View - Sintese

Transcrição

View - Sintese
A trajetória do
movimento feminista
O Feminismo desafia
o capitalismo
Desafios para os
professores sergipanos
Revista de Formação
Político-Pedagógica
www.sintese.org.br
Mulheres e
participação
política
nº 21 - Sergipe - março - 2013 R$ 5,00
do SINTESE
EXCLUSIVO
ENTREVISTA
COM LECI BRANDÃO
Garantir a efetiva participação feminina
é fundamental para a democracia
1
2
primeiras palavras
Somos mulheres, somos lutadoras,
somos fortes!
Nem chocolate, nem flores. O mês de
março – em que se celebra o Dia Internacional da Mulher – não é um momento de
comemorações nem de presentear as mulheres.
O mês de março é um mês de reflexão e
ação concreta sobre os direitos das mulheres, sobre a luta por respeito, justiça e igualdade de direitos. O mês de março é um mês
para debater e refletir sobre a desigualdade
de gênero no mundo do trabalho, discutir
e definir ações de combate à violência contra a mulher. O mês de março é um período para resgatar e manter viva a história e
a memória de mulheres lutadoras de todo
o mundo.
A Revista Paulo Freire se insere nesse
contexto. Nesta edição, homenageamos
as mulheres. Mas não com presentes,
flores ou chocolates. Homenageamos
as mulheres destacando o protagonismo
dessas companheiras nas principais lutas
sociais travadas ao longo da história. Homenageamos as mulheres professoras e
todo o conjunto das mulheres trabalhadoras.
Sobre este tema, trazemos uma matéria especial que aborda a importância da
participação das mulheres na política nacional e um artigo que delineia uma trajetória histórica do feminismo em todo
o mundo.
A companheira Rosane Silva, que ocupa a Secretaria Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT, colabora nesta edição
com um artigo que ressalta como o sistema capitalista mantém e reforça práticas
machistas. Rosane defende como fundamental questionar o capitalismo a partir
da luta feminista.
A forma como a mídia retrata as mu-
lheres brasileiras e a luta das organizações feministas pela democratização da
comunicação é também tema de uma
matéria nesta edição.
Ainda nesta edição temos uma entrevista mais que especial. Conversamos,
com exclusividade, com a sambista e
deputada estadual por São Paulo, Leci
Brandão. Leci é a autora de uma música-hino para as professoras e os professores sergipanos, a canção Anjos da Guarda. Na entrevista, Leci Brandão revela
que entende e é apaixonada pela educação pública.
Dando continuidade ao protagonismo feminino em toda esta edição, a seção Saber e Poesia,
traz um poema sobre o 8 de Março e o fim da
violência contra as mulheres.
Nesta edição de março, damos prosseguimos
à divulgação de experiências de projetos e ações
pedagógicas bem-sucedidas desenvolvidas por
professores e professoras em redes públicas no
estado de Sergipe. Destacamos o projeto “Se
ligue e recicle”, em que educadores, estudantes
e comunidade local desenvolvem ações de preservação e conservação ambiental. “Se ligue e
recicle” foi um dos projetos finalistas do 3º Concurso Nacional Aprender e Ensinar, promovido
pela Revista Fórum e Fundação Banco do Brasil.
Mês de março é também o mês em que
demos início à nossa Campanha Salarial de
2013. O ano, certamente, será de inúmeros
desafios para as professoras e os professores sergipanos. Será fundamental a nossa
unidade e mobilização. Essa é a reflexão
que está presente em um artigo nosso nesta
edição da Revista Paulo Freire.
Boa leitura!
Ângela Melo
Presidenta do Sintese
onde achar
Questionando o
Capitalismo a partir
do Feminismo
Em 2013 não
abro mão do Piso
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Entrevista com
Leci Brandão
Mulheres e
participação política
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[email protected]
www.sintese.org.br
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Os artigos assinados nesta edição não
refletem necessariamente o entendimento da direção do Sintese.
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A trajetória do
movimento feminista
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As mulheres e a
democratização da
comunicação
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Se ligue e recicle
Revista de Formação Político-Pedagógica do SINTESE
Rua Campos, 107 –
B. São José - Aracaju-Se
CEP: 49015-220
ASSINATURA SOCIAL - R$ 150 (12 exemplares)
ASSINATURAANUAL NÃO FILIADOS - R$ 100 (12 exemplares)
ASSINATURAANUAL NOVOS-FILIADOS - R$ 60 (12 exemplares)
ASSINATURAANUAL FILIADOS - R$ 60 (12 exemplares)
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Conjuntura
Questionando o capitalismo a
partir do feminismo
Rosane Silva*
Aproveitamos o mês de março para aprofundar
nossas reflexões e luta diante das desigualdades que
nos atingem no dia a dia. Questionar o capitalismo a
partir do feminismo tem como um de seus elementos
centrais a compreensão de que a opressão e mercantilização da vida das mulheres estruturam o modelo
atual. As relações sociais são marcadas pela lógica de
que tudo é mercadoria, as relações entre as pessoas
tornam-se uma relação entre coisas. E nós mulheres
percebemos que esse modelo nos coloca numa posição de maior vulnerabilidade, não ganhamos com o
capitalismo, tampouco com a globalização.
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Assistimos a reprodução do
que é a opressão machista que
nos torna mais vulneráveis, permitindo ao capitalismo explorar
a mão de obra das mulheres em
empregos precários e informais.
Nesse aspecto, queremos questionar e desconstruir os mecanismos
do mercado e as pressões da mídia para controlar nossos corpos
e nossas vidas. Reforçamos nossa
crítica ao livre mercado, pois ele
reduz ao terreno das coisas o que
é central para nossas vidas: a autonomia das mulheres.
Nesse cenário muitas vezes nos
vemos acreditando que ter boa
aparência seria algo importante
para se conseguir um emprego.
Significa que os critérios do que
é ser uma boa trabalhadora está
sendo ditado pelo mercado, pela
indústria da beleza. Poucas vezes
refletimos sobre os padrões que
nos são impostos e que acabamos
adotando em nosso dia-a-dia, sem
nos dar conta de que ele está conectado com aquilo que o capitalismo espera de nós. O mercado
se apropria da construção social
sobre o que é ser mulher e reforça
este estereótipo: discreta, silenciosa, bonita, maquiada e multifuncional.
De acordo com essa idéia as
mulheres devem se manter em
seu lugar de submissão e inferioridade, um objeto que não age de
acordo com sua vontade. Nas diversas propagandas percebemos
em qual lugar o sistema capitalista
coloca as mulheres. Temos que
ser bonitas dentro de um padrão
estabelecido pelo mercado, logo
é necessário consumir todos os
produtos que garantem que atenderemos a esse perfil: para o cabelo ficar liso, ou crespo, ou loiro
(de acordo com a tendência), para
sermos sempre jovens, então devemos usar cremes, para o rosto,
mãos, corpo e pés! Só sendo bela
e esbelta seremos felizes, e para
tanto, temos que consumir os
produtos que nos oferecem.
