A Guerra do Vietnã
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A Guerra do Vietnã
1 UNIRIO – UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CCH – CENTRO DE CIÊNCIA HUMANAS E SOCIAIS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA ESCOLA DE HISTÓRIA CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA PROF: Dr RICARDO SALLES GUERRA DO VIETNÃ ATTÍLIO RIZZO, EDUARDO ALMEIDA, OTTO BARRETO Rio de Janeiro 2007 2 A Guerra do Vietnã Ao analisar a história do Vietnã percebemos que a região fora dominada por chineses no passado e, mais recentemente colonizado por franceses (fins do século XIX). A ocupação colonial francesa teve inicio em 1858 com a tomada de Da Nang tornando-se mais tarde um protetorado francês. As tentativas modernizadoras dos ocupantes não encontraram muito êxito, limitando-s e a construção de estradas de ferro para o escoamento da produção camponesa de arroz e açúcar, e a resistência nacionalista não foi eficiente. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) a região foi ocupada pelo Japão. È nesse contexto que o líder comunista Ho Chi Minh se destaca colocando-se a frente de um movimento de independência da França e contra a dominação japonesa. Ho Chi Minh, como boa parte da população vietnamita, havia nascido em uma região muito pobre do Vietnã. Em sua juventude, teve a oportunidade de viajar pela Europa, em 1920 esteve envolvido na fundação do Partido Comunista Francês. Na década de 20, também viajou para A União Soviética, onde estudou a teoria marxista. Na China, foi um dos responsáveis pela fundação do Partido Comunista Indochinês. Em 1924 é ele quem funda uma associação para a libertação do seu país do domínio francês ao lado de outros comunistas vietnamitas. Antecedentes da Guerra A Luta pela independência da França Após o fim da Segunda Guerra Mundial e derrota do Japão, em 1945, a França tentou reassumir o controle colonial do Vietnã. A luta da Liga Revolucionária para independência do Vietnã - Viet Mihn – criada por Ho Chi Minh foi dura e árdua até que em 2 de setembro de 1945 é proclamada a independência da República Democrática do Vietnã - Vietnã do Norte – sob o regime socialista. Contudo a França não reconhece essa independência e contra a ação de Ho Chi Minh, organizara um governo anticomunista no Sul, com sede em Saigon. O objetivo principal dessa iniciativa era manter a dominação na região. Deu-se início uma guerra que duraria por quase dez anos. Em 1946, as tropas francesas bombardearam o porto de Haiphong no Vietnã do Norte, este acontecimento levou os vietnamitas a iniciarem uma intensa tática de guerrilha com o objetivo de expulsar os franceses. Os soldados do Vietnã do Norte tinham como exemplo as 3 táticas do líder comunista chinês Mao Tse-tung. Essas táticas buscavam evitar a luta aberta contra o inimigo e utilizava pequenos grupos de homens, atacavam principalmente a noite. Não demorou muito para que os franceses estivessem seguros apenas nas principais cidades, já que o domínio nas florestas e nos campos de arroz pertencia aos vietnamitas. O papel da China foi crucial para o sucesso dos guerrilheiros socialistas, visto que era de lá que vinha todo apoio logístico, armamentista e de demais suprimentos no confronto contra a França. A guerra durou mais do que os franceses esperavam. Em 1954, ela representava um custo imenso para o povo francês, não só em dinheiro como também em vidas. A partir daí acreditavase que o único modo de vencer a guerra era tentar vencê-la rapidamente. A tática utilizada para isso consistia em fazer com que os guerrilheiros vietnamitas deixassem seus esconderijos e empurrá-los para um lugar onde fossem derrotados pela superioridade do exército francês em armas e poder de fogo. Contudo essa estratégia não obteve sucesso frente a persistência dos vietnamitas e seu grande contingente de guerrilheiros entricheirados e atacando com canhões. Sendo assim, após a tomada pelos vietnamitas da base francesa de Dien Bien Phu, os franceses ficaram isolados e acabaram se rendendo em 7 de maio de 1954. A Conferência de Genebra formalizou o fim do domínio francês e dividiu o Vietnã em dois países: o Vietnã do Norte - governado por Ho Chi Minh - e a República do Vietnã governada pela ditadura de Ngo Dinh Diem. Esta divisão deveria ser temporária, sendo a reunificação prevista para depois de um processo eleitoral. Em outubro de 1955, mediante um golpe de Estado no sul, o Primeiro Ministro Ngo Dinh Diem cancelou as eleições e instalou uma ditadura militar contrária à reunificação, promovendo intensa perseguição às seitas budistas e às minorias étnicas. Recebendo dos Estados Unidos ajuda militar para treinar os sul-vietnamitas contra o “perigo vermelho”, representado pelo governo de Ho Chi Minh, e ajuda econômica para os gastos para as forças armadas, o governo ditatorial de Ngo Dinh Diem pouco fez para aumentar a capacidade produtiva nacional. Sua maior preocupação era deter o comunismo. Nesse sentido promoveu uma verdadeira caça aos antigos combatentes, o que motivou a criação de tribunais militares de exceção e de campos de trabalho forçado para os camponeses. Insuflada pelo Norte e revoltada contra a não reunificação, a resistência comunista do Sul organizou, em 1960, a Frente de Libertação nacional, cujo braço armado era o exército vietcongue. Aparição do Comunismo 4 Em 1945, quando Ho Chi Minh tomou o poder, o povo vietnamita, exceto um pequeno número de intelectuais e líderes religiosos, não tinha grande conhecimento sobre o comunismo e sua natureza. A partir de seu governo, ascenderam ao poder, muitos daqueles que se opuseram aos franceses, mas que tiveram de procurar asilo na China ou tinham sido treinados na União Soviética e estavam, nestas condições, bem instruídos sobre comunismo. Em pouco tempo, trotskistas e não comunistas foram eliminados dos postos governamentais. Todavia, a oposição das forças nacionalistas não comunistas aumentou com o retorno de centenas de líderes exilados e com a chegada ao Vietnã de 180.000 soldados chineses enviados para desarmar os japoneses. Estes nacionalistas formaram uma frente para opor-se ao regime de Hanói e para insistir na formação de um governo de coalizão de comunistas e não comunistas. Ho Chi Minh então, buscando resolver estes empecilhos, dissolveu o Partido Comunista Indochinês do Norte, em novembro de 1945, e propôs uma eleição geral no Vietnã. Líderes dos partidos nacionalistas vietnamitas estavam relutantes em aceitar tal proposta, sustentando, no entanto, que eles deveriam ser imediatamente incorporados em um governo de coalizão. Criaram então, uma frente de coalizão de nacionalistas aliados que, contudo, falhou e cedo entrou me colapso, pois a maioria dos vietnamitas não compreendia a luta que se estava processando, uma vez que poucos conheciam realmente o comunismo, e também não concordavam com o apoio que estes nacionalistas recebiam das tropas chinesas, que eram consideradas estrangeiras. Além disso, nenhum dos partidos nacionalistas elaborou uma política positiva ou um programa ideológico, opondo-se ao comunismo apenas por intermédio de vagos apelos ao nacionalismo e ao não comunismo. Durante este período, havia uma restrita compreensão popular ou mesmo consciência da diferença entre em meios de acesso à independência dos comunistas e dos não comunistas. O que inflamava o povo eram os conceitos de patriotismo e de independência nacional, que trouxeram uma nova vitalidade à vida do Vietnã nos dias que se seguiram à revolução de 1945. Progressivamente, com a tentativa francesa de restabelecer seu poder sobre o Vietnã, a oposição ao comunismo atenuou-se. Foi esta tentativa, apoiada e largamente financiada pelos Estados Unidos, que consolidou o apoio popular ao governo e assegurou a vitória do comunismo