XV CISO – Encontro Norte e Nordeste de Ciências Sociais Pré-ALAS

Transcrição

XV CISO – Encontro Norte e Nordeste de Ciências Sociais Pré-ALAS
XV CISO – Encontro Norte e Nordeste de
Ciências Sociais Pré-ALAS
4 A 7 DE SETEMBRO DE 2012
UFPI – TERESINA, PI
GT – Mídia, cultura e sociedade
A CIBERCULTURA E A REPRODUTIBILIDADE
TÉCNICA DA MÚSICA
Guilherme Carvalho (UERN)1
1 Coordenador do Mestrado em Ciências Sociais e Humanas da Universidade do Estado do
Rio Grande do Norte – UERN, Professor Permanente do Mestrado em Letras da UERN,
Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília – UnB.
Introdução
No contexto da revolução informacional, os modos de produção e difusão
da arte, da cultura e da música foram alterados. A difusão dos bens simbólicos
se dá pela mediação das novas Tecnologias de Informação e Comunicação –
TIC’s. Com o aperfeiçoamento das tecnologias digitais, surge a World Wide
Web, um espaço virtual que constitui o ciberespaço.
Caracterizado como uma multimídia digital baseada nas TIC’s que
converge textos, áudio e vídeo, o ciberespaço pode ser visto como um sistema
de comunicação global e interativo. Com o ciberespaço, surge a cibercultura,
entendida como um novo modo de reprodutibilidade tecnológica do mundo
simbólico, ou dos bens culturais. Se considerarmos a cultura como o conjunto
das manifestações do ser humano que envolve as tradições, a arte, a religião,
os valores e os bens simbólicos, a música também faz parte desta dimensão.
Apropriada pela indústria cultural, a música foi transformada em
mercadoria para consumo, formando uma cadeia produtiva englobando as
gravadoras e a mídia. Com a revolução informacional e o advento da
cibercultura, podem ser observadas mudanças significativas nos processos de
reprodução e difusão da música. A digitalização da música reduziu a venda de
CDs, atingindo as grandes gravadoras e a cadeia produtiva da indústria
fonográfica. Todavia, a reprodutibilidade tecnológica da música baseada nas
mídias digitais possibilitou também a divulgação de trabalhos artísticos de
músicos e grupos musicais com projeção local. Levando em consideração tais
aspectos, o presente estudo discute as mudanças na indústria fonográfica com
o advento da cibercultura.
Trata-se de uma pesquisa que, primeiramente, aprofundou estudos sobre
a cibercultura e, no presente momento, é redirecionada para a temática do uso
de tecnologias digitais nos processos de produção e difusão da música.
Portanto, apresentamos aqui apenas hipóteses provisórias que necessitam de
estudos mais aprofundados.
O trabalho está subdividido em três partes. Na primeira, evidenciamos as
noções de “indústria cultural” e “reprodutibilidade técnica da obra de arte” para
refletirmos sobre a indústria fonográfica e os modos de reprodução da música.
Estes conceitos são discutidos a partir das teorias de Adorno, Horkheimer e
Walter Benjamin. Salientamos, na segunda parte, o desenvolvimento do
ciberespaço e o aparecimento da cibercultura. A última parte é dedicada a uma
discussão acerca das mudanças na indústria fonográfica com a digitalização da
música e o uso das tecnologias de informação e comunicação nos processos
de produção e difusão musical.
Indústria cultural e reprodutibilidade técnica
Na década de 1940, Adorno e Horkheimer desenvolveram estudos sobre
a produção e a difusão da cultura no sistema capitalista. No livro Dialética do
Esclarecimento, publicado em 1947, trataram, pela primeira vez, do conceito de
indústria cultural (ADORNO; HORKHEIMER, 1985). Nesta época, os filósofos
da Escola de Frankfurt viajaram para os Estados Unidos para fugir de
perseguições em decorrência da Segunda Guerra Mundial. Lá se depararam
com uma indústria voltada para o entretenimento e a diversão.
