 a seguir. Figura 7 – Casos dos ângulos agudos ou obtusos Fonte:Produção da própria autora. Do resultado expresso na Figura 5, no quadrilátero ABSR, os ângulos ∠ARS e ∠BSR são agudos, então as semirretas sobre AR e BS, com origem, respectivamente, em A e B, se afastam, logo AB < RS. Já no quadrilátero CDRS, os ângulos ∠CSR e ∠DRS são obtusos, então as semirretas sobre CS e DR, com origem em C e D, respectivamente, se aproximam, com isso, RS < CD. Por transitividade, se AB < RS e RS < CD, então AB < CD, o que contradiz a hipótese inicial de AB = CD. A hipótese em que os 35 ângulos ∠ARS e ∠BSR são obtusos e ∠DRS e ∠CSR agudos, o procedimento é análogo, a diferença é que a contradição ao final emerge da desigualdade AB > CD. Para provar que se a hipótese do ângulo reto quando válida, vale para qualquer outro quadrilátero, Saccheri toma os pontos R‟ e S‟ sobre os prolongamentos de AD e BC, de modo que AR‟ = BS‟, conforme a Figura 8. Se AR‟ for um múltiplo de AD, no quadrilátero AR‟S‟B valerá a hipótese do ângulo reto. Entretanto, se AR‟ não for múltiplo, o que Saccheri faz é tomar AR‟‟ como um múltiplo de AD maior que AR‟ e, ainda, BS‟‟ = AR‟‟. Figura 8 – Prolongamentos do Quadrilátero de Saccheri Fonte:Produção da própria autora. Como podemos prolongar AD e BC ao infinito, qualquer R‟ que for tomado, sempre haverá um R‟‟ tal que AR‟‟ seja um múltiplo de AD maior que AR‟, em que vale a hipótese do ângulo reto no quadrilátero ABS‟‟R‟‟. E pelo desenvolvido a partir da Figura 6, a hipótese do ângulo reto é válida também em ABS‟R‟. 36 Conclui-se então que, tomando-se qualquer altura como base, se a hipótese do ângulo reto vale para um quadrilátero de Saccheri, então ela valerá para todos. Analogamente, Saccheri provou que, se as hipóteses do ângulo agudo ou do ângulo obtuso forem válidas em um de seus quadriláteros, então elas serão válidas em todos. Através destas três hipóteses Saccheri faz relação com a soma dos ângulos internos de um triângulo, onde conseguiu mostrar que é igual a dois retos na hipótese do ângulo reto, maior que dois retos na hipótese do ângulo obtuso e menor que dois retos na hipótese do ângulo agudo. Para provar isso considerou um triângulo ABC qualquer, de forma que, traçada sua altura, este ficaria agora dividido em dois triângulos retos AHC e CHB, onde pode ser construído o quadrilátero reto isósceles AHCE, conforme a Figura 9. Figura 9 – Construção do quadrilátero isósceles Fonte:Produção da própria autora. Valendo a hipótese do ângulo reto em AHCE, os triângulos AHC e AEC são iguais. Portanto, a soma dos ângulos internos de AHC é igual a dois retos, assim como CHB. Somando as igualdades, tem-se que a soma dos ângulos internos de ABC é igual a dois retos. 37 Considerando a hipótese do ângulo agudo, ou seja, ∠AEC e ∠ECH agudos, pelo resultado expresso na Figura 5temos que EC > AH, e com isso o ∠ACH <∠EAC. Pela construção, ∠EAC + ∠CAH = 1 reto e, com isso, ∠EAC + ∠CAH + ∠AHC = 2 retos, então, como ∠ACH <∠EAC, ∠ACH + ∠CAH + ∠AHC < 2 retos. Analogamente, ∠CHB + ∠HBC + ∠BCH < 2 retos. Somando as desigualdades e ainda considerano ∠CHB e ∠AHC valendo um reto cada, a soma dos ângulos internos de ABC é menor do que dois retos. Caso seja válida a hipótese do ângulo obtuso, como EC < AH, ∠ACH >∠EAC. Como ∠EAC + ∠CAH + AHC = 2 retos, então ACH + ∠CAH + ∠AHC > 2 retos. Analogamente, ∠CHB + ∠HBC + ∠BCH > 2 retos. Somando as desigualdades, tem-se que a soma dos ângulos internos de ABC é maior do que dois retos. Como Saccheri estava convencido de que a única geometria existente era a euclidiana, continuou em seu objetivo de provar que apenas a hipótese do ângulo reto deveria ser aceita. Assim, aqui será apresentada a prova feita por Adrien-Marie Legendre (1752 - 1833), que traz uma forma mais elegante da demonstração de Saccheri para refutar a hipótese do ângulo obtuso. Conforme a Figura 6, tome-se a reta r e sobre ela sejam construídos n segmentos iguaisA1 A2 , A2 A3 , … , An An+1 . Sobre tais segmentos, sejam também construídos n triângulos também iguais com vértices B1 , B2 , … , Bn+1 . Figura 10 – Refutação da hipótese do ângulo obtuso de Legendre Fonte:Produção da própria autora. 38 Sejam, então, todos os triângulos B1 A2 B2 , B2 A3 B3 , … , Bn An+1 Bn+1 iguais entre si. Pela hipótese do ângulo obtuso, o ângulo ẞ será maior do que o ângulo α. Porém, comparando, por exemplo, os triângulos Ai Bi Ai+1 e Bi Ai+1 Bi+1 , que têm dois lados respectivamente iguais e ângulos entre eles desiguais, que 𝐴𝑖 𝐴𝑖+1 > 𝐵𝑖 𝐵𝑖+1 . Considere a poligonal partindo de 𝐴1 até 𝐴𝑛+1 , passando pelos pontos denominados por B. Esta é mais longa do que o segmento de reta que vai de 𝐴1 até 𝐴𝑛+1 , ou seja, 𝑛𝐴1 𝐴2 < 𝐴1 𝐵1 + 𝑛𝐵1 𝐵2 + 𝐴𝑛+1 𝐵𝑛+1 , para todo n. Chega-se a um absurdo porque, se n for suficientemente grande, o lado esquerdo da desigualdade pode ser feito maior do que o direito, que corresponde a um comprimento considerado fixo, pelo Axioma de Eudoxo-Arquimedes. Este garante que, dadas duas grandezas tais que estas diferem de zero, pode-se encontrar um múltiplo de qualquer delas que seja maior que a outra grandeza. Assim, descarta-se a hipótese do ângulo obtuso. Para continuar sua demonstração, Saccheri partiu em busca da contradição da hipótese do ângulo agudo. Na busca de tal, Garbi (2010a) apresenta o teorema abaixo provado por Saccheri, contrariando frontalmente o quinto postulado. Teorema 1. Dada uma reta qualquer, pode-se traçar duas outras, uma perpendicular a ela e outra fazendo com ela um ângulo agudo, sem que ambas se cruzem. Demonstração: Sejam, conforme a Figura 11, uma reta r qualquer, um ponto B fora dela. Por este ponto B traça-se a perpendicular AB. Tome-se em r um ponto C qualquer. A reta BC faz com AB um ângulo α. Passando por C, pode-se construir uma reta s fazendo com BC o ângulo α. 39 Figura 11 – Teorema 1 Fonte:Produção da própria autora. Quando Saccheri toma como válida a hipótese do ângulo agudo, ele está supondo que caso seja traçada, por exemplo, uma outra reta perpendicular a reta que passa por AB, esta intercepta s no ponto P indicado na Figura 12 de maneira que os ângulos com vértices em C e P do quadrilátero ABPC são agudos e estas retas perpendiculares à AB nunca se interceptam e isso contradiz o quinto postulado de Euclides. Figura 12 – Hipótese do ângulo agudo Fonte:Produção da própria autora. 