e-Terra As Águas de Santa Marta. Património hidrogeológico da
Transcrição
e-Terra As Águas de Santa Marta. Património hidrogeológico da
e-Terra http://e-terra.geopor.pt ISSN 1645-0388 Volume 18 – nº 22 2010 Revista Electrónica de Ciências da Terra Geosciences On-line Journal GEOTIC – Sociedade Geológica de Portugal VIII Congresso Nacional de Geologia _________________________________________________________ As Águas de Santa Marta. Património hidrogeológico da Ericeira Santa Marta Thermal Water. Hydrogeological heritage of Ericeira J. VELHO – [email protected] (Universidade de Aveiro, Departamento de Geociências) L. ANTUNES – (Universidade de Aveiro, Departamento de Geociências) RESUMO: Neste trabalho é abordado o património hidrogeológico das Águas de Santa Marta, na Ericeira, através da maneira como as águas foram utilizadas ao longo dos tempos. Faz-se uma breve descrição da geologia e do controlo estrutural da zona bem como uma caracterização hidroquímica. Finalmente, descreve-se a história da exploração das águas até à actualidade. PALAVRAS-CHAVE: Ericeira, Património, Hidrogeologia, Termas, Águas. ABSTRACT: Hydrogeological heritage of Ericeira, named Santa Mart Water, is analyzed. They are located near the sea and they are known for a long time. This paper describes the main geological features of the region as well as the main structural control of water circulation. Geological characteristics, water chemical analysis, related to diapiric tectonic, and the story how man exploit these interesting springs is also analyzed. KEYWORDS: Ericeira, Heritage, Hydrogeology, Spa, Water. 1. INTRODUÇÃO As Águas de Santa Marta localizam-se na Ericeira, junto ao mar e afloram nos calcários e margas do Albiano (Cretácico). Conhecidas há milhares de anos, foi no final do séc. XIX que começaram a ser objecto de exploração com vista ao seu aproveitamento termal. As águas possuem características únicas no panorama hidrológico nacional mas nunca foram devidamente aproveitadas estando reduzidas a uma mina visitável integrada num parque de lazer. Devido ao seu historial, estas águas constituem um importante património hidrogeológico que é parte integrante da história da Ericeira e cuja memória deveria ser relembrada aos visitantes. 2. BREVE HISTORIAL DA ACTIVIDADE TERMAL A Água de Santa Marta foi descoberta por António Lopes da Costa, no ano de 1896, utilizando-a para consumo próprio. Ao verificar que, após beber a água, apresentava melhoras de uns achaques, atribuiu-as à água de sabor um pouco estranho e a 20 de Janeiro de 1898, por Alvará Régio, foi-lhe concedida a concessão das águas. A primeira análise química foi realizada em 28 de Janeiro de 1897, por C. von Bonhorst que a classificou como sendo mesossalina, cloretada sódica, nitro-sulfo-carbonatada à qual foram atribuídas propriedades terapêuticas em gastrites hipopeptídicas, litiase urinária, cistite albiminúria, diabetes, anemias e estados artríticos, blenorragias, linfatismo, escrofulose, tuberculose incipiente, hemorroidal e ainda possuía efeitos tónicos laxativos e diuréticos (figura 1). A estância de Santa Marta não passou de modesta 1(4) e-Terra Volume 18 – nº 22 | 2010 VIII Congresso Nacional de Geologia instalação hidromineral onde a água era bombeada num poço coberto. Existia um pavilhão de resguardo para os aquistas e para a recepção da água. Ao lado, havia uma pequena edificação que servia para o engarrafamento da água. Estendia-se um parque com parca vegetação onde se exercitava o “crocquet” e os jogos de “law-tennis” associado a exercícios de ginástica para crianças. Um mirante coberto e guarnecido de assentos proporcionava aos visitantes uma esplêndida paisagem marítima. Figura 1 - Primeiras análises química e bacteriológica realizadas às águas de Santa Marta. Em 1919 procedeu-se à passagem da concessão para