O mercado também se apropria
da separação entre os espaços público e privado e reforça o local
onde as mulheres devem permanecer: no lar, ao lado dos filhos
e da família. Por isso, tantas propagandas de produtos de limpeza
destinados a facilitar nossa vida,
A privatização dos serviços
públicos tem seus efeitos nefastos especialmente sobre
as mulheres
para cumprirmos com o ideal de
mulher eficiente, mãe zelosa e esposa submissa, com o intuito de
conseguirmos deixar nossa família mais feliz. E se algum dia estamos cansadas com o trânsito,
preocupadas com as pressões do
trabalho ou com as notas escolares dos filhos, a indústria farmacêutica oferece a solução instantânea para esses problemas: basta
uma pílula para a dor de cabeça,
para dormir ou para relaxar.
O capitalismo nos coloca numa
condição de permanente insegurança em relação ao nosso corpo,
pois sempre precisamos de algum
item a mais para sermos desejadas, queridas e felizes: silhueta
fina, seios redondos, pele lisa,
etc. Além disso, devemos atingir
tal padrão de feminilidade a fim
de estarmos sempre disponíveis,
agradáveis e atraentes, cumprindo
o papel de atender o que se supõe
serem as expectativas masculinas
(reais ou imaginadas). O capitalismo explora essa dependência e
oferece produtos e serviços que
naturalizam tal condição.
Dentro dessa imposição de um
padrão de sexualidade e feminilidade a fim de atender aos desejos dos homens é que o mercado
forja uma naturalização de fenômenos em nossa sociedade como
a prostituição e a pornografia.
Devemos estar atentas aos projetos que propõem a legalização
da prostituição sob o falso argumento da garantia de mais direitos
às mulheres. Esses projetos até o
momento não trazem nenhuma
proposta que rompa com o ciclo
de submissão das mulheres aos
desejos masculinos, ao contrário
mantêm a lógica de transformar
nossos corpos e sexualidade em
mercadoria.
No neoliberalismo, a mercantilização da vida passa por diversos setores e sua expansão atinge
o espaço que antes era regulado
pelo Estado, como a educação,
saúde, seguridade social, energia,
água, alimentação e a criatividade
das pessoas.
A privatização dos serviços públicos tem seus efeitos nefastos
especialmente sobre as mulheres.
Na ausência desses serviços são
as mulheres as principais responsáveis em garantir o bem- estar de
todos: a socialização das crianças,
o cuidado com os doentes, a busca por alimentos. A preocupação
e garantia com o bem-estar das
pessoas é abandonado pelo Estado e o capital repassa para o espaço privado essas tarefas.
No capitalismo, as relações
entre as pessoas tornam-se
uma relação entre coisas
Diante do desemprego e da responsabilidade assumida com a família, são oferecidas às mulheres
saídas individuais e privadas como
a procura por trabalhos precários,
sem garantias, informais e em domicílio.
É no caminho oposto que nós,
cutistas e feministas, devemos reivindicar um mundo melhor para
as mulheres: com serviços públicos de qualidade na saúde, educação, por moradia digna e trabalho
decente. Seja na forma de cooperativas, sindicatos e movimentos sociais, devemos incluir mais
mulheres para atuarem de forma
participativa e coletiva. Nossos
corpos não são uma mercadoria
e nós exigimos sermos tratadas
como sujeitos com autonomia,
que por meio de nossas práticas
e ocupando o espaço público seguiremos em nossa luta cotidiana
dizendo “Não” ao livre mercado.
*Secretária Nacional da Mulher
Trabalhadora da CUT
5
Educação
Em 2013 não abro mão!
R$1567 no vencimento inicial
e estendido para a carreira do
magistério
Ângela Melo *
O ano de 2013 reserva pra os professores da rede estadual vários desafios. Temos duas reivindicações primordiais para este ano. A primeira é
o reajuste do piso que é de R$1.567,00
no vencimento inicial do professor
com formação em Nível Médio em
início de carreira e estendido para as
demais carreiras do magistério. Den-
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tro dessa pauta está também o pagamento do passivo trabalhista de 2012,
afinal o governo do Estado não implementou o reajuste do piso ano passado e ainda tentou destruir a carreira
do magistério apresentando uma proposta de 6,5% de reajuste indo totalmente de encontro a lei do piso.
A outra pauta significativa tem a
ver com a escola que queremos. Os
professores sistematizaram uma polí-
tica de educação para a escola pública.
É o projeto “A Escola Democrática
e Popular: A Educação que Queremos”. Cansamos de esperar uma alternativa que valorizasse o educador e
a escola pública, então através de um
grupo de trabalho e de discussões fomentadas com professores de todo o
Estado elaboramos a nossa proposta
e esperamos discuti-la com o governo
do Estado.
O que nos espera, professores e professoras é mais um
ano de muita luta e convicção de que a Lei do Piso é
um direito nosso, conquistado a partir de sangue, suor,
lágrimas e até a vida de
diversos companheiros.
Dissemos não aos 6,5% - Nas
abordagens feitas por trabalhadores
de outras categorias e da sociedade em
geral nos perguntam por que não aceitamos o reajuste de 6,5% apresentado
pelo Governo do Estado em 2012.
Não aceitamos esse índice porque,
além dele ser diferente do percentual
apresentado pela lei do piso em 2012
(o índice foi de 22,22%), o projeto
em que ele estava inserido estabelecia
o mesmo piso salarial para todos os
professores com formação em Nível
Médio, independente do tempo de
serviço.
Este projeto também tornam permanentes os efeitos da Lei Complementar 213/2011 que retirou o Nível
Médio do quadro permanente do magistério e pretende jogar por terra toda
a luta dos professores que remonta
ao ano 1973 pelo estabelecimento de
uma carreira. Por isso impetramos,
através da Confederação Nacional
dos Trabalhadores em Educação –
CNTE, uma ação no Supremo Tribunal Federal contra esta lei.
Nossa argumentação ficou ainda
mais forte depois da última decisão do
Supremo Tribunal Federal – STF. Ao
julgar os embargos de declaração impetrados pelos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Ceará o STF reafirmou o
discurso e ação do SINTESE desde
que a Lei do Piso foi sancionada pelo
então presidente Lula em 2008. Nossa
compreensão é que o piso salarial seja
o primeiro passo para a valorização
do magistério e a partir desta lógica
não tinha sentido ele ser pago apenas
como remuneração. O Piso Salarial
Profissional Nacional é o início e deve
ser estendido para os demais níveis da
carreira.
