A psico-oncologia
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A psico-oncologia
15219 ChymiOn_miolo.indd 1 29/11/13 11:16 Rua Anseriz, 27, Campo Belo 04618-050 – São Paulo, SP Fone: 11 3093-3300 www.segmentofarma.com.br [email protected] Diretor-geral: Idelcio D. Patricio Diretor executivo: Jorge Rangel Gerente financeira: Andréa Rangel Editor científico: Ricardo Caponero CRM-SP 51.600 Editora-chefe: Daniela Barros MTb 39.311 Comunicações médicas: Cristiana Bravo Gerentes de negócios: Caio Ferraz, Daniela Lisbôa Rocha, Luciene Cervantes e Philipp Santos Coordenadora comercial: Andrea Figueiro Gerente editorial: Cristiane Mezzari Coordenadora editorial: Fabiana de Paula Souza Designer: Carlos Eduardo Müller Revisoras: Renata Lopes Del Nero, Angela Helena Viel e Patrizia Zagni Produtor gráfico: Fabio Rangel Cód. da publicação: 15219.12.2013 O conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es). Produzido por Segmento Farma Editores Ltda., sob encomenda de Sandoz, em dezembro de 2013. Material de distribuição exclusiva à classe médica. 15219 ChymiOn_miolo.indd 3 sumário Assumi o posto de editora-chefe da Chymion no início de 2008. Já se tratava de um projeto consolidado, publicado desde 2003. Ao longo desses anos a revista fora editada por competentes jornalistas que conferiram a ela sua experiência e conhecimento. Tinha um desafio pela frente: renovar a proposta editorial e dar continuidade, com a mesma maestria, a um trabalho que vinha sendo tão bem feito. Passado o temor inicial, o trabalho foi mais fácil do que imaginei. Não em função da complexidade, que Quanera grande, mas sim em virtude da equipe do me formei na que me cercava. Na Sandoz, a Mayra Faculdade de Jornalismo, Figueiredo, gerente de produtos em minha mãe me perguntou: “Qual oncologia, sempre foi um ponto de apoio. Com sua gentileza e atenção, me orienta, até hoje, sobre diversos aspectos. Na editora, será sua contribuição para a socieda- a mesma coisa. Equipes de coordenação editorial, revisão, arte, de como jornalista?”. Essa questão ficou diagramação, comercial, sempre a postos para garantir a excelência da revista. E na execução do projeto, tive a felicidade de ressoando em meus pensamentos. Sem que- conhecer inúmero profissionais, como médicos, farmacêuticos rer, apesar da especialização em jornalismo e outros colaboradores, que sempre se esmeraram em elaborar social, acabei enveredando pelo jornalismo o conteúdo de mais alto nível. Alguns anos depois, recebemos com boas-vindas Dr. Ricardo Caponero, como editor-científico, médico. E agradeço ao destino por isso. com suas valorosas sugestões e comentários. Os resultados são muito satisfatórios. Os representantes, que Porque foi então que descobri como visitam os serviços de oncologia e entregam a revista, sempre enpoderia colaborar: por meio da caminham elogios e expressam o desejo dos leitores em participar educação médica e dos de uma edição. E assim surgem novas parcerias, que somente corroboram para uma revista ainda melhor. pacientes. Nesta revista comemorativa de Chymion, por sua primeira década, quero agradecer a cada leitor e a cada colaborador com quem tive o prazer de trabalhar ao longo desses anos. Assim como aos autores desta edição (Drs. Ricardo Caponero, Vicente Odoni, Annemeri Livinalli, Luciana Holtz e Mônica Trovo) que nos brindam com textos elaborados especialmente para ela. E que venha a próxima década! 4 10 13 16 18 21 artigo atualização oncofarma psico-oncologia Um abraço, Daniela Barros Editora-chefe enfermagem história de sucesso 29/11/13 11:27 Evolução do tratamento oncológico N ão há dúvida nenhuma de que a mudança mais importante foi conceitual. Até a virada do milênio ainda tratávamos as neoplasias por localização anatômica (câncer de mama, de pulmão, de cólon etc.). Com as publicações de Perou et al.1 e Sorlie2, passou-se a entender a diversidade genética dentro das neoplasias, transformando o diagnóstico anatômico numa subclassificação de doenças distintas. Essa mesma tendência aconteceu com os tumores de cólon, de pulmão, e está estendendo-se para outras neoplasias. Um diagnóstico mais preciso tem permitido subclassificar as doenças em grupos de prognóstico distinto e resposta diferenciada à terapêutica, que deixa de ser unificada, baseada na melhor evidência para o grupo como um todo (one size fits all), para tornar-se o embrião da medicina personalizada. Dr. Ricardo Caponero 4 15219 ChymiOn_miolo.indd 4 29/11/13 11:27 Um diagnóstico mais preciso tem permitido subclassificar as doenças em grupos de prognóstico distinto e resposta diferenciada à terapêutica, que deixa de ser unificada, baseada na melhor evidência para o grupo como um todo (one size fits all), para tornar-se o embrião da medicina personalizada nos últimos dez anos Ao longo da primeira década deste século, intensificaram-se as pesquisas de biomarcadores e das alterações das vias de transdução de sinal. O diagnóstico está novamente em transformação. É provável que nessa próxima década o diagnóstico passe a ser molecular, ou seja, além do órgão e além do subtipo fenotípico, o diagnóstico passará a incluir as vias moleculares ativadas ou suprimidas. O exemplo, já presente, dessa situação é o uso de trastuzumabe, um anticorpo anti-HER2, tanto em neoplasias de mama quanto de estômago3; ou o uso do everolimo, em tumores de células claras renais, neoplasia neuroendócrina pancreática e neoplasia de mama refratária à terapia endócrina4,5. Muito diferentes fenotipicamente, essas neoplasias se assemelham na importância da via da fosfoinositol-3-cinase (PI3K) e da mTOR (mammalian Target Of Rapamycin). 