no Vietnã do Norte. Para a maioria da população vietnamita, Ho Chi Minh era um herói nacional que havia conduzido a luta contra os franceses, e não como um alguém que estava pronto a estabelecer um regime comunista no Vietnã. Contudo esse objetivo fica claro na passagem a seguir, extraída do relatório apresentado à III Sessão da Assembléia Nacional de 1 de dezembro de 1953 redigido por Ho Chi Mihn. Neste o líder comunista relaciona o imperialismo francês 5 com a intervenção norte-americana, além de destacar medidas nacionalistas e reformistas pretendidas pelo governo revolucionário: “[...] Que faz o inimigo atualmente, e o que espera fazer? Os imperialistas norte-americanos intensificam sua intervenção na guerra do Vietnã, no Camboja e no Laos, financiam e armam ainda mais os imperialistas franceses e fantoches. Eles compram os fantoches e aceleram a organização das forças supletivas. Obrigam os imperialistas franceses a fazer concessões aos fantoches, o que vem a ser o mesmo que obter concessões para si mesmos. Planejando suplantar por etapas os imperialistas franceses, continuam, ao mesmo tempo, servindo-se destes como agentes de sua política de guerra. Além da política de exploração e de pilhagem econômica, os imperialistas franceses e norte-americanos praticam uma política de blefe. Eis alguns exemplos disso: Declaração de pseudo-independência e pseudodemocracia, organização de eleições fraudulentas. Aplicação de uma suposta reforma agrária para enganar os camponeses. Organização de sindicatos “pelegos” para iludir os operários. Proclamação de sua “vontade de paz” para dissimular a verdade ao povo francês e aos povos do mundo e enganar nosso povo. Resumindo, os imperialistas franceses e norte-americanos esforçam-se para estender a guerra, “lançando os vietnamitas contra os vietnamitas e alimentando a guerra com a guerra”. Não sejamos subjetivos subestimando o inimigo. Ao contrário, sejamos constantemente clarividentes, sempre alerta e prontos para desbaratar todas as suas manobras.Podemos, porém, afirmar que suas atividades provam sua fraqueza mais que sua força. O inimigo teme nossa política de resistência prolongada e o movimento da paz no mundo. Para desarmar suas maquinações, devemos impulsionar vigorosamente a resistência. Devemos para isso realizar a reforma agrária. [...]”1 Os franceses retornaram em 1947, e a Guerra da Indochina continuou, então, até 1954. De um lado, os franceses, apoiados pelos Estados Unidos, “cooperando” com um governo “nacionalista” encabeçado pelo Imperador Bao Dai, e de outro, o Viet Minh. Os vietnamitas, naturalmente, consideravam Bao Dai um títere dos franceses, dando-lhe um apoio ínfimo. Este período deu aos comunistas a oportunidade de expandirem rapidamente seu poder, e, em março de 1951, o Partido Trabalhista Comunista (Lao Dong) foi criado e tornou-se assim o sucessor da anteriormente dispersado Partido Comunista Indochinês. O assim chamado governo “nacionalista” de Bao Dai levou a cabo uma intensa propaganda anticomunista, mas não obteve sucesso, justamente pelo descrédito que lhe era atribuído pela população. As forças comunistas, neste espaço de tempo, identificavam-se 1 Cit in: LLOYD, Dana Ohlmeyer. Ho Chi Mihn. Nova Cultural, Sao Paulo, 1987. 6 inteiramente com a luta patriótica contra os invasores, cresciam rapidamente e desenvolviam para si uma base firme na qual operar. Nos fins de 1953, o Viet Minh controlava completamente três quartos do Vietnã do Sul. Em 7 de maio de 1954, Dien Bien Phu caía, e os franceses foram incapazes de continuar seu esforço militar. Em 21 de julho de 1954, o armistício foi assinado em Genebra, e o Vietnã foi dividido “temporariamente” ao longo do paralelo dezessete. A divisão não estava destinada a ser uma fronteira permanente, mas apenas a servir de uma linha de “cessar-fogo” até que as eleições livres, sob supervisão internacional, pudessem reunificar o país em 1956. Mo entanto, Ngo Dinh Diem, que se tornou primeiro ministro o Vietnã sob o regime de Bao Dai, e que, subseqüentemente, com apoio maciço americano, depôs seu chefe e tornou-se presidente, recusou-se a permitir a realização destas eleições, instituindo um regime repressivo no Vietnã do Sul. De 1955 em diante, os Estados Unidos começaram a enviar “conselheiros” para trabalharem com o governo de Diem em assuntos técnicos, políticos e militares. Neste momento, os Estados Unidos ainda não tinham nenhuma tropa de combate no Vietnã, e as relações entre a política americana e a francesa ainda eram desconhecidas pelos vietnamitas. Além disso, o povo, principalmente na cidades, podia observar a ajuda que os americanos estavam oferecendo para a solução de problemas econômicos e sociais, e, conseqüentemente, não os olhava com a hostilidade que olhava os franceses. Este foi o período mais favorável aos americanos no Vietnã. A mais valiosa contribuição do presidente Diem foi a certeza de haver uma distinção entre a resistência nacional e os comunistas. O governo progressivamente tornou-se corrupto e ineficaz, e certos setores da população, como por exemplo, grupos que tentavam participar do governo e não conseguiam - líderes militares pró-franceses, forças nacionalistas não comunistas – e os budistas passaram a demonstrar sua insatisfação. Os americanos ignoravam toda essa evolução, que conduziria à deposição do presidente Diem. Ao invés de responder às pressões por reforma do governo que partiam de vários grupos sociais, o governo concentrou-se ainda mais em pôr fim às várias formas de oposição violentamente e através de métodos dúbios. Aparição dos Estados Unidos Todas essas medidas desgastaram o respeito da população pelo regime. Quando a guerra eclodiu novamente, afigurava-se a maioria dos camponeses vietnamitas ser uma renovação da guerra de resistência contra os imperialistas ocidentais e seus títeres, e não uma guerra criada pelo 7 comunistas, empenhados em conquistar seu país. Grande parcela da população começava a aceitar também a interpretação que era dada ao apoio americano ao governo de Diem: um indício do desejo dos Estados Unidos de manterem uma nova espécie de colonialismo em seu país. A recusa de Saigon de conferenciar com Hanói sobre as eleições gerais para reunificar o país, conforme o acordo de Genebra de 1954, foi motivo para que o Vietnã do Norte adotasse uma atitude agressiva. Esta mudança para a ofensiva por parte de Hanói ocorreu durante os anos de 1958 e 1959. A Frente de Libertação Nacional, criada em 20 de dezembro de 1960 no Vietnã do Sul, tinha como objetivo reunir todas as forças da oposição contra o presidente Diem. Compreensivelmente, a FLN conseguiu imediato apoio do Vietnã do Norte. Durante a terceira convenção do Partido Trabalhista do Vietnã do Norte, o secretário geral, Le Duam, anunciou a criação da FLN e assegurou que a Frente era dirigida pelo Partido, com o objetivo de derrubar o regime de Diem, revogar a Constituição Sul Vietnamita e realizar a unificação do Norte e do Sul. È fato que existiram muitos elementos não comunistas que integraram a Frente de Libertação Nacional apenas porque concordavam com a opinião de que deviam opor-se ao governo Diem e á política dos americanos, cuja semelhança com a anterior política francesa tinha começado a divisar. Isto se patenteou quando a grande ajuda financeira concedida aos franceses pelos americanos, durante a guerra anterior, tornou-se publicamente notória. O povo vietnamita estava cada vez mais convencido de que os americanos não estavam a fim de defender a liberdade e a democracia, mas para defender seus próprios interesses nacionais, como também os do assim chamado “mundo livre”. Em 1961, o presidente Kennedy começou a enviar ao Vietnã mais instrutores militares, e a guerra assumiu novo aspecto. Os “consultores” americanos