Esperamos que a Suprema Corte
afirme, mais uma vez, ao analisar nossa ação contra a Lei 213/2011 que o
piso é o vencimento inicial da carreira do Magistério e, portanto, o Nível
Médio não pode ser tratado como
uma carreira a parte e aguardamos que
o STF desfaça esse desserviço a Educação de Sergipe empreendido pelo
governo do Estado.
Reajuste de 2013 seja resolvido de
forma rápida
O SINTESE tem a perspectiva de
que essa questão do reajuste do piso
seja resolvida com a mais brevidade
possível. Não é salutar para a rede
estadual de Sergipe desprender ener-
gia discutindo sobre algo (reajuste
do piso) que já está previsto em lei.
É preciso que o Governo do Estado
compreenda que a lógica de reajuste
dos salários dos professores sofreu
alteração. Até o ano de 2008, nós fazíamos as contas de quanto o magistério tinha perdido e apresentávamos
um índice ao governo que, através da
negociação, poderia conceder ou não
o que queríamos, mas hoje há uma lei
específica que trata do assunto. O índice de reajuste não é escolhido por
nós. O papel dos governos estadual e
municipais é aplicar imediatamente o
que determina a lei.
Decisão do TJSE não é a favor
da Lei 213/2011 - Nos últimos dias
soubemos de uma decisão que foi amplamente divulgada pela Procuradoria Geral do Estado - PGE de que o
Tribunal de Justiça de Sergipe - TJSE
tinha julgado a Lei 213/2011 constitucional, causou-nos estranheza tal fato,
até porque a ação que impetramos no
STF ainda tramita nas mãos do ministro relator.
Surpreendeu-nos a ampla divulgação
dada pela PGE que só trouxe confusão
e desinformação para órgãos da imprensa e também no corpo do magistério estadual. O que foi julgado foi o mérito
da ação do SINTESE que questionava
a presença do deputado (à época Secretário de Estado) na votação do projeto
que culminou na Lei Complementar
213/2011. O TJSE reafirmou, o que já
havia dito, ou seja, que o ex-Secretário
Zeca da Silva já não era Secretário de
Estado quando participou da votação
na Assembleia Legislativa.
O que nos espera, professores e professoras é mais um ano de muita luta e
convicção de que a Lei do Piso é um
direito nosso, conquistado a partir de
sangue, suor, lágrimas e até a vida de diversos companheiros.
Nós já começamos esse processo, fizemos o ato Paixão do Magistério em
frente ao Palácio de Despachos, mas
esse é apenas o início, até que todo o
ano letivo 2013 comece em todas as
escolas da rede estaremos preparando
mais atos públicos e estreitando nosso
diálogo com a sociedade, pois o que
está em jogo não é somente os nossos
salários, mas as condições de trabalho e
um projeto para uma escola pública de
qualidade para todos e todas.
*Presidenta
do SINTESE
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Entrevista
Escola pública deve ter compromisso
com justiça social e formação crítica
Sambista e deputada
estadual, Leci Brandão
acredita que escola deve
formar cidadãos conscientes de seus direitos e
deveres
E
m assembleias do SINTESE, congressos de
educação,
manifestações, eventos e atos públicos, vez ou outra, a música “Anjos da Guarda”, da sambista Leci
Brandão, é entoada pelos professores sergipanos. A música é uma
espécie de hino do magistério, por
representar com fidelidade a importância dos professores para o
país, bem como a luta da categoria
por salários dignos e condições de
trabalho.
Para brindar os professores e
professoras do estado de Sergipe,
a Revista Paulo Freire entrevistou
a autora da música. Na entrevista,
Leci revela que “Anjos da Guarda”
foi escrita logo após assistir a um
telejornal em que uma mobilização
de professores foi duramente reprimida pela Polícia Militar.
Segundo Leci, que é deputada
estadual em São Paulo, a valorização do professor implica diretamente na valorização da educação.
“Se o professor não for valorizado
significa que a educação de um
modo geral também não está sendo”, afirma.
8
Leci Brandão defende também
a gestão democrática da educação
pública. Para ela, “o projeto político-pedagógico das escolas públicas
deve ser construído de forma democrática para que a escola atenda
aos anseios da população e para
que este fale a linguagem dessa população”.
Nesta entrevista, Leci Brandão
revela, acima de tudo, que entende
de educação. “A educação deve ser
tratada como o setor mais importante do país. Um setor estratégico.
Enquanto isso não acontecer não
seremos uma nação formada por
cidadãos plenos”, enfatiza.
Confira a íntegra da entrevista.
Revista Paulo Freire - Em 1995
você lançou a música Anjos da
Guarda, que é uma verdadeira homenagem aos professores e professoras do país. O que lhe motivou a
escrever esta canção?
Leci Brandão - Estava assistindo ao
noticiário quando entrou uma matéria
que abordava uma passeata de professores que reivindicavam reajuste sala-
rial. A polícia chegou para impedir a
manifestação e os policiais agiram de
forma violenta e covarde. Professoras
e professores foram espancados, levaram chutes no rosto... Foi uma barbaridade! Quando terminou a matéria
imediatamente escrevi a letra da música inteira.
RPF - Qual a importância que a
educação teve na melhoria de condições da sua vida, enquanto mulher negra, de origem pobre e da
periferia? E os professores e professoras, em especial, que papel eles
desempenharam?
LB - Na época em que eu estava na
escola pública, a gente saía do curso
primário sabendo ler e escrever de forma correta. Sabíamos as quatro operações, as capitais do Brasil e do exterior.
Ou seja, toda a base do conhecimento
da minha vida veio da educação que
tive no curso primário. Os professores
e professoras foram fundamentais para
que eu tivesse respeito pelos outros.
Minha mãe me ensinou em casa e os
professores deram a continuidade.
RPF - Numa passagem da música você diz que “gostaria de um
A gestão democrática é o
melhor caminho para se administrar com mais justiça,
atendendo a quem realmente precisa
discurso bem mais feliz...”. Você vê
esse discurso atualmente ou a situação dos professores e professoras
não mudou muito de 1995 para cá?
LB - As mudanças no país da década de 90 para hoje são grandes, principalmente a partir do governo do Presidente Lula e agora com a presidente
Dilma Rousseff. Os avanços econômicos e o acesso da população a mais
emprego são evidentes. O maior acesso das classes populares ao ensino superior também é inegável se olharmos
no número de jovens pobres e negros
que entraram na Universidade através
do Prouni. Contudo, há setores em que
ainda temos muito que conquistar. O
principal deles é a educação. A educação deve ser tratada como o setor mais
importante do país. Um setor estratégico. Enquanto isso não acontecer não
seremos uma nação formada por cidadãos plenos.
