codigo da vinci
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O Código Descodificado Ppor Samuel Nunes O livro "O Código de Da Vinci", de Dan Brown, está no topo das tabelas de vendas em Nova Yorque, Londres, Madrid, São Paulo e Lisboa. Nada mau para um livro que mistura ingredientes como teorias conspirativas, detalhes da Igreja Católica, arte renascentista, heresias teológicas e teoremas matemáticos. Ao melhor estilo da onda que ameaça submergir a nossa sociedade, o autor alimenta a busca desenfreada por significados esotéricos. A intriga gira em torno de indícios ocultos nas obras de Leonardo da Vinci que pintou "Mona Lisa" e "A Última Ceia". Da Vinci terá sido membro duma sociedade secreta chamada "Priorado de Sião" que conspirou de forma a esconder a "verdade" sobre Jesus e Maria Madalena, segundo o autor. O livro acaba por revelar alguns supostos "segredos" do Cristianismo: que Jesus teve descendentes físicos; que Maria Madalena era divina e que Deus é mulher. Confusos!? Tudo bem, todavia é desafiante tentar perceber qual é o segredo do sucesso deste "caldo" literário? "O Graal" diz Langdon, personagem central do livro, "é simbólico da deusa perdida. Quando o Cristianismo apareceu as velhas religiões pagãs não morreram facilmente. Lendas de aventuras cavaleirescas, eram na verdade histórias de buscas proibidas para encontrar o sagrado feminino perdido. Os cavaleiros que procuravam o cálice, estavam a falar em código, como forma de se protegerem duma Igreja que tinha subjugado as mulheres, banido a Deusa, queimado os descrentes e proibido a reverência pagã ao sagrado feminino". Esta é uma das afirmações chaves deste livro onde o autor revela que o Santo Graal é na realidade Maria Madalena. Era ela o vaso que continha o sangue de Cristo no seu ventre ao dar à luz os filhos de Cristo. Duma assentada, o autor Dan Brown, redesenha os eventos históricos do Cristianismo. Ora, a Fé Cristã, gira em torno das dobradiças fiáveis da história. Sem o seu carácter histórico, baseada na revelação infalível da Bíblia, a Fé perde substância, enfraquece e dilui-se. Os teólogos liberais da Escola Alemã de Tubingen sabiam disto e na sua tentativa de formatar o Cristianismo atacavam a sua base histórica, pondo em causa a ressurreição corpórea de Cristo e rotulando os seus ensinos de meros conceitos morais. E, as repercussões desta teologia estão à vista, no egocentrismo e no relativismo do nosso tempo. Dizem que as ideias dos intelectuais demoram geralmente cem anos a transpirar para o tecido social. Pois aí está. Só que neste caso dá ideia que os liberais geraram um monstro que não conseguem controlar. Bom, mas o "Código de Da Vinci", querendo dar ares de rigor histórico, fica-se lamentavelmente pela basófia histórica. Vejamos alguns pormenores: 1 - Brown afirma que o planeta Vénus traça na sua órbita o chamado pentagrama de Ishtar que simboliza a deusa. Mas, a figura traçada é imperfeita e os jogos Olímpicos eram em honra de Zeus e não de Vénus. 2 - O autor diz ainda que os anéis olímpicos são um tributo à deusa, quando na verdade cada anel simboliza um grupo de jogos tendo os organizadores parado quando chegaram ao número 5. 3 - Num exemplo mais bizarro Brown diz que a arquitectura Gótica está cheia de símbolos com conotação sexual, como forma de adorar o sagrado feminino, e que os Templários eram os grandes mentores destes rituais secretos. Ora, os Templários nada tinham a ver com as catedrais de seu tempo, nem se organizaram em lojas maçónicas, e a arquitectura Gótica bebeu a sua inspiração nos traçados das Igrejas Românicas, sendo a nave central uma característica comum a muitas escolas de arquitectura. 4 - Num êxtase delirante, Brown assevera que o Novo Testamento é um embuste fabricado pelo Imperador Romano Constantino, que destruiu os escritos originais, tendo sobrevivido apenas alguns textos Gnósticos. Diz ele que Cristo não foi considerado divino a não ser no Concílio de Niceia em 325. Todavia, a realidade histórica e arqueológica afirmam que, analisando famílias textuais, comparando fragmentos e relacionando toda a informação disponível, chega-se à conclusão que os Evangelhos datam do 1º século, e antecedem as falsificações Gnósticas. Documentos da Igreja Primitiva, e os testemunhos dos Pais da Igreja anteriores a Niceia, confirmam que os Cristãos sempre acreditaram em Jesus como Senhor (Kurios = título imperial), Deus e Salvador mesmo quando essa crença levava à morte. O cânon completo das Escrituras é datado do 2º século e já rejeitava os escritos Gnósticos. 5 - Surpreendentemente, o autor afirma que no Templo de Salomão se adorava Yahweh e a sua parte feminina (aliás, o autor tem uma obsessão pelos ritos de fertilidade), o Shekinah, através de prostitutas cultuais. Afirma ainda que o tetragrama YHWH deriva duma união andrógina física entre o masculino "Jah" e o hebraico para Eva, "Havah". No entanto, qualquer estudante de teologia poderia esclarecer o autor que Jeová é uma designação de século 16, para Yahweh, usando para tal as vogais de Adonai = Senhor. 6 - Brown até consegue fazer uma imensa confusão com as famosas cartas do Tarot. As ditas não ensinam doutrinas sobre o sagrado feminino, e foram inventadas para jogos perfeitamente inocentes no século 15, sendo-lhes dadas conotações ocultas apenas no século 18. 7 - A interpretação dada à obra de Da Vinci também é francamente distorcida. Para além de plagiar as ideias de "Templar Revelation", de Lyn Picknett e Clive Prince, é ridículo afirmar que a Mona Lisa é um auto-retrato andrógino quando todos sabemos que é um retrato de Madonna Lisa, esposa de Francesco di Bartolomeo del Giocondo. 8 - Quanto ao tão polémico casamento de Maria Madalena com Jesus, o autor faz desejologia. Mera ficção literária. 9 - O autor sofre ainda de uma aguda dislexia de algarismos. Diz que os Rolos do Mar Morto foram descobertos em 1950, mas foram antes; e diz que no Concílio de Niceia o voto sobre a divindade de Cristo foi à tangente, quando de facto foi de 298 contra 2. Em vez de tangencial foi esmagador! Enfim, uma peça literária com interesse ficcional mas sem alicerces académicos. A tocar mais na espectacularidade do que na espiritualidade. Um livro autenticamente filho do nosso tempo pluralista - apenas mais uma visão da realidade tão válida como outra qualquer. E, como tolerantes que somos, temos que engolir o sapo se quisermos. Esta é a herança do liberalismo teológico, exactamente cem anos depois.
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