5 4 Movimento ganhou a cena urbana no começo

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5 4 Movimento ganhou a cena urbana no começo
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T E R Ç A - F E I R A ,
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J A N E I R O
D E
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TURISMO
SHIRLEY PACELLI/ESP. EM/D. A PRESS
A RUA É ARTE
Movimento ganhou a cena urbana no começo da década de 1970, em Nova York, e se espalhou
pelo mundo. Inicialmente tratado como marginal, grafite de alguns virou obra popular
FOTOS: MARLYANA TAVARES/EM/D.A.PRESS
MARLYANA TAVARES
De São Paulo
A moça de maria-chiquinha e vestido verde oferece uma flor. Sobre
sua cabeça, um trecho de Guimarães Rosa: “Felicidade se acha em
horinhas de descuido”. A gueixa
moderna olha quem passa com ar
de desinteresse. Repete a expressão, agora em companhia da menina com traços de mangá que
dorme vigiada pelo gato preto sob
um viaduto da Avenida Sumaré.
Quem serão estas personagens? O
passante que se presta a perceber
através do caos urbano encontrará outras figuras, cenários, situações e abstrações que se sobrepõem à azáfama do trânsito para
se tornarem, elas mesmas, integrantes do cotidiano. Sobrepostos
em muros, sob viadutos, no chão e
em equipamentos urbanos, os grafites de São Paulo amenizam a
crueza do asfalto, embelezam o
cinza e transmitem mensagens.
Os desenhos gritam: “Ei, estamos
aqui. Entre prédios, carros e a desumanidade da metrópole há sentimentos, expectativas, desejos,
ilusões e a crença em algo além”.
S
e para Rosa ela está
em “horinhas de descuido”, para John Howard, “a felicidade é
um muro branco”. Ele
é um conhecido grafiteiro que começou a se expressar pelas ruas em 1975. Lá se vão
uns bons anos e hoje, ainda que
menos reconhecida no Brasil do
que em outros países, a arte das
ruas ganha virulência em vários
bairros da maior capital do país.
Na boemia Vila Madalena,
descendo pela Rua Cardeal
Arcoverde, o grafite aparece
em viadutos, escadarias, muros e caixas de energia. No Beco do Batman (olha só a metáfora), com entrada pela Rua
Harmonia, encontramos, numa gelada manhã de sábado,
o tatuador Wagner Roza, de
25 anos, o motoboy Dhaner
Reale, de 29, e a assistente administrativa Verônica Leão,
de 25. Foi uma tremenda sorte topar com os três em plena
atividade: eles limpavam um
dos muros para renovar o
grafite de sua autoria. Sim,
porque pelo código de ética,
grafiteiro que é grafiteiro só
renova o próprio muro. “Está
vendo aquele grafite ali no
portão? Foi feito por Nigas,
um grafiteiro que já morreu.
“Mesmo que ele não esteja
mais aqui, tem o respeito das
ruas: ninguém vai lá pichar
em cima”, garante Dhaner.
Dhaner, ou DRXIII, como se
identifica em seus desenhos,
prefere usar as tintas para louvar a natureza, com seus pássaros imaginários. Seu amigo
Wagner, que assina o sugestivo
nome de Legalize, se expressa
em seus desenhos contra o poder, valendo-se de coroas e temas indígenas: “A coroa é o poder e o índio é o que o poder
matou”, explica. Verônica, a
Verishas, mulher de Dhaner,
adora bonequinhas, flores e
borboletas. O cozinheiro Miguel Bushatsky, de passagem
por ali, aprova este tipo de expressão. “Passava antes no beco e achava triste ver as paredes sem cor. O grafite não só
Exposição “Graffiti sem limite”, no Palácio das Artes tem obras como esta, de Estandelau, artista de 27 anos. Espaço antes em branco, ganhou contornos, cores e sentidos com os grafites
Passeio pela Vila Madalena virou roteiro turístico também devido à fama de seus grafites. Em seus becos, artistas variados transformaram o local em uma galeria a céu aberto
harmoniza, mas transmite
uma mensagem”, diz.
