1 CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E CLÍNICAS SOBRE A

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1 CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E CLÍNICAS SOBRE A
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CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E CLÍNICAS SOBRE A
CLASSIFICAÇÃO DOS TRANSTORNOS MENTAIS
Laéria Fontenele1
O debate entre psiquiatria e psicologia, no que tange à consideração sobre as
condições de possibilidade do surgimento de um saber sobre as patologias
nomeadas mentais, revela, em nosso entendimento, dois problemas fundamentais.
O primeiro deles refere-se a um desconhecimento recíproco sobre as bases que
norteiam a produção desse saber na psiquiatria e na psicologia. A conseqüência
mais imediata disso é o ataque, igualmente recíproco e superficial, referente aos
discursos produzidos em cada um desses campos. O segundo deles refere-se às
críticas efetuadas à psiquiatria pela psicologia que são mediadas por considerações
puramente sociais dos limites e comprometimentos ideológicos do saber
psiquiátrico ou de sua forma de conduzir os tratamentos dos fenômenos mórbidos.
Tais críticas não partem de uma análise concreta das teorias psicopatológicas e de
seus aspectos metodológicos e clínicos e são provenientes, em verdade, de três
fontes principais: da História da Loucura, de Foucault; do movimento
antipsiquiátrico, responsável pela defesa da depuração ideológica da psiquiatria –
de grande repercussão nas décadas de sessenta e setenta -; ou de uma visão
histórica que faz de cada época a responsável por um modo de representar a
loucura e que porta um viés relativista. Tais fontes, se retiradas de seu contexto
de origem e despidas de uma reflexão acerca dos que as tornou possíveis,
promovem, em verdade, uma simplificação das questões que hoje se impõem à
construção de conhecimentos sobre os aspectos mórbidos que afetam os sujeitos e
sobre a relação entre eles, as práticas diagnósticas e as terapêuticas delas
decorrentes. Por que afirmamos isso? Consideremos cada caso.
Sem qualquer sombra de dúvidas, “A História da Loucura”, de Michel
Foucault, é uma obra monumental do pensamento ocidental, pela originalidade do
seu recorte metodológico e pelo rigor para com a documentação histórica que
possibilitou com que fossem traçadas as condições que deram lugar à elaboração
de um saber sistemático que tomasse a loucura como seu objeto, fato esse datado
e conseqüência de uma série de deslocamentos e não de uma progressão gradual
de conhecimentos que teriam possibilitado o seu desenvolvimento. Uma vez
traçadas as múltiplas determinações, (históricas, sociais, políticas, jurídicas, etc.)
responsáveis por produzir a loucura como objeto de conhecimento, Foucault
mostra com precisão a predominância na construção desse saber de uma
fenomenologia do olhar, também conhecida por fenomenologia da percepção, que
certamente não são alheios aos empenhos em produzir sistemas de classificação
em psiquiatria.(FOUCAULT, 1989 ).
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Psicanalista e Professora Doutora da Graduação e do Mestrado em Psicologia da UFC. Diretora do Corpo
Freudiano, seção Fortaleza. Autora de “A Interpretação” (Jorge Zahar Editor) e de “A máscara e o véu: o
discurso feminino e a poesia de Adélia Prado”(Relume Dumará).