5 15219 ChymiOn_miolo.indd 5 29/11/13 11:27 6 Com essas mudanças conceituais, a pesquisa de novas armas terapêuticas deixou de lado a quimioterapia antiblástica tradicional. Nesse sentido, poucas drogas como a eribulina6 e a vinflunina7 foram incorporadas ao arsenal terapêutico. A última década, no entanto, trouxe um grande número de “nibs & mabs”, ou seja, moléculas pequenas inibidoras de tirosinocinases e anticorpos monoclonais, incorporadas ao tratamento de quase a totalidade das neoplasias. O alvo terapêutico deixou de ser exclusivamente o tumor. Alguns agentes foram desenvolvidos para atuar no microambiente tumoral, principalmente os antiangiogênicos e os inibidores da osteólise. A estratégia antiangiogênica revolucionou o tratamento dos tumores renais. Dispõem-se de anticorpos contra fator de crescimento do endotélio vascular (VEGF) e de inibidores da transdução do sinal na célula endotelial, como o axitinibe8, entre diversas outras moléculas. Os inibidores da osteólise, usados no controle dos eventos relacionados ao esqueleto (fratura, necessidade de radioterapia, cirurgia ortopédica ou incremento de analgesia), também permitem a manutenção da integridade óssea durante tratamento com inibidores da aromatase e possuem atividade antitumoral questionável9. Mais recentemente, um anticorpo monoclonal contra o ligante do RANK, o denosumabe, tem-se mostrado superior ao zolendronato em diferentes situações10. O acesso às múltiplas linhas de tratamento, incorporando os novos agentes biológicos, prolongou a sobrevida global de forma significativa. No adenocarcinoma de cólon com ausência de mutação do KRAS, o uso sequencial de combinações entre fluoropirimidinas, oxaliplatina, irinotecano, bevacizumabe, cetuximabe, aflibercepte e regorafenibe11 fez que a sobrevida global mediana, que era de seis meses na época em que só se dispunha de 5-fluorouracil e ácido folínico, ultrapassasse agora os 30 meses12. Os resultados globais melhoraram em decorrência de rastreamento mais efetivo, diagnóstico mais precoce, melhor compreensão da biologia da neoplasia, novos medicamentos dirigidos a alvos moleculares específicos, cirurgia 15219 ChymiOn_miolo.indd 6 auxiliada pela robótica e novos sistemas tridimensionais para planejamento radioterápico. Mas a melhora do tempo de vida, com qualidade, decorre da incorporação de cuidados paliativos desde o início do tratamento13. A qualidade de vida durante o tratamento depende de um rigoroso controle de sintomas14, mas também da interpretação realística das expectativas do tratamento e do suporte ao paciente e a seus familiares. Isso reduz de forma significativa a depressão e a ansiedade13, sintomas que afligem a maioria dos pacientes portadores de neoplasias malignas15,16. Os sintomas mais estressantes da quimioterapia são náuseas e vômitos, alopecia e fadiga17. Para a alopecia, o uso do resfriamento do couro cabeludo é de eficácia duvidosa, mas modernas próteses capilares, com bases mais finas e flexíveis, coladas ao couro cabeludo, têm permitido um resultado estético e funcional muito mais adequado. Quanto a náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia, sólidas diretrizes (MASCC-ESMO; ASCO-NCCN; e diretrizes regionais) têm indicado o melhor uso para novas drogas da classe dos inibidores do receptor 3 de hidroxitriptamina (5HT3), como a palonosetrona18, para uma nova classe de inibidores na neurocinina 1, como aprepitante19 e fosaprepitante20. Náuseas e vômitos refratários podem ser resgatados pelo uso da olanzapina21. A fadiga, muito mais intensa e frequente com o uso dos novos inibidores de tirosinocinase, ainda tem seu tratamento com resultados insuficientes. Os melhores resultados são para a readequação das atividades e medidas físicas. Do ponto de vista farmacológico, pouco auxílio pode ser dado a não ser quanto à correção de comorbidades agravantes, como anemia, hipotireoidismo, hipogonadismo etc.22. Em conclusão, os progressos na oncologia foram, em todos os aspectos, de crescimento exponencial, e as mudanças significativas foram de maior monta na última década do que em toda a metade do século passado. Se as neoplasias ainda não se tornaram rotineiramente curáveis, a expectativa de vida, com qualidade, foi significativamente prolongada. 29/11/13 11:27 Referências 1. Perou CM, Sorlie T, Eisen MB, van de Rijn M, Jeffrey SS, Rees CA, et 13. Temel JS, Greer JA, Muzikansky A, Gallagher ER, Admane S, Jackson al. Molecular portraits of human breast tumours. Nature. 2000 Aug VA, et al. Early palliative care for patients with metastatic non-small- 17;406(6797):747-52. cell lung cancer. N Engl J Med. 2010 Aug 19;363(8):733-42. 2. Sorlie T. Molecular portraits of breast cancer: tumour subtypes as distinct disease entities. Eur J Cancer. 2004 Dec;40(18):2667-75. 3. De P, Hasmann M, Leyland-Jones B. Molecular determinants of trastuzumab efficacy: what is their clinical relevance? 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Expert Opin Pharmacother. 2010 Jun;11(9):1587-93. 7. Kruczynski A, Hill BT. Vinflunine, the latest Vinca alkaloid in clinical development. A review of its preclinical anticancer properties. Crit Rev Oncol Hematol. 2001 Nov;40(2):159-73. 8. Escudier B. Signaling inhibitors in metastatic renal cell carcinoma. Cancer J. 2008 Sep-Oct;14(5):325-9. 9. Pavlakis N, Schmidt R, Stockler M. Bisphosphonates for breast cancer. Cochrane Database Syst Rev. 2005(3):CD003474. Feb;7(2):189-95. 17. Coates A, Abraham S, Kaye SB, Sowerbutts T, Frewin C, Fox RM, et al. On the receiving end--patient perception of the sideeffects of cancer chemotherapy. Eur J Cancer Clin Oncol. 1983 Feb;19(2):203-8. 18. Navari R. The current status of the use of palonosetron. Expert Opin Pharmacother. 2013 May 7. 19. Aapro MS, Schmoll HJ, Jahn F, Carides AD, Webb RT. Review of the efficacy of aprepitant for the prevention of chemotherapy-induced nausea and vomiting in a range of tumor types. Cancer Treat Rev. 2013 Feb;39(1):113-7. 20. Saito H, Yoshizawa H, Yoshimori K, Katakami N, Katsumata N, 10. Snedecor SJ, Carter JA, Kaura S, Botteman MF. Denosumab versus Kawahara M, et al. Efficacy and safety of single-dose fosaprepitant zoledronic acid for treatment of bone metastases in men with in the prevention of chemotherapy-induced nausea and vomiting castration-resistant prostate cancer: a cost-effectiveness analysis. J in patients receiving high-dose cisplatin: a multicentre, randomised, Med Econ. 2013;16(1):19-29. double-blind, placebo-controlled phase 3 trial. Ann Oncol. 