Articulação e memória
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Articulação e memória
Articulação e memória O espaço público contemporâneo através dos planos de duas cidades costeiras em Portugal (1942 e 1969) EURAU’12 The objectives of the communication are to demonstrate the functional programs that are the basis of the plans and the types and scales of public spaces and buildings that result of its design and implementation. We intend to contribute to the understanding, through two relevant examples, of the background of contemporary coastal urbanization in Portugal and to what extent this is a more or less direct product of urban concepts in use in the middle of last century. The interpretation of these results will seek to demonstrate the importance of knowing the history of urban design at each location in contemporary interventions in the public space, demonstrating its usefulness in the articulation of proposals with the existing context, contributing to a more integrated space in terms of morphology and to a better construction of the collective memory in each place. Public, Space, Coast, Urban, Design, History Ricardo Gil Pereira Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto – Estudante de Doutoramento [email protected] 00351 919300455 “Desgraçados de nós se na praia, na pequena casa isolada e tranquila, frente a frente com o austero oceano, não comprehendemos de um modo novo, por algum tempo ao menos, o dever, a felicidade, a família, a responsabilidade dos nossos actos, o nosso grave destino de creaturas humanas! Desgraçados, se à beira do mar, onde vamos reconstituir tanto o organismo como o systema moral, nós prolongamos os actos frívolos da vida sem rumo, de ostentação, de leviandade e desordem, que passamos n’um inverno patusco, ôco e desprezível (…)” Ramalho Ortigão, As Praias de Portugal, Guia do Banhista e do Viajante, 1876 Este excerto de texto não faz justiça ao humor e à qualidade do escritor, mas exemplifica dois modos de vivência da vilegiatura balnear que desde cedo estão relacionados com modelos urbanos distintos. Um remete para uma ideia de transcendência do espaço da vilegiatura e de esta dever constituir um período de reflexão, outro para a ideia da praia como um período de divertimento mundano. Quando procurámos dois exemplos do impacto dos modelos urbanos dos meados do século XX no desenho da cidade contemporânea, quisemos que os mesmos reflectissem também essa diferenciação. Essa foi a razão para a escolha de Moledo do Minho, no extremo norte de Portugal, e Monte Gordo, no extremo sul. O seu afastamento geográfico, a sua escala diversa, a separação temporal dos planos que mais tiveram influência nos aglomerados já seriam, por si, relevantes para esta escolha, mas a formação dos seus autores e o tipo de vivência urbana preconizada, tornam-nos ideais para esta exploração. O que procuramos não são modelos exemplares de cidade balnear ou resultados urbanos excelentes, mas entender de que modo a história das ideias e a prática, no desenho urbano, influenciaram o espaço público contemporâneo, ainda que isso não seja facilmente apreensível, dada a não exacta coincidência da forma urbana actual com o desenho. 1. Espaço público contemporâneo 1.1 Moledo Quem visitar a Praia de Moledo, embora fique com a percepção de uma estância balnear qualificada, não deixará de verificar a sua diversidade de tecidos urbanos. A sul apresenta um traçado denso de malha regular, com edificações à face da rua. Outra zona, de moradias, com menos densidade, envolve uma praça central. Finalmente, a norte, uma zona de baixa densidade, com terrenos arborizados com pinheiros, faz a transição para a Mata. Fig. 1 Também na marginal essas 3 zonas se diferenciam. Na primeira trata-se de uma rua, estreita e apenas suficiente para trânsito de veículos e estacionamento. Na parte central uma plataforma larga foi aproveitada para parque de estacionamento. Um muro de pedra bordeja a via e faz a transição entre o espaço público construído e o areal. Escadas de hierarquia diferenciada estabelecem a relação física entre as duas partes. A norte este muro interrompe-se bruscamente, para dar lugar a uma duna plantada que esconde uma pequena via de acesso às moradias inseridas no pinhal. 