RPF - Este ano, você assumiu a
Presidência da Comissão de Educação e Cultura da Assembleia Legislativa de São Paulo. Enquanto
parlamentar, como você tem contribuído para que tenhamos um discurso mais feliz sobre a educação?
LB - Fui eleita para a presidência
em fevereiro deste ano, mas faço parte da comissão desde o início do meu
mandato, quando assumi em março
de 2011. A atividade parlamentar é diversa. Além de propor projetos de sua
própria autoria, apresentar emendas a
projetos de outros deputados e fisca-
lizar os atos do Executivo, a principal
função do parlamentar, em minha opinião, é ser o mediador entre o governo
e a população e, nesse sentido, ouvir as
demandas e os anseios dessa população e tentar solucioná-las por meio de
uma interlocução com o Executivo.
A discussão sobre a implantação da
Lei 10.639 – que obriga o ensino de
história da África e da cultura afro-brasileira nas escolas – o sistema de cotas
nas Universidades públicas e melhores
condições de trabalho para os professores das redes públicas foram alguns
temas que mereceram toda atenção do
nosso mandato e da Comissão. Além
disso, todas as propostas de orçamento
enviadas pelo Executivo à Assembleia
receberam emendas do nosso mandato
para aumentar os recursos para os setores de educação e cultura nos municípios de SP.
RPF - Qual a sua opinião a respeito do investimento de 10% do
Produto Interno Bruto na educação
pública?
LB - Só temos como mudar o cenário da educação em nosso país com
investimento. Se não houver recursos
para pagar bons salários, qualificar o
professor e para termos equipamentos
em condições dignas, não temos como
avançar. E isso só se faz com dinheiro.
Só temos como mudar o cenário da educação em nosso
país com investimento
RPF - De que forma a valorização dos profissionais de ensino implica no êxito da educação pública?
LB - Não há como um professor
ministrar uma boa aula se ele não tiver
condições dignas de trabalho, ferramentas atualizadas, uma boa formação,
atualização profissional, perspectiva,
plano de carreira e um salário digno.
Ou seja, a não valorização do professor é um sintoma da não valorização da
educação. Se o professor não for valorizado significa que a educação de um
modo geral também não está sendo.
RPF - Uma das principais reivindicações de educadores e educadoras de todo o país é a gestão
democrática da educação, onde
professores, professoras e toda a
comunidade escolar participem da
construção dos projetos político-pedagógicos das escolas públicas.
Como você avalia a gestão democrática da educação?
LB - Por princípio acredito que a
gestão democrática é o melhor caminho para se administrar com mais justiça, atendendo a quem realmente precisa. Fora isso, no caso específico da
educação e das escolas, a aproximação
entre os gestores escolares e as famílias e comunidades é fundamental para
garantir o sucesso do aluno. Muitas
vezes, o desempenho escolar depende
da compreensão e do acionamento de
uma rede de ajuda e proteção a toda
a família e essa especificidade só pode
ser conhecida e resolvida se, de fato, a
escola estiver próxima da família. Além
disso, o projeto político-pedagógico
das escolas públicas deve ser construído de forma democrática para que a
escola atenda aos anseios da população
e para que este fale a linguagem dessa
população.
RPF - Para finalizar, qual a importância da educação pública na
formação dos cidadãos brasileiros
e na construção de um país justo e
igualitário?
LB - A escola pública é para atender
à população. Para além dos conteúdos
formais, a escola deve ser espaço privilegiado para formar cidadãos críticos,
conscientes de seus direitos e de seus
deveres. Portanto, uma escola pública
de qualidade é a garantia de que teremos no futuro verdadeiros cidadãos
que poderão contribuir para a construção de um país sem desigualdades de
nenhum tipo e com justiça social.
9
Capa
Mulheres e
participação
política
E
ste ano, o direito das mulheres ao voto no Brasil
completou 81 anos. Primeira mulher a ocupar o
posto máximo do Executivo no país,
Dilma Rousseff tem o maior índice
de aprovação de um presidente da
história republicana. O Tribunal Superior Eleitoral é ocupado, também
pela primeira vez, por uma mulher.
Ministérios, secretarias de Estado e
outros órgãos da administração federal têm mulheres no comando.
Fatos do Brasil atual, frutos de um
longo e intenso processo de mobilização política e do protagonismo de
inúmeras brasileiras. Mas esses fatos
não podem esconder da sociedade
brasileira a realidade quando o assunto é participação política: há, ainda
hoje, uma relação desigual entre homens e mulheres na política nacional.
De acordo com dados compilados
pelo Consórcio Bertha Lutz, na última disputa para a Câmara dos Deputados, por exemplo, apenas 19,38%
das candidaturas eram de mulheres;
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Garantir a efetiva participação
feminina é fundamental para a
democracia
no Senado, o índice foi ainda menor,
13,58%. Os números mostram também que nas eleições de 2010 (últimas
eleições para o legislativo federal) as
mulheres tiveram mais candidaturas
impugnadas pelo TSE: 29,7% contra
14,9% das candidaturas masculinas.
Também em nível local persiste
a desigualdade entre homens e mulheres na política. Nas eleições para
as Câmaras Municipais do ano passado, 7.460 mulheres foram eleitas
vereadoras. Ainda que o número seja
recorde na história política brasileira,
o avanço tem sido pouco se comparado com as eleições anteriores. Em
oito anos (entre as eleições de 2004
e de 2012), a proporção de mulheres
vereadoras aumentou apenas 0,6%.
Para a deputada federal Luiza
Erundina (PSB/SP), o quadro de
participação política das mulheres no
Brasil é constrangedor. “São mais da
metade da população e do eleitorado;
têm maior nível de escolaridade e representam quase 50% da população
economicamente ativa. No entanto,
são subrepresentadas nos espaços
de poder. Apesar de ter mulheres em
postos-chave da administração federal, a começar pela presidenta da
República e as dez ministras do seu
governo, não chegam a 20% nos níveis mais altos do Poder Executivo.
A bancada feminina na Câmara dos
Deputados representa apenas 8,77%
do total da Casa, com 45 deputadas,
e no Senado há 12 senadoras dentre
as 81 cadeiras”, argumenta Erundina.
O cenário apontado pela parlamentar é confirmado pelo Índice
Global de Desigualdade de Gênero,
do Fórum Econômico Mundial. No
índice, o Brasil ocupa o 62° lugar no
ranking de 135 nações, sendo a par-
ticipação política um dos
principais fatores que coloca o país nesta situação.