2013 11. Grothey A, Van Cutsem E, Sobrero A, Siena S, Falcone A, Ychou M, Apr;24(4):1067-73. et al. Regorafenib monotherapy for previously treated metastatic 21.Navari RM, Nagy CK, Gray SE. The use of olanzapine versus colorectal cancer (CORRECT): an international, multicentre, metoclopramide for the treatment of breakthrough chemotherapy- randomised, placebo-controlled, phase 3 trial. Lancet. 2013 Jan induced nausea and vomiting in patients receiving highly emetogenic 26;381(9863):303-12. chemotherapy. Support Care Cancer. 2013 Jun;21(6):1655-63. 12. Grothey A, Sargent D, Goldberg RM, Schmoll HJ. Survival of 22. de Raaf PJ, de Klerk C, Timman R, Busschbach JJ, Oldenmenger patients with advanced colorectal cancer improves with WH, van der Rijt CC. Systematic monitoring and treatment of the availability of fluorouracil-leucovorin, irinotecan, and physical symptoms to alleviate fatigue in patients with advanced oxaliplatin in the course of treatment. J Clin Oncol. 2004 Apr cancer: a randomized controlled trial. J Clin Oncol. 2013 Feb 1;22(7):1209-14. 20;31(6):716-23. 7 15219 ChymiOn_miolo.indd 7 29/11/13 11:28 Do nada ao tudo, para todos Dr. Vicente Odone Filho Professor titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Área de Onco-Hematologia Pediátrica CRM-SP 19.898 10 15219 ChymiOn_miolo.indd 10 saga do tratamento do câncer pediátrico começou a ser escrita há relativamente muito pouco tempo. Marca seu início o também início da moderna era do tratamento quimioterápico, com a clássica publicação de Sidney Farber, em 1948, relatando as primeiras respostas, transitórias a bem da verdade, mas respostas, em leucemias agudas pediátricas, com o emprego do medicamento aminopterina, cujo derivado metotrexato é, até hoje, ainda extremamente importante não apenas no contexto oncológico, mas também no de outras situações médicas. Pouco mais de sessenta anos, um período extremamente breve, foi suficiente para transformar a oncologia pediátrica em uma das áreas de maior desenvolvimento dentro da medicina ou mais, sem medo de exagerar, do próprio conhecimento humano. Basta lembrarmos o exemplo das leucemias linfocíticas 29/11/13 11:28 agudas (LLA), o mais frequente dos cânceres pediátricos: de uma moléstia inexoravelmente fatal que nos permite, na atualidade, celebrar índices de cura de até 90% para as variedades de apresentação biológica mais favorável. Com a possibilidade inclusive de empregarmos o termo cura sem o risco de confundi-lo com mera sobrevida prolongada. Isso porque as LLA são suficientemente frequentes para que determinadas análises estatísticas possam ser realizadas de modo apropriado. E permite-nos saber que alguém que sobreviva dez anos após seu diagnóstico, sem nenhuma recorrência ou surgimento de um efeito colateral grave e limitante, poderá ter expectativa de vida análoga a todos da população da qual procede. Ausência de interferência com a expectativa de vida de um ser humano, é, sem dúvida, o melhor entendimento de cura de uma determinada moléstia que o aflija. Essas poucas décadas não representam todo o universo da luta contra o câncer. Enquanto o câncer pediátrico carregava a aura de incurabilidade agora revertida, os esforços se concentravam em técnicas que buscavam, de alguma forma, extirpar de maneira física os vestígios de uma doença neoplásica, principalmente com a direta abordagem cirúrgica e, também, com recursos radioterápicos. Foi a época dos grandes e mutiladores procedimentos cirúrgicos que incluíam a proposição de técnicas cuja simples menção acarretava horror compatível com a agressão que propugnavam, como a hemicorporectomia. Era a época da cura a qualquer preço como se a sobrevida fosse um prêmio que, alcançado, desobrigava qualquer um que por ela lutasse de almejar um resultado qualitativamente melhor. O câncer pediátrico, por sua natureza habitualmente sistêmica à apresentação, com algumas exceções, não comportava filosofias terapêuticas dessa natureza. Isso explica a coincidência entre o início das eras do tratamento efetivo do câncer em crianças e da quimioterapia, anteriormente mencionada. Doenças sistêmicas, para seu manuseio, exigem também um tratamento de abrangência sistêmica. E a quimioterapia foi o primeiro recurso a viabilizá-la. 15219 ChymiOn_miolo.indd 11 Dr. Vicente Odone Filho Durante as décadas de 1960 e 1970, virtualmente todos os esforços concentravam-se na utilização de combinações quimioterápicas que almejavam, com sua associação, controlar as moléstias subjacentes e destruir até a última das células neoplásicas existentes. Técnicas a partir dessa época agregadas, como os transplantes de medula óssea, eram, a princípio, recursos que visavam potencializar de modo exponencial a eficácia da destruição neoplásica, preservando a funcionalidade dos sistemas orgânicos, em especial o hematopoético. É claro que o sucesso foi incontestável. Séries de crianças com câncer que se curavam, cada vez mais representativas, substituíam os exemplos esporádicos de sucesso. E mais: o reconhecimento de que a cura era alcançável obrigava tratamentos que visassem não apenas ao resultado imediato, mas a preservação e preparo de quem estivesse sendo tratado para a vida. A cura como prêmio suficiente foi substituída pela necessária normalização biológica e, também, psicológica e social. Multiplicavam-se as técnicas que permitiam às crianças, cada vez mais, serem submetidas a tratamentos intensos com limitações menores em seu dia a dia, justamente atendendo a esse objetivo de preservação integral futura. O tratamento de suporte, em todos os níveis, especialmente na integração entre múltiplas especialidades profissionais, passou a ser essencial. 