1.2 Monte Gordo Monte Gordo é mais complexo. Na malha urbana existe, de poente para nascente, uma gradação de tecidos cada vez menos densos. Numa primeira parte, ligada às origens piscatórias do aglomerado, existe uma trama densa e irregular de arruamentos com edificado de pequena dimensão. Na zona central existe uma malha de quarteirões com edificado com 4/5 pisos e a nascente uma malha menos densa conjuga edifícios isolados em altura com moradias. Fig. 2 Na marginal encontram-se pontualmente edifícios em altura, um dos quais com 20 pisos. Esta, embora mais unitária em termos de desenho, tem aspectos incompreensíveis. Enormes parques de estacionamento marcam o atravessamento pedonal entre o aglomerado e o areal. Um grande passeio encosta-se às casas, longe do plano da Praia. Esta leitura complexa ocorre em inúmeros lugares, mas pomos como hipótese que algumas condições se reúnem neste tipo de colonização, que a tornam mais presente: - Não existe uma ocupação do solo ditada por um meio social homogéneo que dite uma morfologia urbana característica – embora fosse esse o caso na maioria dos aglomerados piscatórios pré-existentes. - Existe sim, uma oposição entre esses núcleos originais mais característicos e as múltiplas formas da parte balnear. - As estâncias balneares foram, na maioria, objecto de planos, embora muitas vezes modificados. A explicação morfológica dos tecidos não reside tanto na vontade colectiva, como na cultura urbanística dos que elaboram os planos. - O sistema de planeamento, nas 3 décadas centrais do século XX (Lôbo, 1995.223), não atribuía um carácter vinculativo aos planos, pelo que se verifica que embora com uma base desenhada, o que era realmente executado poderia ser decidido caso a caso. - Existe uma sucessão de planos em cada aglomerado, nem sempre sequentes e interligados, que tornam difícil uma leitura unitária. Sendo estas hipóteses meras leituras empíricas da realidade que se conhece de alguns destes lugares, torna-se importante analisar de forma cuidada os exemplos escolhidos para confirmar ou desmentir estes pressupostos. Em cada lugar, embora se aborde a sucessão de planos existentes nas décadas de 40 a 60, analisam-se apenas o que, em cada caso, mais contribuíram para o carácter e forma que o mesmo tem hoje. 2. Moledo (plano de 1942 de David Moreira da Silva) 2.1 História e antecedentes de planeamento Alves (1985.36) cita o livro “Estado das Pescas em Portugal” de 1891, onde a praia de Moledo é referida como local de apanha de sargaço, com “grande número de casas e telheiros”. Existiriam cerca de 300 pessoas dedicadas a esta actividade, entre os próprios lavradores que apanhavam o fertilizante para utilização própria e as pessoas que se dedicavam exclusivamente a este trabalho para venda. O mesmo autor (1985.210), refere que o desenvolvimento da actividade balnear e o desenvolvimento urbano da praia terá sido iniciado em meados do século XIX, sob a iniciativa de António Manuel Alves do Casal, não referindo no entanto os moldes em que se processou. A construção da E.N. em 1857 e do Caminho-deferro em 1878 terão reforçado a importância da Praia. No início do século XX o Dr. Arnaldo de Sousa Rego, presidente da Câmara de Caminha, terá dado um impulso definitivo ao desenvolvimento da estância balnear, através de obras de infraestruturação. Em 1929, Carlos Ramos elabora um Plano Geral de Melhoramentos para Moledo do Minho (Lôbo, 1995.113). O plano não tem em consideração a edificação existente. A sua estrutura ortogonal apenas é perturbada pela existência de dois eixos diagonais: um é a própria marginal, o outro uma rua perpendicular a esta que divide o aglomerado proposto em duas partes. A tipologia dominante é a moradia isolada. Os equipamentos propostos localizam-se nos extremos do aglomerado. 