40 Desta forma, fazendo uma analogia com o que vimos na Figura 9, podemos dizer que a soma dos ângulos internos do triângulo BCP é menor do que dois retos. Então, voltando ao Teorema 1 (Figura 12), se s interceptasse a reta que passa por AB num ponto P, no triângulo BCP (Figura 13) teríamos que a somaB + C + P = 180° − α + α + θ = 180° + θ ≥ dois retos, o que não acontece na hipótese do ângulo agudo. Figura 13 – Caso em que a reta s interceptasse AB Fonte:Produção da própria autora. Existindo uma reta que passa por C e que não cruza AB, é imediata a prova de que existe uma infinidade de outras retas passando por C e também não encontrando com AB. Este teorema é diferente dos teoremas de Euclides, assim como vários outros demonstrados por Saccheri. Sabendo disso, o estudioso italiano, fiel à geometria de Euclides, finalizou seu livro sem perceber ou acreditar que havia chegado num novo tipo de geometria, onde valiam leis que não faziam sentido na milenar geometria euclidiana. Figuras pareciam não mostrar satisfatoriamente o que as demonstrações 41 concluíam e essas conclusões não se mostravam totalmente claras. Apesar de seu trabalho receber pouca consideração, seu esforço não foi em vão. Alguns matemáticos estudaram sua obra a fim de conseguir resultados mais interessantes. Um destes foi Lambert, que escreveu o livro Die Theorie der Parallellinien, onde apresentou uma investigação semelhante à de Saccheri3. Como figura fundamental, Lambert tomou um quadrilátero com três ângulos retos (Figura 14), restando três possibilidades para o quarto ângulo: ser agudo, obtuso ou reto. Figura 14 – Quadrilátero de Lambert Fonte: Produção da própria autora. Na hipótese do ângulo agudo, Lambert traz uma relação que envolve a área de um triângulo com seus ângulos internos e uma constante, ele mostra que a área do triângulo com ângulos internos D, E e F seria c(π-D-E-F), com c constante positiva. Entretanto, sabe-se que a área do triângulo esférico é R²(D+E+F-π), com R raio da esfera. Assim, Lambert notou que a hipótese do ângulo agudo poderia ser válida numa esfera de raio imaginário. Mas, da mesma forma que Saccheri, as conclusões de Lambert não foram suficientemente precisas (GARBI, 2010a). 3 Não tenho a intenção, aqui, de apresentar todo o desenvolvimento do trabalho de Lambert, pois para fazer isso eu precisaria trazer algumas considerações sobre curvaturas, o que poderia levar este trabalho para rumos que não eram bem os que eu tenho a intenção de tomar agora, entretanto trago um resultado deste matemático que mais adiante irei utilizar para demonstrar um teorema do matemático Lobachevsky. 42 Ainda sob suspeita o postulado das paralelas, já no século XIX, independentemente Carl Friedrich Gauss (1777 – 1855), Nicolai IvanovitchLobachevsky (1793 – 1856) e JanosBolyai (1802 – 1860) trabalharam com o quinto postulado enunciado na forma sugerida por Playfair, propondo três casos: considerando um ponto P fora de uma reta r dada pode-se traçar mais do que uma, exatamente uma ou nenhuma reta paralela a r. Gauss é o responsável pelo termo geometrias não euclidianas. Ainda sobre ele, Struik (1997) diz que, por meio de diários deixados pelo mesmo, [...] por volta de 1816 estava na posse da geometria não euclidiana. Nunca publicou nada sobre estes assuntos; na realidade, apenas algumas cartas a amigos divulga o axioma das paralelas de Euclides. Gauss parece não ter estado disposto a aventurar-se publicamente em qualquer assunto controverso. (p. 232). 1.2.2 Bolyai e Lobachevsky Bolyai e Lobachevsky criaram uma geometria consistente, a qual apresentava características distintas da euclidiana, mas que não aceita apenas seu quinto postulado. Nesta, a superfície que a melhor representa é semelhante a uma sela (paraboloide hiperbólico). Lobachevsky fez uma primeira apresentação pública de sua descoberta em 1826, onde não obteve nenhuma aceitação. Já Bolyai, apesar de não ter se aprofundado em suas descobertas, tem seus méritos nesta geometria, chamada de geometria hiperbólica. Aqui enuncia-se o postulado de Lobachevsky. Postulado de Lobachevsky. Por um ponto P fora de uma reta r, existe mais de uma paralela a esta reta r. Na Figura 15 observe que entre as retas 𝑟1 e 𝑟2 passam infinitas retas que não interceptam a reta r. Tais retas dizem-se não secantes, e não são consideradas retas paralelas à r, apenas 𝑟1 e 𝑟2 o são. 43 Figura 15 – Postulado de Lobachevsky Fonte: Imagem retirada do site: http://beafemika.blogspot.com.br/2008/09/euclides-geometrias-noeuclidianas.html. Nesta geometria, um resultado muito diferente é o que afirma que a soma dos ângulos internos de um triângulo é sempre menor do que 180º. Coutinho (2001) apresenta duas demonstrações relevantes. Teorema 2. A soma das medidas dos ângulos de um triângulo retângulo é menor que 180º.4 Demonstração: Seja ABC um triângulo retângulo e E o ponto médio da hipotenusa AC, ED é perpendicular a BC, sendo AF tal que o ∠FAE = ∠ACB e DC=AF, conforme Figura 16. 