começaram a operar juntamente com o exército sul-vietnamita, e, desde este momento, os camponeses vietnamitas passaram a olhar os americanos do mesmo modo com que olhavam os franceses. Em janeiro de 1962, foi criado dentro da Frente o Partido Revolucionário do Povo (Nhan Dan Cach Mang), que era, de fato, o Partido Comunista do Vietnã do Sul. Sua criação demonstrava a crescente importância dos comunistas dentro da Frente. Hanói, neste mesmo período, começou a referir-se ao Vietnã do Sul como a linha de frente da resistência contra a invasão americana. Quanto mais tropas americanas eram enviadas ao Vietnã mais a campanha antiamericana dirigida pela FLN tornava-se bem sucedida. Diante das atrocidades e dos incidentes cometidos pelos americanos no decorrer da guerra, que elevavam o número de mortos civis, cada vez mais vietnamitas eram atraídos para as fileiras da FLN. 8 Segundo Hanh, a Frente contava com o apoio de considerável número de camponeses por ter sido capaz de persuadi-los de que a guerra representava uma luta para a independência nacional, afirma ainda, que o espírito de patriotismo entre os camponeses era muito elevado, e que eles não estavam a par da história mundial ou das lutas ideológicas. “Os imperialistas norte-americanos deflagraram da maneira mais bárbara uma guerra de agressão para conquistar nosso país, mas estão sofrendo grandes derrotas. Eles enviaram maciçamente um corpo expedicionário de cerca de 300 mil homens ao sul de nosso país. Mantêm uma administração e um exército fantoches, instrumentos de sua política de agressão. Utilizam métodos de guerra extremamente selvagens, produtos químicos tóxicos, bombas de napalm, etc. sua política consiste em incendiar tudo, massacrar tudo, destruir tudo. Eles esperam dominar nossos compatriotas do Sul por meio desses crimes. Mas, sob a firma e hábil direção da Frente Nacional de Libertação, o exército e a população do Sul, estreitamente unidos e combatendo com heroísmo, têm obtido vitórias gloriosas e estão decididos a lutar até a vitória total para libertar o Sul, defender o Norte e avançar no sentido da reunificação do país. Os agressores norte-americanos têm imprudentemente lançado ataques aéreos contra o Norte de nosso país, na esperança de sair da sua desastrosa situação no Sul e de impornos “negociações” segundo suas condições. Mas o Norte permanece inabalável. Nosso exército e nosso povo redobraram seu ardor para produzir e para combater com heroísmo. Até hoje, abatemos mais de 1200 aviões inimigos. Estamos decididos a pôr em xeque a guerra de destruição do inimigo e a apoiar com todas as nossas forças nossos irmãos do Sul. Ultimamente os agressores norte-americanos subiram mais um degrau, muito grave, na sua escada. Eles atacaram a periferia de Hanói e de Haiphong. Este é um ato de desespero, o sobressalto de uma fera mortalmente ferida. Johnson e seus acólitos devem estar cientes disto: podem enviar 500 mil homens, um milhão ou até mais, para intensificar a guerra do Vietnã do Sul; podem utilizar milhares de aviões para multiplicar os ataques contra o Norte, mas jamais poderão abalar nossa férrea vontade de combater a agressão norte-americana, pela salvação nacional. Quanto mais agressivos se mostram, mais agravam seu crime, a guerra poderá durar ainda cinco anos, dez anos, vinte anos ou mais ainda; Hanói, Haiphong e outras cidades ou empresas poderão ser destruídas, mas o povo vietnamita não se deixará intimidar. Não existe nada mais precioso que a independência e a liberdade. Após a vitória, nosso povo reconstruirá o país, melhor, maior e mais belo. Caros compatriotas e combatentes! Nossa força vem da justiça de nossa causa, da nossa união nacional de norte e sul, da nossa tradição de luta indomável, da simpatia e do amplo apoio dos países socialistas irmãos e dos povos progressista do mundo inteiro. Venceremos. Diante da situação que acaba de ser criada, estamos unicamente decididos a suportar todas as privações e a aceitar todos os sacrifícios para levar adiante a gloriosa tarefa histórica destinada a nosso povo: vencer os agressores norte-americanos! Em nome do povo vietnamita, aproveito esta ocasião para agradecer calorosamente aos povos dos países socialistas e aos povos progressistas do mundo e entre eles ao povo norte-americano, pelo apoio e ajuda devotados. Diante das novas manobras e dos novos crimes dos imperialistas norte-americano, estou convencido de que os povos e os governos dos países irmãos, dos países amantes da paz e da justiça no mundo, apoiarão e ajudarão mais vigorosamente ainda o povo vietnamita na sua luta até a vitória total. O povo vietnamita vencerá! 9 Os agressores norte-americanos serão vencidos! Viva o Vietnã pacífico, reunificado, independente, democrático e próspero. Compatriotas e combatentes do país inteiro, avancem galhardamente!” 2 Dentro desta lógica, pode-se dizer que não só a própria Frente crescia em poder e adesões, como os camponeses passavam a identificar o comunismo com o patriotismo, assim, o comunismo passava a representar um fator de influência crescente na Frente. Um dos fatores que impedia o apoio de toda a população à Frente era a fidelidade dos camponeses às suas religiões. Grande parte da população rural vietnamita encontrava-se constantemente dividida entre sua instintiva vontade de ajudar a Frente em sua luta contra os “imperialistas” e o desejo de seguir os conselhos religiosos que os advertiam de não apoiar o comunismo em seu país. Os líderes religiosos eram bastante prudentes para não apoiaras táticas de guerra e, em alguns casos, levantaram, com efeito, a questão fundamental da guerra e a voz da consciência religiosa. Os líderes budistas, em especial, buscavam ansiosamente um modo pelo qual pudessem expressar, ao mesmo tempo, o patriotismo e o desejo de paz do seu povo. Política e discurso ideológico americano antes e durante a Guerra Para entender a Guerra do Vietnã e as suas conseqüências, é necessário, além de contextualizá-la no mundo bipolar da Guerra Fria, no qual americanos e soviéticos buscavam trazer para si o máximo de países possível, entender as idéias por trás dela. Para os estrategistas de do presidente americano John Kennedy, o excesso de independência em determinadas regiões do mundo, ou seja, um nacionalismo radical, era inaceitável. Era, portanto, necessário cortar o mal pela raiz e não deixar que a “maçã podre” contaminasse as demais. É nesse contexto que, na década de 40, vê-se o temor da Casa Branca de que a independência vietnamita espalhasse pela região tendências pan-asiáticas e anti-ocidentais, colocando em xeque o que os Estados Unidos diziam classificavam como a estreita relação entre os povos recém-autônomos e aqueles que por tanto tempo zelaram por seu bem-estar. Na Indochina, a autoridade responsável era a França, que, em seu zelo, devastou o país e o esfaimou. Ao mesmo tempo, era necessário afastar os “interesses estanhos”3 dos chineses. A partir daí, qualquer querela surgida poderia ser atribuída a aspirações nacionalistas ilegítimas, sempre com a necessidade de se manter atento ao perigo soviético, os dois principais 2 Apelo à nação diante do avanço do “imperialismo ianque” proferido por Ho Chi Mihn em 17 de julho de 1996. cit in: LLOYD, Dana Ohlmeyer. Ho Chi Mihn. Nova Cultural, Sao Paulo, 1987. 3 CHOMSKY, Noam. Camelot: os anos Kennedy. São Paulo: Scripta Editorial, 1993, p. 60. 