2.2 Contexto existente, encomenda e autor O aglomerado apresenta na data do plano apenas uma malha regular de ruas, com edificações construídas à face das mesmas. O plano foi encomendando pela Direcção de Hidráulica do Douro, responsável pela gestão costeira no norte de Portugal. A razão fundamental do planoi terá sido o facto de se considerar que as obras de protecção do aglomerado em relação ao mar, através de paredão, deveriam ser orientadas por plano que definisse as linhas futuras de desenvolvimento. A razão provável para encomenda do plano a David Moreira da Silva terá sido o facto de ser no norte de Portugal a única pessoa com formação específica em urbanismo. O arquitecto frequentou o curso de arquitectura no Porto. Estagiou em Paris no atelier Laloux-Lemaresquier e candidatou-se à Escola de Belas Artes de Paris, onde foi admitido no curso de Arquitectura, tendo-se inscrito também no Instituto de Urbanismo da Universidade de Paris. André Tavares (2009.9) assinala a importância dos debates em curso na época como determinantes para a evolução da arquitectura e do desenho urbano nas décadas seguintes em Portugal, ainda que não propriamente protagonizados por este autor. As propostas de modernidade oscilavam entre uma visão determinista, personificada por Le Corbusier, e uma visão que adoptava a perspectiva de uma evolução urbana gradual. Esta era a visão de Marcel Pöete, orientador da tese final de Moreira da Silva e que perpassa em todo o documento do futuro urbanista. Mas, para o que pretendemos analisar, a influência mais importante reside em Henri Prost, que elaborou em 1922 o “Plan d’aménagement de la Côte d’Azur”, onde se estrutura uma região costeira para o turismo balnear, tendo em conta a mobilidade automóvel. Assim, David Moreira da Silva estuda detalhadamente os perfis tipo das marginais deste plano, utilizando os mesmos como modelos para a marginal que propõe para Moledo. Nos apontamentos sobre o trabalho de Henri Prostii o autor esquiça um perfil transversal idêntico ao de Moledo, provavelmente quando prepara a proposta de plano. 2.3 Proposta Na caracterização do aglomerado existente, que consta na memória do plano, David Moreira da Silva critica a morfologia regular e ortogonal do traçado existente. A sua proposta, embora trabalhe com essa realidade existente, irá desfazer a sua rigidez geométrica. Por outro lado o autor critica também a prática da construção à face da rua, defendendo a construção isolada no lote. Fig. 3 A pequena rede de ruas ortogonais existente, embora integrada no conjunto geral como uma espécie de inevitabilidade, é completamente secundarizada na organização prevista. O acesso ao aglomerado é proposto através de duas vias que cruzam a linha férrea de forma desnivelada. A sul uma passagem inferior, a norte uma passagem aérea. Ambas formam o início e o fim do que o autor designa de “estrada de turismo”. Esta divide-se no entanto em dois tramos, um paralelo à praia, o outro perpendicular e que percorre de forma sinuosa os lotes de moradias. A partir do seu encontro, marcado por uma praça em forma de ferradura, nasce o passeio público marginal para norte, uma infra-estrutura muito larga que se prevê terminar abruptamente no limite do pinhal. A praça é o espaço público central. Está dividida em 2 partes: uma zona rebaixada frontal à praia e um casino em posição posterior e elevada. A malha restante, de habitação unifamiliar é, apesar de não ser ortogonal, bastante rígida. Existe em cada uma das ruas de moradias um “cul-de-sac”, não se conectando entre si. Apesar de o autor ter formação em urbanismo não existe propriamente a aplicação do modelo “Radburn”, apenas caminhos pedonais que ligam o final das várias ruas entre si, com a praia e com a mata, sem um espaço colectivo ou “green”. 2.4 Relação entre realidade produzida e objectivos A troca de correspondência entre a entidade contratante e o autor demonstra que, na época, apenas foi construído o muro de protecção. A sua realização foi parcial dado que a entidade responsável considerou a extensão prevista excessiva. Essa parte executada é a que ainda hoje se conserva. Contudo, a organização de arruamentos e a partição cadastral prevista no plano deve ter servido de orientação ao processo de urbanização das décadas seguintes. Embora se possa questionar a qualidade do desenho de Moreira da Silva não se pode negar a contribuição deste plano para a qualidade que se apreende actualmente. Temos que mencionar que a tipologia proposta, a moradia isolada no lote, e a arborização prevista, permitiram um espaço excepcional na escala e ambiente, também reforçados pela qualidade da Arquitectura de uma parte das moradias, para além da obra marcante (Fernandes, 2010. 