Artigo - Elzimar - ModeLab - Universidade Federal do Espírito Santo
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IV Seminário O Impetus de Rotação e o Estudo de Trajetórias de Corpos Projetados Elzimar Eler Luz Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo Jose Plínio Baptista Departamento de Física Universidade Federal do Espírito Santo 1. Introdução O movimento, enquanto estado da matéria, tem sido discutido por pensadores ao longo de toda história filosófica-científica. Os modelos cosmogônicos dos primeiros filósofos pré-socráticos convergem ao relatarem o movimento, em particular o movimento de rotação, como um estado essencial para a criação do universo. É importante destacar que, de acordo com essas teorias, o movimento rotacional é o mecanismo responsável pela condensação, tal como pela separação de toda a matéria que dará início a formação do cosmos. Apesar da sua importância, o movimento rotacional foi pouco discutido ou, pelo menos, não com a mesma ênfase dada ao movimento de translação. Ainda na época pré-socrática, Aristóteles (384-322 a.C.) deu início a uma cadeia de profundas discussões em torno do movimento de translação que por vários séculos delinearam os traços modernos deste conceito. Neste cenário histórico, o estudo do movimento rotacional só foi efetivamente desenvolvido pelos pesquisadores escolásticos do final da idade média, onde se destacaram Gerard de Brussels (~1250), Jean Buridan (1300-1358), Nicole de Oresme (1320-1382) entre outros. A história do pensamento científico relacionado à Física, da Idade Média e da Renascença, pode ser dividida em três períodos, ou três tipos de pensamento: inicialmente a física aristotélica, seguida da física do ímpetus, inaugurada pelos gregos e elaborada em detalhes no decurso do século XIV e finalmente a física matemática, experimental, arquimediana ou galilaica. Até o início do século XVI era comum aos filósofos basearem suas teorias em modelos intuitivos formulados a partir de observações do senso comum. A utilização deste método de construção de idéias foi um obstáculo ao nascimento da física clássica uma vez que não havia a confrontação das idéias elaboradas nestes modelos com a observação mais precisa de um fenômeno. 253 IV Seminário O Impetus de Rotação... Na atualidade, desde a década de 70 a literatura tem revelado que quando os estudantes chegam à idade escolar já desenvolveram seu próprio conhecimento o qual, muitas vezes, revela-se bastante diferente do conhecimento científico ensinado nas escolas. Essa maneira própria do aluno entender os conceitos científicos tem sido denominada de concepções alternativas (e. g. Gilbert & Watts, 1983). Dois importantes resultados têm sido relatados: o primeiro que as concepções alternativas sobre determinado conceito científico são compartilhadas por um grande número de alunos e o segundo que essas concepções têm se mostrado resistente à instrução formal. Embora esses estudos tenham abrangido diversas áreas de Ciências (e.g. Driver et al, 1994) este trabalho busca discutir, em particular, as concepções relacionadas ao movimento de rotação. Algumas características de teorias medievais nas explicações dadas pelos estudantes sobre o estudo do movimento dos corpos tem sido relatadas na literatura. Em pesquisa realizada com alunos do ensino médio e universitário, o psicólogo Michael McCloskey descreve a utilização das concepções da teoria do ímpetus que é característica do século XIV, mas está presente nas interpretações dadas pelos estudantes, em particular sobre o movimento rotacional. Assim, será abordado neste trabalho, o estudo do processo de transmissão de qualidade de movimento de acordo com as concepções alternativas seguida de discussão de resultados relatados por McCloskey (1980) e McCloskey et al (1983) visando a obtenção de maiores detalhes sobre a formação epistemológica das concepções alternativas do movimento e, a partir daí, detalhar o mecanismo de transmissão que forma a cadeia: Força motora ! Ímpetus ! Movimento Violento. 