Sem título-2 - Editora Escuta
Transcrição
Sem título-2 - Editora Escuta
Análise simultânea da mãe e da criança 7 Artigos 7 Pulsional Revista de Psicanálise, ano XIII, no 130, 7-29 Análise simultânea da mãe e da criança*1 Dorothy Burlingham, em cooperação com Alice Goldberg e André Lussier N este artigo, baseado em seis relatórios feitos por psicanalistas da Hampstead Child Therapy Clinic, em Londres, Dorothy Burlingham apresenta algumas conclusões tiradas do tratamento simultâneo de Bobby e sua mãe. Este é um caso que, embora pareça existir na criança uma boa potencialidade de melhora ou mesmo de completa recuperação, outra força parece estar em ação, anulando constantemente os esforços terapêuticos efetuados. Somente uma análise da mãe poderá, segundo os autores (a supervisora dos casos, o analista da mãe e a analista da criança), revelar detalhadamente que influências estão em processo e que relações mais íntimas estão situadas entre as suas atitudes e fantasias inconscientes e o distúrbio do filho. A autora aponta também as conseqüências e as diferenças da sedução pelas fantasias e a que é causada pelas ações manifestas, considerando sua real estimulação e excitação. Palavras-chave: Psicanálise, tratamento simultâneo, mãe-criança, fantasia In this article, based on six reports made by psychoanalysts from the Hampstead Child Therapy Clinic, in London, Dorothy Burlingham draws some conclusions out of the simultaneous analysis of Bobby and his mother. Though it seems that there is a good chance * Texto publicado originalmente em Psychoanalytic Study of the Child, X, 1955. Traduzido por Monica Seincman e Eduardo Seincman. 1. Esta comunicação é parte do Projeto de Pesquisa intitulado “Análise simultânea da mãe e da criança”, conduzido na Hampstead Child Therapy Clinic, em Londres. Este estudo específico foi financiado pelo Psychoanalytic Research and Development Fund de Nova York. Comunicação lida no Encontro Científico da Sociedade Psicanalítica Holandesa, Amsterdã, em 23 de outubro de 1959, e na Sociedade Psicanalítica Britânica, Londres, em 2 de dezembro de 1959. Pulsional Revista de Psicanálise 8 of improvement or even a full recovery of the child, there seems to be in this case another force that constantly nullifies the therapeutic efforts of the analyst. In the author’s and her colleagues opinions only the therapy of the mother could reveal in detail the mutual influences that are in progress and what are the most intimate relationships working between her unconscious attitudes and fantasies and the child disturbance. The author points out the consequences and differences between the allurement of both the fantasies and the manifest actions, taking also in account theirs actual stimulation and excitement. Key words: Psychoanalysis, simultaneous analysis, mother-child, fantasies I. INTRODUÇÃO E PRÉ-HISTÓRIA O caso de Bobby é um daqueles sobre o qual é despendido muito esforço de psiquiatras, analistas, auxiliares de orientação infantil etc., com um resultado freqüentemente desalentador em que a criança retrocede às suas anomalias iniciais sempre depois que o contato e os esforços dos profissionais já terminaram. Embora pareça existir na criança uma boa potencialidade de melhora ou mesmo de completa recuperação, outra força parece estar em ação, anulando constantemente os esforços terapêuticos efetuados. Os analistas reconheceram, por certo tempo, que esta força emana normalmente da mãe, apesar de seus esforços conscientes de cooperar com o tratamento da criança. No trabalho de orientação infantil, em que as condutas com a mãe são, por necessidade, de natureza mais superficial, a sua influência patogênica sobre a criança está relacionada principalmente aos seus sentimentos hostis em relação a ela – isto é, sua rejeição –, ao seu comportamento sedutor, às anomalias de suas próprias relações objetais ou aos seus traços psicóticos. Parecenos que nada menos do que uma análise da mãe poderá revelar em detalhe que influências estão em processo e que relações mais íntimas estão situadas entre as suas atitudes e fantasias inconscientes e o distúrbio de seu filho. a) Bobby em Tratamento de Orientação Infantil (2 ½ anos de idade) Bobby foi primeiramente trazido a uma clínica de orientação infantil (Hornsey Infant Welfare Centre) aos dois anos e meio de idade, seus sintomas sendo, então, dificuldades alimentares, não controlar a urina e as fezes, retardo da fala, ataques de morder a mãe e de agarrar-se a ela. O caso foi designado à Sra. Ruth Thomas que naquele momento era a psicóloga visitante. A mãe compareceu por um período de um ano, uma vez por semana. Ela parecia uma mulher simples, um tanto lenta na compreensão das coisas, mas cooperativa. Ela seguiu o conselho dado no trato com a alimentação e a educação de hábitos, e a criança melhorou. Seu apetite aumentou, e o descontrole esfincteriano desapareceu após dois meses. Em relação com as angústias de Análise simultânea da mãe e da criança separação de Bobby, a mãe foi instruída a não expô-lo a choques. Ela mostrou compreensão com respeito a isto, preparando Bobby, de maneira adequada, para uma separação de meio período quando ela teve de ir ao hospital para fazer um exame. Quando lá a incitaram a permanecer para um tratamento, recusou, lembrando-se do conselho que a Sra. Thomas havia lhe dado e de sua promessa a Bobby de que retornaria naquele mesmo dia. Ela também cooperou bastante no que se refere aos medos de castração de Bobby. O único ponto em que se mostrou inflexível foi quanto à suposta providência higiênica sua de cuidar e limpar o pênis dele. Apesar da cooperação da mãe, a Sra. Thomas suspeitava da estabilidade da melhora e, quando Bobby desenvolveu o novo sintoma de fugir de sua mãe para correr em meio ao tráfego da rua, ela recomendou uma análise para a criança. b) A primeira análise de Bobby (3 ½-4 ½ anos de idade) Nessa época, aos três anos e meio de idade, Bobby foi recebido em análise pelo Dr. Martin James, então um analista em treinamento no Instituto de Psicanálise de Londres. Novamente, a mãe cooperou o máximo possível no limite do que as suas dificuldades permitiam. O material analítico desenvolveu-se de uma maneira ordenada por meio dos jogos de fantasia, uma cena primária sendo finalmente revelada ao final do primeiro ano. De novo o menino melhorou. A 9 análise foi interrompida quando o analista teve de sair de Londres. Era digno de nota nas observações do Dr. James que a mãe havia esquecido todas as interpretações e conselhos que lhe haviam sido dados no primeiro tratamento de orientação infantil. O Dr. James organizou-se para manter contato em entrevistas ocasionais a fim de observar o progresso da criança. Quando a situação mais uma vez se deteriorou, Bobby foi encaminhado para a Clínica de Terapia Infantil Hampstead, onde, pelas razões acima mencionadas, seu caso foi selecionado para ser incluído em nosso projeto de “análise simultânea da mãe e da criança”. c) Bobby e sua mãe em análise (Bobby com 4 anos e 10 meses de idade) As análises de Bobby e da mãe agora se tornaram a preocupação de uma equipe de profissionais. A análise da mãe foi assumida pelo Dr. André Lussier, de Montreal, Canadá, então em treinamento no Instituto de Psicanálise de Londres. A análise de Bobby foi efetuada pela Sra. Alice Goldberger, uma terapeuta analítica infantil treinada no Curso de Terapia Infantil da Hampstead. Com o propósito de manter o trabalho analítico de ambos os terapeutas independente e livre da influência do material do outro parceiro, o Sr. Lussier e a Sra. Goldberger foram instruídos a não se comunicarem entre si. Em vez disso, ambos relatavam-me seus materiais com intervalos semanais a fim de haver um Pulsional Revista de Psicanálise 10 processo de integração. O material analítico é, portanto, deles, sendo a minha função supervisionar ou controlar o analista. Eu tive permissão de ambos para utilizar este material na comunicação que se segue. II. PROBLEMAS ALIMENTARES a) O comportamento da criança Como acontece em toda análise de crianças, o