A indústria cultural, de acordo com Adorno e Horkheimer (1985), é uma
forma de cultura direcionada para o consumo de massa, uma “forma sui
generis pela qual a produção artística e cultural é organizada no contexto das
relações capitalistas de produção, lançada no mercado e por este consumida”
(FREITAG, 1994, p.72). Portanto, a produção artística, incluindo o cinema, as
artes plásticas, a música e outras formas de expressão, é direcionada para a
venda no mercado e o consumo.
Na visão de Adorno e Horkheimer (1985), a indústria cultural aliena o
trabalhador na medida em que serve para ocupar o seu tempo livre. A cultura
voltada para o consumo de massa é vista como uma “máquina destruidora da
razão, empresa totalitária de erradicação da autonomia do pensamento”
(LIPOVETSKY, 1989, p.15). Neste sentido, a arte é transformada em
mercadoria para o consumo.
A nova produção cultural tem a função de ocupar o espaço de
lazer que resta ao operário e ao trabalhador assalariado depois
de um longo dia de trabalho, a fim de recompor suas forças
para voltar a trabalhar no dia seguinte, sem lhe dar trégua para
pensar sobre a realidade miserável em que vive. A indústria
cultural, além disso, cria ilusão de que a felicidade não precisa
ser adiada para o futuro, por já estar concretizada no presente
— basta lembrar o caso da telenovela brasileira. E, finalmente,
ela elimina a dimensão crítica ainda presente na cultura
burguesa, fazendo as massas que consomem o novo produto
da indústria cultural esquecerem sua realidade alienada
(FREITAG, 1994, p.73).
A técnica e a racionalidade instrumental, que substituíram a razão
emancipatória do Iluminismo no contexto do sistema capitalista, direcionam a
indústria cultural. Em tal contexto, a arte produzida para o consumo e o
entretenimento não propiciam a autonomia e o esclarecimento dos indivíduos,
na perspectiva de Adorno e Horkheimer (1985), na medida em que estão
voltadas para interesses puramente econômicos.
O que interessa no cinema, por exemplo, são as “cifras de bilheteria”
(ADORNO; HORKHEIMER, 1985). O mesmo ocorre com relação à indústria
fonográfica. Grandes empresas expandiram-se no mercado mundial, utilizando
os meios de comunicação de massa e o monopólio dos sistemas de
distribuição de álbuns fonográficos em lojas.
Assim, os aparelhos de produção desenvolvidos no sistema capitalista
transformaram a arte em mercadoria, criando uma cadeia produtiva no caso da
música que envolve interesses econômicos, negócios, capital, consumo, lucro
e mercado. As multinacionais da indústria fonográfica se adequam aos
interesses locais para estender seus negócios a novos mercados. Apesar do
aparecimento e da importância que adquiriram as pequenas gravadoras, 70 %
do mercado da indústria fonográfica é dominado por quatro multinacionais, a
Universal, a BMG/Sony, a EMI e a Warner (QUEIROZ, 2012).
Adorno e Horkheimer (1985) consideram a arte produzida pela indústria
cultural como uma forma de incultura ou “acultural” (FREITAG, 1994) já que
está voltada exclusivamente para o entretenimento, alienando as pessoas. A
incultura da indústria cultural afeta até mesmo os órgãos sensoriais dos
indivíduos, reduzindo, no caso da música, a capacidade de audição deles.
Todavia, a perspectiva de Adorno e Horkheimer não é a única abordagem
sobre a indústria cultural. Analisando o uso das técnicas modernas do sistema
capitalista para a reprodução da obra de arte, Walter Benjamin (1985) discute a
perda da aura. Benjamin (1985) apresenta uma visão diferente de Adorno e
Horkheimer em relação às técnicas de reprodução da obra de arte.
Refletindo sobre a reprodução das produções artísticas, Benjamin (1985)
não considera que as técnicas modernas sejam os primeiros modos de
reprodutibilidade da obra de arte. Criada na Idade Média, a xilogravura é
considerada por Benjamin (1985) como a primeira forma de reprodução do
desenho.
No entanto, a reprodutibilidade técnica que surge no sistema capitalista
possui certas especificidades. No caso da fotografia, por exemplo, “a
reprodução técnica tem mais autonomia” na medida em que acentua “certos
aspectos do original, acessíveis à objetiva” (BENJAMIN, 1985, p.168). Por
outro lado, a reprodução da obra de arte baseada nas técnicas modernas do
sistema capitalista potencializa o acesso das pessoas aos bens culturais.
