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REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 INSTITUCIONAL DIRETORIA Presidente: Ronaldo Fredolino Wendland Vice-Presidente: Hordi Felten 1ª Secretária: Lurdi Bender 2º Secretário: Mara Tesche Meincke 1º Tesoureiro: Valdemar Blum 2º Tesoureiro: Flávio Fleck CONSELHO FISCAL Laudomir Lampert Ivo Novotny Dalva Lenz de Souza Nelsi Eichelberger CONSELHO DELIBERATIVO Ernani Krause Ronald Kirchhof Erni Drehmer EDITORIAL Com o intuito de oferecer à comunidade acadêmica e regional os frutos colhidos pelas pesquisas de docentes e estudantes, cada vez mais preocupados com a qualidade da discussão de assuntos pertinentes e atualizados nas diversas áreas em que a Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM atua. Nesta revista o leitor poderá transitar por diversas áreas de conhecimento, constituindo-se um instrumento de pluralidade científica para consolidar a missão da Instituição que é: “produzir, desenvolver e socializar o conhecimento para a promoção da qualidade de vida, alicerçada nos valores cristãos”. Diretor geral – Flávio Magedanz Vice-diretor Faculdade Três de Maio – Paulo Renato Manetzeder Aires Vice-diretora Centro de Ensino Médio – Zenaide Tesche Heimerdinger Conselho Editorial: Adalberto Lovato, Cláudia Verdum Viegas, Cristiano Henrique Antonelli da Veiga, Fauzi de Moraes Schubeita, Gilberto Souto Caramão, Jorge Antônio Rambo, Liane Beatriz Tesche Roedel, Mário Luiz Santos Evangelista, Rafael Marcelo Soder, Renata Amélia Roos, Roque Ismael da Costa Güllich, Valmir Heckler, Vera Lúcia Lorenset Benedetti, Vera Beatriz Pinto Zimmermann Weber e Zenaide Heinsch Nesse sentido a SETREM está fortemente comprometida com a inovação, a mudança e busca de soluções para a comunidade onde se encontra inserida. A escola é a articuladora das formas de despertar o desejo pelo conhecimento, alicerçando aspectos intelectuais, técnicos, humanos e a formação do cidadão, levando-o a agir de forma crítica, ética e criativa para o desenvolvimento da sociedade. Comissão Científica Interna (avaliadores): Ms Adalberto Lovato, Ms Cláudia Verdum Viegas, Ms Cristiano Henrique Antonelli da Veiga, Ms Evandir Bueno Barasuol, Ms Fauzi de Moraes Schubeita, Ms Gilberto Souto Caramão, Dr Mário Luiz Santos Evangelista, Ms Rafael Marcelo Soder, Drdo Roque Ismael da Costa Güllich, Ms Valmir Heckler, Ms Vera Beatriz Pinto Zimmermann Weber, Ms Vera Lúcia Lorenset Benedetti e Ms Zenaide Heinsch. Esperamos que este número possa despertar a curiosidade, a busca por integração entre docentes, estudantes, empresas e Instituições, através do diálogo e a integração entre o ensino, a pesquisa e a extensão. Comissão Científica Externa (avaliadores) Ms Tagli Dorval Mairesse Mallmann - FGV, Dr Carlos Ricardo Rossetto – UNIVALI (SC), Dr Sedinei Nardelli Beber – PUC/RS, Dra Cláudia Regina Bonfá – UFSC (SC), Dra Soraia Napoleão Freitas – UFSM (RS), Dra Olgamir Francisco de Carvalho – UNB (DF), Dra Cristiane Koehler – FATEC SENAC (RS), Dr João Bosco Mangueira Sobral – UFSC (SC), Dra Marlene Gomes Terra – UFSM (RS) e Ms Vera Lúcia Fortunato Fortes – UPF (RS). É com imensa satisfação que apresentamos a Revista SETREM nº. 11, agradecendo a todos os que contribuíram com seus artigos e deixando o convite para todos aqueles que quiserem utilizar esse instrumento para divulgação de suas pesquisas e discussões. Capa e Diagramação: Assessoria de Comunicação SETREM Revisão: Carla Matzembacher Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 Conselho Editorial Revista SETREM Revista SETREM: Revista de Ensino e Pesquisa/ Sociedade Educacional Três de Maio Três de Maio: Editora SETREM. Publicação Semestral 1 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 ADMINISTRAÇÃO ANÁLISE DA QUALIDADE DOS SERVIÇOS PRESTADOS PELAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NO MUNICÍPIO DE TRÊS DE MAIO .................................. 19 Adriano Alberto Rambo Dinara Maldaner Hahn Mariane Tiecher Ms.Sandro Ergang MODELO CONTIGENCIAL NA GESTÃO EMPREENDEDORA DAS REDES DE COOPERAÇÃO .............................................................. 10 Jorge Antonio Rambo Janis Elisa Ruppenthal Mário Luiz Santos Evangelista PANORAMA DO TRANSPORTE DE CARGAS BRASILEIRO ........... 19 Felicita Maria Peiter Pablo Brum da Silva Tatiana Colatto Schapanski Cristiano Henrique Antonelli da Veiga EDUCAÇÃO ALGUNS DISCURSOS SOBRE A CONSTRUÇÃO DA CRIANÇAINFÂNCIA ........................................................................ 30 Elisabete Andrade A PROFISSIONALIZAÇÃO DO TRABALHO DOS FUNCIONÁRIOS DE ESCOLA: POSSIBILIDADES EM EDUCAÇÃO E GESTÃO DE PESSOAS...................... 36 Rúbia Emmel Renata Amélia Roos Vera Beatriz Pinto Zimmermann Weber SAÚDE AUTOCUIDADO E RISCOS OCUPACIONAIS: VISÃO DOS PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM .............................................. 43 Daniele Beatriz Reis Jane Lílian Ribeiro Brum GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA E A EVASÃO ESCOLAR PERCEPÇÕES E DIFICULDADES ................................................... 50 Juliane Alegranzzi Vera Beatriz Pinto Zimmermann Weber Mirian Herath Rascovetzki 2 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 O COTIDIANO DO FAMILIAR CUIDADOR DO PACIENTE EM DIÁLISE PERITONEAL DOMICILIAR1 .......................................................... 62 Luis Rafael Alfonço Paulo Alexandre Oliveira de Lima Vera Lucia Fortunato Fortes O PAPEL DO CUIDADOR NOS CUIDADOS AO INDIVÍDUO PORTADOR DA DOENÇA DE ALZHEIMER ......................................................... 69 Ademir de Freitas Magna Denis Hoffmann Rafael Marcelo Soder PERCEPÇÕES DE CASAIS COM INFERTILIDADE ......................... 76 Vanessa Taís Hünemeier Jane Lílian Ribeiro Brum TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO ESTUDO DE MELHORES PRÁTICAS DE GERENCIAMENTO DE PROJETOS E UTILIZAÇÃO EM EMPRESAS DA REGIÃO FRONTEIRA NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL...................... 84 Delson Liebert Elisandra Martinha Demboski Vera Lúcia Lorenset Benedetti PROPOSTA DE IMPLANTAÇÃO DE UMA FERRAMENTA DE GERENCIAMENTO ELETRÔNICO DE DOCUMENTOS PARA UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR ........................................... 91 Daniela Schmidt Pablo Miguel de Almeida Mucha Denis Valdir Benatti, Antônio Ternes 3 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 ANÁLISE DA QUALIDADE DOS SERVIÇOS PRESTADOS PELAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NO MUNICIPIO DE TRÊS DE MAIO ¹ Adriano Alberto Rambo ² Dinara Maldaner Hahn ³ Mariane Tiecher 4 Ms.Sandro Ergang 5 Sociedade Educacional Três de Maio was used for the achievement of the objectives of the research, that not only searched to identify the perception of quality concerning the banking services offered by institutions, but also to know the dimensions of the perceived quality that have greater importance to them. SERVQUAL tool that searches to measure existing GAPs of quality between the expectations and its perceptions in relation to services was used. It was verified that the institutions, although they present satisfactory performance, had not yet surpassed any of the expectations of the customers. From this research, financial institutions of the city can evaluate the preferences and expectations of its customers and improve its services in order to supply them. RESUMO O presente artigo visa analisar a qualidade percebida em serviços bancários, por meio da aplicação da escala SERVQUAL. A pesquisa foi realizada no município de Três de Maio, localizada no Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Foram comparadas as expectativas e percepções dos usuários das instituições financeiras. Uma amostra de 180 clientes foi utilizada para a consecução dos objetivos da pesquisa, que buscou não só identificar a percepção de qualidade acerca dos serviços bancários oferecidos pelas instituições, mas também conhecer as dimensões da qualidade percebida que têm maior importância para estes. Foi utilizada a ferramenta SERVQUAL que busca mensurar os GAPs de qualidade existentes entre as expectativas e suas percepções em relação aos serviços. Verificou-se que as instituições, apesar de apresentarem desempenho satisfatório, ainda não superaram nenhuma das expectativas dos seus usuários. A partir desta pesquisa, as instituições financeiras do município podem avaliar as preferências e expectativas de seus clientes e melhorar seus serviços a fim de suprir as mesmas. Keywords: SERVQUAL, quality and services INTRODUÇÃO As expectativas dos clientes são crenças a respeito da execução dos serviços que funcionam como padrões ou pontos de referência com relação aos quais o desempenho é julgado. Em razão dos clientes compararem suas percepções do desempenho com esses pontos de referência quando avaliam a qualidade dos serviços, o conhecimento completo sobre a expectativa dos clientes é fundamental para os profissionais. Palavras Chave: SERVQUAL, qualidade e serviços. ABSTRACT The present article aims to analyze the perceived quality in banking services, through the application of SERVQUAL scale. The research was done in Três de Maio, located in northwest region of the state of RS. Expectations and perceptions of the users of the financial institutions had been compared. A sample of 180 customers Conhecer o que o cliente espera é o primeiro e possivelmente o mais importante passo na prestação de um serviço de qualidade. Estar errado acerca do que os clientes querem pode significar a perda de um negócio com o cliente, bastando, para tanto, que a empresa concorrente acerte o alvo com exatidão. Estar errado pode também significar o desperdício de dinheiro, de tempo e 1- Acadêmico do Curso Bacharelado em Administração – [email protected]; 2- Acadêmica do Curso Bacharelado em Administração – [email protected] 3- Acadêmica do Curso Bacharelado em Administração – [email protected] 4- Professor Orientador 5- Avenida Santa Rosa, nº 2405, Três de Maio - RS 4 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 de outros recursos como coisas que são relevantes para o consumidor. Estar errado pode significar até mesmo a não-sobrevivência de um mercado de violenta concorrência. ou saúde), que é essencialmente intangível e dedicado, primordialmente, a quem compra. Ainda nessa linha de raciocínio, eles definem serviços como “um ato ou desempenho essencialmente intangível que uma parte pode oferecer a outra e que não resulte na posse de nenhum bem. Sua execução pode ou não estar ligada a um produto físico”. Dessa forma, a busca pela qualidade é uma condição imposta tanto pelo mercado quanto pela melhoria contínua da tecnologia, dos processos internos, das metas e valores da organização. Neste caso, a maior contribuição da aplicação do conceito moderno de qualidade é a busca em preencher a lacuna que existe entre os aspectos técnicos dos produtos e serviços e a capacidade de compreender e atender bem aos clientes. Os serviços aparecem como um diferencial característico da era do cliente, pois a intenção em oferecê-lo aliado ao produto é aumentar o valor percebido pelo consumidor. Os consumidores têm um período de avaliação mais difícil que no caso de bens de consumo, em parte pelo fato dos serviços serem intangíveis e nãopadronizados e em parte por haver uma íntima relação entre consumo e produção. Tais características levam as diferenças nos processos de avaliação dos consumidores acerca de bens e serviços em todos os estágios do processo de compra. Existem quatro categorias de comportamento do consumidor que correspondem a estágios do processo de compra: (1) busca de informação, (2) avaliação de alternativas, (3) compra e consumo e (4) avaliação pós-compra. A falta de compreensão de como os clientes avaliam e escolhem os serviços nestes quatro estágios fundamentais leva a uma lacuna de mercado que terá de ser preenchida pelos profissionais de marketing de serviços. Quando se fala em qualidade em serviços, tem-se um tema completo, necessitando de uma definição de cinco dimensões: confiabilidade, atendimento, segurança, empatia e tangibilidade. O conceito se baseia na diferença entre a expectativa de um cliente com relação ao serviço e sua percepção de como ele é prestado. Com isto, optouse pela aplicação de uma mensuração da qualidade dos serviços prestados pelas instituições financeiras, com a utilização do instrumento SERVQUAL. Para alcançar essa mensuração foram propostos os seguintes objetivos: identificar as expectativas dos usuários em relação aos serviços prestados pelas instituições financeiras; mensurar o serviço prestado atualmente pelas instituições financeiras; analisar se os serviços prestados estão de acordo com os serviços esperados pelas pessoas que usufruem destes. 2.2 Expectativas em Serviços 1. METODOLOGIA Pensando na execução dos serviços como peças de dramaturgia, pode-se tratar cada participante como tendo um papel na execução dos mesmos. O sucesso de toda prestação de serviços depende em parte de quão bem um “conjunto de papéis” ou de atores – tanto clientes como executores de serviços – desempenham seus papéis. Os executores de serviços devem fazê-lo de acordo com as expectativas dos clientes; senão os clientes podem ficar desapontados e frustrados. O papel do cliente também deve ser bem desempenhado. Se os clientes são informados e orientados acerca das expectativas e das prerrogativas dos serviços, e se o cliente coopera com o prestador de serviços, é muito provável que a prestação de serviço seja bem sucedida. A metodologia utilizada para a realização da pesquisa, quanto ao método de abordagem, foi utilizado o método dedutivo para se chegar às constatações mais particulares. No que se refere aos procedimentos, usouse os seguintes métodos: método bibliográfico e o método dedutivo. Já nas técnicas, foram adotadas a pesquisa bibliográfica e documental, e a pesquisa exploratória utilizando a ferramenta SERVQUAL, que consiste em um questionário formado por 22 questões, respondidas sobre dois aspectos (serviço percebido e serviço desejado), que resultam em 44 respostas. Quanto à população e à amostra, foi utilizada uma amostragem aleatória estratificada. Foram pesquisados 180 usuários e clientes das instituições financeiras do município de Três de Maio. A margem de erro utilizada nestas pesquisas foi de 7%; por isto, chegou-se a este número de entrevistados. 2.3 Qualidade dos Serviços Em serviço, a avaliação da qualidade surge ao longo do processo da prestação que geralmente ocorre no encontro entre um cliente e um funcionário da linha de frente. A satisfação do cliente com a qualidade do serviço pode ser definida pela comparação da percepção dos serviços prestados e com a expectativa do serviço desejado. 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 Conceitos de Serviços Conforme Kotler e Armstrong (1998), “serviços são atos, processos e performances”, como também todas as atividades econômicas cujo produto não é físico ou construído. O serviço é consumido na hora em que é produzido e provê valor agregado (em formas, como: conveniência, divertimento, economia de tempo, conforto A qualidade em serviços está diretamente ligada à satisfação com o serviço. Um cliente satisfeito com o serviço recebido o percebe como um serviço de qualidade. E, além de provavelmente 5 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 voltar a contratar o serviço ou indique a outras pessoas com as quais se relacione. A qualidade percebida é determinada pela diferença entre a qualidade esperada e a qualidade experimentada, ou seja, é a diferença entre as percepções e expectativas dos clientes (REIS,2001 p. 62 ). O presente estudo está baseado nas dimensões elencadas por Hoffmann (2003), visto que as mesmas se adaptam melhor aos serviços financeiros. A qualidade percebida pelo consumidor é o julgamento a respeito da excelência geral ou superioridade do fornecedor. O que os clientes fazem é, em resumo, comparar o serviço que recebem com o serviço que, segundo suas expectativas, deveriam receber. O julgamento na qualidade resultará do grau e da direção do afastamento (ou discrepância) entre as expectativas e o que efetivamente foi recebido do fornecedor. Para uma empresa prestadora de serviços ser bem sucedida, é necessário que ela saiba atender e, talvez exceder as expectativas dos clientes. Deve definir as expectativas do ponto de vista do cliente – e não do ponto de vista da própria empresa, ou seja, do ponto de vista de um funcionário, do gerente ou do presidente. 2.5 Satisfação dos Clientes O consumidor tem mais dificuldade de avaliar um serviço do que um produto. A percepção da qualidade do serviço resulta da comparação de que o consumidor faz entre as suas expectativas a respeito do serviço e o serviço recebido de fato. Assim, se um cliente julga ter recebido um serviço cuja qualidade supera as suas expectativas, ele considera ter recebido uma prestação de qualidade superior e se sente inclinado a utilizá-lo novamente ou recorrer à empresa que o prestou. Desse modo, é importante que a empresa se preocupe constantemente com a qualidade do serviço que presta, medindo-o por meio da percepção dos clientes. Quando se excede a expectativa, o serviço é percebido como de qualidade excepcional e também como uma agradável surpresa. Quando se confirmam as expectativas pela percepção do serviço, a qualidade é satisfatória. 2.4 Dimensões da qualidade do serviço 2.6 Serviços Bancários As dimensões da qualidade foram determinadas a partir de estudos de profissionais especialistas na área de marketing, após uma série de pesquisas em várias categorias de serviços, capitaneadas por Parasuraman, Zeithaml e Barry (1985). A pesquisa, segundo Hoffmann (2003), foi realizada através de um focus group, em doze seções diferentes, com o objetivo de identificar quais seriam os atributos chaves relevantes na opinião dos entrevistados para uma série de serviços dos quais Fitzsimmons (2003), identifica como: reparo de eletrodomésticos, serviços bancários, telefonia de longa distância, corretoras de títulos e companhias de cartão de crédito. O serviço bancário apresenta características tangíveis e intangíveis. Lovelock e Wright (2001) consideram que o grau de envolvimento do cliente é, muitas vezes, determinado mais pela tradição e por um desejo de conhecer pessoalmente o fornecedor de serviço do que pelas necessidades do processo operacional. O mesmo afirma que “nenhuma indústria de prestação de serviços parece mais interessada em estabelecer relações com os seus clientes do que a de serviços bancários”. Segundo ele, isso se deve ao crescente uso da tecnologia em transações financeiras que reduziu significativamente as oportunidades de contato entre os consumidores e a empresa, alterando as relações anteriormente conhecidas. Existem evidências que alguns clientes de banco estão rejeitando um relacionamento baseado em máquinas ou processos de auto-atendimento, preferindo o contato pessoal com que estavam habituados. Para melhor entendimento, apresenta-se a seguir um quadro com uma síntese das consultas a algumas bibliografias citadas neste estudo e que serão exploradas na seqüência, na tentativa de elucidar esta tendência e apresentar alguns resultados já pesquisados, usados em investigações anteriores ao presente estudo. Hoffman (2003) - Tangíveis - Confiabilidade - Atendimento - Segurança - Empatia Fitzsimmons (2005) - Tangíveis - Confiabilidade - Responsabilidade - Segurança - Empatia Churchill (2000) - Tangíveis - Confiabilidade - Responsabilidade - Garantia - Empatia Las Casas (2002) - Tangíveis - Confiabilidade - Responsividade - Autoconfiança - Empatia 2.7 SERVQUAL Kotler (1998) - Tangíveis - Confiabilidade - Responsabilidade - Segurança - Empatia Zeithmal (2003) - Tangíveis - Confiabilidade - Responsividade - Segurança - Empatia SERVQUAL é um método empírico derivado que pode ser usado por uma organização de serviços para melhorar a qualidade dos mesmos. O método envolve o desenvolvimento de uma compreensão das necessidades percebidas do serviço de clientes alvo. Essas percepções medidas da qualidade do serviço para a organização na pergunta são comparadas, então, de encontro a uma organização que seja “excelente”. A análise resultante da abertura pode então ser usada como um fator causando a melhoria de qualidade do serviço. Figura 1: Coletânea das definições de Dimensões da Qualidade 6 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO A ferramenta SERVQUAL é composta de duas seções: uma de 22 itens, que registra as expectativas do cliente de empresas excelentes na indústria de serviço; outra também de 22 itens que mede as percepções do cliente de determinada empresa daquela indústria de serviço. Os resultados das duas seções são comparados para se chegar às “pontuações da lacuna” em cada uma das cinco dimensões. Foram aplicados 180 questionários para as mais diversas segmentações de mercado, onde 52% dos entrevistados são do sexo masculino e 48% do sexo feminino. A maioria dos entrevistados, totalizando 66 pessoas, está na faixa etária dos 18 aos 27 anos. A pesquisa foi aplicada em pontos estratégicos do município de Três de Maio, visando buscar público urbano e rural. Porém, como foi aplicada na cidade, houve uma maior incidência de usuários urbanos, abrangendo 64% do total. Cada questão é classificada por uma escala de 1 a 7 pontos, onde variam de acordo com o nível de satisfação/concordância do consumidor. É, portanto, uma ferramenta que utiliza uma escala de pontuações (escores) para mensurar a diferença entre as expectativas dos clientes e suas percepções em relação ao serviço oferecido. Para análise dos dados, dividiram-se as questões por dimensões (atendimento, tangibilidade, segurança, confiabilidade e empatia) e calculado as médias dos serviços prestados e dos serviços desejados. Com estas médias, obteve-se o GAP de cada questão, que significa a diferença entre o serviço prestado e o serviço desejado. Através da média dos GAPs, obteve-se a média das dimensões, analisando assim de forma mais segmentada as questões. Do resultado obtido, são comparadas as duas colunas (serviço desejado e serviço percebido), calculando-se a diferença para encontrar o GAP ou lacuna, quanto maior a lacuna, mais distantes são as percepções do cliente em relação as suas expectativas, e mais baixa a avaliação da qualidade do serviço. Em oposição, quanto menor a lacuna, mais alta é essa avaliação. GAP na teoria SERVQUAL representa a diferença entre o que o cliente deseja e o que ele efetivamente percebe em relação aos serviços. Dimensões Questionário ATENDIMENTO Dimensões GAP 0,71 Média (S. D.) GAP Média (S. O.) Qtão 6 A instituição trata os problemas dos seus clientes com interesse. P 6,54 0,64 5,91 10 Os funcionários da instituição financeira oferecem informações precisas. P 6,53 0,55 5,98 13 Os empregados da instituição financeira nunca estão ocupados demais para responder as P 6,46 0,94 5,52 TANGIVEIS EMPATIA SEGURANÇA CONFIABILIDADE dúvidas dos clientes 5 Dimensões 0,49 0,44 0,48 0,62 5 A instituição cumpre os prazos com os quais se compromete. C 6,58 0,62 5,97 7 A instituição realiza o serviço de forma correta na 1º vez. C 6,51 0,73 5,78 9 A institução financeira insiste em realizar os serviços livres de erros. C 6,42 0,37 6,04 16 Os funcionários da instituição têm conhecimento para esclarecer as dúvidas dos clientes. C 6,59 0,36 6,23 17 O comportamento dos funcionários da instituição financeira inspira confiança nos clientes. C 6,56 0,38 6,17 8 O(s) vigilante(s) da instituição zela pela segurança e está sempre atento. S 6,64 0,66 5,99 14 A instituição possui transações e serviços confiáveis S 6,53 0,32 6,21 21 A movimentação de numerários da instituição é de forma cautelosa e segura. S 6,54 0,34 6,20 11 A instituição atende prontamente às dúvidas e consultas de seus clientes. E 6,57 0,52 6,05 12 A instituição possui funcionários dispostos a ajudar. E 6,60 0,53 6,07 15 Os funcionários da instit. são realmente atenciosos, simpáticos e educados com os clientes E 6,63 0,57 6,06 18 A instituição financeira oferece atenção individual a seus clientes. E 6,43 0,36 6,08 20 A instituição tem funcionários que dedicam atenção individual a seus clientes E 6,57 0,53 6,04 22 Os funcionários da instituição financeira compreendem as necessidades dos clientes. E 6,48 0,38 6,10 1 A instituição financeira possui equipamentos de última geração e com um visual moderno. T 6,56 0,52 6,04 2 A instituição financeira tem instalações físicas visualmente atraentes. T 6,43 0,34 6,09 3 A instituição financeira têm funcionários com boa aparência. T 6,53 0,41 6,12 4 A instituição financeira possui recursos de auto atendimento fáceis de utilizar. T 6,57 0,84 5,73 19 A instituição opera em horários convenientes a seus clientes. T 6,59 1,02 5,58 6,54 0,54 6,00 0,55 Figura 2: Cálculo das dimensões da qualidade 7 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 3.1 Alfa de Cronbach Após o levantamento da pontuação das questões e seus respectivos GAPs, analisou-se a diferença entre as expectativas de seus usuários e como este serviço é oferecido. As questões que apresentam uma pontuação menor que a média geral, possuem um GAP melhor, ou seja, melhora a percepção dos usuários em relação aos serviços prestados. O coeficiente alfa de Cronbach foi desenvolvido para calcular a confiabilidade e a correta interpretação de um teste naquelas situações em que o pesquisador não tem a oportunidade de fazer outra entrevista com o indivíduo; contudo, precisa obter uma estimativa apropriada da magnitude do erro da medida. Os itens aos quais se encontram em amarelo no quadro anterior estão relativamente deficitários, necessitando de acompanhamento para obtenção de um melhor resultado. Os itens na cor vermelha estão bem deficitários e necessitam de uma ação imediata. Analisando este quadro de forma geral, a maioria dos itens pesquisados está de acordo com as expectativas dos usuários dos serviços financeiros. A interpretação do alfa de Cronbach, todavia, está relacionada à interpretação que é dada para as estimativas de confiabilidade baseadas no método splithalf. Isso porque o alfa é uma média de todos os coeficientes split-half para um dado instrumento. Em geral, escalas com valor do alfa menor do que 0,70 são evitadas. Por outro lado, o valor de alfa aumenta com o número de questões da escala; assim, escalas com vinte questões freqüentemente apresentam valores de alfa próximo de 0,90 (Streiner, 1993). Valores de alfa altos, no entanto, são necessários, mas não suficientes, uma vez que é uma estimativa “otimista” da confiabilidade (Streiner, 1993). Dimensão Serviço Desejado 0,9022 0,9227 Serviço Oferecido 0,8833 0,9039 Segurança Atendimento 0,8991 0,8556 0,7563 0,8602 Empatia 0,9623 0,9254 Tangibilidade Confiabilidade Figura 4: Alfa de Cronbach 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Figura 3: Serviço Desejado X Serviço Percebido. A partir das análises dos dados coletados nas entrevistas e do cruzamento das respostas obtidas, verificou-se que a qualidade dos serviços prestados pelas instituições financeiras no município de Três de Maio está em parte sendo atendida. A figura 3 apresenta o comportamento dos GAP’s encontrados entre o serviço desejado e o serviço oferecido. Quanto mais próximos se encontram os pontos, menor é o GAP; conseqüentemente, maior é o alinhamento da expectativa e da percepção. Quanto mais afastados estão os pontos, maior é a deficiência do serviço percebido com o desejado. Serviço Desejado X Serviço Percebido. Na busca das respostas aos objetivos propostos, aplicou-se a pesquisa SERVQUAL, onde o foco foi identificar as expectativas quanto aos serviços, mensurar com o serviço prestado e analisar se o mesmo está de acordo com o que se espera pelos seus usuários. Os mesmos se encontram respondidos nos resultados da pesquisa. Destaca-se em especiais as questões 4, 13 e 19 (em círculo vermelho na Figura 3). A questão 4 se refere aos serviços de auto-atendimento, que, na visão dos entrevistados, são de difícil utilização. A questão 13 se refere à ocupação demasiada dos funcionários das instituições financeiras e a questão 19 se refere à pouca flexibilidade nos horários de funcionamento das instituições. Estas questões devem ser revistas pelas instituições e elaborada alguma ação neste sentido. A avaliação da qualidade para o serviço oferecido pelas instituições trouxe evidências de que os respondentes reconhecem os esforços na atualização tecnológica e nos investimentos realizados pelas instituições em busca de modernização. As variáveis mais importantes das expectativas dos usuários, no entanto, concentram-se naquelas que envolvem aspectos de atendimento e tangíveis. Esta figura revela que existem mais pontos positivos que negativos. Têm-se três questões em que o serviço percebido se aproxima bastante do desejado (círculos em verde na Figura 3). Estas questões se referem à confiabilidade dos serviços financeiros e à excelente aparência das instituições do município. Questões relativas à disposição dos funcionários em auxiliar e aos horários convenientes aos mesmos formam os quesitos de maior destaque negativo. 