primeiro relato dos problemas inicias de alimentação foi fornecido pela mãe; no caso de Bobby esperava-se apenas que seus relatos pudessem ser ainda mais coloridos do que normalmente acontece, em virtude de seus próprios distúrbios. Sua primeira descrição de Bobby era a de um bebê perfeito. Levou um certo tempo até que se lembrasse de que ela própria não tinha suficiente leite, e que, assim, havia dificuldade em amamentá-lo, tendo a criança de ser desmamada com doze semanas. Com relação à sua própria atividade no processo de alimentação, ela observou que ele não agarrava uma rosca para mastigar, que ela tinha de segurá-la para ele, que ele não tentava segurar uma colher para se alimentar. Segundo ela, esta atitude passiva em relação à comida havia ultrapassado a primeira infância e persistiu até a época em que ela o trouxe para a análise. Aos quatro anos e meio, ela ainda se sentava ao seu lado nos horários das refeições, alimentava-o como a um bebê e o incitava a comer mais do que ele voluntariamente desejava. Por essa época, ele havia adquirido muitas manias com a co- mida e lhe pedia pratos especiais que, em seguida, recusava. De acordo com a mãe, as dificuldades com a alimentação de Bobby haviam atingido o ápice quando, com um ano de idade, teve um forte ataque de diarréia, não retendo comida, gritava, choramingava e dificilmente dormia. Esta condição parece ter durado por oito meses quando foi colocado finalmente em uma dieta estrita, mantida por seis meses. Quando Bobby estava com dois anos de idade, a mãe teve de ir ao hospital, sendo ele enviado a um berçário residencial. De acordo com a mãe, ele ficou doente e voltou gravemente constipado. A mãe culpa este tempo de separação pelas posteriores dificuldades que ele apresentou. Quando Bobby foi para a escola, a mãe duvidou que ele comeria as refeições lá oferecidas e insistiu que ele comesse em casa. Em contraste com este comportamento da mãe, o pai de Bobby contou que ele comia bem quando era ele quem o alimentava. O mesmo foi dito pela escola, quando a professora insistiu em sua permanência para as refeições. Nas suas sessões com a terapeuta, Bobby iria mostrar muita gula por comida, pedindo grande quantidade de bebidas e comendo sozinho sem qualquer dificuldade. Parecia não haver dúvidas de que sua atitude em relação à comida variava de acordo com seu humor. Quando ele se sentia desamado e indigno de amor, entrava periodicamente em estado depressivo. Certa vez contou à terapeuta que, quando foi transferido na escola para Análise simultânea da mãe e da criança uma classe inferior e estava de péssimo humor, ele comeu demais, mas sentia como se estivesse o tempo todo esfomeado. Em sessões como esta, ele pedia não apenas comida, mas também outros sinais de afeição. Era característico de sua gula oral que ele não pudesse suportar a frustração em tais momentos, tendo de ter seus desejos realizados imediatamente ou entraria em pânico. Esta evidência apresentada pelo pai e pela professora, bem como pelo comportamento de Bobby na sessão analítica, mostrou que era capaz de ter um apetite normal ou acentuado com perfeita capacidade de ser ativo no alimentar-se. Seu comportamento anômalo na situação alimentar estava reservado à mãe, a quem ele controlava e torturava através de sua passividade e sua recusa em comer. Ela reagia tomando para si o papel ativo e forçando-o a comer. Visto sob a óptica desta análise de crianças, diríamos que, com este comportamento, Bobby forçava a mãe a reagir com ele tal como ela o fazia. Visto sob a ótica da análise da mãe, tal como demonstraremos adiante, o comportamento de Bobby adquire uma conotação diferente. Há no material da mãe ampla evidência de que, no trato da situação de alimentação do filho, ela estava, ela própria, sob o domínio de poderosas fantasias inconscientes que determinavam seu modo de agir. Esta luz fará com que se veja o comportamento da criança como uma reação à provocação da mãe. 11 b) Material da análise da mãe A mãe enquanto criança não desejada – Disseram para a mãe de Bobby na infância que ela não fora desejada e que sua mãe, em sua gravidez, havia tomado muitos comprimidos a fim de abortar. Quando ela cresceu, não foi considerada normal, mas esquisita, diferente, estranha. É esta imagem de si própria que ela projetou mais tarde em Bobby, formando a idéia de que ele também não poderia ser normal. A despeito de ter um bebê saudável, a mãe não podia crer que ela própria havia gerado uma criança normal. Este resto particular de sua infância criou nela uma necessidade de ter uma criança anormal, igualmente estranha. Material analítico fundamentando as dificuldades de amamentação – Na análise da mãe, o simples fato relatado à terapeuta da criança de que ela não tinha leite suficiente para alimentar Bobby provou recobrir um estado de coisas muito diferente. Na verdade, seu leite não havia sido insuficiente, ele vazava livremente, mas secava sempre que ela colocava a criança ao seio. O material fantasístico que ela revelou era o seguinte: havia lhe sido dito anteriormente (antes dos cinco anos de idade) que ela própria fora amamentada ao peito, mas que logo em seguida a sua mãe desenvolveu um câncer de mama. A mãe faleceu de câncer antes que a Sra. N completasse seis anos. A criança concebeu a idéia, que persistiu para sempre, de que a doença da mãe era devida ao ferimento 12 que ela, no período de sua amamentação, havia ocasionado no seio da mãe. Ela tomou isto como uma comprovação de que nascera como um bebê mau e que seu destino era o de destruir as pessoas que amava. A idéia de que havia matado a mãe tornou-se consciente, permaneceu em sua mente e serviu como reforço a suas inclinações masoquistas. Estas fantasias, em parte conscientes, em parte inconscientes, não foram o único empecilho para a amamentação. Havia, além disso, na mente da Sra. N, a idéia de que amamentar ao seio era repugnante e degradante, só servia para animais como as vacas. A análise relacionou este fato à observação de vacas sendo ordenhadas ou sugadas pelo bezerro e à equação do seio e pênis. Amamentar Bobby se tornara, para ela, portanto, o ato de permitir que ele cometesse sexo oral com a mãe. Havia mais uma outra idéia em seu inconsciente de que, tirando seu leite, Bobby a esvaziaria, e estar vazia era, para a Sra. N, o equivalente a um estado de depressão profunda. A sensação de vazio estava conectada em sua mente com a fome, isto é, a ausência de comida que ela havia experimentado tanto antes quanto posteriormente à morte de sua mãe. A família da Sra. N havia sido pobre, eles freqüentemente passavam fome e a sua mãe, por ocasião de sua doença, tinha se tornado uma má dona de casa, fracassando em alimentar apropriadamente seus filhos. Em certa ocasião, a Sra. N, ainda criança, sendo Pulsional Revista de Psicanálise levada a um hospital devido a um problema de pele, teve a sua desnutrição diagnosticada. Tanto para a Sra. N, quanto para Bobby, comida e amor, não ser amado ou estar esfomeado, eram sinônimos. Até onde se pode inferir das intenções conscientes da Sra. N, ela gostaria de dar a Bobby uma infância melhor que a sua. Se ela passara fome, gostaria de satisfazê-lo; se ela ficara vazia, desejava mantê-lo satisfeito e amado. Mas suas angústias e fantasias inconscientes impediram-na de realizar isto. Suas defesas para o filho não lhe causar um câncer (tal como ela o havia feito com a mãe), suas defesas contra as fantasias de sexo oral e para evitar o vazio e a depressão impediram o fluxo de leite ao filho e a forçaram a fazer com que ele repetisse as experiências de escassez pelas quais ela havia passado. O que na verdade Bobby experimentou foi o seu abandono pela mãe, a recusa de uma alimentação satisfatória, isto é, a rejeição. Material suplementar relativo à alimentação – Em um período posterior de sua análise, a Sra. N esteve profundamente preocupada com seu sentimento de culpa em relação a Bobby, não apenas por havê-lo privado de seu leite, mas também por ter fracassado em alimentá-lo adequadamente nos estágios sucessivos. Ela