Assim, as obras de Mozart e Beethoven, anteriormente inacessíveis para
quem não fazia parte de uma pequena elite, ao serem reproduzidas pelas
técnicas modernas desenvolvidas no contexto do sistema capitalista, tornam-se
acessíveis a mais pessoas, mesmo levando em consideração que o acesso
dependerá do nível cultural de cada indivíduo.
Outro aspecto apontado por Benjamin (1985) é a perda da aura da obra
de arte com o uso das técnicas modernas de reprodução. “Mesmo na
reprodução mais perfeita, um elemento está ausente: o aqui e agora da obra de
arte, sua existência única, no lugar em que ela se encontra”. Apesar da perda
da aura, a obra de arte, para Benjamin (1985), apresenta um potencial
politizador e, por conseguinte, emancipatório. Tal aspecto pode ser observado
a partir das peças teatrais de Bertholt Brecht ou os filmes de Chaplin que
questionam a situação da classe trabalhadora e a exploração do sistema
capitalista.
Se a cultura for entendida como o conjunto de manifestações e
características espirituais, materiais, intelectuais e afetivas de uma determinada
sociedade, incluindo aí as artes, a literatura, o folclore, os modos de vida, as
tradições e a música, podemos concebê-la como o mundo simbólico do ser
humano. Cassirer (2005) mostra que uma característica marcante do ser
humano é que, além do sistema receptor e do sistema efetuador, ele possui um
sistema simbólico. Este é definido como uma “nova dimensão da realidade”
(CASSIRER, 2005, p.48).
Seguindo as perspectivas de Benjamin e Cassirer, podemos dizer que as
técnicas modernas de reprodução da música e de outras expressões artísticas
consistem em modos de reprodutibilidade de bens culturais ou simbólicos. Na
modernidade, o mundo simbólico é reproduzido por técnicas desenvolvidas no
contexto do sistema capitalista, seguindo, por um lado, a lógica e os interesses
mercadológicos, mas mantendo, em alguns casos, um teor de crítica política,
além de proporcionar, em outros, a manutenção e o registro de manifestações
da cultura popular.
Apesar de mostrar uma visão demasiadamente otimista em relação à
mídia, Lipovetsky (1989, p.17) mostra “o papel da sedução e do efêmero no
impulso das subjetividades autônomas”, além do “papel do frívolo no
desenvolvimento das consciências críticas [...]”. Talvez seja exagero afirmar
que os meios de comunicação que servem para difundir a música tenham um
caráter democratizante e prossigam a trajetória iluminista, como sugere
Lipovetsky (1989).
Por envolver os interesses econômicos e as negociações de empresas
multinacionais, a indústria fonográfica se insere na lógica da indústria cultural
constituída no sistema capitalista. Há o aspecto do entretenimento e da
diversão, além de produções no campo da música que servem mais para
alienar o indivíduo. Contudo, não é possível generalizar a produção musical
difundida pela indústria fonográfica. A reprodutibilidade técnica da música —
entendida como uma forma de reprodução de bens simbólicos — propicia mais
acesso à cultura e pode apresentar um potencial emancipatório.
Cibercultura e reprodutibilidade técnica do mundo simbólico
Um dos serviços que tornou possível a transmissão de informações
através da Internet é a World Wide Web. O termo web significa “rede”. Assim,
usuários, empresas, governos e bancos podem estar conectados na grande
rede mundial de computadores, isto é, a World Wide Web, transmitindo e
recebendo informações, compartilhando conhecimentos, mesmo estando
situadas em regiões diferentes.
Diversas informações podem ser digitalizadas e disponibilizadas em uma
página, como textos, imagens, vídeos e sons. As páginas interconectadas
formam os sites da Internet. Os sites também se interconectam por intermédio
de links. Quando um usuário acessa a Web navega no ciberespaço. O termo
“navegar” é uma metáfora utilizada na Internet para fazer referência à prática
de se interconectar ao ciberespaço.