Mas não esqueçamos que, nesse mesmo contexto de análise, Foucault,
igualmente, localiza as condições do surgimento da psicologia. Ela teria suas bases
no aparecimento dos júris populares e não obedeceria, como se defende, a um
afastamento da filosofia em direção à ciência. Dito isso, que credibilidade teriam os
psicólogos, sustentados em Foucault, para denunciar a falta de rigor do discurso
psiquiátrico sobre a loucura, se a constituição da psicologia é também considerada
por ele como comprometida por razões não científicas? Por outro lado, do seu
surgimento até o presente, o discurso psiquiátrico foi afetado por diversos outros
deslocamentos que merecem outras considerações epistêmicas que transcendam o
período estudado por esse eminente autor, o que não invalida o seu
empreendimento. Tais deslocamentos desembocam em dois pontos fundamentais:
a defesa e implementação progressiva da reforma psiquiátrica, culminando com o
desaparecimento das instituições de reclusão e com o retorno ao
organodinamismo, por um lado, e, por outro, com o surgimento de uma
classificação com vistas a um diagnóstico, surgida nos Estados Unidos, que se
tornou hegemônica – inclusive para boa parte dos psicólogos – e se pretende,
segundo os responsáveis por sua elaboração, ateórica. Aliás, quanto a isso, em
“Arqueologia do saber”, Michel Foucault, afirma que a psicopatologia, com seus
procedimentos reflexivos e classificatórios, teria circunscrito uma série de objetos
num sistema discursivo coerente e, ele mesmo, portador das suas próprias regras
de transformação. Tal tem ocorrido com esses sistemas de classificação, em que
se observa a constante retificação do discurso psiquiátrico; muitas vezes motivada,
não por critérios científicos mas pela sua articulação com outras práticas
discursivas. ( FOUCAULT,1986 ) Um exemplo evidente disso refere-se ao
desaparecimento do termo homossexualismo do DSM-IV, o que conforme atesta
Ionescu (1997) teria sido motivado pelas críticas engendradas por mudanças
socioculturais. Em síntese, hoje se faz imprescindível procurar observar e refletir
epistemologicamente sobre os deslocamentos discursivos, o desaparecimento de
determinados objetos – como por exemplo a histeria, as reações esquizofrênicas,
dentre outras – e a criação de uns outros tantos.
A antipsiquiatria, inquestionavelmente, proporcionou transformações
decisivas na prática psiquiátrica, de que a reforma psiquiátrica a que presenciamos
na atualidade é tributária. Serviu, sobretudo, para o repensar da relação
psiquiatria-sociedade e para questionar o papel que a instituição psiquiátrica
designava ao psiquiatra. Há quem diga, inclusive, que esse movimento não apenas
contribuiu para libertar o chamado “doente mental” das amarras das instituições
de reclusão, mas que serviu, mais ainda, para delas libertar o psiquiatra. No
entanto, conforme observa Nestor Braunstein, a antipsiquiatria engendrou,
também, sérias debilidades que culminaram com o seu malogro: “Las razones de
su fracasso son múltiples: debilidades teóricas, incomprensiones políticas, ausencia
de propuestas institucionales o contrainstitucionales realizabeles, ligadura com
ideologias utópicas, heterogeneidad de sus propusores.” (BRAUSTEIN, 1987,
p.29). Além disso, no que toca ao problema das classificações e em sua potência
de criar novos objetos, em nada teria contribuído, uma vez que sua posição nesse
sentido se reduziu ao questionamento do ato de classificar e não de seus critérios
e conseqüências. Um outro aspecto problemático desse empreendimento, também
atestado por esse mesmo autor, foi a fragilidade de sua crítica ao modelo médico,
reduzindo-o à sua representação vulgar de que o médico é o que atua, por meio
da utilização de recursos físicos e químicos, por sobre um corpo biológico. Ou seja,
reduzindo a medicina ao fazer médico e ignorando as contribuições da psiquiatria
que seriam passíveis de denunciar a substituição do modelo médico pelo modelo
veterinário, centrado na idéia de que o homem pode ser reduzido à biologia.
Os estudos sobre as diferentes representações da loucura em diversas
épocas contribuíram no sentido de mostrar que, mesmo não tendo sido desde
sempre objeto de um saber, é um fenômeno humano que esteve presente desde
sempre e que sempre foi, senão de teorização, pelo menos objeto de
representação e que a construção desse fenômeno como estigma segue uma
ordem causal que, igualmente, permitiria a crítica da sua transformação em um
território marginal e estrangeiro para as pessoas normais. Além disso, esse tipo de
recorte promove a sua redução causal aos ventos da história das idéias. A validade
desse tipo de recorte tem, portanto, uma importância muito significativa do ponto
de vista histórico, mas do ponto de vista das práticas diagnósticas e terapêuticas
que tipo de ressonância teria ele?