se culpava pelo seu forte ataque de diarréia com um ano de idade, que ela relacionou ao fato de ter-lhe dado uma carne que não estava fresca e que fora insuficientemente cozida. De acordo com ela, ele ficou doente durante vá- Análise simultânea da mãe e da criança rios meses ininterruptos, parecendo que, durante esta época, ela tentou, sem sucesso, convencer vários médicos da gravidade de seu estado e de sua própria participação nisto. Finalmente, ela encontrou um médico em quem poderia projetar seus sentimentos de auto-acusação. Ela sentiu que após ter examinado a criança, o médico olhou-a com ar de acusação como se ele quisesse condená-la e matá-la por negligência. Estas auto-acusações eram igualmente projetadas no próprio Bobby. Ela estava convencida de que ele a culpava parando de sorrir para ela, desde o começo de sua diarréia. Durante a doença, e acompanhada pelo médico nos quatro meses que se seguiram, ela manteve Bobby em uma severa dieta, evidentemente, uma dieta de fome. Dia e noite, a criança chorava e gritava: “Comida, comida”. De acordo com a Sra. N, ela jamais dormiu durante este período, passando a noite junto à cama da criança. A Sra. N tinha certeza de que, de algum modo mágico, seus pensamentos haviam produzido a doença na criança e, com isso, sua anormalidade, gula, impaciência e comportamento agressivo em relação a ela. Foi possível, por meio da análise, remontar também a história da comida não cozida ao período da vida da Sra. N no qual a sua própria mãe ficara incapacitada pela doença e parara de cozinhar. A análise desenterrou as fantasias de vingança da Sra. N, seus desejos de morte contra a mãe e a memória de atos 13 malévolos e dolosos cometidos contra ela. Parece não haver dúvidas de que foi essa atitude hostil contra a sua própria mãe o que afetou seu relacionamento com Bobby e nele induziu um comportamento que a tiranizava e controlava. O sofrimento nela causado pela desobediência e pelo comportamento incontrolável de Bobby serviu para acalmar a culpa inconsciente que se originou do relacionamento dela com a própria mãe. III. PROBLEMAS ANAIS a) O comportamento da criança A descrição da mãe a respeito dos problemas anais de Bobby foi tão dramática quanto a dos orais. Aqui, também, ela descreveu uma fase inicial fácil com treinamento desde o nascimento, com poucas fraldas sujas após a idade de oito meses. O problema começou com a diarréia aos doze meses e meio, quando ela desistiu do penico, e com a grave constipação após o retorno da creche, quando ele reteria a evacuação por quatro ou cinco dias. A descrição feita pela mãe do comportamento anal do menino parecia bastante estranha. Quando já não podia mais reter a evacuação, ele permanecia frente a uma janela, olhava para fora e nesta posição sujava suas calças, a menos que a mãe as arrancasse antecipadamente. Na creche, ele havia aprendido a correr na ponta dos pés e, com a mãe, havia aprendido algumas canções. Ele usava ambos em um curioso ritual que ainda estava em vigor no início de sua segun- 14 da análise. Quando ele já não podia mais reter a evacuação, corria para a mãe, mandava todos embora do quarto e sem calças, usando apenas chinelos macios e camiseta, corria na ponta dos pés em torno do quarto, com a mãe cantando uma canção especial: “Ponta dos pés pelas tulipas”. Ele se pendurava, então, na mãe, agachava-se, e ela tinha de pegar as fezes no penico. Este ritual tinha de ser repetido por diversas vezes até que ele terminasse de evacuar em pequenas quantidades. A mãe tinha de esvaziar o penico para cada pedaço de fezes separadamente. Ele não olhava para as próprias fezes. Bobby jamais usava a privada, tinha medo até de nela se sentar. Ele tinha medo de puxar a descarga ou de observar a água descendo. Ligada a esta desordem anal, havia uma falta de higiene e uma sujeira que provocavam profundamente a mãe. Sua obstinação anal se revelou sob a forma de firmes recusas de fazer o que quer que fosse que a mãe lhe pedisse. Em tais ocasiões ele sentia uma irritação incontrolável. Esta revolta contra a mãe era ainda mais exaustiva para ela, já que ele era extremamente agarrado e recusava-se a deixá-la sair de sua vista. b) O material analítico da criança Diferentemente dos sintomas orais, a obstinação, teimosia e ambivalência de Bobby eram completamente transferidos para a sessão analítica e para sua relação com a terapeuta. Seu hábito de treinamento inicial estrito confrontado com Pulsional Revista de Psicanálise a posterior inabilidade de segurar suas fezes, por ocasião da diarréia, havia lhe deixado a sensação de que ele não poderia realizar nada. A mãe jogou com esta convicção, assegurando-o constantemente de que ele nada seria capaz de fazer corretamente e tratando-o como um bebê. Ele expressou isto em sua sessão analítica através da recusa em assumir qualquer atividade lúdica; antes de começar, ele já estava convencido de que iria fracassar. Bobby logo revelou duas angústias maiores que dominaram seu comportamento com relação à alimentação e à defecação: o medo do vazio e o meio de estar cheio. Por um lado, o vazio, isto é, a idéia de passar fome, de não ser amado, privado internamente de todas as coisas boas, tornaram-no guloso. Também fez com que retivesse suas fezes, já que se sentia esvaziado e privado de bons conteúdos corporais quando elas saíam de seu interior. Por outro, o conteúdo de intestinos era chamado de mau por sua mãe e visto pelo próprio menino como tal. Quanto mais ele comia, mais se acumularia dentro de si e, devido à constipação, transformá-lo-ia em algo completamente mau. Dessa maneira, ele tinha de privar-se de comer e tentar defecar para manter-se vazio. Esta preocupação com o interior de seu corpo, calcada nos eventos alternados de diarréia e constipação de sua infância, era expressa em suas sessões analíticas por meio de um jogo simbólico que devia sua existência a um acontecimento real. Aos quatro anos de idade, Bobby havia Análise simultânea da mãe e da criança tomado um metrô que ficou parado em um túnel por meia hora. Ele ficou muito impressionado e extremamente amedrontado com este acidente. Em seguida a este fato, ele brincou na análise que ele próprio era o metrô e, nesta identificação, correu em torno da sala produzindo, excitado, um barulho e, tal como o chamou, um “fedor”. Ainda no papel de trem, ele ficaria aflitivamente emperrado no túnel, amedrontando a si mesmo e aos outros passageiros imaginários. Quando não estava brincando deste jogo, ele desenhava vagões de metrô, rabiscavaos, chamava-os de sujos e assinalava que “o metrô tem um buraco engraçado”. Não havia dúvida da identificação de Bobby com os túneis onde a sujeira, o fedor e os conteúdos corporais ruins eram retidos. Outros significados de seus conteúdos corporais e o ato da defecação preencheram muitas outras sessões analíticas. Seus excrementos eram “bons”, preciosos, porque sua mãe os havia valorizado em demasia. Movimentos de intestino significavam a perda da preciosa substância que era acompanhada pela sensação de todo o seu interior estar sendo esvaziado, exaurido. Como defesa a essa sensação de perda, ele inventou um jogo de boneca em que a boneca (ele mesmo) era colocada em um penico e, em seguida, o penico tinha de ser colocado em sua cabeça ou na da boneca em uma tentativa de derramar o precioso conteúdo dentro do corpo. Às vezes, o chapéu da boneca era usa- 15 do do mesmo modo, substituindo o penico. Em um outro jogo simbólico, Bobby representava seu medo de cair dentro da privada e ser levado embora como ocorria com as fezes. Neste jogo, suas bonecas eram empurradas para dentro da privada com a cabeça virada para baixo. Ele aceitava a interpretação desta atitude pela analista dizendo: “Você não sabia, sou eu. É Bobby, eu.” Outro jogo simbólico servia para dramatizar as fantasias de Bobby a respeito do nascimento através do ânus. Isto era encenado com ursos de pelúcia, sendo que o bebê-urso nascia do ânus do pai. Isto era igualmente encenado com bonecas que caíam ou eram empurradas por ele para se afogarem; então, ele