10 problemas para os Estados Unidos. Estes temiam que o nacionalismo econômico pudesse levar a uma aproximação do bloco colonial à URSS. Eram, portanto, o nacionalismo excessivo do então Terceiro Mundo o motivo de atrito, e não os interesses imperialistas. Logo, se o nacionalismo dos colonizados interferisse nos planos americanos para o mundo, haveria de prevalecer os interesses econômicos dos países coloniais e o sudeste da Ásia, onde está o Vietnã, deveria cristalizar-se em seu tradicional estado de subordinação. A perda do Vietnã significava o solapamento econômico e provável perda do Japão para os mercados, influência e, em última análise, controle comunista. Isso tinha a ver com a teoria da queda dos dominós. Na ótica estadunidense, o Japão precisava da área da Indochina para o comércio. Assim sendo, a perda do Vietnã era um risco para eles, Estados Unidos, que, no fundo, estavam por trás da “preocupação” com a situação japonesa. Por tudo isso, o acordo diplomático feito, em 1954, em Genebra foi um fracasso. Logo depois de sua assinatura, os americanos ameaçaram reagir – com uso de força militar – a qualquer rebelião comunista local – ainda que não armada – atacando inclusive a China, caso se a descobrissem fonte da sublevação. Tal declaração, repetida constantemente nos documentos estratégicos americanos dos anos 50, mostrava uma verdadeira violação às proposições básicas da Carta da Organização das Nações Unidas, que impedia o uso da força militar, exceto como defesa a um ataque armado, ainda assim, só até que o Conselho de Segurança deliberasse sobre o assunto. O mesmo documento que ameaçava tão veementemente possíveis levantes comunistas com força militar exigia também a remilitarização do Japão e o uso estratégico da Tailândia. De acordo com a ideologia americana, ameaças como essas, e isso será dito nos governos Kennedy e Johnson, durante a Guerra do Vietnã, que se trata de uma agressão interna a um povo livre, já que a guerra política e a subversão eram consideradas como uma forma básica de agressão, o que para os Estados Unidos, dá o direito a eles próprios de combater tais violências arbitrárias, apesar da possível desgraçada perda acidental de vidas, como disse Sidney Hook. Pelos acordos de Genebra, o Vietnã ficava separado em duas zonas militares por uma linha de demarcação temporária até que as eleições de 1956 decidissem sobre a unificação e Governo de todo o Vietnã. De maneira alguma, é importante frisar, a separação do Vietnã em duas áreas deveria ser interpretada como a criação de uma fronteira política ou territorial. Assim, o território vietnamita ficava – temporariamente – dividido em República Democrática do Vietnã (Vietnã do Norte) e República do Vietnã (Vietnã do Sul). Esta, apoiada por Washington sob um governo clientelista, declarava-se governo legítimo de todo o Vietnã e, através de um maciço ataque terrorista contra a população doméstica – utilizando-se de terror indiscriminado para 11 bloquear a “subversão” e destruir a resistência aos franceses – conseguiu evitar a votação de 1956, com apoio e orientação dos Estados Unidos. O Vietnã do Norte, que havia deslocado 100 mil pessoas para o Norte, inclusive 40 mil militares, ordenou que as forças reservas permanecidas no Sul, até então com ordens de inoperância, iniciassem atividades de propaganda para pressionar o novo governo da República do Vietnã, como dito, sob a proteção americana, esperando talvez derrubá-lo sem o uso de forças militares. Em 57, os norte-vietnamitas lançaram um programa para converter oficiais e soldados do Vietnã do Sul à sua causa, à causa vietcongue, seguindo também a tática de infiltrações nos partidos políticos legais. Em 58-59, após atingir certo grau de apoio popular nas áreas rurais, os vietcongues puseram-se a organizar grupos guerrilheiros entre a população, mas tarde, apoiados por sulistas que voltavam do norte. Segundo, Chomsky, entre 61 e 62, Kennedy elevou seu o ataque ao Vietnã de terrorismo internacional à franca agressão. Além das tropas americanas, os Estados Unidos contavam também com mercenários chineses e coreanos. A essa altura havia uma separação entre os comunistas chineses e os soviéticos, e o Vietnã aproximava-se cada vez mais do segundo. Neste ponto, apesar do desejo de solução pacífica para o conflito tanto pelo Vietnã do Norte quanto pelo Vietnã do Sul, e do desejo de neutralização da França, Washington opunha-se terminantemente a tal possibilidade. O temor de que isso pudesse sair do plano do desejo para o plano dos fatos levou ao apoio americano a um golpe que derrubou o governante do Vietnã do Sul, Diem. Além disso, pressões enormes foram feitas sobre o presidente francês Charles de Gaulle para que ele abandonasse o dito “suicídio da neutralidade”. Para a França, manter a neutralidade era a prática do combinado em 1954 em Genebra: a divisão do Vietnã em duas zonas, com ambas se comprometendo a não aceitar ajuda militar externa e a não integrar alianças militares. Segundo Charles de Gaulle, o povo sul-vietnamita não fazia parte do que de fato estava acontecendo, já que tudo o que se tinha era um exército profissional mantido por gente de fora. Por saber que a força militar era tudo o que tinham e que estavam ultrapassados em termos políticos, e logo não tinham apoio político externo, como eles mesmos assumiam no início de 1964, não haveria como Robert Kennedy e Lindon Johnson manter a diplomacia, em sua visão, uma ameaça a ser evitada. Só poderiam estabelecer uma diplomacia quando a República Democrática do Vietnã fosse ferida e quando não existissem dúvidas no Sul quanto à determinação americana. Primeiro a força, depois a diplomacia. Analisando a evolução do discurso ideológico americano, percebemos que, com o passar do tempo, seus interesses ficam cada vez mais explícitos, como veremos a seguir. Em 1956, ainda como Senador dos Estados Unidos, John Kennedy afirmou que: 12 O Vietnã é e a pedra angular do Mundo Livre no Sudeste Asiático, a pedra central do acrco (sic.), o dedo na fenda. Burma, Tailândia, Índia, Japão, as Filipinas e, obviamente, o Laos e o Camboja, estão entre aqueles cuja segurança estaria ameaçada caso a onda vermelha do comunismo invadisse o Vietnã. Além disso, a independência do Vietnã livre é crucial para o mundo livre em outros campos, além do militar. Sua economia é essencial para a economia de todo o sudeste asiático e sua liberdade política é uma inspiração para aqueles que, em todas as partes da Ásia, ou melhor, no mundo todo, buscam obter ou manter sua liberdade. Os princípios fundamentais da política externa do novo país, em resumo, dependem consideravelmente de uma nação vietnamita forte e livre... Nação vietnamita forte e livre que, naquele momento, contava com uma liberdade política guiada por uma ditadura de um Estado, segundo Chomsky, terrorista, “dedicado ao assassinato e a tortura de pessoas empenhadas em cumprir o acordo de Genebra em outras formas de ‘agressão oculta’”.4 Até o fim, Kennedy defendeu que os Estados Unidos deveriam apoiar a República do Vietnã em sua luta para manter sua independência nacional. Em 63, John Kennedy declarou que, sua retirada do país seria o colapso não só do Vietnã, mas de todo o sudeste asiático. Ainda em 63, Kennedy disse em discurso: “Temos que cumprir nossas responsabilidades [no combate aos inimigos]”5. Alguns meses depois rejeitou, sem rodeios, em transmissão televisiva, a saída americana do Vietnã. Semelhanças entre o passado e presente... Em 12 de setembro de 1963, o presidente Kennedy diz que: “O que ajuda a ganhar a guerra, nós apoiamos; o que interfere com o esforço da guerra, nós obstemos. Já deixei claro que qualquer ato, de qualquer governo, que possa vir a dificultar a vitória contrária a nossa política e nossos objetivos. Este é o teste que, acredito, toda agência e funcionário do governo dos Estados Unidos deve aplicar a todas as nossas ações. Portanto, nossa política nessa área é bastante simples... Queremos vencer a guerra, conter os comunistas e trazer os americanos para casa. Mas não estamos lá para perder e seguiremos diretrizes que indiquei hoje, promovendo as causas e as conseqüências que possam nos ajudar a vencer.”6 Esses comentários apresentados nas linhas acima acabaram tornando-se uma orientação política do governo dos Estados Unidos em relação à guerra travada em solo vietnamita. No dia 26 do mesmo mês Kennedy, declara: Mantemos tropas no Vietnã e em outros lugares porque nossa liberdade está amarrada a (sic.) deles (...) [e, portanto,] a segurança dos Estados Unidos está em perigo (...) 