8 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS Comparando as escalas de expectativa e percepção, verificou-se que as instituições, apesar de apresentar desempenho satisfatório, ainda não superaram nenhuma das expectativas. Dados mostram o quanto as expectativas dos usuários são altas para o setor de serviços. CHURCHILL JR.,Giblbert A. Marketing: Criando valor para os clientes. São Paulo: Saraiva, 2000. FITZSIMMONS, James; FITZSIMMONS, Mona. A administração de serviços: operações, estratégias e tecnologia da informação. 4º ed. Artmed Editora S.A., Porto Alegre, 2005. HOFFMANN, Douglas K., BATESON, John E.G., Princípios de Marketing de Serviços, conceitos, estratégias e casos, Tradução da 2º edição, Ed. Pioneira Thomson Learning, São Paulo, 2003. KOTLER, P. & ARMSTRONG, G. Princípios de marketing. Rio de Janeiro: Ed. Prentice Hall do Brasil, 1998, 7ª ed. LAS CASAS, Alexandre Luzzi. Marketing: conceitos, exercícios, casos. 3º ed. São Paulo: Atlas, 2002. LOVELOCK, C.; WRIGHT, L. Serviços: Marketing e Gestão. São Paulo: Saraiva, 2001. PARASURAMAN, A., ZEITHAML,V., BERRY, L. SERVQUAL: A Multiple-item Scale for mensuring Consumer perceptions of Service Quality. Journal of Retailing. Spring 1988; Vol 64. STREINER, D. L. A checklist for evaluating the usefulness of rating scales. Canadian Journal of Psychiatry, 1993. ZEITHAML, Valarie A., BITNER Mary Jo. Marketing de serviços: a empresa com foco no cliente. 2º ed. São Paulo: Bookman, 2003. Analisando as características dos respondentes, pessoas economicamente ativas, que valorizam a economia do tempo, permitem compreender a razão da formação de um grau tão elevado de expectativas. Estas pessoas consideram que os funcionários das instituições financeiras têm capacidade para solucionar os seus problemas e atender as suas necessidades. Além disso, a publicidade cria nelas o sentimento de que receberão um atendimento mais do que especial. As variáveis mais importantes para a escala de percepção revelam que o usuário considera o comportamento dos funcionários digno de sua confiança, porque estes demonstram conhecimento técnico para responder as suas dúvidas. No entanto, os pontos mais críticos da percepção indicam que estes mesmos funcionários parecem estar ocupados demais para dedicar-lhe atenção especial. Outro aspecto em ênfase foi o de as instituições financeiras oferecerem um horário mais conveniente. Sabe-se que quanto a este item não existem muitas possibilidades de mudança, pois as mesmas respondem a normas e ordens provenientes do Banco Central do Brasil. A segurança das instituições foi um dos itens que se destacou quanto à percepção e expectativa. Ela pode ser traduzida por a instituição possuir transações e serviços confiáveis e pela movimentação de numerários ser de forma cautelosa e segura. A tangibilidade foi outra dimensão importante. A atualização tecnológica é apontada como importante além de ser básica; portanto, é menos perceptivo aos olhos do público entrevistado. Já as variáveis relativas às modernidades dos equipamentos e à beleza das instalações físicas são consideradas muito satisfatórias. Sabendo que os clientes demandam por uma maior atenção individual, passa a ser fundamental que os processos sejam revistos, de modo a identificar se está acontecendo ou não uma sobrecarga de trabalho para os funcionários que trabalham diretamente com os clientes. Caso seja confirmada essa escassez de tempo, seria interessante rever o quadro de funcionários. Por outro lado, é imprescindível que a forma como os usuários são abordados seja revista, na intenção de passar a imagem de maior comprometimento com os problemas de cada cliente. 9 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 MODELO CONTINGENCIAL NA GESTÃO EMPREENDEDORA DAS REDES DE COOPERAÇÃO Jorge Antonio Rambo1 Janis Elisa Ruppenthal2 Mário Luiz Santos Evangelista3 SETREM4 ABSTRACT RESUMO A globalização de mercados e a crescente competitividade entre as organizações exigem o aumento de produtividade das mesmas. As pequenas e médias empresas apresentam algumas deficiências no aspecto tecnológico e gerencial e precisam criar mecanismos de fortalecimento para sua inserção no mercado. As mudanças da sociedade, por outro lado, exigem que as organizações disponham de pessoas com habilidades diferenciadas, comportamento e perfil empreendedor para gerir com competência e qualidade. Para superar as dificuldades, as empresa, estão se organizando em forma de redes de cooperação ou arranjos produtivos. A pesquisa utilizou o método qualitativo, através de pesquisa semi-estruturada com os principais líderes de uma rede, buscou identificar as características dos gestores da Rede AGIVEST que atua na Região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Concluiu-se que dentre as características presentes, o empreendedorismo e associativismo precisam ser desenvolvidos e propõe-se um modelo contingencial de gestão empreendedora das redes de cooperação que considera as características gerenciais do mercado, da organização e dos colaboradores para, através do empreendedorismo, de forma cooperativa e integrada gerir as áreas vitais de sua gestão: negociação, expansão, marketing e inovação. The globalization of markets and the increasing competitiveness between the organizations demand the increase of productivity of the same ones. The small and the average companies present some deficiencies in the technological and management aspect and need to create mechanisms of strengthen for their insertion in the market. The changes of the society, on the other hand, demand that the organizations make use of people with differentiated abilities, behavior and enterprising profile to manage with ability and quality. To surpass the difficulties the companies are organizing in form of networks of cooperation or productive arrangements. The research used the qualitative method, through semistructuralized research with the main leaders of a network, searched to identify the characteristics of the managers of Network AGIVEST that acts in the Northwest Region of the State of Rio Grande do Sul. It was concluded that among the characteristics gifts, the entrepreneurship and association need to be developed and consider a contingency model of enterprising management of the networks of cooperation that considers the management characteristics of the market, the organization and the collaborators for, through the entrepreneurship, of cooperative and integrated form to manage the vital areas of its management: negotiation, expansion, marketing and innovation. Palavras-chave: Redes de cooperação, gestão, contingencial, empreendedorismo. Keywords: Networks cooperation; Management, Contingency model, Entrepreneurship. 1 Administrador; Mestre em Engenharia de Produção pela UFSM; Professor da Faculdade Três de Maio; Coordenador do Programa de Pós-Graduação e Pesquisa da SETREM – E-mail: [email protected] 2 Engenheiro agrônomo; Doutor em Engenharia de Produção pela UFSC; Professor da UNIJUI e Faculdade Três de Maio e pesquisador da SETREM; E-mail: [email protected] 3 Doutora em Engenharia de Produção pela UFSC. Professora do Mestrado em Engenharia de Produção – PPGEP da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM – E-mail: [email protected] 4 Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM – Avenida Santa Rosa, 2405 Três de Maio RS - E-mail: [email protected] 10 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 1. INTRODUÇÃO O cenário mundial vive tempo de mudanças e transformações de toda a ordem. A globalização social, política e, principalmente, econômica leva as organizações a refletirem sobre seu papel e rever suas estratégias de mercado. O acelerado ritmo das mudanças ocorridas na sociedade, o desenvolvimento tecnológico e a globalização dos mercados têm impulsionado a competitividade entre as organizações, exigindo aumentos de produtividade. A quantidade de pequenas e médias empresas no mercado demonstra o seu potencial, contribuindo para o desenvolvimento econômico da nação, estado e região de atuação, especialmente na geração de empregos e renda e no equilíbrio econômico, uma vez que elas possuem maior flexibilidade para inovações. que, muitas vezes, seus processos são obsoletos, não possuem pessoas suficientemente competentes e seus produtos não estão de acordo com os interesses e expectativas dos clientes. A cada dia cresce o número de pequenas e médias empresas que, para se manterem competitivas no mercado, organizam-se em forma de redes. Para a sobrevivência dessas redes é necessário que seus dirigentes apresentem ou desenvolvam um perfil adequado, que inclua as características e habilidades peculiares a um gestor empreendedor, integrado com outras organizações e um modelo de gestão empreendedora que considere as condições do ambiente mercadológico, as características da organização, as gerenciais e de seus colaboradores. 2. METODOLOGIA As pequenas e médias empresas enfrentam problemas que incluem a pequena escala de compras e produção, o menor volume de vendas e barreiras de mercado, resultando em uma alta taxa de mortalidade, especialmente em seus primeiros anos de vida. As organizações estão cada vez mais dependentes de knowhow e tecnologia, que têm um custo elevado, pois a competição global, segundo Casarotto (2001), é muito mais hoje uma competição entre os sistemas locais de produção, ocorrendo de forma aberta e sem protecionismos estatais. O estudo foi realizado na Rede AGIVEST Associação Gaúcha da Indústria do Vestuário, integrante do programa Redes de Cooperação da Secretaria de Desenvolvimento e Assuntos Internacionais – SEDAI do Estado do Rio Grande do Sul no ramo do vestuário. Inicialmente foi realizada a revisão bibliográfica para um maior entendimento quanto aos temas abordados e modelos a serem propostos. Normalmente a empresa de menor porte é mais ágil e flexível, mas apresenta restrições em itens fundamentais para o mercado como marketing, logística e marca. Mesmo que ela possua um excelente mercado local, estará sujeita a sofrer pressões da concorrência, principalmente de grandes empresas multinacionais. A abordagem adotada foi a qualitativa, pois envolve questões subjetivas aplicada através de entrevista semiestruturada no período, realizada com a diretoria da Rede AGIVEST, envolvendo o presidente, vice-presidente e secretário, além de observação “in loco” e contatos com associados da rede mencionada. A escolha recaiu sobre essa rede porque está consolidada no mercado com muitos anos de tradição e por se tratar de um setor cujo mercado está em constante mudança. A globalização dos mercados força as empresas a repensarem suas práticas. Quem não se der conta da conectividade atual perde oportunidades e corre o risco de ficar à margem do mercado. Para superar essas dificuldades, as empresas, por iniciativa própria ou por influência de instituições de ensino e de programas governamentais, vêm se organizando em forma de redes de cooperação, arranjos produtivos ou clusters. Após a coleta das informações, passou-se à análise e estruturação dos resultados, dando ordenamento e vínculo com os aspectos teóricos envolvidos. Após a interpretação das teorias e fatos pesquisados, efetuouse um comparativo com a teoria abordada e posterior síntese dos aspectos abordados. Por outro lado, as mudanças da sociedade moderna, que acontecem com uma velocidade superior às demais épocas, exigem das pessoas comportamentos e habilidades diferenciadas para serem eficazes no desempenho das suas funções. O indivíduo precisa ser preparado para as mudanças do mundo contemporâneo. Contudo, as dificuldades e os problemas gerados pelas constantes transformações podem impedir a construção do desenvolvimento e deixar as empresas em dificuldade para fazer frente às novas demandas e exigências do mercado. É importante conhecer as habilidades e características do empreendedor, mas torna-se relevante estudar também as principais causas que levam muitas empresas ao fracasso. As empresas não se dão conta 3. REFERENCIAL TEÓRICO 3.1 Redes de empreendedorismo Cooperação e A necessidade de desverticalização dos ciclos de produção rompendo com o modelo fordista criou um vasto espaço para o ingresso das pequenas e médias empresas no mercado. Tavares (2000), afirma que algumas organizações estão na sociedade do conhecimento, enquanto outras ainda estão no setor de transformação da revolução industrial. Cada uma possui uma concepção de gestão estratégica. 11 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 A estratégia exige uma continuidade de ações, requer investimentos que possam diferenciar a organização no mercado. Aquele que estiver preocupado apenas com o curto prazo dificilmente utilizará estratégias consistentes. Na realidade, algumas organizações, especialmente de pequeno porte, não conseguem ter acesso ao conhecimento administrativo que, às vezes, fica restrito ao meio acadêmico, faltando informações qualificadas às empresas, especialmente às de pequeno porte, para gerir seu negócio. O que acontece com muitas pequenas empresas é que, desconhecendo novas propostas de gestão de negócios, preferem operar empiricamente, repetindo aquilo que já deu certo no passado, processando uma administração de tentativa e erro. Suas estratégias estão baseadas nas circunstâncias do momento numa postura plenamente reativa, não procurando elaborar um planejamento estratégico ou utilizar-se de um posicionamento pró-ativo. Apesar das mudanças ocorridas no mercado globalizado, algumas empresas operam em modelos superados, não contando com um planejamento estratégico, sem controles confiáveis, utilizando-se de metodologia e tecnologia obsoletas. Dolabela (1999) cita que até 1970 as grandes empresas eram consideradas como responsáveis pelo desenvolvimento econômico do país. A partir da década de 80, especialmente em função da globalização e utilização de tecnologia, o papel das pequenas e médias empresas passou a ocupar lugar de destaque, passando de espectador para agente de desenvolvimento socioeconômico do Brasil. Diante dessa nova realidade, torna-se importante descobrir novas ferramentas de gestão que podem auxiliar a encontrar soluções, levando as empresas a se darem conta da necessidade de modificar sua estrutura administrativa e estratégias para a manutenção ou crescimento no mercado. A pequena empresa se encontra inserida dentro de um contexto macro e as mudanças são inevitáveis. Aquelas que não se adaptarem à nova realidade podem perder mercado e sucumbir. Casarotto (2001) salienta que as pequenas empresas podem se beneficiar com a escala de marca regional, escala de produção, escala de tecnologia, escala de logística e de sua vocação e região para se tornarem competitivas. Ainda de acordo com Casarotto (2001), existem elementos de descontinuidade a serem considerados no futuro, pois a globalização não é tanto correspondente à capacidade de concorrer individualmente, mas é uma competição entre sistemas locais. Conforme Hamel & Prahalad (1995), a formação de redes interempresariais baseadas na parceria, na colaboração, na associação e complementaridade entre as organizações, parte do princípio de que, no ambiente atual dos negócios, nenhuma empresa, seja ela pequena, média ou grande, é independente e auto-suficiente. De acordo com Teixeira (2005), por causa da interconectividade da rede, as ações locais podem ter ressonância global, sendo que as relações entre essas dinâmicas depende de sua estrutura. Pesquisa realizada pelo SEBRAE em micro e pequenas empresas que trabalham de forma associativa no Projeto Empreender demonstra que de 4.082 empresas pesquisadas 41% tiveram aumento de faturamento, 81% no gerenciamento, 67% em clientes e 42% de produtividade. A pesquisa foi realizada no ano de 1999 em 840 municípios brasileiros. As redes podem apresentar-se sob os mais variados aspectos, desde os de mínimo impacto, até os clusters com alta competitividade, atuantes inclusive no mercado externo. O conceito de empreendedorismo vem sendo difundido no Brasil a partir da década de 90, mas em outros países, como os Estados Unidos, esse conceito é estudado há várias décadas. No caso do Brasil, a importância crescente das pequenas empresas e o que elas representam, tornou o termo empreendedorismo alvo de estudo quase obrigatório, especialmente diante da alta taxa de mortalidade que esse segmento apresenta e a necessidade dos órgãos representativos dedicarem importância ao estudo. No final da década de 90 foram criados alguns programas específicos voltados ao empreendedorismo, com objetivo de capacitar novos empreendedores, elaborar planos de negócios e facilitar de alguma forma o acesso das pequenas empresas aos programas de crédito. O Brasil ocupa papel de destaque entre as nações com maiores índices de empreendedorismo, porém muitos desses empreendimentos são concebidos e gerenciados de forma empírica e sem a utilização de ferramentas adequadas de gestão. A maior diferença entre o empreendedor de hoje e o de algumas décadas é o volume de informações disponíveis e acessíveis em tempo real. A Internet permite obter informações sem sair de casa. No entanto, está mais difícil preservar a exclusividade, uma vez que o conhecimento se reproduz com maior rapidez, encurtando o ciclo de vida dos produtos. Lezana (1999) afirma que a atividade empreendedora não é arriscada, mas se torna assim porque muitos empreendedores ignoram a essência da vida empresarial e violam regras elementares. 12 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 Para Dornelas (2001) o empreendedor é aquele que faz as coisas acontecerem, antecipa-se aos fatos e tem uma visão futura da organização. Ele afirma também que “sorte é o encontro da competência com a oportunidade”. Dornelas (2001) acentua que o empreendedor é aquele que destrói a ordem econômica existente pela introdução de novos produtos e serviços, pela criação de novas formas de organização ou pela exploração de novos produtos. A necessidade de autonomia e liberdade faz com que as pessoas que possuem essas características empreendedoras sintam a necessidade de auto-afirmarse, vencendo obstáculos para alcançar seu sucesso e conquistar seu espaço, seja através de seu próprio empreendimento ou desempenhando um papel de destaque nas organizações onde atua. De acordo com Dolabela (1999), o empreendedorismo é um fenômeno cultural, ou seja, é fruto dos hábitos, práticas e valores das pessoas. Na verdade, aprende-se a ser empreendedor pela convivência com outros empreendedores. 3.2 Gestão das Redes de Cooperação De acordo com Teixeira (2005) um plano de construção e processo de formação de uma rede deve conter as seguintes etapas: a) Objetivos e metas: Uma rede eficaz depende de objetivos bem definidos, levando-se em conta a natureza da rede onde os objetivos estejam centrados na soma e harmonização de interesse das empresas envolvidas. b) Sensibilização: A construção de uma rede depende de duas condições: - entendimento dos objetivos, interesses e necessidades dos integrantes; - motivação dos envolvidos, fruto da conscientização da importância e vantagens advindas e da relação do ganha-ganha percebida. c) Visão e agenda: A visão consiste em vislumbrar cenários atuais e futuros e estabelecer ações a serem desenvolvidas. É importante compatibilizar interesses, evitando eventuais desgastes ou confrontos. d) Desenho organizacional: A configuração da forma de organização de redes pode variar desde as mais simples até as mais complexas e envolventes. A definição da forma de cada uma depende do consenso das empresas envolvidas e sua gestão. A flexibilidade de uma rede deve ser suficiente para saber administrar possíveis saídas de cooperados bem como a entrada de novos membros. e) Desenho informacional: A tecnologia da informação deve oferecer infra-estrutura para a integração de sistemas, processos e serviços. No processo de formação de uma rede é importante seguir alguns passos como: definição do objetivo comum, realização de assembléia geral com os interessados, elaboração de um estatuto social, regulamento interno e código de ética, registro no cartório de pessoas jurídicas, legalização da documentação perante os órgãos públicos, eleição de uma diretoria e fixação da taxa de contribuição de cada associado para custear as despesas da gestão da entidade. 3.3 Abordagem contingencial da Administração De acordo com Montana (2003), a visão contingencial enfatiza que não há nada de absoluto e o ambiente administrativo sofre influências do meio onde está inserido, das pessoas que compõem o ambiente e da tecnologia. A teoria da contingência na administração, segundo Motta (2002), destaca que não existe “best way”, isto é, um só caminho, mas várias maneiras para se atingir os mesmos objetivos. Lacombe (2003) apud Woodward afirma que não existe uma única forma de se organizar um negócio. Os critérios para determinar a estrutura estão baseados na extensão em que ela facilita ao alcance dos objetivos da Organização. Ferreira (1999) comenta que a abordagem contingencial surgiu como resultado de uma série de pesquisas que estudaram a relação da empresa no seu ambiente. Seu objetivo era aplicar os conceitos das principais escolas da administração em situações gerenciais concretas. Ao verificar que métodos eficientes em determinadas situações não obtinham o mesmo resultado em outras, os precursores da Teoria Contingencial tentaram encontrar justificativas para esses resultados divergentes. A conclusão, após várias pesquisas, era de que os resultados não eram os mesmos porque as situações eram diferentes. Robbins (2000) cita que as Organizações são estruturadas exatamente da mesma forma. Mesmo empresas de tamanho comparáveis não possuem estruturas semelhantes. O que funciona numa Organização pode não funcionar na outra. Segundo Caravantes (1998) o grande mérito da abordagem contingencial foi fazer com que a gerência, normalmente concentrada nos problemas internos da Organização, volte seus olhos para o ambiente que a cerca. 13 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 Por sua vez, Daft (1999) diz que, segundo a teoria da contingência, nenhuma das visões é entendida de forma completamente correta. Ao contrário, certas variáveis existem para auxiliar os administradores a identificar e compreender as situações. Andrade (2007) enfatiza que a estrutura organizacional pode sofrer mudanças em decorrência dos fatores: ambiente externo, tecnologia e tamanho. Robbins (2000) refere que a maior força motriz da reestruturação das empresas é o aumento da incerteza ambiental. Lacombe (2003) apud Peter Drucker considera que a melhor estrutura é a mais simples possível. O que torna uma estrutura “boa” são os problemas que ela não cria. Quanto mais simples for a estrutura, menos coisas sairão erradas. Ainda Andrade (2007) cita que a otimização da estrutura, compreendendo a organização formal e informal, varia de acordo com determinados fatores denominados circunstanciais. 4. DISCUSSÃO E APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA Realizou-se a pesquisa com a diretoria da Rede AGIVEST, recaindo a sobre essa rede porque está consolidada no mercado, com muitos anos de tradição e por tratar-se de um setor cujo mercado está em constante mudança. A seguir são apresentados os resultados das entrevistas, abordando assuntos relevantes sobre o tema. 4.1 Características da Rede Referente às características e particularidades da rede foi enfatizado pelos diretores de que a rede é composta por pequenas empresas, com média de seis funcionários, atuando no ramo da indústria do vestuário, englobando produtos de moda, esportivos e malharias e localizadas em cidades próximas. A diretoria da rede é composta pela presidente, vice-presidente, primeiro secretário e segundo secretário, primeiro e segundo tesoureiros. Possui, além de seu conselho de administração, o conselho fiscal e o conselho de ética. Para uma melhor organização do trabalho a rede formou equipes que têm funções específicas, sendo elas: marketing, expansão e novas tecnologias, contando com estilistas e designers que ajudam as empresas da rede na criação de novos modelos. A rede possui um escritório regional na cidade de Ijuí, onde a secretária executiva exerce suas atividades de ligação entre os membros da rede e com seus clientes. Ela é responsável pelo recebimento dos pedidos e despacho das mercadorias. Outro ponto importante é de que todas as grandes decisões são tomadas pela assembléia geral, baseadas no estatuto, regimento interno e código de ética para resolver os problemas mais difíceis ou questões de controvérsia entre os associados. 4.2 Estímulo ao empreendedorismo Na entrevista foi abordada a questão de como a rede estimula o associado a desenvolver suas características empreendedoras como: criatividade, autoconfiança, inovação, iniciativa, aprendizagem e comprometimento. Dentre as atividades desenvolvidas pela rede está a participação dos associados nos encontros regionais, estaduais e nacionais, cursos específicos para o desenvolvimento do empreendedorismo e palestras com profissionais capacitados na área. 4.3 Qualidades pessoais dos gestores da rede Outro questionamento versava sobre as qualidades pessoais que são consideradas indispensáveis para um gestor (diretor) de uma rede. As respostas foram variadas, citando-se entre elas: carisma, competência, democracia, visão estratégica, responsabilidade, otimismo, confiança, comprometimento, cooperação, negociação, flexibilidade, empreendedorismo, dinamicidade. 4.4 Expansão da Rede O tema da entrevista passou a maneira como acontece a expansão da rede e a entrada de novos associados. Segundo esclarecimentos dos diretores, foram estabelecidos alguns critérios que levam em conta a tradição no mercado, o tipo de processo e tecnologia utilizado, faturamento, número de empregados e outros. Foi formada uma equipe de trabalho encarregada de estudar a expansão da rede. As empresas interessadas em ingressar na rede fazem o pedido para entrar e daí, são visitadas pelos membros dessa equipe de trabalho que elabora o perfil, observando alguns itens técnicos como: faturamento, número de empregados, equipamentos, tecnologia, produtos, mercado. Quando uma empresa entra na rede, ela recebe um prazo de carência da mensalidade. O valor da mensalidade fica em torno de R$ 200,00, mas, o associado que participa da reunião mensal tem desconto de R$ 100,00. Tem meses em que acontecem mais reuniões e o associado recebe desconto total da contribuição mensal como forma de incentivo à participação de todos os associados nas reuniões. 4.5 O papel do marketing na rede A diretoria enfatizou que o trabalho da comissão de marketing é a elaboração das principais estratégias e atividades dessa área na rede. Como a rede é composta por empresas que trabalham várias linhas de produto dentro da indústria do vestuário foram formados três subgrupos para análises setoriais de marketing. As áreas que compõem os setores são: moda e social, linha esportiva e malharias porque cada uma dessas linhas 14 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 tem características próprias e por isso precisam estudar estratégias para cada uma. formada por equipes de trabalho para as atividades-chave e subgrupos organizados para os diversos segmentos da indústria do vestuário. 4.6 A negociação na Rede A negociação é feita pela diretoria, assessorada diretamente pela secretária executiva, responsável pelo contato com clientes e fornecedores. As empresas mantêm representantes (vendedores) em comum. Às vezes acontecem negociações conjuntas com fornecedores, procedimento não muito freqüente porque os tipos de matéria-prima que as indústrias utilizam são os mais diversos; mas no caso de empresas que têm algumas linhas similares como, por exemplo, a compra de determinado tipo de fio ou linha, quando a negociação é feita de forma conjunta com o fornecedor, cada associado vê suas necessidades e o pedido é feito em escala distribuindo a mercadoria entre os associados interessados, mas sai uma nota fiscal para cada empresa. A diretoria dessa rede está ciente das limitações e dificuldades que se apresentam, tais como a exigência de resultados imediatistas de alguns associados que, quando não conseguem ver soluções palpáveis no curto prazo, desligam-se da rede. É interessante perceber que o empreendedorismo é um tema novo que, aos poucos, começa a despertar na rede com ações tímidas e isoladas. A rede, através de cursos, palestras e eventos oportuniza a seus associados e funcionários o desenvolvimento pessoal e profissional, habilitando para o desempenho de suas atividades com maior competência, qualificando as ações administrativas e dando maior competitividade às empresas e à rede. 4.10 Proposição de um modelo de gestão de redes de cooperação 4.7 A Rede e a inovação Quanto à importância das práticas de inovação adotadas pela rede, seus diretores ressaltaram o apoio técnico que vêm recebendo de órgãos como SEDAI e o escritório regional do SEBRAE, especialmente para financiamentos de máquinas ou inovações tecnológicas. Afirma que a rede consegue acompanhar as tendências porque o setor trabalha muito com moda e essa atualização acontece através da participação dos associados em eventos com a preocupação permanente de conhecimento das principais tendências da moda para não ficar fora do mercado. 