Sumário - Primeira Linha

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Sumário - Primeira Linha
Vozeiro de Primeira Linha
www.primeiralinha.org
Ano XII • Nº 45 • Segunda jeira • Julho, Agosto e Setembro de 2007
Unidade contra
Espanha e o Capital
Editorial
No titular da capa do anterior número do Abrente dizíamos que
sem luita nom há futuro. Nom nos cansaremos de afirmar e de aplicar
na nossa acçom teórico-prática que a luita é o único caminho para lograrmos avançar nos direitos, nas melhorias e conquistas concretas,
aqui e agora, da classe trabalhadora, das mulheres e da juventude,
numha estratégia de libertaçom nacional e social de género. Eis umha
das linhas divisórias entre a prática reformista e a revolucionária.
A existência de Primeira Linha, como partido comunista de libertaçom nacional, está intimamente ligada a este objectivo: sermos um
instrumento útil e eficaz de combate operário, nacional e de género.
Somos umha expressom diferenciada, com umhas características, um programa, umha táctica e estratégia próprias, de um movimento mais amplo, o MLNG, compartilhando similares concepçons e
objectivos com NÓS-UP, BRIGA, AGIR e entidades, colectivos e centros sociais de carácter local ou comarcal. Este movimento, por sua
vez, fai parte de um outro mais amplo, onde existem outras expressons políticas e sociais com que, embora mantenhamos divergências
políticas e ideológicas profundas, também compartilhamos boa parte
dos objectivos. A pluralidade da esquerda independentista é, pois,
umha realidade intrínseca e tangível dos sectores populares que
teimamos em construir umha ampla ferramenta de luita e combate
independente do autonomismo neoliberal. Fazemo-lo porque é necessário, porque é imprescindível para evitarmos a destruiçom definitiva
do projecto nacional galego, e para frear a escalada permanente de
retrocessos laborais, sociais e democráticos que padecemos com a
ofensiva do capitalismo neoliberal.
Somos conscientes de que, para o sucesso e eficácia, para logramos referencialidade, confiança e representatividade sócio-política,
é necessário criar espaços e estruturas comuns de intervençom e
luita. Sem amplas unidades, nom é viável contar com apoios sólidos,
deixarmos de ser marginais e passarmos a ser umha força minoritária e com influência, com capacidade para incidir no modelo de País e
sociedade que defendemos.
De facto, este objectivo tem consumido boa parte dos nossos
esforços de praticamente a nossa génese. A breve, mas intensa, história da esquerda independentista desde 1999 está vinculada com as
diversas iniciativas promovidas por Primeira Linha. O Dia da Pátria
unitário desse ano e do seguinte, a unidade de acçom realizada nesse
intervalo de tempo, a criaçom das plataformas unitárias comarcais,
as APCs, o Processo Espiral, a resposta anticapitalista contra a cimeira da UE em Compostela em 2002, a campanha contra a Constituiçom
Europeia em 2004-2005, o processo de concorrer conjuntamente às
eleiçons autonómicas de Junho de 2005 com umha candidatura unitária do soberanismo de esquerda, nom se podem entender sem a firme aposta d@s comunistas galeg@s em criar e desenvolver espaços
unitários de luita. Sem esta determinaçom e coerente prática política,
nom existiriam NÓS-UP, AGIR ou as Bases Democráticas Galegas.
A nossa presença nestas iniciativas sempre estivo determinada
por duas ideias-força: honestidade e generosidade. Sempre agimos
guiad@s coerentemente por estes dous parámetros.
O resultado de todas estas iniciativas é bem conhecida, tanto as
que tivérom sucesso, como aquelas que nom chegárom a frutificar.
A nossa trajectória é sobejamente conhecida. Assumimos com orgulho o percurso realizado, com as luzes e sombras, com os acertos
e erros cometidos. Porém nunca ocultamos que qualquer iniciativa
tendente a procurar fórmulas de intervençom unitárias, englobadoras
das diversas correntes, devia respeitar três princípios inegociáveis e
indiscutíveis para contarem com a nossa presença:
1-O carácter de esquerda anticapitalista do projecto soberanista galego.
2-O respeito polo pluralismo político-ideológico.
3-A independência frente ao regionalismo e às diversas variantes do
reformismo espanholista.
Sob estes eixos explícitos, temos sempre promovido e participado nas iniciativas mencionadas. Porém, tal como temos manifestado
em diversas ocasions, nom vamos aderir a nengumha plataforma ou
processo negador do carácter de esquerda da luita pola autodeterminaçom ou do pluralismo político, ideológico e organizativo do soberanismo galego. Eis os parámetros irrenunciáveis de Primeira Linha.
Sempre que se derem estas condiçons, assumiremos projectos de
mínimos, inclusive se estivermos em franca minoria.
No caso contrário, nom existem as condiçons mais elementares
Sumário
3 Nom se nota nada
André Seoane Antelo
4-5 A ética comunista de Che
Guevara
Os valores éticos na sua
concepçom do comunismo e na
sua crítica do modelo soviético
Michael Löwy
6 O Che vive
Ana Barradas
7 Portugal: luita de classes, ou
paninhos quentes?
Vladimiro Guinot
Editorial
para encetar aventuras que estám condenadas ao fracasso. A corrente da qual
fazemos parte, tal como as outras existentes, é insubstituível, é essencial para
o êxito colectivo da esquerda independentista. Sem nós ou contra nós, nom há
a mais mínima possibilidade de construir
um amplo e plural movimento social pola
autodeterminaçom. Como tampouco haveria condiçons de fazê-lo se outra das correntes ficasse excluída polas draconianas
condiçons impostas, que impossibilitassem a sua cómoda participaçom.
Confundem-se aqueles que, pretendendo alargar legítimos projectos partidários com ou sem partido, - embora nom
coincidentes com o nosso, disfarçam este
fim com “altruístas objectivos” em que a
retórica pluralista se traduz na exclusom
e na beligerância permanente, em que a
bem intencionada procura do consenso,
na hora da verdade, é simples e pura imposiçom mediante tretas e manobras da
pior calanha, em que a síntese de ideias
nom passa de umha virtual e hipócrita declaraçom. É óbvio que Primeira Linha está
disposta a participar em plataformas contra a reforma estatutária e pola autodeterminaçom. De facto, a que convoca este
Dia da Pátria é fruto de um processo que
nós contribuimos para iniciar, por muito
que teimem em negar, ocultar ou minusvalorizar aqueles que pretendem usurpar
ilegitimamente a iniciativa.
Participaremos em Causa Galiza sempre que se reconduza a situaçom, sempre
fazer contas sobre quem é ou quem nom é
prescindível.
Primeira Linha nom vai agir de comparsa de ninguém, como tampouco vai obstaculizar iniciativas condenadas inexoravelmente ao fracasso em questom de tempo. Participamos neste Dia da Pátria, assumindo as
condiçons impostas que nom compartilhamos, mas após o Verao nom seguiremos se
nom se produz umha mudança profunda na
hora de orientar a luita autodeterminista e
facilitar a convivência do ronsel de pessoas
e entidades que coincidimos plenamente na
necessidade de que a Galiza tenha direito a
decidir para podermos construir umha República Socialista Galega.
que exista umha clara vontade de cumprir
e respeitar com os acordos constituintes.
Se nom for assim, connosco nom se pode
contar. A nossa participaçom nom é possível a qualquer preço. Com cartas marcadas e sem a mínima honestidade política
que deve caracterizar as forças e pessoas
que nos situamos nas posiçons anti-sisté-
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micas, nom se dam as condiçons mínimas
para avançar. Assim nom é possível caminhar conjuntamente.
Temos a consciência tranquila na carência de qualquer responsabilidade neste
possível fracasso que agora anunciamos.
Tal como se gestou o processo desde os
primeiros momentos constatamos mensagens e infames práticas bem conhecidas,
tendentes a impossibilitar a presença do
MLNG no interior dessa plataforma. Mas
quem age de forma tam irresponsável,
pensando que está protegido por umha invisível impunidade, algum dia terá que dar
a cara, retirar a máscara, e submeter-se
ao implacável, mas sempre justo veredicto
da História.
Os atalhos nunca fôrom eficazes
para percursos com um elevado grau
de dificuldade. A experiência histórica
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Nº 45. Julho, Agosto e Setembro de 2007
Santiago - A Coruña
do movimento operário, das luitas de libertaçom nacional ou de género estám
cheias de exemplos que assim o constatam. O caminho da unidade de acçom do
soberanismo galego é tarefa necessária,
mas complexa, e nom pode ficar em maos
de amadores, de quem tem demonstrado
por activa ou por passiva ser contrário ou
incapaz de o fazer. Nom se pode agir com
fórmulas ultrapassadas, com sectarismo
e prepotência, nom se pode pretender
protagonizar iniciativas usando tamanhos superiores àqueles que se podem
empregar.
Poderá haver umha coincidência táctica na hora de excluir a nossa corrente,
mas o preço a pagar nom compensa.
Erram aqueles que se consideram proprietários da reivindicaçom pola autodeterminaçom e que calculam mal na hora de
É dramático que isto tenha lugar dous
anos depois da chegada do tandem PSOEBNG ao governinho da Junta da Galiza.
Dous anos depois em que as expectativas e
esperanças nas mudanças anunciadas por
Tourinho e Quintana se transformárom em
decepçom e desmobilizaçom social. A prática demonstrou com os factos do dia a dia
o continuísmo das políticas regionalistas e
neoliberais aplicadas polo fraguismo nos
seus 16 anos de poder absoluto. Frente à
irreversível deriva neoliberal e autonomista do BNG, nom é possível mudá-lo a partir
do seu interior, nom é viável regenerá-lo
a partir de dentro. É mais necessário que
nunca reconfigurar a esquerda soberanista para podermos ocupar essa cada vez
maior espaço sócio-político orfo que reclama passos firmes e sólidos para levantar com responsabilidade e generosidade
umha ampla e plural alternativa.
Nós seguiremos empenhad@s nesta
tarefa, construindo umha das correntes
essenciais para o seu sucesso. Apesar da
necessidade objectiva, talvez tampouco
poda ser desta vez, mas a convergência
será umha exigência que ninguém poderá
evitar. Nom temos a menor dúvida.
Viva Galiza ceive, socialista e nom patriarcal!
André Seoane Antelo
Nº 45. Julho, Agosto e Setembro de 2007
actualidade
Nom se nota nada
Nom se nota nada!... Assim, com este
slogan de penso para a higiene feminina,
é como melhor poderíamos definir a
política desenvolvida polo bipartido em
relaçom ao que se costuma chamar
“relaçons laborais”. Um termo próprio do
pensamento oficial, politicamente correcto
e que, com certeza, procura ocultar detrás
da sua aparente neutralidade todas as
tensons geradas pola exploraçom do
capital sobre o trabalho.
Nom se nota nada que no governo
da Junta se sentem representantes de
duas organizaçons ligadas historicamente
ao movimento operário, umha delas
mesmo recolhe o termo “obreiro” nas
suas siglas e passa por ser a decana das
organizaçons de matriz classista do Estado
espanhol. Mesmo passa completamente
desapercebido que o Conselheiro de
Trabalho, Ricardo Varela, fosse num
tempo nom muito afastado um dirigente
sindical.