4 Os teoremas 2 e 3 estão inseridos na geometria hiperbólica. 44 Figura 16 – Teorema 2 Fonte:Produção da própria autora. Com isso, como AE = CE, ∠FAE = ∠ACB e DC = AF, os triângulos AFE e DEC são congruentes pelo critério LAL. Logo, ∠AFE = ∠CDE = 90° e os pontos E, F e D estão alinhados. Portanto, ABDF é um quadrilátero com três ângulos retos e – por se tratar da geometria hiperbólica–∠BAF agudo (Quadrilátero de Lambert). Ou seja, ∠BAC + ∠CAF < 90º. E como ∠CAF é congruente ao ângulo interno ∠ACB do triângulo retângulo, segue-se, observando a Figura 16, que: 1 + 2 + 3 = ∠ABC + ∠ACB + ∠BAC = ∠ABC + ∠CAF + ∠BAC = 90° + (∠CAF + ∠BAC) < 180°. Teorema 3. A soma das medidas dos ângulos internos de qualquer triângulo é menor que 180º. Demonstração: Como demonstrado anteriormente para o caso do triângulo retângulo, estende-se esta verdade para qualquer triângulo. Seja ABC um triângulo tal que ABC é não retângulo. Traça-se AD perpendicular a BC, conforme Figura 17. 45 Figura 17 – Teorema 3 Fonte:Produção da própria autora. Formam-se dois triângulos retângulos em D, ADC e ADB, cujas somas das medidas dos ângulos internos é menor que dois ângulos retos. Considerando os dois triângulos, tem-se que: ∠BAC + ∠ABC + ∠ACB + (∠ADB + ∠ADC) < 360° ∠BAC + ∠ABC + ∠ACB + 180° < 360° ∠BAC + ∠ABC + ∠ACB < 180º. Após a criação da geometria hiperbólica, foi absolutamente esperado que a possibilidade da existência de outras geometrias fosse questionada. 1.2.3 Riemann Georg Friedrich Bernhard Riemann (1826 – 1866) criou um novo tipo de geometria, a geometria elíptica. Da mesma forma que a geometria hiperbólica, aqui o quinto postulado de Euclides não se sustenta, valendo o fato de que não existem paralelas a uma reta dada. Coutinho (2001) ainda comenta e demonstra fundamentos dessa geometria de Riemann, onde a superfície ideal para representa-la é a esfera. 46 Postulado de Riemann: Quaisquer duas retas têm um ponto em comum. Imagine uma superfície esférica, onde as retas do plano se tornam círculos máximos, aqui chamados de geodésicas da superfície esférica, conforme Figura 18. Assim, quaisquer dois círculos máximos se interceptam, inclusive em mais de um ponto. Embora um círculo máximo na esfera tenha um comprimento finito, não há como dar uma volta num círculo máximo sem interceptá-lo. Logo, entende-se melhor o que significa uma reta ilimitada. Figura 18 – Postulado de Riemann Fonte: Imagem retirada do site: http://beafemika.blogspot.com.br/2008/09/euclides-geometrias-noeuclidianas.html. Teorema 4. A soma das medidas dos ângulos de um triângulo retângulo é maior que 180º.5 5 Os teoremas 4 e 5 estão inseridos na geometria elíptica. 47 Demonstração: Suponha ABC um triângulo retângulo, conforme Figura 19. Traçando as retas CD e BE, forma-se com o lado BC os ângulos X e Y congruentes, respectivamente, aos ângulos 1 e 2. De acordo com um dos casos de congruência de triângulos, o triângulo BCI vem a ser congruente ao triângulo ABC, o que é absurdo, pois não existe retângulo nesta geometria, já que, neste caso, partindo de C para A, de A para B e por fim de B para I, I coincidiria com C. Logo A+B+C>180º. Figura 19 – Teorema 4 Fonte:Produção da própria autora. Teorema 5. A soma das medidas dos ângulos de qualquer triângulo é maior do que 180º. Demonstração: Desde que satisfeita a condição de que qualquer triângulo possa ser dividido em dois triângulos retângulos, as somas dos ângulos destes triângulos é maior do que 360º. Logo, a soma dos ângulos do triângulo primeiro nesta geometria é maior do que dois ângulos retos. Minha intenção nesta seção não era a de trazer todo o desenvolvimento matemático das geometrias não euclidianas – só isso já resultaria num trabalho de graduação, quiçá um trabalho de pósgraduação –, mas sim identificar alguns pontos deste processo, sendo que mais adiante falarei das potencialidades para se pensar o ensino de geometria. Para isso, no próximo capítulo apresentarei algumas 48 considerações a respeito das discussões que o campo da Educação Matemática vem fazendo a respeito das geometrias não euclidianas. 2AS GEOMETRIAS NÃO EUCLIDIANAS, O ENSINO DE GEOMETRIA E A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Neste capítulo trarei alguns aspectos sobre o ensino de geometria, falarei sobre algumas tentativas de inserção das geometrias não euclidianas nos currículos escolares, além dos benefícios e dificuldades para que isso ocorra. 2.1 O ENSINO DE GEOMETRIA Diversos estudos relacionados ao ensino de geometria vêm sendo realizados em busca de se encontrar razões para este campo de conhecimento estar sumindo das práticas escolares. Segundo Sena e Dorneles (2013), As duas últimas décadas de pesquisa em geometria revelam que o estudo dessa área não é uma das prioridades no ensino da Matemática, apontando para um descaso que parte do processo histórico e se faz presente no cotidiano atual. Entre os desafios, persiste à falta de preparo dos professores para trabalhar com a Matemática de forma geral, especialmente a geometria. (p. 154). No início da década de noventa, a pesquisadora Regina Pavanello aponta claramente um abandono do ensino de geometria. Como justificativa é apresentado o fato de os professores privilegiarem a educação algébrica e aritmética, deixando a geometria de lado. Sérgio Lorenzato (1995) reforça que, além de muitos livros didáticos trazerem apenas a geometria com uma abordagem euclidiana, sem menção alguma a outro tipo de geometria, muitos professores são dependentes deste material e, pelo fato de muitas vezes o conteúdo aparecer somente nas últimas páginas ou volumes, acaba não sendo trabalhado no final do ano letivo, onde falta tempo e sobra conteúdo. O Guia de Livros Didáticos