2. Modalidades de Transmissão: Força ! Ímpetus ! Movimento Chamaremos de modalidade de transmissão, como representamos acima, ao conjunto formado pelos elementos força, ímpetus e movimento, ligados por uma certa "qualidade" que definiremos mais adiante. A fim de se evitar interpretações errôneas com respeito às naturezas dos movimentos que serão objetos de nossas discussões, vamos tomar como definição: 1. Movimento de translação: é simplesmente o movimento retilíneo. 2. Movimento de rotação: é simplesmente o movimento de uma partícula que descreve uma trajetória circular. No atual estágio do estudo, não serão incluídos os movimentos curvilíneos em geral ou aqueles cujas trajetórias são compostas de partes retilíneas e partes curvilíneas. 254 IV Seminário O Impetus de Rotação... Outra concepção de fundamental importância neste estudo é a definição do ímpetus. A teoria do ímpetus foi elaborada por Jean Buridan e substituiu plausivelmente o "motor de Aristóteles", descrito pela teoria da antiperistasis1. Buridan acreditava que os corpos moviam-se devido a uma capacidade motora transmitida pelo projetor ao projétil no instante do lançamento. Segundo Buridan: "O ímpetus é uma qualidade permanente do corpo, embora possa ser destruída por agentes contrários, e é tal que não é auto-desvanecente meramente como resultado da separação do corpo e da força motora principal, mas pode ser superado pela resistência do ar ou pela tendência contrária do corpo". De acordo com o descrito acima, o ímpetus é o elemento responsável pela manutenção do movimento após o corpo perder contato com o projetor. Sendo uma qualidade motora, o ímpetus ainda guarda princípios aristotélicos, mas perdeu completamente seu significado quando, no século XVI, René Descartes (1598-1650) elaborou o princípio de inércia (Baptisita & Ferracioli, 2000). Embora a teoria do ímpetus esteja superada, existe uma forte semelhança entre as principais idéias que formam esta teoria as explicações dadas pelos estudantes de física sobre o estudo do movimento dos corpos. No enunciado de Buridan, pode-se verificar que o ímpetus não possuía uma definição muito clara, pois, ao mesmo tempo em que é definido como uma espécie de virtude ou qualidade motora, também é definido como uma força interna ou potência que se imprime ao móvel no ato de seu lançamento, como conseqüência de sua associação com a força principal. Sendo assim, o ímpetus faz o papel de uma força motriz transmitida ao projétil que lhe é imanente e possui as mesmas qualidades da força motora. Em uma citação referente ao Livro 8 da Física de Aristóteles (Clagett, 1959), Buridan relata: "Um motor imprime ao corpo um certo ímpetus ou uma certa força motora (vis motiva) do móvel na direção na qual o corpo foi lançado pelo motor, seja para cima ou para baixo, para um lado ou em círculo". De acordo com esta citação percebe-se que Buridan não faz uma nítida distinção do ímpetus mantenedor do movimento de translação com o ímpetus mantenedor do movimento de rotação. Para Buridan, o movimento gerado dependia apenas das qualidades motoras transmitidas pela força principal. 1 Teoria da antiperistasis ou mútua substituição, afirma que o movimento violento demandava a presença constante de um motor em contato com o projétil. Aristóteles supôs que o ar ou o meio era o agente motor que continuava esse movimento após o projétil perder o contato com a força projetora. 255 IV Seminário O Impetus de Rotação... Desse modo, o processo de transmissão que gera o movimento (qualquer) pode ser representado em geral pela seguinte cadeia: Força Motora ! Ímpetus ! Movimento Violento Essa cadeia de transmissão que apresentamos é apenas uma formalização do conteúdo amplamente discutido por Buridan que pode ser entendido como um instrumento metodológico que permite analisar com maiores detalhes o mecanismo embutido nessas concepções alternativas em torno desta teoria. De acordo com as idéias descritas por Buridan, porém pouco esclarecidas, existe uma transmissão das qualidades da força principal para o ímpetus que dependendo da qualidade de força aplicada, permite ao ímpetus ser mantenedor de um movimento de translação ou de rotação. Se a força principal produzir um movimento violento de translação, o ímpetus gerado será mantenedor de movimento violento de translação. Neste caso a cadeia de transmissão poderia ser mais detalhada por: Força motora ! Ímpetus de translação ! Movimento Violento de Translação Se a força ou torque produzir um