Na dimensão do ciberespaço, aparece uma nova forma de leitura, tendo
em vista que as páginas compõem hipertextos e o navegador escolhe o
caminho que mais lhe interessa percorrer na Internet. “O navegador pode se
fazer autor de maneira mais profunda do que percorrendo uma rede
preestabelecida: participando da estruturação do hipertexto, criando novas
ligações” (LÉVY, 1996, p. 45), ou novas páginas e links. O hipertexto não tem
uma forma linear.
Além de hipertextos, a World Wide Web é composta pela hipermídia, já
que há na Web a união de diversos modos de comunicação de informações.
Existem na Web diversos modos de transmitir e receber as informações. É
preciso ressaltar ainda que a World Wide Web permite a interação entre
usuários que podem ser respectivamente receptores da mensagem ou
emissores dela.
A World Wide Web tem um aspecto global na medida em que se
constitui um grande hipertexto construído pelos usuários da rede. Informações
diversas e conhecimentos específicos podem ser encontrados na World Wide
Web com acesso público para os usuários da rede. “Todos os textos públicos
acessíveis pela rede Internet doravante fazem virtualmente parte de um imenso
hipertexto em crescimento ininterrupto” (LÉVY, 1996, p. 46).
Com o advento da World Wide Web, o processo de transmissão de
conhecimentos adquire novas configurações, já que em outras formas de mídia
e troca de informações — como o correio, o rádio ou a televisão — os meios de
comunicação restringiam-se a textos impressos, ao som da voz ou a imagens
na tela. A hipermídia proporcionou a integração de diversos meios de
comunicação. Por unir textos, sons e imagens, a hipermídia renovou os modos
de transmissão do conhecimento. Multimídia e hipertexto são mecanismos de
transmissão de informações utilizados na World Wide Web, remodelando as
práticas sociais.
Se tomarmos a palavra ‘texto’ em seu sentido mais amplo
(que não exclui nem sons nem imagens), os
hiperdocumentos também podem ser chamados de
hipertextos. A abordagem mais simples do hipertexto é
descrevê-lo, em oposição a um texto linear, como um
texto estruturado em rede. O hipertexto é constituído por
nós (os elementos de informação, parágrafos, páginas,
imagens, seqüências musicais etc.) e por links entre
esses nós, referências, notas, ponteiros, ‘botões’
indicando a passagem de um nó a outro (LÉVY, 1999,
p.56).
Castells (2003) não acredita que a multimídia e a Internet teriam
constituído um hipertexto eletrônico em escala global. Falar em hipertexto é
referir-se a algo que “não é produzido pelo sistema multimídia usando a
Internet como” meio de comunicação (CASTELLS, 2003, p. 166). O hipertexto
seria um composto de textos, sons e imagens produzidos pelo ser humano que
utiliza a Internet como forma de assimilação da cultura.
A partir da criação da Internet surge a noção de ciberespaço. Pierre Lévy
(1999) entende o ciberespaço como um sistema de comunicação surgido a
partir da interligação dos computadores em rede. Relacionando o ciberespaço
com a difusão da Internet como um sistema mundial de comunicação que
interconecta computadores numa rede de redes, Lévy (1999) salienta que o
ciberespaço acolhe uma infinidade de informações, expandindo suas fronteiras
na medida em que é alimentado e realimentado pelos usuários. O usuário
percorre o caminho que preferir no ciberespaço. Diferentemente de um livro, o
hipertexto não tem início, meio e fim, mas diversos links para páginas
interpostas no ciberespaço.
Ao concebê-lo como “um não-lugar”, Lemos (2004, p. 128) compreende
o ciberespaço “como um espaço transnacional onde o corpo é suspenso pela
abolição do espaço [...]”. O ciberespaço seria, então, “um espaço imaginário,
um enorme hipertexto planetário” que representaria, por fim, “a encarnação
tecnológica do velho sonho de criação de um mundo paralelo, de uma memória
coletiva, do imaginário, dos mitos e símbolos [...]”, por conseguinte, da
dimensão simbólica do ser humano que transpõe para o espaço virtual
imagens, sons, signos e símbolos do imaginário coletivo.
Lévy (1999, p. 146) acrescenta que no ciberespaço os navegadores da
rede têm “acesso a um gigantesco metamundo virtual heterogêneo que
acolherá o fervilhamento dos mundos virtuais particulares com seus links
dinâmicos [...]”, podendo constituir uma experiência da “beleza que repousa na
memória das antigas culturas, assim como aquela que nascerá das formas
próprias da cibercultura”.