404-412) no percurso de Siza, a casa Alves Costa. O plano de 1962, de Octávio Lixas Filgueirasiii, tem relevo na fixação e conservação do carácter do aglomerado. Este plano aproveitou as estruturas deixadas na zona central pelo plano de 1942 e tornou ainda menos densa a ocupação da zona de pinhal que faz, a norte, a transição para a mata. 3. Monte Gordo (plano de 1969 de Manuel Laginha e outros) 3.1 História e antecedentes de planeamento José Eduardo Horta Correia (1997.76), refere a existência de Monte Gordo desde a idade média, como aglomerado de pescadores. Quando Pombal decide regular a pesca da Sardinha e criar Vila Real de Santo António, é a actividade económica do lugar de Monte Gordo que sustenta a atracção de investidores para as companhias de pesca. Entra então num período de menor actividade e só verá novo surto de desenvolvimento no início do século XX, quando começa a ser procurada como estância balnear. Em 1933, Luis Cristino da Silva projecta um Casino (Fernandes, 1998.207), obra interessante do seu primeiro período modernista, que no entanto se encontra bastante adulterada por sucessivas modificações. Em 1941, o arquitecto elabora um plano para a marginal, enquadrando o Casino (Lôbo, 1995.108). O plano prevê o esquema transversal habitual para as marginais marítimas: via automóvel, plataforma pedonal ajardinada, passeio e muro de suporte. No entanto, nas 3 décadas seguintes, apenas foi realizado o próprio casino. O plano de 1961 e alteração de 64, de Paulo Cunha iv, vai trazer algumas características interessantes que depois se verão reflectidas no aglomerado, nomeadamente a introdução mais significativa das áreas de estacionamento no espaço público e a mudança de escala na edificação. Um esboceto de 1964, já realizado pelos autores do plano de 1969 v, insere-se nos estudos de detalhe do Plano Regional do Algarve, orientados pelo arquitecto Italiano Luigi Dodi, prevendo uma zona destinada a unidades turísticas, de grande densidade, a localizar a nascente do aglomerado. 3.2 Contexto existente, encomenda e autor O plano menciona um aspecto inacabado e feio do aglomerado, bem como as fotos que nele constam demonstram que na sua marginal o casino aparece como um objecto isolado no meio de uma plataforma ainda por infra-estruturar e plantar; mostram também a coexistência de edifícios pequenos com edifícios colectivos de 4/5 pisos, na zona marginal.vi O plano é realizado na sequência do mencionado Plano Regional do Algarve. A percepção de que o Algarve tinha um potencial enorme para o turismo balnear e a criação do aeroporto de Faro, motivaram a criação de instrumentos capazes de orientar o desenvolvimento turístico. Para planeamento detalhado de cada zona dividiu-se o território em partes que foram entregues a diversos gabinetes. A zona nascente foi entregue ao gabinete de Manuel Laginha, Pedro Cid e Vasconcelos Esteves. O autor que coordenou o plano, Manuel Laginha, foi funcionário da Câmara de Lisboa (1948-1952) e também da Direcção Geral dos Serviços de Urbanização (1952-1958)vii. Lôbo (1995.42) referencia também que, no âmbito desta última entidade, terá estudado temporariamente em Londres. A sua arquitectura aproxima-se do que se designa por “arquitectura internacional”. A sua abordagem urbana andará próxima, nos anos 50/60, do “urban renewal”. 3.3 Proposta Os objectivos do plano da zona, que inclui o de Monte Gordo, são claramente enunciados. Para além de objectivos relacionados com aspectos operacionais, vale a pena transcrever os dois primeiros: “– A estruturação do sector, tendo em vista (…) o aproveitamento intensivo do potencial turístico da zona. – A preservação dos valores naturais e humanos de maior interesse, nomeadamente as manchas de paisagem sensível, os terrenos agrícolas de maior produtividade e os núcleos urbanos de interesse histórico-monumental.” Um outro aspecto de relevo é o princípio enunciado da “ocupação do terreno com base nos núcleos existentes e em unidades de grande densidade. Este critério, que se traduz, no plano pelo aparecimento de concentrações de edifícios em altura (…), apresenta para o sector em estudo (…) vantagens: (…) economia de terreno, com a consequente salvaguarda de valores paisagísticos e agrícolas; economia de serviços e de equipamentos (…); obtenção de centros de vida intensa – diurna e nocturna – condição indispensável a uma zona de turismo cosmopolita.”viii Fig. 4 A forma proposta para o aglomerado é segmentada através das densidades propostas. Divide o plano em 4 sectores: - Um sector que pura e simplesmente não é objecto de desenho: o bairro de pescadores, a poente; - Um sector urbano denso, central, que constitui a maior parte do aglomerado; - Um sector de moradias isoladas, a nascente; - Um sector de moradias “dispersas na mata” que faz a transição para a zona não edificável; A franja de edificação frontal ao mar é objecto de tratamento especial, com a previsão de frente comercial e edifícios hoteleiros em altura, com impacto na leitura urbana. 