4 Ibidem p. 67. 5 Ibidem p. 68. 6 Ibidem p. 68. 13 [caso passem] para trás da cortina de ferro. Logo, não poderia discordar mais do que já discordo daqueles que sugerem nossa retirada (seja lá como for). Se os Estados Unidos recuarem, o mundo todo, na minha opinião, começará, inevitavelmente, a se mover em direção ao bloco comunista.7 Neste fragmento de discurso fica extremamente clara a preocupação com possíveis acréscimos ao bloco comunista liderado pela União Soviética. Para Kennedy, todos nos Estados Unidos deveriam mobilizar-se para ganhar a guerra (como pôde ser visto numa citação acima. Para o presidente, não poderia haver retirada sem vitória e sua retórica em público condizia com sua posição íntima em relação à guerra, tanto que os mais próximos de Kennedy mantiveram a mesma postura mesmo depois de sua morte. Em fevereiro de 1966, houve o primeiro rompimento entre Robert Kennedy – senador americano irmão do presidente assassinado - e Lyndon Johnson - que assumira o governo após a morte de John Kennedy - quando o primeiro propõe um armistício negociado (não uma retirada, a qual ele era contra e nunca chegara a ser uma opção). Aliás, quando as despesas começaram a crescer, soluções começaram a entrar e quando o desastre assomou, alguns proponentes da teoria do dominó recuaram ou mesmo a ridicularizaram. Mas Kennedy e seu círculo não exitaram em seu extremismo enquanto o sucesso pareceu estar ao alcance. O mesmo ocorreu com a intelectualidade. McGeorge Bundy não estava exagerando quando escreveu que, naquela época, apenas lunáticos poderiam colocar em questão as premissas básicas do que Chomsky chama de Guerra de Kennedy e Johnson, ou colocariam em discussão algo além de meros problemas táticos de exeqüibilidade e de custos. Todos esses debates, posicionamentos e ações políticos mostram o pavor dos Estados Unidos em relação ao “perigo vermelho”. Essa situação, é claro, deve ser entendida num contexto da Guerra Fria. Daí a necessidade americana de buscar e manter – às vezes, em um esforço de imensas proporções, como é o caso do Vietnã – a maior quantidade de “aliados” no bloco capitalista, e, conseqüentemente, em oposição à União Soviética e seu bloco. Resposta ao presidente dos EUA, Lyndon B. Johnson em 15 de fevereiro de 1967 “Excelência, A 10 de fevereiro de 1967, recebi sua mensagem. Eis minha resposta: O Vietnã se acha milhares de milhas dos EUA. O povo vietnamita jamais atentou contra os EUA. Mas, contrariamente aos compromissos assumidos por seus representantes na Conferência de Genebra de 1954, o governo dos EUA não deixou de intervir no Vietnã, desencadeou e intensificou a guerra de agressão ao Vietnã do Sul, visando prolongar a divisão do Vietnã e transformar o Vietnã do Sul em uma neocolônia e uma base militar norte-americanas. Faz mais de dois anos que 7 Ibidem p. 69. 14 bombardeia com sua aviação e sua marinha militares a república Democrática do Vietnã, país independente e soberano. O governo dos EUA cometeu crimes de guerra, crimes contra a paz e contra a humanidade. No Vietnã do Sul, meio milhão de soldados norte-americanos e satélites recorreram às armas mais desumanas e aos métodos de guerra mais bárbaros, tais como o napalm, os produtos químicos e os gases tóxicos, para massacrar nossos compatriotas, destruir as colheitas e arrasar as aldeias. No Vietnã do Norte, milhares de aviões norte-americanos despejaram centenas de milhares de toneladas de bombas, destruindo cidades, aldeias, fábricas, estradas, pontes, diques, barragens e até mesmo igrejas, pagodes, hospitais, escolas. Em sua mensagem o senhor se mostra desolado pelos sofrimentos e pelas devastações causadas ao Vietnã. Permita-me perguntar-lhe: Quem perpetrou esses crimes monstruosos? Foram os soldados norte-americanos e satélites. O governo dos EUA é inteiramente responsável pela situação extremamente grave no Vietnã. A guerra de agressão norte-americana contra o povo vietnamita constitui um desafio aos países do campo socialista, uma ameaça aos movimentos de independência dos povos e um grave perigo para a paz na Ásia e no mundo. O povo vietnamita Ana profundamente a independência, a liberdade e a paz. Mas, face à agressão norte-americana levantou-se unido como um só homem, não temendo os sacrifícios nem as privações; está decidido a levar a resistência até que haja conquistado a independência e a liberdade reais e uma paz verdadeira. Nossa justa causa goza da aprovação e do apoio poderoso dos povos do mundo inteiro e de amplas camadas do povo norte-americano. O governo dos EUA desencadeou uma guerra de agressão no Vietnã. Ele deve cessar esta agressão. Esta é a única via para o restabelecimento da paz. O governo dos EUA deve cessar definitivamente e incondicionalmente os bombardeios e todos os outros atos de guerra contra a República Democrática do Vietnã, retirar do Vietnã do Sul todas as tropas norte-americanas e satélites, reconhecer a Frente Nacional de Libertação do Vietnã do Sul e deixar o próprio povo vietnamita aceitar seus assuntos. Tal é o conteúdo fundamental da posição em quatro pontos do governo da República Democrática do Vietnã, que é a expressão dos princípios e disposições essenciais dos Acordos de Genebra de 1954 sobre o Vietnã. Essa é a base de uma solução política correta para o problema vietnamita. Em sua mensagem, o senhor sugeriu conversações diretas entre a República Democrática do Vietnã e os EUA. Se o governo dos EUA deseja realmente essas conversações, deve, antes demais nada, cessar incondicionalmente os bombardeios e todos os outros atos de guerra norte americanos contra a República Democrática do Vietnã, só assim é que esta e os EUA poderiam iniciar conversações e discutir questões que interessam as duas partes. O povo vietnamita não cederá jamais diante da força; ele não aceitará jamais conversações sob ameaça das bombas. Nossa causa é justa. Cabe desejar que o governo dos EUA haja conforme a razão. Saudações, Ho Chi Minh.”8 A Guerra e suas Consequências Para o General e ex-combatente no Vietnã Bruce Palmer Junior os EUA abandonaram as negociações de paz com o governo do Vietnã do Norte prematuramente. Sua posição com relação ao Vietnã do Sul estava muito distante para que as negociações fossem abandonadas antes de 1968. 8 Cit In: LLOYD, Dana Ohlmeyer. Ho Chi Mihn. Nova Cultural, Sao Paulo, 1987. 