PNLD 2008 afirma que há uma discrepância considerável na 49 concentração de conteúdos geométricos nos volumes iniciais e finais do Ensino Fundamental (BRASIL, 2007). O abandono da geometria também é justificado por Pavanello (1993) pela intranquilidade dos professores com este tema, buscando cursos de geometria como forma de aprender mais e melhor este conteúdo. Historicamente, Pavanello (1989) aponta fatos importantes que justificam o descaso atual com a geometria e sua situação em diversos períodos. A geometria ensinada no século XIX era caracterizada por um estudo clássico, porém, buscando verdades abstratas e desprezando aplicações práticas. Apesar de muitas críticas ao ensino de Matemática terem sido feitas no final do século, principalmente pelo fato do ensino de geometria ainda ser integralmente baseado no livro texto de Euclides, poucas alterações curriculares foram realizadas, tal qual nas propostas das tendências conhecidas como Escola Nova. Já no século XX, diversas reformas nos sistemas educacionais foram efetuadas, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, quando maior parte do ensino básico tornou-se gratuito e ocorreu um aumento do número de ingressantes nas universidades. Diversos grupos de estudiosos se dedicaram a reformar o currículo de Matemática, entretanto, as propostas focavam em campos novos, como álgebra abstrata e de Boole, lógica matemática e topologia, reduzindo o estudo da geometria pela justificativa da mesma não ser de tão vasta aplicação a outras áreas, como física e química. Assim, apenas a elite, com uma educação privilegiada, é que tinha acesso considerável à geometria, bastando à grande massa um contato de aspecto prático, quando necessário na profissão. Assim, a autora expressa que [...] a questão de ensinar-se ou não geometria não está relacionada simplesmente a aspectos do desenvolvimento da matemática, razão apresentada por alguns matemáticos para não incluí-la no currículo e refutada por outros. Ela está, na verdade, intimamente ligada ao conceito de como se dá a própria construção do conhecimento matemático pelo aluno – e se se quer que isto aconteça. A questão da geometria deve ser vista como um ato político e não somente pedagógico, pois está relacionada com a possibilidade de proporcionar, ou não, 50 iguaisoportunidades – e condições – de acesso a esse ramo do conhecimento. (p.98). Na década de 1960 surgiu o Movimento da Matemática Moderna, o qual prezava pelo rigor da teoria dos conjuntos e da álgebra, deixando a geometria à margem das propostas de inovações curriculares, com poucas sugestões de mudanças para a mesma. Na época foi proposto o ensino da geometria via transformações geométricas, trabalhando com uma abordagem que possibilita o tratamento da geometria pelas estruturas algébricas, consideradas pelo movimento como elemento capaz de unificar a Matemática (DUARTE; SILVA, 2006). Entretanto, a maioria dos professores não dominava a geometria com enfoque em transformações, desestimulando sua aplicação em sala de aula. Segundo Passos (2000), “o que se observou com o Movimento da Matemática Moderna foi um modelo inapropriado de ensino, que, sob a alegação de ser o currículo tradicional antiquado, ofereceu uma nova abordagem do antigo currículo” (p. 55). Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de Matemática têm como objetivo difundir as mudanças realizadas na última reforma curricular e orientar o meio educacional, principalmente os professores na busca de novas abordagens, metodologias e do significado do conhecimento escolar. Este é um documento que sempre pode sofrer mudanças, gerando novas versões, pois, seguindo suas próprias orientações, deve ser compreendido como um processo que influencia a prática do professor, que por sua vez deve ser atualizada periodicamente. Neste documento, a geometria fica caracterizada como área de estudo do espaço, das formas e das medidas. Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de Matemática mencionam sobre a importância fundamental do ensino deste conteúdo para o desenvolvimento do aluno. A Geometria é um campo fértil para se trabalhar com situações-problema e é um tema pelo qual os alunos costumam se interessar naturalmente. O trabalho com noções geométricas contribui para a aprendizagem de números e medidas, pois estimula a criança a observar, perceber semelhanças e diferenças, identificar regularidades e vice-versa. (BRASIL, 1997, p. 39). 51 Ainda no PCN (1997), no bloco sobre espaço e forma para os anos iniciais do ensino fundamental, é mencionado que [...] se esse trabalho for feito a partir da exploração dos objetos do mundo físico, de obras de arte, pinturas, desenhos, esculturas e artesanato, ele permitirá ao aluno estabelecer conexões entre a Matemática e outras áreas do conhecimento (p. 39). Segundo as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006), o “[...] estudo da Geometria deve possibilitar aos alunos o desenvolvimento da capacidade de resolver problemas práticos do quotidiano, como, por exemplo, orientar-se no espaço, ler mapas, estimar e comparar distâncias percorridas” (p. 75). Este também destaca a oportunidade oferecida pelo conteúdo para que os estudantes tenham, possivelmente, primeiros contatos com teoremas e demonstrações dedutivas. Já o PCN (1998), voltado ao ensino de Matemática nos anos finais do ensino fundamental, diz que no decorrer do tempo muitos paradigmas sofreram rupturas, exemplificando a geometria. Uma instância importante de mudança de paradigma ocorreu quando se superou a visão de uma única geometria do real, a geometria euclidiana, para aceitação de uma pluralidade de modelos geométricos, logicamente