A cibercultura seria um “conjunto de técnicas, de práticas, de atitudes,
de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o
crescimento do ciberespaço” (LÉVY, 1999, p. 17). Lemos (2004, p. 131) sugere
que “com o advento da cibercultura, a cultura contemporânea” estaria diante de
“um rito de passagem em direção à desmaterialização da sociedade pósindustrial”. O paradigma da digitalização abrangeria a cibercultura que parece
buscar “a circulação de informações, o híbrido, a comunicação e interação”
(LEMOS, 2004, p. 183), de forma síncrona e assíncrona, traduzindo o “mundo
em bits [...], manipuláveis e postos em circulação” no ciberespaço.
Ao concebermos a cibercultura como o conjunto de práticas, modos de
pensamento e valores que crescem com o ciberespaço, corremos o risco de
predizer algo diverso da cultura das sociedades industriais quando o que
temos, por enquanto, é a transfiguração dos bens simbólicos e de maneiras de
agir e pensar num paradigma baseado na digitalização de informações. Ações
do cotidiano, como estudar numa universidade ou pagar uma conta no banco,
são realizadas por intermédio de artefatos tecnológicos. As formas de
transposição de signos e símbolos modificam-se e o ciberespaço é mais um
modo de difusão da cultura que se diferencia de outros meios de comunicação
por permitir a convergência dos suportes de transmissão de informações e
formar uma rede mundial de telecomunicação.
Castells (1999) concebe a cultura que emergiu com a formação da
sociedade em rede através do advento de um sistema de comunicação mundial
como a “cultura da virtualidade real”. O universo digital seria mais um ambiente
simbólico que nos conduziria não a uma realidade virtual, mas à experiência
humana captada de maneira abrangente e diversificada. No caso da Internet, a
realidade é figurada pela mediação de dígitos binários. Isto não quer dizer que
a realidade material foi suplantada por formas de interação mediadas pelo
paradigma da digitalização, tendo em vista que:
[...] a realidade, como é vivida, sempre foi virtual porque
sempre é percebida por intermédio de símbolos
formadores da prática com algum sentido que escapa à
sua rigorosa definição semântica. É exatamente esta
capacidade que todas as formas de linguagem têm de
codificar a ambigüidade e dar abertura a uma diversidade
de interpretações que torna as expressões culturais
distintas
do
raciocínio
formal/lógico/matemático
(CASTELLS, 1999, p.395).
O sistema de comunicação que aparece na sociedade da informação
corresponde à construção de uma virtualidade real. A cultura da virtualidade
real constitui-se mediante a comunicação virtual, tendo como suporte a
microeletrônica. Na perspectiva de Castells (2003, p. 167), é uma cultura real,
já que corresponde às bases materiais da existência humana, ou seja, às
formas de representação da realidade e construção de significados.
Informações, imagens, sons e textos podem ser digitalizados e
armazenados em memórias virtuais, permanecendo acessíveis através de
multimídias e da Internet. O uso do computador pessoal (microcomputador), a
criação do modem, da World Wide Web e da Internet modificam, sobretudo, a
memória coletiva da humanidade, além de influenciar mudanças nas atividades
cotidianas, nas formas culturais e no modo de construção do conhecimento,
perpassando, assim, o conjunto multidimensional dos campos de análise do
saber humano.
Digitalização da música e indústria fonográfica
O desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação alterou
os processos de produção e difusão da música. As tecnologias digitais
chegaram ao Brasil ainda no início da década de 1990. Mudanças significativas
ocorreram com o uso das tecnologias digitais nos processos de produção
musical. Ao mencionar estas mudanças, Dias (2008, p.15) levanta um
questionamento: “será o fim da grande indústria fonográfica?”
As tecnologias digitais foram incorporadas aos sistemas de gravação,
conciliando o digital com o analógico. Contudo, os processos de edição e
mixagem são realizados em sistemas digitais. Assim, as tecnologias digitais se
integram “à indústria cultural” (DIAS, 2008, p.15) e modificam a indústria
fonográfica.