15 A Guerra do Vietnã mudou de rumo a partir de 30 de janeiro de 1968, quando os comunistas do Norte armaram a ofensiva do Tet contra o Vietnã do Sul e as tropas americanas. Apesar de os comunistas contarem com baixas de cerca 40 mil homens a ofensiva deve ser encarada como uma vitória política, pois as baixas americanas foram também muito grandes, o que repercutiu de maneira muito negativa na opinião popular. A sociedade via a presença americana no país a mais de três anos como uma vitória e as tropas eram necessárias para impedir a queda do governo capitalista do Vietnã do Sul ameaçado pela Frente para a Libertação do Vietnã do Sul. Em 64 ocorreu um ataque a dois destróieres americanos no Golfo de Tonquim e em represália o governo se envolveu militarmente na guerra que já era travada anteriormente. O contexto da Guerra Fria ajuda a entender melhor o conflito em questão. Chineses e soviéticos apoiavam logisticamente e forneciam armas aos comunistas e os americanos enviaram tropas pensando encontrar poucas dificuldades em combate e salvar o país do “império comunista do mal e preservar os valores democráticos”. “Apelo a solidariedade dos países irmãos: Prezado Camarada presidente, Tenho a honra de chamar sua atenção para a guerra de agressão que os imperialistas norte-americanos estão fazendo em nosso país, o Vietnã. [...] Até agora, materializando a sociedade internacional, o povo e o governo (do país irmão destinatário) mantiveram de todo coração e ajudaram nosso povo, na luta contra os imperialistas agressores norte-americanos, a savalguardar sua independência e sua liberdade. Em nome do povo vietnamita e do governo da República democrática do Vietnã, faço questão de exprimir aqui nossa profunda gratidão ao povo e ao governo (do país irmão destinatário). Diante da situação extremamente grave criada no Vietnã pelos EUA, estou firmemente convencido de que o povo e o governo (do país irmão destinatário) reforçarão seu apoio e sua ajuda à justa luta de nosso povo, condenarão energicamente as hipócritas manobras de paz do governo dos EUA e impedirão a tempo qualquer novo e pérfido ardil norte-americano no Vietnã e na Indochina. Aproveito esta ocasião para lhe renovar, prezado camarada presidente, a garantir da minha maior consideração.”9 9 Mensagem aos chefes de Estado da URSS, da República Popular da China e dos outros países socialistas escrita por Ho Chi Mihn em 4 de janeiro de 1966. cit in: LLOYD, Dana Ohlmeyer. Ho Chi Mihn. Nova Cultural, Sao Paulo, 1987. 16 A partir daí podemos partir para uma breve análise da estratégia norte-americana conforme a descrição do General Palmer Junior. Para ele a estratégia era composta de duas partes, sendo a primeira relacionada a uma ofensiva diplomática no Norte com o objetivo de tomar Hanói (capital deste, também chamado de República Democrática do Vietnã) e fazer com que Ho Chi Minh desistisse de tomar o Vietnã do Sul e a segunda relacionada com a luta no solo sul-vietnamita. O primeiro recurso utilizado na investida militar foi o da ofensiva aérea, que gerou tantas discussões quanto a demora para a utilização de tropas terrestres. Essa estratégia tinha muitas falhas, o que enfraquecia a ofensiva norte-americana. As ofensivas aéreas não atingiam seus objetivos como um todo, pois não faziam cessar o fluxo de homens e materiais que abasteciam os vietcongues. Os efeitos colaterais também foram grandes, pois com a ofensiva aérea a Hanói, o Vietnã do Norte ganhou espaço e pode se utilizar da propaganda negativa da guerra a seu favor. O combate no Vietnã evidenciava a necessidade de estratégias de guerra modernas, bom planejamento nos ataques e sobretudo coordenação entre as tropas em terra e as diversas forças de combate aéreo. Este último sinalizou uma grande dificuldade para os Americanos e seus aliados: os ataques eram descentralizados, havia grande dificuldade em coordenar as muitas e simultâneas frentes de batalha, além de problemas de comunicação entre a marinha - responsável pelos ataques costeiros - e as forças aéreas, que normalmente não treinavam juntas e tinham doutrinas, procedimentos operacionais e sistemas de comunicação e equipamentos muito diferentes. A mais notável inovação militar empregada no Vietnã foi o aprimoramento e a introdução do helicóptero para diversos fins. Esse tipo de armamento esteve envolvido praticamente em todas as funções militares – comando, controle, reconhecimento, mobilidade das tropas, socorro de feridos, transporte de suprimentos, assim como em missões de todo tipo. Em algumas unidades de combate os helicópteros substituíram os veículos terrestres, pois não enfrentariam qualquer obstáculo em sua locomoção. Conduto, tropas na terra capazes de marcharem longas distâncias e de sobreviver em condições precárias não poderiam ser totalmente substituídas. As forças aéreas já estavam presentes no Vietnã mesmo antes da década de 60 a fim de oferecer apoio ao Vietnã do Sul e treinar as tropas desse país para ataques aéreos antes que os primeiros grupamentos terrestres chegassem à região. O inimigo tinha boas defesas, tanto aéreas quanto navais. Além disso, os ataques americanos não reduziam a capacidade de organização do Vietnã do Norte. O país tinha tradição e capacidade para enfrentar longos conflitos. O Vietnã do Norte baseava sua tática de guerra no confronto direto e aos olhos dos estrategistas americanos poderiam resistir indefinidamente, 17 desde que tivessem homens, armas e suprimentos. Estes, por sua vez, eram garantidos pelas rotas terrestres que ligavam o Vietnã do Norte a China e a União Soviética. A partir daí os Estados Unidos da América (EUA) perceberam que o Vietnã do Norte não estava vulnerável a um bloqueio naval. O serviço de estratégia e inteligência norte-americano falhara em diversos momentos da guerra. Muitas vezes não houve esforços disciplinados para proteger a comunicação de informações sobre os planos e estratégias de guerra e sobre outras questões militares. As ofensivas americanas foram prejudicadas por esses descuidos: mensagens deixavam de ser codificadas, o que dava aos norte-vietnamitas acesso aos planos de movimentação e as estratégias de ataques aéreos. Um outro fator que intervirá nos planos norte-americanos foi a estratégia vietnamita de resistência passiva. Como conseqüência os americanos não podiam liquidar seu inimigo de forma rápida. Apesar do enorme número de baixas, os Vietcongues construíram suas forças no sul. Estes tinham grandes recursos humanos e podiam calcular a duração das batalhas e seu numero de perdas. O combate do Vietnã deveria usar pequenas unidades, com poucos soldados e o armamento pesado devia ser eliminado para facilitar a locomoção das tropas. Essa iniciativa se fazia necessária porque armamentos pesados e tanques blindados só poderiam ser utilizados nas estações secas. Contudo havia tropas desse tipo no território Vietnamita com o objetivo de penetrar no território e buscar o inimigo em suas bases. Em contrapartida a mobilidade aérea poderia ser largamente explorada. O autor Ihich Nhat Hanh destaca o interesse dos americanos pela idéia das “aldeolas estratégicas”, que tinham como objetivo agrupar a população em uma área de certa proteção e proporcionar-lhe serviços sociais que pudessem melhorar suas vidas desenvolver a noção de cooperação. Todavia, as pessoas eram reunidas nas aldeias contra suas vontades, e o conceito geral da aldeia transformou-se um conceito militar. As aldeolas foram criadas para manter os Vietcongues à distância, a fim de que os aldeões pudessem viver sem serem “intoxicados” pelos comunistas. Até o Vietnã as tropas estavam preparadas para lutar com armamentos sofisticados, como costumavam ser as “guerras mecanizadas” na Europa. Adaptar a guerra às condições e ao terreno vietnamita foi uma grande dificuldade para os americanos: era preciso desenvolver uma máquina de guerra capaz de lutar em cenário muito diferente do Europeu sem perder a capacidade de combate neste. A estratégia de resistência passiva levou a uma perda de um grande numero de forças no Vietnã do Sul. A missão americana de defender o Vietnã do Sul e de atacar o inimigo onde quer 18 que ele pudesse aparecer trouxe efeitos devastadores nas demandas humanas e de material dos EUA. A geografia vietnamita e a configuração de suas estradas – normalmente corriam paralelas a costa – agravavam a vulnerabilidade dos EUA. As forças vietnamitas baseavam-se nas fronteiras e nas áreas montanhosas, mas não estavam longe nem tinham dificuldades de atingir as áreas povoadas. Usando os rios e as estradas as forças vietcongues tinham fácil acesso aos centros populacionais e estradas principais, e daí atacar. Os EUA não esperavam que o conflito fosse se prolongar tanto. Tal fato fez com que o número de oficiais do exercito americano crescesse de 950000 soldados em 1964 para 1.550.000 em 1968 a fim de suprir das demandas no Vietnã. Desses soldados cerca de 725.000 estavam no exterior, principalmente no Vietnã e na Coréia e aproximadamente 825.000 permaneciam em território norte-americano. A maioria dos novos oficiais eram jovens sem treinamento ou experiência militar, o que levou a uma diluição dos oficiais experientes entre as diversas frentes de batalha. O número de reposições necessárias no Vietnã só fazia crescer à medida que o conflito se intensificava. Cerca de um terço (aproximadamente 250.000 soldados) dos oficiais americanos envolvidos na guerra não tinham qualquer treinamento militar básico e não estavam preparados para integrar as unidades de confronto. 