11 29/11/13 11:28 12 Continuavam, todavia, os obstáculos. Muitos fenômenos tóxicos eram irremovíveis. A necessidade de adição de novos tratamentos quimioterápicos com rapidez crescente levava ao reconhecimento tardio de colateralidades proibitivas inicialmente insuspeitas. O entusiasmo pelas epipodofilotoxinas, por exemplo, no tratamento de leucemias de elevada agressividade, foi substituído pelo perplexo reconhecimento de seu enorme potencial de indução de outras leucemias, limitando enormemente seu emprego. Além disso, em muitas situações neoplásicas, identificava-se que o tratamento quimioterápico obedecia de modo necessário à denominada cinética de primeira ordem. Quer dizer, uma determinada medicação daria cabo, sempre que repetida, à destruição de um mesmo percentual de células neoplásicas, não à destruição do número absoluto residual. Dessa forma, seria impossível acabar com a última célula neoplásica existente. Havia então que se buscarem novos recursos. De tímidas tentativas de tratamento imunoterápico, específico e inespecífico, iniciadas à década de 1960, passou-se ao aproveitamento regular das vantagens imunológicas conferidas em transplantes alogênicos de células-tronco, os quais, sem explorar exclusivamente o conceito de ablação medular, passaram a permitir seu emprego em pacientes de condições clínicas muito mais desfavoráveis, e de maior idade. Novas fontes de células-tronco, especialmente as obtidas a partir do cordão umbilical, puderam beneficiar especialmente a população pediátrica. Da associação entre células neoplásicas e células apresentadoras de antígenos foram desenvolvidas as denominadas vacinas antitumorais. Anticorpos dirigidos contra componentes quase que exclusivos das células tumorais passaram a permitir, cada vez mais, a abordagem bem-sucedida de células residuais remanescentes do tratamento antineoplásico convencional, a um custo tóxico reduzido. Em termos terapêuticos, vive-se agora a era da “terapia-alvo”. Não apenas com anticorpos dirigidos a antígenos neoplásicos próprios, como também com drogas capazes de intervir em alterações genéticas de grande 15219 ChymiOn_miolo.indd 12 especificidade e funções definidas na replicação celular. A primeira das quais, o imatinibe, ao atuar na translocação 9;22, presente em leucemias agudas e particularmente em mielocíticas crônicas, mudou a história dessas últimas, hoje muitíssimo menos dependentes do emprego de seu tratamento mais clássico, envolvendo transplantes alogênicos de medula óssea. O tratamento do câncer caminha, enfim, para a desejada individualização terapêutica. O Brasil alinha-se com as nações de maior desenvolvimento técnico-científico no domínio de todas as etapas do tratamento oncológico. O problema de nosso País não é qualitativo, mas sim quantitativo, isto é, estender a toda a nossa população os excelentes resultados que o moderno tratamento oncológico pode oferecer. A oncologia pediátrica conta com o auxílio de um aliado poderosíssimo, qual seja, a própria capacidade de organização da população em grupos de apoio que suprem, com seu trabalho, necessidades regionais específicas e diminuem a distância existente entre os centros de excelência e o tratamento realizado em maior escala. Mas as disparidades ainda são grandes. Se muitas de nossas instituições conseguem, isoladamente, repetir feitos como os 90% de cura de LLA anteriormente mencionados, o resultado genérico desse tratamento no Brasil como um todo é, ainda, muitíssimo inferior. Universidades e centros isolados compartilham conhecimentos e experiências através de recursos como a telemedicina. Em termos assistenciais, experiências como a iniciada pioneiramente pelo Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina e o Laboratório de Sistemas Integráveis da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, iniciadas há mais de uma década, levaram a locais distantes e de muito menos condições técnicas, como Rondônia, a possibilidade de um tratamento oncológico atualizado, sem a necessidade de mudanças de domicílio perenes e altamente prejudiciais às famílias. Em resumo, em sua ainda jovem história, o tratamento oncológico pediátrico superou etapas sucessivas e comemora sucessos crescentes. Passou do nada ao tudo, ou quase tudo. E de uma maneira muito democrática, para todos. 29/11/13 11:28 Os avanços na farmácia oncológica nos dez anos da Annemeri Livinalli Coordenadora de Farmácia do Grupo em Defesa da Criança com Câncer (Grendacc), diretora de Comunicação da Sociedade Brasileira de Farmacêuticos em Oncologia (Sobrafo), membro da International Society of Oncology Pharmacy Practitioners (ISOPP) e da American Society Clinical of Oncology (ASCO) CRF 25.690 farmácia oncológica no Brasil, embora exista em alguns serviços há muito tempo, em muitos outros se fortaleceu exatamente nestes últimos dez anos, coincidindo com a existência da revista Chymion. Está regulamentada desde 1996 por meio da Resolução 288 do Conselho Federal de Farmácia1, porém a presença do farmacêutico nos serviços de oncologia somente se fortaleceu a partir de 2004 com a publicação da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 220 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)2. Tal resolução implicou formação da equipe multidisciplinar de terapia antineoplásica e estabeleceu a obrigatoriedade do farmacêutico como responsável técnico pelas atividades da farmácia e membro dessa equipe2. Indiscutivelmente a presença do farmacêutico no serviço de oncologia é necessária. A confirmação dessa importância vem-se demonstrando através da legislação que cada vez mais insere esse profissional em medidas de impacto público. São exemplos: a publicação da Portaria 874, de 16 de maio de 20133, e a Portaria 529 publicada em abril de 20134. Em ambas o papel do farmacêutico se faz presente. 15219 ChymiOn_miolo.indd 13 A Portaria 874 institui a política nacional para a prevenção e o controle do câncer na rede de atenção à saúde das pessoas com doenças crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e traz na Seção II o farmacêutico incluso nos componentes dos sistemas de apoio por meio da assistência farmacêutica, considerada necessária ao tratamento do câncer3. O farmacêutico oncológico e a atenção farmacêutica Nesta última década o uso de medicamentos antineoplásicos via oral aumentou de forma expressiva e inevitavelmente a importância da adesão ao tratamento reaparece no cenário farmacêutico e evidencia o papel do profissional no acompanhamento farmacoterapêutico, inserido na atenção farmacêutica. Em 2009, somente nos Estados Unidos, havia 20 medicamentos antineoplásicos de uso oral aprovados5. A adesão ao tratamento depende de diversos fatores, incluindo características sociodemográficas, aspectos específicos do tratamento (tipo, complexidade, efeitos ad- 13 