Com essas considerações, afirmamos a necessidade de analisar alguns
elementos referentes aos instrumentos utilizados para a realização de diagnósticos
nas práticas de saúde mental, bem como a sua relação com as práticas
terapêuticas que lhe são concernentes. Essa imposição se nos coloca a partir da
constatação de uma evidência que nos permitiria transpor as discussões já
desgastadas a que nos referimos a princípio: sem sombra de dúvidas, a reforma
psiquiátrica proporcionou um progresso de ordem social em sua proposta de
redimensionar os tratamentos antes empreendidos no espaço das instituições de
reclusão dedicadas aos “doentes mentais”. O avanço consistiu na reintegração
dessa clientela ao seu núcleo familiar e à sua comunidade, proporcionando, com
isso, a possibilidade de restabelecimento dos laços sociais, inclusive profissionais,
que seriam, dentre outros aspectos, elementos chave para a estabilização dos
quadros clínicos. Por outro lado, no entanto, os métodos diagnósticos e seus
instrumentos fins não sofreram qualquer alteração nas últimas décadas, com
exceção da radicalização de sua hegemonia. Acreditamos que a convivência das
novas formas de intervenção, presentes nas unidades que adotaram a reforma
psiquiátrica como princípio, com as mesmas práticas diagnósticas antes utilizadas
revela fraturas e promove novas discursividades em torno das concepções
psicopatológicas e clínicas que lhe são inerentes. Uma dessas novas formas
discursivas cria uma nova figura - a do doente mental crônico – e um novo
deslocamento – a equiparação desse tipo de patologia a uma doença orgânica
qualquer em que o organismo seria dependente, para o seu equilíbrio, de alguma
substância farmacológica. Observam-se, com isso, os efeitos dos tratamentos
farmacológicos por sobre o próprio sistema de classificação dos transtornos
mentais e, ainda, a naturalização das psicopatologias. Tal naturalização exclui das
discussões etiológicas as implicações do sujeito e de seus pares sociais no
sofrimento psíquico acarretado por seus quadros clínicos. A possibilidade de
intervenção no sistema classificatório de algo que lhe é exterior, produzindo-lhe
transformações e deslocamentos no seu modo de organização já havia sido
prevista por Foucault (1986). Conforme precisamos anteriormente, o próprio
sistema classificatório contém em si o germe dessa interferência. Caberia a
pergunta, pois, sobre quais as condições para a efetivação de tal fato.
As classificações em psiquiatria, ao longo de seu desenvolvimento histórico,
tiveram como fundamento de sua formulação o método fenomenológico e a
consideração a uma teoria. No decorrer do século XIX, e chegando aos dias atuais,
predominaram, na elaboração dessas classificações, duas correntes principais: a
nomoética – que integra as correntes biológicas e algumas tendências da
psicologia – e a idioética – presente nas vertentes fenomenológico-existenciais,
nas psicologias dinâmicas e de forma parcial na psicanálise. (SAMUELLAJENEUSSE,1989). Além disso, concorreram, ainda, para sua elaboração alguns
critérios tomados de empréstimo do modelo médico. O primeiro deles refere-se ao
aspecto etiológico. Definir a relação entre uma etiologia conhecida e uma anomalia
estrutural, permitiria, segundo esse critério, estabelecer as conseqüências das
doenças e os processos mórbidos. Apesar de ser considerado um critério frágil - na
medida em que a etiologia e a anomalia estrutural das afecções mentais é um
fator raro em psiquiatria e considerando-se que o mesmo só foi identificado em
relação a um mínimo insignificante de objetos classificatórios – há uma pertinência
teórica no estabelecimento desse requisito. Um bom exemplo disso é o sistema
classificatório de Kraepelin. Nele, observa-se uma clara descrição das doenças
mentais, entendidas como distintas, em consonância com o modelo médico. Se por
um lado, o seu olhar é eminentemente classificador e isento de hipóteses
psicopatológicas, por outro, a referência a uma teoria sobre o adoecimento fornece
os lastros de seu sistema nosográfico.
A tendência classificatória hoje em voga, apresenta um quadro muito distinto
do anteriormente citado. De origem americana, o Manual diagnóstico dos
transtornos mentais tem, segundo Samuel-Lajeneusse (op.cit), por substrato de
seu processo de elaboração a coleta, no plano clínico, de sinais que sejam, ao
mesmo tempo, objetiváveis e quantificáveis. A sua construção, baseada numa
proposta denominada ateórica, tem sido insistentemente
justificada pela
necessidade de promover a comunicação entre clínicos das mais diferentes partes
do globo, bem como para facilitar os registros estatísticos das epidemias e, ainda,
para promover o acordo diagnóstico entre clínicos que adotam concepções teóricas
diversas e, em alguns casos, dissonantes. No entanto, tais argumentos não são
sólidos o suficiente para assegurar-lhe uma posição epistemologicamente válida no
quadro dos saberes sobre o psicopatológico, nem são suficientes para validar o seu
pretenso ateorismo. Para esclarecer essa fragilidade, se faz necessária a
explicitação da seguinte questão: Segundo os seus criadores, em que consistiria,
em termos metodológicos, a construção de um sistema classificatório onde
nenhuma teoria se fizesse dominante e, ao mesmo tempo, todas elas pudessem
estar contempladas ofertando suas principais contribuições?