A militante do Coletivo de Mulheres de Aracaju, Franciele Gazola,
acredita que essa posição ocupada pelo Brasil
quando o assunto é desigualdade de gênero tem
raízes na ausência histórica de políticas públicas
que impulsionem o maior
acesso das mulheres à cidadania e à participação
política. Dessa forma,
segundo Gazola, “os
contrastes sociais (grande concentração de renda
e poder) também têm um
forte recorte de gênero, sendo a
opressão das mulheres – e exploração de muitas delas, já que a pobreza
é, em sua maioria, feminina – um traço marcante da realidade brasileira”.
Avançar nas conquistas - Frente a esta realidade, organizações da
sociedade brasileira e parlamentares
do Congresso Nacional têm debatido e construído propostas que visam
a ampliação da participação feminina na política. Duas medidas neste
sentido são a destinação de 5% dos
recursos do fundo partidário a políticas de formação para as mulheres e
a obrigatoriedade dos partidos polí-
ticos em preencher, no mínimo, 30%
das suas candidaturas com pessoas
do sexo feminino.
Essa política de cotas ocasionou,
inclusive, que o Tribunal Superior
Eleitoral impugnasse diversas candidaturas de partidos políticos que desrespeitaram a proporcionalidade de
mulheres. Sem dúvida, reais avanços
se considerada a ausência histórica
de políticas de estímulo e incentivo à
participação das mulheres nos espaços de poder.
Mesmo reconhecendo o caráter
progressista dessas medidas, representantes de entidades feministas,
sindicalistas e parlamentares concordam que é preciso ir além das
cotas.
A militante feminista Franciele Gazola acredita que a questão
central para superar essa situação
“é que o partido assuma a pauta feminista, e reconheça que o
machismo é um dos eixos estruturantes do sistema. Um partido
que tenha um projeto libertário e
emancipador deve se propor, necessariamente, a combater o machismo, o racismo, a homofobia.
Reconhecer e abraçar o feminismo implica fomentar a participação das mulheres, para além da
legalidade”.
Já a Secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da Central Única dos Trabalhadores, Rosane Sil-
Panorama internacional
O último relatório Mulheres na Política, produzido pela Organização
das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento da
Mulher, revelou que, entre 2005 e 2012, o número de mulheres que ocupam chefias de Estado e de Governo cresceu de 8 para 17 e que o número de ministras também aumentou de 14,2% para 16,7%. Já o número de
mulheres que ocupam assentos no Parlamentou permaneceu em 19%.
Em discurso durante o lançamento do relatório, a Diretora da ONU Mulheres, Michelle Bachelet, disse que o crescimento tem sido tímido nos últimos anos e, para superar essa desigualdade, é fundamental “um debate
público sobre o direito das mulheres de participação em governos e no
funcionalismo público. A democracia cresce com a participação profunda
e igualitária das mulheres”.
Bachelet, que é ex-presidente do Chile, defende mudanças nas legislações e reformas eleitorais dos países, que possibilitem incluir perspectivas de igualdade de gênero e facilitem a incorporação de mulheres como
votantes e como candidatas.
va, entende que “a adoção da cota
significa o reconhecimento de que
o injusto é a ausência de mulheres
nos espaços públicos e de poder”.
Entretanto, destaca a sindicalista,
“as cotas em si não são suficientes
para garantir uma política de igualdade de gênero. Primeiro porque
as cotas não são uma medida somente para as mulheres que atuam
no tema das relações de gênero,
e sim, uma medida para todas as
mulheres, independentemente de
suas posições”.
Aprofundar a democracia A ausência feminina nos espaços de poder representa uma
obstrução à própria noção de democracia. Para a deputada Luiza
Erundina, “a exclusão das mulheres das decisões estratégicas representa inaceitável déficit democrático e enorme desafio a superar,
para a inclusão de mais da metade
da sociedade brasileira, sem o que
não se pode considerar o Brasil
uma verdadeira democracia”.
A sindicalista Rosane Silva acredita
que o empoderamento das mulheres
passa pela presença das trabalhadoras
nos espaços de poder, mas é preciso ir além. “Para que as mulheres de
fato tenham condições de construir
sua emancipação, todas devem ter
direito de estar no mercado de trabalho formal, com direitos trabalhistas
assegurados, e compartilhando com
os homens e o Estado, a responsabilidade pelas tarefas de cuidado e de
reprodução da vida humana. Hoje,
grande parte das mulheres está na informalidade, em postos de trabalho
precários, e, praticamente a totalidade destas têm que arcar com todas as
tarefas domésticas e de cuidado com
a família, sozinhas”, defende a dirigente da CUT.
Para a superação dessa realidade,
a militante Franciele Gazola entende
como fundamental uma nova cultura partidária, em que a participação
das mulheres seja garantida de forma
efetiva em todos os espaços e instâncias partidárias. “É fundamental que
o feminismo seja um tema transversal, de formação geral e continuada
da militância. Além disso, a auto-organização das mulheres é fundamental no interior dessas organizações”,
destaca.
11
Mulher
A trajetória do movimento
feminista e suas lutas frente
aos dilemas do século XXI
Renato Drummond Neto e Stéphane
Lorene Costa*
O movimento feminista, ao longo
dos últimos séculos da idade contemporânea, vem se configurando como
uma das principais manifestações
sociais de caráter transformador, lutando por maiores direitos para as
mulheres que, desde os primórdios
da história, estavam submetidas às
vontades masculinas e inferiorizadas
pelo que a sociedade entendia como
a “fragilidade do sexo”.
É com as principais revoluções
liberais que se cria a consciência da
mulher como um ser autônomo, ca-
12
paz de tomar suas próprias decisões
e de lutar por seus próprios desejos.
Com o tempo, essas mulheres passam
a se unir na defesa de um interesse
em comum: o de garantir igualdade
entre os gêneros. Hoje, o movimento
feminista abrange uma série de grupos diversificados, com metodologias próprias, mas que compartilham
de um mesmo princípio, o de obter
maior espaço nas decisões políticas
que gerem os países do globo.
Podemos identificar as raízes do
movimento feminista ainda na Revolução Francesa, e com uma carga
ideológica derivada do iluminismo.
Nesse processo, observamos as mu-
lheres lutando tanto ao lado de homens, como por conta própria, assim
como aconteceu no episódio conhecido como “a marcha das mulheres
do mercado”, que em 5 de outubro
de 1789 se dirigiram ao Palácio de
Versalhes para exigir o cumprimento
de suas petições junto ao rei, e acabaram conseguindo fazer com que a
família real se mudasse para Paris. Segundo Jacqueline Pitanguy e Branca
M. Alves, foi no contexto da Revolução Francesa
“… que o feminismo adquire uma prática de ação política organizada. Reivindicando seus direitos de cidadania frente aos
obstáculos que o contrariam, o movimento
feminista, na França, assume um discurso
próprio, que afirma a especificidade da luta
da mulher” (ALVES; PITANGUY,
1991, p. 32).