as levantava para fora d’água e elas nasciam. Em outros momentos, ele próprio assumia o papel do bebê, jogava-se no chão (chamando-o de água) e incitava a terapeuta a debruçarse sobre ele e vagarosamente levantá-lo da água através de um buraco estreito entre a mesa e a parede. Ele deixava perfeitamente claro que as fezes também eram bebês afogados e que tinham de ser ressuscitados. Seu desejo de ter a certeza de que os bebês poderiam ressuscitar determinava alguns de seus rituais de defecação, em especial a necessidade de passar suas fezes em pequenas porções e de ter cada uma delas jogadas separadamente na privada. Mantendo seus bebês-anais separados, provou para si mesmo que ele não estava vazio e que poderia gerar uma 16 multidão de crianças. Outros jogos de cair e perder, embora bastante relacionados aos anais, tinham um sentido fálico. Ele abriu uma lanterna de papel e chamou-a de cheia; dobrou-a, fechou-a e chamou-a de vazia ou morta, perguntando ansiosamente se ele teria ou não de morrer também. Isto era acompanhado por sua queda no chão, por se esticar o máximo possível ou segurar e cair com uma vassoura colocada em sua cabeça. Aqui a queda era equivalente não apenas à perda das fezes na privada, mas à “queda” (flacidez) do pênis ereto que Bobby representa aqui com seu corpo inteiro. Queda, perda, vazio estavam associados, em sua mente, à morte. c) O material analítico da mãe Constipação – A Sra. N sofreu, toda a sua vida, de um sintoma de constipação que começou bem cedo. Enquanto sua mãe ainda era viva, ela a forçava a permanecer com ela durante a evacuação e esperar até que terminasse. Prender as fezes havia sido o único meio de chamar atenção para si e não permanecer sozinha. As fezes se tornaram muito valiosas, uma propriedade muito preciosa. A análise demonstrou que o esvaziamento de seus intestinos era um sinal do vazio emocional e da subseqüente depressão. Ela se lembrava claramente que enquanto estava constipada e agia com obstinação, havia presença humana à sua volta, havia pressão, havia um alto grau de atenção com relação ao que ocorria dentro dela; mas assim que ela cumpria Pulsional Revista de Psicanálise as exigências da mãe, cessava o burburinho em torno de si, ninguém mais ficava à sua volta, não havia pressão, apenas a sensação de vazio dentro e fora, o sentimento de solidão. O traço mais forte em seus sentimentos era o vínculo entre as fezes perdidas e a perda da atenção, com a simultânea equação de controlar as fezes dentro e controlar a mãe. Por sua mãe nessa época já estar doente, ela foi levada a crer que o seu comportamento iria esgotá-la e matá-la. Assim, sua constipação adquiria um duplo significado. Por um lado, assegurava que a mãe estaria ao seu lado, isto é, não estaria morta; por outro, era uma expressão de seus desejos de morte contra a mãe, um meio de matá-la. Foi esta ambivalência com relação à mãe que tornou a Sra. N uma criança agarrada que não podia se separar da mãe nem mesmo por alguns minutos e que tinha de estar sempre segurando-a. A mãe tentara curar sua constipação através de clisteres que eram vividos pela filha como um ataque sexual e que resultaram em fantasias e comportamentos sadomasoquistas permanentes. Nesta época, a Sra. N também projetou a fantasia de sua própria sujeira interna na mãe. Na última fase de sua vida, a mãe parecia haver perdido o discernimento, e ter se tornado negligente e esquecida, o próprio estado interno da casa tornou-se tornado uma desordem e sujeira assustadores. De acordo com a Sra. N, sua mãe acumulara coisas e Análise simultânea da mãe e da criança guardara todas as espécies de comida, frutas podres, doces etc., em suas gavetas, que foram descobertas depois da morte dela. O horror com o qual a paciente descreveu o esvaziamento destas gavetas, após a morte da mãe, mostrou, convincentemente, que aqueles lugares representavam, para ela, o lado sujo interno do corpo da mãe. Mais tarde, ela desenvolveu um comportamento fóbico com relação às suas próprias gavetas os quais representavam sua própria sujeira interna. Qualquer preocupação com estas gavetas assumia o significado de masturbação anal. Esta atitude continuou até o falecimento da mãe, a constipação (além de seu comportamento com relação ao peito) sendo agora utilizada como a base de seus sentimentos de culpa. Muitos anos após a morte da mãe, aos nove anos de idade, ela foi mandada para o hospital onde sua constipação foi novamente tratada através de clisteres. Fantasias anais de nascimento – Quando a Sra. N engravidou de Bobby, isto representou, naquele momento, o fim do temor de vazio e trouxe de volta o sentimento feliz de manter sua mãe viva dentro de si. Isto levou ao desejo de manter a gravidez indefinidamente e, na verdade, ela teve sucesso em adiar o parto. Ela experimentou o nascimento da criança como uma perda das fezes, das quais o mundo externo queria que ela desistisse, e reagiu a isto com um sentimento profundo e atemorizante de vazio, com depressão grave e pensamentos suicidas. Por duas 17 semanas após o parto, ela se recusou a evacuar e quando se viu forçada pelas circunstâncias a fazê-lo, teve a aterrorizadora fantasia de que estava defecando um bebê. Por outro lado, tanto as suas fezes quanto o bebê dentro de si representavam também o pênis que ela desejava ter possuído por toda sua vida. A gravidez, vista sob este prisma, seria para ela a negação da castração; e o nascimento da criança, a repetição da perda do pênis, à qual reagiu com depressão. União anal – Quando comparamos as histórias anais de Bobby e de sua mãe, ficamos impressionados com as similaridades de comportamento e de conteúdo da fantasia. Tanto Bobby quanto a Sra. N tinham, na infância, utilizado o treinamento para o uso da privada a fim de assegurar a presença e atenção de suas mães, e se esforçaram para que isto se transformasse, para elas, em uma frente de batalha que assumia proporções sadomasoquistas. Estes esforços resultaram, em ambos, em uma atitude de hostilidade e desejos de morte contra a mãe, atitude que foi, por sua vez, sucedida pelo agarramento compulsivo. Em ambos isto levou ao sintoma da constipação e aos subseqüentes tratamentos, enemas etc. É interessante notar que não há similaridade entre as circunstâncias externas de vida às quais este resultado patológico quase idêntico possa estar relacionado. Ao contrário, Bobby e sua mãe foram criados em circunstâncias familiares completamente diversas. Bobby 18 era filho único para quem a atenção da mãe foi excessiva desde o início; a Sra. N era a mais jovem de muitos filhos e teve de lutar pela atenção da mãe que se tornou cada vez menor a partir de sua doença. A piora da mãe e sua morte foram fatores patogênicos muito fortes com relação ao desenvolvimento e psicopatologia da Sra. N. Está aberto à especulação por que meios as fantasias da mãe, relacionadas à equação do conteúdo corporal e da imagem da mãe, atingiram Bobby. Podemos supor que ele desenvolveu uma sensibilidade acentuada pela excitação da mãe quando ela o auxiliava ao penico. Enquanto esperava até que ele terminasse seus esforços, ela se identificava com ele e nele projetava seus próprios desejos precoces relacionados à mãe. Ela tinha de ficar com ele, tal como havia forçado sua mãe a permanecer com ela durante a defecação. Como nestas ocasiões ela tinha gostado da presença da mãe tanto externa quanto internamente, sentiu uma forte união com seu próprio filho quando podia oferecer o mesmo tipo de apoio. Bobby respondeu com seu ritual anal a esta atitude sexualizada da mãe com relação aos seus movimentos intestinais. Sob a luz das análises, este ritual assumiu o aspecto de uma folie à deux. Tal como anteriormente descrito, o ritual consistia no andar na ponta de pé em volta do quarto, manter-se frente à janela, fazendo com que a mãe cantasse e segurasse o penico debaixo Pulsional Revista de Psicanálise dele. A canção escolhida era uma canção de amor e o palavreado completo do refrão em questão é o seguinte: Vá na ponta dos pés para a janela, à janela, Lá