4.8 Vantagens e dificuldades na gestão da rede Quando o assunto passou a ser as vantagens, desvantagens e dificuldades da gestão das redes, as respostas dos diretores também foram variadas, apontando como vantagens: a compra em conjunto, a troca de informações, as pesquisas realizadas em conjunto e participação conjunta em feiras. As dificuldades apontadas foram: a falta de participação dos associados, imediatismo e desânimo. A direção está satisfeita com o crescimento da rede em número de associados e a obtenção de ganhos como a troca de experiências e informações. Outra vantagem apontada é a realização de pesquisas conjuntas sobre mercados e tendências que são feitas em parceria com universidades da região. 4.9 Análise da entrevista Comprovando o entusiasmo e firmeza com que os diretores dessa rede se manifestaram, pode-se entender a causa de sua estabilidade e sucesso. Se a entrevista tivesse sido feita com a direção de outra rede, talvez a constatação fosse a mesma, mas o que se percebe é que ela possui uma estrutura organizada e participativa, As pesquisas realizadas nas empresas que participam do programa “Redes de Cooperação” dentro da AGIVEST demonstram vantagens e limitações do sistema. Diante dos conceitos de gestão abordados nesse trabalho e com o intuito de propor soluções para a melhoria da gestão das redes de empresas, apresentase o modelo a seguir descrito. O resumo das dimensões organizacionais possui como base a abordagem contingencial. Em primeiro lugar, necessita-se levar em conta as características pessoais dos gestores que são técnicas individuais, motivação e experiência, que têm origem nas necessidades, conhecimento, valores e habilidades dos indivíduos que dirigem as organizações e dos diretores da rede, pois cada indivíduo possui características próprias de personalidade, fruto de experiências, percepções e concepções. O desenvolvimento do empreendedorismo deve acontecer reforçando, através de cursos ou outras atividades, os aspectos técnicos de cada atividade, mas principalmente os fatores humanos envolvidos na gestão das organizações e das redes de empresas. Também se pode trabalhar os itens que apresentaram deficiências na pesquisa como a liderança, a inovação e a flexibilidade. Outro fator preponderante na definição da gestão de uma rede é a característica do mercado, considerandose a oferta, a demanda, a concorrência e as particularidades de cada região. O mercado apresenta hoje algumas peculiaridades desconhecidas há pouco tempo, uma vez que ultrapassa as fronteiras geográficas para se tornar globalizado e interativo. A gestão empreendedora da rede, através de pesquisas e trabalhos técnicos, pode acompanhar as mudanças e tendências do mercado e de cada segmento, recebendo orientações no sentido de antecipar-se às mudanças, adequando sua estrutura, seus produtos e serviços adicionais. 15 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 O terceiro ponto se refere às características das organizações que envolvem os aspectos de suas atividades, ou seja: produção, comercialização, gestão de finanças, recursos humanos e outros. Por outro lado, a cultura empresarial, as regras, procedimentos e valores de cada organização precisam ser levados em conta na gestão da rede. As organizações são um reflexo do ambiente onde estão inseridas e das características dos indivíduos que as compõem. Esses aspectos podem ser reforçados através de um planejamento estratégico da rede com o objetivo de estabelecer valores e procedimentos comuns para alinhar a estratégia dos associados à gestão da rede. O quarto aspecto a ser enfatizado se refere às características dos colaboradores, ou seja, a personalidade, os valores, as necessidades, a eficácia e o estilo de liderança adotado pelas empresas ou pelas pessoas nas empresas que compõem a rede. O trabalho de intra-empreendedorismo na rede AGIVEST que vise o fortalecimento dos aspectos individuais, tornando os colaboradores mais seguros de suas ações e despertando a autoconfiança também é muito importante. Uma das tarefas importantes da gestão de cada componente é proporcionar recompensas significativas e motivadoras para os colaboradores. A diretoria da rede não pode intervir nesse aspecto, mas pode traçar diretrizes para que seus associados prestem atenção porque ele poderá tornar-se um diferencial. Ligadas a essas características, surge a necessidade de intensificar o empreendedorismo nas redes, pois a pesquisa demonstrou que alguns aspectos importantes como: liderança, flexibilidade, inovação, independência, otimismo e originalidade apresentam índices baixos em seus gestores na região pesquisada. O empreendedorismo é algo que pode ser desenvolvido e percebe-se que as redes começam a investir nele porque alguns aspectos como: comprometimento, orientação para resultados, formação de redes de contato, agressividade no mercado e controle se encontram presentes nos gestores. O estudo formal e contínuo do empreendedorismo na rede irá fortalecer as ações coletivas e trazer resultados para todos os associados; outro fator a ser mencionado é o de que algumas redes, conforme relato dos seus diretores, estão investindo em cursos e treinamentos para melhorar a comunicação e desenvolver a criatividade nos colaboradores. Ainda que a cultura capitalista não tenha por hábito fomentar o associativismo, experiências têm demonstrado que esse é um caminho promissor, principalmente para as pequenas empresas. O espírito do “ganha-ganha” precisa estar presente nas redes e seus associados devem entender que o maior ganho é aquele conquistado para a coletividade. Nesse sentido, sugere-se um investimento das redes de empresas na socialização da cultura do associativismo. Alguns aspectos operacionais merecem destaque e se referem à formação de equipes de trabalho para se dedicarem ao aperfeiçoamento dos mecanismos de negociação, mola propulsora das redes e um dos fatores que pode gerar maior competitividade coletiva. As técnicas de negociação devem ser estudadas e, utilizando-se a experiência adquirida e o poder de barganha, deve-se buscar a otimização dos resultados. O desenvolvimento do empreendedorismo pode fomentar esses aspectos porque quem dirige uma empresa que está inserida em rede possui comprometimento e é orientado para resultados coletivos, participando assiduamente de comitês e equipes. Reforçando as características empreendedoras dos gestores pode-se melhorar a eficácia das negociações entre os associados da rede, com seus fornecedores e seus clientes. O marketing é o processo de comunicação das empresas com o seu mercado e por isso precisa ser bem desenvolvido. É importante que seja formada uma equipe composta por pessoas conhecedoras do assunto, que tenham postura pró-ativa e estejam abertas a novidades. O processo de comunicação com o cliente para colocação dos produtos no mercado deve ser uma das prioridades da gestão da rede e precisa ser aperfeiçoado, mediante utilização de ferramentas adequadas e fórmulas criativas. A entrevista com os diretores da rede demonstra que as estratégias podem ser setoriais, com formação de subgrupos para linhas e mercados específicos. A prática empreendedora deve seguir tendências do setor. A expansão também requer alguns cuidados especiais e por isso deve contemplar equipes interdisciplinares para realizá-la mediante uma análise criteriosa de novos associados, considerando-se seu perfil, habilidades e as características da empresa como conceito no mercado e situação econômico-financeira. A expansão deve ser fruto da vontade coletiva e servir para consolidação da rede. A prática empreendedora de buscar novos aliados e novas oportunidades, demonstrada pelo perfil de agressividade e orientação para resultados apontados na pesquisa, pode melhorar a competitividade da rede e trazer ganhos a todos os seus integrantes. O aspecto da inovação tecnológica não pode de forma alguma ser esquecido, uma vez que a obsolescência tecnológica é fatal para as organizações dos mais diversos ramos de atividade. Buscar o tecnicamente novo desde que seja economicamente viável é uma alternativa para permanecer na dianteira do mercado e cada vez mais conquistar espaços para a rede. A entrevista com os diretores da rede demonstrou toda a sua preocupação com as novidades e tendências e o apoio de órgãos como o SEBRAE para sua permanente atualização tecnológica é fundamental para alicerçar a ação. A característica empreendedora de inovação precisa ser despertada através de cursos e palestras, conscientizando os empresários e gestores de sua importância para a permanência e conquista do mercado, além da necessidade de cada rede de manter uma equipe preocupada com novos processos e equipamentos para seu setor. 16 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 O desenvolvimento do empreendedorismo nas redes de empresas pode contribuir para qualificar as características dos gestores e dos colaboradores, provocando uma melhoria de qualidade nos processos e serviços e adequando as características da organização para fazer frente às mudanças do mercado, que está em constante transformação. Nesse sentido, as quatro tarefas fundamentais de uma rede de empresas que são: marketing, negociação, expansão e inovação, pela implantação de esforços cooperativos entre as empresas através de seus gestores podem conduzir as redes a um patamar superior aos demais concorrentes. A figura 01 apresenta o modelo proposto para a gestão das redes de empresas: Características do Mercado Características Gerenciais Necessidade Conhecimento Valores Habilidades EMPREENDEDORISMO Demanda Oferta Características da Região Concorrência Associativismo Gestão de Redes Inovação Inovação Marketing Associativismo Características da Organização EMPRENDEDORISMO Produção Recursos Humanos Finanças Comercial Tecnologia disponível Características dos colaboradores Necessidades Personalidade Motivação Experiência Perfil empreendedor Nível educacional FIGURA 1 – Modelo de gestão empreendedora de redes de cooperação Fonte: Rambo & Ruppenthal (2006) 17 EMPRENDEDORISMO Expansão Negociação Associativismo EMPRENDEDORISMO Associativismo REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho estabeleceu a importância do empreendedorismo como um fator de desenvolvimento na gestão das redes de empresas e evidencia as constatações de que investir no desenvolvimento do espírito empreendedor é fundamental para uma boa gestão. A entrevista com os diretores da Rede AGIVEST demonstrou que as redes apresentam vantagens e benefícios, mas também têm dificuldades. Dentre os aspectos importantes levantados, ressalta-se o crescente interesse pelo empreendedorismo e desenvolvimento pessoal e profissional de seus integrantes, a necessidade de fortalecer os programas através de um suporte à cooperação, o cuidado com as atividades chaves das redes que são: negociação, marketing, inovação e expansão. Todos esses aspectos ensejaram a proposição de um modelo de gestão de redes de empresas através do desenvolvimento do empreendedorismo, condição essencial e decisiva para o sucesso das organizações, uma nova visão da cooperação e do associativismo e o desenvolvimento das atividades chaves, levando em consideração as características do mercado, das organizações, dos gestores e colaboradores das empresas e instituições, cumprindo dessa forma com os objetivos do trabalho que contemplaram o desenvolvimento de um modelo de gestão para as redes, alternativas e sugestões para a melhoria da gestão e consolidação das redes de empresas. REFERÊNCIAS AMATO NETO, João. Redes de cooperação produtiva e clusters regionais: oportunidades para pequenas e médias empresas. São Paulo: Editora Atlas, 2000. ANDRADE, Rui: AMBONI, Nério. Teoria geral da Administração: Das origens às perspectivas contemporâneas. São Paulo: M Books do Brasil, 2007. CARAVANTES, Geraldo R. 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Infelizmente o Estado brasileiro deixou de cumprir seu papel de provedor e mantenedor da infra-estrutura básica para o transporte. Diante deste quadro, buscou-se realizar uma pesquisa bibliográfica, de abordagem quali-quantitativa, com o objetivo de estudar a situação atual do setor de transporte de cargas brasileiro, identificando os principais gargalos que podem comprometer a capacidade produtiva da cadeia. Constatou-se que o Brasil enfrenta, atualmente, grandes desafios nesse setor, oriundos de diversos problemas, como o desbalanceamento histórico da matriz de transportes, a legislação precária, a fiscalização inadequada, a deficiência de infra-estrutura e a falta de segurança. Comprovaram-se as hipóteses de que o país utiliza uma matriz de transporte muito cara e ineficiente, que o setor de transporte de cargas brasileiro gera instabilidade e prejuízos às empresas brasileiras e que não há um planejamento ou controle do setor de transporte de cargas nacional por parte do Estado brasileiro. Palavras-chave: administração, logística, transporte de cargas. ABSTRACT The loads transportation sector of a country deserves special attention because of its strategical importance. Unfortunately the Brazilian government has not fulfilled its role of provider and maintainer of the basic infrastructure for the transportation. This way, we have tried to do a bibliographical research, of a quali-quantitative approach, with the objective of studying the current situation of the Brazilian loads transportation sector, identifying the main bottle necks that can impair the productive capacity of the chain. It has been verified that Brazil faces, nowadays, great challenges in this sector, coming from a variety of problems, such as the historical lack of balance of the transportation matrix, the poor legislation, the inadequate inspection, the infrastructure deficiency and the lack of safety. Hypotheses have been proofed that the country uses a very inefficient and expensive transportation matrix, also that the Brazilian loads transportation generates instability and damages to the Brazilian companies and that there is no planning or control over the national loads transportation sector by the Brazilian state. Key-words: administration, logistics, loads transportation. 1 INTRODUÇÃO O conceito inicial de transporte centrado em deslocar matérias-primas e produtos semi-manufaturados ou acabados entre pontos geográficos distintos cada vez mais perde força no atual sistema econômico, pois não satisfaz total e isoladamente às necessidades das empresas e dos consumidores. O valor monetário dos produtos passou a crescer apreciavelmente, gerando custos financeiros elevados e obrigando ao cumprimento de prazos muito mais rígidos, e tudo isso sem perder o foco na qualidade dos serviços e na otimização dos recursos, pois, se de um lado se busca o aumento da eficiência e a melhoria dos níveis de serviço ao cliente, de outro o mercado obriga a uma redução contínua dos custos. Além da pressão custo x eficiência, o setor de transporte brasileiro convive, há vários anos, com graves problemas, principalmente no que tange à estrutura e utilização dos diferentes modais. Isso tem afetado 1 Bacharéis em Administração - Sociedade Educacional Três de Maio - SETREM. Administrador, Especialista em Administração da Produção, Mestre em Engenharia de Produção, Professor e Coordenador do Curso de Administração da SETREM. 3 Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM – Avenida Santa Rosa, 2405 - Três de Maio, RS. 2 19 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 diretamente o desempenho geral das empresas nacionais que sofrem com a eficiência e qualidade dos serviços oferecidos, tendo que conviver com diversos problemas como produtos chegando às mãos de seus consumidores fora do prazo estabelecido, empresas com nível dos estoques razoáveis para não ficarem reféns do setor de transportes e parar de produzir, dificuldades para colocar os produtos nacionais no comércio externo, entre outros. Diante do atual quadro, é preciso salientar que qualquer nação fica literalmente paralisada se houver um colapso em seu sistema de transporte. Portanto, entender o contexto atual do setor, a fim de tomar decisões embasadas no futuro é parte do planejamento estratégico das empresas e profissionais de administração que buscam minimizar as ameaças e maximizar as oportunidades do ambiente, antecipando problemas que possam comprometer a sua sobrevivência. No presente artigo, é traçado um breve diagnóstico do setor de transporte de cargas no Brasil, apresentando dados relevantes sobre sua situação atual, bem como as principais deficiências encontradas neste segmento que vem sofrendo através dos anos, com graves problemas estruturais e equívocos de gestão pública, transformandoo em um grande problema nacional. 2 METODOLOGIA DE TRABALHO Com um objetivo exploratório para a elaboração do presente trabalho, foram utilizados os métodos qualiquantitativo e dedutivo (pois os dados analisados foram de caráter predominantemente subjetivos e com premissas particulares de cada modal para análise geral do setor), com procedimento pelos métodos histórico, comparativo, bibliográfico e estatístico. A técnica utilizada foi a análise de conteúdos dos dados estatísticos disponíveis nas seguintes instituições: Confederação Nacional dos Transportes (CNT), Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC), Associação Nacional dos Transportes Ferroviários (ANTF), Ministério dos Transportes, Ministério do Planejamento, Ministério do Desenvolvimento, Grupo Executivo de Integração das Políticas de Transporte (GEIPOT), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), Banco Mundial, Bureau of Transportation Statistics (EUA), Association of American Railroads (EUA), International Road Transport Union e Pamcary. 3 O QUE É LOGÍSTICA? As origens do conceito de logística estão alicerçadas às operações militares. Ao decidir seguir uma estratégia militar e avançar suas tropas, os generais precisavam ter, sob suas ordens, uma equipe que providenciasse o deslocamento, na hora certa, de víveres, munição, equipamentos e socorro médico para o campo de batalha. Por se tratar de um serviço de apoio, os grupos logísticos militares trabalhavam quase sempre em silêncio e passavam despercebidos (NOVAES, 2001) Somente ao final da II Guerra Mundial é que se pode verificar o uso da logística em organizações empresariais. Inicialmente os executivos entendiam que, no fundo, as operações logísticas não agregavam qualquer valor ao produto sendo, portanto, um mero centro de custo, sem maiores implicações estratégicas e de geração de negócios. De acordo com Novaes (2001), dirse-ia na linguagem de hoje, que “esse setor da empresa atuava de forma reativa, e não proativa” (p.32). Esta forma de atuar, focada no processo de fabricação industrial, colabora para que algumas empresas considerem as atividades logísticas algo secundário na organização empresarial. Ao sair da fábrica, o produto já tem um valor intrínseco agregado, mas esse valor está ainda incompleto para o consumidor final que deseja usufruí-lo com toda sua plenitude; sendo assim, torna-se necessário que a mercadoria seja colocada no lugar desejado. O sistema logístico, mesmo o mais primitivo, agrega então um valor de lugar ao produto que depende, obviamente, do transporte do produto da fábrica ao depósito, deste à loja e desta ao consumidor final, sendo por esta razão, que as atividades logísticas foram confundidas, por muito tempo, apenas como transporte e armazenagem. Para Novaes (2001, p.33) “o conceito básico de transporte é simplesmente deslocar matérias-primas e produtos acabados entre pontos geográficos distintos”. Este elemento, embora importante, passou a não satisfazer isoladamente as necessidades das empresas e consumidores. A evolução do sistema produtivo trouxe ao sistema o valor do tempo, pois os valores monetários dos produtos passaram a crescer apreciavelmente, gerando custos financeiros elevados e obrigando ao cumprimento de prazos de entrega muito mais rígidos. Considerando a afirmação de Novaes (2001, p. 34), que “atualmente há uma grande preocupação das empresas com a redução de estoques e com a busca da satisfação plena do cliente”, pode-se dizer que isto implica a entrega do produto nos prazos combinados e traz o fator tempo como um dos elementos mais críticos do processo logístico. Admitindo que o produto seja deslocado corretamente desde a sua origem até o destino, dentro dos prazos pré-estabelecidos, ainda assim não estariam completas as funções logísticas. Um elemento adicional, de grande importância, é o fator qualidade que a logística moderna deve incorporar ao processo, respeitando a qualidade intrínseca do produto e obtendo a excelência no nível de serviço prestado ao cliente (FLEURY, WANKE, FIGUEIREDO, 2000). 20 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 Outra questão que está sendo introduzida atualmente pelas empresas em suas atividades logísticas é o valor de informação, permitindo ao cliente rastrear seu pedido on-line, receber informações instantaneamente a respeito do deslocamento de sua mercadoria, migrar sua codificação para o código de barras agregando informações importantes para o comerciante (mesmo que estas informações não tenham aplicação direta na própria empresa). Através destes exemplos, pode-se verificar como está se adicionado valor de informação aos serviços logísticos (LACERDA, 2006, pg. 44). Portanto, a logística empresarial evoluiu muito desde seus primórdios, agregando valor de lugar, de tempo, de qualidade e de informação à cadeia produtiva. Além disso, ela procura também eliminar do processo tudo que não tenha valor para o cliente e que acarrete somente custos e perda de tempo para a empresa. A moderna logística envolve também elementos humanos, ativos, materiais tecnológicos e de informação. Também implica a otimização de recursos pois, de acordo com Novaes (2001), “se de um lado busca o aumento da eficiência e a melhoria dos níveis de serviço ao cliente, de outro, a competição do mercado obriga uma redução contínua dos custos (p. 35). Assim, pode-se conceituar logística como o processo de planejar, implementar e controlar de maneira eficiente o fluxo e armazenagem de produtos, bem como os serviços e informações associados, cobrindo desde o ponto de origem até o ponto de consumo, com o objetivo de atender aos requisitos do consumidor. (Council of Logistics Management apud NOVAES, 2001, p.36) Para a SOLE – Society of Logistic Engineers, a visão de logística está centrada em: uma técnica e, ao mesmo tempo, uma ciência que suporta a realização dos objetivos empresariais, a programação dos mesmos e a consecução; serve para o management, o engineering e as atividades técnicas nos temas solicitados, o projeto, o fornecimento e a preservação dos recursos. (Shun’ichi e Kobayashi, 2000, p.18) Ou ainda, um processo de elaboração, implementação e controle de um plano que serve para maximizar, da produção ao consumo, enfrentando custos, a eficiência e a eficácia do fluxo e da gestão das matérias-primas, semi-acabados, produtos acabados e informações; tudo isso deve ser conforme ás exigências dos clientes. (Council of Logistics Management apud Shun’ichi, Kobayashi, 2000, p.18) Portanto, apesar de existirem diversos enfoques para a definição de logística, todos eles são unânimes em exaltar: prazos previamente acertados e cumpridos integralmente ao longo de toda a cadeia de suprimento; integração efetiva e sistêmica entre todos os setores da empresa; integração efetiva e estreita (parcerias) com fornecedores e clientes; busca da otimização global, envolvendo a racionalização dos processos e a redução de custos em toda a cadeia de suprimento e a satisfação plena do cliente, mantendo um nível de serviço preestabelecido e adequado. 4 A ATIVIDADE TRANSPORTE PRIMÁRIA: O transporte é uma das principais funções logísticas, pois tem papel fundamental no desempenho de diversas dimensões do serviço ao cliente. Somado a isso, na maioria das organizações, a atividade de transporte representa a maior parte dos custos, podendo totalizar, segundo Fleury, Wanke e Figueiredo (2000), cerca de 60% das despesas logísticas, chegando a representar duas ou três vezes o lucro de uma companhia. As principais funções do transporte na logística estão ligadas, basicamente, às dimensões de tempo e lugar. Conforme Fleury, Wanke e Figueiredo (2000, p.126), “desde os primórdios o transporte de mercadorias tem sido utilizado para disponibilizar produtos onde existe demanda potencial, dentro do prazo adequado às necessidades do comprador”; portanto, o transporte se torna fundamental para que seja atingido o objetivo logístico de produto certo, na quantidade certa, na hora certa, no lugar certo ao menor custo possível. Assim, o conhecimento do sistema de transportes e mais especificamente da atividade chave transporte em si, parece ser fator determinante na busca de melhores performances por parte de todos os participantes da economia, hoje globalizada. Estudos de Fleury, Wanke e Figueiredo (2000) relatam que muitas empresas brasileiras estão realizando consideráveis investimentos em tecnologia da informação (visando planejamento e controle da operação) e em soluções intermodais (que possibilitem uma redução significativa dos custos) por vislumbrar na logística, e mais especificamente no setor de transporte, uma forma de obter diferencial competitivo. Para se atingir este objetivo, os autores afirmam ser necessário conhecer um pouco mais sobre as funções e os princípios da operação de transporte. Funções: estão diretamente ligadas ao movimento e à estocagem de produtos. Princípios: diz respeito à economia de escala e de distância. A melhor compreensão destes fatores auxilia os profissionais na tomada de decisões quanto ao modal (is) que melhor se presta à execução de determinadas tarefas que envolvem o uso de transportes. 21 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 Conforme Martins (2007), de uma forma abrangente, o sistema de transportes apresenta a seguinte divisão: terrestre, aeroviário e aquaviário. O transporte terrestre é caracterizado pelo deslocamento em terra firme, o que compreende as variações rodoviária (sobre rodas), ferroviária (sobre trilhos) e dutoviária (através de condutos fechados). Quando o veículo se desloca em meio líquido, caracterizase o transporte aquaviário, que compreende também as variações de transporte marítimo, fluvial e lacustre. Por último, o transporte aeroviário é aquele em que o deslocamento se dá pelo ar (como aviões, helicópteros, balões, etc.). Desta divisão, têm-se então os cinco modais básicos do sistema de transporte: o dutoviário, aéreo, ferroviário, rodoviário e hidroviário. 5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS A seguir é discutida a situação atual de cada um dos modais do setor de transporte de cargas brasileiro, sendo que o mesmo é avaliado a partir de parâmetros relacionados com aspectos econômicos, infra-estrutura, segurança, energia e meio ambiente e comparado aos dados apresentados pelos Estados Unidos, país que possui uma extensão territorial semelhante a do Brasil, e pode ser considerado um modelo mundial em termos de eficiência do setor de transportes. 5.2 O Modal Ferroviário O modal ferroviário tem característica lenta, geralmente utilizado para transporte por longas distâncias. Apesar de ter um custo fixo de implantação e manutenção elevado, este modal apresenta um baixo consumo de energia por tonelada movimentada, reflexo da capacidade de carga do veículo – permite considerável economia de escala na movimentação de grandes lotes. Portanto, o tempo de percurso é compensado com a redução do número de viagens e com o baixo custo unitário de transporte. A regulação sobre a exploração da infra-estrutura ferroviária e sobre prestação do serviço público de transporte ferroviário de cargas e passageiros é função da ANTT (2007), e ao DNIT (2007) compete o planejamento, o estudo e a construção de novas ferrovias, bem como realizar melhorias nas transposições ferroviárias nas capitais e grandes cidades brasileiras, visando aumentar a segurança e adequar à capacidade operacional. Sendo a grande maioria da malha ferroviária brasileira concessionada, segundo a ANTF (2007), no ano de 2005 foram investidos pelas concessionárias 3,1 bilhões de reais, principalmente em obras de infraestrutura e na aquisição de vagões e locomotivas. Para 2006, a estimativa de investimento foi de 2,4 bilhões de reais. Desde o início do programa de concessões já foram aplicados 9,5 bilhões de reais pela iniciativa privada. 