consistentes, que podem modelar a realidade do espaço físico. (p. 25). Esta exploração do espaço físico é um dos itens apresentados que traz o aluno para a realidade, sem alienações em sala de aula, e onde este desenvolve um pensamento que o torna um indivíduo capaz de compreender, descrever e representar o que está em sua volta. Na seção da Área de Ciências da Natureza e Matemática da Proposta Curricular de Santa Catarina é mencionado ainda que a apropriação científica dos conceitos acontece por meio de atividades que promovem a investigação e a formulação de hipóteses. Diz ainda que, no ambiente escolar, deve-se estar sempre 52 [...] valorizando os conhecimentos dos sujeitos em sua interação com o mundo matematicamente, contextualizando e vinculando sua vivência. Os conceitos matemáticos serão assim utilizados como ferramenta para que cada sujeito da aprendizagem se situe e atue no mundo. (SANTA CATARINA, 2014, p. 166). Neste mesmo documento, destaca-se que é preciso articular o ensino de Matemática tendo como percurso a prática dos saberes e que também deve ser objetivo “[...] a formação do pensamento teórico (abstração, generalização e conceito), que incorporam o movimento concomitante pela álgebra, geometria e aritmética” (p. 168). Assim, pode-se concluir que a interação do indivíduo com o mundo se faz necessária não apenas socialmente, mas também de forma matemática. Além de o aluno estar historicamente situado, deve pensar e atuar matematicamente, compreendendo e intervindo no mundo através de um acervo teórico que se transforma numa atividade prática e possivelmente muito útil. Um exemplo simples que se encaixa no que é apresentado nos PCNs e na Proposta Curricular de Santa Catarina é a observação que um aluno pode fazer de um local qualquer, podendo indagar-se sobre a irregularidade dos objetos que compõem o mundo em que vive, onde não são todos necessariamente formados por planos e retas, como tantas figuras que aparecem nos livros didáticos. Tal situação permite que o aluno compreenda sua posição de não ser apenas um indivíduo receptor de ideias, mas sim alguém que pode também construir seu conhecimento através de seu próprio espírito inquisitivo. Desta forma, o meio educacional deve incentivar o aluno a querer aprender, sendo a curiosidade uma proposta interessante para alcançar tal objetivo. A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimentos, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante do fenômeno vital (FREIRE, 1996, p. 35). 53 Buscar novos saberes é uma característica inata dos seres humanos. Entretanto, atualmente parece cômodo receber informações que se esclarecem gratuitamente, sem pesquisas, sem questionamentos e por vezes sem interesse do receptor. Com a intenção de contribuir para o desenvolvimento de um aluno crítico, atuante e interveniente em seu meio, ainda com espírito inquisitivo, parece que as geometrias não euclidianas podem servir como um modo de promover o desenvolvimento de tal característica, assim como tais geometrias realizaram ação semelhante no campo da Matemática. Portanto, parece que há potencialidades na inserção destas geometrias em sala de aula. Argumentos sobre esta possibilidade serão apresentados na próxima seção deste trabalho, com considerações a respeito de trabalhos e pesquisadores que vem se utilizando das geometrias não euclidianas no campo da Educação Matemática. 2.2 GEOMETRIAS NÃO EUCLIDIANAS: PESQUISAS NO CAMPO DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Entre 2003 e 2008 foram elaboradas as Diretrizes Curriculares do Paraná para a disciplina de Matemática, contando com a participação dos professores da rede estadual de ensino no seu processo de construção. Entretanto, a contribuição docente não é perceptível neste documento. As alterações realizadas parecem apenas buscar uma apresentação mais clara, melhor redigida e teoricamente mais forte. Segundo Caldatto e Pavanello (2014), em relação aos conteúdos [...] as principais alterações a este respeito – como a inserção das Geometrias Não Euclidianas, por exemplo – ficaram a cargo da equipe técnica da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED), e a participação dos professores nas discussões ficou limitada, como eles mesmos apontam, à distribuição, entre as séries, de um rol de conteúdos previamente estabelecido pela equipe técnica da SEED. (p. 60). Para o ensino fundamental paranaense o ensino de geometrias não euclidianas deve abranger geometria projetiva, topológica e dos 54 fractais. Já para o ensino médio é proposto o estudo da geometria dos fractais, hiperbólica e elíptica. Assim, foi implantado o ensino de geometrias não euclidianas na educação básica com a justificativa de ampliar o horizonte de conhecimento geométrico do aluno. Nesta ampliação do horizonte que é justificada nas diretrizes, vale fazer referência ao estímulo recebido pelos alunos para empregar o conteúdo em diversas situações, possibilitando a interdisciplinaridade, tais como as localizações terrestre, aérea e marítima. Por exemplo, o percurso de um navio que dá a volta ao mundo segue uma trajetória circular e que retorna ao seu ponto de partida no findar de cada volta. Mesmo que mude sua direção ao longo da trajetória, esta permanecerá na superfície de uma esfera, considerando a Terra com forma semelhante a uma esfera. Desta forma, criadas documentalmente para o meio escolar as oportunidades para inserção de noções de pluralidade de modelos geométricos, valorização dos conceitos matemáticos para solução de problemas do cotidiano e exploração do mundo físico para modelar a realidade, surgem estudos e questionamentos sobre esta