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Editora: Legislação
Data: 25/4/2014
25/04/2014 às 05h00
Segredo industrial gera polêmica na exploração de
gás
Por Cláudia Schüffner e Marta Nogueira | Do Rio
O cenário para a exploração no Brasil do gás natural de fontes não convencionais, como o "shale gas",
conhecido no Brasil como gás de xisto, permanece indefinido, mesmo após a Agência Nacional do
Petróleo (ANP) ter publicado, em 11 de abril, a resolução 21/2014, específica para a extração do
insumo.
Além de o governo não ter decidido o responsável e como serão realizados os licenciamentos
ambientais, as regras da ANP trazem uma questão polêmica. O sexto artigo obriga empresas a
publicarem compostos químicos da fórmula que será injetada nos poços nessas áreas. Só que o
composto é um segredo industrial, das próprias operadoras ou das prestadoras de serviços.
Para o advogado Giovani Loss, especialista em fusões e aquisições no setor de petróleo do escritório
Mattos Filho, "a fórmula [injetada no poço e necessária para a extração do insumo] é extremamente
relevante e com alto valor comercial".
A indefinição permanece cinco meses após a 12ª rodada de licitação de blocos exploratórios, com
potencial para extração de gás natural. Esse leilão foi divulgado pelo governo como uma rodada para
ofertar áreas para a exploração do gás não convencional, que tornou-se uma das pautas do governo
depois que os EUA mostraram-se bem-sucedidos no setor. Os americanos, no entanto, têm um
ambiente regulatório mais ágil que o brasileiro e uma regulação ambiental menos restritiva.
A indefinição foi sentida no resultado da rodada. Foram arrecadados R$ 165,2 milhões em um leilão de
pouco risco e pouca disputa. A maior parte das áreas arrematadas fica nas bacias do Recôncavo, a
primeira a ser explorada no Brasil, e Paraná, onde as ocorrências de gás são conhecidas há décadas. Os
blocos foram adquiridos pela Petrobras e empresas de menor porte, como Alvopetro, Cowan, Geopark,
Nova Petróleo, Petra e a colombiana Trayectoria.
Embora possa trazer muitos ganhos comerciais, a extração do gás não convencional é muito polêmica,
devido aos riscos ambientais. Necessita a realização de uma técnica conhecida no setor como
faturamento hidráulico, que consiste em quebrar mecanicamente a rocha por meio de poços
horizontais para liberar o energético por rachaduras. Durante a perfuração são injetados água e vários
produtos químicos (a mistura depende da companhia) para "soltar" o energético.
A polêmica apontada por Loss está no artigo sexto da resolução 21/2014 da ANP. Exige que o operador
publique na internet a "relação de produtos químicos, com potencial impacto à saúde humana e ao
ambiente utilizados no processo, transportados e armazenados, contemplando suas quantidades e
composições".
Para ele, a determinação poderá impedir para o desenvolvimento da atividade. Observa que várias
transações e "joint ventures" ocorreram nos EUA visando unicamente o acesso à tecnologia para a
extração desse tipo de gás, incluindo os compostos químicos utilizados.
Segundo Loss, em diversos Estados americanos há requerimento similar de divulgação e houve
disputas judiciais, apesar da rigidez, existente nos EUA, em relação à reserva de segredos industriais.
As novas regras, segundo a ANP, têm ênfase na proteção da saúde humana e do ambiente. Determina,
por exemplo, que a empresa exploradora apresente projetos detalhados para fraturamento e
perfurações necessários, levantamento dos riscos, plano de atividade caso haja incidentes,
levantamento e publicação periódica de dados.
Pedro Dittrich, advogado do TozziniFreire Advogados, afirmou que a autarquia fez a sua parte de
forma "bastante cautelosa", mas que a indefinição do papel dos órgãos ambientais ainda causa
insegurança. A ANP atua de forma suplementar a esses órgãos e não tem ingerência sobre o
licenciamento, questão que fica a cargo do governo. Ao Valor, o Ministério de Meio Ambiente admitiu
que a discussão "está ainda em fase de amadurecimento e sem definição".
No Brasil, o Ibama é responsável pelas atividades de exploração e produção de óleo em mar e em terra
quando a atividade está nas fronteiras entre Estados. Fora isso, os responsáveis são os órgãos
ambientais estaduais, a maioria sem experiência nesse tipo de exploração.
O advogado Guilherme Leal, especialista em direito ambiental do Lobo & Ibeas, afirmou que a
exploração não convencional chegou a ser objeto de moratória na França. Mesmo nos Estados Unidos,
o tema provoca debates e causa reações na Justiça para proibir ou suspender a extração. "No Brasil, a
questão ainda é incipiente e a nova resolução da ANP é a primeira norma a regular o assunto de forma
expressa", disse Leal.
Miriam Mazza, advogada de direito ambiental do Barbosa, Müssnich & Aragão, defende que o
licenciamento seja centralizado no Ibama, mas com a participação de órgãos estaduais, que têm mais
conhecimento sobre as regiões onde atuam que, segundo ela, podem realizar convênios com o Ibama.
A ANP explicou, em nota, que a lei abre a possibilidade de que determinadas tipologias de atividades
passem à esfera de competência do Ibama, a partir de recomendações de uma comissão tripartite
nacional.