5.1 O Modal Aéreo 5.3 O Modal Aquaviário Conforme a ANAC (2007), o sistema aeroviário engloba as aerovias, os terminais de passageiros e cargas e o sistema de controle de tráfego aéreo. Este modal tem como principal característica a capacidade de vencer grandes distâncias em um curto espaço de tempo; porém, a baixa capacidade de transporte do veículo aeroviário resulta no elevado custo médio por tonelada movimentada. Portanto, o mesmo é utilizado, predominantemente, no envio de produtos com alto valor agregado (preponderância do fator tempo). A regulação da aviação civil, das infra-estruturas aeroportuária e aeronáutica, como também a regulação técnica é responsabilidade da ANAC, órgão subordinado ao Ministério da Defesa. Junto a ela o setor é regulado pela INFRAERO, que administra e opera, desde 1972, os aeroportos de interesse federal. Em 2006 foram aplicados 521 milhões de reais de recursos da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária, e 350 milhões de reais de aporte do governo federal para continuar modernizando, ampliando e melhorando terminais de logística aérea, tanto de carga como de passageiros. O modal Aquaviário tem como característica a capacidade de transportar grandes volumes de carga em um único veículo, o que representa um baixo consumo de energia por unidade de peso movimentado. Por outro lado, apresenta um tempo de trânsito elevado, o que faz os produtos enviados por este modal apresentarem um perfil de baixo valor agregado e não perecíveis, de maneira que seus custos de estoque não são excessivos e, portanto, seu serviço lento é compensado pelo preço da tarifa de frete. O sistema é regulado pela ANTAQ, que implementa políticas formuladas pelo Ministério dos Transportes no setor e pelo DNIT, que é responsável pela administração e execução das obras de manutenção nas hidrovias e pela ampliação, modernização, recuperação e dragagens nos portos. Em 2005, o governo federal investiu 30 milhões de reais nas hidrovias. Especialistas como o Coppead afirmam que a manutenção e a ampliação exigiriam o investimento de 150 milhões de reais por ano. 22 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 5.4 O Modal Rodoviário O modal Rodoviário apresenta alto custo de manutenção, baixa capacidade, alta flexibilidade e velocidade moderada. O total de rodovias no País é de 1.610.076 Km, com um índice de pavimentação é de 79,7% para as rodovias federais, de 49,6% para as estaduais e de apenas 1,7% para as municipais. Os dois agentes públicos que regulam o setor rodoviário em relação à infra-estrutura são a ANTT e o DNIT. No caso do rodoviário, compete à ANTT controlar e acompanhar as atividades das concessionárias de rodovia. Já ao DNIT cabe desempenhar as funções relativas à construção, manutenção e operação de infraestrutura rodoviária. As rodovias federais permanecem sob administração do DNIT, à exceção dos 4% da malha que foi concedida. Apesar da lentidão do Estado, a necessária recuperação de 20.000 quilômetros de estradas pode ser viabilizada com investimentos do programa de concessões e das parcerias público-privadas (PPPs). A NTC estima que para renovar as estradas seriam necessários investimentos anuais de 3 bilhões de reais nos próximos quatro anos. Como o governo não tem recursos para liberar esse dinheiro, as soluções mais viáveis seriam as concessões e as PPPs, que poderiam atrair 2 bilhões de reais por ano da iniciativa privada. 5.5 O Transporte de Carga no Brasil a partir dos Indicadores Básicos de Eficiência 5.5.1 Aspectos Econômicos A Figura 1 mostra o quanto cada trabalhador produz anualmente em termos de milhões de toneladas quilômetro útil (TKUs). 25 21,2 20 17,1 15 10 8,2 Brasil 9,3 EUA 4,5 5 0,6 1,8 1 0 Aquaviário Ferroviário Rodoviário Média Fontes : Geipot 2001; Pesquisa Anual de Serviços; IBGE/1998; Bureau of Transportation Statistics e Bureau of Labor Statistics 2000 6 Figura 1: Produtividade 10 TKU / Empregado Pode-se notar que a produtividade do setor de transportes brasileiro é apenas 22% daquela registrada pelo setor de transportes americano, principalmente pelo fato de o Brasil optar pelo uso intensivo do modal menos produtivo (rodoviário). A Figura 2 revela uma gritante falta de oferta de infra-estrutura de transporte no Brasil, especialmente nos modais ferroviário e hidroviário. O conceito que ditou o transporte rodoviário como o principal modal, num país de dimensões continentais como o Brasil, somado ao arcaico sistema de gestão dos demais modais e a falta de investimentos nos mesmos traduz a deplorável situação da atual infra-estrutura de transportes brasileiro, significativamente menor do que aquela existente em países com características semelhantes às nossas, ou seja, comparadas com países em desenvolvimento e de grandes extensões territoriais. 5.5.3 Deficiência na Infra-Estrutura de Apoio Conforme pode ser verificado na Figura 3, o setor de transporte de cargas brasileiro sofre com a ausência de uma política abrangente de coleta e análise contínua de dados estatísticos dos seus principais indicadores de desempenho. Fonte: Banco Mundial, GEIPOT, CNT, Guiadelmundo, COPPEAD Fonte: CNT (2003), apud Coppead (2003) Figura 2: Densidade de Transportes Km / 1000 Km 2 23 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 Conforme demonstra a Figura 4, o número de mortes por quilômetros nas estradas brasileiras chega a ser 70 vezes maior do que a dos países pertencentes ao G-7 – segundo o Coppead (2003), 62% dos leitos de traumatologia dos hospitais são ocupados por acidentados no trânsito. Fonte: Centro de Estudos em Logística - COPPEAD (2003) Fonte: Pamcary (estatísticas de cargas seguradas, 2002); COPPE Figura 3: Base de Dados do Setor de Transportes O Brasil não dispõe de uma entidade que seja responsável pela coleta de estatísticas e análises abrangentes e contínuas sobre o transporte de cargas e seus efeitos no desenvolvimento do país. O mais próximo que se tem disso é a ANTT que conta, como atribuições específicas relativas ao transporte rodoviário de cargas, promoverem estudos relativos à frota de caminhões, empresas e operadores autônomos, bem como organizar e manter o Registro Nacional de Transportadoras Rodoviárias de Cargas (RNTRC). Fonte: Pamcary (estatísticas de cargas seguradas, 2002);(2003). COPPEAD (2003) Coppead No entanto, tanto a ANTT quanto o RNTRC não cumprem integralmente os seus objetivos propostos, situação esta que difere do país utilizado como modelo, onde o Bureau of Transportation Statistics americano realiza análises sobre o transporte através de diversos enfoques, como impactos econômicos, segurança, mobilidade, energia e meio ambiente, e segurança nacional. 5.5.4 Morte nas Estradas Devido ao estado em que se encontram e a quantidade de utilização as estradas brasileiras são inseguras tanto para as cargas, quanto para os motoristas e passageiros. Ao comparar as estatísticas brasileiras com estatísticas internacionais, pode-se perceber a real dimensão do problema. Fonte: G7 Transportation (2002); ;COPPEAD (2003) Fonte: G7 Transportation Highlights Geipot; COPPEAD Fonte: G7Highlights Transportation Highlights Fonte: G7 Transportation Highliths (2002); Coppead (2003). Figura 5: Roubo de Cargas: Crescimento Anual Com o roubo de cargas, o Brasil perde pela roteirização não-ótima para entregas urbanas, baixa utilização da capacidade (em razão da limitação do seguro), os próprios gastos com seguro e gerenciamento de risco, e a perda de produtividade nas entregas (por causa dos procedimentos associados ao gerenciamento de risco). 5.5.6 Consumo Energético O grau de aproveitamento das fontes nãorenováveis de energia pode ser medido a partir do número de BTU´s (British Termal Unit) gastos pelo setor, para cada dólar gerado no PIB do país. Um comparativo entre o Brasil e os Estados Unidos é apresentado na Figura 6: (2002); Coppead (2003) Figura 4: Índice de Mortes nas Estradas (1996) – Por 1.000 km de Rodovia. 24 Fonte: Coppead (2003)(2003) Fonte: Coppead Fonte: Balanço Energético Nacional Figura 6: BTU Gasto por U$ Gerado PIB July Figura 6: BTU Gasto por U$ no Gerado no2000 PIB Department of Energy, Monthly Energy Rewiew, REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 Este comparativo 29% pior do que o americano demonstra um consumo ineficiente de energia não renovável, causando maior emissão de poluentes, maior custo final para os produtos, maior dependência externa de combustíveis, pior desempenho na balança comercial, entre outros. 5.5.7 Emissão de Poluentes Os principais poluentes relacionados ao transporte rodoviário de cargas são os Óxidos de Nitrogênio (NOx) e o Monóxido de Carbono (CO). Os Óxidos de Nitrogênio tem como principais conseqüências afetar o sistema respiratório e causar chuvas ácidas. Já o Monóxido de Carbono tem como principais efeitos a redução na capacidade de transporte de oxigênio no sangue, causando dores de cabeça, perda de reflexos e até a morte. O Brasil não dispõe de dados oficiais ou confiáveis sobre a emissão de poluentes no setor de transporte de cargas; portanto, utilizou-se aqui uma estimativa feita pelo CEL / COPPEAD a partir de coeficientes padrão do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), que apresenta uma correlação padrão entre o consumo de combustível e a emissão de poluentes, demonstrado nas Figuras 7 e 8. Portanto, o nível de emissão de poluentes no setor de transporte de cargas brasileiro é alto, quando comparado com aquele apresentado no setor de transporte americano; e a tendência é que os valores reais sejam ainda maiores, já que o Brasil utiliza enxofre no diesel, tem baixo nível de manutenção dos veículos e conta com uma das mais altas idades médias da frota de transporte rodoviário. 6 PRINCIPAIS CAUSAS QUE AFETAM A EFICIÊNCIA DO TRANSPORTE DE CARGAS BRASILEIRO. 6.1 A Legislação Brasileira no Transporte A falta de disciplina no transporte rodoviário de cargas brasileiro permite o funcionamento de transportadoras que não têm condições econômicas de exercer a atividade, a circulação de caminhões sucateados ou com sobrepeso e a existência de jornadas de trabalho desumanas, muito distante dos padrões internacionais. Fonte: Coppead (2003) Figura 7: Emissão de NOX em 1998 (Grama / Fonte:Coppead Ministério de Minas e Energia; COPPEAD; Fonte: (2003) TKU) Fonte:Coppead Ministério de Minas e Energia; (2003) (2003) Intergovernmental Panel on Climate ChangeCOPPEAD; Fonte: (2003) Intergovernmental Panel on Climate Change (2003) Fonte: (2003); - U.S. DOTe (2003) Fonte :Brasil Brasil- CNT - CNT ; EUAEUA – U.S. DOT Espanha - Ley de Ordenación Fonte: Coppead (2003) Figura 9: Comparação de Regulamentação de Transporte entre Brasil, EUA e Espanha. Conforme demonstra a Figura 9, o Brasil não possui uma regulamentação efetiva para nenhum dos itens citados, não estando sujeito a nenhuma das regras mínimas. Por isso, é imperativo ao país um regulamento do transporte rodoviário que fiscalize todos os itens dados como inexistentes na Figura 9. Fonte: Coppead (2003) Figura 8: Emissão de CO em 1998 (Grama / 6.2 Priorização do Modal Rodoviário pelo Governo TKU) Com início na década de 1920, o Brasil experimentou um período de priorização de investimentos públicos no desenvolvimento da infra-estrutura rodoviária até que, a partir da década de 1950, o modal rodoviário ultrapassou o ferroviário e a navegação de cabotagem em importância. 25 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 Nas décadas de 1960 e 1970 observou-se sua maior expansão, quando boa parte dos gastos públicos, segundo o Banco Mundial cerca de 20%, era destinada à construção e manutenção de rodovias. Portanto, o setor de transporte rodoviário se desenvolveu em um contexto de forte subsídio de sua infra-estrutura. A partir da década de 80 ocorre uma redução gradual dos investimentos na área, até atingir o percentual de 0,5% do PIB em 1995. A partir da década de 1990 o modelo de financiamento do setor de transporte rodoviário passa a contar com ingresso de recursos complementares da iniciativa privada, por meio da concessão e cobrança de pedágios. Mesmo com esse cenário tão adverso, percebese que a mudança de pensamento não ocorreu, persistindo ainda uma forte cultura de utilização deste modal, com uma conseqüente falta de conhecimento a respeito das vantagens e desvantagens dos modais alternativos ao rodoviário. do peso máximo, a inadimplência fiscal, entre outras práticas. As principais causas do baixo preço do frete rodoviário podem ser evidenciadas através da existência de poucas barreiras de entrada para se tornar transportador autônomo (apenas ter carteira de habilitação e possuir um caminhão) e nas questões relacionadas à existência de barreiras de saída. Salienta-se que, ao deixar de ser transportador autônomo, é muito difícil para o profissional ser recolocado no mercado de trabalho, devido aos poucos anos de educação formal e formação técnica das pessoas que trabalham nesse setor. Estas barreiras geram um excesso de oferta e práticas danosas de competição utilizando-se, muitas vezes, de margem operacional média negativa. Por sua vez, estas práticas operacionais danosas re-alimentam o aumento de oferta e as práticas predatórias, criando efeitos indesejáveis como o alto índice de acidentes e mortes, a emissão excessiva de poluentes, engarrafamentos e consumo excessivo de combustível. 6.3 Baixo Preço dos Fretes Rodoviários 6.4 Envelhecimento da Frota Ao comparar o valor médio pago pelos fretes rodoviários com os custos incorridos, pode-se perceber que o valor é excessivamente baixo, o que causa um problema de saúde no setor, impedindo o crescimento de outros modais. É inegável que o transporte rodoviário de cargas tem operado no limite, ou absorvendo custos, porque em grande parte dispõe da figura do caminhoneiro autônomo. A Figura 10 faz uma comparação dos custos padrão com transporte e a remuneração deste, para cargas fechadas em longas distâncias. O baixo preço dos fretes rodoviários força o envelhecimento da frota de caminhões, que gera um frete barato ao custo da segurança nas estradas, da poluição do meio ambiente e da diminuição da produtividade no transporte. Além disso, não há estímulos ou exigências por parte das autoridades legais para a renovação dos veículos rodoviários de carga. O que há é projetos como o Modercarga, um programa de financiamento de veículos novos que o governo ofereceu ao setor por meio do BNDES. Este programa, apesar de poder aquecer as vendas das montadoras e diminuir a idade média da frota, não retira os caminhões velhos de circulação. O provável é que o transportador que adquirir um veículo novo venda o caminhão velho que continuará ativo, que aumentará a concorrência e engrossará as estatísticas, como as apresentadas pela Figura 11. 22 20,9 21 Fonte: Coppead (2003) Fonte: Coppead (2003) 20 19,5 19 Figura 10: Valor do Frete Rodoviário (R$ / Ton. * 18 Km) 17,5 17,7 18 18,2 17 Como se pode perceber na Figura 10, o preço médio pago pelos fretes rodoviários é muito baixo em comparação com os custos incorridos. Este frete artificialmente baixo é um problema, pois a diferença entre custo e preço médio, identificada como gap na Figura 10, apresenta o que pode ser entendido como uma margem operacional média negativa, que força o transportador a reduzir a manutenção do veículo, praticar jornadas excessivas de trabalho, o carregamento acima 16 15 2000 2001 2002 2003 2008 2013 Fonte: ANFAVEA; COPPEAD (2003) Fonte: ANFAVEA; Coppead (2003) Fonte: ANFAVEA; Coppead (2003) Figura 11: Cenário da Evolução Média da Frota Este quadro ajuda a empurrar o preço dos fretes para baixo, pois o dono do caminhão velho poderá cobrar 26 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 fretes mais baratos, pois não haverá dívidas de financiamento e redução do custo do investimento mediante a depreciação do veículo. No médio e longo prazo essa situação se torna insustentável, pois sem renovação a frota perde sua capacidade de transportar adequadamente, prejudicando a segurança nas estradas e diminuindo a produtividade do setor como um todo. A Figura 12 demonstra que 91% dos postos de pesagem brasileiros estão desativados ou inoperantes. A situação se torna ainda mais preocupante ao se perceber que é prática comum a emissão de dois conhecimentos de transporte, um com o peso real e o outro com o peso da balança, para burlar os 9% de postos de pesagem operantes. Assim, sem uma inspeção veicular mais rigorosa e uma política para tirar de circulação os caminhões velhos, não se resolverá nem o problema da idade elevada da frota e nem o problema do valor baixo dos fretes, causado também pela oferta e circulação de caminhões velhos. Este cenário penaliza o sistema rodoviário de carga duplamente: primeiro com o aumento da capacidade real da frota (o que pressiona ainda mais os fretes para baixo) e com a rápida degradação das rodovias, aumentando os custos com manutenção das mesmas. 6.5 Manutenção dos Veículos 6.7 O Desbalanceamento da Matriz de Transportes Outro efeito indesejável causado pelo baixo preço dos fretes é o pequeno investimento em manutenção, envolvendo peças, mão de obra, pneus, óleo, entre outros. Enquanto estudos da CNT apontam para um custo médio de R$ 0,23 por Km rodado para a manutenção de um caminhão, o mesmo estudo aponta que os gastos médios dos motoristas autônomos estão na faixa de R$ 0,16 por Km rodado (70% daquele considerado adequado). Devido ao seu histórico de subsídios e mentalidade dos governantes, a disponibilidade de infra-estrutura do modal rodoviário brasileiro é vultuosamente maior do que a dos outros modais, conforme pode ser percebido na Figura 13. A questão se torna ainda mais preocupante ao se considerar caminhões com mais de 25 anos, que necessitam de mais manutenção e são, portanto, propensos a gastar mais do que os R$ 0,23 e receberem menos do que os R$ 0,16 por Km rodado, dado o baixo poder aquisitivo do profissional dono do veículo. 6.6 Excesso de Carga O excesso de peso nos veículos já se tornou um fato comum, rotineiro e conhecido de todos que atuam no mercado de transporte rodoviário, principalmente devido à pouca fiscalização dos pesos máximos exigidos pela lei da balança. Fonte: Coppead (2003) Figura 13: Densidade de Transporte (Km / 1.000 Km2) Esse desbalanceamento na matriz de transportes exerce um efeito de freio sobre a economia brasileira. O escopo de participação, demonstrado na Figura 13, difere daquela encontrada em outros países de dimensões continentais, como o Brasil. Fonte: Coppead (2003) Fonte: GEIPOT 2001; IBGE 1998; COPPEAD (2003) No que tange ao escopo mundial, países com grande extensão territorial, como a China, os EUA, o Canadá e a Rússia usam predominantemente o modal ferroviário em detrimento do modal rodoviário. Em compensação, países de pouca extensão territorial, como a Alemanha, Bélgica, Dinamarca, França e Hungria utilizam, predominantemente, o modal rodoviário em detrimento de outros modais. Portanto, não é errado afirmar que o Brasil se encontra na contramão do escopo mundial. Fonte: DNER Fonte: DNER; Coppead (2003) Fonte: DNER; Coppead (2003) Figura 12: Postos de Pesagem Operantes e Desativados O modal ferroviário, que devido à grande extensão territorial do Brasil deveria ser o predominante, apresenta uma baixa oferta de infra-estrutura e problemas relacionados com a burocracia e a viabilidade econômica 27 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 de algumas ferrovias que permanecem fortemente subutilizadas. Com relação à navegação do interior, outra boa alternativa ao modal rodoviário, deve-se citar que apenas 35% das vias navegáveis são efetivamente utilizadas para o transporte. Os outros 65% só podem ser viabilizados economicamente a partir de intervenções nos rios e construção de infra-estrutura em terra – como terminais intermodais hidroviários. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para cumprir o seu objetivo de integrar e desenvolver todo o País, os modais de transporte se complementam, permitindo o escoamento de produtos e a locomoção de passageiros entre as regiões do Brasil e também para o exterior. Os sistemas de transporte impulsionam também o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) ao movimentar as riquezas nacionais, ligar áreas produtoras a mercados consumidores e facilitar as exportações brasileiras. Esse círculo virtuoso se fecha com o próprio incentivo que o desenvolvimento do PIB oferece à expansão dos sistemas de transporte do País, estimulando investimentos públicos e privados nos diferentes modais. Infelizmente o que se constata é que o Governo Federal deixou de cumprir seu papel de provedor e mantenedor da infra-estrutura básica para o transporte e circulação de bens e pessoas, tanto no âmbito doméstico, quanto no internacional. Com isso, o setor de transporte de cargas brasileiro acabou tendo que conviver com as novas regras do mercado cada vez mais exigentes, enquanto tenta contornar problemas graves de infraestrutura, o preço dos pedágios, o trânsito nas grandes cidades, o baixo desenvolvimento em regiões onde não há um retorno para a carga, e a qualificação profissional, que resulta em uma carência de mão de obra que atinge desde o motorista até os cargos mais altos. Outras questões como burocracia, insegurança, impostos, múltiplas taxas e a atenção governamental para incentivar a integração entre os modais de transporte com uma legislação moderna e eficaz são problemas que também atrasam o crescimento do setor. Contudo, mediante alerta da sociedade, o Estado já percebe que a qualidade do setor de transporte de cargas ameaça as metas almejadas de crescimento e já traça um planejamento para aumentar a eficiência da nossa logística. No entanto, o que nossos governantes parecem ignorar, é que este aumento de eficiência não depende simplesmente da realização de melhorias específicas para cada um dos modais. Tão importante quanto isso é a criação de um ambiente social e econômico que incentive a busca pela eficiência do fluxo de mercadorias pelo país. Por isso, recomenda-se a revisão do sistema legal e tributário do transporte de cargas brasileiro para que seja propiciado um ambiente econômico e legal que facilite o fluxo de transporte e a intermodalidade. Outro ponto interessante é a criação de uma base de dados acurada e atualizada para o setor de transporte que torne disponível dados para pesquisas e monitoramento das medidas adotadas e do próprio setor (pois, atualmente, são disponibilizados dados de forma dispersa e incompleta, o que inviabiliza uma análise eficaz e contínua do setor). Recomenda-se também a reestruturação do setor federal de transportes, visando aperfeiçoar sua atuação. Nesse sentido, urge a transformação do Ministério dos Transportes em Ministério da Logística, criando uma nova estrutura de planejamento setorial. No entanto, é importante não render a pasta a interesses de partidos políticos aliados ou ao próprio Governo. Também é recomendação do grupo investimentos nas áreas de qualidade e produtividade, sem descuidar da questão ambiental. Estas são as forças que devem reger o mercado no futuro próximo, seja em maior ou em menor grau. Infelizmente, com o governo perdendo sua capacidade de prover tais recursos, deve-se buscar um ambiente estável e atrativo ao capital privado, buscando fundos para os investimentos necessários sem sacrificar economicamente as pessoas físicas e jurídicas. Uma vez concluídos, esses investimentos proporcionarão às pessoas físicas e jurídicas brasileiras uma significativa melhoria logística e estas, por sua vez, trarão a possibilidade de um crescimento sustentável ao país mediante o atendimento de suas necessidades logísticas. REFERÊNCIAS AAR. Association of American Railroads. Disponível em <http://www.aar.org>. Acesso em: 25 Jan. 2007. ABTP. Associação Brasileira dos Terminais Portuários. Disponível em <http://www.abtp.com.br>. Acesso em: 25 Jan. 2007. ANAC. Agência Nacional de Aviação Civil. Disponível em <http://www.anac.gov.br>. Acesso em: 25 Jan. 2007. ANTAQ. Agência Nacional de Transportes Aquaviários. Disponível em <http://www.antaq.gov.br>. Acesso em: 25 Jan. 2007. ANTF. Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários. Disponível em <http://www.antf.org.br>. Acesso em: 25 Jan. 2007. ANTT. Agência Nacional dos Transportes Terrestres. Disponível em <http://www.antt.gov.br>. Acesso em: 25 Jan. 2007. BANCO MUNDIAL. The World Bank Group. Disponível em <http://www.worldbank.org>. Acesso em: 25 Jan. 2007. BNDES. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Disponível em <http:// www.bndes.gov.br>. Acesso em: 25 Jan. 2007. CNT. Confederação Nacional dos Transportes. Disponível em <http://www.cnt.org.br>. Acesso em: 20 Jan. 2007. COPPEAD. Instituto Pós-graduação Pesquisa Administração Universidade Federal do Rio de 28 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 Janeiro. Disponível em <http://www.coppead.ufrj.br>. Acesso em: 25 Jan. 2007. FLEURY, Paulo Fernando; WANKE, Peter; FIGUEIREDO, Kleber Fossati. Logística Empresarial: a perspectiva brasileira. São Paulo: Atlas, 2000. GOVERNO FEDERAL. Ministério do Planejamento. Disponível em <http://www.planejamento.gov.br>. Acesso em: 24 Jan. 2007. GOVERNO FEDERAL. Ministério dos Transportes. Disponível em <http://www.transportes.gov.br>. Acesso em: 24 Jan. 2007. INFRAERO. Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária. Disponível em <http:// www.infraero.gov.br>. Acesso em: 25 Jan. 2007. IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Disponível em <http://www.ipea.gov.br>. Acesso em: 25 Jan. 2007. IRU. International Road Transport Union. Disponível em <http://www.iru.org>. Acesso em: 25 Jan. 2007. KOBAYASHI, Shun’ichi. Renovação da Logística. São Paulo: Atlas, 2000. MARTINS, Petrônio Garcia. Administração de materiais e recursos patrimoniais. São Paulo: Saraiva, 2003. NOVAES, Antônio Galvão. Logística e Gerenciamento da Cadeia de Distribuição. Rio de Janeiro: Campus, 2001. U.S DEPARTMENT OF TRANSPORTATION. Bureau of Transportation Statistics. Disponível em <http:// www.bts.gov>. Acesso em: 25 Jan. 2007. 29 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 ALGUNS DISCURSOS SOBRE A CONSTRUÇÃO DA CRIANÇAINFÂNCIA Elisabete Andrade1 Sociedade Educacional Três de Maio - SETREM2 RESUMO A sociedade em que vivemos vem sofrendo constantes mudanças que afetam de forma significativa o cotidiano das instituições (família, escola, sociedade) e das relações estabelecidas com as crianças no contexto sócio-educativo. Considerando tais mudanças e as diversas possibilidades de compreensão dos processos de evolução histórica que permeiam as concepções sobre a infância, esse artigo vem refletir acerca dos discursos que vêm constituindo a “criançainfância” ao longo dos tempos. São contextualizados discursos próprios da modernidade com produções discursivas contemporâneas estabelecendo relações de proximidade e, ao mesmo tempo, problematizando o momento vivido, trazendo depoimentos que demonstram novas maneiras de compreender e viver o mundo imaginário das “criançasinfâncias” consideradas sujeitos de seu espaço-tempo. Palavras Chaves: Discursos, “criançainfância” RESUMEN La sociedad en que vivimos viene sufriendo muchos cambios que afectan de forma significativa el cotidiano de las instituciones (familia, escuela, sociedad) y de las relaciones creadas con los niños en el contexto socioeducativo. Considerando tales cambios y las muchas posibilidades de comprensión del proceso de evolución histórica que impregnan las concepciones sobre la infancia, ese artículo viene reflejar acerca de los discursos que vienen constituyendo el “niñoinfancia” al largo de los tiempos. Son contextualizados discursos propios de la modernidad con producciones discursivas contemporáneas estableciendo relaciones de proximidad y al mismo tiempo problematizando el momento vivido trayendo declaraciones que demuestran nuevas maneras de comprender y vivir en el mundo imaginario de los “niñosinfancia” considerados sujetos de su espacio-tiempo. Palabras Llaves: Declaraciones, niñoinfancia” INTRODUÇÃO Esta produção escrita traz problematizações que podem vir a contribuir com as reflexões e indagações acerca da forma como as “criançasinfâncias” vêm sendo pensadas e constituídas pelas constantes influências das instituições: escola, família e sociedade. Para tanto, optei por alguns teóricos que desenvolvem importantes estudos relacionados à temática: Narodowiski, Comenius, Bujes, Ariès, Foucault. De forma significativa, estes referenciais levam a compreender, como ensina Foucault (2004), “as condições e possibilidades” geradas pelos discursos que permeiam a representação dos sujeitos, neste caso, das “criançasinfâncias”. É importante esclarecer ao leitor que o uso das palavras sem separação é proposital. Com a junção dessas palavras, quero demonstrar que nesta produção “criançainfância” 3 são refletidas como inseparáveis, momento da vida de sujeitos pensados a partir das necessidades de seu espaço-tempo. Para chegar a uma possível compreensão de como os discursos contribuem para a constituição da criançainfância, parto da concepção de discurso trazido por Foucault (2004) que questiona como as coisas funcionam, quais foram as práticas discursivas e não discursivas que deram sentido à forma que a “criançainfância” vem sendo constituída. Para Foucault não existe apenas um discurso “dominador”, mas, imersos nas relações de poder-saber os discursos ganham espaço e são reproduzidos nas práticas cotidianas, seja nas escolas, nas famílias ou no contexto social em que estamos 1 Pedagoga, Mestre em Educação nas Ciências pela UNIJUÍ –IJUÍ-RS, professora do 1º Ano do Ensino Fundamental- 9 anos da SETREM, e-mail: [email protected]. 