3.4 Relação entre realidade produzida e objectivos A execução do plano terá sido eventualmente perturbada pela instabilidade política que se verificou no período posterior ao 25 de Abril de 1974. Não se poderá medir portanto a sua qualidade ou eficácia em função do resultado efectivo no terreno. No entanto o Plano tem uma influência significativa no tipo de desenvolvimento territorial que se produziu, onde existem aspectos positivos: - Este sector não assistiu a uma disseminação no território do edificado ligado ao turismo, permitindo a preservação de paisagens e construções tradicionais na zona interior. - Existe uma vida urbana intensa, com comércio de carácter local e algum espaço público qualificado. Outros têm um saldo negativo: - As plataformas de estacionamento constituem uma barreira urbana que desqualifica a utilização do espaço da marginal e interpõe-se nos percursos pedonais entre os arruamentos do aglomerado e a Praia. - A previsão de edifícios em altura foi fortemente prejudicada pela falta de qualidade dos projectos, provocando uma má imagem urbana. - Não realização dos equipamentos de esplanada de apoio à Praia, que continuam a ser assegurados por construções sem qualidades espaciais, prejudicando a relação visual da marginal para o plano de mar. 4. Leituras comparativas Apesar das eventuais diferenças de vivência urbana, escala e tipologias do edificado, quase nenhuma estância balnear dispensou o passeio público marginal, nomeadamente a sucessão de via para veículos, plataforma pedonal, muro de suporte e, finalmente, a praia. Estas não são excepção. A dualidade das actividades ocorrida nestes lugares, entre a actividade préexistente e a nova actividade balnear característica do pós-guerra, incrementada pela mobilidade automóvel, é evidente em termos morfológicos, por mais que as primeiras se encontrem agora em franca decadência ou estejam totalmente extintas. Isto é motivo para oposição e por vezes segregação dos núcleos tradicionais em relação aos sectores exclusivamente construídos para fins balneares. As formas urbanas são, nas ampliações, ditadas pelas ideologias urbanísticas, levando a que a interpretação dos modelos urbanos que continuam a marcar o espaço contemporâneo, obriguem a um estudo detalhado da história do desenho urbano, nomeadamente o estudo dos intervenientes em cada lugar. Embora os modelos urbanos definidos nos planos sejam determinantes para o resultado final, raramente existe uma exacta coincidência entre o desenho e a realidade, causando dificuldades óbvias na interpretação do lugar e obrigando ao estudo dos projectos do espaço público e da edificação, para obter uma leitura clara do processo urbano, processo quase arqueológico, mas provavelmente apaixonante para os que estão afectivamente ligados a cada sítio, ou por nele terem memórias, ou por se verem confrontados com a necessidade de o projectar. 5. Conclusão O perfil demográfico contemporâneo das sociedades ocidentais e a pressão liberal para a redução da carga fiscal cria uma erosão na capacidade dos estados democráticos terem políticas fortes de infra-estruturação urbana. A pouca dinâmica do mercado imobiliário impede também a intervenção privada, pelo que os paradigmas do projecto de espaço público têm que se adaptar rapidamente a este novo contexto de ausência de recursos. Não é desejável a diminuição da intensidade e segurança da vida urbana aberta e da vivência do espaço público que as sociedades sociais-democratas do pós-guerra permitiram. Mas a possibilidade de abandono do espaço público, da sua segmentação e privatização por alienação ou concessão, da falta de manutenção e segurança, podem levar a uma paranóia