No Beco do Batman, podem-se ver as obras de Speto,
Ninguém Dorme, Chivtz, Boleta, Presto, Zezão, entre outros.
Perto dali, o Beco do Aprendiz,
com entrada pela Rua Belmiro
Braga, é uma profusão de desenhos, cada um mais instigante
do que o outro. Entre os autores, estão John Howard e Titi
Freak. Mais adiante, na Avenida Henrique Shaumann, um
dos mais expressivos trabalhos
é o do Studio Kobra, com suas
imagens tridimensionais que
se fundem com a cena urbana.
Um imenso painel em preto e
branco, retratando uma rua comercial nos anos 1920 se mistura ao tráfego caótico da
maior cidade brasileira. Os carros parecem atropelar os senhores de chapéu coco e as senhoras de luva de filó que passeiam entre as lojas. De mesma
autoria, o pedestre se confunde com os passageiros do velho
bonde gravado em um muro
da Rua Belmiro Braga.
Além da Vila Madalena, o
Cambuci é parada obrigatória
para observar a obra da dupla
Os Gêmeos (Gustavo e Otávio
Pandolfo) e de Francisco Rodrigues, mais conhecido como
Nunca. Os três viveram ali e integraram a mostra “Street Art”,
em agosto de 2008, que estampou a fachada da prestigiada Tate Modern, às margens do Tâmisa, em Londres. As principais
ruas do circuito são Lavapés e
Justo Azambuja
O túnel da Paulista, que leva
à Avenida Rebouças é outro
ponto coberto por painéis coletivos. Também no Liberdade,
bairro oriental, as ruas Galvão e
da Glória ostentam curiosos
trabalhos. No Viaduto do Minhocão, às margens do Tietê,
ruas do Consolação. A lista é
grande e inspira a criação de roteiros turísticos para quem deseja apreciar esta arte vanguardista. Entre as agências que fazem estes tours estão a Graffit
Viagens e Turismo, a Soul Sampa e o SP Bureau.
Para comemorar o aniversário de São
Paulo, Eduardo Kobra, um dos renomados grafiteiros da capital, entrega hoje
mais um dos seus trabalhos. Ele e uma
equipe de oito pessoas, fizeram um painel num prédio, na Avenida Tiradentes,
Bairro Bom Retiro. O trabalho segue a
mesma linha do seu projeto “Muros da
Memória” (ver foto da capa), que tem
vinte murais espalhados pela cidade, retratando-a como nos anos 1920. O maior
de seus painéis, fica na Avenida 23 de
Maio e tem mil metros. A obra também
foi um presente de aniversário para a cidade, há dois anos.
O artista, que pinta desde 1987, já teve
suas telas expostas no Museu do Louvre,
em Paris, um dos mais famosos do mundo. No Brasil, além de São Paulo, os murais de Eduardo Kobra podem ser conferidos no Pará e no Rio Grande do Sul. Apesar de seu estúdio estar localizado na cidade mineira de Extrema, na divisa com
São Paulo, ele ainda não tem trabalhos
nas Gerais, mas já expôs sua vontade de
grafitar em Belo Horizonte.
Kobra ficou conhecido também pela
arte única, no país, de grafites em 3D. Ele
desenvolve um trabalho que permite que
o público interaja com a obra. Utilizando
luz, sombra e brilhos seu traços enganam
os olhos do público. Dependendo do ângulo em que se observa o grafite, se tem
uma perspectiva de profundidade. As
pessoas se divertem se integrando ao grafite, simulando ações e se fotografando
junto às obras . “O meu trabalho é sempre
com base em imagem retrô. Somente o
3D que é mais lúdico”, detalha o artista.