2 Av. Santa Rosa, 2504, Três de Maio – RS, e-mail: [email protected] 3 Esta maneira de representar refere-se a estética da escrita usada por Nilda Alves (1998) fazendo a junção das palavras “espaçotempo” e também por Ferraço (2006) com as palavras “fazeressaberes” na tentativa de, ao unir palavras, buscar não só superar a dicotomia presente mas, sobretudo, inventar outros tantos significados decorrentes da junção das mesmas. 30 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 inseridos (as). O discurso não é apenas aquilo que falam, escrevem ou dizem, diz respeito também à forma que conduzimos nossas próprias práticas diante daquilo que lemos, ouvimos e vivenciamos. Seguindo os ensinamentos de Foucault (2004) é possível afirmar que somos uma construção, uma representação discursiva. É neste meio que as “cirançasinfâncias” vêm sendo pensadas. É a partir deste meio e destas concepções que pretendo trazer algumas reflexões, relacionando com os discursos modernos que escolarizam e pedagogizam a “criançainfância”. REFLETINDO ALGUNS DISCURSOS Para Narodowski (2001 p. 21): “A infância é o ponto de partida e o ponto de chegada da pedagogia”. Ao mesmo tempo em que a pedagogia se vale da anterioridade da infância, (re) produz maneiras de conduzir a educação das crianças inaugurando discursos e possibilidades de intervenções institucionais. A escola, o pedagogo, juntamente com a família, constitui mecanismos sociais, próprios da modernidade que denominam as concepções de criança, infância e aluno. A educação institucional (família, escola, sociedade) contempla o cuidado, a formação intelectual, a transmissão da cultura para que assim as crianças se tornem adultos, como enfatiza Narodowski (2001 p. 21): “adaptados à sociedade de maneira crítica ou sujeitos críticos e transformadores”. Nessa perspectiva, a infância é pensada em relação ao futuro, ou seja, ao adulto que se espera constituir e “formar”, desconsiderando as necessidades das crianças enquanto sujeitos capazes de pensar, opinar, conhecer, aprender no contexto de vida atual. O discurso da infância foi inventado a partir de estudos teóricos e científicos da psicologia, da medicina (pediatria), da instituição escolar, da pedagogia, da psicopedagogia, da didática - que normatizam, contextualizam, explicam, predizem a infância controlando seu desenvolvimento. Narodowski questiona a diferenciação epistemológica feita entre a criança e o aluno. Para a infância em geral (psicologia, psicanálise, pediatria) o objeto de estudo é a criança; já para a infância escolar (psicologia educacional, pedagogia) o objeto é o aluno, e a escola como instituição se especializa em produzir adultos. Tanto a escola como instituição, quanto à ciência estabelecem uma diferenciação entre “ser criança” e “ser aluno”. O que pretendo destacar é que em ambas situações as crianças acabam sendo pensadas enquanto objetos de estudos e análises científicas; porém, parte-se do pressuposto de que enquanto aluno/a, não deixa de ser criança. Nessa perspectiva, a criança é entendida como sujeito das interações realizadas nas instituições e não como objeto, como enfatiza Narodowski (2001 p. 23): “O aluno é um campo não alheio à infância, porém mais complexo”. A discussão que aqui quero retratar considera que a complexidade do aluno (a) pode ser percebida no cotidiano da escola, quando nos discursos e práticas pedagógicas são levadas em consideração as histórias de vida dos sujeitos a quem o (a) pedagogo (a) educa. As crianças que freqüentam as escolas possuem uma família de quem recebem os primeiros cuidados e educação. Quando ingressam na instituição escolar (cada vez mais cedo), ao professor (a) reserva-se a responsabilidade de dar continuidade a este processo educacional, enfatizando a relação ensino-aprendizagem que é responsabilidade da escola - contextualizar os saberes histórico-culturais trazidos pelas crianças com os conteúdos que precisam ser ensinados. Esta função do (a) pedagogo (a) é considerada um grande desafio, envolve o comprometimento do (a) professor (a) que busca interagir com as crianças visando possibilidades de desenvolvimento das suas habilidades. Pensando justamente neste lugar de/para criança é que a pedagogia passou a existir e a dedicar espaço de estudo a esta etapa da vida. Para afirmar sua especificidade, aos poucos foram sendo produzidos discursos sobre a infância e a importância de considerá-la. De acordo com Narodowski (2001 p. 25): “A criança é o pressuposto universal para produção pedagógica, pressuposto de entidade irrefutável como cimento privilegiado da educação escolar”. Considerar esta etapa da vida como sendo fundamental para o desenvolvimento e amadurecimento do aprendizado infantil se tornou preocupação a partir do século XVII, momento em que é reconhecida e nomeada a recente “invenção da infância”. Para Ariès (1981) a infância é produto histórico, uma construção recente, produto da modernidade. Este momento histórico passa a ser referência para as mudanças em relação às concepções de criançainfância. Em sua obra Infância e Poder (2001, p. 30), Narodowski referencia dois grandes clássicos: o primeiro é “Emílio ou da educação” de Jean-Jacques Rousseau. O autor enfatiza que no pensamento rousseauniano o estudo da infância como ação educativa aplicável pode e deve efetuar-se de acordo com sua própria natureza. A infância não aparece na obra como um recorte arbitrário, produto da ação discursiva nem, muito menos, como a particular característica que a cultura assume no que diz respeito aos seres menores. Os produtos da infância são próprios da infância e, portanto, naturais de seu ser. “Emilio” é para pedagogia ponto de partida, palavra inicial, raiz “. A obra descobre a infância nomeando-a e normatizando sua existência; situando-a naquela posição das coisas que merecem um nome e, portanto, ser estudadas e respeitadas; a pedagogização da infância não é, em absoluto, coisa de criança”. A obra seguinte se refere à “Didática magna” de Comenius, cuja finalidade é a de buscar ordem (uma ordem natural e, portanto, uma ordem racional) nos afazeres relacionados ao ensinar e ao aprender. Para Comenius a essência da racionalidade, da especificidade humana, é a capacidade de dotar de ordem aquilo que aparece caoticamente (observar, denominar, classificar, graduar). Através de operações cartesianas o mundo, ou melhor, a atividade do homem é arrancada de seu destino celestial 31 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 para ser examinada conforme regras da razão e, sobretudo, para ser ordenada em função destas. Demonstra também que os discursos relacionados à conceitualização de infância entre Rousseau e Comenius são diferentes, enquanto que em Emilio se pretende demonstrar justamente o tipicamente humano do ser infantil, por um procedimento de comparação e inferência, Comenius chega ao ponto oposto: em todas as coisas que revelam a gradação, a infância é um momento indispensável (NARODOWSKI, 41-45). Os textos de Comenius e de Rousseau são exemplos possíveis da fase de elaboração discursiva do processo de escolarização da criança. É importante destacar algumas especificidades discursivas sobre a necessidade de formação das criançasinfâncias trazidas na obra de Comenius (1997 p. 100-101): Como dos anos da infância e da primeira educação depende todo o resto da vida, se os espíritos não forem, desde o principio, suficientemente preparados para as circunstâncias de toda a vida, não haverá mais nada a fazer. Assim como no útero materno se formam os membros igualmente para todos os homens, e em cada um se formam as mãos, os pés, a língua etc., ainda que nem todos venham a ser artífices, corredores, copistas, oradores, também na escola é preciso ensinar a todos as coisas que digam respeito ao homem, ainda que depois uma delas venha a ser mais útil a um, e outra ao outro. Para Comenius a infância é considerada a fase ideal para aprendizagens, momento de definições de caráter, personalidade, ou seja, uma sólida “formação do homem” depende da maneira que a educação da criança é conduzida na primeira infância. Esta educação interessa tanto aos pais como às crianças e também para as instituições sociais (igrejas, escolas, Estados). As reflexões de Comenius trazem o entendimento de que existe uma ordem maior, na sua concepção “Deus” o criador que regulamenta, normatiza e conduz a passagem das pessoas no lugar em que vivem; por isso a educação, a condução deste caminhar depende das escolas e dos mestres preparados para tal ofício. Conforme Comenius (1997 p.87): “Assim como se devem preparar os pesqueiros para os peixes e os pomares para as plantas, também se devem preparar as escolas para os jovens”. O discurso de Comenius revela certa naturalidade ao falar da necessidade de escolarização das crianças. No decorrer de sua obra faz inúmeras comparações entre os homens, plantas e animais, querendo demonstrar que existem possibilidades de intervir no processo de formação das pessoas, assim como acontece com os outros seres vivos - não humanos. Existe uma ordem, um lugar, um espaço-tempo para desempenhar tal tarefa; para ele, o ambiente mais adequado é a escola. As escolas são as oficinas da humanidade: elas transformam os homens em homens de verdade, ou seja, (visando aos fins já estabelecidos): 1) uma criatura racional; 2) uma criatura senhora das criaturas (inclusive de si mesma); 3) uma criatura deleite de seu criador. Isso acontecerá se as escolas se esforçarem por tornar os homens sábios na mente, prudente nas ações, piedosos no coração (COMENIUS, 1997, p.96). Para este autor, a escola tem um fim definido e estabelecido. É considerada uma verdade que visa a formação do homem desde a mais tenra idade. A preocupação pode não ser a educação e a consideração da criançainfância, mas uma formação adequada desde a primeira infância poderá garantir um homem útil para a sociedade em que vive. Como ensina Foucault (2004) a “formação de corpos dóceis” parece ser um dos principais objetivos. Colocando o homem como centro das situações de aprendizagem e de conhecimento e a escola como o espaço mais adequado para este processo, Comenius (1997) admite que existe uma formação verdadeira capaz de transformar “homens simples” em “homens de verdade”. Comenius buscou uma maneira ideal, dotada de ordem para conduzir a formação deste “homem verdadeiro”, teve fins e meios definidos e estabelecidos que, ao invés de garantir a autonomia das pessoas, ao contrário visava o condicionamento às regras pré-estabelecidas. Diante das considerações sobre a educação das criançasinfâncias gostaria de refletir algumas inquietações suscitadas a partir da leitura de Comenius. Atualmente o que fazemos nas escolas? Será que continuamos a perseguir uma verdade única que serve para todos (as)? Persistem: ordens, controles, seriações, divisões de espaços-tempos? Estas indagações são consideradas pertinentes para que as próprias práticas cotidianas enquanto professores e professoras possam ser questionadas. É importante perceber que as relações adulto/criança, professor (a) e aluno (a) são marcados (as) por limites, regras que fazem parte da infantilização e escolarização que teve seu início na modernidade. O tempo da criança nas instituições seja familiar ou escolar passa a ser controlado e organizado conforme as necessidades biológicas que contemplam o cuidado com o corpo. O corpo infantil é percebido; porém, muitas vezes manipulado conforme os ideais dos adultos que admitem saber o que é melhor às crianças, estabelecendo uma relação de submissão. Permeada por relações de poder-saber4, a instituição escolar e familiar estabelece dependência das crianças em relação aos maiores. Esta supremacia do adulto garante e mantém as diferenças, separam o tempo e o espaço de um em relação ao outro. 4 Para o filósofo e historiador francês Michel Foucault poder e saber estão diretamente relacionados, não há como existir poder sem estar em relação com um campo de saber. As relações de poder-saber são exercidas e sofridas entre os sujeitos. 32 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 Considero o espaço-tempo da infância como uma fase de muitas descobertas e aprendizagens que merecem ser incentivadas pelo professor (a), família e sociedade. Na interação com crianças que freqüentam uma escola de Educação Infantil, alguns depoimentos chamaram a atenção. Na semana da Páscoa as crianças enfeitando seus ninhos na escola, desenhando, pintando e conversando demonstram entendimentos que instigam reflexão. Segue o entusiasmado diálogo: __”O coelhinho nem existe, é uma pessoa que se veste”. Os desejos, os sonhos, as fantasias possuem conotações variadas dependendo da realidade vivida, das relações e das vivências de cada criança. Em meio a tantas possibilidades que o mundo atual oferece: televisão, Internet, jogos eletrônicos, fica o desafio de permitir à criança sonhar e, a partir de então, descobrir que papainoel e coelhinhos até podem existir em nossa imaginação e fantasia; porém, em algum momento (que é diferente para cada criança) chega a hora de perceber que na vida real existem poucos lugares para esses personagens que enfeitaram a vida até então. De acordo com Bujes (2002, p. 18): __”Existe sim, ontem lá em casa ele deixou vários chocolates enquanto eu dormia!”. As idealizações da infância como um espaço utópico – o reino da inocência, da sensibilidade, da desproteção, da felicidade, como também de uma quase miraculosa progressão cognitiva – deram lugar a uma visão da criança como sujeito de seu tempo, pressionada pelas condições do meio, marcada por diferenças de gênero, classe, etnia, raça, idade, corpo, etc. __”Mas não foi o coelhinho, ele nem existe nada, é um adulto que se veste. É tudo mentira!”. __”Profe, né que o coelhinho existe sim, a colega está dizendo que não, mas eu sei que sim!”. O que fazer? O que responder? O professor (a) e a escola são referências para as crianças. O ingresso na Escola Infantil é o momento em que a criança sai de seu ambiente familiar e estabelece relações diferentes da convivência em família. A escola é o lugar em que a criança expande seus horizontes de compreensão do mundo e das relações sociais vivenciadas no cotidiano. Trago este diálogo para refletir até que ponto nossas crianças estão vivendo a magia, a fantasia, o sonho da infância e como a escola e o professor (a) podem contribuir incentivando ou destruindo toda e qualquer possibilidade de fantasia que são próprias da infância. Será que o encanto acabou? Onde estão as fadas encantadas, o papai-noel, os duendes, o coelho da Páscoa e até o bicho-papão? Pode ser que acabaram sufocados pela era industrial, pela modernidade ou ainda pelo avanço das redes de comunicação que representam as necessidades da infância contemporânea de forma diferente das vividas por nossos avós, pais ou nós mesmos. As constantes mudanças sociais e avanços vivenciados em nosso dia-a-dia revelam não mais “a criança”, ou “uma infância” idealizada e colorida. Pelo contrário, são “crianças e infâncias” que pertencem a culturas diversas, convivendo em um espaço-tempo de globalização permeado por fluxos e redes de informações5. Todo esse movimento social interfere de maneira significativa na vida das pessoas estabelecendo relações de poder-saber6 que conduzem os discursos, as linguagens e as representações de sujeitos. A representação sobre a criançainfância perpassa todos esses movimentos e nele se constitui. Criam-se novas necessidades, atribuindo novos sentidos e novas maneiras de compreender os acontecimentos. “Falar em visão de criança como sujeito de seu tempo”, como enfatiza a autora, leva a perceber que os discursos sobre a infância se constituem de acordo com as condições e possibilidades que o meio oferece. O tempo controlado, medido, cronometrado é o retrato da sociedade em que vivemos e as rotinas das crianças não fogem a essas regras de controle e da máxima produtividade do tempo. A reflexão trazida com Bujes (2002) remete ao entendimento de que a infância é constituída por discursos carregados por significações que delimitam a maneira de conceber a infância. Os discursos mediados pela linguagem atravessam a educação das crianças pequenas e conduzem a caracterizações específicas sobre a forma como convém ser pensada, cuidada e educada. São as próprias instituições responsáveis pela educação das crianças que produzem, consolidam e reforçam esses discursos cotidianamente. Por outro lado, a inocência, a felicidade, a proteção são aspectos que fazem parte da vida das crianças e sua consideração remete ao reconhecimento da criança como sujeito. Independente da cultura, do gênero, da classe, da raça, o mundo imaginário e a fantasia são alguns dos aspectos constituidores do jeito de ser criançainfância. Esta relação da criança com o “mundo imaginário” possibilita que aos poucos passe a compreender o “mundo em que vivem”. A letra da música: “Somos quem podemos ser” de Humberto Gessinger (2004) reflete de forma poética a relação entre o mundo real e o imaginário que tento retratar. Um dia me disseram que as nuvens não eram de algodão. Um dia me disseram que os ventos às vezes erram a direção. E tudo ficou tão claro, 5 Manuel Castells (1942) em sua obra “A Sociedade em Rede” demonstra a dinâmica social vivenciada em nosso cotidiano. Referindose aos espaços de fluxos, o autor enfatiza a quantidade enorme de informações que temos a nosso dispor devido ao avanço das redes de comunicações entre as pessoas e o mundo. 33 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 um intervalo na escuridão. Uma estrela de brilho raro, um disparo pára o coração. A vida imita o vídeo, garotos inventam um novo inglês. Vivendo num país sedento, um minuto de embriaguez. Nós somos quem podemos ser, sonhos que podemos ter. Um dia me disseram quem eram os donos da situação. Sem querer eles me deram as chaves que abrem esta prisão. E tudo ficou tão claro, o que era raro fico comum. Como um dia depois do outro, como um dia, um dia comum. Um dia me disseram que as nuvens não eram de algodão. Um dia me disseram que os ventos, às vezes erram a direção. Quem ocupa o trono tem culpa. Quem oculta o crime também. Quem duvida da vida tem culpa. Quem evita a dúvida também tem. Somos quem podemos ser, sonhos que podemos ter. O encanto e a beleza de ser criança e descobrir o mundo a todo instante é privilégio da fase da vida denominada infância. Parece desnecessário que o “encanto” seja quebrado antes do tempo. Por mais que haja pressa em vê-los crescer e perceber a realidade do mundo em que vivem, no imaginário ficam lembranças do tempo em que o impossível era alcançado, que o céu era mais próximo e as nuvens com certeza eram de algodão. Em um mundo adulto de tantas incertezas, por que não permitir a criança sonhar que pode ser o que sua imaginação permitir, sem que o social interfira? Porém, seria quase impossível admitir essa façanha, levando em consideração que as próprias fantasias das crianças são produzidas na relação com o imaginário social que a constitui. “A vida imita o vídeo” ou de repente poderia dizer que: “o vídeo imita a vida”. Na ficção ou na realidade “somos quem podemos ser” na relação com os outros, constituídos historicamente pela cultura e assim: “quem duvida da vida tem culpa e quem evita a dúvida também tem”. A origem dos porquês, como, quando, onde e de que maneira homens/mulheres/crianças foram/são constituídos desde a mais tenra idade permanece como incerto e duvidoso. Diante disso, é interessante permitir as várias interpretações que possam surgir; entre elas, as compreensões de “criançasinfâncias”. Essas várias interpretações discursivas de “criançasinfâncias” perpassam de maneira significativa as instâncias e os mecanismos organizacionais que legitimam a prática pedagógica das instituições educativas. Entre essas instâncias de poder-saber destaca-se o discurso do Ministério da Educação com o parecer CNE/ CP 05/2005 estabelecendo as novas Diretrizes Curriculares para os Cursos de Licenciatura Plena em Pedagogia homologada em de 11 de abril de 2006, conforme projeto de resolução CNE/CP 03/2006 enfatizando: A relevância das investigações sobre as especificidades de como as crianças aprendem nas diversas etapas de desenvolvimento, especialmente as de zero a três anos em espaços que não os da família. A aprendizagem dessas crianças difere daquelas entre 7 e 10 anos; elas se manifestam por meio de linguagem próprias à faixa etária, e em decorrência há especificidades nos modos como aprendem. Estudos vêm demonstrando que o desconhecimento dessas particularidades, entre outras, tem gerado procedimentos impróprios e até de violência às linguagens e necessidades do educando. Daí decorre a exigência precípua do curso de Pedagogia examinar o modo de realizar o trabalho pedagógico, para educação da infância a partir do entendimento de que as crianças são produtoras e produzidas numa cultura, rompendo com uma visão da criança como um “vir a ser” (PARECER 05/2005.p.13). O discurso do Ministério da Educação/ MEC sobre a maneira como a criança pode/deve ser olhada pelas instituições merece ser levada em consideração. Não é mais possível admitir nas Escolas Infantis o despreparo das pessoas que são responsáveis pela educação e cuidado das crianças. As particularidades de sua educação merecem atenção especial, sendo consideradas pelos (as) professores (as) e pelas instituições educativas. Com a aprovação do parecer CNE/CP 05/2005 todas as instituições de Ensino Superior terão que adequar as bases curriculares dos Cursos de Licenciatura Plena em Pedagogia às novas exigências educacionais. A educação inicial é (a) considerada fundamental para que os professores (a) possam desenvolver nas escolas práticas pedagógicas condizentes com as necessidades da criança e do meio em que está inserida. Aliado aos conhecimentos produzidos nos cursos de licenciaturas está a educação continuada que possibilita ao professor (a) ampliar seus saberes na relação e socialização de experiências com os próprios colegas de escola e também considerando o discurso infantil, articulando a teoria estudada com a prática vivenciada nos ambientes sócio-educativos. Essa articulação entre a teoria e a prática7 permite ao professor (a) problematizar as relações estabelecidas com as crianças no cotidiano escolar, percebendo a necessidade de compreendê-la como sujeito do processo educativo e não mais como um “vir a ser”. Considerar a infância das crianças é oportunizar espaços-tempos para que possam expressar sentimentos e desejos a sua maneira, com a orientação e mediação do adulto, mas não com autoritarismo e submissão às suas “verdades”. As considerações das criançasinfâncias correspondem a processos históricos de mudanças na maneira de conceber esta fase da vida e a reflexão acerca dessas questões merecem ser constantemente retomadas para que as 7 Para Foucault não existe distinção entre teoria e prática, “tudo é prática” e usa os termos práticas discursivas e não-discursivas para desenvolver esta idéia. Entendo que a atitude de negar a ação não deixa de ser uma prática, por isso não-discursiva, porque o ato de pensar e refletir não se concretizou para gerar alguma mudança na maneira de conduzir certa atividade ou na tentativa de resolver um problema. Percebo as práticas discursivas como tudo aquilo que é concretamente realizado no cotidiano; por exemplo, de uma escola que pode vir a gerar um melhor entendimento e transformação da realidade. 34 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 práticas discursivas venham a atender de forma efetiva as necessidades educativas das crianças pequenas em consonância com as expectativas da sociedade constituída e constituinte nas relações entre sujeitos. NA PERSPECTIVA DE CONTINUAR(...) As reflexões trazidas nesta escrita visaram a problematização em torno da temática abordada. É importante esclarecer que o tema não se esgota; por isso, opto por não usar o termo “conclusão” para finalizar estas breves reflexões. As questões que envolvem a “criançainfância” dizem respeito a um contexto amplo e complexo que por muito tempo e ainda hoje acabam sendo minimizadas. É importante salientar também que este artigo é parte de reflexões amplas que constituíram dois anos de estudo, culminando na dissertação de mestrado que teve como título: “Educação continuada de professores na espaço-tempo da escola infantil: relações de poderes e saberes”. De forma alguma posso afirmar que este tema, ou mesmo minha preocupação, esgotou-se nesta pesquisa. Este é o sentido do trabalho realizado. Jamais se esgota, não é algo definido, acabado, dado como estabelecido. Parto da perspectiva de que estar em constante processo de construção e (re)construção de parâmetros, análises, reflexões podem levar ao encontro de uma possível compreensão da realidade vivida, confrontada com o ideal suscitado por todos que acreditam na educação como uma possibilidade de conhecer o desconhecido, para assim produzir conhecimentos não apenas sobre, mas com os sujeitos envolvidos na pesquisa. REFERÊNCIAS: ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981. ALVES, Nilda. O espaço escolar e suas marcas: o espaço como dimensão material do currículo. Rio de Janeiro: DP & A, 1998. BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Infância e maquinarias. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. BRASIL. Ministério da educação. Diretrizes Curriculares Nacionais. Brasília: Ministério da educação, 2005. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2003 COMENIUS, João Amós. Didática Magna. Tradução: Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 1997. FERRAÇO, Carlos Eduardo. Pesquisa com o cotidiano.In: Trabalho apresentado na 27a Reunião Anual da ANPEd, Caxambu/MG, 2005. FOUCAULT, Michael. Microfisíca do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979. ___ Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 2004 GESSINGER. Humberto. Somos quem podemos ser. São Paulo: Acústico MTV, 2004. LARROSSA, Jorge. KOHAN, Walter. Educação: experiência e sentido. In: RENCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. NARODOWSKI, Mariano. Infância e Poder: conformação da pedagogia moderna.Bragança Paulista: editora da universidade São Francisco, 2001. VEIGA-NETO. Foucault e a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. De acordo com Larrosa e Kohan: É a experiência, e não a verdade, que dá sentido à escritura. Se alguma coisa nos anima a escrever é a possibilidade de que esse ato de escritura, essa experiência em palavras, nos permita liberar-nos de certas verdades, de modo a deixarmos de ser o que somos para ser outra coisa, diferentes do que vimos sendo (2005, p.03). Com esta afirmação quero ressaltar que todas as considerações contidas nesta produção consideram o momento vivido, refletem o entendimento atual, fazendo parte de uma experiência de escrita, não tendo a pretensão de estabelecer uma verdade, nem mesmo encerrar o estudo; pelo contrário, o desejo é dar continuidade às problematizações que constituem esta experiência. Experiência que desejo socializar, para assim instigar, questionar, desnaturalizar as formas de conceber a educação e o cuidado das criançasinfâncias. 