10 Mesmo com um investimento massivo de forças americanas e aliadas no Vietnã, a guerra parecia interminável. Era frustrante para os soldados destruir sempre a mesma unidade inimiga em batalhas que pareciam ser sempre no mesmo lugar. Ao invés de mobilizar e concentrar suas tropas, os EUA expandiam-nas à medida que a guerra se intensificava. Essa estratégia resultou na depreciação das forças americanas, não só no Sudeste de Ásia, bem como na Europa. Como não era possível demonstrar progressos a partir da conquista de territórios o indicador mais usado para demonstrar como ia guerra era a contagem de mortos e de feridos. No entanto, era difícil demonstrar aos Americanos e aos aliados o número de inimigos mortos, assim como havia dificuldades em demonstrar claramente que os ataques conseguiam algum progresso. A imprensa nos Estados Unidos não titubeava em divulgar isso, insuflando ainda mais a opinião pública contra o conflito. O objetivo da guerra era defender o status quo anterior no Vietnã do Sul. A intervenção americana deveria devolver as capacidades de defesa da região frente a uma invasão do norte. A permanência americana deveria ser curta, com operações rápidas e com a finalidade de garantir a estabilização do Sul. 10 JR., General Bruce Palmer. The 25-year war. America´s militar role in Vietnam. The University Press of Kentucky. Kentucky, 1984. (p. 169). 19 Havia no Vietnã o objetivo de eliminar os líderes Vietcongues (líderes comunistas que lutavam pela reunificação do Vietnã), no entanto era grande a dificuldade em distinguir as forças vietcongues regulares da população comum, o que ocasionou muitas baixas entre civis. Normalmente o que havia era uma estimativa do número de mortos. Do lado Vietnamita não se pode julgar os efeitos das perdas sob valores ocidentais. Durante a batalha os americanos puderam perceber que os vietnamitas tinham controle sobre o número de combatentes mortos. Muitas vezes as tropas recuavam para retornarem ao combate, alguns meses mais tarde. A realidade é que as forças Vietcongues foram subestimadas, sobretudo no que diz respeito a sua capacidade de permanência no front de batalha. Sua capacidade de recuperação e de absorção de vítimas em um número inimaginável para os americanos, repor pessoal, os treinando e os doutrinando era extraordinária. Essa capacidade de renovação, associada a um eficiente serviço de inteligência demonstrava que os vietnamitas poderiam enfrentar a guerra por tempo indeterminado. O Vietnã do Norte lutava em prol da manutenção daquilo que eles consideravam certo, e para tal qualquer meio utilizado seria justificável. Para eles o quanto mais longa fosse a guerra, mais persistentes ela os tornaria. Reunir combatentes não parecia ser um problema e, além disso, a divulgação do número de mortos e feridos do lado vietnamita parecia atingir muito mais a sociedade norte-americana do que os Vietcongues ou a população do Vietnã do Norte. Muitas vezes os americanos utilizaram mais armas e artefatos militares que o necessário ou seguro para as proximidades com áreas povoadas. Além do desperdício de armamentos, vidas civis foram colocadas em risco desnecessariamente, o que agravara ainda mais a imagem da guerra. Por outro lado os EUA estavam plenamente convencidos de que sua superioridade tecnológica, militar e industrial, sua moderna organização militar, táticas e técnicas, além de sua tradição na resolução de conflitos internacionais traria sucesso na campanha do Vietnã. Poucos americanos entendiam os verdadeiros motivos da guerra e não sabiam que encontrariam no Vietnã uma forma de fazer a guerra – guerra de guerrilhas – que para eles não era a convencional. A estratégia Vietcongue baseava-se em seus objetivos de manter seu domínio e tornar comunista o Vietnã reunificado, além de dominar e levar o comunismo ao Laos e ao Camboja. Em segundo lugar estava o objetivo de afastar da região a influência norte-americana através da derrota de suas forças e impondo condições e custos inaceitáveis para a política, economia, sociedade dos EUA. Os esforços voltavam-se para a intenção de esgotar os americanos por conta de um confronto prolongado e aumentar seu custo com materiais para a guerra. Somado a isso estava a propaganda de que a ofensiva americana era imoral, ilegítima, uma guerra de fortes contra fracos: um pequeno país que desejava sua reunificação sob um governo. Os objetivos 20 vietnamitas iam bem mais além que os limitados objetivos norte-americanos. Foi essa limitação que forçou os EUA e seus aliados a lutarem da forma que os Vietcongues determinava, nas áreas que eles escolhiam, e no território do Vietnã do Sul. Os Estados Unidos sem dúvida alguma estavam em sérias desvantagens políticas e psicológicas frente à guerra. Os aliados europeus não os apoiaram possivelmente em represália a falta de apoio norte-americano nas guerras pela independência de das colônias Européias. Os EUA receberam apoio apenas de seus aliados no Pacífico. Sob a acusação de colonialismo, os EUA ficaram vulneráveis a propaganda negativa da guerra e perderam apoio popular tanto em seu território quanto no exterior. O Vietnã do Norte se utilizou do fato a opinião pública mundial estar contra os Estados dados os excessos do conflito. A população acompanhava diariamente as novidades da guerra pela televisão o que acarretou no conhecimento da real situação americana: combate injusto, os armamentos usados pelos USA eram superiores tanto em quantidade como em qualidade e mesmo assim estavam perdendo para um dos países mais atrasados do mundo. A repercussão da Guerra pelo mundo pode ser demonstrada com o exemplo da América Latina, onde setores jovens mais politizados queriam seguir o exemplo vietnamita contra o domínio imperialista, apesar da divulgação do confronto ter dado abertura também para movimentos pacifistas com discursos que enfatizavam os direitos humanos e a autonomia dos povos. Tais movimentos abriram caminhos para outros como protestos de negros e outras minorias e movimentos de contracultura. Nos EUA o movimento pelos direitos dos negros encontrou em Martin Luther King, seu líder e posteriormente mártir a confluência entre a luta racial e a oposição à guerra. Tal fato encontrava fonte de inspiração nos negros que estavam na linha de frente nos campos de batalha. Para Luther King essa era “uma das guerras mais sem sentido da História”. A princípio a ofensiva norte-americana no Vietnã correu bem, contudo, a partir de 1972 a qualidade das operações caiu consideravelmente, tanto por problemas no comando das operações quanto por reflexos nas atitudes dos soldados. Nesse mesmo ano o jornal The New York Times publica os “Pentagonon papers”, uma documentação ultra secreta provando que tanto os militares como os ex-presidentes tinham mentido sistematicamente ao Congresso a respeito das razoes para intervir no Vietnã. Em agosto de 1973 esforços diplomáticos entre Paris e o Congresso americano conseguem um acordo de paz, no qual os Estados Unidos comprometem-se a não empreender ações militares no Vietnã do Norte. Esse acordo é violado em janeiro de 1975 com o ataque 21 norte-americano acima do paralelo 17º. Os vietcongues respondem com uma ofensiva que leva a rendição do Vietnã do Sul assinada em 30 de abril de 1975. Apesar do fracasso do confronto, os Estados Unidos acreditam que se não tivessem atacado o Vietnã do Norte em 1965, o Vietnã do Sul não teria resistido, levando ao rápido triunfo dos objetivos dos Vietcongues. Além disso, a Guerra do Vietnã teria contribuído para reafirmar a presença norte-americana no Pacifico Oriental, assim como a de seus aliados, especialmente o Japão, a República da Coréia e Taiwan, além da Austrália e da Nova Zelândia, que segundo o General Palmer Junior, “puderam prosperar sob nossa segurança durante o período” do conflito. 