e-Terra Sistemas lacustres no Carbónico da Bacia do Buçaco
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e-Terra http://e-terra.geopor.pt ISSN 1645-0388 Volume 21 – nº 11 2010 Revista Electrónica de Ciências da Terra Geosciences On-line Journal GEOTIC – Sociedade Geológica de Portugal VIII Congresso Nacional de Geologia _________________________________________________________ Sistemas lacustres no Carbónico da Bacia do Buçaco (Portugal). Nova interpretação de fácies Lake systems in the Carboniferous of Buçaco Basin (Portugal). New facies interpretations P. A. DINIS – [email protected] (Universidade de Coimbra, Departamento de Ciências da Terra, IMAR-CMA). R. PENA DOS REIS – [email protected] (Universidade de Coimbra, Departamento de Ciências da Terra, Centro de Geociências da Universidade de Coimbra). RESUMO: A Bacia do Buçaco apresenta um enchimento de idade carbónica com uma espessura de 900 metros de sedimentos, depositados em ambientes de leque aluvial, fluviais e lacustres. Nestes, definem-se e caracterizam-se três associações de fácies: 1) Associação de leque deltaico (sub-aéreo ou sub-aquático), 2) Associação de retoma costeira (praias lacustres) e 3) Associação lacustre (zona central de lagos). Os sistemas deposicionais registados são interpretados e reconstroem-se os traços paleogeográficos mais importantes. PALAVRAS: CHAVE: Bacia do Buçaco, sistemas lacustres, Carbónico ABSTRACT: The Carboniferous infill of the Buçaco Basin is 900 m thick with sediments deposited in alluvial fluvial and lacustrine environments. The work led to the definition of three facies associations: 1) Delta fan facies association, 2) Coastal reworked facies association (lake shore) and 3) Lake facies association (deeper central areas). The recorded depositional systems are interpreted, together with the main paleogeographic features. KEYWORDS: Buçaco Basin, lake systems, Carboniferous 1. INTRODUÇÃO A Bacia do Buçaco apresenta um enchimento de idade carbónica que consiste em aproximadamente 900 metros de sedimentos continentais, organizados em três formações (Domingos et al., 1983). A Formação de Algeriz (100 a 200 metros), na base, é constituída por conglomerados e lutitos de cores vermelhas depositados em ambiente de leque aluvial por processos de debris flow e mud flow. Segue-se a Formação de Vale da Mó (40 metros) que integra lutitos, geralmente de tons cinza e níveis de carvão tidos como lacustres-palustres ou de planície de inundação. Com base no seu conteúdo em restos vegetais, esta unidade tem sido considerada do Estefaniano C (Wagner et al., 1983b). Superiormente, ocorre a Formação de Monsarros, que constitui a maior espessura da sucessão carbónica (600 metros), com arenitos, conglomerados e lutitos fluviais. Os sistemas lacustres considerados nesta organização estratigráfica cingem-se à unidade de Vale da Mó e registam, sobretudo, lagos pouco profundos, no seio de planícies de inundação. Novos levantamentos e análise de fácies sugerem que outros sistemas lacustres podem ser encontrados em diferentes posições estratigráficas e, circunstancialmente, relacionar-se com lagos extensos e profundos. 1(4) e-Terra Volume 21 – nº 11 | 2010 VIII Congresso Nacional de Geologia 2. CONTEXTO TECTÓNICO A Bacia do Buçaco é tida como uma bacia intra-montanhosa que se desenvolveu em zona equatorial ou tropical durante a Orogenia Hercínica (Wagner et al., 1983; Pereira et al., 2008). Está associada com a Falha Porto-Tomar (FPT), que sublinha o contacto entre a Zona de Ossa Morena e a Zona Centro Ibérica. Configura uma bacia de tipo “pull-apart”, respondendo ao jogo direito naquela estrutura (Pereira et al., 2008; Flores et al., 2009). A FPT estaria conjugada com o desligamento esquerdo da Zona de Cisalhamento Badajoz-Córdoba (Pereira et al., 2008). A comparação das idades dos enchimentos das depressões presentes nestas duas zonas de deformação sugere que esta bacia carbonífera estaria associado a um movimento tardio na FPT (Wagner, 2004). A sucessão sedimentar observada apresenta-se dobrada em sinclinal de eixo N-S. O flanco ocidental da dobra, está mais inclinado, podendo apresentar-se invertido, e é cavalgado pelos materiais da Zona de Ossa Morena, não sendo possível seguir a porção inferior da série. Do lado oriental a deformação é menor e é possível encontrar sedimentos da Formação de Algeriz, assentes em discordância, sobre unidades da Zona Centro Ibérica. Estruturas com orientação N140 na zona do Luso, separam o sector meridional, de Santa Cristina, do sector setentrional, de Algeriz (Wagner et al., 1983a; Pereira et al., 2008). 