35 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 A PROFISSIONALIZAÇÃO DO TRABALHO DOS FUNCIONÁRIOS DE ESCOLA: POSSIBILIDADES EM EDUCAÇÃO E GESTÃO DE PESSOAS Rúbia Emmel1 Renata Amélia Roos2 Vera Beatriz Pinto Zimmermann Weber3 RESUMO Este estudo é resultado de uma pesquisa realizada com funcionários de escola e vem contribuir para a Educação e Gestão de Pessoas. Realizado em todas as escolas da rede pública municipal de um município do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, teve como objetivo analisar a relação dos funcionários com o trabalho que realizam nas escolas, focando as percepções e expectativas quanto ao ambiente de trabalho. Através de um diagnóstico situacional, caracterizado pela abordagem quali-quantitativa, a pesquisa revelou a necessidade dos gestores do município oportunizarem atividades voltadas à formação profissionalizante do grupo, proporcionando a estes a produção de conhecimento e trocas de experiências, visando maior valorização destes no espaço de trabalho e integração com os demais segmentos da escola. Entendendo que seu trabalho é importante para a Educação, uma vez que os funcionários podem cumprir a função de educadores informais, já que possuem uma relação diferenciada com os alunos e comunidade capaz de favorecer laços afetivos e o compromisso social. Palavras-Chave: Funcionários de escola, Educação Informal, Valorização profissional, Gestão de Pessoas. ABSTRACT This study is the result of a research carried out with school officials, and comes to contribute to the Education and Management of People. This research was carried out to all schools in the public network for a city at Northwest region of the state of Rio Grande do Sul, and had as its main purpose to examine the relationship of the officials with the work they act in schools, focusing on the perceptions and expectations of the working environment. Through a situational diagnosis, characterized by the qualitative-quantitative approach, the survey showed the need for managers of the municipality to offer activities geared to the vocational training of the group, giving these the production of knowledge and exchange of experience, aiming to greater valorization of them at work and integration with other segments of the school. Considering that their work is important to education because the officials can fulfill the function of informal educators, since they have a different relationship with the students and community able to foster ties of affective and social commitment. Keywords: Officials of school, Informal Education, Professional Recovery, Managing People. 1. INTRODUÇÃO O desafio de educar é tarefa de todos e depende da ação colaborativa a ser desenvolvida entre governos e sociedade civil. Na realidade, a aprendizagem, principal função social da escola, na perspectiva da formação cidadã, envolve a aquisição de um conjunto de informações, habilidades e valores, todos socialmente relevantes que ocorrem no contexto de uma ação educativa desenvolvida no interior da escola. Também é evidente que, de forma complementar à importante atuação do/a professor/a em aula, ocorrem significativos processos educativos nos demais ambientes da escola. Esses processos de comunicação interativa e de vivência coletiva colocam em cena os trabalhadores em educação vistos na maioria das vezes como “não-docentes” que estão atuando nas instituições de ensino em todo país, aqui denominados/as funcionários/as de escola. Este estudo tem, portanto, como principal objetivo, colocá-los/as em cena, instalando assim, no ambiente da rede pública municipal, a discussão de uma política de valorização a 1 Acadêmica do 7º semestre do Curso de Pedagogia da SETREM. E-mail: [email protected] Professora Orientadora deste estudo, Psicóloga, Mestre em Psicologia Social e Institucional, Professora dos cursos de Graduação em Pedagogia e Psicologia na SETREM. E-mail: [email protected] 3 Professora Co-orientadora deste estudo, Mestre em Educação nas Ciências, Professora dos Cursos de Pedagogia e Normal Superior da SETREM. E-mail: [email protected] 2 36 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 ser implementada em regime de colaboração com os sistemas de ensino. Um gesto de reconhecimento da sua identidade social e o reconhecimento institucional da sua valorização profissional. Para tanto, este estudo oferece subsídios para pensar como anda o ambiente de trabalho dos funcionários de escola. Através de um diagnóstico situacional, fez-se uma análise referente a alguns temas que permeiam a Gestão de Pessoas, em uma rede de escolas públicas municipais, a partir de uma abordagem quali-quantitativa. Realizado através de visitas, de conversas informais, de questionário fechado aplicado a funcionários de escola, além de estudos bibliográficos. Com vistas a sugerir ações que incorporem esse profissional na rede como agente em educação, capaz de colaborar para a qualidade da Educação. Este instrumento de coleta foi escolhido com o intuito de facilitar e ampliar a comunicação, fazendo dessa forma com que se “contribua para emergir a visão, os juízos e as relevâncias a respeito dos fatos e das relações que compõem o objeto do ponto de vista dos interlocutores” (MINAYO, 2003, p.87). 3. O QUE PODEM OS FUNCIONÁRIOS DE ESCOLA? O funcionário de escola também educa. Deve-se valorizar a competência construída na experiência cotidiana dos problemas da escola e na observação dos alunos, a capacidade de dedicação desses funcionários à escola e às crianças. Nunes; Brito; Athayde (2001, p. 54), questionam “Só após terem adquirido o conhecimento escolarizado é que serão capazes de dizer alguma coisa e de ser ouvidos ou de fazer parte do grupo de educadoras?” Além do professor há outras funções dentro da escola que também estão envolvidas no processo de educar, embora não em caráter formal. É o caso dos funcionários que, contratados para desempenhar atividades operacionais específicas, bem sabem que, dentro deste tipo de instituição, seu trabalho envolverá o contato direto com os alunos. Neste sentido, o trabalho da funcionária encarregada pela limpeza nunca será o mesmo da faxineira de um escritório; o da merendeira jamais poderá ser comparado ao da funcionária de uma cozinha industrial; o da funcionária da portaria da escola, então, de longe não se assemelha ao da portaria de um prédio ou empresa. O que dizer, então, no caso das escolas onde alguns desses acumulam função de tomar conta dos alunos durante o intervalo? (CODO, 1999, p. 50). Constitui assim, gradualmente, uma concepção de educação cidadã, que se afasta de modelos pedagógicos padronizados e excludentes, em favor de um ambiente de aprendizagens colaborativas e interativas, que considerem todos os/as integrantes da escola protagonistas do processo educativo. 2. METODOLOGIA Após uma conversa com o Secretário de Educação do município em questão, na qual este explicitou a sua preocupação com a Equipe de Funcionários, no que diz respeito à crescente demanda de laudos de afastamento do trabalho, aos conflitos existentes entre funcionários e professores da escola e a não participação destes neste contexto, passamos a pensar na possibilidade de desenvolver uma pesquisa em gestão de pessoas em contexto educacional com os funcionários da rede de ensino do município. Para tanto, produzimos um questionário motivacional, com base no modelo proposto por Celinski (1995), com questões referentes à Política da Instituição, Normas Administrativas, Estilos de Chefia, Relações Interpessoais (profissionais, comunidade escolar, estudantes), Condições de Trabalho, Sentido de Realização, Reconhecimento, Responsabilidades, Autonomia, Conteúdo do Trabalho, Promoção e Comunicação. Codo (1999) pensa que todo trabalho envolve algum investimento afetivo por parte do trabalhador, quer seja na relação estabelecida com outros, quer mesmo na relação estabelecida com o produto do trabalho. Para tanto, o autor afirma que o ato de cuidar/educar consiste em ser realizado com sucesso. Torna-se obrigatório o vínculo afetivo. Para o mesmo autor (1999, p. 51) “devemos considerar educadores todos aqueles, professores ou não, que atuam na instituição e de alguma forma interferem na formação do aluno”. Esta pesquisa fez um diagnóstico situacional e um estudo documental, caracterizado pela abordagem qualiquantitativa. Foi realizada através de questionário fechado (105 questões fechadas), aplicado a todos os funcionários da rede Municipal de um município da Região Noroeste do Rio Grande do Sul, estando entre estes: 37 serventes e merendeiras, 7 secretárias e 9 monitoras. As informações coletadas, observadas e analisadas, constituíram um suporte primordial para o desenvolvimento do estudo. 37 Para os alunos mais novos, elas são “a tia da limpeza”, “a tia do banheiro”, “o tio do portão”, “a tia do refeitório”. Estes funcionários, muitas vezes, conhecem os alunos pelo próprio nome. Sabem dos problemas familiares, dos comportamentos indisciplinados, até mesmo das dificuldades nesta ou naquela disciplina (CODO, 1999, p. 51). REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 A educação permeia os múltiplos espaços da escola e ultrapassa seus muros. Os autores Nunes; Brito; Athayde (2001, p. 62) pensam que “vários atores participam do processo educativo; cabe reconhecê-los, valorizá-los, recuperá-los para que, de alguma forma, isso seja canalizado para a educação, já que, afinal esse é o objetivo fundamental da escola”. Pensamento que é corroborado por Codo (1999, p. 51): “os funcionários podem não participar da educação em termos de currículo oficial da escola, mas, sem dúvida nenhuma, contribuem e muito para garantir o bem-estar dos alunos, para a criação de hábitos, atitudes e valores”. Neste sentido, o funcionário também tem a sua participação no currículo oculto e mesmo sem perceber está envolvido em muitas atividades deste. Outro momento importante em que o trabalho das merendeiras deve ser visto como educativo e segundo os autores Nunes; Brito; Athayde (2001, p. 55): “o momento de distribuição da merenda é de desenvolvimento unificador, ou seja, são dimensões coletivas e relações de cooperação presentes no ato de educar desenvolvido pelo conjunto de trabalhadores na escola”. Os mesmos autores afirmam que um melhor desempenho de suas atividades e desenvolvimento estariam articulados ao reconhecimento do ofício de cozinheiras, pois as atividades desempenhadas pelas merendeiras não se resumem à preparação de pequenos lanches escolares. Segundo os autores, “elas preparam, com dedicação, refeições completas, procurando adequálas ao gosto dos alunos e torná-las saborosas”. A forma como ocorreu a entrada de merendeiras e serventes no serviço público é colocada pelos mesmos autores como bastante irregular: “sendo muitas voluntárias e/ou pagas com dinheiro de caixa escolar ou indicadas por políticos” (p.52). A partir da década de 80, conforme os mesmos autores, é que se deu início à luta por melhores condições de trabalho e por sua efetivação nos quadros do funcionalismo público; para tanto, foram criadas Associações de Servidores, campanhas de valorização de funcionários/as, sindicatos. Estes reconhecem que um dos maiores problemas para os funcionários seria a falta de escolaridade4 e de profissionalização, o que justifica para estes autores o papel secundário dos mesmos no cotidiano da escola. O ofício de cozinhar, segundo Nunes; Brito; Athayde (2001, p. 66), “traz à memória lembranças tantas vezes presenciadas quando crianças nas cozinhas e fruto de tantas brincadeiras de “comidinha” que eram, na realidade, treinamento para um ofício”. Suas habilidades e destrezas, consideradas naturais às mulheres e por isso desvalorizadas socialmente, já que não são consideradas como qualificação profissional, legitimam a divisão sexual do trabalho. Essas qualidades, na verdade adquiridas no decorrer da vida, são resultado, portanto, de anos de treinamento e aprendizado, desde meninas até se tornarem mulheres no trabalho doméstico (NUNES; BRITO ATHAYDE, 2001, p. 66). Na citação acima podemos perceber que existe sim um memorial, ou seja, pressupostos que condizem à vocação de merendeiras ou serventes, que existiram pressupostos que postularam a esta profissão, uma agregação de valores constituídos já na infância, para que então se identificassem nesta carreira (profissão), se tornando assim profissionais qualificados pela escola da vida, que se julga ir além das barreiras da escola. 4. COMPREENDENDO RESULTADOS OS 4.1 Os Outros: como estão as percepções? Um longa-metragem, dirigido por Alejandro Amenábar, chamado “Os Outros”, pode ajudar a pensar a sensação que foi passada durante os encontros com os funcionários nas escolas. Neste filme, duas famílias coabitam o mesmo espaço sem se enxergarem, mas sentindo os efeitos da presença de ambas nas transformações das paisagens - cortinas que se abrem, sons de outras salas, portas que se trancam e destrancam. Percebem-se, mas não se olham, não se vêem. O filme é um suspense, e mesmo apelando para explicações paranormais, não se pode deixar de notar a sobreposição de cenas com a realidade vivenciada no cotidiano de muitas Instituições escolares, principalmente no que se refere às relações entre as pessoas no ambiente escolar. Ao longo da pesquisa foram visitados 13 escolas e um Centro Cultural a fim de que todos os funcionários tivessem a chance de responder ao questionário. O procedimento era sempre o mesmo, entrava-se em contato com a Instituição e se marcava um dia e horário para a execução da pesquisa, mas em cada espaço uma dinâmica diferente se apresentava: uma forma de recepcionar, de disponibilizar, de estranhar o que acontecia. E foram essas sensações que inspiraram a análise que será feita neste espaço. Observações que tangenciavam a coleta de informações formais, referentes ao modo como alguns entravam e saíam das salas, aos comentários, às dificuldades, às resistências e disponibilidades. 4 No caso da pesquisa que realizamos, pôde-se observar que de um total de 53 funcionários, 26 tinham apenas o ensino fundamental (49%); 19 possuíam ensino médio (36%); 7 com ensino superior (13%) e 1 que não havia freqüentado a escola (2%). 38 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 Uma primeira questão feita por quem nos recebia na escola que, sem exceção, fazia parte do corpo de professores ou direção, era quanto ao fato do trabalho estar voltado para os funcionários e não professores, como se isso causasse um estranhamento naquela rotina. Mas não eram apenas os professores que pareciam confusos por não estarem no centro da pesquisa, mas também os funcionários manifestavam seu espanto com o fato. Uma funcionária da limpeza diz: “Nossa! O que não inventam. Virem aplicar questionários para nós funcionários?”. se sente desinvestido e não se percebe como educadores; em alguns momentos estranhando o fato de se estar realizando um trabalho com eles e não com os professores. Não centralizar o estudo na figura do professor e/ou estudante, ou mesmo na família deste, fez com que aqueles que ali trabalham ficassem incomodados, ou seja, o fato dos funcionários estarem no foco da pesquisa, suas satisfações e insatisfações com o trabalho, produziu efeitos naquele cenário, mobilizando aquelas pessoas de forma diferente e mexendo com o que estava posto. Uma vez que se permite quebrar a tríade, estudantes-professoresfamiliares, trazendo para o foco um elemento muitas vezes esquecido, no que se refere à Educação. Esse nome de Pasárgada, que significa “campo dos persas”, suscitou a imaginação do poeta Manoel Bandeira a uma paisagem fabulosa, um país de delícias. Quando poeta, Manoel Bandeira passou por um momento de profundo desânimo, da mais aguda doença, saltou-lhe de súbito do subconsciente esse grito estapafúrdio: “Vou-me embora pra Pasárgada!”. Outra questão marcante durante as visitações se refere à preocupação dos professores com a capacidade dos funcionários responderem ao questionário. Devido ao baixo nível de escolaridade, eles argumentavam que estes não seriam capazes de ler e compreender o que estava sendo perguntado. Realmente, havia funcionários analfabetos. Mas isso não os impossibilitava de responder o material e muito menos permitia que acontecessem situações de desrespeito. Como no caso em que uma professora adentrou abruptamente a sala onde os funcionários estavam respondendo às perguntas, dizendo: “Nossa! Você está fazendo com todas as merendeiras juntas, e elas vão saber responder?” E logo após tomando para si o questionário das mãos de uma das serventes, completando: “Ah, ta! Isto é só de marcar então é fácil mesmo, nós professoras também vamos responder, né?” Havia sim dificuldades por parte dos funcionários em algumas questões, mas principalmente naquelas que envolviam sentimentos e expectativas destes para com a escola e em frases que destacavam a opinião sobre o Reconhecimento pelo trabalho bem feito, Responsabilidades e o Sentido de Realização. Principalmente, quando faziam referência à percepção que os outros tinham deles. Esse fato chama a atenção, uma vez que novamente parece que há um distanciamento entre os funcionários e o restante da equipe. Afinal, como poderiam saber o que os outros pensam de deles, de seu trabalho, se o contato é bastante engessado? Afinal, que tipo de feedback está recebendo? Se é que recebem. Assim, ao longo da coleta de dados, durante as aplicações dos questionários, entrando em contato com a realidade escolar, foi possível observar elementos que se referiam às percepções, julgamentos, tratamentos que as pessoas assumiam diante dos funcionários e até mesmo entre eles. O que foi exposto neste espaço só reafirma a importância da realização de trabalhos com os funcionários de escola, pois foi possível notar que o grupo de funcionários 4.2 (...) Vou-me embora pra Pasárgada Aqui eu não sou feliz Lá a existência é uma aventura (...) Manoel Bandeira nos descreve uma paisagem de felicidade que estaria em um lugar que sequer conhece. O que, traduzindo para a realidade pesquisada, suscitou-nos vários questionamentos, pois o que será que os funcionários sabem realmente desse lugar (instituições escolares) onde trabalham? Será que o conhecem? O que sabem sobre sua existência? Estariam os funcionários cientes dos problemas e enfrentados na Instituição que trabalham? Ou estariam apenas executando um serviço alheios à complexidade que os cerca? Conhecer os objetivos e missão da escola, por exemplo, faz com que os profissionais integrem suas ações e pensem coletivamente nas possibilidades de alcançálos, transformá-los e redimensioná-los. Mas se o profissional da educação que trabalha na escola não conhece esses sua missão e objetivos, como pode visualizar seu trabalho? Como faz para dar-lhe sentido? No caso da pesquisa realizada, constatamos que 68% dos funcionários concordaram que a escola tem objetivos definidos, 19% não souberam responder, outros 8% discordaram em parte. E 62% concordaram que conhecem os objetivos da escola, 22% concordaram em parte e 16% não souberam responder. A missão de uma empresa é a razão de ser pela qual ela foi criada e desenvolvida. Significa o papel que a empresa assume na sociedade em que está inserida. Representa a causa que a organização defende e pela qual se organiza e luta. Quando as pessoas absorvem a missão organizacional, deixam de trabalhar pela empresa (CHIAVENATO, 2005, p.45). Quanto ao fato dos planos de trabalho serem divulgados entre os funcionários, tivemos 62% dos funcionários que concordaram com a frase, 22% que concordaram em parte e outros 16% que não souberam responder. Resta explicar o porquê de tão pouco conhecimento por parte dos funcionários dos objetivos da escola. Principalmente se entendermos que o funcionário 39 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 capitulou frente à injunção patronal. Deve-se haver uma luta por novas relações sociais, ela deveria passar por um processo de desalienação. Por não ter sido objeto de um trabalho específico, a alienação corre o risco – a experiência histórica o mostra – de ser transposta tal e qual. Podemos também nos perguntar se o desmantelamento dos mecanismos da alienação não é uma condição necessária, embora insuficiente, para um projeto de transformação social (DEJOURS, 1992, p. 137). pode envolver-se trabalhando temas transversais em momentos que não dizem respeito à sala de aula, mas a espaços de recreação e refeição, por exemplo. Afinal, a aprendizagem social merece o desenvolvimento de todos na escola e não deveria ficar restrita aos professores apenas. Se uma turma do ensino fundamental está trabalhando meio ambiente, as merendeiras podem contar o que fazem com o que sobra das refeições, ou para aproveitar o máximo os alimentos, falar dos benefícios dos alimentos sem agrotóxicos, etc. Bem como os funcionários da limpeza podem contar o que fazem com o lixo da escola e como todos poderiam melhorar a coleta, que produtos são biodegradáveis, como conservar e reciclar evitando desperdícios. Enfim, envolvêlos significa usar mais e melhor a rede de agentes em prol da educação. Outra questão diz respeito à educação especial, fala-se muito em adaptar a escola para atender aos estudantes com necessidades educativas especiais, mas como os funcionários participam desse objetivo? Ainda se acredita que a educação se restringe apenas à sala de aula e não há uma real participação dos demais setores na busca de soluções. Como fazer essa ampliação da educação se a escola não amplia suas discussões em seu próprio meio? Afinal, são eles que estão presentes quando o estudante sente dificuldade e a partir de seus conhecimentos podem ajudar a criar alternativas para possíveis problemas estruturais. Paro (2001) afirma sobre a importância de que todos os segmentos que fazem parte das instituições escolares, bem como as relações ensino-aprendizagem, estejam impregnadas pelos fins da educação. Ainda descreve: “se isto não se dá, burocratiza-se por inteiro a atividade escolar, fenômeno que consiste na elevação dos meios à categoria de fins e na completa perda dos objetos visados com a educação escolar” (PARO, 2001, p. 95). É preciso haver mais reflexão por parte dos que trabalham com educação nas escolas, sobre a qualidade desta e sobre a verdadeira utilidade do serviço que se presta às famílias e à sociedade em si. Cabe ressaltar que a necessidade de aproximação dos funcionários com os interesses da educação muitas vezes não são entendidos por completo por estes. Como podemos perceber nos questionários, quanto perguntado sobre a importância de participar em reuniões pedagógicas, somente 48% concordaram que é importante participar, 22% concordaram em parte, 8% não souberam responder, 14% discordaram em parte e 8% discordaram inteiramente. Se o conceito de alienação não for pertinente em nível de análise econômica, isso não quer dizer que ele não seja válido no nível subjetivo e vivido. A alienação é uma verdade clínica que, no caso do trabalho, toma a forma de um conflito onde o desejo do trabalhador não E, novamente, em relação à participação dos funcionários nas reuniões pedagógicas, temos confirmado este quadro, quando para a frase “freqüentemente sou chamado a participar das reuniões” eles respondem: que 49% concordaram inteiramente, 46% concordaram em parte e 5% discordaram inteiramente. Fica marcada a setorização dos funcionários e não se oportunizam espaços para que compartilhem. Tanto merendeiras como serventes percebem várias coisas que acontecem com os alunos e não têm espaço para falar, um espaço de troca quanto ao que é necessário ao trabalho. Um espaço em que pudessem participar de vários atores – professores, merendeiras, serventes, etc. – buscando entrosamento de seus papéis e alternativa às situações. Discutir as dificuldades referentes a outras dimensões do processo de educação, o que estão descobrindo, o que está acontecendo com os alunos, suas capacidades, suas dificuldades, suas carências etc, isso fica guardado para elas. A escola na maioria das vezes não incorpora e não reconhece as experiências e as observações dessas potenciais educadoras (ATHAYDE; NUNES; BRITO, 2001, p. 59). Esse é um tipo de trabalho que, apesar de aparentemente simples, constitui-se na realidade, num trabalho difícil, complexo, que tem toda essa riqueza e que possibilita desenvolvimento e melhoria da escola pública, no sentido da assistência aos alunos e do seu cuidado. Segundo Athayde; Nunes e Brito (2001) o que observamos é que está presente na escola, como não poderia deixar de ser em uma sociedade capitalista, a divisão social do conhecimento em relação com a divisão social do trabalho. Athayde; Nunes e Brito (2001) pensam que as merendeiras e serventes, por desenvolverem um trabalho manual, “são consideradas trabalhadoras não qualificadas e subalternas, das quais não se espera ou se supõe que sejam capazes de pensar ou de ter algum tipo de conhecimento a respeito de seu trabalho”. (p.59) E mais uma vez neste sentido, os funcionários responderam na afirmação “eu conheço os problemas da escola”, que 27% deles concordam inteiramente, 36% concordam em parte, 24% não soube responder, 5% 40 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 discordam em parte e 8% discordam inteiramente. Comprova-se então a necessidade de que equipe diretiva ou de gestão de pessoas, situe o grupo de funcionários da escola como parte do todo da escola, mantendo-os informados sobre as dificuldades. pensar em uma formação profissional para estes trabalhadores. Tendo por objetivo que estes estabeleçam uma relação com o trabalho que dê visibilidade para seus saberes e potencialize e valorize o trabalho que desempenham na escola, promovendo concomitantemente o seu reconhecimento. Conhecer as dificuldades que a escola enfrenta é o primeiro passo para se estabelecer o sentido no trabalho, tornando-o mais explícito e integrado, no qual as ações e decisões são tomadas em conjunto no todo, e a Gestão se torna menos centralizada, oportunizando aos funcionários momentos de exercer o seu trabalho de forma a investir na criatividade, reconhecendo-os não apenas no fazer diário, mas nas transformações que propõe, faz parte e ajuda a promover. Para tanto, os funcionários... “poderiam ser incentivados a melhorar seu desempenho, diversificar o trabalho, conhecer melhor seu ofício, proteger a saúde que não adoeça, em função das condições e da organização do trabalho. Por exemplo, uma merendeira poderia ser orientada a respeito de como manejar os alimentos, preparar os pratos de forma mais criativa ou caprichada, como costumam falar. Poderia ser incentivada a troca de experiências com as demais merendeiras, pois verificamos que algumas têm muita inventividade para estimular as crianças ao consumo de determinados alimentos. Poderia ter, desse modo, seu saber valorizado e sua auto-estima reforçada no trabalho”. (NUNES; BRITO ATHAYDE, 2001, p. 53-54). Afinal, na maioria das vezes os funcionários são da comunidade onde a escola se situa e, se participam dos processos de decisão, planejamento, execução na escola, podem estar buscando estabelecer laços entre as pessoas do local e a escola. Além de serem agentes de informação e podem ser também mobilizadores, líderes e articuladores de processos de mudança e quem sabe assim a Pasárgada possa ser aqui. 4.3 Mas que trabalho é esse? A análise de algumas questões referentes à percepção dos funcionários quanto ao seu trabalho revelou que a maioria não acreditava que tivesse uma formação específica para sua função. Mesmo se mostrando bastante motivados com seu trabalho, 44% deles responderam que concordavam inteiramente com a afirmação de que “qualquer pessoa poderia fazer o meu trabalho”; sendo que 24% concordavam em parte e 24% discordavam inteiramente da afirmativa. O que significa dizer que o funcionário está cumprindo uma função na qual não percebe sua especificidade, nem mesmo a si próprio como importante para aquele fazer. E talvez por isso as respostas à afirmativa “meu trabalho permite que me desenvolva intelectualmente” tenham sido de um percentual de 44% para concordo inteiramente, 32% para concordo em parte, 8% para não sei responder e 5% para discordo em parte. Cabe destacar que historicamente o trabalho dito manual, foi desconsiderado pela sociedade, que entendeu o trabalhador como sendo desqualificado e subalterno, “dos quais não se espera ou se supõe que sejam capazes de pensar ou de ter algum tipo de conhecimento a respeito de seu trabalho” (Athayde; Nunes e Brito, 2001, p. 59). Isso porque estava relacionado com o trabalho escravo e da senzala. Enquanto o trabalho que passa a ser valorizado seria o trabalho intelectual. Mas para termos uma escola que privilegie a educação em todos os seus aspectos, seria importante Compreendemos por formação todos os processos educativos, formais ou não, que permitem a intervenção do sujeito no universo, agindo crítica e responsavelmente, primando pela ética nas relações, refletindo, avaliando e reformulando suas atitudes. A formação profissional, de modo intrínseco e complementar à primeira, “consiste de todas as formas pelas quais o profissional ganha mais competência pessoal, teórica, técnica, social” (LIBÂNEO, 1998). O indivíduo, dotado dos conhecimentos técnicos necessários à otimização de seu desempenho funcional, desenvolve-o com competência, criticidade e racionalidade, abandonando, gradativamente, as ações eminentemente empíricas. Ante a realidade educacional brasileira, a formação profissional dos trabalhadores em educação (funcionários de escola) reclama a atenção do poder público, mormente voltado, mesmo que de forma insuficiente, aos cuidados com o professor, requerendo a formulação de políticas adequadas às exigências de suas atribuições, às necessidades da escola e às demandas sociais a ela impostas. Historicamente, as políticas de formação de trabalhadores em educação sempre privilegiaram os professores, confirmando o cunho elitista da educação oferecida, inclusive nas escolas do sistema público. No entanto, a redescoberta do valor da escola e o reconhecimento da educação informal como fator relevante no contexto das transformações sociais têm estimulado a formulação de propostas inovadoras voltadas para o sistema de formação de educadores. 