onde eu vou estar, Venha comigo, ande na ponta dos pés pelas tulipas. O ato de evacuação de Bobby se torna, assim, um momento de perfeita união amorosa entre dois parceiros. Projeção da angústia de separação – Outro sintoma relacionado com o comportamento anal da criança, especialmente a angústia de separação, não parece estar tão bem distribuído entre mãe e criança. Em um comportamento aberto, Bobby agarrou-se à mãe tal como ela o havia feito com a própria mãe. Por outro lado, logo se tornou evidente que, enquanto comia, Bobby era capaz de se comportar de maneira bem diversa da que quando estava sob a influência direta da mãe. Ele gostava de sua independência quando estava com o pai, com o analista ou na escola, e reagiu bem à separação de sua mãe quando a Clínica o ajudou a encontrar um lugar para as férias de verão. Foi a mãe quem, por duas razões, não pôde permitir que Bobby desfrutasse de tal independência. Seu sentimento de liberdade quando ela estava sem ele foi sentido, por ela, como uma prova de seu ódio pelo filho e de seus desejos de morte contra ele. Quando o menino mostrou prazer em não estar com ela, tornou-se, para ela, um símbolo de sua própria mãe que a havia abandonado. Como pretexto de sua incapacidade de se afastar de Bobby, ela Análise simultânea da mãe e da criança projetou seus próprios sentimentos no filho, sentiu a angústia de separação como sendo dele e provocou sua manifestação expressa de todas as maneiras. Quando mãe e filho se encontraram novamente após a separação, a cena anal foi imediatamente retomada. Assim, quando a mãe trouxe Bobby para casa após as férias, ele lhe disse imediatamente que não havia tido contrações durante toda a quinzena, o que, evidentemente, não era verdade. Projeção dos processos corporais – Houve um outro incidente surpreendente na história da mãe que tornou evidente a identificação de seus próprios processos corporais com os da criança. Durante o período de diarréia de Bobby, aos doze meses de idade, a mãe sofreu simultaneamente do que descreveu como “um acúmulo de coisas em suas trompas de falópio” (de acordo com o relatório médico, um efeito orgânico da constipação crônica). No dia mesmo em que Bobby foi considerado curado de sua diarréia, ela foi ao hospital para se examinar e lá permaneceu para uma operação imediata. Em sua mente, ela necessitava de uma limpeza geral de sua sujeira interior. Ela experimentou a operação como um misto de evento anal e edípico. Em sua descrição, ao entrar na sala de operação, seus sentimentos eram como os de uma jovem indo para o casamento; estava totalmente excitada. Após a operação sua interpretação do evento mudou. Ela sentiu que algo lhe havia sido tomado à força e, em suas próprias palavras, “ela jamais saberia o que era 19 isso.” As fantasias sobre esta operação vinculavam a privação anal por meio de clisteres e a privação fálica (ser privada do pênis). Havia também a conflitante fantasia inconsciente de que os médicos haviam deixado algo duro e firme dentro dela, que tomava a significação alternativa do pênis, fezes, a mãe dentro de si. Em retrospecto, poderia ser mostrado na análise que, quando suas fantasias de cheio e vazio cessaram de estar relacionadas ao corpo do filho, elas se voltaram imediatamente para o seu próprio corpo do qual haviam estado afastadas. Nascimento anal – Para mãe e filho o ato de evacuação representava um nascimento simbólico, embora haja, a este respeito, algumas diferenças significativas entre suas fantasias. No inconsciente da mãe, o tamanho das fezes grandes possuía um papel especial. Notadamente após o nascimento de Bobby, ela achou que seu excremento era “tão grande quanto um bebê”. Em seu caso, de acordo com a análise, a equação fezes-bebê tinha uma importância secundária com relação à equação fezes-mãe. Conseqüentemente, a expulsão das fezes é seguida pelo vazio, pela depressão e pelos pensamentos suicidas. É difícil dizer pela evidência do material de Bobby se ele foi ou não afetado por esta parte da psicopatologia da mãe. Suas fantasias de nascimento anal tinham a qualidade das fantasias normais infantis do estágio anal a respeito do nascimento. Ele Pulsional Revista de Psicanálise 20 próprio era o bebê anal, identificado com seu conteúdo intestinal; portanto, ele experimentava a angústia quando a mãe não tinha carinho por seus produtos anais, “afogando-os” na privada. Como defesa do medo de ser jogado fora e afogado pela mãe, ele desenvolveu o jogo compulsivo que lidava com o renascimento (o sair da água) de si mesmo, de suas bonecas, de seus ursos de pelúcia. Este talvez seja o ponto em que os materiais da mãe e da criança estejam mais distanciados. Onde o filho experimentava a angústia, a mãe desenvolvia estados depressivos. IV. FASE EDÍPICA – LUTAS E SINTOMAS FÁLICOS a) Descrição da mãe do comportamento de Bobby As reclamações da mãe sobre o comportamento de Bobby na fase edípica não foram menos dramáticas que as relativas às atitudes iniciais. Tal como anteriormente mencionado, ela comentou que ele não tinha a capacidade de fazer o que quer que fosse por si só e a forçava a fazer tudo por ele, que dolentemente esperava que ela o vestisse, chegando ao ponto de ela ter de enfiar seus braços pelas mangas das roupas enquanto ele dizia continuamente: “Eu não posso fazer isto, você faz”. De acordo com a mãe, este comportamento passivo alternava com seu controle sobre ela, sua insistência de que ela deveria agir como ele ordenava, acompanhado de explosões de raiva tempe- ramentais quando ela o fazia esperar ou não agia conforme a sua vontade. Ela o descrevia como extremamente provocativo. Quando queria que ficasse quieto, ele fazia muito barulho, gritava e berrava. Corria sem direção em torno do quarto, batendo contra as paredes. Uma de suas brincadeiras prediletas era a de correr de uma parede à outra com um ônibus de brinquedo à sua frente, imitando o barulho de uma locomotiva. Ele era “rude” com ela, levantava-lhe as saias e mostrava-lhe o pênis. Desta maneira, ele a provocava a ponto de apanhar. Suas provocações incluíam ações perigosas que a amedrontavam, tal como pular de grandes alturas. Este comportamento alcançou o clímax no sintoma que levou ao seu tratamento: especialmente o de livrar-se da mãe na rua para correr diante dos carros e ônibus. Finalmente, ela reclamou sobre as dificuldades dele em pegar no sono e seus terrores noturnos em virtude dos quais acordaria berrando. Quando isto ocorria, ela ia até sua cama para acalmálo e, quando não tinha sucesso, levavao para a sua própria cama. b) O material da criança Ações passivas – Foi possível, durante o tratamento da criança, testemunhar sua rápida transformação de uma criança ativa viril em outra passiva, assustada e desamparada. Estas mudanças ocorriam quando ele via sua mãe ao final de sua sessão. Quando estava sozinho com sua terapeuta, logo Análise simultânea da mãe e da criança colocava seu casaco sem ajuda, mas se a mãe chegava antes que o fizesse, permaneceria largado e desanimado, os braços pendendo ao longo de seu corpo enquanto a mãe tentava vesti-lo. Em outras ocasiões, é claro, como já foi dito, sua passividade era transferida para as sessões, ficando ele incapacitado de brincar e insistindo em não poder fazer nada sozinho. Ambivalência – Muito do seu material foi produzido na sessão analítica com o auxílio de uma boneca de brinquedo, as bonecas sendo chamadas de meninas e bebês, representando sua mãe e ele próprio. Ou, ainda, ele mesmo iria assumir o papel de mãe e representar com as bonecas o comportamento sadomasoquista que sua mãe mostrava ao cuidar dele. Ele torturava as bonecas e, ao mesmo tempo, perguntava-lhes se o amavam. Ele diria, por exemplo, para a sua boneca favorita, chamada Mary, que ela não precisava ter medo, que ele apenas iria lavar suas mãos e rosto. Então, não cumprindo sua promessa, ele a despia totalmente, empurrava-a cruelmente para dentro d’água, jogavaa e a deixava sozinha na banheira. Novamente, ele perguntava à boneca se ela o amava. Comportamento similar era transferido