E dizemos que nom se nota nada
porque de facto é assim. De compararmos
os discursos e as acçons que leva avante
o bipartido em matéria “laboral” com as
empreendidas no seu momento polo PP,
temos que concluir que estám inspiradas
pola mesma filosofia. E o que dizemos
no cenário da CAG é completamente
transportável ao cenário estatal.
Mas deve-nos surpreender este
facto? Bom, se fôssemos uns ilus@s
que acreditamos na aparente pluralidade
política existente no regime espanhol pois
poderíamos ser apanhados por surpresa
por esta descoberta. Porém, como nom é
esse o nosso caso, o certo é que a cousa
era previsível mas nom por isso nom deixa
de ser denunciável.
Quem conhecer um mínimo da história
recente do Estado, sabe que o acordo
político que leva à reconfiguraçom do regime
franquista na monarquia constitucional
bourbónica incluiu toda umha série de subacordos que estabelêcerom quais seriam
as regras do jogo no cenário económico.
Dentro desses acordos, os conhecidos
genericamente como “Pactos da Moncloa”,
inclui-se um muito concreto que alicerçou
as condiçons sobre as quais deveriam
girar num futuro as “relaçons laborais”.
Dentro da filosofia do acordo entendia-se
que haveria umha corresponsabilidade
entre o Estado, patronato e sindicatos para
manter a pax social, comprometendo-se
as organizaçons sindicais assinantes (UGT
e CCOO) a manterem as reivindicaçons
operárias no termo do assumível. O tempo,
-embora se passasse por momentos de
certa tensom em 1988, 1994 ou 2002-,
tem demonstrado a eficiência do sistema
enquanto os pactos assinados trinta anos
atrás continuam vigorantes.
De facto a mesma filosofia que emana
dos pactos de 1977 é a que inspira a
política laboral levada avante polo governo
de Tourinho e Quintana. Umha política em
que o fundamental é manter as cousas
tranquilas para maior benefício do capital,
embora nunca se exprima de um modo
tam cru.
A questom é tam evidente que até a
história quer repetir as mesmas cenas do
antigo teatro. Lembremos que nom há nem
meio ano, lá polo mês de Fevereiro, Junta,
patronato e parte dos sindicatos (CCOO e
UGT) assinavam o “Acordo Galego polo
Emprego”. Um outro pacto que vinha a
manifestar a efectividade do chamado
“diálogo social galego”, ou o que vem a
ser o mesmo, a transplantar ao cenário
autonómico as práticas generalizadas no
nível estatal.
Lamentavelmente para os assinantes,
e afortunadamente para a classe operária
galega, na mesa desse pacto faltou umha
pata fundamental por parte sindical, já
que a CIG levantara-se no 2006 da mesa
de diálogo e acordou nom participar do
circo.
Com esta postura da central sindical
nacional as “relaçons laborais” na Galiza
continuam a manter a sua singularidade
enquanto um dos sindicatos maioritários
situa-se à margem da lógica do entreguismo
pactista. Assim se manifestou de novo a
existência de umha profunda contradiçom
dentro do nacionalismo maioritário, já
que enquanto a expressom política desse
movimento tem entrado plenamente na
lógica política da transiçom; o sindicato
continua fora de tal lógica. Aguardemos
que a contradiçom continue a se agravar
e nom se permita umha domesticaçom da
central sindical.
Mas dizer que com o bipartido nada
mudou nom é mesmo que dizer que nom
haja mudanças no “ámbito laboral” na
Galiza, ou por ser mais correctos na
estrutura de classes do nosso país e na
sua dialéctica. Por dizê-lo doutro modo
e recorrendo a aquela frase do romance
“O Gatopardo”, “mudar todo, para nada
mudar”.
De facto, ao igual que pretendia
explicar o Príncipe de Salina ao seu
padre naquela ocasiom, é que através
do processo histórico dérom-se umha
série de mudanças na estrutura de
classes que obriga a fazer umha série de
reajustamentos para que as relaçons de
poder continuem estáveis. Aconteceu na
Sicília do XIX, acontece na Galiza do XXI e
de facto acontece em todo lugar e a todo
momento.
O que ocorre no nosso caso é que o
ajudam a fazer Tourinho e Quintana nom
é a edificar umha nova estrutura política
adaptada à realidade, mas a consolidar
a existente antes de esta ruir polo seu
próprio peso.
As mudanças sofridas na estrutura de
classes na Galiza nas últimas décadas som
muito mais profundas do que pode parecer
com umha simples olhadela. De facto, tal
é como advertiu Marx no seu momento,
a persistência de certos fetiches e mitos
sociais, como o de: “Galiza país rural com
umha sociedade dominada pola pequena
propriedade agrária”, nom som mais
que umha prova de que as mudanças na
super-estrutura ideológica da sociedade
em muitas ocasions vam detrás das
transformaçons na infra-estrutura. Assim
hoje na Galiza, que é um país habitado
maioritariamente por assalariad@s,
mantenhem-se maioritariamente hábitos,
comportamentos e crenças próprias de
umha sociedade de pequenos proprietários
rurais.
Mas para entender melhor de que
vai o tema revejamos um pouco, mais
umha vez qual é a situaçom actual
d@s habitantes do país em relaçom ao
seu meio de subsistência. Galiza é umha
naçom que sofre um estancamento
populacional desde há várias décadas polo
que para dar os seguintes dados é melhor
empregarmos cifras absolutas que som
mais impactantes.
A Comunidade Autónoma tem hoje
Os dados estám tirados do web do Instituto Galego de Estatística
(IGE) www.ige.eu
mais ou menos 2.767.000 habitantes,
há dez anos a cifra era apenas 40.000
habitantes menos. No mesmo tempo a
populaçom ocupada em labores agropesqueiras passou de 230.600 a 103.500;
na construçom de 100.890 a 141.100; na
indústria de 144.000 a 225.800; e nos
serviços de 459.530 a 695.600.
Atendendo a sua relaçom respeito
à propriedade dos meios de produçom
em 1997 havia 271.800 galeg@s que
erám empresári@s, autonóm@s ou
membros de cooperativas, dez anos
depois o número baixou até 245.000.
Polo contrário, em relaçom à populaçom
assalariada esta passou de integrar
559.700 galeg@s há dez anos até
@s 898.000 que a conformamos na
actualidade.
Finalmente, se cruzarmos os dados
de assalariad@s e sector ocupacional o
que temos é que o peso do salário como
fonte de subsistência cresceu para toda
a populaçom galega, inclusivamente para
aquela que depende da agricultura ou
da pesca, por que se bem caiu o total de
populaçom dedicada a estas actividades
no nosso país o peso da mao de obra
assalariada no sector aumentou.
Em definitiva, e para repeti-lo por
enésima vez, a Galiza vive nas últimas
décadas um processo de transformaçom
que a está a converter num país urbano
e habitado maioritariamente por
trabalhadores/as assalariad@s. Este
processo vai acompanhado de umha
lógica activaçom económica, que após
superar os traumas do desmantelamento
das velhas estruturas que sustentavam
a indústria naval, a agro-gadaria
tradicional e a pesca, leva a umha
descida do nível de desemprego e a
umha estabilizaçom dos padrons de
precariedade.
Logicamente, nom é mérito do
governo actual que em Maio de 2007
fosse o momento em que o índice de
desemprego da Galiza baixasse até o
melhor resultado nos últimos 25 anos.
Em todo o caso, nom é unicamente só
mérito dele mas partilhado por todos os
agentes activos em manter o chamado
“pacto social”. O sistema precisou no
seu momento manter umhas cifras
elevadas de emprego e umha maior
taxa de precariedade, hoje as condiçons
tenhem mudado.
Por dizê-lo de um modo mais claro,
Tourinho e Quintana nom fam mais que
continuar o começado por Fraga, da
mesma maneira que de Suárez a González,
de González a Aznar, e deste a Zapatero
nom há mais que continuismo no referido
a política económica e laboral. Os actores
vam mudando mas o roteiro é sempre e
o mesmo, e nom é mais que o ditado do
capital.
Hoje Tourinho ufana-se com a descida
do desemprego até 8,5%, da queda
dos acidentes laborais graves, mesmo
da ligeira descida da temporalidade
estancada à volta de 30%. Tourinho
quando avalia estes dados lamenta a
sua persistência mas considera que a
via que indica a sua tendência é positiva.
E quando se fam análises deste tipo do
governo sempre se insiste na ideia de que
som bons indicadores para a economia. O
que importa no fundo é que a economia
corra bem, apenas isso.
Em inícios do mês de Julho deste ano
eu próprio lim num panfleto publicitário
num escritório do INEM um slogan
que vinha a dizer algo assim como “o
trabalhador fixo identifica-se mais com os
objectivos da empresa”. Evidentemente
era umha campanha polo fomento da
contrataçom indefinida e o argumento
reflectia toda a obscenidade das
relaçons capitalistas. O importante nom
é garantir que a maioria da populaçom
tenha assegurado o seu meio de vida
de umha forma estável para que assim
poda simplesmente ser mais feliz, mas
deve ficar absolutamente claro que a sua
felicidade depende do bom funcionamento
do sistema capitalista.
Para este governo, como para os que
o precedêrom, o bem-estar da maioria
da populaçom galega nom é mais do
que umha condiçom para garantir o bom
sucesso no processo de reproduçom e
acumulaçom de capital. Parece como
se para tod@s @s que passam polas
cadeiras de Sam Caetano @s galeg@s
só nos apelidamos Tojeiro, Ortega, Rey,
Cortizo ou Froiz.
André Seoane Antelo é membro do Comité
Central de Primeira Linha
Nº 45. Julho, Agosto e Setembro de 2007
Michael Löwy
Opiniom
A ética comunista de
Os valores éticos na sua concepçom do comun
Nom há dúvida que, quarenta anos
depois da sua morte, Ernesto Guevara continua a ser umha referência, a escala planetária, para todos aqueles e aquelas que
rejeitam a infámia da ordem –imperial e capitalista– estabelecida e acreditam que “um
outro mundo é possível”. Há algo na vida e
na mensagem do médico/guerrilheiro argentino/cubano que ainda fala às geraçons
de 2007. De outro modo, como explicar esta
pletora de obras, artigos, filmes e debates?
Nom é um simples efeito comemorativo do
aniversário: quem se interessava, em 2003,
polos cinqüenta anos da morte de José Estaline? Para além da linguagem, da terminologia, de certos temas e obsessons datadas,
fica na figura do Che Guevara um núcleo
incandescente que continua a abrasar.
Isto procede de modo particular para a
América Latina. A herança do guevarismo,
como sensibilidade revolucionária e como
resistência irredutível à ordem estabelecida, resta vigorosa na esquerda radical, e
em certos movimentos sociais, como o MST
(Movimento dos Camponeses Sem Terra)
do Brasil ou os piqueteros argentinos. A
componente guevarista está também bem
presente na origem do grupo que forma o
EZLN (Exército Zapatista de Libertaçom Nacional).