inovação. Alguns destes estudos foram desenvolvidos nos estados vizinhos, como os de Cavichiolo (2011), Camargo (2012) e Leivas (2013). Estes foram realizados quando já havia ocorrido a implantação do ensino de geometrias não euclidianas na educação básica paranaense. Inicialmente, deve-se destacar que este conteúdo não é novo apenas na educação básica. Muitos professores habilitados jamais tiveram contato com geometrias não euclidianas, assim como muitos professores em formação também não as encontrarão na grade curricular de seu curso. Antes de realizar este trabalho, tive um contato extremamente breve com as geometrias não euclidianas, nada que permitisse que eu lecionasse este conteúdo com a mesma naturalidade que trataria a função afim, por exemplo. Num estudo apresentado por Leivas (2013) envolvendo noventa alunos de graduação e dezoito de pós-graduação de oito universidades gaúchas, constatou-se que há pouca informação a respeito dessas geometrias. Num questionário com afirmações a serem classificadas como verdadeiras ou falsas, estas com características marcantes das geometrias não euclidianas, os alunos mostraram a forte presença das ideias da geometria euclidiana. Isto mostra como não houve estímulo para que eles utilizem um ferramental 55 matemático mais conveniente, neste caso, os conhecimentos não euclidianos. Sabendo da ausência deste conteúdo na vivência acadêmica, Cavichiolo (2011) busca apresentar a relevância das geometrias não euclidianas na formação inicial do professor de Matemática. Para a autora, este estudo “[...] além de contribuir na compreensão dos conceitos geométricos, constitui-se em tema profícuo para levar o futuro professor à compreensão da natureza e do processo de produção da Matemática” (p. 21). O conhecimento dessas geometrias oportuniza ao estudante de licenciatura em Matemática uma reflexão didática e conceitual, objetivos do próprio curso. Além destas reflexões, este conhecimento conduz ainda para uma reflexão filosófica, desenvolvendo uma “[...] compreensão histórico-epistemológica dos conhecimentos inerentes à sua área de atuação” (CAVICHIOLO, 2011, p. 120). Camargo (2012), em sua dissertação de mestrado, discute metodologias do ensino de geometrias não euclidianas, associando a expressão gráfica ao conteúdo. Destaca que se faz necessário o uso “[...] de modelos para representar a ideia das geometrias não euclidianas e motivar a imaginação de representações que estas novas geometrias podem ter” (CAMARGO, 2012, p. 131). As distorções nas figuras nem sempre são familiares, pela utópica visão de que somente objetos ideais podem existir. Um exemplo simples no contexto deste trabalho é a reta, que na geometria euclidiana é uma linha reta e nas geometrias elíptica e hiperbólica é uma linha curva. A expressão gráfica se destaca por sua capacidade motivacional e também por seu dinamismo, tornando-se uma ferramenta facilitadora que leva à melhor compreensão de conceitos e propriedades de um conteúdo específico. Recursos didáticos de elevado potencial são os ambientes informatizados. Tecnologias computacionais, tais como o software gráfico Winplot, ou ainda o não tão explorado GeoGebra 3D, são possíveis aliadas do processo de ensino e aprendizagem, enriquecendo o conhecimento de todos os envolvidos. Diante destas pesquisas é possível identificar que por mais que as geometrias não euclidianas já tenham algum alcance na educação básica, estas ainda se encontram um pouco distantes da formação do professor de matemática. Caldatto e Pavanello (2014) avaliam como necessária uma formação continuada para os professores em relação ao 56 tema geometrias não euclidianas. A formação continuada seria capaz de trabalhar a racionalidade dos docentes, produzindo novos conhecimentos e possibilitando a mudança de postura em sala de aula. As autoras ainda afirmam que sem esta providência é “[...] impossível evitar a profecia já anunciada pelos próprios professores: a não abordagem desse tema em sala de aula” (p. 61). 2.3 ALGUMAS ANÁLISES Feitas as colocações sobre estudos relevantes na seção anterior, parece que há dificuldades para que a implantação das geometrias não euclidianas seja realmente efetiva no ciclo básico da educação. De modo geral, aparecem alguns pontos a serem considerados, como o currículo dos cursos de licenciatura em Matemática, a capacitação dos professores e a real abordagem desse conteúdo na educação básica. Ao que parece, muitos professores do ensino fundamental e médio nunca tiveram contato com geometrias não euclidianas. No decorrer de sua vida acadêmica estudaram a geometria euclidiana, alguns não suficientemente, já construindo barreiras para trabalhar com este conteúdo na carreira docente. Talvez o planejamento do currículo do curso de licenciatura em Matemática não tenha considerado a possibilidade deste tema na educação básica, priorizando assuntos clássicos da Álgebra, por exemplo. Ainda deve-se salientar que, assim como na educação básica, o ensino superior também sofre com o excesso de conteúdos alocados nas ementas de cada disciplina, obrigando o professor universitário a excluir certos temas ou acelerar o processo de ensino e aprendizagem. Existindo a necessidade de uma reorganização do pensamento geométrico do professor atuante no ensino básico, busca-se o melhoramento ou a total construção das suas concepções quanto às geometrias não euclidianas. O Art. 67º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996) aborda pontos a respeito da valorização do profissional da educação, assegurando-lhes direito a aperfeiçoamento profissional continuado e período de trabalho reservado aos estudos. Como resultado, espera-se