diretamente para a terapeuta a quem atormentava e provocava ao mesmo tempo em que implorava sinais de amor e afeição. Castração – As bonecas foram mais tarde utilizadas para representar os medos de castração e sua defesa contra eles. De novo Bobby reverteu o uso dos 21 chapéus das bonecas que, durante seu jogo anal, haviam simbolizado o penico. Os chapéus assumiram o papel de pênis, ou parte dele, especialmente o pênis do pai com seu poder mágico. Quando tinham de representar a genitália castrada da mãe ou o homem castrado, os mesmos chapéus eram usados como receptáculos. Os chapéus também eram um símbolo de representação da partida. Tirar os chapéus significava que o pênis ou a pessoa inteira sumiram. Ao colocar em ação seus medos e fantasias ele tiraria, por exemplo, o chapéu da boneca Mary que representava ele próprio (castrado); então, arrancava todos os chapéus das bonecas ou trocava os chapéus das bonecas do sexo feminino pelos do sexo masculino (mudança de sexo com a mãe). A análise mostrou que ele tinha plena consciência da genitália de sua mãe a qual considerava castrada. Os incidentes eram revelados quando ele tinha a oportunidade de fazer observações a respeito do corpo da mãe. Certa vez ela abrira a porta para deixá-lo entrar no quarto enquanto estava com uma grave hemorragia e sua camisola coberta de sangue. Muito do comportamento e sintomas estranhos de Bobby pode ser remontado aos seus medos da castração. Em seu comportamento com relação ao próprio corpo, ele se identificou com a imagem sádica, castradora, da mãe e desenvolveu tendências de autoflagelação: quando frustrado, ele espancava sua cabeça, arrancava a pele de seus lábios, 22 comia as unhas até arrancar sangue. Isto também servia de castigo por seus desejos sádicos em relação à mãe. Ele desenvolveu o medo de se aproximar de mulheres, recusava-se sentar perto das garotas na escola e, nestas ocasiões, gritava ou ameaçava acabar com elas. Também ameaçou “acabar” com sua mãe, castrá-la. Ele iria recusar deixar que ela se sentasse ao seu lado durante as refeições. Por um lado, percebia a si mesmo e ao seu pai como homens; por outro, sua mãe, como uma pessoa estragada: ele e seu pai tinham de comer em pratos em bom estado, ao passo que à sua mãe era consignado um prato danificado e com a decoração desgastada. Não era permitido que ele ou seu pai usassem uma cadeira quebrada na qual ele fazia a mãe sentar-se. Fantasias de relação sexual – O ciúme edípico de Bobby veio à tona quando a mãe começou sua própria análise com um analista do sexo masculino. Isto foi representado, na transferência, de uma maneira selvagem, com Bobby atirando-se no sofá, colocando uma almofada entre suas pernas, atirando-a contra a analista etc. Ele começou a se masturbar na sessão, tornou-se agitado e barulhento, terminando a cena caindo, tendo um acidente, sendo assolado e morto. Convidou a analista a cavalgar um cavalo consigo, a ir para as “Ilhas idiotas” e afogar-se com ele. É fácil verificar que as fantasias de relação sexual de Bobby, com ele no papel masculino, invariavelmente terminavam com sua própria queda, ferimento, Pulsional Revista de Psicanálise humilhação e morte (castração). Defesas contra os medos de castração – Bobby utilizava uma variedade de mecanismos para impedir seus medos, desejos e fantasias de castração. Quando seu medo de castração era muito intenso, ele regredia ao comportamento analpassivo responsável por muitos de seus traços de caráter e padrões de comportamento anteriormente descritos. Uma menor quantidade de angústia era tratada através de outros mecanismos. Tal como expresso na brincadeira das bonecas, ele iria trocar os papéis masculino e feminino (colocando chapéus de meninas em meninos e viceversa). Quando brincava de ter relações sexuais com as bonecas, ele faria com que as do sexo feminino montassem sobre as do sexo masculino. Ele modelava casquinhas de sorvete com massinha, dizendo que os meninos tinham lindas casquinhas marrons; as meninas, vermelhas indecentes (esta última informação apenas sussurrada); isto era imediatamente alternado para garotas fazendo coisas grandes em marrom e os meninos, em vermelho. A tendência à troca era mostrada quando ele colocava o casaco ao contrário. Por um lado, certificava-se da integridade de seu pênis, exibindo-se de forma exagerada para a sua mãe e, por outro, assumindo o comando da atividade do pênis ereto com todo o seu corpo. Esta última defesa explicou muito de sua inquietação, de suas esquivas, de suas correrias e de suas trombadas contra as paredes. Quando se atirava Análise simultânea da mãe e da criança contra um obstáculo ele se imaginava representando um ataque masculino à mãe. Ele também se imaginava no papel de macho superprotetor que resgata a fêmea dos perigos. Em seu comportamento transferencial, ele demonstrava muitas das experiências assustadoras transformadas de eventos passivos em ativos. Lápis dentro de uma caixa representavam as professoras que ele temia e que, por sua vez, eram punidas sendo trancafiadas em suas caixas. Sua brincadeira de ser um trem de metrô e amedrontar os demais representava seu próprio temor do subterrâneo. Ele assumiu o papel castrador em relação à terapeuta ameaçando arrancar seus braços, pernas e nariz. Mais reveladoras ainda foram as suas tentativas de puxar suas mangas com muita brutalidade. Isto representava o que ele experimentou ser o ataque da mãe ao seu pênis quando ela puxava a pele dele. Na transferência, ele repetia a agitação selvagem que sentia nestas ocasiões, as quais eram acompanhadas de um estado letárgico na presença da mãe (por acaso, sua recusa de colocar os braços dentro das mangas de seu casaco remetia à mesma situação). c) O material da mãe e suas implicações para a criança Tal como no caso de Bobby, a fixação anal da mãe coloria suas lutas edípicas. Seus conflitos conscientes e inconscientes a respeito de defecação coincidiam com a inveja do pênis que havia dominado sua relação com o pai e o 23 irmão. Para o seu inconsciente, fazer cocôs grandes significava possuir um pênis. Por toda a sua vida ela teve a fantasia de que algo lhe faltava no corpo, algo que não havia sido terminado, e que iria crescer dentro de si enquanto dormia. Durante sua fase edípica, a equação fezes-pênis estava vinculada ao seu intenso desejo de ter um bebê do pai e isto formou, em seu inconsciente, o equivalente simbólico usual: fezes = pênis = criança. O significado anal-fálico da criança se tornou mais patente durante a época da gravidez e parto. Sua alegria neste período se devia à tripla significação do feto como conteúdo corporal (anal) bom, a posse do pênis (fálico) e a recriação da mãe dentro de seu corpo. Bobby como o pênis da mãe – As fantasias sobre a posse de um pênis e sua temida perda ocuparam sua análise. A partir do momento em que ela deu à luz uma criança do sexo masculino, estas fantasias foram projetadas sobre Bobby e moldaram sua relação com ele. Bobby representou a personificação do pênis do irmão que havia desejado para si mesma. Neste papel ele era, para ela, uma influência altamente erótica, excitante, fascinante, assim como assustadora. Quando o próprio Bobby estava excitado, ela se sentia mais e mais incapacitada, impossibilitada e sem forças para controlá-lo. As travessuras selvagens de Bobby tinham para ela o significado de uma ereção sua. Embora sentisse conscientemente que as tendências exibicionistas do menino eram-lhe intoleráveis, 24 inconscientemente ela as provocava e se sentia completamente devastada por elas. Sua análise não deixou dúvidas de que o exibicionismo de Bobby significava para ela a realização de seu desejo de possuir um pênis que ele podia exibir. Não é de se estranhar que ela se sentisse impotente para ajudá-lo a se controlar. No que concerne a Bobby, embora seu exibicionismo tivesse origem na necessidade de assegurar sua masculinidade, o significado que assumiu para a mãe perpetuou o sintoma e concedeulhe um importante lugar na relação entre eles. Ao se exibir para ela, ele estabelecia uma nova