No âmbito da indústria fonográfica, o que deveria ter sido
apenas mais um melhoramento técnico para o conjunto
gravação/reprodução, como tantos outros vistos, transformouse primeiramente em fonte de lucro fácil para as companhias,
com as reedições em CD dos discos registrados em vinil. Mas
a popularização da tecnologia digital trouxe consigo também a
capacidade de alterar as regras do jogo: a partir de então, a
indústria fonográfica mundial não mais poderia manter o
domínio fechado sobre os meios de produção de discos, o que
sempre sustentou sua primazia na proposição de conteúdos
musicais. O dilema foi aos poucos instaurando uma crise sem
precedentes na história desse ramo da indústria cultural, com a
queda nos lucros, contenção de investimentos e reestruturação
das formas de atuação (DIAS, 2008, p.15).
Com a incorporação das tecnologias digitais há uma redução nos custos
de produção. O sistema de gravação analógico tinha um custo muito alto.
Somente as grandes gravadoras tinham condições de financiar a produção de
um álbum. Além da produção do álbum, as multinacionais da indústria
fonográfica financiam a publicidade nas rádios e na televisão.
Mesmo com a incorporação das tecnologias digitais ainda são as
multinacionais que dominam os sistemas de produção e difusão musical. No
entanto, as tecnologias digitais propiciaram uma redução nos custos de
produção tão significativa que é possível criar um estúdio em casa.
As tecnologias digitais atingem não somente o sistema produção da
música, mas também as formas de difusão musical. “Há uma vasta produção
musical circulando via difusão digital, estimulando inclusive o circuito de
apresentações ao vivo, apesar do forte gargalo operado pela grande mídia”
(DIAS, 2008, p.16). Não é nossa intenção aqui discutir as questões técnicas
que envolvem a mudança na gravação da música do sistema analógico para o
digital, problemática que merece uma reflexão mais aprofundada e não tem
tanta relevância quando tratamos do consumidor leigo que não possui um
conhecimento técnico e nem a capacidade auditiva desenvolvida por músicos,
engenheiros de som e produtores. O questionamento que tem sido levantado
diz respeito ao fim do álbum com o advento do formato digital da música, o qual
circula no ciberespaço e faz parte da cibercultura.
Formatos da música “como o MP3, iPod, celular, CDs, transmissão de
dados via bluetooth, laptop, myspace, pendrives, p2p” (QUEIROZ, 2012, p.22),
potencializam a circulação e a difusão musical. Aí temos uma das razões da
queda nos lucros com a redução da venda de álbuns.
São formas e plataformas que aumentam consideravelmente
os meios de transmissão. Consequentemente, tem-se maiores
probabilidades de se aumentar o mercado consumidor, o qual,
por sua vez, fomenta os meios de produção (e vice-versa),
permitindo, no contexto atual, um espaço para todos os atores
e um aumento de forma sistemática de produtos como bens
simbólicos de consumo (QUEIROZ, 2012, p.22).
As novas formas de produção e difusão da música movimentam o
mercado das gravadoras e dos artistas independentes. Apesar de um público
reduzido em comparação com aquele atingido pelas multinacionais da indústria
fonográfica, os independentes apropriam-se do ciberespaço para difundirem
suas produções musicais em sites, blogs, em comunidades virtuais, e-mails,
etc.
Dias (2008, p.21) ressalta que “os avanços, sobretudo no âmbito das
tecnologias de gravação” proporcionam “uma relativa autonomização de
algumas etapas da produção de discos, possibilitando que artistas e empresas
independentes produzam e busquem seu lugar no mercado”. Podemos dizer
que com a gravação digital já é possível, com um equipamento de baixo custo,
realizar as etapas da produção musical. Na perspectiva de Dias (2008), as
questões que envolvem a produção independente são apresentam uma
complexidade e extensão que merece estudos e pesquisas.
As gravadoras independentes compõem a indústria fonográfica e se
apoiam cada vez mais dos processos de digitalização da música para se
afirmarem no mercado. Com o domínio das multinacionais, “o panorama
sempre evidenciou a contradição existente entre a farta produtividade e
efervescência musicais e as restritas possibilidades de acesso” (DIAS, 2008,
p.129) aos meios “de produção e difusão” da música, principalmente quando
nos referimos ao contexto da gravação analógica.