O que está a acontecer na Bolívia, país
em que Guevara derramou o seu sangue
num derradeiro combate? No seu discurso de investidura presidencial em Janeiro
de 2006, Evo Morales rendeu homenagem
aos “nossos antepassados que luitárom”:
“Tupak Katari para restaurar o Tahuantinsuyo, Simón Bolívar para a grande pátria e
Che Guevara para um mundo novo feito de
igualdade”.
Nas luitas emancipadoras na América
Latina, apercebem-se os traços, bem visíveis, bem invisíveis, do pensamento do Che.
Está presente tanto no imaginário colectivo
dos combatentes, como nos seus debates
a respeito dos métodos, da estratégia e da
natureza da luita. Pode-se considerar como
um dos fios vermelhos com que se tecem,
da Patagónia ao Rio Grande, os sonhos, as
utopias e as acçons revolucionárias.
Sem dúvida, existem muitas razons para
esta sobrevivência de Guevara na entrada
do século XXI, mas umha delas é certamente a importáncia da dimensom ética na sua
vida e pensamento, nos seus escritos e nos
seus actos. Eu proponho que se designe por
umha ética comunista: “comunista” nom
no senso estreito de aderir a um partido
político –e menos ainda de partidário da
URSS (senso usual da palavra na linguagem da Guerra Fria), aliás na significaçom
originária do termo, tal como Marx e Engels
a formulam em O Manifesto Comunista de
1848. Umha significaçom que reenvia aos
séculos de luitas de classes, e de combates
inspirados polo que Ernst Bloch chamava O
Princípio Esperança, isto é, o sonho de umha
marcha em pé da humanidade. O comunismo de Marx, que era também o de Lenine
e Trotsky em Outubro de 1917, de Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht em Janeiro de
1919, de António Gramsci, de Júlio Mella,
de José Carlos Mariátegui, de Farabundo
Martí, e de tantos outros pensadores e combatentes, nom pode encerrar-se dentro de
algum muro, e ainda menos no que caiu em
Berlim em 1989.
Antes de Guevara, Mariátegui foi um
dos escassos marxistas latino-americanos
em atribuir um lugar central à ética na sua
Evo Morales Aima, Pour em finir avec l’État colonial, Paris, L’Esprit
frappeur, 2006, p. 36.
interpretaçom do materialismo histórico.
No seu livro (póstumo) Defensa del marxismo (1930) dedica muitas páginas à funçom
ética do socialismo –publicadas em Cuba
no primeiro número da revista Tricontinental– que concluem com esta afirmaçom: a
ética socialista “nom surge mecanicamente
do interesse económico: ela afirma-se na
luita de classes, dada com um espírito heróico, umha vontade apaixonada”. Nom sabemos se o Che conhecia este texto de Mariátegui, tam próximo das suas ideias; nom
está excluído que o tivesse lido, pois a sua
companheira dos anos 50, a jovem peruana
Hilda Gadea, lhe emprestara os escritos de
Mariátegui.
A ética comunista de Che Guevara, humanista e revolucionária, estava fundada em
alguns valores essenciais: a liberdade (isto
é, a libertaçom de toda opressom política
ou económica), a igualdade, a solidariedade
entre indivíduos e entre povos, a democracia revolucionária, o internacionalismo. A
sua procura de um modelo alternativo vai
inspirar, a partir de 1963, a tentativa de formular outra via ao socialismo, mais radical,
mais igualitária, mais fraternal.
O motor essencial desta procura de
um caminho novo –para além de questons
económicas específicas, sobre as quais havemos de voltar– é o convencimento de que
o socialismo (o comunismo) nom tem senso,
e nom pode triunfar, de nom representar um
projecto de civilizaçom, umha ética social,
um modelo de sociedade totalmente antagónico com os valores do individualismo mesquinho, do egoísmo feroz, da competitividade, da guerra de todos em contra de todos
do sistema capitalista, este mundo em que
“o ser humano é o lobo do ser humano”.
Para Guevara, a construçom do socialismo é inseparável de certos valores éticos,
contrariamente ao que proclamam as concepçons economicistas –desde Estaline até
Krutchev e os seus sucessores– que nom se
interessam mais que polo “desenvolvimento das forças produtivas”. Na sua célebre
entrevista com o jornalista Jean Daniel (Julho de 1963) observava, no que seria umha
crítica implícita ao “socialismo real”: “o socialismo económico, sem a moral comunista, nom me interessa. Nós luitamos contra
a miséria mas, ao mesmo tempo, contra a
alienaçom. (…) Caso o comunismo ignore
os factos de consciência, pode ser um método de distribuiçom, mas nunca umha moral
revolucionária”.
Caso o socialismo queira luitar contra
o capitalismo e vencê-lo no seu próprio terreno, o terreno do produtivismo e do consumismo, ao empregar as suas próprias
armas –a forma mercantil, a concorrência,
o individualismo egoísta– está condenado
ao fracasso. Nom se pode dizer que Guevara avisou do desabamento da URSS mas, de
certa forma, intuiu que um sistema “socialista” que nom tolera as divergências, que
nom representa valores éticos novos, que
pretende imitar o seu adversário e que nom
possui umha outra ambiçom que “alcançar
e ultrapassar” a produçom das metrópoles
capitalistas, nom tem porvir.
De 1959 a 1967, o pensamento do Che
evoluiu muito. Afastou-se cada vez mais das
ilusons iniciais a respeito do socialismo soviético e do marxismo de tipo soviético, quer
dizer, do estalinismo. Numha carta de 1965
a um amigo cubano, criticava duramente o
“seguidismo ideológico” que estava a manifestar-se em Cuba com a ediçom de ma Tricontinentale, nº 1, éd. Francesa, 1968, p. 20.
In L’Express, 25 de Julho de 1963, p. 9.
nuais soviéticos para o ensino do marxismo
–um ponto de vista coincidente com o defendido, nessa mesma época, por Fernando
Martínez, Aurelio Alonso e os seus amigos
do Departamento de Filosofia da Universidade de Havana e da revista Pensamiento
crítico. Estes manuais –que nomeia como
“os calhamaços soviéticos”– “tenhem o
inconveniente de nom te deixarem pensar:
o Partido já fai isso por ti e tu tés de o digerir”. Percebe-se, de modo cada vez mais
explícito, mormente nos seus escritos a
partir do debate económico de 1963, o rejeitamento crescente do “decalque e cópia”
–estou a pensar aqui na célebre fórmula de
Mariátegui: o socialismo indo-americano
nom será decalque e cópia doutras experiências, aliás criaçom heróica– e a procura
de um modelo alternativo.
Nom é, pois, por acaso que a posiçom,
no que di respeito à questom do socialismo
“realmente existente” tomou, depois de
1965, a forma de umha crítica radical de um
manual soviético.
Trata-se das notas críticas ao Manual
de Economia Política da URSS (ediçom em
espanhol de 1963) que Che Guevara redigiu,
na sua estadia na Tanzánia e em Praga, em
1965-66, após o fracasso da sua missom no
Congo e antes de partir para a Bolívia. Há
muito tempo, muitíssimo tempo que era esperada a publicaçom desta obra… Durante dezenas de anos, este documento ficou
“fora de circulaçom”; logo a seguir à queda
da URSS foi permitido consultá-lo a alguns
investigadores cubanos, e extrair alguns
curtos fragmentos para os seus trabalhos.
E é agora, quarenta anos depois da sua redacçom, que se decidiu publicá-lo em Cuba,
numha ediçom aumentada que contém outros materiais inéditos: umha carta do Che
a Fidel Castro, de Abril de 1965, que serve
de Prólogo ao livro, notas sobre escritos de
Marx e de Lenine, umha selecçom de conversaçons entre Guevara e os seus colaboradores do Ministério da Indústria (196365) –já parcialmente publicadas em França
e em Itália nos anos 70–, cartas a diversas
personalidades (Paul Sweezy, Charles Bettelleim), e extractos de umha entrevista com
o jornal egípcio El-Taliah (Abril de 1965).
Porque as notas de Guevara nom se
publicárom mais cedo? Pode, no limite,
compreender-se que, antes do fim da URSS,
existissem razons “diplomáticas” para ocultar a verdade. Mais, depois de 1991? O prefácio do livro, de Maria del Carmem Ariet, do
Centro de Estudos Che Guevara de Havana,
nom explica nada, e limita-se a observar que
“este texto foi durante anos um dos mais
esperados” do Che.
Por fim, este material está agora à disposiçom dos leitores interessados, e é, com
efeito, apaixonante. Testemunha à vez a independência de espírito de Guevara, a sua
tomada de distáncia crítica em face do modelo de “socialismo realmente existente”, e
a sua procura de umha alternativa radical.
Mas mostra em simultáneo os limites da sua
reflexom.
Principiemos por eles: o Che, neste momento –nom se sabe se o seu pensamento
neste tema avançou em 1966-67– nom compreendeu a questom do estalinismo. Atribui os becos sem saída da URSS dos anos
sessenta a… a NEP de Lenine! Certamente, ele pensa que, se Lenine tivesse vivido
mais tempo –ele cometeu o erro de morrer,
Esta carta fai parte dos materiais do Che que ficam inéditos por
enquanto… Nom figura na colectánea de 2006. Carlos Tablada
refere a mesma no seu artigo “Le marxisme du Che Guevara”, Alternatives Sud, vol. III, 1996, 2, p. 168.
Ernesto Che Guevara, Apuntes críticos a la economía política. Ocean
Press/Editorial de Ciencias Humanas, Havana, 2006.
anota com ironia– teria corrigido os efeitos
mais retrógados dessa política. Mas está
convencido de que a introduçom de elementos capitalistas pola NEP conduziu para nefastas tendências que observa na URSS em
1963, ao caminhar no senso de umha restauraçom do capitalismo. Todas as críticas
de Guevara à NEP nom som sem interesse e,
por vezes, coincidem com as da oposiçom de
esquerda em 1925-27; por exemplo, quando está a constatar que no curso dos anos
20, “os quadros aliárom-se ao sistema ao
constituirem umha casta privilegiada”. Pergunta a si próprio se nom leu Trotsky –que
definia a burocracia como umha “casta”–,
mais ele nom o menciona em parte algumha
nestas notas… Em todo o caso, a hipótese
histórica que fai da NEP responsável polas
tendências pró-capitalistas na URSS de Brejnev é, às claras, pouco operativa. Excepto
um ou dous comentários, as notas ignoram
por completo, de um modo simples, o estalinismo e as monstruosas deformaçons que
introduziu no sistema económico, social e
político da URSS.
Este documento –com outros materiais
publicados nesta compilaçom de 2006– ao
ser ainda pouco conhecido, vamos conceder-lhe um lugar central na nossa discussom da sua concepçom do socialismo.