11 Durante a guerra foram usadas 15 milhões de toneladas de munição e foram destruídos 3.689 aviões e 4.857 helicópteros. O exercito sul vietnamita perdeu 223.748 homens do lado oposto não há números exatos, mas estima-se que tenham morrido 440 mil soldados do norte. Infelizmente as maiores perdas registram-se entre os civis: 4 milhões de mortos e 300.000 desaparecidos. Do lado americano calcula-se que o número de vítimas chegue a 57.000 e ainda hoje são dados como desaparecidos 2.000 homens. Para o Palmer Junior, antes de tudo a guerra foi perdida nos níveis estratégico, diplomático e na política interna. Além disso, a derrota final para as forças do Vietnã do Sul foi acima de tudo e natureza tática e militar. Para ele os militares profissionais americanos têm muito que aprender com a trágica experiência do Vietnã, pois perceber as lições deixadas por esse conflito podem representar a diferença entre vencer ou perder uma guerra futura. 12 A Guerra no cotidiano dos Vietnamitas Era nas cidades que viviam intelectuais, humanistas e líderes religiosos, que apesar de não se declararem como “anticomunistas”, eram, na realidade, as mais poderosas forças não comunistas do Vietnã do sul. Como não apoiavam o governo, eram muitas vezes tachados de “comunistas”, e, da mesma forma como em outros países, este era o caminho mais fácil para impossibilitar-lhes uma ação efetiva. Muitos foram difamados, perseguidos e exilados, e os que foram poupados viviam em constante perigo. As cidades foram também o abrigo dos que se aproveitavam do anticomunismo e da guerra. Desde que a guerra se tornou preocupação nacional no Vietnã, as diferentes profissões 11 JR., General Bruce Palmer. The 25-year war. America´s militar role in Vietnam. The University Press of Kentucky. Kentucky, 1984. (p. 173). 12 Idem, p. 171 22 que a serviam eram numerosas e rendosas. Muitos vietnamitas trabalhavam em diversos serviços para os americanos, nas suas bases, nos seus campos, nos seus quartéis e em muitas outras ocupações; as terras eram preferencialmente alugadas para americanos, pois o lucro obtido com este arrendamento era maior; bares, salões de danças e restaurantes surgiam para servir os estrangeiros; o número de prostitutas crescia diariamente; ao mesmo tempo que o consumo aumentava, com a chegada demais tropas, o suprimento diminuía, devido à destruição das chácaras e dos sítios pelos bombardeios e outras operações militares; a fome era uma realidade avassaladora. Outro grande grupo nas cidades era formado pelos camponeses que fugiram de seus lares ancestrais, abandonando seus bens e terras, pois suas plantações eram destruídas tanto pelos americanos como pelos próprios sul vietnamitas, como uma medida de guerra para evita que o inimigo delas se apodere. Havia também nas cidades uma nova classe suburbana, que vivia afastada dos conflitos, trabalhando no comércio ou como funcionários, e cuja recém-adquirida prosperidade desapareceria como fim da guerra. Progressivamente foram surgindo na região vietnamita movimentos ligados a grupos de professores universitários, médicos, advogados e jornalistas que defendiam o fim da guerra. No entanto, qualquer um que fosse a favor da paz estava sujeito à repressão, ao exílio ou ao aprisionamento. Constantemente, americanos e os governos sul-vietnamitas silenciavam estas vozes, pois oficialmente os Estados Unidos ali estavam a convite dos vietnamitas, para os salvar do comunismo; e esta razão oficial não poderia deixar transparecer toda sua falsidade para o restante do mundo. O Pós Guerra no Vietnã e no Mundo Além da difícil tarefa de reorganizar um país totalmente devastado por uma guerra prolongada e que servira de laboratório para testar as armas mais recentes das grandes potências, o governo socialista defrontou-se com os problemas de integração das diferentes minorias nacionais, com a continuidade do mercado negro e da corrupção. O período que se seguiu à guerra foi difícil e trágico; lutas pelo poder, repressão e perseguições políticas, vinganças, desastres econômicos, coletivização forçada da agricultura, divergências entre os intelectuais dirigentes e religiosos, campanhas anti-capitalistas contra bens e propriedades da comunidade chinesa. O estado de guerra com a China durará de 79 a 92 quando é assinado um tratado que põe termo à situação e o país inicia um período de paz. 23 As tentativas de recuperar uma economia predominantemente agrícola, através da mecanização das lavouras, de projetos de irrigação e reflorestamento, foram dificultadas por inundações que destruíram sucessivas colheitas, obrigando o país a aumentar em grande número suas importações. Nessa medida, surgiram divergências dentro do Partido Comunista quanto à eficácia dos planos qüinqüenais, pois alguns dos dirigentes passaram a defender a “abertura para o ocidente” nos moldes da reforma elaborada pela China: - permissão para investimentos privados; - autorização para a associação de cooperativas agrícolas que trabalhem em benefício próprio, desde que aumentem a produtividade; - atração de investimentos estrangeiros. Em 1986, na iminência de um colapso de abastecimento, formou-se um novo governo que, depois de promover um expurgo partidário e afastar as velhas lideranças, colocou em prática tais projetos econômicos. Além disso, milhares de presos políticos, confinados em “campos de reeducação” desde a queda de Saigon, começaram a ser libertados. Por outro lado, a ameaça de fome, somada aos conflitos políticos internos, fez com que inúmeros vietnamitas fugissem do país em barcos, buscando asilo em áreas vizinhas como Hong Kong, Malásia e Tailândia. Atualmente, a política vietnamita continua sob rígido controle do Partido Comunista, mas a abertura econômica já é uma realidade no país. As tropas americanas abandonaram o Vietnã, mas foi preciso mais de 20 anos para que a relação entre as duas nações se normalizassem. Em 95 termina e embargo econômico americano e dá-se início a primeira representação diplomática dos Estados Unidos em Hanói. È também a partir daí que o governo vietnamita passa a atrair importantes investimentos internacionais. Era o que faltava para a economia tomar impulso. 24 Referências Bibliográficas CHOMSKY, Noam. Camelot: os anos Kennedy. São Paulo: Scripta Editorial, 1993. FILHO, Daniel Aarão Reis; FERREIRA, Jorge; ZENHA, Celeste (org.). O século XX – O tempo das dúvidas. Do declínio das utopias às globalizações. Vol III. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2000. HANH, Ihich Nhat. Vietnã, Flor de Lótus em Mar de Fogo. Ed. Paz e Terra. Rio de Janeiro, 1968. HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos – O breve século XX: 1914-1991. Companhia das Letras, São Paulo, 1995. JR., General Bruce Palmer. The 25-year war. America´s militar role in Vietnam. The University Press of Kentucky. Kentucky, 1984. LLOYD, Dana Ohlmeyer. Ho Chi Mihn. Nova Cultural, Sao Paulo, 1987. RINALDI, Paolo. Vietname - Os Lugares e a história. Editorial Verbo, 2000.
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