41 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante desse estudo que iniciou com a demanda da gestão municipal que se via preocupada com o alto número de pedidos de licenças médicas feitos pelos funcionários de escola, e que prosseguiu com um diagnóstico realizado com todos os funcionários do município, com o objetivo de compreender como estes estabeleciam e percebiam o ambiente de trabalho, consideramos que alguns aspectos precisam ser revistos e trabalhados pela gestão municipal, de forma a promover a saúde desse profissional e a qualidade da Educação no município. Primeiramente, identificamos um funcionário motivado e satisfeito com seu trabalho, em suas relações com as pessoas, com as condições de trabalho, com a chefia, etc, mas que se apresentava descontextualizado quanto aos problemas educacionais, desconhecendo a rede da qual faz parte, desinvestido em seu poder criativo e educativo. Um profissional que, na sua maioria, não se percebe como mão de obra especializada, exercendo um trabalho limitado em suas possibilidades. Sabendo que o reconhecimento do trabalho, de seu investimento, de seu ofício, é o que os funcionários buscam constantemente e, conforme Nunes; Brito; Athayde (2001), constitui elemento fundamental para a construção de sentido no trabalho e seu fortalecimento psicossomático. Assim, esse estudo abre a possibilidade de um próximo, no qual se vise às relações e implicações existentes entre os afastamentos do trabalho e o sentido do trabalho que é vivido. ATHAYDE, Milton; BARROS, Maria Elizabeth; BRITO, Jussara; NEVES, Mary Yale. Trabalhar na escola? Só inventando o prazer. Rio de Janeiro: IPUB/CUCA, 2001. CELINSKI, Leszek. Guia para diagnóstico em administração de recursos humanos: roteiros e instrumentos para qualidade. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1995. CHIAVENATO, Idalberto. Gerenciando com as pessoas: transformando o executivo em um excelente gestor de pessoas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. CODO, Wanderley. Educação: carinho e trabalho. Petrópolis: Vozes, 1999. DEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5.ed. São Paulo: Cortez, 1992. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos, para quê? São Paulo: Cortez, 1998. MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 22. ed. Petrópolis: Vozes, 2003. MOURA, Murilo Marcondes. Manoel Bandeira. São Paulo: Publifolha, 2001. OLIVEIRA, Silvio Luiz. Tratado de metodologia científica. 2ª ed. São Paulo: Pioneira, 1999. PARO, Vitor Henrique. Escritos sobre educação. São Paulo: Xamã, 2001. A proposta de profissionalização dos funcionários segue o pensamento de autores que pesquisam a temática, como Athayde, Brito e Nunes, e que entendem que este profissional deve cumprir seu papel na educação informal, a partir de conhecimentos em nutrição, higienização, psicologia, pedagogia, etc. Neste sentido, seria possível promover a valorização deste profissional e favorecer a Educação dos estudantes como um todo. Afinal, como apontou a pesquisa, os funcionários conhecem a comunidade, interessam-se pelos alunos e gostam do que fazem. Outro fator que merece ser considerado é a relação professor/ funcionário de escola, de forma a quebrar com a hierarquia e a relação de subordinação. Afinal, os funcionários necessitam de alguém que medeie suas reivindicações e lute pela qualificação e condições de trabalho. A formação de um líder entre eles seria uma alternativa a ser trabalhada e investida. REFERÊNCIAS ARROYO, Miguel G. Ofício de mestre: imagens e autoimagens. Petrópolis: Vozes, 2000. 42 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 AUTOCUIDADO E RISCOS OCUPACIONAIS: VISÃO DOS PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM Daniele Beatriz Reis1 Jane Lílian Ribeiro Brum2 Sociedade Educacional Três de Maio-SETREM3 RESUMO O autocuidado do profissional de enfermagem é uma pré-condição para que o cuidado também possa ser estendido como benefício para as demais pessoas, pois só quem cuida de si pode cuidar com melhor qualidade do outro. Na tentativa de conhecer o autocuidado e suas relações, este estudo tem por objetivo analisar as práticas de autocuidado desempenhados pelos profissionais da equipe de Enfermagem que exercem suas atividades profissionais em um hospital de médio porte em uma cidade do Noroeste do estado do Rio Grande do Sul. O método de investigação empregado é a abordagem qualitativa, do tipo exploratório. A pesquisa foi realizada de agosto a novembro de 2007. Na coleta de dados, realizaram-se entrevistas gravadas e depois de transcritas pelas autoras do estudo, respeitando a resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. A amostra foi composta de sete profissionais de Enfermagem. Para a análise dos dados foi utilizada a técnica de análise de conteúdo segundo Minayo et al. (2003). Conclui-se que em relação aos EPIs e riscos ocupacionais, os participantes do estudo são sabedores dos riscos aos quais estão expostos, mas em muitos casos deixam de usar todos os meios de prevenção, que seriam os EPIs, sendo que se percebe que há a necessidade de instituir programas de capacitação para o uso dos mesmos. Palavras-chave: Autocuidado, Saúde, Enfermagem ABSTRACT The self care of the nursing professional is a precondition for the care that can also be extended as benefit for the other people because the one who cares about himself is able to take care of the other with better quality. In an effort to know the self care and its relationships, this study has as its main purpose to examine the practices of self care played by professionals of the team of nursing who practice their professional activities in a medium size hospital in a city of the Northwest state of Rio Grande do Sul. The research method employed is the qualitative approach, of exploratory type. The survey was conducted from August to November of 2007. In the data collecting recorded interviews took place, which were transcribed by the author of the study, respecting the resolution No. 196/ 96 of the National Council of Health. The sample was composed of seven professionals in nursing. For the data analysis it was used the technique to analyze the content according Minayo (2003. It follows that, for EPIs and occupational risks, participants of the study are conscious about the risks they are exposed to but, in many cases, stop using all means of prevention, which are the EPIs, and it is realized that there is a need to establish training programs for the use of them. Key words: Self-care, Health, Nursing. INTRODUÇÃO A presente pesquisa, relacionada à área da saúde, busca explorar a visão dos/as profissionais de enfermagem em seus níveis de atuação profissional (técnico e enfermeiro), a respeito das ações de autocuidado que os mesmos realizam para a manutenção da sua saúde, o que conseqüentemente reflete em uma melhoria da saúde dos seres por ele cuidados. Partindo do pressuposto de que o cuidado é a essência da Enfermagem, vivenciado em suas práticas diárias, e que o cuidado do profissional de enfermagem, consigo mesmo, é uma pré-condição para que o mesmo possa desenvolvê-lo com o outro, necessário se faz desenvolver um estudo que procure identificar as relações de autocuidado que os profissionais de enfermagem desempenham no seu dia-a-dia, seja em benefício próprio, para sua autoproteção, seja nos relacionamentos para com as pessoas sob seus cuidados. 1 Enfermeira formada no Curso Bacharelado em Enfermagem da Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM, e-mail: [email protected] 2 Mestre em Enfermagem. Docente do curso Bacharelado em Enfermagem da Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM. Enfermeira da Secretaria de Saúde de Carazinho, e-mail: [email protected] 3 Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM, Av. Santa Rosa, 2504, Três de Maio – RS, e-mail: [email protected] 43 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 Conforme Costenaro; Lacerda (2001), para saber cuidar é preciso saber cuidar de si e para poder cuidar, é necessário se cuidar. Não o cuidado provido de vaidade que ostenta a superficialidade das aparências, mas o cuidado que provém da sincronia entre o ajudar e o ajudarse, como a consonância que resulta da arte combinatória da relação entre dar e receber. O cuidado que tem sua fonte geradora no amor que se mantém pela boa interrelação dos profissionais e se renova pela valorização e sentido que o enfermeiro confere ao atendimento que realiza. É o cuidado que também se alimenta na atualização profissional. O interesse pela realização deste trabalho de pesquisa surgiu após algumas experiências vivenciadas em instituições de saúde, no dia-a-dia do processo de cuidado, na qual se pode perceber que os integrantes da equipe de enfermagem são essencialmente cuidadores de seus pacientes, mas muitas vezes não se reconhecem ou não são reconhecidos como sujeitos de cuidado. 2 METODOLOGIA O método de investigação empregado para a realização desta pesquisa segue uma abordagem de cunho qualitativo, sendo do tipo exploratória, segundo Gil (1991). A pesquisa foi desenvolvida em um hospital geral, de médio porte, sendo de natureza filantrópica. O mesmo está situado em um município da região Noroeste do Rio Grande do Sul, pertencente à 14ª Coordenadoria Regional de Saúde. A coleta de dados foi realizada no período de agosto de 2007, através de um instrumento de pesquisa. Utilizouse a entrevista semi-estruturada com questões abertas acerca do tema, aplicadas individualmente, sendo que as respostas foram gravadas em MP3 e posteriormente transcritas na íntegra e analisadas pelas autoras do estudo. Para a análise e interpretação dos dados, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo, segundo Minayo (2003). A entrevista foi realizada mediante aplicação de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que está regulamentado na Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). A amostra constou de sete profissionais de enfermagem que trabalham nos três turnos da Instituição. Da pesquisa resultaram três categorias: nexos entre o autocuidado e os riscos ocupacionais, provendo as necessidades psicobiológicas e provendo as necessidades psicossociais. Neste artigo será apenas abordada a primeira categoria que é: nexos entre o autocuidado e os riscos ocupacionais. 3 AUTOCUIDADO E OS RISCOS PROFISSIONAIS Cuidar de si implica em desenvolver estilo de vida saudável que inclua práticas de cuidar, como alimentação adequada, realização de exercícios físicos, tempo reservado para o lazer, evitar hábitos nocivos; enfim, conhecer as necessidades do corpo e da mente favorece uma melhor auto-estima em si e na vida e assim também conhecer e adotar medidas de prevenção às doenças. O autocuidado se constitui em parar, olhar para a vida, permitir-se realizar um exame de consciência sobre a própria vida, não para julgá-la, mas para perguntar-se sobre as intenções propostas e não alcançadas, sobre como se está administrando a própria existência, a nós mesmos, como um bem a ser preservado (LUNARDI et al., 2004). O profissional de enfermagem é um ser humano e, como tal, vulnerável a qualquer doença e, conseqüentemente, necessita de cuidado humano, ou seja, ser cuidado, por si mesmo, ou por familiares, ou pelos colegas da equipe de trabalho que estão bem habilitados e preparados para cuidar (COSTENARO; LACERDA, 2001). Um fator envolvendo o cuidado do profissional consigo mesmo é a presença dos riscos ocupacionais, como por exemplo os agentes biológicos que podem causar doenças ocasionadas pelo contato com secreções humanas, pérfuro-cortantes, equipamentos de sucção, roupas pessoais e de cama, soluções de continuidade e ferimentos. Esses materiais potencialmente infecciosos podem funcionar como agentes desencadeantes, concorrentes ou agravantes, que trazem consigo: bactérias, fungos, leveduras e insetos (AYRES; CORREA, 2001). Os profissionais de enfermagem são os mais suscetíveis aos riscos ocupacionais, pois são eles que cuidam diretamente dos pacientes. É importante que estes trabalhadores em saúde tenham as condições necessárias para se proteger no seu local de trabalho, a fim de reduzir a exposição destes profissionais aos agentes causais, como sangue e outros materiais contaminados. Segundo Ayres; Correa (2001), as medidas preventivas que auxiliam na redução dos riscos de exposição ocupacional incluem a vacinação, métodos de práticas de segurança do trabalho, os quais reduzem a probabilidade da exposição por meio da alteração da forma de realização das atividades e o uso de EPIs, que ajudam a prevenir a exposição ocupacional aos materiais infecciosos por meio de equipamentos, como: luvas, aventais, óculos de segurança, máscaras e roupas apropriadas. Salienta-se ainda que, com estas medidas de controle, não há a eliminação total dos riscos de exposição, sendo que alguns riscos não podem ser por completo eliminados através da adoção de EPIs ou técnicas de engenharia de segurança; devendo tais riscos serem controlados através de procedimentos e rotinas de segurança, como forma de minimizar os problemas ocasionados pelos acidentes de trabalho, pois só há eliminação total se o material contaminado não atingir o profissional da saúde em si. 44 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 4.1 NEXOS ENTRE O AUTOCUIDADO E OS RISCOS OCUPACIONAIS A equipe de enfermagem em uma instituição hospitalar composta pelo auxiliar de enfermagem, técnico de enfermagem e o enfermeiro, exercem um papel fundamental na assistência prestada ao paciente, pois são eles que permanecem 24 horas ao lado do mesmo. alimentação corretamente, dormir bem, isso faz parte, senão vem no outro dia cansada, esgotada, então sempre procuro vir bem, a gente procura ter todos estes itens para a gente poder fazer um trabalho bom aqui dentro” (Entrevistada n 06, ENF). Vê-se que a profissional tem uma vasta visão do que é autocuidado. Concordando com Orem, autocuidado é: a prática de atividades, iniciadas e executadas pelos indivíduos, em seu próprio benefício, para a manutenção da vida, da saúde e do bemestar. Autocuidado... Efetivamente executado, contribui de maneiras especificas para a integridade da estrutura humana, para o funcionamento da pessoa e para seu desenvolvimento (FOSTER; JANSSENS, 1993, p. 91). Sabe-se que os profissionais precisam estar cientes com a sua saúde, tendo conhecimento sobre como se cuidar, ou seja, sobre o autocuidado, para estar em perfeitas condições de fornecê-lo. Na presente pesquisa ficou evidente que os entrevistados têm conhecimento sobre o que é o autocuidado, confirmado nas falas: “[...] autocuidado é eu me cuidar, eu me gostar” (Entrevistada n 07, ENF.). “É cuidar de si mesmo, contra tudo” (Entrevistada n 04, TE). Outras constatações ainda conceituam o autocuidado de uma forma mais ampla, relacionando-o com as necessidades básicas de um indivíduo, quando relatam: “É o cuidado que eu tenho que ter comigo mesma, sabe, de me proteger, de eu me cuidar” (Entrevistada 02, TE). “É a maneira da pessoa de como ela se cuida, da sua saúde, do lazer, da alimentação (Entrevistada 01, TE). Pode-se, no entanto, constatar que há realmente consciência sobre a importância do cuidar de si mesmo, como valorizar a própria saúde com uma alimentação bem balanceada e práticas de lazer. Ressalta-se que o ato de cuidar de si mesmo favorece tanto a integridade física, ou seja, o corpo, protegendo das atividades cotidianas do lado prático do trabalho da enfermagem como também auxilia de uma maneira objetiva o funcionamento moral e intelectual do indivíduo, proporcionando o desenvolvimento e a manutenção da integralidade do ser humano. Nascimento et al (2006) afirma que o cuidado é uma forma de preocupar-se, seja com o outro, seja consigo mesmo, e que o mesmo entra na constituição do ser humano. O cuidar não se refere apenas à pessoa, mas às coisas ao nosso redor como, por exemplo, cuidar de uma idéia, um ideal, uma obra de arte ou uma comunidade. Implica também cuidar do ambiente de trabalho e do próximo. Na citação abaixo há a preocupação em cuidar de si e também do paciente por conseqüência. O autocuidado está relacionado às doenças ocupacionais existentes, como está evidenciado na seguinte fala: Desta forma, Nascimento et al. (2006), ressalta que as práticas de cuidado devem ser mais amplas e intensas a outros aspectos de suporte à vida, mais voltadas ao diaa-dia, à promoção da saúde, à prevenção de problemas (doenças) e à cura. O ato de cuidar de si estaria voltado a garantir a satisfação de um conjunto de necessidades indispensáveis à vida, um conjunto de atos que tem por finalidade e por função manter a vida. Corroborando com Diógenes; Pagliuca (2003, p. 288) “autocuidado é a atividade que os indivíduos praticam em seu benefício para manter a vida, a saúde e o bemestar”. Algumas entrevistadas conceituam ainda o autocuidado relacionando-o consigo e com o ambiente de trabalho no qual estão inseridos, quando afirmam: “Aqui dentro, procurar usar os EPIs, e fora com atividade física, sempre procurar ter momentos de lazer, descontração, que isso é importante, porque a gente trabalha em um ambiente estressante, um ambiente assim, que tu nunca sabe o que vai acontecer. Então a auto-estima, vir para o trabalho bem, ajuda muito, usar a “Bom, autocuidado não é só eu cuidar do paciente ou do cliente que está internado, mas também eu me proteger, protegendo a mim e a ele para que nós possamos juntos melhorar a situação desse paciente, desse doente e me protegendo também” (Entrevistada 03, ENF). “Autocuidado, é o cuidado que eu tenho que ter comigo, procurar me cuidar, para não posteriormente estar com uma doença, com algo que eu ocasionei, com uma doença ocupacional” (Entrevistada n 06, ENF). As doenças ocupacionais são riscos que os profissionais da área da Enfermagem e outros profissionais da saúde estão expostos em seu ambiente de trabalho, quando da não adoção de medidas de segurança adequadas, o que pode ocasionar sérias conseqüências na saúde destes. Sendo assim, às vezes, pelo hábito “da rotina” ou do pensamento que “nunca acontecerá comigo”, acaba falhando, ou seja, acontecem acidentes com materiais pérfuro-cortantes, por exemplo, podendo causar o estresse gerado pela autoconfiança extrema. 45 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 “Não estamos livres de nos contaminar, porque atendemos pacientes doentes, de vários tipos de patologia, e com certeza devemos nos proteger usando sempre que possível os EPIs, para me proteger e também proteger o paciente de certa forma. Bom, o que a gente mais costuma usar são luvas, quando se punciona veia ou se entra em contato com sangue, ou secreções, alguma coisa assim, também se a gente entra numa sala que precisa se vestir um avental ou alguma outra coisa relacionada a isso também é usado.” (Entrevistada 03, ENF). Nesta perspectiva, Figueiredo (2003), afirma que as doenças profissionais se desenvolvem ao longo do tempo e são produzidas ou desencadeadas pelo exercício do trabalho peculiar a uma determinada atividade constante. Estes agravos específicos à saúde do trabalhador podem não ser percebidos, como é o caso das doenças profissionais e das doenças relacionadas ao trabalho. Neste sentido, os sujeitos entrevistados destacam os riscos ocupacionais encontrados na área da Enfermagem e o que os mesmos procuram fazer para se proteger, para que não venham a atingir a sua saúde, promovendo desta forma saúde com segurança. Em relação aos pérfuro-cortantes, os mesmos foram citados como uma das principais preocupações, como as falas a seguir descrevem: “Sim, os pérfuro-cortantes, esse acho que é o maior risco a que estamos expostos [...] tenho que ter o cuidado, todo o cuidado, a atenção, o máximo, prestar atenção no que faço” (Entrevistada 07, ENF). “Eu vejo sim, os riscos ocupacionais em caso de material pérfuro-cortantes” (Entrevistada n 05, ENF). Verifica-se que os profissionais estão conscientes da gravidade eminente destes riscos ocupacionais, o que é muito importante para o incremento de ações prevencionistas eficazes nesta área. Para Xavier; Santos (2003), um dos itens mais importantes nas precauções universais são as medidas de controle de inoculações com objetos pérfuro-cortantes contaminados com sangue, secreções e/ou fluídos corpóreos. Tais artigos são classificados como críticos, por apresentarem alto risco de transmissão de infecção, pois entram em contato com fluídos estéreis ou sistema vascular, configurando-se numa grande ameaça ao profissional de enfermagem, caso não sejam manipulados cuidadosamente e desprezados com segurança, já que as luvas não protegem eficazmente de acidentes com inoculações. Dentre os profissionais da saúde, a equipe de enfermagem é a que mais está suscetível à exposição a materiais biológicos, como: fezes, urina e sangue, pela grande quantidade de atendimentos e procedimentos realizados, como referem as citações abaixo: “Sim, os biológicos, que estão sempre presentes com nós, a gente não tem como tirar, porque tu vai estar sempre em contato, com secreção, com sangue, essas coisas, mas tu podes diminuir estes riscos usando os EPIs, como por exemplo, luvas, máscara, essas coisas assim” (Entrevistada 02, TE). Em outra fala ainda sobre os riscos profissionais, uma das preocupações da profissional é em relação à infecção pelo HIV e tuberculose, como relata: “A gente corre risco pela quantidade de pacientes que a gente atende, assim doenças contagiosas, soropositivos, tuberculose, tudo isso é um risco para a gente, como picada (pérfuro-cortantes), contaminação por sangue, até às vezes escarro, catarro a gente entra em contato” (Entrevistada n 04, TE). A gama expressiva de riscos biológicos que se concentram nos estabelecimentos de saúde reforça a necessidade de se instituir programas contínuos de prevenção, focando o trabalhador no cuidado com a sua saúde. Evidente ficou ser o vírus do HIV o risco biológico que gera maior preocupação, o que se justifica por ser ainda uma doença sem cura, uma vez que até o momento a ciência tem conseguido somente prolongar a vida dos soropositivos, sendo a cura ainda algo a ser alcançado. Conforme Xavier; Santos (2003), no ambiente hospitalar existe sempre o risco biológico, infeccioso e parasitário, mas os acidentes e contaminações podem ser evitados, desde que sejam seguidas as normas de precaução e isolamento. As principais normas de biosegurança em ambientes hospitalares (enfermarias) são as precauções universais, atualmente designadas de precauções básicas. Quanto à utilização de capotes (aventais), segundo Figueiredo (2003), seu uso é indicado durante os procedimentos em que houver possibilidade de contato com material biológico – como na realização de curativos de grande porte – ou naqueles em que houver maior risco de exposição ao profissional como: grandes feridas cirúrgicas, queimaduras graves e escaras de decúbito. Para Xavier; Santos (2003), estudos mostram que a AIDS e infecção pelo HIV são consideradas as maiores preocupações no que se refere ao risco infeccioso no hospital. Os casos de contaminação comprovados mostram que a equipe de enfermagem representa metade 46 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 dos casos, seguida pelos profissionais de laboratório. Estes acidentes ocorrem principalmente devido à picada de agulhas, após coleta de sangue ou perfusões do doente. Em relação aos EPIs usados, salienta-se também que poucos profissionais usam todos os EPIs em sua rotina profissional: “Uma das EPIs mais comuns que a gente usa é a luva” (Entrevistada 03, ENF). [...] Me protegendo, usando os EPIs que a empresa oferece. O que mais uso é luva, máscara, o avental quando é necessário, como em casos de acidentes, onde o paciente está eliminando secreções, apresentando sangramentos, hemorragias, alguma coisa assim, e os óculos quando precisa (Entrevistada n 04, TE). [...] Os EPIs, geralmente uso, as máscaras, luvas, principalmente as luvas, aventais, enfim, todas (Entrevistada n 07, ENF). Nota-se que o equipamento de proteção individual mais presente na atividade hospitalar é a luva; isso se justifica porque a atuação do profissional de saúde se resume basicamente pelo uso das mãos no trato com os pacientes. Figueiredo (2003) refere que a luva deve ser usada sempre quando houver possibilidade de contato com sangue, secreções e excreções, com mucosas ou com áreas de pele não íntegra como ferimentos, escaras, feridas cirúrgicas e outros. O mesmo autor destaca ainda que o EPI, como a máscara, deve ser usado durante a realização de procedimentos em que haja possibilidade de respingo de sangue e outros fluidos corpóreos nas mucosas da boca, nariz e olhos do profissional. A fala abaixo demonstra esta preocupação: “[...] no caso de transmissão de uma doença por via respiratória, pelas gotículas da saliva, no ambiente que a gente possa se contaminar, mas riscos maiores assim, eu vejo que não. Pelo que eu estou na minha profissão, eu nunca pude dizer que adquiri uma doença por motivo de estar trabalhando dentro do hospital. Atenuo usando os EPIs, usar luvas, usar máscara, quando necessário, quando a gente vê que é uma doença contagiosa, e também assim até procurando orientar as famílias para que não se alimentem, não tomem chimarrão, ou não peguem uma colher do outro paciente, no sentido assim (Entrevistada n 05, ENF). Xavier; Santos (2003) afirmam ainda que as precauções universais são medidas de prevenção que devem ser utilizadas na assistência a todos os pacientes, como por exemplo na manipulação de sangue, secreções, excreções, contato com mucosas e pele não íntegra. Isso independe do diagnóstico definido ou presumido de doença infecciosa. Embora sabedora dessas afirmações, uma das entrevistadas referiu dificuldade no uso das luvas, que é a principal forma de proteção contra secreções e percebese que deixam de usar os EPIs, como referem abaixo: “Às vezes, luva eu não uso, mas no geral eu uso, se eu vejo que é um paciente que precisa de cuidado, eu uso, mas não vou negar que às vezes deixo de colocar luva” (Entrevistado n 05, ENF). “Não é em todos os casos que a gente usa, que nem a maioria dos casos tu usa, tu tenta se proteger, que nem nos banhos, alguma coisa, tu usa avental, máscara, luva. Às vezes tu vai puncionar sem luva” (Entrevistada n 02, TE). Portanto, observa-se que nem sempre os profissionais de enfermagem adotam os meios de prevenção adequados quando do contato com algumas situações que podem gerar doenças ocupacionais. Diversas vezes os profissionais, no momento de optar em não utilizar os equipamentos de segurança, tomam estas decisões por critérios subjetivos, expondo-se ao risco de forma desnecessária. Os EPIs são dispositivos de uso individual, destinados a proteger a integridade física do profissional. No caso dos materiais pérfuro-cortantes, as recomendações específicas do Ministério da Saúde para a realização de procedimentos que envolvem materiais pérfuro-cortantes são: máxima atenção, jamais usar os dedos como anteparo, agulhas não devem ser reencapadas, entortadas, quebradas ou retiradas da seringa com as mãos, não utilizar agulhas para fixar papéis, todo material pérfuro-cortante (agulhas, scalp, lâminas de bisturi, vidrarias etc.), mesmo estéril deve ser desprezado em recipiente resistente à perfuração e com tampa (FIGUEIREDO, 2003). Em outras citações, os entrevistados referiram pouca importância para o uso de alguns EPIs, como a máscara e os óculos de proteção, sendo que estes entendem que sua utilização nem sempre é necessária, como se observa: Existe esta preocupação quanto à contaminação com doenças, pois mesmo com todos os esforços desenvolvidos em favor da prevenção, como por exemplo, o uso de EPIs, ainda há este sério risco. 