movimento violento de rotação, o ímpetus gerado será mantenedor de movimento violento de rotação. Desta forma podese representar: Força Motora ou Torque ! Ímpetus de Rotação ! Movimento Violento de Rotação Estas diferentes cadeias de transmissão permitem-nos compreender um pouco mais profundamente as razões subjacentes às conclusões feitas pelos filósofos antigos sobre a manutenção dos movimentos pós-lançamentos sob ação de um ímpetus impresso. Em análise aos resultados dos testes apresentados por McCloskey et al (1980)2 é possível argumentar que a interpretação dos eventos naturais feitas pelos estudantes sobre o movimento de corpos materiais, tendem a acompanhar a evolução histórica deste conceito, confirmando algumas teorias que sugerem a existência de um largo paralelismo intuitivo entre as etapas do aprendizado dos nossos jovens estudantes e a lenta evolução dos conceitos elaborados pelos antigos3. Exemplos flagrantes são fornecidos pelas teorias sustentadas por alguns pensadores a respeito do movimento de um projétil lançado na atmosfera. 2 3 256 Faz parte das metas deste trabalho também realizarmos nossas próprias pesquisas sobre a compreensão dos estudantes sobre o conceito de movimento. Idéia defendia por alguns pesquisadores no alvorecer das investigações sobre as concepções alternativas no início da década de 80. O Impetus de Rotação... IV Seminário Aristóteles, por exemplo, em seu tratado Física, afirma que um corpo não poderia estar animado simultaneamente de mais de um movimento, ou seja, durante a trajetória de um corpo é impossível a coexistência de um movimento natural e um movimento violento. Tartáglia4, por exemplo, admitia que a trajetória realizada por um projétil após ser lançado, era constituída de dois segmentos retilíneos conforme Figura 01. Já Alberto da Saxônia (~1650) considerava que o corpo se deslocava inicialmente em linha reta dotado de um movimento violento e que, quando o seu movimento enfraquecia, caia verticalmente em movimento natural até a terra. As duas retas são reunidas por uma curva que representa o intervalo em que o movimento violento é consumido pela inclinação natural conforme Figuras 02 e 03. A Figura 3 representa a trajetória descrita por Alberto da Saxônia e também por alguns estudantes de física. Note o paralelismo existente entre a trajetória dos filósofos e a trajetória descrita pelos estudantes. Figura 01: Representação de Tartaglia Figura 02: Representação de Alberto da Saxônia Figura 03: Representação de estudantes 3. O Ímpetus e o Movimento Violento de Rotação Ao movimento de rotação, como já mencionado acima, foi atribuído, pelos antigos filósofos, o papel fundamental na dinâmica da geração do cosmos. Este atributo foi confirmado por quase todos os autores de processos cosmogônicos, desde Anaximandro (611-546 a.C.) até Anaxágoras (500-428 a.C.), passando por Empédocles5 (490-435 a.C.) e Demócrito (460-360 a.C.). Modernamente este recurso foi empregado por René Descartes. Entretanto, o movimento de rotação passou praticamente ao largo das preocupações 4 5 Niccolo Fontana, conhecido por Tartáglia (1500-1557), físico arquimediano e teórico de balística. Publicou tabelas de elevação para tiros de canhões e escreveu a teoria tradicional em sua obra Nuova Cienza. O movimento de rotação sobre a forma de turbilhões é também responsável pela cosmogênese e pela gravitação cartesiana. 257 IV Seminário O Impetus de Rotação... cinemáticas, que se concentraram todas no movimento de translação6. No período escolástico, o movimento de rotação recebeu a atenção de pensadores visando a elaboração de métodos de medidas da rotação. A teoria de Gerard de Brussels (~1250), para a medida e representação da velocidade do movimento de rotação, deu nascimento ao chamado método de Merton para os movimentos (de translação) acelerados. Mais tarde Alberto da Saxônia, sucessor de Buridan, retomou a questão do movimento de rotação, onde discutiu em sua obra intitulada Questões sobre o livro VIII da Física de Aristóteles. A evolução dos conceitos cinemáticos ocorreu independentemente dos estudos que trataram da causa geradora do movimento, pois, já era conhecida a possibilidade de se estudar o movimento sem fazer menção às causas, devido à influência da teoria