a empresa Beirão Magalhães & Cª que veio dar um novo mas pouco duradouro alento à actividade termal. Pequenos melhoramentos foram realizados e é neste contexto que é solicitada uma segunda análise química, realizada por Charles Lepierre, em 1920. Este classificou-a como sendo água hipotermal, mesossalina, cloretada sódica, muito nitratada, sulfo-carbonatada, iodada, fluoretada litínica referindo-se a ela desta forma “(...) constitui manifestamente um novo tipo de água ainda não encontrado na hidrologia portuguesa e mesmo estrangeira. É bastante radioactiva”. Em 1936, depois de ter mudado de concessionário, a concessão é transferida para a companhia “Águas de Santa Marta, Lda.”. As termas voltaram a animar-se tendo-se conseguido formar um pólo de atracção turística balnear. Construiu-se um balneário moderno e enfatizou-se a acção das águas sobre o linfatismo e o escrofulismo mantendo as outras indicações terapêuticas. Ofereceram-se banhos salgados quentes para o tratamento do reumatismo. Na década de 30 as águas atingem o seu auge com a frequência de 61 aquistas, 1008 banhos e 27 duches e expedição de 240 l de água engarrafada em 1938, considerado ano de ponta. Nunca as termas vieram a desenvolver-se apesar dos apelos da população, dos directores clínicos e do reconhecimento público, do qual se destaca o Dr. António Bento Franco, médico da terra (Franco, 1916). A partir de 1947 dá-se o declínio das termas e a década termina já com estas encerradas. A 12 de Março de 1956, a Câmara Municipal de Mafra ficou concessionária das águas e iniciou o estudo com vista à reexploração termal e realizou obras de melhoramento turístico do parque. Este é modernizado e provido com novos equipamentos desportivos sendo inaugurado no dia 4 de Agosto de 1956. Até 1961 são adicionados novos equipamentos a partir dos quais não se realizam alterações significativas na arquitectura do parque. Actualmente constitui um espaço desportivo e de lazer, Parque de Santa Marta. O antigo balneário construído nos anos 30 é a sede da Sociedade Filarmónica da Ericeira. Tendo beneficiado posteriormente de obras de requalificação, o Parque de Santa Marta abriu ao público no dia 5 de Maio de 2007. 3. ENQUADRAMENTO GEOLÓGICO As Nascentes de Santa Marta localizam-se em afloramentos cretácicos (Calcários com “Orbitolina” do Albiano), com um pendor de 5ºS, intensamente erodidos por acção do mar. A 2(4) e-Terra Volume 18 – nº 22 | 2010 VIII Congresso Nacional de Geologia base do Albiano é formada por calcários margosos e margas fossilíferas, de cor cinzenta na base, passando gradualmente a amareladas enquanto a parte superior é formada por grés geralmente compacto, por vezes com cimento argiloso de cores variadas. Sobre estas rochas encontra-se um complexo gresoso, margoso e, por vezes, argiloso, com Placenticeras Uhligi correspondentes à base do Cenomaniano (Zbyszewski et al., 1955). As águas minerais naturais de Santa Marta nascem muito próximo do mar tendo sido inicialmente consideradas cinco nascentes a SW do Largo de Santa Marta e simultaneamente da Capela com o mesmo nome, razão que está na origem do seu baptismo (figuras 2 e 3). Figura 2 – Localização das cinco nascentes (segundo Eng. Eduardo Braga, 1939) (Diniz, 1997). Figura 3 – Esquema da zona das Furnas e localização das nascentes. O desenho é da autoria do Dr. António Bento Franco (Santos, 1996). Actualmente as duas nascentes que emergem no fundo de um poço de captação, a cerca de 10 m de profundidade, encontram-se inseridas no Parque Municipal de Santa Marta, zona onde se encontrava a primitiva ermida edificada em 1484 e que em 1760 foi demolida por se encontrar bastante arruinada tendo sido substituída pela actual capela, ligeiramente a N da anterior localização. O poço nº1 foi o que chegou a ser utilizado para a captação de água para os balneários