O socialismo para o Che era o projecto
histórico de umha nova sociedade, fundada
sobre os valores da igualdade, a solidariedade, o colectivismo, o altruísmo revolucionário, o internacionalismo, o livre debate e
participaçom popular. Assim como as suas
críticas, crescentes, ao modelo soviético
pola sua prática como dirigente e a sua
reflexom sobre a experiência cubana inspiradas nesta utopia –no senso que dá Ernst
Bloch a esta palavra, umha “paisagem-dedesejo”– comunista.
Quatro aspectos traduzem concretamente a ética revolucionária de Ernesto
Guevara e a sua procura de um novo caminho: o internacionalismo; umha concepçom
da construçom do socialismo que opom a
solidariedade ao indiviualismo mercantil; a
questom da livre expressom dos desacordos, e a perspectiva da democracia socialista. Som os dous primeiros que ocupam o
lugar principal das suas reflexons: os outros
dous –estreitamente ligados– estám muito
menos desenvolvidos, com lacunas e contradiçons. Mas estám, contodo, presentes
nas suas preocupaçons e na sua prática política. Nom se encontra, nos seus escritos,
um pensamento acabado, sistemático, sobre estas questons: muitas pistas, aberturas, janelas que dam para “um outro mundo
possível”.
1.- O internacionalismo
socialista
Há umha frase de José Marti que Guevara gostava de citar nos seus discursos e
em que via “a bandeira da dignidade”: “Todo
ser humano verdadeiro deve sentir sobre
a sua face a pancada dada a nom importa
que outro ser humano”. A traduçom política
desta dignidade é o internacionalismo. Já
agora, o internacionalismo é umha necesi Guevara, Apuntes críticos…pp. 27, 12, 195. Janette Habel observa,
com razom: “Longe das deformaçons estalinistas, as premissas do
Che eram humanistas e revolucionárias… Mas é verdade que punha
o acento em excesso na crítica económica, sobre o peso das relaçons
mercantis e insuficientemente sobre o carácter policial e repressivo
do sistema político soviético”. (J. Habel, Prefácio a M. Löwy, La pensée de Che Guevara. Paris, Syllepse, 1997, p. 11).
Fernando Martínez Heredia tem razom ao sublinhar: “o inacabamento do pensamento do Che (…) mesmo tem aspectos positivos.
O grande pensador está a assinalar problemas e caminhos (…), ao
exigir dos seus camaradas pensar, estudar, combinar a prática e a
teoria. É impossível, quando se assume realmente o seu pensamento,
dogmatizá-lo, convertê-lo noutro bastiom especulativo e noutro
depósito de frases e receitas”. F. Martínez, “Che, el socialismo y el
comunismo”, in Pensar el Che, Centro de Estudios sobre AméricaEditorial José Martí, Havana, 1989, tomo II, p. 30. Ver também o seu
livro com o mesmo título Che, el socialismo y el comunismo, Havana,
Premio Casa de las Américas, 1989.
dade, um imperativo estratégico no combate contra o imperialismo –é o tema central
da sua Carta à Tricontinental (1966)–, mas
é, também, umha alta exgigência moral:
internacionalista é quem for capaz de “experimentar a angústia quando um homem é
assassinado em qualquer parte do mundo
e celebrar quando se ergue em qualquer
parte umha nova bandeira da liberdade”;
o que sente “como umha afronta pessoal
toda agressom, toda afronta à dignidade e
à felicidade do homem, nom importa em que
parte do mundo”.
No seu célebre “Discurso de Argel”
(Fevereiro de 1965), Che Guevara exigia dos
países que se reclamavam do socialismo
“liquidar a sua complicidade tácita com os
países exploradores de Ocidente”, que estava a traduzir-se em relaçons de intercámbio
desigual com os povos em luita contra o imperialismo. Este assunto volta muitas vezes
nas Notas Críticas sobre o Manual Soviético.
Enquanto os autores desta obra oficial gabam “a ajuda mútua” entre países socialistas, o antigo Ministro da Indústria cubano
está obrigado a constatar que esta nom
está a corresponder-se com a realidade: “A
presidir o internacionalismo proletário os
actos dos governos de cada país socialista
(…) isto seria um êxito. Mas o internacionalismo foi substituído polo chauvinismo
(de grande potência ou de pequeno país)
ou o submetimento à URSS (…). Isto fere
(atenta contra) todos os sonhos honestos
dos comunistas do mundo”. Algumhas páginas mais adiante, num comentário irónico
a umha afirmaçom do Manual a respeito da
divisom do trabalho entre países socialistas,
fundada sobre umha “fraternal colaboraçom”, Guevara observa: “A gaiola de grilos
(olla de grillos) que é o CAME10 desmente
tal asseveraçom na prática. O texto está a
referir-se a um ideal que poderia estabelecer-se somente com umha verdadeira prática do internacionalismo proletário, mas
está lamentavelmente ausente hoje”. No
mesmo senso, noutro fragmento constata, com amargura, que nas relaçons entre
países que se reclamam do socialismo se
encontram “fenómenos de expansionismo,
de intercámbio desigual, de concorrência,
mesmo um certo ponto de exploraçom e certamente de submetimento dos Estados fracos aos fortes”. Numha palavra, quando o
Manual fala da necessidade do Estado para
“a construçom do comunismo”, a crítica
coloca esta questom retórica: “pode construir-se o socialismo num só país?”. Mesmo
se Trotsky em modo nengum é mencionado
nestas Notas, nom se pode outra cousa que
certificar a analogia entre esta advertência
e as posiçons da oposiçom comunista de esquerda de 1927… Outra nota interessante
vai no mesmo senso: Lenine, observa o Che,
“afirmou com claridade o carácter universal da revoluçom, cousa que de seguida foi
negada” –umha referência transparente ao
“socialismo num só país”, mas, mais umha
vez, nom é questom de estalinismo11.
2.- Por um socialismo da
fraternidade
A solidariedade é um vector político e
moral tanto para as relaçons entre povos
como entre indivíduos: trata-se de momentos dialecticamente inseparáveis. No mesmo
Ernesto Guevara, Textes politiques, Paris, Maspero, 1970, pp. 118,
137.
Ernesto Che Guevara, Obras 1957–1967. Paris, François Maspero,
1970, tomo II, p. 574.
10 Conselho de Ajuda Económica Mútua, umha espécie de Mercado
Comum dos países do “socialismo real”.
11 Apuntes críticos…pp. 130, 190-191, 228.
opiniom
Nº 45. Julho, Agosto e Setembro de 2007
e Che Guevara
nismo e na sua crítica do modelo soviético
3.- A liberdade de discussom
discurso de Argel, Guevara insistia: “nom
pode existir o socialismo se nom operar nas
consciências umha mudança que conduza
para umha nova atitude fraternal com a
humanidade, tanto a nível do indivíduo, na
sociedade em que se constrói ou que constrói o socialismo, como a nível mundial, em
relaçom com os povos que estám a sofrer a
opressom imperialista”12.
O socialismo nom é unicamente umha
mudança económica, mas também umha
profunda revoluçom moral e cultural –que
Guevara designa com o conceito de “homem
novo”– em ruptura com o utilitarismo egoísta e mercantil da civilizaçom do capital. Ao
analisar no seu ensaio de Março de 1965, O
socialismo e o homem em Cuba, os modelos
de construçom do socialismo dominantes na
Europa oriental, rejeitava a concepçom que
pretendia “vencer o capitalismo com os seus
próprios feitiços”: “Ao perseguir a quimera
de realizar o socialismo com a ajuda das armas poluídas que nos legou o capitalismo –a
mercadoria tomada como célula económica,
o rendimento, o interesse material individual como alavanca, etc, pode desembocar-se
numha via sem saída. Para construir o comunismo, é preciso, ao mesmo tempo que a
base material, criar o homem novo”13.
Este “homem novo”, portador de umha
consciência revolucionária, nom pode desenvolver-se se nom for a partir de valores
como a solidariedade e a igualdade. Um
documento apaixonante sobre a evoluçom
das ideias do Che Guevara som as actas das
discussons periódicas que mantinha com os
seus colaboradores do Ministério da Indústria. Longos extractos destas actas figuram
no mesmo volume, publicado em 2006 em
Havana, que as notas críticas sobre o Manual soviético. Despois de umha discussom em
Dezembro de 1963, o camarada ministro observava: “O comunismo é um fenómeno de
consciência e nom somente um fenómeno
de produçom; nom se pode chegar ao comunismo pola simples acumulaçom mecánica
de quantidades de produtos postos a disposiçom do povo. Nom se pode chegar ao que
Marx definia como comunismo (…) se nom
existir um ser humano consciente”14.
Num debate de Dezembro de 1964, o
Che volta sobre a questom da ausência de
igualdade verdadeira no “socialismo real”.
Um dos principais perigos do modelo importado dos países do Leste europeu era o aumento da desigualdade social e a formaçom
de umha minoria privilegiada de tecnocratas
e burocratas: neste sistema de distribuiçom
“som os directores os que ganham cada vez
mais. Basta ver o último projecto da RDA, a
releváncia que assume a gestom do director, ou melhor, a retribuiçom da gestom do
director”15. Esta questom preocupa-o até o
mais alto grau, a tal ponto que a menciona
de novo numha carta a Fidel Castro de Abril
de 1965 (um pouco antes da sua partida de
Cuba) –também publicada, pola primeira
vez, na colectánea de 2006– onde ele fai
referência ao “interesse material dos dirigentes, princípio da corrupçom”16.
O fundo do debate, em 1963-66, à vez
com os partidários da “lei do valor no socialismo” -um dogma de Estaline defendido no
debate económico cubano por Charles Bettelheim, e contestado por Ernest Mandel– e
mais tarde, com as afirmaçons do Manual
soviético, era um confronto entre umha
visom economicista –a esfera económica
como sistema autónomo, regida polas suas
próprias leis, como a lei do valor ou as leis
do mercado– e umha concepçom política
e moral do socialismo, isto é, a tomada de
decisons económicas –as prioridades produtivas, os preços, etc. –segundo critérios
sociais, éticos e políticos. As proposiçons
económicas de Guevara –a planificaçom
contra o mercado, o sistema orçamental de
financiamento, os estímulos colectivos ou
“morais”– tinham como objectivo um modelo de construçom do socialismo fundado
nestes critérios e diferente, portanto, do
soviético.
A liberdade como valor ético é, para
Ernesto Guevara, primeiro que toda a libertaçom em relaçom à dominaçom do capital
e a alienaçom mercantil; segundo as Notas
críticas ao Manual, trata-se de “libertar o
ser humano da sua condiçom de cousa económica”17. O que se passa com a liberdade
de expressom das divergências? Um aspecto político importante do debate económico
dos anos 1963-64, que merece ser alegado,
é o facto mesmo da discussom. Quer dizer, o
reconhecimento de que a expressom pública
dos desacordos é normal num processo de
construçom do socialismo. Noutros termos,
a legitimaçom de um certo pluralismo democrático na revoluçom. Esta problemática
está apenas implícita no debate económico.
Guevara nom a desenvolveu de forma explícita ou sistemática. Mas a sua atitude, com
diversas retomadas no curso da década de
60, mostra que era favorável ao livre debate, e ao respeito da pluralidade de opinions.