filosófica de Ockhan7 no estudo do movimento. Enquanto na cinemática surgiam estudos sobre a medida da magnitude da velocidade curvilínea, no campo da dinâmica, Buridan apresentava sérias críticas à teoria da antiperistasis de Aristóteles, vindo esta a ser substituída, junto ao meio científico, pela teoria do ímpetus de Buridan, também conhecida como teoria da força impressa. Como foi detalhado na seção 2, através das cadeias de transmissão, com a teoria do ímpetus pode-se compreender melhor a persistência tanto do movimento violento retilíneo quanto do movimento de rotação, após o lançamento do corpo. Segundo Clagett8: "Um sério defeito desta teoria medieval é que não existia uma distinção clara entre o ímpetus retilíneo e o ímpetus curvilíneo. Eles eram igualmente possíveis" Confirmando a referência acima, é bom lembrar que tanto João Baptista Benedetti9 quanto Leonardo da Vinci (1452-1519) se opuseram à existência do ímpetus na rotação (Crombie, 1959). Um outro ponto importante para ser analisado é que o movimento rotacional mantido pelo ímpetus de rotação, embora provenha de concepções alternati- 6 O movimento de translação, conforme já foi sublinhado, não se refere a um movimento de translação no sentido moderno mas, um movimento apenas retilíneo. Guilherme de Ockhan (1285-1349) precursor da independência entre os estudos cinemáticos e dinâmicos, método conhecido como Navalha de Ockhan. 8 Clagett (1959), página 525. 9 J. B. Benedetti (1530-1590) partidário resoluto da física parisiense. É antecessor a Galileu, antiaristotélico e copernicista. Desenvolveu estudos sobre teoria do ímpetus. 7 258 IV Seminário O Impetus de Rotação... va, sem dúvida nenhuma criou um cenário perfeito para que se permitisse maior compreensão da geração e manutenção do movimento dos corpos celestes. Partindo desta teoria, com efeito, a persistência do movimento dos céus era devido à transmissão de um ímpetus rotacional impresso por Deus no início da criação do universo. Segundo, Buridan, "... Deus, quando criou o mundo, alegrou-se em mover cada órbita celeste. O movimento impresso transmitiu um ímpetus que continuou a mover os corpos continuamente, sem ter que move-los novamente10... E este ímpetus que Deus imprimiu não decresceu ou posteriormente se corrompeu porque não existe inclinação dos corpos celeste para outro tipo de movimento. Nem existem resistências que poderiam corromper ou reprimir a quantidade de ímpetus impresso" (Clagett, 1959) De acordo com as idéias de Buridan discutidas até aqui, pode-se analisar a trajetória descrita por um corpo em um meio material após este ser submetido à ação de uma força rotacional ou um torque. Depois de iniciado o movimento, como conseqüência deste torque, o corpo recebe uma quantidade de ímpetus que se esgotará continuamente devido a presente de forças resistivas, porém, a qualidade (virtude) deste ímpetus se manterá invariavelmente igual a da força geradora. Sendo então a quantidade de ímpetus progressivamente enfraquecido, o corpo não conseguirá realizar posteriormente uma trajetória com as mesmas características do movimento primitivo. Isso implica, por exemplo, que se o movimento antes da projeção for um círculo, após a projeção a trajetória passará a ser uma espécie de espiral, cujo comprimento depende da quantidade de ímpetus que o móvel adquiriu. Acreditava-se que esta quantidade de ímpetus transmitido dependia do tempo que o corpo permanecia em contato com a força principal, ou seja, quanto mais tempo o corpo estivesse submetido à ação da força motora, maior seria a quantidade de ímpetus impresso. Então, em conseqüência das numerosas revoluções, o corpo receberia um ímpetus cada vez mais intenso e assim, mais longa era a trajetória descrita após o lançamento do corpo conforme representado nas Figuras 04 e 05. 