É ainda nesse contexto que se é
criado o texto “Os direitos da mulher
e da cidadã”, da autoria de Olympe
de Gouger, escritora revolucionária.
Os ideais da revolução de 1789,
por sua vez, se alastrariam para outras partes do mundo, influenciando,
assim, mulheres de vários países. Durante o século XIX, vemos a luta das
trabalhadoras fabris ganhar maior
consistência, principalmente na sociedade norte-americana. A data de
08 de março de 1857 é lembrada
como o dia em que as operárias da
indústria têxtil de Nova Iorque se
mobilizaram contra os baixos salários
e requisitaram a redução da jornada
de trabalho para 12 horas diárias. Duramente reprimidas pela polícia, as
reivindicações dessas operárias reapareceriam no cenário nova-iorquino
em 1908, também em um dia de 08
de março, quando outra geração de
trabalhadoras de fábrica lutou contra
a exploração que lhes era imposta.
Poucos anos depois, a mulher começa a se mobilizar em prol de maior
participação nas decisões políticas, a
começar pelo direito de poder votar
em eleições (a exemplo do movimento sufragista em Inglaterra). Com o
tempo, a ideologia feminista começa
a ganhar aderência dentro de outras
esferas da sociedade, onde demais
mulheres passam a se autodenominar
feministas, e a levantar a bandeira do
movimento, lutando por uma série
de causas, e unindo-se a outros movimentos igualmente estereotipados
pelas convenções arcaicas da população, como o dos gays e o dos negros.
No Brasil, os primeiros registros de
mulheres lutando por seus direitos
podem ser encontrados já no final do
século XVIII e durante o XIX, porém mais restrito às classes média e
alta da sociedade.
Todavia, já no início do século
XIX, vemos a atuação feminina deslocar do contexto das classes altas e
atingir também as massas populares.
O ano de 1932, durante o governo
de Getúlio Vargas, marca uma grande conquista das mulheres do país: o
direito ao voto. Porém, não gozavam
da plenitude de sua conquista, até
que na década de 1940 ocorre uma
reviravolta desse quadro. As brasileiras passam, então, a se unificar em
prol de mais participação na vida política e econômica do país. No início
da década de 1960, quando o mundo vivenciava o que Eric Hobsbawm
chamou de a “era de ouro” do século
(marcada por invenções tecnológicas
e novas descobertas científicas), observamos tanto a mulher brasileira,
quanto a de demais localidades do
globo, polemizando e defendendo
assuntos referentes a métodos contraceptivos, e se inserindo cada vez
mais no mercado de trabalho.
Entretanto, com o golpe militar
de 1964, e a promulgação do Ato
Institucional nº 5 (AI5 – 1968), o
movimento feminista no país perde
maior destaque, contudo, sem deixar
de manter sua luta ativa. Com o fim
da ditadura, em 1985, o movimento
volta a ganhar a atenção da imprensa,
principalmente após a criação de novas políticas públicas para a mulher,
que garantiam uma mais participação
da mesma, nas decisões de Estado. É
criado, então, o Conselho Nacional
dos Direitos da Mulher (CNDM –
surgido em 1985, era composto por
17 conselheiras, nomeadas ao cargo pelo ministro da justiça), que, de
acordo com Cynthia Mara Miranda,
tinha como proposta:
“… promover, em âmbito nacional, políticas para assegurar à mulher condições
de liberdade, igualdade de direitos, e plena
participação nas atividades políticas, econômicas e culturais do país” (MIRANDA,
2009, p. 10).
Durante o governo Collor de
Melo, o CNDM perde sua expressão
política, e só é resgatado durante gestões posteriores, porém um pouco
distante de sua característica original.
Nas palavras de Célia Jardim Pinto,
o movimento feminista, atualmente, pouco faz caminhadas, distribuições de panfletos, ou toma atitudes
como queimar sutiãs em praça pública¹. Contudo, nunca esteve tão ativo como agora. No início do século
XXI, a luta do movimento feminista
estende-se a manifestações como a
denúncia contra a violência doméstica e a defesa do aborto. Em 2006,
obtiveram uma importante conquista
com a lei “Maria da Penha”, que defende a mulher vítima de agressões
físicas e de ameaças.
continua>>
13
Ao se analisar a trajetória do movimento feminista durante essas últimas décadas do século XX e início
do XXI, observamos, conforme este
texto tentou explicitar, a luta pela
obtenção de maiores espaços para
as mulheres e o rompimento com a
tradição que punha o sexo feminino
como algo frágil, em detrimento do
masculino. O movimento feminista
passa, então, a exercer um fator determinante nesse processo, e hoje
se subdividi em vários grupos, tais
como o movimento das mulheres negras, das universitárias, das católicas,
das lésbicas, etc. Entretanto, ainda se
constata elevado nível de preconceito para com a condição da mulher
dentro de uma sociedade classificada
como “machista” (termo que entrou
em voga a partir das últimas décadas
do século XX). Diante disso, cabe ao
governo criar maiores programas de
integração social, que conscientizem
as pessoas acerca das desigualdades
acontecendo ao seu redor, para, dessa forma, reverter essa realidade discriminatória, que se verifica no Brasil
e no mundo.
*Originalmente publicado em www.rainhastragicas.com
¹ Ainda hoje existem algumas manifestações importantes do movimento feminista
no Brasil, como, por exemplo, a popular
“marcha das vadias”.
Livros
N
este boletim especial
da Livraria ANTÔNIO
GRAMSCI nossos leitores conferem uma
série de livros sobre a história
da data e as lutas femininas no
Brasil e no mundo.
Cartilha A ORIGEM SOCIALISTA DO DIA DA MULHER:
nova edição
O material questiona a versão de que
a data teria começado a partir de uma
greve que teria ocorrido em 1857 em
Nova Iorque, quando teriam morrido
129 operárias queimadas vivas. O que
o material vem lembrar é que o Dia
Internacional da Mulher tem uma
origem socialista, que remonta ao início do século 20.
As origens e a comemoração
do Dia Internacional da Mulher
Aproveitando que o 8 de março está
chegando, indicamos este livro de
Ana Isabel González. A obra questiona mitos relacionados à data e apresenta outra versão dessa história.Uma
das grandes protagonistas é Clara Zetkin, “a mulher que tornou possível
a celebração do dia Internacional da
Mulher”.Estudiosa, excelente oradora, militante do Partido Social Democrata Alemão, Clara defendia o movimento de luta das mulheres socialistas
e se dedicava à causa das operárias.