A modo de exemplo, numha das discusons
com os seus colaboradores (Dezembro de
1964) dirige-se ao seu principal adversário
no debate económico cubano, o comandante
Alberto Mora : “Faltam ao trabalho de Alberto duas cousas. Ou que nos demonstre que
nous avons tort (que estávamos enganados)
–o que em modo algum pode ser mau– ou
entom que demonstre a si próprio que nom
tem razom, o que nom pode ser tampouco
mau. Tanto num caso como no outro (Cualquiera de las dos cosas) vai enriquecer-se
qualquer cousa que é bastante pobre e que
precisa de um trabalho suplementar”18.
Outro exemplo interessante é o seu
comportamento a respeito dos trotskistas cubanos, com quem nom partilhava de
nengum modo as análises (criticou-nos com
dureza em diversas ocasions). Em 1961,
numha entrevista com um intelectual da
esquerda norte-americana Maurice Zeitlin,
Guevara denunciou a destruiçom, pola polícia cubana, das placas de impressom de
A Revoluçom Permanente de Trotsky, como
um “erro” que “nom deveria ter lugar” e alguns anos mais tarde, pouco antes de abandonar Cuba em 1965, ele conseguiu tirar da
cadeia o dirigente trotskista cubano Roberto
Acosta Hechevarria, a quem manifesta, antes de o deixar com um abraço fraternal:
“Acosta, as ideias nom se matam a golpe de
matraca”19.
Nom obstante, a sua reflexom mais
importante neste terreno é a sua resposta
–no debate de Dezembro de 1964 com os
seus camaradas do Ministério da Indústria
já mencionada– a crítica de certos soviéticos, que o acusavam de defender ideias
“trotskistas”. “Neste tema, penso que, ou
bem temos a capacidade de destruir com
argumentos a opiniom contrária, ou bem
debemos deixar que se expresse. Nom é
possível destruir umha opiniom à força, pois
esta bloqueia por completo o livre desenvolvimento da inteligência. Assim, no pensamento de Trotsky podem assumir-se umha
série de cousas, mesmo se, como eu penso,
está equivocado nas suas concepçons, e a
sua acçom posterior foi equivocada” Guevara ajusta ironicamente que os soviéticos o
tratárom de “trotskista”, ao aplicar-lhe esta
etiqueta como um “Sam Benito” –isto é, o
hábito com que a Inquisiçom em Espanha
17 Ibid., p. 130.
14 Apuntes críticos…, p. 270-271.
18 Ibid., p. 377.
12 Obras II, p. 574.
15 Apuntes críticos…, p. 372. Umha parte destas actas já fora publicada em italiano no jornal Il Manifesto e traduzida para francês sob
o título “Le plan et les hommes”, num volume organizado em 1972:
Ernesto Che Guevara, Oeuvres. Paris, Maspero, 1972, vol. VI, Textes
inédits, p. 90.
13 Obras II, pp. 371-372.
16 Apuntes críticos…, p. 10.
19 “Interview with Maurice Zeitlin”, in R. E. Bonachea and N. P. Valdes
(ed), Che: Selected Works of Ernesto Guevara. MIT Press, 1969, p.
391 and “Am Interwiew with Roberto Acosta Hechevarria”, in Gary
Tennant, The Hiddem Pearl of the Caribbean: Trotskysm in Cuba. London, Porcupine Press, 2000, p. 246. Segundo Roberto Acosta, Guevara prometera-lhe que um dia, no futuro, as publicaçons trotskistas
seriam legalmente permitidas em Cuba (p. 249).
cobria os hereges no momento de os conduzir à fogueira…20
Talvez nom seja um acaso que a defesa
mais explícita da liberdade de expressom e
a crítica mais directa de Guevara ao autoritarismo estaliniano venha de manifestar-se
no terreno da arte. No seu célebre ensaio
O Socialismo e o Homem em Cuba (1965)
denuncia o “realismo socialista” de feitio
soviético como imposiçom de umha forma
de arte –a que “entendem os funcionários”.
Com este método, sublinhava, “está a suprimir-se a autêntica procura artística” e está
a impor-se “umha verdadeira camisa de força à expressom artística”21.
4.- A democracia socialista
A democracia, ou o anti-autoritarismo,
era também um valor ético importante para
Che Guevara. Já agora, nunca elaborou umha
reflexom teórica sustentada a respeito do
papel da democracia na transiçom ao socialismo –talvez a maior lacuna da sua obra–,
mas rejeitava as concepçons autoritárias e
ditatoriais que prejudicárom a tal ponto o socialismo do século XX. Aos que pretendiam,
por cima, “educar o povo” –falsa doutrina já
criticada por Marx nas suas Teses sobre Feuerbach de 1845 (“quem vai educar os educadores?”), respondia, num discurso de 1960:
“A primeira receita para educar o povo (…) é
a de o fazer entrar na revoluçom. Nunca convém tentar educar um povo para que, unicamente por meio da educaçom, e um governo
despótico por cima, aprenda a conquistar os
seus direitos. Ensinade-lhe, antes de mais,
a conquistar os seus direitos, e este povo,
umha vez representado no governo, aprenderá todo quanto lhe for ensinado, e muito
mais: ele será o mestre de todos, sem esforço nengum”. Por outras palavras: a única
pedagogia emancipadora é a auto-educaçom
dos povos pola própria prática revolucionária
–ou, como escrevia Marx em A Ideologia Alemá (1846), “na actividade revolucionária, a
mudança de um mesmo coincide com a transformaçom das condiçons”22. As notas críticas
redigidas em 1966 sobre o Manual de Economia Política soviético vam no mesmo senso:
“O terrível crime histórico de Estaline “foi” o
de ter desprezado a educaçom comunista e
instituído um culto ilimitado da autoridade”23.
Mágoa que nom desenvolvesse esta ideia …
Guevara rejeita a democracia burguesa,
mas –apesar da sua sensibilidade antiburocrática e igualitária– está longe de ter umha
visom clara das relaçons entre socialismo
e democracia. Em O Socialismo e o Homem
em Cuba, reconhece que o Estado revolucionário pode equivocar-se e provocar assim
umha reacçom negativa das massas populares, o que o obriga a rectificar –o exemplo
que refere é a política sectária do Partido
sob a direcçom do quadro estaliniano Aníbal Escalante em 1961-62. Contodo, aponta
que “é evidente que este mecanismo nom
basta para assegurar umha sucessom de
medidas razoáveis: falta umha ligaçom mais
estruturada com as massas”. Num primeiro
momento, parece encontrar umha soluçom
numha vaga “interrelaçom dialéctica” entre
os dirigentes e as massas. Nom obstante,
umhas páginas mais à frente, avisa de que
o problema está longe de ter achado umha
soluçom ajeitada, que permita um controlo
democrático efectivo: “Esta institucionalidade da Revoluçom ainda nom tivo êxito. Nos
estamos a procurar algo novo (…)24.
No curso do debate económico de 196365, a sua principal limitaçom neste terreno
era a insuficiência da sua reflexom sobre a
relaçom entre democracia e planeamento.
Os seus argumentos em defensa da planificaçom e em contra das categorias mercantis som muito importantes e cobram nova
actualidade frente à vulgata neoliberal que
domina hoje com a sua “religiom do mercado”. Mas deixam na sombra umha questom
política chave: quem decide as grandes opçons do plano económico? Quem determina
as prioridades da produçom e do consumo?
Sem umha verdadeira democracia –isto é:
a) pluralismo político; b) livre discussom
de prioridades e c) livre eleiçom para a
populaçom entre as diversas proposiçons
e plataformas económicas propostas –a
planificaçom transforma-se inevitavelmente
num sistema burocrático, autoritário e ineficaz de “ditadura sobre as necessidades”,
como o mostra sobejamente a história da
ex-URSS. Por outras palavras: os problemas
económicos da transiçom ao socialismo som
inseparáveis da natureza do sistema político. A experiência cubana dos últimos trinta
anos revela, ela também, as conseqüências
negativas da ausência de instituçons democráticas/socialistas –mesmo se Cuba tivo
êxito ao evitar as aberraçons burocráticas
e totalitárias de outros Estados do assim
nomeado “socialismo real”.
Quem deve planificar? O debate de
1963-64 nom respondeu a esta questom. É
neste tema que se encontram os avanços
de mais interesse nas notas de 1965-66. Ao
criticar umha vez mais o modelo soviético
escreve: “Em contradiçom com umha concepçom do plano como decisom económica
de massas conscientes dos interesses populares, oferece-se um placebo, em que só
os elementos económicos decidem sobre o
destino colectivo. É um procedimento mecanicista, anti-marxista. As massas devem ter
a possibilidade de dirigirem o seu destino,
de decidirem qual é a parte da produçom
que irá à acumulaçom e qual será consumida. A técnica económica tem de operar nos
limites destas indicaçons e a consciência
das massas deve assegurar a sua aplicaçom”. Este tema é retomado em diversas
ocasións: os obreiros, escreve, o povo em
geral, “decidirám sobre os grandes problemas do país (taxas de crescimento, acumulaçom/consumo), mesmo se o plano é obra
de especialistas”25. (25) Pode criticar-se
esta separaçom em excesso mecánica entre
as decisons económicas e a sua execuçom,
mas por estas formulaçons Guevara está a
aproximar-se consideravelmente da ideia
de planificaçom socialista democrática,
tal como, por exemplo, a formulava Ernest
Mandel. Nom extrai todas as conclusons
políticas –democratizaçom do poder, pluralismo político, liberdade de organizaçom–,
mas nom se pode negar a releváncia desta
visom nova da democracia económica.
Podem-se considerar estas notas como
umha etapa importante no caminho do Che
Guevara de cara a umha alternativa comunista/democrática face ao modelo (estalinista) soviético. Um caminho brutalmente
interrompido polos assassinos bolivianos ao
serviço da CIA em Outubro de 1967.
24 E. Che Guevara, Obras II, pp. 369, 375.
25 Apuntes críticos…, pp. 132-133, 183.
20 Apuntes críticos…, pp. 369-370. Em francês, Oeuvres VI, p. 86-87.
21 E. Guevara, Obras II, p. 379.
22 E. Guevara, Obras II, p. 87.
23 Apuntes críticos…, p. 195.
Michael Löwy é teórico marxista, especialista na
questom nacional e no Che Guevara, e militante
da LCR francesa.
Evoluçom de um pensamento
Na primeira etapa cubana da sua vida,
Che Guevara acreditava ainda sem reservas na capacidade de o Partido Comunista
Cubano conduzir a revoluçom, nom tendo
consciência da distáncia que separava esse
partido das tarefas de umha autêntica revoluçom proletária, socialista. Dizia entom:
“Nom se pode estar com a Revoluçom e
contra o Partido Comunista Cubano. A Revoluçom e o Partido Comunista avançam juntos.” Nunca se eximindo a qualquer missom,
foi chefe das forças armadas, presidente do
banco nacional de Cuba, responsável polas
indústria, planeamento e reforma agrária.