que o docente supere as fragilidades vindas da formação inicial, relevando suas primeiras convicções e desenvolvendo uma prática docente crítica. Assim, o 57 professor se torna um indivíduo capaz de motivar seus alunos a pensar mais e buscar a melhor solução para determinada situação-problema, desvencilhando-se da insistente tradição conteudista que não prioriza o desenvolvimento do raciocínio dos estudantes. Qualquer situação-problema passa por um estágio de reflexão, onde são identificados os possíveis caminhos para sua resolução. É neste momento que o aluno deve aplicar seu conhecimento e utilizar suas ferramentas matemáticas, especificamente. Entretanto, com a extensa lista de conteúdos determinados para que o professor trabalhe satisfatoriamente em sala de aula, algumas destas ferramentas, por mais que estejam presentes nos livros didáticos, dificilmente serão esclarecidas pelo professor por conta do fator tempo. Há muita coisa para se aprender num curto período letivo. É difícil, talvez até deselegante, priorizar um conteúdo e abandonar outro, mas é o que ocorre no meio educacional. Ainda nesta situação desconcertante surgem possibilidades, como as geometrias não euclidianas, que mostram potencial para o crescimento intelectual do aluno, mas que acaba ofuscada por tantos outros considerados mais importantes. Este trabalho não pretende entrar neste mérito de classificação de conteúdos, apenas defende as potencialidades de um. A prática docente crítica e o ferramental que está ao alcance do aluno estão diretamente ligados à verdadeira concepção do conhecimento matemático. Este conhecimento não é o que foi imposto pelo professor, passando por um processo de repetição até ser memorizado, mas sim o que foi construído, descoberto por vias de interesse do estudante. Atualmente os alunos apresentam certa resistência quanto aos conteúdos previstos pelo sistema escolar, buscando alguma aplicabilidade imediata, o que muitas vezes define se o tema será atrativo para eles ou não. Assim, as disciplinas procuram mostrar que determinados conceitos são importantes para a compreensão do funcionamento do mundo real. As geometrias não euclidianas explanam bem este momento na Matemática escolar. Partindo da ideia de que o professor de Matemática se posicione não como mero transmissor, mas como mediador no processo de aprendizagem, o aluno consegue visualizar as aplicações das geometrias não euclidianas, possivelmente gerando interesse. A presença deste tema na vida escolar dos estudantes permite, além do conhecimento de que a geometria euclidiana não é única, a compreensão de que existem 58 modelos geométricos que são mais convenientes em determinadas situações. A interpretação é de grande valia neste momento. Será oriunda de habilidades adquiridas em todas as atividades vivenciadas. Assim, assemelha-se a um processo de descodificação, onde são identificadas as melhores táticas para buscar uma solução. É uma atitude inata buscar resolver problemas por meios da geometria euclidiana, entretanto, ocasionalmente com a insustentabilidade desta, buscar-se-á algum outro caminho. O aluno deve ter este senso de direção para enfrentar a situação, deve também ser crítico em relação ao resultado obtido, reconhecendo falhas na construção ou absurdos finais, a fim de obter respostas em meios consistentes. 59 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho teve a pretensão geral de apresentar alguns aspectos históricos, matemáticos e educacionais que envolvem as geometrias não euclidianas. Na Grécia antiga a geometria já era apreciada tanto por suas aplicações práticas, quanto por sua teoria. Euclides apresentou nos Elementos um modelo do que o pensamento científico deveria ser, exibindo noções comuns, postulados e teoremas perfeitamente encaixados e aceitos por um longo período de tempo. Porém, em sua obra principal Euclides parecia retardar o uso do quinto postulado, o postulado das paralelas. Além disso, este era considerado como o menos autoevidente entre os tais. Instigados, muitos estudiosos se aventuraram no campo matemático, buscando demonstrações para o quinto postulado, o que não permitiria mais que esse fosse assim denominado. Após inúmeras tentativas e uma base fortalecida por Saccheri, os matemáticos Bolyai, Lobachevsky, Gauss e Riemann lançaram fundamentos de geometrias não euclidianas, tão logicamente aceitas quanto à euclidiana. Estes estudos romperam com a concepção de que só existia uma única geometria, desestabilizando a geometria euclidiana, que até então era considerada capaz de explicar satisfatoriamente todos os fenômenos que envolviam a organização espacial. Agora, com mais de uma geometria, os conceitos e definições a respeito de ângulo (ângulos complementares, ângulos opostos pelo vértice, alternos internos, etc.), posições relativas entre retas, os axiomas de Euclides, a realização de procedimentos matemáticos válidos (prolongamento de segmentos de retas, equivalência de ângulos, etc.), as formas matematicamente aceitas para realizar as escritas destes dados e a argumentação necessária para tanto passam a ser questionadas, avaliando a conveniência de cada geometria para determinada situação. Nas geometrias não euclidianas são necessários outros objetos matemáticos que, por mais que guardem semelhanças entre aqueles da geometria euclidiana, possuem algumas especificidades próprias que precisam ser consideradas. E é aí que me parece residir uma ruptura do pensamento geométrico. Entre estas especificidades estão procedimentos, linguagens, conceitos, definições e proposições próprias das geometrias não 60 euclidianas, que quando não dominadas, desanimam os