Ana Isabel González
Expressão Popular / SOF
R$ 18,00
NPC
R$ 5,00.
REFERÊNCIAS
ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. 8.
ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.
A nova mulher e a moral sexual
HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. 1914-1991. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995.
MIRANDA, Cynthia Mara. Os
movimentos feministas e a construção de
espaços institucionais para a garantia dos
direitos das mulheres no Brasil. NIEM /
UFRGS, 2009. Disponível em:. Acesso
em: 18 de dezembro de 2012.
PINTO, Célia Regina Jardim. Feminismo, História e Poder. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v.18, n.36, p.
15-23, jun. 2010.
14
A imagem da mulher na mídia:
controle social comparado
A obra, que contou com a colaboração de Tereza Verardo, analisa como
as mulheres são tratadas nos meios de
comunicação. É comum a reprodução
de estereótipos e preconceitos, além da
sutil imposição de modelos de beleza
inalcançáveis.
Rachel Moreno
Ed. Publisher
R$ 30,00
Os dois textos publicados nessa obra
refletem sobre o aprendizado político e as conquistas na construção
das novas relações de classe e gênero.
Alexandra Kolontai faz uma análise
da situação da mulher na sociedade
burguesa, oprimida por um código
moral no qual a propriedade privada
era prioridade.
Alexandra Kolontai
Expressão Popular
R$ 15,00
Livraria Antonio Gramsci
Professores e estudantes
de licenciatura têm 10% de desconto.
Contatos: (21)2220-4623
[email protected]
Twitter: @livrariagramsci
Comunicação
As Mulheres e a
Democratização
da Comunicação
L
oiras, brancas, magras com
cabelos lisos e, na cabeça,
o vínculo da beleza à felicidade. Qual é a imagem
da mulher brasileira veiculada e produzida pelos meios de comunicação
diariamente? A psicóloga e feminista Rachel Moreno, que em fevereiro
deste ano lançou o livro “A imagem
A psicóloga Rachel Moreno,
do Observatório da Mulher,
fala sobre a atuação dos
movimentos feministas na
democratização da comunicação no país.
da mulher na mídia”, destaca que o
monopólio dos meios de comunicação no país compromete a divulgação de outros pontos de vista que
não seja os dos setores majoritários,
normalmente conservadores e repetidores de estereótipos que hegemocontinua>>
15
nizam uma visão social de mundo e
diminuem as lutas dos movimentos
sociais organizados, inclusive o das
mulheres.
“A comunicação é uma luta das
mulheres. Nos damos conta que, na
verdade, os avanços feministas estão
sendo retardados e há uma reprodução de preconceitos que só atrapalham as conquistas das mulheres
no mundo e no Brasil. Para a gente
avançar, temos que ser retratadas
devidamente em nossa diversidade e
pluralidade e com as nossas demandas específicas”, explica Rachel, que
atua no que também atua no Observatório da Mulher. O movimento
feminista defende que, a produção e
veiculação de conteúdos pela mídia
dominante legitimam e naturalizam
a discriminação, o machismo e a violência contra a mulher no Brasil.
A psicóloga explica que há um
agravante na forma como a mídia
retrata as mulheres, pois existe o
interesse comercial no segmento.
“No caso das mulheres, elas correspondem a 85% das decisões de
consumo no país, então eles precisam dialogar conosco, não podem
nos ignorar. Compramos desde
fralda, a cuecas e cremes.
Para você ter uma idéia, o
Brasil é o terceiro consumidor mundial de cosméticos, e as mulheres
brasileiras são aquelas
com a maior diferença salarial
em relação ao
homem. Então
eles nos bombardeiam com
um ideal de beleza
associado à felicidade. O ideal de ser jovem, branca, magra e
de cabelo liso”.
Sobre a possibilidade da construção
de uma mídia não machista, Rachel Moreno
destaca que sim é possível, mas que a luta é
difícil. As entidades representantes do movimento feminista
atuam em conjunto
com o movimento
social e outras entidades da sociedade civil
organizada em busca da
democratização da comunicação no país. Partici-
16
O monopólio dos meios de
comunicação do país compromete a divulgação de
outros pontos de vista que
não seja os dos setores majoritários
param da construção e da elaboração
das resoluções da I Conferência Nacional de Comunicação, realizada em
2009, que reuniu representantes do
governo, da sociedade e do empresariado para debater a regulamentação
do setor da comunicação no Brasil.
“Em um primeiro momento reagimos à publicidade, às músicas ofensivas, e, em um segundo momento,
fizemos um trabalho conjunto em
relação à imagem da mulher no rádio e na TV. Ajudamos a organizar a
Confecom para criar um novo marco regulatório da comunicação para
dar pluralidade e a diversidade de espaços para as perspectivas de gênero,
classe, raça e orientação sexual. No
entanto, tudo ficou parado. O Ministério das Comunicações diz que não
haverá tempo hábil para a discussão
do projeto ainda neste governo. A
sociedade discorda e por isso vamos
construir e apresentar um projeto
de lei de iniciativa popular para um
novo marco regulatório. É possível
avançar”.
Rachel Moreno ressalta que o
movimento reivindica o controle
social da imagem da mulher na mídia: “A democratização do acesso à
informação e da mídia deve estar a
serviço das causas maiores, é uma
demanda essencial e deve passar
pelo controle social. Controle não
é censura. É a garantia de que os
acordos que forem feitos, de maneira consensual pela sociedade, sejam
seguidos, e, caso não, tenham suas
conseqüências”.
Fonte: FNDC
Projetos que dão certo
Se ligue e recicle
A
cada dia, a natureza sofre
as consequências do modelo consumista imposto
pela sociedade capitalista.
Modelo esse que torna tudo descartável, tudo rapidamente ultrapassado.
Como em nenhum momento anterior da história, o mundo necessita de
ações de preservação e conservação
dos seus recursos naturais.
É com esse propósito que é desenvolvido o projeto Se ligue e recicle, realizado nas escolas Olga Benário e Professor José Antonio da
Costa, ambas da Rede Municipal de
Ensino de Aracaju. Num ambiente
participativo e colaborativo, estudantes e professores promovem um trabalho de conscientização da comunidade escolar sobre a importância da
preservação ambiental, numa perspectiva de atuação e propagação da
importância de cada indivíduo nesse
processo.
O projeto é dividido em etapas –
“Se ligue”, “Selecione”, “Recicle e
Reutilize” e “Divulgue”-, que são articuladas com o objetivo de despertar
a responsabilidade e o compromisso
de cada um com a preservação ambiental. Durante as etapas, estudantes e professores conhecem de forma mais aprofundada os problemas
ambientais locais, discutem estratégias de superação desses problemas e
desenvolvem tecnologias sociais que
contribuem para a comunidade.