De acordo com Olivier-Martin (1989, p.73), “o caráter ateórico do manual
quer dizer que tudo o que se pode apresentar como hipótese etiopatogênica não
demonstrada fica suprimida do livro.” Tal posição teria como principal
conseqüência a exclusão da noção de doença – o que se dá a ver logo no título do
manual, onde encontra-se substituída pela noção pouco precisa de transtorno.
Passa a vigorar, em conseqüência disso, o modelo sindrômico baseado na coleta
de dados a partir da definição de um certo número de critérios previamente
definidos e extremamente delimitados, que além de carecerem de acordo na
comunidade psiquiátrica mundial, são de difícil aplicação. Além disso, consoante
Samuel-Lajeneusse (op.cit), promoveriam uma restrição diagnóstica e não
levariam em conta os fatores fundamentais para a evolução da terapêutica, quais
sejam: a relação entre os pares envolvidos no processo psicoterapêutico, a
verificação da existência ou não da demanda pelo tratamento e, por último, o
estilo do psicoterapeuta.
Torna-se imperativo, pois, observar: se a finalidade objetiva do DSM é a de
subsidiar diagnósticos passíveis de registros segundo definições que pudessem vir
a ser objeto de teorização não importando, para tal, as dimensões observadas,
resultando disso a introdução de critérios acadêmicos de pesquisa à atividade
clínica, caberia-nos indagar acerca das bases que permitem a edificação desses
critérios, bem como suas conseqüências para a definição do possível solo
epistemológico do DSM – IV. Uma minuciosa análise da descrição dos critérios
adotados em sua elaboração, nos permite destacar, surpreendentemente, as duas
mais significativas e ambas pertencentes ao campo das Psicologias. A primeira é a
psicologia diferencial, herdada da psicometria e fundada no início do XX. A
psicologia diferencial, de grande desenvolvimento atual, composta de múltiplos
aparelhos de registros de dados, escalas de apreciação, questionários, dentre
outros, é apontada como substrato utilizado para a realização da coleta global da
sintomatologia. (SAMUEL-LAJENEUSSE, op.cit). A segunda, a psicologia de origem
experimental influenciou, de forma marcante, a elaboração do manual através das
teorias cognitivistas e comportamentais. As quais são consideradas as referências
das terapêuticas comumente apontadas, pelos usuários dos manuais, como sendo
as mais adequadas para o tratamento das síndromes diagnosticadas. Além disso, é
importante salientar que a observação e classificação do comportamento objetivo é
a base da referida classificação.
Dessa forma, a roupagem cientificista, que recai por sobre a utilização de
critérios de pesquisa empírica aceitos por boa parte da comunidade científica
mundial, esconde a sua verdadeira identidade teórica, qual seja o empirismo e o
pragmatismo. Revela-se, sobretudo, em seu caráter pragmático, a marca da
tradição hegemônica da psiquiatria americana. O pragmatismo, criado por Charles
Sander Peirce marcou de forma significativa as trajetórias de W. James e John
Dewey, os quais tiveram uma profunda influência sobre a psiquiatria americana.
(IONESCU,1997) Se indagada em seus rumos, a psiquiatria americana compreende
numerosas disputas, sendo a principal delas a representada pelo movimento
neokraepeliano que se opunha claramente à psicologia social, às psicoterapias
dinâmicas e à psicanálise. Também chamado de “colégio invisível”, esse
movimento culminou na proposta de ateorismo presente no DSM-IV.