Eduardo Kobra, acha válida a exposição de grafiteiros em galerias de arte. “A
essência está em ele continuar a pintar na
rua. Não tem como vender o muro, você
precisa da tela. A diferença das ruas, é que
desde garis até intelectuais podem ver as
obras. É uma galeria de arte a céu aberto”,
ressalta o artista.
Representante legítimo da arte urbana paulista da Vila Madalena, Speto, ou
Paulo César Silva, defende a grafia em in-
Citação de Guimarães Rosa ganha cor nos muros de São Paulo
Difícil é achar um viaduto sem intervenções
glês da palavra: “graffiti”. Mas como existe a versão aportuguesada, cá estamos a
escrevê-la em sua forma abrasileirada.
Para ele “os grafites já se fizeram presente nos cartões-postais da cidade”. O artista,
que atua na área há 25 anos, acredita que
arte urbana no Brasil é muito diferente do
resto do mundo. Ele, que chegou a ser influenciado pelo grafite americano, se apaixonou pela arte folclórica e criou uma
identidade com o cordel. Seus murais são
marcados pelas cores preta e branca e por
traços cheios, além de retratar personagens
como sereias e peixes. Speto faz uma espécie de diálogo com a xilografia dos cordéis,
mas com tom próprio, como ele mesmo
explica: “Tento não me apropriar dessa expressão cultural”.
Morador da Vila Madalena, não é raro
Speto se deparar com turistas falando do
seu trabalho no Beco do Batman. “Gosto de
ficar de longe observando o que as pessoas
falam do meu mural ”, revela. O beco, para
ele, é cenográfico, atraindo inclusive a publicidade. “Tem equipes que vêm gravar
comercial sem falar com o artista. É um trabalho autoral”, reivindica.
Como sugestão de pontos de grafites
imperdíveis em São Paulo, o artista cita os
painéis de Os Gêmeos na Avenida 23 de
Maio, o trabalho de Herbert no Centro Histórico de São Paulo, os murais de Titi Freak
no Bairro Liberdade e claro, a Vila Madalena. “Grafite é uma expressão artística de
grande expressão no mundo. Não em sua
estética, mas na forma de agir. É popular, é
um privilégio poder fazer parte desta arte”,
finaliza Speto. (Com Shirley Pacelli)
“O Centro de toda cidade fala quem são os
grandes artistas”. Se tomarmos como verdade
a frase de Dalata, o André Gonzaga, não faltam
talentos do grafite em Belo Horizonte. Ele próprio é um dos exemplos de destaque da arte de
rua mineira. No Centro da capital, a criatividade exposta nos muros atrai olhos dos que passam, dos que param e dos que também intervêm. Rua da Bahia, Guaicurus, avenidas Assis
Chateaubriand, dos Andradas, do Contorno.
Existe também a BH dos grafites.
Dalata acredita que Belo Horizonte tem um
potencial para roteiros de arte de rua. Segundo
ele, o grafite de BH surgiu simultaneamente ao
de São Paulo, mas pela capital paulista ser um
mercado maior ela se sobrepôs aos mineiros
em número de profissionais reconhecidos e
murais nas ruas. O grafiteiro reclama que profissionais que têm talento só são reconhecidos
fora de Minas. É possível encontrar gigantescos
painéis dele em Roterdam, na Holanda. Atualmente, Dalata é artista residente em uma galeria na Vila Madalena (SP) e brinca que também
faz parte do “hall da fama”, no Beco do Batman,
no mesmo local. “As pinturas duram pouco
tempo às vezes, porque gera uma briguinha
para apropriar-se do espaço, mas eu fiz um trabalho lá em 2006 e outro dia vi na TV o meu
painel. Ri muito”, relata.
Brincar de descobrir o trabalho do Dalata
nos muros da cidade mineira, pode render um
tour legal. O grafiteiro, que diz se inspirar na
natureza, tem como marca retratar figuras de
LUCAS PRATES/ESP.EM/D.A PRESS
Encontro: os grafiteiros Dalata e Hyper são
referência da arte de rua em Belo Horizonte
Serviço
Esposição “Graffiti sem limite”
De 16 a 27 de janeiro.