e para engarrafamento enquanto o poço nº2 foi abandonado desde cedo. As três outras nascentes, designadas por Nascentes das Furnas, localizam-se a SW das outras duas, subsistindo apenas uma, com caudal reduzido junto ao restaurante. As nascentes das furnas emergem ao longo de um filão básico que parece constituir uma barreira à passagem da água que circula nos calcários. As nascentes encontram-se ao nível inferior do fundo do poço de captação, emergindo a 1,20 m e 1,90 m abaixo. O seu caudal depende do nível piezométrico no poço. Não há dúvida 3(4) e-Terra Volume 18 – nº 22 | 2010 VIII Congresso Nacional de Geologia que existe ligação entre as nascentes e o poço embora não estejam em comunicação fácil. As propriedades das águas são semelhantes embora quantitativamente pouco significativas. Em 1939, no poço de captação a água brotava no fundo do poço em locais opostos. Um dos bulhões era muito mais abundante que o outro, ambos nasciam numa fenda, possivelmente uma falha com enchimento argiloso que intersectava os calcários. O nível piezométrico variava com a época do ano. Em Junho de 1936 o nível seria de 1,35 m acima da base do poço enquanto que no dia 21 de Janeiro desse ano, após chuvas intensas, o nível encontrava-se a 3,22 m acima do fundo. Quanto ao caudal não há registos precisos havendo medições que variavam entre 34 l e 70 l por minuto. Não se detectaram variações do nível no poço por acção das marés. Quanto à origem destas águas elas possuem um quimismo particular, complexo, que reflecte a geologia e a tectónica desta região. As principais fácies, cloretada sódica e carbonatada, associada a elevada mineralização, reflectem características relacionadas com o diapirismo, a presença de salgema, associando-se a circulação em profundidade com rochas carbonatadas. As presenças de cloreto de potássio e de sulfato de magnésio estão igualmente relacionadas com a presença de rochas evaporíticas. O quimismo seria semelhante a outras que ocorrem ao longo das estruturas diapíricas (Amieira, Piedade ou Cucos) se não fosse a presença de rochas basálticas que mineralizam a água em profundidade com elementos radioactivos, césio e rubídio. O flúor e o lítio podem estar relacionados com as rochas basálticas enquanto o facto da água possuir um teor elevado em nitratos reflecte a percolação por rochas ricas em matéria orgânica. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A região da Ericeira tem registado um incremento notável da construção de primeira e segunda habitações e o turismo constitui a principal actividade económica. As termas sofreram profundas transformações ao longo dos tempos e o que se vê actualmente é uma pálida imagem do significado religioso e termalista da água. O significado patrimonial e histórico das águas de Santa Marta justificam outras abordagem, nomeadamente indicações no local para os visitantes, criando-se um roteiro geológico e religioso (nascentes, capela, museu, história, geologia), e ainda a possibilidade de captação da água e seu aproveitamento para um spa. Seria um modo de perpetuar as águas de Santa Marta, recuperando-se o seu património histórico-religioso e hidrogeológico na sua componente de recurso hidromineral e termalista. Referências Diniz, S. (1997) – Memória das Águas. No centenário das Águas Mineromedicinais de Santa Marta. Câmara Municipal de Mafra, Mafra. Franco, A. B. (1916) – Águas Chloretadas-sódicas de Santa Martha. Dissertação inaugural apresentada à Faculdade de Medicina de Lisboa. Lisboa. Santos, L. M. (1996) – As águas, os rios e as fontes da Ericeira. Colecção Lugares de Memória. Editora Mar de Letras. Zbyszewski, G.; Moitinho d’Almeida, F. e Assunção, T. de (1955) – Notícia Explicativa da Folha 30-C (Torres Vedras) da Carta Geológica de Portugal (escala 1/50 000), Serviços Geológicos de Portugal, Lisboa. 4(4)