(IONESCU,op.cit). Uma série de exclusões, presentes nesse manual, também
revelam as marcas dessas disputas e a recusa de determinadas concepções
teóricas. Olivier-Martin (op.cit, p. 74-75) mapeou as mais significativas dessas
exclusões: a noção de reação proveniente da herança de Adolphe Meyer, as
categorias diferenciais de esquizofrenia latente e simples de Bleuler, as categorias
freudianas de neuroses e os aspectos conflituosos dos mecanismos de defesa do
eu, integrantes das psicoterapias dinâmicas Uma outra conseqüência das citadas
supressões é o aparecimento de novas realidades discursivas, tais como: os
transtornos de humor, os transtornos alimentares, o transtorno obsessivo
compulsivo, os transtornos somatoformes, os transtornos de identidade de gênero,
dentre outros. Todas elas conseqüência de uma metodologia que possibilita a
criação de numeráveis outras possibilidades, desde que a pesquisa empírica as
circunscreva. . Fica, com isso, evidente, a impostura do ateorismo.
Braunstein (1987) aponta, ainda, diversos outros aspectos que impugnariam
o argumento ateórico. Segundo ele, a presença do modelo classificatório de Lineu,
elaborado para classificar as espécies vegetais, é um dos traços desse sistema
classificatório. O que segundo ele demonstra também um inconveniente: o da
inadequação dos critérios botânicos ao campo da psiquiatria. O efeito dessa
utilização é, ainda, segundo o referido teórico, semelhante à classificação dos
animais a que se refere Jorge L. Borges como integrante de uma certa
enciclopédia chinesa chamada “Empório celestial de conhecimentos benévolos”,
que também é citada por Michel Foucault em seu livro “As palavras e as coisas”:
“os animais se dividem em: a) pertencentes ao imperador, b) embalsamados,
c) domesticados, d) leitões, e) sereias, f) fabulosos, g) cães em liberdade, h)
incluídos nessa classificação, i) que se agitam como loucos, j) inumeráveis, k)
desenhados com um pincel muito fino de pêlo de camelo, l) et cetera, m)que
acabam de quebrar a bilha, n) que de longe parecem moscas” (Borges citado por
FOUCAULT, 1981)
Braunstein (op.cit, p.11) reproduz um trecho da classificação do DSM-III para
ilustrar seu argumento. Demonstra, com isso, a falsa ordenação lógica das
categorias, que aí são agrupadas, pelo emprego de algarismos romanos, de forma
nominal. Expõe com, isso, o caráter exótico do manual.
Embora, os aspectos discutidos não sejam suficientes para a análise
pormenorizada do DSM quanto aos seus fundamentos, acreditamos que
contribuímos para a abertura dessa discussão e retomamos as nossas ponderações
iniciais. O debate entre psiquiatria e psicologia teria pois de considerar: que a
psicologia é também responsável por aquilo que critica, uma vez que integra as
condições de possibilidade da edificação da classificação, que o psiquiatra tem sido
reduzido em sua função a um mero classificador e que isso obedece a uma
demanda social e não a uma exigência clínica pela classificação, que a psiquiatria
clínica tem perdido o seu alcance e a importância que sempre desempenhou nos
progressos obtidos pelo saber psicopatológico e que os CAPES não modificaram
radicalmente as práticas diagnósticas e terapêuticas. Dessa forma, além dos fins
de registro e de pesquisa, cabe salientar que o uso do DSM como um manual de
psiquiatria é questionável. E, por último, que a aliança entre a medicina
comportamental e a psicologia cognitivo-comportamental promove um
deslocamento do modelo médico para o modelo veterinário. Seria esse um
avanço?
Referências bibliográficas
BRAUNSTEIN, N. Psiquiatría, teoría del sujeto, psicoanálisis (hacia Lacan).
México: Siglo Veintiuno, 1987
FOUCAULT, M. A história da Loucura na idade clássica. São Paulo:
Perspectiva, 1989
______________ A arqueologia do Saber. Rio: Forense Universitária, 1986
______________ As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências
humanas.São Paulo, Martins Fontes, 1981
IONESCU, S. Quatorze abordagens de psicopatologia. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1997
OLIVIER-MARTIN, R. Em torno do DSM in LACAN, J e outros. A querela dos
diagnósticos. Rio: Jorge Zahar Editor, 1989
SAMUEL-LAJENEUSSE,B. Em torno do DSM in LACAN, J e outros. A querela dos
diagnósticos. Rio: Jorge Zahar Editor, 1989