professores da educação básica para efetivá-las no processo educativo, tratando este conteúdo apenas como mais um que provavelmente será deixado para o final do período letivo, quando não há tempo para mais nada. Acredito que as geometrias não euclidianas devem ser vistas através do potencial que elas trazem para as aulas. Os professores podem utilizá-las basicamentepelo seu desenvolvimento histórico, pelas rupturas que trazem ao pensamento geométrico epela forma de trabalhar dos matemáticos. Isso permite mostrar aos alunoso dinamismo da Matemática, sua constante (re)construção humana.Este dinamismo parece ser deixado de lado quando o professor passa afocar suas aulas apenas no conteúdo em si.Aqui não sugiro que necessariamente demonstrações desse tipo sejam trabalhadas com alunos na educação básica, pois isto exigiria um aprofundamento no método demonstrativo, o que não convém neste momento da formação intelectual do estudante. Talvez algumas noções básicas se fariam mais interessantes, assim como o conhecimento da aplicabilidade destas geometrias. Acredito que no desenvolver deste trabalho conheci consideravelmente o meio histórico e matemático que acarretou nas geometrias não euclidianas, as quais eu conhecia pouquíssimo por uma breve informação no decorrer do curso de licenciatura em Matemática. Também reconheci as discussões sobre a inserção de tal conteúdo na educação básica paranaense, os benefícios e as dificuldades para alcançar este objetivo. Em futuros estudos, talvez seja interessante um estudo envolvendo professores de Matemática da educação básica catarinense, seus conhecimentos e opiniões quanto uma possível inserção das geometrias não euclidianas no estado, assim como uma prática escolar que mostre a viabilidade deste conteúdo na educação inicial. 61 REFERÊNCIAS BARKER, Stephen Francis. Filosofia da Matemática. Tradução: LeonidasHegenberg; Octanny Silveira da Mota. Rio de Janeiro: Zahar, 1969. BOYER, Carl B. História da Matemática. 2. ed.São Paulo: Edgard Blucher, 1996. BRASIL. Ministério da Educação. Guia de Livros Didáticos PNLD 2008: Matemática. Brasília: MEC, 2007. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9394, de 20/12/1996. Brasília, 1996. BRASIL. Orientações Curriculares para o Ensino Médio: orientações curriculares para o ensino de ciências da natureza, matemática e suas tecnologias / Secretaria de Educação Básica. – Brasília : Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006. 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São Paulo, 1996. 64 APÊNDICES 65 APÊNDICE A Igualdade dos ângulos C e D do Quadrilátero de Saccheri Para mostrar que os ângulos C e D da Figura 1 são iguais, irei utilizar-me de dois teoremas a respeito de semelhança de triângulos, os quais exponho a seguir com suas respectivas demonstrações baseadas em Garbi (2010b). Teorema A (Caso LAL). Se dois triângulos têm dois lados respectivamente congruentes e os ângulos entre eles congruentes, então os terceiros lados também serão congruentes, assim como os pares de ângulos, um em cada triângulo, que se opõem aos pares de lados congruentes. Demonstração: Sejam ABC e A‟B‟C‟ dois triângulos tais que AB=A‟B‟, BC=B‟C‟ e os ângulos em B e B‟ são iguais, como na figura 20. Pela Noção Comum 4, sabe-se que coisas que coincidem uma com a outra são iguais entre si. Assim, supondo o triângulo ABC sobreposto ao triângulo A‟B‟C‟, teríamos o lado AC congruente à A‟C‟. Assim, todo o triângulo coincidirá com o outro, inclusive seus respectivos ângulos. Figura 20 – Caso LLL de congruência de triângulos Fonte:Produção da própria autora. 66 Teorema B (Caso LLL). Se dois triângulos têm os três lados respectivamente congruentes, então eles são congruentes. Demonstração: Sejam os triângulos ABC e A‟B‟C‟ tais que AB=A‟B‟, AC=A‟C‟ e BC=B‟C‟, conforme a Figura 20. Se tais triângulos não fossem congruentes, então, por exemplo, os ângulos B e B‟ seriam diferentes, pois, se fossem congruentes, os triângulos seriam congruentes pelo caso LAL. Desta forma, os lados AC e A‟C‟, opostos àqueles ângulos, seriam diferentes, ao maior ângulo opondo-se o maior lado. Mas isso é um absurdo, pois por hipótese AC=A‟C‟. Logo, ABC e A‟B‟C‟ são congruentes. Voltando à Figura 1. Sabe-se que os ângulos em A e B são iguais, assim como os lados AD e BC também são iguais entre si. Traçando as diagonais AC e BD, formam-se os triângulos DAB e CBA. Pelo caso LAL, estes triângulos são congruentes. Assim, AC = BD. Considerando agora os triângulos ADC e BCD, pelo caso LLL estes são congruentes. Logo, os ângulos em C e D são iguais. 67 APÊNDICE B Lema de Saccheri Lema 1. Se um quadrilátero ABCD tem os ângulos consecutivos A e B iguais a um reto, então se AD for igual a BC os ângulos dos vértices C e D serão iguais; se AD for diferente de BC, entre os ângulos dos vértices C e D, será maior o ângulo que for adjacente ao menor dos segmentos AD e BC. Reciprocamente, se os ângulos de vértices C e D forem iguais, AD será igual a BC; se forem diferentes, o maior dos segmentos AD e BC será adjacente ao menor dos ângulos de vértice C e D. Demonstração: Seja conforme a Figura 21 o quadrilátero ABCD e suponha-se que AD seja diferente de BC. Suponha-se ainda que AD > BC e tome-se sobre o segmento AD o ponto C‟ tal que AC‟ = BC. Assim, forma-se o triângulo DC‟C, no qual ∠AC‟C é externo e, portanto, maior do que o ângulo com vértice em D. Mas ∠AC‟C = ∠C‟CB e como ∠C‟CB <∠DCB (Noção Comum 8), conclui-se que, neste quadrilátero, o maior dos ângulos de vértices C e D é adjacente ao menor dos segmentos AD e BD. A recíproca é provada facilmente por redução ao absurdo. Figura 21 – Lema de Saccheri Fonte: Produção da própria autora.