10 Esta idéia do movimento continuado nos faz lembrar o principio de inércia da mecânica newtoniana 259 O Impetus de Rotação... IV Seminário Figura 04: Trajetória do corpo quando o ímpetus transmitido é de grande intensidade Figura 05: Trajetória do corpo quando o ímpetus transmitido é de pequena Ainda de acordo com as proposições de Buridan, a Figura 06 ilustra duas diferentes situações que descrevem a trajetória de um corpo mantido por um ímpetus de rotação após ser projetado de dentro de um tubo fino encurvado. Quando o movimento do corpo ocorre no vácuo a quantidade de ímpetus impresso não é gasta por agentes externos, neste caso a trajetória percorrida será um círculo como é representado pela Curva 1. Se o movimento do corpo ocorrer num meio material, a ação das forças adversas enfraquecem a quantidade de ímpetus impresso, porém a qualidade é mantida constante e desse modo, a trajetória descrita fica bem representada pela Curva 2. Figura 06: Diagrama elaborado por McCloskey. Ilustra a trajetória de um corpo mantido por um ímpetus de rotação. Na curva 1, o movimento ocorre no vácuo e na curva 2 o movimento ocorre num meio material 4. Análise da Interpretação dos Estudantes Em nosso cotidiano, são inúmeras as oportunidades de se observar e até mesmo interagir com os fenômenos físicos, em particular os que envolvem movimentos; assim como chutar uma bola, brincar num carrossel ou lançar 260 O Impetus de Rotação... IV Seminário uma pedra. Embora os eventos que nos cercam, nos estimulem a elaborar idéias a partir de fatos concretos extraídos do mundo real, freqüentemente as observações obtidas não nos permitem uma interpretação muito coerente com os modelos cinemáticos já existentes. É comum o fato de nossas descobertas tenderem a ser interpretadas em termos do que já conhecemos e experimentamos. Com efeito, isto gera uma formação de concepções alternativas sobre à realização do movimento. Neste momento é interessante recordarmos, como já dito em oportunidades acima, que as interpretações dadas pelos criadores do ímpetus ao longo de sua construção histórica, possuem características semelhantes às encontradas nas explicações que os estudantes dão a realização de fenômenos físicos observados por eles. McCloskey (1983) e McCloskey et al (1980) relatam resultados de estudos sobre as concepções alternativas de movimento. Abaixo são apresentadas os resultados que descrevem a ação do ímpetus na rotação. 4.1. Primeiro Estudo Fizeram parte deste estudo 48 alunos: alguns deles não aviam chegado ao ensino médio, outros estavam cursando o ensino médio, porém sem ter ainda cursado Física, e o restante que já aviam estudado pelo menos um ano de Física. Aos estudantes foram apresentados dois desenhos e solicitado a cada aluno que desenhasse a trajetória seguida pela bola ao abandonar o círculo. O primeiro desenho, mostrado na Figura 07-A, representa um tubo fino de metal espiralado onde uma bolinha é impulsionada em uma das extremidades e projetada pela outra. O segundo, mostrado na Figura 07-B), representa uma bola de metal, girando presa a uma linha esticada em velocidade acelerada. A B Figura 07: Diagrama para o problema do tubo espiralado fino (A) e o problema da bola presa a uma linha esticada. 261 O Impetus de Rotação... IV Seminário No primeiro caso, após lançado do tubo fino, 51% dos alunos desenharam a trajetória da bola como uma semiparábola conforme Figura 08-A. No segundo caso, após a bola se desprender da linha, 30% dos alunos acreditam que a bola continua em movimento circular, confome representada na Figura 08-B. Figura 08: Respostas dadas pelos estudantes sobre o problema do tubo espiralado e da bola e a linha. 4.2 Segundo Estudo O estudo foi realizado com 135 alunos do curso de Psicologia que foram submetidos a questões onde o exemplo dado foi de uma bola que rola no topo de um penhasco com velocidade constante, conforme representado na Figura 09. Figura 09: Diagrama para o problema do penhasco Cada aluno desenhou a trajetória seguida pela bola ao abandonar o penhasco: • 74% dos alunos desenharam uma trajetória mais ou menos parabólica, Figura.10-A; 262 O Impetus de Rotação... IV Seminário • 22% desenharam uma trajetória circular por alguns instantes seguida de uma trajetória vertical reta, veja Figura10-B. A B C Figura 10: Resposta correta (A) e respostas incorretas (B e C) para o problema do penhasco. De acordo com a resposta (B) verifica-se que esses alunos consideraram que a componente horizontal da velocidade da bola não permanece constante, gradualmente ela decresce até anular-se, neste instante a bola cai verticalmente em linha reta até atingir o chão. Já na resposta (C), o restante dos alunos entrevistados, representaram