3. ASSOCIAÇÕES DE FÁCIES A sucessão carbónica do Buçaco integra sedimentos depositados em ambientes de leque aluvial, fluviais (sobretudo entrançados) e lacustres. Os sedimentos relacionados com sistemas lacustres definem três associações de fácies: 1) Associação de leque deltaico (sub-aéreo ou subaquático), 2) Associação de retoma costeira (praias lacustres) e 3) Associação lacustre (zona central de lagos). As fácies de leque deltaico apresentam granulometrias diversas. A mais grosseira ocorre em camadas maciças, clast-supported, espessas (até 10 metros), de grande continuidade lateral, com clastos de composições e estados de rolamento variáveis. Estes sedimentos registam a acumulação de mantos ou lóbulos aluviais em debris-flow subaéreos e fluxos hiperconcentrados, nas áreas de transição para os relevos que circundam a bacia. Noutros casos, os corpos sedimentares correspondem a articulações bem estratificadas de níveis arenosos e conglomeráticos tabulares, bem calibrados e ricos em elementos sub-rolados, cuja geometria e textura sugerem associação com fluxos concentrados e não canalizados espraiados, nas margens dos domínios lacustres. Os sedimentos de leque deltaico de grão fino mais comuns, ocorrem em sucessões pouco espessas (< 1m), granodecrescentes, em que arenitos finos, por vezes de laminação horizontal ou ripples, evoluem verticalmente para lutitos. São ainda frequentes ocorrências de lutitos decimétricos que apresentam pavimentos conglomeráticos centimétricos no topo. Ocasionalmente os lutitos apresentam clastos bem rolados isolados no seu seio ou finas intercalações conglomeráticas, mud-supported ou clast-supported, de base plana e topo convexo. Estes sedimentos estarão associados à decantação de finos, interrompida aquando de desenvolvimento de pequenos lóbulos subaquáticos de debris-flow ou de correntes turbidíticas, nos períodos com maiores afluxos detríticos. A associação de fácies de retoma costeira (praias em ambientes lacustres) individualiza-se pela presença de quartzarenitos de grão médio a muito fino, muito bem calibrados, em camadas tabulares, decimétricas a métricas. Podem revelar estruturas hummocky ou planares. Ocasionalmente, os níveis psamíticos apresentam intercalações centimétricas de carvão, ocorrendo também níveis arenosos semelhantes, pouco espessos e intensamente deformados, no seio de camadas de carvão. Dada a articulação com níveis carbonosos admite-se que estes sedimentos registam condições de transição para ambientes calmos. A geometria tabular e a 2(4) e-Terra Volume 21 – nº 11 | 2010 VIII Congresso Nacional de Geologia pronunciada maturidade textural e composicional sugerem deposição subaquática, em que o provável intenso retrabalhar dos depósitos de leque deltaico, requer a proximidade da linha de costa em lagos largos e profundos. A presença de estruturas hummocky também indica que os lagos teriam dimensão suficiente para, durante os eventos de tempestade, se desenvolverem ondas oscilatórias de período longo. A associação de fácies lacustre (zonas centrais dos lagos) caracteriza-se por sedimentos de grão fino, com quantidades variáveis de matéria orgânica. Podem ser materializadas por níveis de carvão, por vezes com intercalações lenticulares de quartzarenitos; lutitos negros, de laminação horizontal fina; e lutitos brancos a cinzento claro, laminados, ocasionalmente com partições arenosas com ripples de oscilação. Estes três tipos de sedimentos registam deposição em posições centrais dos ambientes lacustres, afastados dos principais pontos de afluxo detrítico. Também podem estar associadas à migração ou abandono de centros de construção deltaica ou a fases de sedimentação mais passivas em posições marginais dos lagos. 4. TIPOLOGIA DOS AMBIENTES LACUSTRES A relação entre as três associações de fácies reconhecidas, expressa pela forma como se sucedem verticalmente e eventualmente se relacionam lateralmente, indica variações nos padrões de distribuição paleogeográfica e da extensão e altura da coluna de água dos ambientes lacustres interpretados. Estes padrões podem organizar-se sugerindo três configurações distintas nas geometrias dos ambientes lacustres (fig. 1). Quando a altura da coluna de água e a extensão do lago eram relativamente reduzidos os leques deltaicos evoluiam para ambientes lacustres sem se detectarem sedimentos resultantes da retoma, por correntes ou ondulação, na faixa costeira dos lagos (fig. 1A). Nestas condições observam-se corpos de grão grosseiro, associados a fluxos