Para a coordenadora do projeto,
a professora Itamara Leite, um dos
pontos fundamentais da ação é o diálogo entre professores, estudantes e
direção das escolas. “Sem esse espaço para o diálogo e sem a participação coletiva desde as tomadas de decisões até a execução das atividades
é muito difícil o desenvolvimento de
um projeto desta natureza”, afirma.
Itamara Leite relata que a idéia de
desenvolver o projeto surgiu na disciplina de Língua Portuguesa, à época ministrada pela professora Maria
Renilde Matos, e buscava organizar a
coleta seletiva na escola. Ao ser apresentada à proposta, Itamara – que
exercia a função de coordenadora
administrativa – se sentiu instigada
e provocou os idealizadores: “depois
que fizéssemos a coletiva seletiva o
Estudantes, professores e comunidade desenvolvem ações
de preservação ambiental
que seria feito com o que foi coletado? Como seria feito o processo de
conscientização da comunidade escolar, já que todos teriam que participar do processo?”.
Dessas inquietações o projeto foi
tomando corpo, forma e se ampliando. Não somente a coleta seletiva, mas
um trabalho inovador de preservação
ambiental estava se desenvolvendo.
Sabão feito a partir da reutilização de
óleo de cozinha e fogão solar foram
algumas das inovações construídas
durante o projeto, que conta também
com palestras, oficinas, mini-cursos,
confecção de materiais, visitas e parcerias com organizações ambientais.
Reconhecimento nacional O caráter inovador do projeto Se
ligue e recicle foi reconhecido inclusive nacionalmente. No início deste
ano, a professora Itamara Leite foi
uma das finalistas do 3º Concurso
Aprender e Ensinar – Tecnologias
Sociais, promovido pela Revista Fórum e Fundação Banco do Brasil.
O concurso recebeu 4.698 inscrições de professores de todo o país,
mas apenas 64 experiências participaram da etapa nacional, em que foram
apresentados projetos e propostas
desenvolvidas em escolas da rede pública, a partir do uso de tecnologias
sociais e com participação da comunidade local.
17
Este é o espaço dedicado à produção do COLETIVO SABER E
POESIA DO SINTESE, um grupo de professores da rede pública que
une a força da militância à sabedoria poética.
Visite nosso blog: http://coletivosaberepoesia.blogspot.com.br
Dia da Mulher! Diga
NÃO à Violência!
Autora: “Maria Bonita”
A cada 15 segundos
Uma mulher é agredida
Quantas ainda terão
Trajetória interrompida
É dia de advertência
Dizer NÃO à Violência
Ao longo de nossa vida!
Dar um basta na opressão
É algo de grande urgência
Até quando optar
Pelo medo e permanência?!
Rejeitar os dissabores
Não queira bombons, nem flores
Queira o fim da Violência!
Não queira ser objeto
Nem comparar-se a uma fruta
Igualdade de Direitos
Não se trata de disputa
Hoje a mulherada grita
Que uma Mulher Bonita
É aquela Mulher que luta!
Combater a Violência:
Uma das grandes batalhas
Queremos que a Sociedade
Pare de ocultar as falhas
Mais do que um ramalhete
Mulher é digna de banquete
Não merece só migalhas.
Este é um dia que marca
Grande mobilização
Pois lá em São Petesburgo (1917)
Por uma melhor condição
Tecelãs reivindicaram
Elas desencadearam
A Russa Revolução.
Seja a Violância Física
Ou Violência Moral
Violência Psicológica
Até patrimonial
Não mantenha-se calado
Tráfico ou cárcere privado
Não é coisa natural.
08 de março, não é
Data comemorativa
É momento de debate
Hora muito sugestiva
Pra Violência acabar
É combater e dialogar
De maneira Educativa.
Hoje há mulher na Polícia
Pilotando carro e moto
Há mulher que, em sua casa
Tem o controle remoto
Muita mulher, hoje em dia
Nem sabe que não podia
Sequer ter direito ao voto.
18
Há mulheres na Marinha
Mulheres na Previdência
No Senado, na Assembleia
Ou na própria residência
Atrizes e Vendedoras
Juízas e Professoras
Tem Mulher na Presidência.
Marias, Joanas, Lívias,
Maristelas e Adrianas
Anas, Júlias e Patrícias
Manuelas, Julianas
Negras, loiras ou mulatas
Cantoras ou acrobatas
Agnósticas ou ciganas.
O fato é que as mulheres
Os espaços, tem ocupado
Mas, em combate à “Violência”
O relógio está parado
Bastante tempo passou
E muito se transformou
Mas há muito a ser mudado.
Violência contra Mulher
Meto minha colher, sim!
Ou a Sociedade acorda
Ou sua Vida chega ao fim
Todos tem sua parcela
Não admito contra ela
Não aceito contra mim!
Nos dados da Violência
Nada é de brincadeira
O dano que ela causa
Não é coisa passageira
Enfrentamento, requer
Pois quem bate na Mulher
Machuca a família inteira.
A verdadeira heroína
Valente, brava, guerreira
Faz da luta, uma constante
A derrota, passageira
Não pode ser vitimada
Precisa ser valorizada
Durante a vida inteira.
Não precisa ser mulher
Para ser contra o machismo
Não precisa ser anti-homem
Pra falar em feminismo
Prezar pela igualdade
É levar a Sociedade
Para longe do abismo.
Não é saco de pancada
Não é pra viver infeliz
É pra ter dignidade
Ser dona do seu nariz
Menina, não “durma de toca”
Mulher é pra beijar na boca
Respeitar, fazer feliz!
Dia da Mulher guerreira
Que batalha, se empenha
Da Mulher que é oprimida
Omite-se, se desdenha
Pra quem vive esse tormento
Tem um grande fundamento:
A Lei Maria da Penha.
Ela coíbe a Violência
Doméstica e familiar
Dispõe sobre a criação
De Juizados para atuar
Convenção pra prevenir
Erradicar e punir
Dentro ou fora do seu lar.
Não se pode aceitar
Que a mulher sofra agressão
Em sua casa ou no trabalho
Seja fruto de opressão
No lugar que ela estiver
Entre homem e mulher
Só quem bate é o coração.
São as nossas atitudes
A violência combater
Orientando nossos filhos
A forma de proceder
Nós devemos ensinar:
Todo Homem a respeitar
Não a Mulher a temer.
Raízes da luta: Três meses sem
receber salário, perda de direitos, e
nada pára a luta dos educadores de
São Cristóvão. Em baixo da sombra
da histórica Algaroba da Praça Fausto
Cardoso, em Aracaju, buscam forças
e apoio dos deputados para as suas
reivindicações. Março de 2013
CAROLINE SANTOS
Imagens da Luta
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