Conduziu também as necessárias medidas
de repressom aos contra-revolucionários e
representou Cuba nas relaçons internacionais (1959-1965).
Entretanto, as suas concepçons sofrêrom alteraçons ao longo do tempo. Em 1960,
os Estados Unidos decretárom o embargo
comercial a Cuba e a crise dos mísseis soviéticos marcou a primeira grande discordáncia do Che com a linha que acabou por ser
seguida polo executivo cubano. Considerou
umha traiçom a retirada polo Kremlin da
base de mísseis em Cuba e começou a fazer
comentários favoráveis sobre a revoluçom
chinesa.
Ao voltar de umha viagem a Moscovo em
1964, nom compareceu ao Congresso dos
Partidos Comunistas da América Latina em
Havana. Passando a dedicar-se mais às tarefas internacionais, estabeleceu contactos
com os dirigentes progressistas africanos e
fijo viagens a diferentes países do continente. As suas críticas ao sistema soviético tenhem sido postas em surdina por Cuba, mas
som umha realidade documentada nos seus
escritos. Elas traduzem o crescente mal-estar de Che Guevara em relaçom aos dirigentes do país que na época era tido por muitos
como modelo do socialismo mas cuja conciliaçom com o imperialismo norte-americano
começava a causar alarme entre os revolucionários e os povos em luita. A sua desilusom foi-se tornando cada vez mais evidente.
Enquanto Fidel tomou a defesa da Uniom Soviética na ruptura sino-soviética, louvando a
política de ‘coexistência pacífica’, o Che postulava que só a guerra de guerrilhas poderia
enfrentar o imperialismo na América Latina.
Enquanto o objectivo pragmático de Fidel era
consolidar a economia cubana e garantir a
sua sobrevivência política –e para isso precisava do apoio da URSS– o Che estava mais
interessado em propagar a revoluçom socialista e fazia apelos em favor da luita armada
dos povos oprimidos.
Em Dezembro de 1964, quando foi a
Nova Iorque para discursar perante a Assembleia Geral da ONU, Che Guevara encontrou-se com Malcolm X, que lhe falou do
seu projecto de criar umha brigada de voluntários negros afro-americanos para ajudar
os guerrilheiros congoleses. Meses depois,
Malcolm X foi assassinado, mas a ideia nom
morreu.
À medida que a natureza conservado-
Ana Barradas
Ernesto Guevara, jovem inquieto, viajou
extensamente por toda a América do Sul e,
médico recém-formado, começou a manifestar preocupaçom pola miséria e exploraçom
dos mais pobres, deixando já adivinhar o seu
futuro empenhamento na subversom revolucionária.
Iniciou-se na luita política primeiro na
Guatemala e em seguida no México, onde
foi influenciado polas ideias marxistas, através da sua primeira mulher, a peruana Hilda
Gadea, e outros exilados políticos. Depois de
conhecer Fidel Castro e os rebeldes cubanos, aderiu ao plano de insurreiçom e partiu
com eles para Cuba (1951-1959). Argentino
de origem, sentia-se de facto latino-americano e fijo-se cubano por adopçom. Mergulhou
a fundo, sem hesitar, na luita armada dos
revolucionários da Sierra Maestra pola conquista do poder. Durante a guerrilha prestou
tais provas de coragem e espírito combatente que foi nomeado comandante e membro
do Comité Central. Tivo um papel importante
nas primeiras tarefas do novo regime, que
se reclamava do marxismo-leninismo.
Opiniom
Nº 45. Julho, Agosto e Setembro de 2007
O Che vive
ra e as necessidades do modelo cubano de
pseudo-socialismo chocavam com o apelo de
Guevara a umha luita intransigente contra o
imperialismo, a sua honestidade intelectual
ia-o levando numha rota de colisom dentro
do regime cubano, ideologicamente subordinado ao “irmao mais velho” e mostrando sinais evidentes de burocratismo. Acusado de
ser ora trotskista, ora maoísta, considerou
que o seu papel em Cuba estava esgotado e
no começo de 1965 decidiu partir.
“Renuncio formalmente aos meus cargos na Direcçom do Partido, do meu posto
de ministro, do meu grau de comandante,
da minha condiçom de cubano”, escreveu
numha carta secreta que entregou a Fidel
e que este deveria tornar pública se ele
morresse. E acrescentava: “Outras terras
do mundo reclamam a ajuda dos meus modestos esforços. [...] Deixo o povo que me
adoptou como a um filho; umha parte do
meu coraçom está destroçada. Nos novos
campos de batalha manterei […] o espírito
revolucionário do meu povo, a sensaçom de
cumprir o mais sagrado dos deveres: luitar
contra o imperialismo onde ele se encontre.
[…] Repito que descarrego Cuba de toda
a responsabilidade, excepto a inspirada polo
seu exemplo”.
Logo a seguir, no célebre Discurso de
Argel, em Fevereiro de 1965, criticou abertamente a política externa da URSS pola primeira vez em público. “Cremos que é com
este espírito que se deve enfrentar a responsabilidade de ajudar os países dependentes
e que nom se chame comércio de vantagem
recíproca aquele que é baseado nos preços
que a lei do valor e as relaçons internacionais fundadas numha troca desigual, fruto da
lei do valor, imponhem aos países atrasados.
Como pode significar benefício mútuo vender
a preços de mercado mundial as matériasprimas que custam suor e sofrimento inauditos aos países atrasados e comprar a preços
de mercado mundial as máquinas produzidas nas grandes fábricas automatizadas da
actualidade? Se estas som as relaçons, os
países socialistas som de certo modo cúmplices da exploraçom imperialista. Pode-se
argumentar que o montante das trocas com
os países subdesenvolvidos constitui umha
parte insignificante do comércio externo
desses países. É umha grande verdade, mas
nom elimina o carácter imoral da troca. Os
países socialistas têm o dever moral de liquidar a sua cumplicidade tácita com os países
exploradores de Ocidente. (...)
“Nom pode existir socialismo se nas
consciências nom se operar umha mudança
que provoque umha nova atitude fraterna
para com a humanidade, tanto de índole individual, na sociedade em que se constrói ou
está construído o socialismo, como de índole
mundial em relaçom a todos os povos que
sofrem a opressom imperialista.”
Os soviéticos acusárom o Che de “desvio ideológico” e figérom-no saber a Fidel
Castro. Este pediu-lhe que regressasse imediatamente a Cuba para acabar de umha vez
por todas com a duplicidade do discurso político cubano. Mas Guevara, ainda em Argel,
viajou para o Cairo e Pequim, onde esperava
demonstrar com um acordo comercial “revolucionário e desinteressado” com a China
como tinha razom nas suas acusaçons contra a URSS. Mao recebeu-o muito bem mas
nom se comprometeu com nada.
Logo a seguir, sempre obcecado com a
solidariedade com os povos do mundo, Guevara partiu para o Congo e retomou a luita armada ao lado dos rebeldes que procuravam
derrubar o regime de Tshombé entre Abril e
Novembro de 1965. Entretanto, em Outubro
de 1965, Fidel Castro tornara pública a carta de despedida que Guevara lhe entregara
antes de partir. O Che reagiu dizendo: “Esta
carta só devia publicar-se depois da minha
morte. Nom é agradável ser enterrado em
vida. Intencionalmente ou nom, varrêrromme da cena internacional”.
Desiludido com as incoerências dos chefes da insurreiçom congolesa (“Esta é a história de um fracasso. (...) mais exactamente,
a de umha decomposiçom”), mais umha vez
resolveu partir. Escreveu nessa altura: “Durante estas últimas horas no Congo, sentimme só como nunca me tinha sentido, nem em
Cuba nem em nengum outro sítio, ao longo
da minha vida errante por todo o mundo.
Poderia dizer: nunca como hoje, neste momento, sentim até que ponto o meu caminho
é solitário”.
Passou quatro meses em Dar es Salam,
na embaixada de Cuba. Obrigado à clandestinidade desde que se tornara pública a sua
carta a Fidel, passou outros quatro meses
em Praga antes de voltar a entrar em Cuba,
disfarçado e sob anonimato. Apesar das reticências dos soviéticos e a instáncias de Che
Guevara e do líder marroquino Mehdi Ben
Barka, a V Conferência da Tricontinental foi
realizada em Havana em Janeiro de 1966. A
sua finalidade principal foi a de incrementar
ao máximo os movimentos revolucionários,
coordenar a forma de realizá-los e fortalecer
o apoio moral e material para os tornar mais
efectivos. A caminho da Bolívia e em paradeiro nom conhecido, Guevara enviou umha
mensagem à Tricontinental, em que assinala: “A América, continente esquecido polas
últimas luitas políticas de libertaçom, que
começa a fazer-se sentir através da Tricontinental, na voz de vanguarda dos seus povos,
que é a revoluçom cubana, terá umha tarefa de muito maior relevo: a criaçom de um,
dous, três Vietnames em todo o mundo”.
O Che foi para a Bolívia para desencadear a luita armada, apesar de lhe ser negado o
apoio do Partido Comunista boliviano por se
ter recusado a ficar sob as ordens da estrutura partidária. A aventura boliviana desenrolou-se em condiçons muito piores que as
do Congo e muitos retiram da leitura do seu
Diário da Bolívia a ideia de que se tratou de
umha espécie de suicídio consciente. Feito
prisioneiro, ferido e assassinado por ordem
directa da CIA, morreu como guerrilheiro em
9 de Outubro de 1967.
O marxismo do Che
Alguns pontos caracterizam a interpretaçom singular que Che Guevara fijo da sua
experiência como revolucionário, conjugada
com as suas noçons de marxismo:
– Humanismo revolucionário – o amor à humanidade oprimida, o desejo de combater
a miséria, a injustiça e a exploraçom do
proletariado devem guiar todas as acçons
do combatente pola libertaçom.
– A luita armada – é à vanguarda que cabe
influenciar a marcha dos acontecimentos,
dentro do que é objectivamente possível.
A guerrilha, fruto da acçom consciente da
vanguarda, é fundamentalmente o motor
da mobilizaçom e o gerador da consciência revolucionária e do entusiasmo
combativo das massas populares. O único modo de obter como resultado umha
revoluçom socialista é a luita armada; e
esta deve ser encabeçada pola guerrilha.
– O homem novo – a revoluçom nom é só
umha transformaçom das estruturas
sociais ou das instituiçons do regime; é
umha transformaçom profunda e radical
das pessoas, das consciências e das relaçons sociais. No partido, esse homem
novo é o quadro; ele nom é um simples
transmissor de palavras de ordem ou de
reivindicaçons, mas um criador que ajudará no desenvolvimento das massas e na
informaçom dos dirigentes.
– O internacionalismo – o Che já tinha dito,
em Argel: “O desenvolvimento dos países
que se comprometem na via da libertaçom
deve ser pago pelos países socialistas.” É
fácil de concluir que o internacionalismo
guevarista estava mais dirigido para o
Terceiro Mundo que para a ideologia comunista ortodoxa de Moscovo. Influenciado polas ideias maoístas, acreditava que
a luita pola independência total dos continentes africano, sul-americano e asiático
estava na vanguarda do combate contra o
imperialismo.