securitária que inevitavelmente levará a um caminho de autoritarismo político ou a uma nova “feudalização” da sociedade em comunidades muradas. O caminho, dentro de um programa de intervenção de recursos mínimos, passará eventualmente por potenciar, no espaço público, as características do lugar existente. Esta procura não deve ter nada de nostálgico ou de excessivamente respeitador em relação à história. Mas os seus objectivos devem ser claros: por um lado cingir a intervenção aos aspectos mais estritamente necessários aos objectivos de urbanidade estabelecidos para cada lugar, tornando a solução económica e exequível; por outro, tornar apreensíveis as qualidades urbanas de cada lugar, assegurando a continuidade, acabamento e articulação dos espaços, tendo em conta os novos modos de vivência urbana. Para estes objectivos serem possíveis é necessário ter um conhecimento detalhado da história de cada lugar em termos de desenho urbano. Como foi possível verificar, é relevante o processo e o conhecimento da sucessão de instrumentos, planos e projectos, que foram construindo a realidade de cada local. Essas ferramentas permitirão, com operações mínimas, articular e destacar as múltiplas secções espaciais de um dado lugar. Existe ainda uma vantagem que poderá ser relevante. O processo de pesquisa e de conhecimento da história do desenho urbano, se for realizado com o envolvimento da população local, permanente ou flutuante, poderá motivar uma maior participação cívica na definição, utilização e conservação dos espaços públicos, o que não é de desprezar num contexto em que, inevitavelmente, a iniciativa urbana terá que recair cada vez mais na sociedade civil. Esse caminho poderá ajudar a manter essa urbanidade aberta e livre que, cremos, a maioria desejará, face às ameaças que pesam cada vez mais sobre o espaço público contemporâneo, agravadas pelo clima económico recente. Bibliografia ALVES, Lourenço. Caminha e o seu concelho (Monografia). Caminha, Câmara Municipal, 1985. BRIZ, Maria Gonzalez. 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Biografia Ricardo Gil Pereira é arquitecto e formou-se pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP). Concluiu a Pós-Graduação em Planeamento e Projecto do Ambiente Urbano na mesma instituição, em 2003. Neste momento encontra-se a desenvolver tese de doutoramento na FAUP, sobre os planos realizados para as zonas balneares nas 3 décadas centrais do século XX. Para além de ter tido actividade docente na área do projecto, no Curso de Arquitectura da Escola Superior Artística do Porto, de 2002 até 2009, mantém uma actividade profissional permanente com a colaboração em escritórios de arquitectura ou de forma independente, desde a data em que se formou. Paralelamente tem desenvolvido actividade de investigação relacionada com o estudo da forma urbana, com destaque para a participação no programa de investigação e publicação “Cidade e Democracia” (2002-2005), coordenado cientificamente pelo Professor e Geógrafo Álvaro Domingues (FAUP), co-organizado pela Ordem dos Arquitectos - Secção Regional Norte, que procurou investigar a evolução urbana das cidades médias em Portugal desde o fim da ditadura, em 1974, até ao ano 2000 e também para a colaboração com o Prof. Arq. Fernando Brandão Alves - Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, nos Estudos de Caracterização da Forma Urbana do Plano Regional do Ordenamento do Território dos Açores (2005). A sua área de interesse actual prende-se com a importância histórica e impacto da cultura, formação e prática urbanística nos meados do século XX para a compreensão das formas urbanas e espaço público contemporâneo. i Ofício de 26 de Fevereiro de 1941, em resposta a um primeiro “esquisso” do plano, Fundação Instituto Marques da Silva. ii Apontamentos encontrados na Fundação Instituto Marques da Silva. iii iv v Fonte: Arquivo Histórico DGOTDU Fonte: Arquivo Histórico DGOTDU Fonte: Arquivo Histórico DGOTDU vi “Memória” do Plano do Sector Cacela-Vila Real de Santo António, p. 32. Fonte: Arquivo Histórico DGOTDU vii Informação da Câmara municipal de Loulé in www.cmloule.pt/menu/488/2007.aspx#manuel-laginha-1919-1985, 28/11/2011 viii “Memória” do Plano do Sector Cacela-Vila Real de Santo António, p. 27. Fonte: Arquivo Histórico DGOTDU