união entre ambos, oferecendo-lhe seu pênis como a procurada completude do corpo dela. Bobby como o pênis do pai – A masculinidade de Bobby também representava para a mãe um outro e mais sinistro aspecto de sua inveja do pênis, ou seja, a perigosa masculinidade do pai. Quando assolada por estas fantasias, ela sentia o filho como um homem, um adulto, seu pênis se tornando uma ameaça para ela, paralisando-a e dominando-a. De acordo com seu próprio relato na análise, tudo o que Bobby tinha de fazer para dominá-la era se exibir para ela. Quanto mais excitada ficava, mais ela perdia o controle da situação; quanto menor se sentia, maior o filho lhe parecia. A análise relacionou o medo que tinha dele às observações que ela havia feito durante a cena primária no quarto dos pais. A visão do pênis do pai havia causado nela um efeito profundo e dramático. Estas experiências foram Pulsional Revista de Psicanálise revividas durante a sua adolescência quando ela sentia a compulsão de observar os exibicionistas e quando imaginava “o pior” com certos operários, isto é, quando os imaginava vindo em sua direção com pênis eretos para seduzi-la. Os sentimentos violentos que foram despertados por tais lembranças se dirigiram contra o pênis da criança e não deixaram de ter conseqüências sobre esta. Lembramos que, nesta relação, jamais Bobby podia exibir-se à sua mãe sem que tal cena terminasse em sua “queda” literal e simbólica. O que se iniciava geralmente como um jogo amoroso entre mãe e filho acabava com a violenta rejeição materna da masculinidade do garoto. Bobby como uma criança incestuosa – Foi uma pena, para Bobby, que ele representasse para a mãe não apenas a masculinidade sedutora do pai, mas também seu resultado imaginário. No período em que a análise tratou de seus conflitos edípicos, ela falaria de Bobby, da maneira mais violenta, como uma criatura imunda, um monstro sujo que seria a vergonha de sua vida. Ela estava enojada pela própria idéia de ter querido um filho, só uma mulher depravada e degradada teria tal desejo, ela teria de pagar por isso ficando envergonhada para o resto da vida, a criança sendo sua maldição; ela jamais pagaria o suficiente por sua culpa. A análise remontou sua culpa à fantasia na qual Bobby representava o seu desejo de ter um bebê do pai. Concepção sádica da relação sexual – Análise simultânea da mãe e da criança Fantasia do “Gato e Rato” – A concepção da Sra. N sobre a relação sexual era sadomasoquista. Sua infância foi dominada pelo desejo de ser espancada pelo pai, desejo este que se expressava conscientemente nas usuais fantasias de agressão. O medo de seu pai foi estimulado mais tarde por tê-lo visto bêbado repetidamente e por vê-lo bater em um cavalo nestas ocasiões. Em seu inconsciente ela se identificou com o cavalo, desejando ser tratada da mesma forma. Inconscientemente, ela atribuiu a morte da mãe ao brutal ataque que o pai lhe fez durante uma relação sexual. Cada relação era vista por ela como um estupro, como um ataque sádico contra uma mulher indefesa. Na sua infância ela teve uma fantasia obsessiva consciente que representava idéias inconscientes. Nesta fantasia, um gato tinha um prazer sádico de deixar um rato com a esperança de liberdade, deixá-lo escapar e, em seguida, agredilo. Sua própria identificação alternava entre os papéis sádico (do gato) e sadomasoquista (do rato). Esta fantasia do “gato e rato” foi repetida na relação de transferência, na qual ela desempenhava o papel de vítima e consignava ao analista o de agressor sádico. Ao provocá-lo, ela esperava que o analista sentisse que “a estava matando”. Cada detalhe do enquadre analítico ficou investido de significado sádico, tal como “palavras forçadas, fala, sonhos”, em que a observava, aproveitando a primeira ocasião para abusar dela. Em suas próprias palavras 25 o analista era um “vulto esperando o momento para atacá-la.” Especialmente ao sair da sala no final de sua sessão, ela esperava que o analista fosse forçála a voltar ao divã, porque ela ainda não havia sofrido o bastante. Mas esta fantasia de “gato e rato” foi transferida, não menos compulsivamente, para Bobby a criança e ela mesma representando por vezes um, por vezes o outro parceiro. Às vezes, Bobby a simbolizou no papel de vítima desamparada. Em outras ocasiões, ela própria seria a vítima, imputando a Bobby o papel dominador e controlador. Ela provocaria cenas com ele segundo esta fantasia e as desenvolveria até que uma intensidade específica e um ápice de excitação fossem alcançados. Isto feito, ela subitamente invertia os papéis e sentia como se estivesse “matando Bobby”, “esfaqueando-o”. Cenas desta espécie geralmente terminavam em uma surra que ela administrava de modo incontrolável e compulsivo. Esta parte da análise da mãe lançou luz sobre o sintoma de “desobediência” da criança, de estar “fora de controle”. Deve-se supor que este comportamento era a resposta à intensa provocação que emanava da fantasia consciente e inconsciente da mãe. Atuando nas ruas – A excitação sexual da Sra. N, que era estimulada por sua compreensão sadomasoquista do enquadre analítico, era atuada parcialmente nas sessões e parcialmente na rua. Quanto mais seus sentimentos transferenciais aumentavam, mais temerosa do 26 tráfico ela ficava, até que seu comportamento se aproximou de uma agorafobia. Ela não mais se sentia a salvo na rua e percebeu que não podia mais controlar seus movimentos. Caminhões e ônibus assumiam um aspecto amedrontador, esperando para bater contra ela e atropelá-la. Ela sentia como se os radiadores dos caminhões que se aproximavam estivessem vivos e fossem humanóides; sentia que os caminhões estavam desgovernados. Este material foilhe interpretado como uma excitação erótica deslocada (radiadores = pênis eretos, fantasia de relação sexual = ser atropelada). Ela lembrou-se novamente dos homens ameaçadores de sua adolescência vindo com pênis eretos prontos para estuprá-la. Esta insegurança na rua já aparecera ocasionalmente no consultório quando ela saía da sala. Quando ela tropeçava e se machucava na parede sob o olhar do analista, sentia-se como uma prostituta. Há um vínculo definido entre a sexualização do tráfego pela Sra. N e o sintoma de correr em meio ao tráfego que levou à procura de uma análise para Bobby. Para mãe e filho, os ônibus eram símbolos fálicos. O que aparecia como uma atitude fóbica na mãe, apareceu como um jogo quase compulsivo com os ônibus que Bobby segurava à sua frente quando se arremetia contra as paredes da sala e, mais tarde, na irresistível atração que o tráfego teve para si. Mãe e filho atuavam, embora de maneiras distintas, sob a dominação de uma fantasia idêntica. Pulsional Revista de Psicanálise Manipulação do pênis de Bobby – A análise da Sra. N forneceu algumas informações a respeito de sua incapacidade de seguir os conselhos da Sra. Thomas com relação aos cuidados com o pênis do filho e o porquê de ela ter esquecido todas as conversas relativas ao assunto. Desde então, ela havia sido repetidamente alertada para o fato de que puxar a pele do prepúcio era não apenas supérfluo, mas positivamente danoso para a criança. Entretanto, ela jamais alterou seu comportamento. Em um estágio mais avançado de sua análise ela teve um sonho relacionado a esta questão. “Há algo como um relógio; ela sente que tem de tocar nele, ela tem de ver se ele funciona bem. Ao manuseá-lo, ela o quebra, ele pára de funcionar, ela se sente tão culpada que, se alguém lhe perguntar se ela mexeu no relógio, responderá que não.” As associações com este sonho e os elementos simbólicos conduziram à idéia de que ela havia se machucado ao se masturbar. Geralmente, isto cria na criança uma compulsão a tocar no órgão genital, a se masturbar novamente, a descobrir se ele ainda estava intacto ou se tinha parado de funcionar. No caso da Sra. N, esta compulsão havia sido transferida para seu filho. Sua preocupação com a própria genitália castrada havia se transformado em uma preocupação em relação ao estado do pênis de Bobby. Ela ficou obcecada pela idéia de que