O Che fundiu o marxismo com a sua visom idealizada da revoluçom como acto de
vontade dos revolucionários, independentemente da estrutura económico-social de
cada país. Nunca questionou a natureza
real do Estado soviético – como aliás a
generalidade das correntes comunistas
da época – convencido que estava da
simples existência de vícios burocráticos,
aburguesamento dos dirigentes, desprezo
polo sofrimento das massas, etc. E assimilava esses factores também às limitaçons da revoluçom cubana, ao imaginá-la
socialista e nom nacional-burguesa, como
de facto era.
Nom se apercebia que possivelmente
os destinos de Cuba nom poderiam ter
sido conduzidos de outra maneira, pola
própria natureza económico-social do país
e nom pola origem de classe dos seus dirigentes. De resto, a questom coloca-se
hoje mesmo: Estará a revoluçom cubana
em crise por causa de umha conduçom errada por parte da sua classe dominante,
ou o castrismo é o retrato dos limites da
própria revoluçom? A segunda hipótese,
sendo a verdadeira, nunca teria ocorrido
a Che Guevara. Contodo, talvez se poda
relacionar o seu engodo polo foquismo
com a desilusom que lhe terá causado a
experiência no PC cubano.
Por outro lado, embora a estratégia da
guerra de guerrilhas como foco de insurreiçom nom estivesse necessariamente condenada ao fracasso – como o prova a prolongada resistência armada na Colômbia, por
exemplo – no caso da Bolívia nom poderia
subsistir, por ser fruto de umha implantaçom
exterior e nom ter sido gerada e desenvolvida no ámbito da revolta das massas camponesas.
O Che, que se baseava na experiência
vitoriosa da China, Vietname, etc., em que
os campos cercárom as cidades, nom viveu
o suficiente para compreender que é a necessidade das próprias massas que as leva
a criar os instrumentos adequados, no processo de umha luita consciente para impor
os seus objectivos. Na América Latina as
condiçons sociais eram totalmente diferentes da Ásia e os meios de luita teriam de
ser outros. E em África? Aí a luita só podia
fazer-se a partir dos campos, mas também
fracassou, talvez porque nom houvesse elementos de umha revoluçom agrária como na
China ou na Rússia, nem massas de milhares
de camponeses desejosos de tomar posse
das terras.
O foquismo revela umha incompreensom de fundo do Che quanto ao que fijo a
força dos revolucionários vienamitas e chineses: organizavam-se em partidos que se
tinham tornado, ao longo de muitos anos,
a alma da resistência, estavam profundamente implantados nas massas populares,
combinavam várias formas de luita. As
improvisaçons tentadas por Guevara no
Congo e na Bolívia eram meros “focos”
sem raiz de massas, que demoraria muitos
anos a construir. Demonstrárom que nom
basta “enxertar” um grupo de revolucionários num país oprimido para a revoluçom
avançar. E evidenciam um esquematismo
na concepçom do Che, resultante de imaturidade política e de um certo romantismo
pequeno-burguês.
O Che foi um expoente do revolucionarismo nacionalista latino-americano. As suas
respostas nom eram as que necessitava
o proletariado europeu, por exemplo. Só
que, no marasmo do reformismo, das capitulaçons e das traiçons em que os partidos
comunistas europeus tinham afundado o
movimento, o seu exemplo de combatividade
tivo um efeito electrizante. Ele era de umha
raça diferente dos Thorez, Togliatti, Cunhal e
Brejnev. O foquismo, apesar das suas limitaçons, reavivou a ideia de que as condiçons
objectivas favoráveis podem ser aceleradas
polos factores subjectivos e que a luita armada é umha etapa obrigatória da conquista
do poder polos revolucionários.
Hoje o Che é em parte umha moda que
o sistema procura recuperar e tornar inofensivo. Mas isso nom apaga o Che visionário
anti-imperialista que inspira parte da juventude actual. A forma criadora como analisou
as condiçons da época, a dedicaçom sem
limites, a tenacidade que imprimiu à sua
acçom, o espírito internacionalista de que
deu provas e a coragem com que enfrentou
a ortodoxia dominante fazem dele, quarenta anos após a sua morte, um símbolo de
esperança e de força moral para todos os
que aspiram à revoluçom dos explorados e
oprimidos.
Ana Barradas fai parte da revista comunista portuguesa Política Operária
internacional
Face a umha, esperada e agora concretizada, ofensiva capitalista
-desenfreada e avassaladora- contra os interesses e direitos mais
elementares dos trabalhadores,
era necessário que estes dessem a
resposta adequada, no caso, ao governo de Sócrates. Para isso, teria
de ter havido um intenso trabalho
de esclarecimento e preparaçom
política das massas trabalhadoras, e
definiçom precisa dos objectivos de
luita, para que, quando chegasse a
hora, como chegou, elas estivessem
aptas a responder, taco a taco, à
ofensiva da burguesia.
A derrota sofrida polo proletariado português, com a imposiçom
do Código burguês do Trabalho em
2003, provocou um recuo acentuado
no ánimo dos trabalhadores para resistir às investidas capitalistas contra os seus interesses e direitos.
Os arremedos de luita contra o
Código, desencadeados polas forças
sindicais e políticas com maior influência no campo laboral, CGTP e PCP,
nom resultaram e os trabalhadores
saíram a perder.
Nem mesmo a greve geral de
2002 mudou algumha cousa. Porquê? Porque a luita ficou a meio
caminho, ficou-se pola ameaça, polo
arremedo. A adesom significativa
dos trabalhadores a essa greve geral anunciava a sua disposiçom para
prosseguir a luita até derrotar as
pretensons do governo. Mas, os sindicatos e a esquerda parlamentar,
em vez de insistirem na radicalizaçom da luita, optaram pola negociaçom e deu no que deu: derrota do
movimento laboral e perda de confiança nas suas forças próprias.
A estratégia dessas forças sindicais e políticas nom passa polo
Vladimiro Guinot
Nº 45. Julho, Agosto e Setembro de 2007
Portugal: luita de classes,
ou paninhos quentes?
afrontamento directo e radical ao
sistema burguês. Nom é a sua intençom erguer o campo laboral contra
a exploraçom capitalista e muito
menos pôr em causa o sistema
parlamentar burguês. Este é o sistema que mais lhes apraz, que lhes
garante alguns privilégios a troco
do sacrifício das grandes massas laboriosas. Garante-lhes notoriedade
e protagonismo político. Som os burgueses bonzinhos que personificam
a caridade polo proletariado.
Na oposiçom, o PS protestou,
até com algum radicalismo, contra
a proposta do Código do Trabalho
e contra as políticas do governo de
direita da coligaçom CDS/PSD.
Agora, no poder, assumiu-se
como o representante legítimo das
multinacionais e do capital financeiro, e comprometeu-se dar continuidade ao projecto neo-liberal que
os partidos mais à sua direita nom
conseguiram concretizar.
Em todos os domínios da vida
do povo trabalhador, o governo de
Sócrates tem vindo a cortar a eito:
na Saúde, na Segurança Social, na
Educaçom e na Justiça, o governo
está empenhado em acabar com o
que é Serviço Público e entregar ao
privado, para exploraçom lucrativa,
áreas que deviam ser gratuitas, ou
tendencialmente gratuitas, como
prevê a Constituiçom.
No campo laboral a cousa nom
anda melhor. O governo PS vai rever
o Código do Trabalho para o piorar.
Pretende incluir nesse código regulamentaçons que facilitem os des-
pedimentos, nomeadamente os sem
justa causa, proibidos pola Constituiçom. Quer introduzir a Flexisegurança à portuguesa, ou seja, flexibilizar
o despedimento, sem segurança
para os trabalhadores. A taxa real
do desemprego em Portugal é das
mais elevadas de toda a Uniom europeia –10,9%– e as perspectivas
apontam para o seu crescimento.
A miséria, a verdadeira, já atinge mais de dois milhons de pessoas
–20% da populaçom– no país e, nos
últimos três anos, mais de cem mil
trabalhadores foram obrigados a
emigrar para arranjar sustento.
A política global do governo
PS gerou um descontentamento
generalizado na populaçom laboral
do país. Mas também os sectores
menores e intermédios da pequena
burguesia se mostram descontentes com a política do governo. A
esmagadora maioria do povo português tem razons de queixa desta
governaçom. Som cada vez mais os
movimentos de contestaçom que
emergem por todo o país. As últimas
manifestaçons nacionais, realizadas
em Lisboa, trouxérom para a rua
mais de 150 mil pessoas. A convocaçom da Greve Geral justificava-se
plenamente.
Mais umha vez, a CGTP e o PCP
apostárom numha cartada política
ardilosa: Para responder à vontade
popular, que exigia formas de luita
mais radicais contra o governo, convocam umha Greve Geral.
Para quebrar algum ímpeto
radical das massas, nom lhe atribuí-
rom um objectivo preciso, concreto.
Levantárom exigências populares
como: basta de precariedade, de desemprego, de desigualdades e nom
à flexibilidade, mas nom orientárom
a luita contra o responsável por essa
política – o governo do PS –, exigindo a sua demissom.
Pode parecer umha questom de
menor valor, mas nom é! Os cerca
de um milhom e quatrocentos mil
trabalhadores em greve sentírom-se
defraudados porque lhes soubérom
a pouco as razons porque foram à
luita. Partiram quase que derrotados
mas, ainda assim, fôrom protestar.
Só que isso “cansa” e desmobiliza.
Precisamos de alcançar vitórias
como de pam para a boca. Vitórias,
sobre os patrons e os seus governos,
que andam arredadas do movimento
laboral e popular há mais de trinta
anos. O proletariado português precisa de reganhar confiança em si e,
com a sua mobilizaçom para a luita,
arrastar consigo os outros sectores
do campo popular, descontentes
com a governaçom burguesa.
O objectivo principal da greve
tinha de ser a queda do governo. Aí,
a mobilizaçom popular seria maior e
a disposiçom de prosseguir a luita,
seria também maior.
Se quigermos perder umha
batalha pomos os combatentes a
disparar em vários sentidos. Se a
quigermos ganhar, definimos o alvo
principal e disparamos sobre ele, até
que o inimigo se renda. Nom dispersamos muniçons nem esforços dos
combatentes.
A CGTP e o PCP optárom pola
dispersom e pola derrota.
Vladimiro Guinot é electricista e membro
da Política Operária
LIVROS
Memorial da Liberdade. Represión e resistencia en Galiza 1936-1977
Xunta de Galicia, Compostela, 2006. 666
páginas
Umha cuidada ediçom em formato livro reproduz a modo de catálogo a prática
totalidade dos objectos, fotografias, cartazes,
desenhos, armamento e documentos da exposiçom instalada no Auditório da Galiza,
em Compostela, entre Novembro de 2006 e
Janeiro de 2007.
O valor deste livro reside precisamente numha magnífica reproduçom
de multidom de materiais dispersos em revistas e publicaçons, nom sempre fáceis de conseguir, nalguns casos indéditos, ou bem pertencentes a
colecçons particulares, ou aos fundos de arquivos e instituiçons públicas
de acesso restrito.