29/11/13 11:28 14 versos, duração), características da doença ou doença em potencial (sintomas, duração, incapacidade, gravidade)6. Algumas intervenções podem ser assumidas pelo farmacêutico ao identificar problemas relacionados à adesão do tratamento, entre elas: intervenções educacional, comportamental, afetiva ou multidimensional5. No estudo de Levine et al., a intervenção educacional resultou em aumento na taxa de adesão (de 20% para 40%). Na revisão Cochrane de Beney et al. a respeito das orientações do farmacêutico sobre medicamentos não oncológicos de uso oral, houve um aumento na adesão em três de seis estudos analisados5. A não adesão ao tratamento tem consequências, entre elas: mais visitas ao médico, mais internações com longa permanência5. Em alguns casos, pode impedir, por exemplo, a eficácia do tratamento de uso oral. Se o médico não está ciente de que o paciente não está administrando o tratamento oral prescrito, existe o risco de ele atribuir a progressão da doença à perda de atividade do medicamento, optando pela troca de medicamento, quando, na realidade, o paciente não estava administrando o medicamento e, muito possivelmente, esta seria a razão da progressão da doença5. Acompanhar e melhorar a adesão ao tratamento é tarefa do farmacêutico e está inserida na atividade da atenção farmacêutica. O conceito de atenção farmacêutica, já amplamente difundido no Brasil, em diversas áreas, inclui atualmente a oncologia. A introdução desse conceito data da década de 1990, quando foi publicada por Hepler e Strand a definição em que se considera o fornecimento do tratamento farmacológico com responsabilidade e com o objetivo de alcançar resultados concretos que melhorem a qualidade de vida dos pacientes7,8. Na oncologia, os pacientes em tratamento necessitam da atenção farmacêutica em diferentes aspectos: monitorando o tratamento, orientando sobre os efeitos adversos, avaliando as interações medicamentosas, além das questões relacionadas à manipulação dos antineoplásicos, entre outros9, sempre focando na prevenção dos problemas relacionados aos medicamentos. O grande marco nessa temática foi a proposta do Consenso Brasileiro de Atenção Farmacêutica publicado em 15219 ChymiOn_miolo.indd 14 200210, inspirado em ações pontuais que serviram para a discussão e a implementação da atividade no Brasil em diferentes áreas. Erros de medicação em oncologia A prevalência de erros de medicação associada com medicamentos antineoplásicos não se sabe exatamente. Dada a característica de esses medicamentos terem estreita margem de segurança, o uso incorreto desses agentes pode ocasionar eventos adversos graves nos pacientes. Por essa razão, precauções extras são necessárias para prevenir os erros de medicação relacionados aos antineoplásicos11. Alguns erros que podem ocorrer com antineoplásicos incluem: administração no paciente errado, sobredose ou subdose, via de administração, taxa de infusão e tempo de infusão errado12. A American Society of Health-System Pharmacists recomenda algumas ações como forma de prevenção11: • educação e treinamento dos profissionais; • acesso fácil à informação; • padronização da prescrição de medicamentos; • utilizar sistemas de prescrição eletrônica; • não permitir prescrição verbal de medicamentos antineoplásicos; • estabelecer as doses-limite (quando aplicável) e as vias de administração permitidas para os medicamentos antineoplásicos. Para prevenir os erros de medicação em oncologia, devem-se considerar os antineoplásicos como medicamentos “potencialmente perigosos”. Desse modo torna-se importante estabelecer políticas e procedimentos em todas as etapas que envolvam esses medicamentos: prescrição, transcrição, dispensação, transporte, administração e monitoramento12. A Portaria 529 publicada pelo Ministério da Saúde em abril de 2013 instituindo o Programa Nacional de Segu- 29/11/13 11:28 rança do Paciente (PNSP) e estabelecendo o Comitê de Implementação desse programa propõe que se criem e validem protocolos, guias e manuais voltados à segurança do paciente em diferentes áreas, às quais se inclui a área de medicamentos4. Assim, surge mais uma importante área de atuação do farmacêutico, em especial na oncologia. Neste breve histórico, é possível perceber que ações que deveriam existir há mais de dez anos são ainda bem recentes e estão sendo gradativamente construídas no Brasil. Aos farmacêuticos que ainda estão em busca de oportunidades de crescimento profissional, é o momento de tentar participar dessa construção, dando sua contribuição através de seu conhecimento. Contribuição da Sobrafo desde sua criação 2001 – Criação formal da Sobrafo. 2002 – I Congresso da Sobrafo em parceria com a Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar e Serviços de Saúde (SBRAFH). 2003 – Publicação do Guia para o Preparo Seguro de Agentes Antineoplásicos. Participação da elaboração da RDC 220 publicada em 2004. 2004 – II Congresso da Sobrafo. II Simpósio de Farmacêuticos em Oncologia em parceria com a SBOC. 2010 – V Congresso da Sobrafo. 2011 – Dez anos de Sobrafo — Segundo ciclo de seminários regionais. Segunda edição do Guia para notificação de reações adversas em oncologia. III Simpósio de Farmacêuticos em Oncologia em parceria com a SBOC. 2005 – 10o ciclo de seminários regionais. 2012 – Assinatura dos termos de cooperação com o Institute For Safe Medication Practices (ISMP) e SBRAFH. 2006 – III Congresso da Sobrafo. VI Congresso da Sobrafo. 2007 – Publicação do Guia para notificação de reações adversas em oncologia em parceria com a Anvisa. I Simpósio de Farmacêuticos em Oncologia em parceria com a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). Presença no Congresso Brasileiro de Cancerologia (Concan). Representação nos grupos de trabalho de farmácia hospitalar do Conselho Federal de Farmácia (CFF) e do Ministério da Saúde (MS). 2013 – Consulta Pública: I Consenso Brasileiro para Boas Práticas de Preparo da Terapia Antineoplásica 2008 –IV Congresso da Sobrafo. Terceiro ciclo de seminários regionais. 2009 – Curso de Farmacologia Clínica em Oncologia a distância. IV Simpósio de Farmacêuticos em Oncologia em parceria com a SBOC. Referências 1. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC 220, de 21 de setembro de 2004. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria 874, de 16 de maio de 2013. 3. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria 529, de 10 de abril de 2013. 4. Ruddy K, Mayer E, Partridge Ann. Patient adherence and persistence with oral anticancer treatment. J Clin Cancer. 2009;59:56-66. 5. Partridge A, Avorn J, Wang PS, Winer EP. Adherence to Therapy With Oral Antineoplastic Agents. J Natl Cancer Inst. 2002;94(9):652-61. 6. Dader MJF, Romero FM. La atencion farmacêutica em farmácia comunitária: evolución de conceptos, necessidades de formación, 7. Hepler CD, Strand LM. Oportunidades y responsabilidades em La atención farmacéutcia. Pharm Care Esp. 1999;1:35-47. 8. Hockel M. Ambulatory chemotherapy: pharmaceutical care as a part of oncology service. J Oncol Pharm Practice. 2004;10:135-40. 9. Ivama AM, Noblat N, Castro MS, Oliveira NVBV, Jaramillo NM, Rech N. Consenso Brasileiro de atenção farmacêutica: proposta. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2002. 10. American Society of Health-System Pharmacists. ASHP guidelines on prevent-ing medication errors with antineoplastic agents. Am J Health-Syst Pharm. 2002;59:1648-68. modalidades y estratégias para su puesta em marcha. Pharm Care 11. Schulmeister L. Preventing Chemotherapy Errors. Oncologist. 2006;11:463-8. Esp. 1999;1:52-61. 12. Brasil. Conselho Federal de Farmácia. Resolução 288, de 21 de março de 1996. 15219 ChymiOn_miolo.indd 15 15 29/11/13 11:28 Luciana Holtz de Camargo Barros Psicóloga, psico-oncologista, especialista em Bioética, presidente do Instituto Oncoguia CRP-SP 06/54462 O 16 A psico-oncologia na abordagem multidisciplinar de tratamento do câncer termo “tratamento multidisciplinar”, abordagem cunhada nos Estados Unidos no início do século XX, que determina a interlocução entre diversas áreas da saúde para a composição do “arsenal” terapêutico de uma doença, tem especial e fundamental importância na oncologia. A razão é clara. O câncer, uma das doenças crônicas de maior mortalidade no mundo, atrás das cardiovasculares, e que em razão de uma confluência de fatores (como o 15219 ChymiOn_miolo.indd 16 envelhecimento populacional e os hábitos de vida atuais) vem assumindo a dianteira na atenção mundial à saúde, é uma enfermidade de etiologia multifatorial que exige uma cadeia global de cuidados para que o resultado terapêutico seja efetivo — tanto à cura quanto ao controle da doença. Nesse contexto, a atuação do médico oncologista e a medicalização articulam-se horizontalmente com uma rede composta de farmacêuticos, nutricionistas, enfermeiros, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e psico-oncologistas, 29/11/13 11:28 além, em menor escala, dos profissionais responsáveis por terapias complementares. Embora o tratamento multidisciplinar do câncer seja fato comum em países como Estados Unidos e Canadá, no Brasil a abordagem ainda é muito sensível e sua aplicação real, restrita a poucos centros de tratamento de ponta. No entanto, há no País sinais de abertura ao diálogo entre as áreas, nos centros de referência em tratamento e também em congressos médicos e academia. Exemplo do amadurecimento das relações multidisciplinares na oncologia brasileira e do olhar exclusivo às questões inerentes ao câncer foi o aporte da psico-oncologia no País, que passou a ser estudada na década de 1990 [com a fundação da Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia (SBPO) em 1994] e vem ganhando progressivamente o olhar da oncologia clínica. O cerne dessa teoria está presente desde a criação da medicina ocidental, de Hipócrates e Galeno, e adveio da percepção de que corpo e mente são partes igualmente importantes na completude de um organismo e que a saúde é fruto do equilíbrio entre estes e o meio ambiente. E a ciência, não é de hoje, lança olhares à saúde emocional do paciente enquanto um pressuposto para o tratamento bem-sucedido do câncer. A exemplo, um estudo conduzido pela Universidade de British Columbia (Canadá), que reuniu e revisou 26 estudos separados envolvendo mais de 9,4 mil pacientes oncológicos, e descobriu que o número de mortes é 25% maior naqueles que apresentavam sintomas de depressão. Isso porque pacientes fragilizados emocionalmente apresentam taxas de resposta a tratamentos muito menores que os sadios. A psico-oncologia destina-se, então, no contexto multidisciplinar da saúde, a olhar para os fatores psicológicos inerentes ao diagnóstico, ao tratamento e à reabilitação da pessoa com câncer e, através de intervenção psicológica específica, auxiliar no processo de enfrentamento da doença, de forma a torná-lo menos doloroso. A própria notícia de um câncer, palavra tão imbuída em estigma, é já um fator que para muitos pacientes decorre em questão psicológica a se trabalhar. Para esses pacien- 15219 ChymiOn_miolo.indd 17 a psico-oncologia, assim como cada saber multidisciplinar relativo ao câncer, é imprescindível em um tratamento que tem por intenção a saúde integral de um indivíduo tes, a notícia é sinônimo de dor, solidão, terminalidade da vida e pode levá-los a iniciar o processo terapêutico já com a perspectiva de “derrota” de forma mais negativa. Para além do momento do diagnóstico, a psico-oncologia é fundamental dentro do espaço de tratamento, as clínicas de oncologia, onde o paciente enfrenta a jornada terapêutica: as horas e horas de infusão de quimioterapia e sessões de radioterapia, os exames muitas vezes dolorosos, as consultas com o oncologista que podem trazer notícias difíceis de assimilar, como uma metástase e uma medicação que não surtiu efeito. Nesse espaço, de situações potencialmente estressantes ao paciente (e também a seus familiares e cuidadores), um psico-oncologista pode auxiliá-lo na interpretação de seus sentimentos e na identificação de uma possível patologia, como a depressão. Além da atuação específica às demandas do paciente oncológico, um psico-oncologista é um importante vetor na equipe multidisciplinar de tratamento de um câncer. Desenvolvendo uma relação de confiabilidade com o paciente, esse profissional pode desempenhar o papel de “escuta” e ser o interlocutor de suas vontades e angústias, para o qual o paciente poderá revelar seu desejo de cessar um tratamento, por exemplo, ou sua insegurança com determinada abordagem clínica. Enfim, a psico-oncologia, assim como cada saber multidisciplinar relativo ao câncer, é imprescindível em um tratamento que tem por intenção a saúde integral de um indivíduo. 