Para intervenções, somente
até amanhã, dia 26.
Terça a sábado, das 9h às 18h.
Domingo das 16h às 21h.
Palácio das Artes. Av. Afonso
Pena, 1.537- Centro BH/MG
Entrada franca
animais, como peixes, gatos e cachorros, que
se fundem e se confundem, gerando um resultado final psicodélico.
Outro artista de Belo Horizonte que também é referência do grafite brasileiro é Hyper,
ou Carlos Felipe Gonçalves. Desde 1997, se
aventura nos caminhos da arte urbana. Ele e
um grupo de 13 amigos recentemente grafitaram um prédio, de 40 metros de comprimento
por 5m de altura, próximo à parte de baixo do
Viaduto Santa Tereza, na Região Central de Belo Horizonte. Mandalas, vasos, budas e outros
temas relacionados à física, à ciência e à espiritualidade fazem parte dos seus trabalhos e estão distribuídos em diversos pontos da capital.
Hyper vai até mesmo estrelar a campanha
de uma marca de cuecas para grafiteiros, com
estampas de sua autoria. Ele é constantemente
convidado para trabalhos dos mais diversos tipos, como pintar modelos para comerciais. O
grafiteiro reconhece a importância de exposições para valorizar a arte de rua diante do público. Mas sobre a polêmica de a arte perder a
sua essência ao ser exposto em uma galeria, ele
é enfático: “O grafite nunca entrou numa galeria. Grafite é a atitude da intervenção na rua
sem ninguém autorizar”.
SEM LIMITE A cidade, que já teve uma Bienal Internacional do Grafite em 2008 abriu oportunidade para os grafiteiros gastarem seus sprays e
sua imaginação no Palácio das Artes. A exposição “Graffiti sem limite”, na galeria Maristella
SHIRLEY PACELLI/ESP. EM/D. A PRESS
Stickers (adesivos) estão na exposição do Palácio das
Artes, como o ‘Dilma Hendrix’, de Felipe Godoy
Tristão começou no dia 16 e vai até quinta-feira,
dia 27. O evento, que faz parte da programação
do Festival Verão Arte Contemporânea, funciona como uma galeria aberta para quem quiser
deixar sua marca no local. O espaço, segundo a
organização, é democrático como a rua.
Desde a abertura, intervenções das mais diversas apareceram: sorvete, gorila, homem de
duas cabeças, dragões, vacas, bonecas fofinhas
e até um sticker da “Dilma Hendrix” (a presidente e o roqueiro). Este último, foi uma invenção do estudante de artes Felipe Godoy, que
saiu de Sete Lagoas e veio a Belo Horizonte só
para expor seu trabalho. “É como diz o nome
do evento, sem limites”, brinca.
Já o arte-educador Tiago Santos, o Dequete, reuniu cinco amigos e decidiram fazer um
grande painel com a temática da tragédia da
Região Serrana do Rio de Janeiro. Logo no dia
de abertura, eles marcaram presença. Para a
sua parte no painel, Tiago se inspirou na senhora que foi resgatada das águas por uma
corda com ajuda dos vizinhos, em São José do
Vale do Rio Preto. Mas em vez da mulher, observa-se a imagem de uma espécie de homem, que, segundo ele, na verdade é um gato,
seu personagem registrado nos muros de Belo Horizonte. “Eu conto toda a história da minha vida por meio deste personagem, o Dequete. Quando me casei, eu o grafitei em um
canto da cidade e minha esposa em outro.
Meus amigos sabem o que está acontecendo
comigo por meio dos muros da cidade”, acredita. Em um dos trabalhos na exposição lê-se:
“A ética do nosso trabalho é a repulsa da cidade”. Em São Paulo o grafite atrai visitantes. Em
Belo Horizonte não precisa ser diferente.
(Com Shirley Pacelli)

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