havia algo errado com ele e que tinha de averiguar. A compulsão continha ambos Análise simultânea da mãe e da criança os lados de sua ambivalência com relação ao pênis do menino: seu desejo de possuí-lo saudável e intacto (como se fosse dela) e, como retaliação, o desejo contrário de danificá-lo e destruílo (o de seu pai, seu irmão e o seu próprio pênis). O manuseio do pênis de Bobby serviu, então, a muitos propósitos: fornecia-lhe excitação sexual na masturbação que era realizada nele; criava uma válvula de escape para o lado agressivo e masoquista de sua inveja do pênis; e, finalmente, forneceu-lhe controle sobre sua masculinidade, por ela experimentado como força incontrolável. Não é surpreendente que qualquer orientação vindo de fora pudesse ter influência alguma nesta faceta particular de seu comportamento. V. SUMÁRIO E CONCLUSÕES A comparação entre as psicopatologias da Sra. N e de seu filho, tal como apareceram em suas respectivas análises, não está completa. Há uma grande quantidade de material de ambos os lados que não foi utilizada neste estudo cujo objetivo era, apenas, esclarecer os pontos mais vitais de interação. Mas mesmo dentro destas limitações, parece-me possível mostrar que a influência das ações da mãe, sua atitude manifesta, seu consciente e, sobretudo, as fantasias e angústias inconscientes, não são nem diretas nem uniformes. Os seguintes tipos de interação me parecem ser os mais importantes: a) Há exemplos em que a inibição do papel da mãe, devido à angústia incons- 27 ciente, tem uma influência patogênica duradoura sobre toda a vida e desenvolvimento da criança. Tal instância é a atitude da mãe quanto à amamentação ao seio. Tal como descrito acima, ela repete seus próprios desejos de morte contra sua mãe, projetando o papel de agressor em Bobby que, conforme teme, irá secá-la, esvaziá-la. Para proteger sua própria vida, ela não terá leite para ele, e este fato transforma-o de uma criança potencialmente feliz e satisfeita, em outra rabugenta e insatisfeita. Aqui, seus temores inconscientes cumprem o papel de agentes ativos do ambiente patogênico. b) O mesmo é verdadeiro quanto às suas fantasias de vazio e cheio, embora o resultado seja diferente neste caso. Estas fantasias não apenas determinam sua situação alimentar – tendo uma grande participação na avaliação da mãe da desordem digestiva e aplicação de uma dieta no filho – como também são assumidas por Bobby, e de agente externo se transformam em agente interno. É impossível dizer de que maneira Bobby foi afetado pelas fantasias da mãe relativas ao conteúdo do corpo e sua relação com a imagem da mãe; pode ter acontecido por meio da observação de suas atitudes – já que isto parece ocorrer entre mãe e filho –, por meio da comunicação direta entre seus inconscientes. Seja como for, a idéia dos conteúdos bons e maus se torna parte integral da própria fantasia de vida de Bobby e determina seus 28 problemas alimentares subseqüentes e sua constipação. c) No que se refere ao exibicionismo de Bobby, descrevemos a influência da mãe como um fator secundário e não primário de desenvolvimento. O exibicionismo de Bobby parece ter surgido espontaneamente, determinado, por um lado, pelos desejos fálicos e reforçados e, por outro, por sua necessidade de se assegurar contra os medos da castração. Mas esta ocorrência típica na criança vai ao encontro da supervalorização da mãe em relação ao pênis, de seus desejos conflituosos de possuí-lo e seus impulsos hostis contra ele. O que poderia ter sido uma fase transitória na vida de Bobby é transformado, assim, em um sintoma permanente devido à reação da mãe. Bobby não deixa de notar, apenas para citar a mãe, que ele precisa tão somente mostrar seu pênis para dominá-la completamente. d) Novamente Bobby reage à sexualização do tráfego pela mãe. Neste caso, a mãe se defende das ameaças sexuais expressas pelos automóveis e caminhões através de uma atitude quase fóbica. Bobby responde ao mesmo simbolismo de maneira oposta. Aonde a mãe evita o tráfego, ele se desgarra dela para correr diretamente contra este, isto é, através de um fascínio positivo e provocação de suas atitudes masoquistas passivas. e) Mãe e filho se encontram em íntima relação nos dois seguintes sintomas que equivalem a uma folie à deux na in- Pulsional Revista de Psicanálise tensidade pela qual estão cumprindo seus papéis: a fantasia do “gato e rato” e o ritual anal. Aqui Bobby se lança de corpo e alma na disposição sadomasoquista da mãe, deixando-se provocar e provocando-a até que a cena inteira termine com ela batendo nele (uma representação de suas próprias fantasias de agressão dirigidas ao pai). Mãe e filho assumem alternadamente a função de agressor e vítima, trocando geralmente de papéis no meio da cena. A colocação em cena de uma fantasia com os papéis compartilhados é mais impressionante ainda no ritual anal quando mãe e filho entram na mais íntima parceria, a criança movendo o seu corpo para a mãe cantando, sua defecação sendo cronometrada para a colaboração da mãe. Não são mais necessárias explicações do porquê das dificuldades da Sra. N não terem sido superadas pelo tratamento de orientação infantil; seus problemas eram muito graves e arraigados para estarem acessíveis a conselhos e orientações. Mesmo em análise, ela se mostrou uma paciente profundamente problemática com mudanças violentas de humor que eram atuadas na transferência e nas proximidades de casa. Mesmo quando se alcançava uma percepção das coisas, as melhoras alternavam-se com recaídas à menor provocação. No tratamento analítico de Bobby, tornou-se possível distinguir dois caminhos diferentes por meio dos quais ele respondia, de um lado, às fantasias da mãe Análise simultânea da mãe e da criança e, de outro, ao comportamento dela. À medida que ele se encontrava sob a vida fantasística da mãe, a análise foi capaz de colocá-lo em liberdade, trazendo suas reações à consciência e elaborando-as. Embora surgidas no inconsciente da mãe, ele tomou posse deste conteúdo fantasístico, pôde lidar com ele enquanto tal, e a sua análise foi seguida por um alívio usual. Em muitas circunstâncias, a análise teve de lidar também com um segundo afloramento de fantasias, encobrindo o que havia sido iniciado pela mãe. O material do conteúdo corporal bom e mau – revestido pelas fantasias de nascimento de bebês pelo ânus, seu afogamento, seu salvamento da água etc. – é um ponto em questão. Foi um trabalho lento, mas satisfatório, já que Bobby teve avanços significativos rumo a um comportamento normal e à independência em relação à mãe. Ele se tornou capaz de comer e defecar sem o auxílio dela mesmo em sua presença, ele foi para a escola sem quaisquer dificuldades, reagia bem às outras 29 crianças e até mesmo gostou de um período de férias afastado de sua mãe. No que tange às reações do filho quanto ao comportamento da mãe, isto é, a representação violenta de fantasias dela, o resultado foi menos favorável. Seu comportamento tal como a provocação do “gato e rato” e, sobretudo, sua constante manipulação dos genitais do menino atuaram nele como seduções permanentes. Tais seduções serviram para renovar constantemente sua forte ligação com a mãe e, assim, sobrecarregar a influência da análise que operava na direção oposta. Esta última reflexão pode ser útil para quando se desejar avaliar as chances de libertar uma criança, por meio da análise, da influência patogênica dos distúrbios da mãe. A criança que é somente seduzida pelas fantasias da mãe pode ser mais facilmente libertada do que aquela que tem de competir também com suas ações manifestas e, portanto, com a real estimulação e excitação corporais que são afloradas por estas. PSICOWAY Profissionais e Instituições de saúde mental via Internet — www.psicoway.com.br Psicoterapia, Fonoaudiologia, Psicopedagogia, Terapia Ocupacional, Acompanhamento Terapêutico, Neurologia, Psiquiatria, Psicologia do Esporte Profissionais qualificados com preços acessíveis Convênios para profissionais Informações Fonefax: (0xx11) 280-4487 e-mail: [email protected]