17 29/11/13 11:28 A evolução dos cuidados paliativos: de onde viemos e para onde queremos ir? Monica M. Trovo de Araújo Enfermeira, mestre em Enfermagem e doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em Cuidados Paliativos pela Pallium Latinoamerica — Universidad del Salvador, atuou como enfermeira no Hospital Universitário da USP e atualmente é docente de graduação e pós-graduação no Centro Universitário São Camilo, desenvolve pesquisas em Comunicação Interpessoal em Cuidados Paliativos, validou o Programa de Capacitação em Comunicação que desenvolveu para profissionais de 18 saúde paliativistas. COREN 107325/SP. 15219 ChymiOn_miolo.indd 18 C uidar é um dos verbos mais antigos da história da humanidade — desde os mais remotos tempos o homem nasce, cresce, se reproduz, adoece e perece, necessitando da atenção e do auxílio de outro ser humano em cada uma dessas etapas. Contudo, nas últimas décadas, com o desenvolvimento do tecnicismo nas ciências da saúde, houve uma grande mudança paradigmática nos objetivos da assistência à saúde: do cuidar para o curar. E, por mais que a ciência caminhe a passos largos, ainda há situações em que a cura da doença não é possível e que o cuidado para o alívio da dor e do sofrimento em suas múltiplas dimensões é mais do que desejado, é necessário. Felizmente tem crescido exponencialmente o interesse de profissionais de saúde e pacientes acerca de alternativas de cuidado que aliviem sintomas e promovam maior conforto, quando a doença não mais 29/11/13 11:28 responde a tratamentos curativos. Nesse sentido, os cuidados paliativos surgem como esperança para a mudança necessária no foco de atenção a esses pacientes: do curar para o cuidado humano que suporta e conforta. O termo paliativo deriva do vocábulo latino pallium, que significa manta ou coberta. Traz em seu significado a ideia principal dessa filosofia: proteger, amparar, abrigar, ou seja, cuidar. É muito mais do que apenas controle de sintomas; implica o cuidado do indivíduo, considerando não apenas sua doença, mas sim o que lhe causa sofrimento, seja na dimensão física, em suas preocupações psicológicas e sociais e necessidades espirituais. A filosofia dos cuidados paliativos é disseminada na Europa e nos Estados Unidos, por meio dos hospices, locais que desde o século V combinam as habilidades de um hospital com a hospitalidade e calor de uma pousada. Mas foi apenas em 1967, com a fundação do St. Christopher Hospice pela enfermeira, assistente social e médica Cicely Saunders que os hospices passaram a ser sinônimo de assistência paliativa. Ao final da década de 1980, foi reconhecida e recomendada como modalidade assistencial pela Organização Mundial da Saúde. Em 2002, o conceito de cuidados paliativos foi revisto diante da demanda por atenção aos portadores de doenças crônicas: são cuidados ativos e totais aos pacientes cuja doença não responde mais ao tratamento curativo. Trata-se de uma abordagem de 15219 ChymiOn_miolo.indd 19 cuidado diferenciada cuja essência afirma a vida ao ser contrária à eutanásia e reconhece a morte como um processo natural, busca o alívio precoce da dor e demais sintomas angustiantes, integrando aspectos emocionais, sociais e espirituais ao cuidado do paciente em seu núcleo familiar1. Os cuidados paliativos orientam-se para o alívio do sofrimento por meio da atenção às suas múltiplas causas, focando a pessoa doente e não a doença da pessoa. São embasados na tríade de controle de sintomas, apoio psicoemocional e espiritual e trabalho em equipe interdisciplinar, resgatando e revalorizando a comunicação e as relações interpessoais, utilizando como elementos essenciais o exímio conhecimento técnico científico dos profissionais de saúde, a compaixão, a empatia, a humildade e a honestidade. No Brasil, a abordagem paliativista é relativamente recente e ainda marcada pela disparidade: faz pouco mais de 20 anos que esse tipo de atenção tem sido oferecida em centros isolados no País, em sua maioria localizados na Região Sudeste. Na atualidade, há pouco mais de 60 unidades que oferecem cuidados paliativos no Brasil, cerca de 20 delas localizadas na cidade de São Paulo, totalizando em torno de 300 leitos. Trata-se de um número irrisório ao considerar-se a demanda nacional, que deveria envolver o trabalho de 12 mil enfermeiros e 1.500 médicos especializados, em cerca de dez mil leitos2. O termo paliativo deriva do vocábulo latino pallium, que significa manta ou coberta Esse é um reflexo da heterogeneidade na disseminação dos cuidados paliativos no mundo. O International Observatory on End of Life Care, da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, realizou um estudo visando delinear um mapa mundial da presença e do estado de desenvolvimento de serviços de cuidados paliativos nos diferentes países, evidenciando que esse modelo de cuidado encontra-se presente de modo estruturado em apenas 115 (49%) das 234 nações que compõem a Organização das Nações Unidas3. Embora no Brasil sejam mais conhecidos e difundidos na atenção ao paciente com câncer, os cuidados paliativos não constituem apenas uma modalidade de tratamento oncológico, e tampouco se restringem a pacientes em iminência de morte. É possível conciliar o tratamento curativo com a atenção paliativa, podendo ser aplicada em pacientes com doenças crônicas diversas. Também não se trata de cuidados de segunda linha ou 19 29/11/13 11:28 Os cuidados paliativos são prestados com base em atendimento e suporte oferecido por uma equipe interdisciplinar de menor qualidade, ou ainda da abdicação de recursos terapêuticos. São ações ativas que partem de uma abordagem altamente especializada, que alia o uso adequado da tecnologia ao cuidado humano, exigindo considerável