As cascas de pinheiro contra que fusilárom Bóbeda na Caeira, carimbos
do Exército Guerrilheiro da Galiza ou documentos internos do DRIL pudérom
ser contemplados numha exposiçom mal montada e concebida, incapaz de
projectar e multiplicar a importáncia histórica e ideológica do imenso material empregado.
As mais de três horas e meia que era necessário investir para poder
contemplar tam só superficialmente os objectos expostos reflecte a errónea
concepçom de que a dia de hoje devem ser este tipo de iniciativas se pretendem realmente cumprir um papel pedagógico e didáctico com projecçom
de massas, e nom ficar no armazenamento em vitrinas e painéis de materiais
seguindo umha ordem cronológica que apenas podem interessar a eruditos e
reduzidos sectores sociais. Essa mentalidade positivista decimonónica, -embora conte com um elevado orçamento e meios disponíveis, nom utilizou as
novas tecnologias que facilitassem o seguimento e a atençom do público-, é
parcialmente corrigida, agora, aqui, com este livro que permite a possibilidade de desfrutar e analisar com calma e sem a pressom deste tipo de eventos.
Lástima que o preço e distribuiçom da obra aprofunde no carácter elitista de
umha iniciativa que devia ter percorrrido a geografia nacional.
É necessário pois que todos estes materiais, ou ao menos boa parte
dos mesmos, podam ser comtemplados permanentemente polo povo galego. Reinstaurar o saqueado Seminário de Estudos Galegos seria umha boa
opçom para o ano da memória nom ficar numha simples lembrança para
apaziguar as contas do passado. (Carlos Morais)
Orlando Borrego
Che. El camino del fuego
Hombre Nuevo, Buenos Aires, 2001. 434 páginas
Nestes tempos em que a figura do Che Guevara foi rebaixada a um mero ícone, no momento em que a maioria d@s habitantes do planeta que poderiam reconhecer a imortal imagem que
do revolucionário cubano-argentino figera Korda mas que nom
saberiam dizer dele muito mais que o seu nome. Mesmo quando
de certo existem @s que admiram realmente a figura deste herói
da humanidade mas só conhecem umha faceta parcial da sua
actividade revolucionária como combatente e lider guerrilheiro.
Nesta situaçom, ler este livro nom é simplesmente recomendável, mas inexcusável.
Orlando Borrego, quem também foi combatente guerrilheiro na Revoluçom Cubana, foi
o colaborador mais próximo ao Che no período em que este estivo à frente do Ministério da
Indústria e outras instituiçons do governo cubano. Esta circunstáncia permite-lhe nom fazer
umha biografia ao uso, mesmo poderia pensar-se que se trata de umha aproximaçom muito
parcial umha vez que só atinge aqueles anos em que o Che exerceu como estadista do governo
revolucionário. Mas se tivermos em conta a quantidade de biografias publicadas, e que na sua
maior parte passam muito levemente por este preciso período, o certo é que o Che que nos
descobre Orlando Borrego para muitos é um autêntico desconhecido.
O obra nom nos mostra o herói de Sierra Maestra e da tomada de Santa Clara, nem ao
combatente internacionalista no Congo e na Bolívia; também nom temos aqui o jovem argentino
que com um empacho de romantismo se lança a percorrer a América do Sul de mota. Temos cá
um Che maduro, solidamente formado e convencido no seu compromisso revolucionário com o
comunismo, e que adopta a faceta de construtor empenhando tanto ou mais no desenvolvimento
económico de Cuba como noutros momentos faria no combate armado contra o imperialismo.
E este Che, que possivelmente seja o mais esquecido, revela-se-nos como um teórico
marxista de primeiro nível. Um Guevara que da experiência prática e das suas convicçons comunistas lança-se ao combate contra a presença do capitalismo na economia cubana e chega
a propor umha radical crítica contra o escolasticismo da economia política soviética. De facto,
se de todo o livro tivermos que escolher umha pequena parte pola sua trascendência, sem
dúvida esta seria o rascunho do prefácio para o estudo sobre economia política que o Che tinha
projectado escrever, e do qual deixou numerosas anotaçons e apontamentos. Nessas três páginas escassas Guevara demonstra pola via dos factos que seguia aquela máxima marxista que
remarca a obriga de fazer umha crítica radical de todo o existente, denunciando sem nengumha
dúvida que o que existia na URSS nom era socialismo.
Em resumo, um livro que nom é umha biografia completa do Che, mas que apresenta
umha faceta dele sem a qual nom se pode entender a sua importáncia. (Manuel Pena)
Stephen Resnick e Richard Wolff
Teoria de classe e história. Capitalismo e comunismo na
URSS
Campo da Comunicação, Lisboa, 2004. 424 páginas
Stephen Resnick e Richard Wolff, professores de economia na Univesidade de Massachusetts, som dous desses
intelectuais que nos podem surpreender ao elaborar análise
marxista desde as instituiçons académicas do império. Contodo nom deixa de ter certa lógica que lá onde se formam as elites dirigentes dos EUA haja cabida para quem à hora de tentar
explicar o funcionamento da sociedade pretenda fazer ciéncia
e nom propaganda. A fim de contas Fukuyama pode servir para tentar enganar as massas, mas
nom para entender o que se está a passar no mundo, para isso é preciso o marxismo.
Os autores deste profundo estudo trabalhárom durante dez anos para achar umha explicaçom mais correcta das pré-existentes do que aconteceu com a Revoluçom e o estado
soviético. Na linha da melhor tradiçom do pensamento materialista, o que se fai neste livro
nom é umha simples colectánea escolástica das análises que com anterioridade se tinham
achegado à questom tratada, mas realmente se propom umha nova tese que incide na estrutura de classes como elemento medular do problema.
Resnick e Wolff afrontam a questom das classes na sociedade soviética de um enfoque
novidoso. Proponhem que à hora de definir o conceito classe o importante nom é a situaçom
que os grupos humanos mantenhem respeito à propriedade dos meios de producçom, tal e
como se entenderia dento de umha concepçom ortodoxa do marxismo, nem também respeito
à questom do poder, como algumhas visons reformistas e mais afastadas do materialismo
histórico tenhem defendido. A novidade relativa que apresenta este livro está na importáncia
central que teria a questom da produçom e da apropriaçom e reparto do excedente.
Os autores argumentam que desta óptica umha sociedade comunista seria aquela integrada em exclusiva por elementos que som ao tempo produtores e apropriadores do excedente, enquanto a apropriaçom do excedente e o controlo da sua redistribuçom fique à margem
d@s produtores/as, nom se pode falar de comunismo.
Partindo desta tese fai-se umha análise da sociedade soviética na qual se pretende
demonstrar que lá nom houvo comunismo, mas desenvolveu-se um modelo divergente do
que poderíamos chamar capitalismo privado e que se define como capitalismo de estado. Na
URSS o papel que nas sociedades ocidentais lhe corresponderia ao capital privado e à burguesia, foi assumido de um modo atípico polo aparelho de estado, embora o funcionamento
básico do modo de produçom capitalista ficar inalterado.
Em definitiva, esta é umha obra interessante que nom se cinge exclusivamente ao tema
soviético, mas propom umha contribuiçom novidosa sobre a teoria das classes sociais nom
exenta de discusom. (André Seoane)
WEB
Siareir@s Galeg@s www.siareirosgalegos.org /
www.siareirasgalegas.org
Siareir@s Galeg@s, a organizaçom popular que pula pola
formaçom e reconhecimento das selecçons desportivas nacionais
do nosso país, conta com umha página na rede a través da qual
podemos aceder a abundantes informaçons sobre as actividades e
iniciativas que promovem.
Mas como já é habitual na maioria dos webs das diferentes
asociaçons e entidades do movimento popular galego a cousa
nom fica num simples painel publicitário virtual. Assim em www.
siareirosgalegos.org encontramos, para além das notícias geradas
pola actividade da associaçom ou ligadas aos jogos das diferentes
selecçons nacionais, um arquivo gráfico onde aparecem imagens
dessas actividades, umha loja onde comprar material editado pola
organizaçom e mesmo diferentes meios de contacto para contactar Siareir@s Galeg@s.
A web conta também com um foro de acesso restringido para
filiaçom da entidade que serve como meio de contacto ágil e directo, evitando a habitual contaminaçom de “trolls” conhecida
na maioria dos foros abertos existentes na rede.
Edita: Primeira Linha. Redacçom: Rua Costa do Vedor 47, rés-do-chao. 15703 Compostela. Galiza. Telefone: 616 868 589 / www.primeiralinha.org
Conselho de Redacçom: Comité Central de Primeira Linha. Fotografia: Arquivo Abrente. Correcçom lingüística: Galizaemgalego.
Maqueta: ocumodeseño. Imprime: Litonor S.A.L. Encerramento da ediçom: 14 de Julho de 2007
Correspondência: Rua Costa do Vedor 47, rés-do-chao. 15703 Compostela. Galiza.
Correios electrónicos: [email protected] / [email protected] / Tiragem: 3.000 exemplares. Distribuiçom gratuíta.
Permite-se a reproduçom total ou parcial dos artigos sempre que se citar a fonte. Abrente nom partilha necessariamente a opiniom dos artigos assinados.
Impresso em papel reciclado. Depósito Legal: C-901-1997
A primeira ediçom
galega do Diário da
Bolívia, –um conjunto
de textos que conformam o diário da campanha guerrilheira do
Che iniciado em 7 de
Novembro de 1966
e finalizado em 7 de
Outubro de 1967–,
vai acompanhado por
cinco documentos.
Em primeiro lugar
incluímos a Carta de
despedida do Che a
Fidel Castro escrita
em Abril de 1965 e
difundida em 3 de
Outubro desse ano,
seguido do discurso de Fidel na velada solene em memória do Che
realizada em 18 de Outubro de 1967; posteriormente a introduçom de Fidel à primeira ediçom cubana do Diário, e a “Mensagem
aos povos do mundo”, transmitida na reuniom da Tricontinental
realizada em Havana em Abril de 1967, embora escrito antes da
sua partida para a Bolívia. Finalmente também reproduzimos os 5
comunicados do ELN e umha série de documentos gráficos.
Graças a este documento histórico, podemos compreender e sentir o que foi umha das maiores epopeias da segunda metade do
século XX. O Diário exprime as reflexons carregadas de realismo
de um homem consciente do que fazia, entregado completamente
à causa da emancipaçom humana, mas que nunca pensou que as
suas breves pinceladas seriam publicadas e lidas por milhons de
pessoas.
Recebe as publicaçons da Abrente
Editora na tua morada preenchendo
o formulário e enviando-o co justificante de pagamento da publicaçom ou
publicaçons escolhidas à rua Costa do
Vedor 47, rés-do-chao. 15703 Compostela. Galiza. Número de conta para
o ingresso 2091 0387 423000009169
de Caixa Galiza-Compostela. Ao preço
da publicaçom há que acrescentar 5 €
por gastos de envio.
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nome e
apelidos
endereço
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