uma trajetória em que a bola viaja em linha reta por um certo tempo na horizontal e em um curto intervalo de tempo, cai em linha reta até o chão. Neste exemplo verifica-se uma separação de movimentos horizontais e verticais (ver comentário no final da seção 2). É interessante observar que os estudantes, assim como os filósofos antigos elaboram idéias notavelmente bem-articuladas, que propõem uma explicação à realização do movimento, tendo como base as percepções do senso comum. Porém ambos desconhecem ou ignoram a utilização de um método de verificação experimental. Outro fato importante é que de acordo com os dados da pesquisa, os erros conceituais foram encontrados em todos os níveis colegiais dos estudantes. Este resultado revela que geralmente a interpretação baseada na percepção do senso comum persiste mesmo após os estudantes terem estudado formalmente os modelos cinemáticos clássicos, corroborando resultados de estudos anteriores e.g. Driver et al (1994). Também ao longo da história científica percebemos que entre os físicos havia persistência de concepções extraídas da observação do senso comum e que mesmo sendo superados pela utilização de métodos experimentais, continuavam implícitos em diversas teorias. Exemplos deste fato é a con263 IV Seminário O Impetus de Rotação... cepção do ímpetus, elaborado no século XIII, ainda persistia em alguns conceitos físicos do século XVI. Outro exemplo é a teoria do calórico, característica do século XVI, ainda era preservada por alguns físicos até o final do século XVIII. 5. Conclusão Desde a antigüidade os filósofos elaboraram teorias cosmogônicas nas quais era atribuído ao movimento rotacional o papel de causa eficiente na geração e estruturação do cosmos.Todavia, apesar de sua importância, o movimento de rotação, durante muito tempo, não recebeu a mesma atenção que o movimento de translação. Isto tanto do ponto de vista da análise do conceito, quanto da sua medida. Pode-se observar que a evolução dos conceitos cinemáticos ocorreram muito lentamente ao longo da história científica. De acordo com as considerações aqui apresentadas, um importante fator que causou esta lentidão, especialmente no estudo da rotação, foi a inexistência de recursos matemáticos adequados, que permitissem representar os conceitos elaborados. Esta fase só foi totalmente superada após Galileu Galilei. Embora neste estudo tenha sido discutido pesquisas que descrevam movimentos retilíneos e curvilíneos, o desenvolvimento futuro deste trabalho prioriza o estudo do movimento de rotação. Um dos objetivos é analisar a existência de um suposto paralelismo intuitivo entre as fases de evolução do pensamento cientifico e as fases do aprendizado na população estudantil do ensino médio e até mesmo superior, tendo como ênfase o estudo do movimento rotacional. O resultado de analises até aqui, sugerem uma confirmação deste quadro. Seria muito proveitoso se a cadeia de transmissão, apresentada neste trabalho, pudesse nos sugerir métodos de ensino que promovessem no estudante uma evolução conceitual em direção aos conceitos científicos e conseqüente "encurtamento" do seu período de concepções alternativas, de modo a levá-los mais rapidamente a uma compreensão dos conceitos físicos mais conforme a ciência. O interesse no estudo do movimento de rotação foi despertado pela carência de estudos que descrevam a evolução histórica sobre o movimento rotacional, principalmente no período medieval. Outra motivação deste trabalho se dá devido à necessidade de esclarecermos, quais as razões subjacentes que justificam as interpretações alternativas que os estudantes fazem sobre a persistência do movimento curvilíneo, após um corpo ter sido lançado por uma força motora. 264 IV Seminário O Impetus de Rotação... Acreditamos que o nosso instrumento metodológico representado pela cadeia de transmissão: Força ou Torque ! Ímpetus de Rotação ! Movimento Violento Curvilíneo traduz uma estruturação cognitiva utilizada por aqueles que formulam concepções alternativas sobre o movimento rotacional tendo como base as percepções do senso comum. 6. Referências BAPTISTA, J.P. & FERRACIOLI, L. (1999) A Evolução do Pensamento Sobre Conceito de Movimento. 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