hiper-concentrados e de debris-flow, em contacto com os sedimentos lacustres. A presença de corpos tabulares, não canalizados e bem estratificados, com estruturas sub-horizontais, associa-se à deposição periódica em rampas de baixo declive na transição para o ambiente lacustre. Os sedimentos sub-aquáticos mais característicos são lóbulos de debris-flow e corpos turbidíticos que se desenvolvem quando fluxos canalizados sofrem expansão ao entrarem no lago e libertam rapidamente a sua carga sedimentar. A preservação de sucessões dominadas por fácies de leque deltaico é comum em situações de lagos pouco profundos (Horton e Schmitt, 1996; Saéz et al., 2007) e/ou com margens de reduzido gradiente (Horton e Schmitt, 1996). Este tipo de ambiente tipifica transição da Formação de Algeriz para a Formação de Vale da Mó. Nos sectores em que a altura da coluna de água e a extensão dos lagos era maior as acumulações de leque deltaico eram retrabalhadas por acção da ondulação, formando-se sedimentos maturos (composicionalmente e texturalmente), às vezes com estruturas hummocky (fig. 1B). Nestas condições, os sedimentos de leque deltaico são menos comuns e é frequente notar uma transição gradual das unidades costeiras para as lacustres (centrais). Associações de fácies semelhantes em ambientes lacustres têm sido propostas para situações de maior altura da coluna de água (highstand) (Horton e Schmitt, 1996; Saéz et al., 2007). Este tipo de ambiente lacustre é exclusivo do sector meridional da bacia carbónica, numa zona dominada a oriente pelos relevos quartzíticos do Ordovícico. O desenvolvimento destes lagos mais profundos na faixa mais meridional da bacia também pode ter tido algum controlo tectónico, determinado pelas estruturas N140 a E-W, que separam os sectores de Algeriz e Santa Cristina da Bacia do Buçaco. Estas estruturas, para além da componente de desligamento direito, também poderão ter contribuído para uma maior subsidência do sector de Santa Cristina. 3(4) e-Terra Volume 21 – nº 11 | 2010 VIII Congresso Nacional de Geologia Figura 1 - Tipologia dos ambientes lacustres. (A) Lagos pouco profundos e associados a leques deltaicos. (B) Lagos profundos. (C) Pequenos lagos sazonais nos seio da planície de inundação. Finalmente, ocorrem sedimentos lacustres intercalados de outros, de planície de inundação (fig. 1C). Neste caso, não existe uma ligação entre os corpos de leque deltaico e os lacustres. Neste caso, os lagos seriam sazonais, desenvolvendo-se em áreas com dificuldades de drenagem no seio da planície de inundação. Estes sedimentos são encontrados em diferentes posições da sucessão fluvial da Formação de Monsarros. Referências Domingos, L.C.G., Freire, J. L. S., Silva, F. G., Gonçalves, F., Pereira, E., Ribeiro, A., (1983) – The structure of intramontane upper Carboniferous Basins in Portugal. In: Lemos de Sousa, M.J., Oliveira, J.T. (Eds.), The Carboniferous of Portugal. Mem. Serv. Geol. Portugal, nº. 29, pp 187-194. Flores, D., Gama Pereira, L.C., Ribeiro, J., Pina, B., Marques, M.M., Ribeiro, M.A., Bobos, I. Pinto de Jesus, A. (2009) – The Buçaco Basin (Portugal): Organic petrology and geochemistry study. International Journal of Coal Geology (accepted). Horton, B.K e Schmitt, J.G., (1996) – Sedimentology of a lacustrine fan-delta system, Miocene Horse Camp Formation, Nevada, USA. Sedimentology, 43, pp. 133-155. Pereira, L.C., Pina, B., Flores, D. Ribeiro, M.A. (2008) – Tectónica distensiva: o exemplo da Bacia PermoCarbónica do Buçaco. Memórias e Notícias nº 3 (Nova Série), pp. 199-205. Saéz, A., Anadón, P., Herrero, M.J., Moscariello, A., (2007) – Variable styles of transition between Palaeogene fluvial fan and lacustrine systems, southern Pyrenean foreland, NE Spain. Sedimentology, 54, pp. 367-390. Wagner, R.H., (2004) – The Iberian Massif: a carboniferous assembly. Journal of Iberian Geology 30, pp. 93-108. Wagner, R.H., Lemos de Sousa, M.J., (1983a) – General description of the terrestrial Carboniferous basins in Portugal and history of investigations. In: Lemos de Sousa, M.J., Oliveira, J.T. (Eds.), The Carboniferous of Portugal, Mem. Serv. Geol. Port., Lisboa, nº. 29, pp. 117-126. Wagner, R.H., Lemos de Sousa, M.J., Silva, F.G., (1983b) – Stratigraphy and fossil flora of the upper Stephanian C of Buçaco, North of Coimbra (Portugal). In: Lemos de Sousa, M.J. (Edts.), Carboniferous Geology and Palaeontology of the Iberian Peninsula, Universidade do Porto, Faculdade de Ciências, Mineralogia e Petrologia, pp. 127-156. 4(4)
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