Alcançando os nichos, as independentes testam produtos, preparam
artistas que não são inicialmente acolhidos pelas multinacionais, “permitindo à
major realizar escolhas mais seguras no momento em que decide investir em
novos nomes” (DIAS, 2008, p.129). Tal aspecto pode ser observado na
pesquisa que iniciamos sobre a música independente em Brasília. É o caso de
bandas como o Natiruts e o Maskavo Ruts que iniciaram suas produções de
forma independente e em gravadoras independentes. Contratadas por
multinacionais, essas bandas passaram a circular na grande mídia.
Por outro lado, o trabalho artístico de bandas e artistas independentes de
Brasília, como os grupos Amanita, Ha-ono-beko, Feijão de Bandido, ou
músicos como Hamilton de Holanda e Gabriel Grossi, produzido por meio de
gravações digitais é difundido no ciberespaço, sendo expressão da cibercultura
entendida aqui como bem simbólico. São artistas que não estão na grande
mídia, mas possuem um público local.
Considerações finais
Com o aperfeiçoamento das tecnologias de comunicação, impulsionado,
sobretudo, pela convergência entre microeletrônica e computação, ocorreram
mudanças significativas na mídia. As tecnologias digitais constituem um
sistema de comunicação mundial, propiciando a integração de áudio, vídeo e
texto. Surge o ciberespaço e uma forma de reprodutibilidade tecnológica dos
bens simbólicos que podemos chamar de cibercultura.
O acesso aos bens simbólicos, restritos a um público, torna-se possível
com os processos de digitalização da música. Com o formato binário da
digitalização há uma potencialização das formas de difusão da música. Além
disso, a gravação digital permite que artistas e bandas tenham seus trabalhos
produzidos, registrados e difundidos por meio do ciberespaço. Apesar do
domínio das multinacionais no mercado da indústria fonográfica, mudanças
significativas nos processos de produção e difusão da música com o uso das
tecnologias de informação e comunicação alteram o cenário musical. A
digitalização da música quebra o monopólio da produção musical.
Gravadoras independentes ganham mais destaque e passam a ocupar
um percentual no mercado da música. Ainda são as multinacionais que
dominam o mercado, no entanto, as gravadoras independentes adquiriram
importância na medida em que testam e descobrem novos talentos.
O uso de tecnologias digitais nos processos de produção da música
reduziram os custos de gravação. Além disso, as tecnologias digitais
potencializam a difusão da música em novos formatos que, apesar de
perderem qualidade no tocante a questões técnicas para as gravações
realizadas no sistema analógico, podem circular e ser armazenados com mais
facilidade.
Referências Bibliográficas:
ADORNO, Theodor. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra,
2002.
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento:
fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense,
1985. (Obras Escolhidas, 1).
CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o Homem. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. A era da informação: economia,
sociedade e cultura. v.1. Tradução de Roneide Venâncio Majer. São Paulo: Paz
e Terra, 1999.
________. A galáxia da Internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a
sociedade. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2003.
DIAS, Marcia Tosta. Os donos da voz: a indústria fonográfica brasileira e
mundialização da cultura. 2ª ed. São Paulo: Boitempo, 2008.
FREITAG, Barbara. A teoria crítica: ontem e hoje. São Paulo: Brasiliense, 1994.
LEMOS, André. Cibercultura, tecnologia e
contemporânea. 2ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2004.
vida
social
na
cultura
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34,
1999.
________. O que é o virtual? Trad. de Paulo Neves. São Paulo: Ed. 34, 1996.
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas
sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
MARTINS, Guilherme. Uma reflexão sobre a rede mundial de computadores.
In: Sociedade e Estado, Departamento de Sociologia da Universidade de
Brasília, Brasília, v.21, n.2, 2006, p.549-554.
LEVY, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. – São Paulo:
Ed. 34, 1999.
QUEIROZ, Tobias Arruda. Mídia e produção de sentido: a reconfiguração da
indústria da música e as estratégias discursivas da associação cultural DoSol.
Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em
Estudos da Mídia, Natal, 2012.