conhecimento científico e habilidade da equipe interdisciplinar, além de muita energia e dedicação. Outra crença comum é a de que é preciso um local específico e um especialista determinado para a aplicação dos cuidados paliativos. Os princípios e práticas dessa modalidade de cuidado podem ser realizados por qualquer profissional de saúde, desde que devidamente capacitado. E po- dem ser utilizados em qualquer local: da atenção domiciliária às unidades críticas e de alta complexidade. Os cuidados paliativos são prestados com base em atendimento e suporte oferecido por uma equipe interdisciplinar. A base dessa equipe é constituída por médico, enfermeiro e assistente social; contudo, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e um conselheiro espiritual ou capelão também podem agregar seus conhecimentos e fortalecer a equipe. No que tange ao crescimento de sua prática paliativista e ao estabelecimento de legislação favorável, houve importante desenvolvimento no Brasil na última década. Contudo, os desafios ainda em curso para a disseminação dessa modalidade de atenção são principalmente a escassez de recursos e a incipiência de conhecimentos dos próprios profissionais de saúde sobre o tema. A disseminação exponencial da filosofia paliativista na prática assistencial nos últimos anos não tem sido deflagrada e tampouco acompanhada pela academia. Compreende-se que haja deficiência no conhecimento em cuidados paliativos entre profissionais de saúde no Brasil, à medida que o tema não faz parte da grade curricular de graduação das diferentes especialidades da área da saúde. Com o crescimento da demanda e a estruturação de serviços de cuidados paliativos, sabe-se que o assunto tem sido abordado em algumas escolas, porém não de maneira obrigatória e contínua, mas diluído em aulas e cursos ligados a oncologia, dor e morte. Também são poucos os serviços de cuidados paliativos que oferecem treinamento a seus colaboradores e, assim, a maioria dos profissionais que busca aprimoramento no assunto é autodidata ou procura especialização fora do País4. Assim, mostra-se urgente a educação dos profissionais em cuidados paliativos, tanto daqueles em formação quanto dos já atuantes. Nesse sentido, a educação permanente ou continuada desses profissionais em suas instituições de trabalho parece ser um caminho para a mudança desse cenário. Sem a educação dos profissionais no que tange à prática paliativista, dificilmente poderá ser atingida a meta de cuidado digno e de excelência ao final da vida. sintomas. São Paulo: Atheneu; 2011. 4. Araújo M. Comunicação em cuidados Referências 1. World Health Organization (WHO). WHO Definition of Palliative Care [on line]. Disponível em: www.who.int/ cancer/palliative/definition/en. 20 2.Santos F. Cuidados paliativos: diretrizes, humanização e alívio de 15219 ChymiOn_miolo.indd 20 pp. 3-15. paliativos: proposta educacional para 3. Wright M, Wood J, Lynch T, Clark educação em saúde. 2011. 260 f. Tese D. Mapping levels of palliative care (Doutorado) – Escola de Enfermagem development: a global view. J Pain Symp da USP, São Paulo, 2011. Disponível em: Manag. 2008;35(5):469-89. www.teses.usp.br. 29/11/13 11:28 Importância das ONGs na prevenção e no combate ao câncer Por Daniela Barros – Jornalista (MTB–SP 39.311) É notório o importante papel desempenhado pelo terceiro setor no Brasil. As organizações não governamentais (ONGs) atuam nas carências da sociedade. Na medicina, elas ganharam importante papel auxiliando pacientes e familiares, desde o apoio moral até o custeio dos tratamentos. São inúmeras as ONGs voltadas à oncologia. A maioria das neoplasias possui, ao menos, uma organização dedicada a ela. O trabalho voluntário nessas organizações envolve pessoas comuns que se dedicam a causas que podem não conhecer profundamente. Ou, ainda, são indivíduos que se solidarizam com outras pessoas que estão vivendo o mesmo problema que eles já passaram, portanto, oferecem seu conhecimento e vontade de ajudar. Nesse contexto, são envolvidos também os familiares e amigos, formando-se, assim, uma corrente de voluntários por todo o País. Na área da saúde, percebe-se que todas as entidades trabalham com afinco na prevenção das doenças, afinal, o velho ditado “é melhor prevenir que remediar” aplica-se com justiça nesse caso. O autoexame de mama e a consciência de que a própria mulher é responsável por seu corpo são as maiores contribuições que os médicos podem detectar no trabalho voluntário voltado à saúde da mulher. Campanhas sobre esse tema e outros, inclusive para os homens, como a campanha da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) sobre o câncer de pênis, são fundamentais. O apoio psicológico e, muitas vezes, a ajuda material são complementos da ação dos voluntários. Um exemplo é a 15219 ChymiOn_miolo.indd 21 Associação Helena Piccardi de Andrade Silva (AHPAS), que proporciona o transporte terrestre e o aéreo para que os pacientes cheguem aos centros de tratamento oncológico. Com esses exemplos, dentre centenas de outros que vemos no Brasil, a edição especial de dez anos da revista Chymion homenageia a cada um dos voluntários das ONGs que fazem toda a diferença em nosso País. O QUE É UMA ONG? As organizações não governamentais (ONGs) são entidades do terceiro setor, ou seja, são da sociedade civil e de caráter privado, cuja função é desenvolver trabalhos sem fins lucrativos. A área de atuação das ONGs é bem diversificada: social, saúde, ambiental, grupos de proteção à mulher, tratamentos de dependentes químicos etc. O termo ONG foi utilizado pela primeira vez em 1950, pelo Conselho Econômico e Social da ONU. No Brasil, ganhou projeção na metade da década de 1980. Todas as organizações sem fins lucrativos, fundações ou sociedades civis podem ser consideradas ONGs. Mesmo sem visar a lucros, elas têm estrutura formal e legal e atuam social e politicamente na comunidade ou na sociedade, sempre com atos de solidariedade. Fonte Brasil Escola. Disponível em: www.brasilescola.com/geografia/organizacao-nao-governamental-ong.htm. Revista Chymion, no 2, 2003. 21 29/11/13 11:28
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