47 “Dificilmente a gente usa os óculos de proteção” (Entrevistada n 03, ENF). “Máscara a gente nem sempre utiliza, é uma coisa que falta a gente pôr em prática”.(Entrevistada n 06, ENF). REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 Entende-se que os profissionais não têm por hábito o uso de todos os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e reconhecem a inexistência de algum suporte para que adquiram a prática do uso dos mesmos para a sua segurança na realização de serviços e procedimentos. Xavier; Santos (2003) ressaltam que os óculos de proteção estão recomendados durante os procedimentos em que haja a possibilidade de respingo ou para aplicação de medicamentos quimioterápicos. Verifica-se a necessidade da implantação de um programa de treinamento que objetive a motivação e a conscientização dos profissionais de enfermagem acerca da importância da adoção de forma permanente das medidas de proteção, além de capacitar também quanto ao uso correto dessas medidas para que surtam efeitos eficazes de prevenção. problemas físicos e emocionais, e no local de trabalho os profissionais muitas vezes passam por períodos de jornadas de trabalho excessivos e ao mesmo tempo dispõem de poucos momentos de descanso e recuperação. A síndrome de Burnout, segundo Wallau (2003), é caracterizada como um quadro clínico mental extremo de estresse ocupacional e surge em decorrência de um estresse crônico ou após o mesmo. É resultado de um prolongado processo de tentativas de lidar com determinadas situações de estresse. Outro problema citado é as doenças de coluna de origem ocupacional: [...] um problema tardio, um exemplo é a dor lombar, é nesse sentido (Entrevistada 01, TE). [...] também os problemas relacionados com postura, o uso de carregar pacientes pesados, quando não se faz a forma correta, da passagem do paciente da maca para a cama, então isso pode ocasionar esses riscos ocupacionais, provocar uma hérnia de disco, um problema lombar. (Entrevista n 06, ENF). Na citação a seguir, vê-se a preocupação da enfermeira em ser exemplo no uso correto de EPIs: [...] É justamente isso, que nem eu te disse agora, eu devo usar a luva, é pra mim me proteger, pra mim me cuidar, e o autocuidado é aquilo que, eu não posso eu dizer para os outros o que eles é para fazer, se eu mesma não faço, como eu vou orientar se eu mesma não faço, então é eu também me cuidar, me cuidar da minha saúde (Entrevistado n 05, ENF.). Assim, Ayres; Corrêa (2001) afirmam que os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), desempenham um importante papel na redução das lesões provocadas pelos acidentes do trabalho e das doenças profissionais, contribuindo para a preservação de sua integridade física e de sua saúde. Constata-se então que os EPIs são uma importante forma de o profissional de Enfermagem se proteger e promover o autocuidado em seu local de trabalho, quando bem instruídos e capacitados para o uso dos mesmos. Outra preocupação manifestada pelas entrevistadas, além dos riscos de contaminação, é em relação à Síndrome de Burnout, como relata a citação abaixo: “Com certeza, a gente tem o risco de se contaminar com pérfuro-cortantes, entrar em contato com doenças de alto risco, entrar em síndrome de Burnout” (Entrevistada 01, TE). Os trabalhadores da área da saúde são pessoas que podem estar mais suscetíveis a adquirir a síndrome de Burnout, pois trabalham diretamente com pessoas doentes e em sofrimento que vem acompanhado de Constata-se a importância de um planejamento na área de engenharia de segurança no trabalho que possibilite a melhora das condições de trabalho, com a oferta de equipamentos que diminuam o contato do trabalhador com situações de risco. Esta engenharia terá dispêndio de recursos financeiros, mas certamente trará benefícios físicos aos trabalhadores da saúde. Conforme Smeltzer; Bare (2005), entre as principais estruturas de sustentação existentes no corpo humano, a coluna vertebral consiste do principal órgão que se relaciona aos movimentos da vida diária e que sofre a maioria dos processos traumáticos decorrentes deste tipo de funcionabilidade, além das atividades relacionadas ao trabalho e ao esporte. A dor lombar relacionada com o trabalho está entre as causas mais comuns de doenças profissionais. É responsável também pela perda de tempo de trabalho e conseqüentemente pelas despesas relacionadas com tratamentos (SMELTZER; BARE, 2005). Trabalhadores em intensas atividades e atletas que se exercitam além da tolerância corporal são os mais atingidos, assim como trabalhos que exigem agachamento e a torção ou levantamento de objetos pesados de forma repetitiva (SMELTZER; BARE, 2005). De acordo com o mesmo autor, os problemas relacionados à coluna lombar são um dos processos patológicos que mais está crescendo na atualidade e com maior freqüência. Suas causas podem ser atribuídas a uma atividade ou lesão relacionada ao trabalho devido aos profissionais adotarem posturas incorretas. 48 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 Os profissionais da área da saúde, em seu local de trabalho, estão propensos à dor lombar, pois em alguns casos adotam posturas incorretas e por tempo prolongado, além de movimentos freqüentes de flexão e torção da coluna vertebral, o que pode ser um fator desencadeante de processos patológicos. 5 CONCLUSAO Com a realização deste trabalho, pôde-se perceber como se dá a relação de cuidado dos profissionais de enfermagem consigo mesmos. O cuidado com o corpo, com a saúde, é um fator indispensável para a continuidade do processo de cuidado. É preciso que o profissional que age no cuidado seja um conhecedor dos limites de seu corpo, de suas necessidades para que possa cuidar de si e posteriormente cuidar do outro. MINAYO, M. C. de S. et al. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 22. ed. Petrópolis: Vozes, 2003. NASCIMENTO, K. et al. Conceitos de cuidado sob a perspectiva de mestrandas de enfermagem. Revista Gaúcha de Enfermagem. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul: v. 27, n. 3, p. 386-397, setembro, 2006. SMELTZER, S. C., BARE, B G. Tratado de Enfermagem Médico-Cirúrgica. 10ª ed. vol 3. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. XAVIER, M. M. S.; SANTOS, R. B. A equipe de enfermagem e os acidentes com material pérfuro-cortante. Revista Brasileira de Enfermagem. São Paulo, p. 05-15, janeiro/ fevereiro, 2003. WALLAU, S. M. de. Estresse laboral e síndrome de Bournout: uma dualidade em estudo. Novo Hamburgo: Feevale, 2003. Em relação aos riscos ocupacionais no ambiente de trabalho e o autocuidado desenvolvido pelos profissionais da equipe de enfermagem entrevistada, conclui-se que eles têm conhecimento dos riscos a que são expostos, mas nem sempre se conscientizam da importância de adotar todos os meios de prevenção, como os EPIs, pois em muitos casos deixam de colocá-los. O EPI mais citado é a luva, onde se entende que é o mais usado pelos sujeitos desta pesquisa. Os demais equipamentos de proteção, como a máscara e os óculos, não são muito usados. Verifica-se, então, a importância de desenvolver uma capacitação quanto ao uso correto de todos os EPIs. Portanto, observa-se que nem sempre o cuidado faz parte do viver das pessoas de modo adequado como deveria ser. E a Enfermagem, que é uma profissão que cuida de gente, apresenta algumas situações em que o cuidador se “esquece” do seu próprio cuidado, em virtude do cuidar do outro. REFERÊNCIAS AYRES, D. O.; CORRÊA, J. A. P. Manual de prevenção de acidentes de trabalho: aspectos técnicos e legais. São Paulo: Atlas, 2001. COSTENARO, R G. S.; LACERDA, M. R. Quem cuida de quem cuida? Quem Cuida do Cuidador? Santa Maria: Centro Universitário Franciscano, 2001. FIGUEIREDO, N M. A. de. Ensinando a cuidar em saúde pública: São Caetano do Sul, SP. Difusão Enfermagem, 2003. FOSTER, C. P.; JANSSENS, N. P. In: GEORGE, J. B. Teorias de enfermagem. Os fundamentos para a prática profissional. Porto Alegre: Artes médicas, 1993. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1991. LUNARDI, V. L. et al. O cuidado de si como condição para o cuidado dos outros na prática de saúde. Revista LatinoAmericana de Enfermagem. São Paulo, v. 12, n. 6, p. 933-939, nov. 2004. 49 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA E A EVASÃO ESCOLAR PERCEPÇÕES E DIFICULDADES Juliane Alegranzzi1 Vera Beatriz Pinto Zimmermann Weber2 Mirian Herath Rascovetzki3 Sociedade Educacional Três de Maio - SETREM4 RESUMO A gravidez na adolescência e a evasão escolar estão se configurando um problema. A gravidez precoce cresce 14% e, com isso, acarreta a saída das jovens mães da escola ocasionando, assim, a dificuldade de encontrarem um emprego. A gravidez nas meninas com a idade inferior a vinte anos contribui para uma mudança na vida da adolescente grávida influenciando a formação de sua nova identidade, na família e na escola já que o processo de adolescer, ao longo da história, era considerada meramente uma etapa de transição entre a infância e a idade adulta. Sua caracterização era a partir dos comemorativos biológicos que marcavam essa etapa. Esta é uma pesquisa com abordagem qualitativa do tipo descritiva exploratória e teve como objetivo analisar se a gravidez na adolescência está contribuindo no aumento dos índices da evasão escolar. Foram entrevistadas, individualmente, dez adolescentes grávidas evadidas da escola através de uma entrevista semi-estruturada com questões abertas e fechadas. As jovens foram encontradas através de uma busca ativa, mais sala de espera da Unidade de Saúde Central do Município em estudo. Evidenciou-se com o estudo que a gravidez na adolescência, o desinteresse e falta de condições financeiras contribui para a evasão escolar, sendo que para as adolescentes sentem a dificuldade de conseguir um trabalho e estão cientes de que essa saída da escola está prejudicando o seu crescimento profissional. Elas engravidam não por não conhecerem os métodos anticoncepcionais e sim por não fazerem o uso dos mesmos. Palavras Chave: Gravidez na Adolescência, Evasão Escolar, Percepções. ABSTRACT The adolescence pregnancy and school evasion are setting a problem, early pregnancy grows 14% and with 1 that entails the removal of the young mothers of the school causing the difficulty of finding a job, pregnancy in girls below twenty years old contributes to a life change in the pregnant teenager influencing the formation of their new identity, in the family and at school as the process of adolescer, throughout history, it was considered merely a stage of transition between childhood and adulthood, its characterization was from biological commemorative that marked this step. This is a research with qualitative approach of descriptive exploratory type and aimed to examine whether pregnancy in adolescence are contributing the increase in the school evasion rates. Ten pregnant teenagers school evaded were interviewed individually through a semi-structured interview with open ad closed questions and also they were found through an active search more in waiting room of Unity Health Center of the city in the study. The study evidenced that pregnancy in adolescence, the disinterest and lack of financial conditions contributes to the school evasion, therefore these teenagers feel the difficulty of achieving a work and they are aware that leaving the school is harming their professional growth. They become pregnant not by not knowing the contraceptive methods, but for not making use of them. Keywords: Adolescence Pregnancy, School Evasion, Perceptions. INTRODUÇÃO O presente estudo tem como tema “Gravidez na adolescência e a evasão escolar: percepções e dificuldades” têm a finalidade de possibilitar uma reflexão sobre a relação entre a gravidez precoce e o abandono da escola. Tendo como objetivo principal identificar a relação entre a gravidez na adolescência e a evasão escolar. Acadêmica do 8° semestre do Curso Bacharelado em Enfermagem SETREM. Mestre; Membro do grupo de Pesquisa do CNPq; Educação em Saúde Coletiva(SETREM) Docente do Curso Bacharelado em Enfermagem SETREM e do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia SETREM 3 Enfermeira e Docente do Curso Bacharelado em Enfermagem SETREM. 4 Avenida Avaí, Três de Maio – RS [email protected]. 2 50 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 Segundo Osorio (1989), a adolescência não era muito estudada e era considerada meramente uma passagem entre a infância e a idade adulta, e foi através dessas modificações biopsicossociais que acontecem nela que foi sendo encarada de uma forma mais séria e com um olhar a mais sobre a mesma. Para falar em gravidez na adolescência é preciso abordar dois fatores importantes: a própria adolescência e o contexto social em que esta gravidez acontece. A adolescência é um período marcado por muitos conflitos e pela busca de identidade. É tempo de descoberta de um corpo que vai se desenvolvendo e precisa ser entendido, pode-se dizer que é tempo de sonhar e idealizar o futuro e em meio a essas transformações é que as adolescentes ficam grávidas. A gravidez na adolescência vem se configurando como um problema cada vez mais grave no país com conseqüências em várias esferas de suas vidas; segundo Pommé (2003) “dificilmente se consegue entender o que se passa com os adolescentes quando, apesar de conhecerem todas as formas de anticoncepção, geram um bebê na hora errada” (p. 07). A menina mergulha num turbilhão de dúvidas: será que meu namorado vai assumir? Será que irei dar conta do meu filho? O que vai acontecer com meu corpo? Qual será seu futuro, como ficam meus estudos? Se a gravidez na adolescência causa a evasão escolar em conseqüência à jovem ter vergonha por não ter se prevenido já que estão disponíveis gratuitamente métodos contraceptivos em todos os Programas de Saúde da Família. Além de vários problemas que podem ocorrer, outro fator agravante é a evasão escolar, que junto com a falta de incentivo familiar e outros mecanismos de educação e informação facilitam a marginalização da mãe adolescente e de seu filho. Reforçando a idéia de Pommé (2003) “uma gravidez nessa época da vida, desejada ou não, pode conter um pacote de dificuldades” (p. 08). Em maior ou menor grau, as jovens mães deixam seus sonhos de lado, interrompem uma caminhada ou adiam seus objetivos para assumir uma responsabilidade grande demais para sua idade, o abandono da escola para trabalhar, problema esse que acomete as adolescentes. Um dos fatores que contribuem para a gravidez na adolescência é o fracasso escolar, e frente à gravidez é comum a interrupção da escolarização, talvez por medo da rejeição social ou que a barriga denuncie o início da atividade sexual, elas se sintam envergonhadas preferindo assim a desistência; com isso, terá menor crescimento pessoal e profissional, e mesmo que declarem a intenção de retomá – los após o parto, isso dificilmente pode ocorrer. 2. ASPECTOS METODOLÓGICOS Esta pesquisa foi realizada no primeiro e no segundo semestre do ano de 2007, tendo como sujeitos informantes da pesquisa, adolescentes grávidas evadidas da escola de um Município de pequeno porte da Região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Tratou-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa do tipo descritiva exploratória e teve como objetivo analisar se a gravidez na adolescência está contribuindo com o aumento dos índices da evasão escolar. E, para Richardson (1999), a pesquisa qualitativa “pode ser caracterizada como a tentativa de uma compreensão detalhada dos significados e características situacionais apresentadas pelos entrevistados” (p. 78). Foram entrevistadas, individualmente, dez adolescentes grávidas evadidas da escola através de uma entrevista semi-estruturada com questões abertas e fechadas. As jovens foram encontradas através de uma busca ativa como também na sala de espera da Unidade de Saúde Central do Município em estudo. Após a coleta, os dados foram analisados através da análise de conteúdo e também com uma pesquisa bibliográfica para a comprovação científica dos mesmos, trazendo, assim, informações, possibilidades e dificuldades da gravidez precoce, além de investigar sobre saída das jovens da escola, se as mesmas estão cientes desta evasão e o que pode acarretar na sua vida; também, de identificar o que para essas meninas é ser mãe na adolescência, já que devem encarar essa etapa com muita segurança, pois é um novo ser que vem por aí e precisa ser amado mesmo que não foi planejado. Visando atender às questões de aspectos éticos, a coleta de dados foi realizada mediante aplicação de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que está regulamentado na Resolução nº. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que visa resguardar a autonomia do indivíduo, garantindo sua livre escolha em participar ou não da pesquisa, após ter sido esclarecido sobre todas as questões pertinentes, pois se trata de uma obrigação do pesquisador estar ciente dos compromissos éticos envolvidos no processo. 3. REVISÃO BIBLIOGRAFICA Neste capítulo, pretende-se reproduzir um referencial teórico que embasa a coleta de dados através de uma pesquisa bibliográfica sobre a origem da adolescência e o recomeço da nova caminhada. Pretende-se refletir sobre a adolescência dos primórdios à contemporaneidade a qual embasa a origem da adolescência através dos tempos, do adolescer do biológico ao social, a crise adolescente e a questão do 51 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 novo comportamento, da nova identidade e o luto pelo corpo, pois é uma etapa de transição e o adolescente vai se construir e se formar como cidadão no mundo, sendo essa época de crise devido à busca da nova identidade e da transformação do corpo. Relacionar a adolescência com o sexo, família e a escola, pois é nesse meio que vai estar em contato e ele sofrerá influência direta, ressaltando assim a gravidez na adolescência e a evasão escolar com enfoque também do ser mãe na adolescência. Nas últimas décadas, contudo, a adolescência vem sendo considerada o momento crucial do desenvolvimento do indivíduo, aquele que marca não só a aquisição da imagem corporal definitiva como também a estruturação final da personalidade. É uma idade não só com características biológicas próprias, mas com uma psicologia e, até mesmo, uma sociologia peculiar. Não é sem razão que se afirma que todas as grandes mudanças culturais da história da humanidade ocorrem no limiar entre adolescência e a idade adula (OSÓRIO, 1989). O adolescente não pode ser estudado apenas sob ótica de suas modificações corporais, pois se é verdade que nelas se radicam as angústias básicas da puberdade, não é menos certo, contudo, que sem o adequado entendimento da “crise de valores” por que passa o jovem jamais lograremos compreender o real significado da transformação da “criança” em “adulto” (OSÓRIO, p. 11). 3.1 A ADOLESCÊNCIA DOS PRIMÓRDIOS À CONTEMPORANEIDADE Para Osório (1989), a adolescência era considerada, até algum tempo atrás, meramente uma etapa de transição entre a infância e a idade adulta. Sua caracterização era feita a partir dos comemorativos biológicos que marcavam esse momento evolutivo do ser humano. O adolescente, se do sexo masculino, era descrito como um indivíduo desengonçado, que estava mudando de voz e deixando entrever o buço em meio a uma constelação de espinhas e, se do sexo feminino, uma criatura igualmente desproporcional, o peito arqueado para esconder o desabrochar dos seios e as faces ruborizadas ao menor galanteio, como ordenava o pudor e a boa moral caseira. A adolescência passou a ocupar, em nossos dias, o centro do interesse especulativo e das preocupações dos profissionais da área das ciências humanas (OSÓRIO, 1989), pois é uma etapa evolutiva do ser humano e nela culmina todo o processo maturativo biopsicossocial do individuo. Segundo Osório (1989), o interesse universal pela adolescência atualmente advém de duas circunstâncias principais. A explosão demográfica de pós-guerra, que trouxe como imediata conseqüência o significativo crescimento percentual da população jovem mundial. Basta que se lembre que nos últimos 25 anos a população do Brasil duplicou para que se perceba quão significativo é o contingente de jovens em nosso país. Estima-se que hoje cerca de ¼ da população brasileira é constituída de adolescentes (p. 13). A ampliação da faixa etária com as características da adolescência. Assim, se antes a adolescência era tida meramente com aquela etapa de transição entre a infância e a idade adulta que coincidia com os limites biológicos da puberdade, atualmente ela é definida por elementos que, embora balizados pelas características psicológicas do momento evolutivo em questão, são marcadamente influenciados pelas contingências sócioculturais (p. 13). Ainda para Osório (1989), o estudo da adolescência hoje extrapola o interesse cognitivo sobre uma etapa evolutiva do ser humano para, através dele, procurar entender todo um processo de aquisições e motivações da sociedade em que se vive. Nas últimas décadas, contudo, a adolescência vem sendo considerada o momento crucial do desenvolvimento do individuo, aquele que marca não só a aquisição da imagem corporal definitiva como também a estruturação final da personalidade. É uma idade não só com características biológicas próprias, mas com uma psicologia e, até mesmo, uma sociologia peculiar. Não é sem razão que se afirma que todas as grandes mudanças culturais de história da humanidade ocorrem no limiar entre a adolescência e a idade adulta (OSORIO, 1989). 3.2 ADOLESCÊNCIA E PUBERDADE: DO BIOLÓGICO AO SOCIAL Segundo Tiba (1986), a palavra adolescere vem do latim e significa crescer, engrossar, tornar-se maior, atingir a maioridade. Dos seres vivos os humanos são os únicos que vivem a adolescência como uma importante etapa do desenvolvimento. Esta é uma das etapas em que o ser humano sofre as maiores modificações no seu processo vital, do nascimento à morte. A adolescência não é apenas o período em que ocorrem acentuadas modificações somáticas sob a regência da constelação endócrina, mas aquela etapa evolutiva onde se cristaliza o processo de aquisição da individualidade, com todos os comemorativos que assinalam o esforço pessoal para se diferenciar da matriz sócio – familiar de origem e criar o seu próprio universo vivencial (OSORIO, 1989. p. 13). Para Osório (1989) “os processos biológicos que ocorrem nessa fase são universais, o modo como são 52 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 vivenciados pelos jovens e a forma como são encarados pelos adultos são extramente variáveis” (p. 14). “A puberdade e a adolescência iniciam-se no mesmo período, porém a adolescência prolonga-se após o termino da puberdade” (CARVALHO; MERIGHI, 2006, p. 08). A puberdade é um evento biológico; sendo assim, acontece no mesmo período etário para todos os sujeitos e a adolescência, por ser um evento biopsicossocial, está nitidamente ligada ao meio em que o sujeito está inserido. O adolescente em fase de desenvolvimento do seu corpo sofre grandes transformações, pois há uma passagem diferente que vai tomando as características de infante e se transformando no adulto. Cada etapa evolutiva tem seus aspectos predominantes; passado, presente e futuro adquirem valor simbólico e configurante. 3.2.1 Possibilidades e dificuldades de relacionamentos na adolescência Tendo em vista tudo o que acontece com o adolescente em virtude das mudanças biopsicossociais pelas quais estão passando, como fica o relacionamento com as pessoas que os cercam? Segundo Outeiral (1994), a adolescência é uma etapa vital com características particulares que vão modificar diretamente no processo de comunicação. A família é que mais nota essas mudanças, aí que começam os conflitos dentro de casa e os jovens já pedem socorro para os amigos iniciando assim uma salada de opiniões, ou seja, um “rito de passagem”. Esse aumento está nitidamente ligado ao aumento da gravidez na adolescência e o atraso das jovens para terminar o Ensino Médio e, conseqüência disso, essa falta de estudo vai se estendendo até a fase adulta. 3.2.1.2 Adolescência e a Família A família é importante para o processo civilizatório dos indivíduos contribuindo assim para que essa pessoa se torne um ser educável e que possa através dos tempos evoluir e conseguir atingir suas metas. Tudo começa na família. Desde criança se é educado e orientado para seguir o melhor caminho visto pelos pais. Mas, sob o ponto de vista do adolescente que está em transição, do mundo infantil para o adulto, como será essa percepção? Qual a influência possível da família sobre o comportamento adolescente? Como os amigos influenciam nesse comportamento? O isolamento nas famílias vai acontecendo, convivem mais com os amigos que com os familiares. Não visitam tios e primos; às vezes nem avós. Para Tiba (2005), essa convivência familiar menor que a social pode estar fazendo falta para a formação de vínculos familiares e valores na formação dos jovens. Valores esses como gratidão, religiosidades, disciplina, cidadania e ética que fazem falta no futuro. Contribuindo para clarificar essa prerrogativa Zagury (1996): Muitas vezes, ser pai de adolescente significa saber retirar o time de campo na hora certa. Evitar bater de frente quando for possível e o assunto não for relevante é uma forma inteligente, prudente e de grande eficácia no dia-a-dia (p.125) 3.2.1.1 Adolescência e o Sexo Nas gerações anteriores, falar sobre sexo não era tão comum como é nos dias de hoje. Na concepção de Carvalho; Merighi (2006) os jovens brasileiros estão quebrando alguns tabus sexuais e isso tem contribuído para incrementar as relações sexuais durante a adolescência; um deles é o maior, ou melhor, conhecimento. Carvalho; Merighi (2006) ressaltam que o aumento da atividade sexual dos jovens cresce, mas aí aparece o lado negativo dessa grande quantidade que não está sendo acompanhado pela mesma proporção de precauções contraceptivas. Em outros casos os adolescentes praticam a anticoncepção de maneira errada ou descontinuada pelo caráter esporádico de suas relações sexuais. Para Aberastury; Knobel (1981): Calcula-se que dos 13 aos 20 anos 88% dos rapazes e 91% das moças já tiveram este tipo de atividade sexual e que praticamente aos 21 anos 100% dos rapazes já tiveram essa experiência (p. 45). A família como primeiro grupo social de uma criança e posteriormente a escola provêem o sujeito de uma porção de garantias para suas necessidades e sua dependência (ABERASTUTY, 1990, p.78). Mas hoje não é o que está acontecendo. Os adolescentes do século XXI são muito apegados ao seu social, seus amigos, seus programas, suas viagens, a ponto de os seus pais se sentirem meros provedores (TIBA, 2005, p.37). Contribuindo para a idéia, Osorio (1989) ressalta que o grupo é importante para o adolescente, pois lhe permite espalhar, disseminar e resgatar partes do ego nos diversos membros do grupo. “O grupo de iguais é a caixa de ressonância ou continente para as ansiedades existentes do adolescente” (OSORIO, 1989, p. 20). Ainda conforme Osório (1989), o adolescente, ao identificar o “grupo de iguais”, utiliza a gíria como sendo a representação verbal da crise de identidade adolescente, com todo o poliformismo e transitoriedade tão característica do próprio processo puberal. É um subproduto da cultura 53 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 adolescente, servindo de identificação própria, de reconhecimento do grupo de iguais como portadores de uma identidade própria e distinta da identidade dos pais, professores e do mundo adulto em geral. O compreendimento na relação pais e filhos são fundamentais, mas isso algumas vezes não acontece, porém com o tempo o relacionamento vai melhorando e conseguindo se firmar através da confiança e de conversas. Os adolescentes querem não mais ser tratado como crianças. Quando os pais assim o fazem, estão desperdiçando a ajuda e o companheirismo que os adolescentes podem lhe oferecer (TIBA, 2005, p. 38). Amigos e família estão interligados nessa fase. Para o autor Tiba (2005), o adolescente preciso tanto dos amigos quanto dos pais de diferentes maneiras, e uns não eliminam os outros, nem são melhores, mas cada um preenche de seu modo as necessidades juvenis. É importante que os pais o e os amigos percebam essas diferenças e saibam interagir partilhando os saberes afetivos dos dois lados. Os pais na maioria das vezes acertam, mas claro podem errar muitas vezes, mas isso é muito difícil de acontecer já que não nasceram sabendo tudo sobre educar um filho. Ser pai e mãe não é fácil, mas como estão nesse barco, assumem a missão até o fim. Para Rodrigues (2000): informatizado” (TIBA, 2005, p. 36). Como ocorre precocemente a saída das crianças de casa nos dias atuais, pode acarretar, com o passar do tempo, os pais não terem tanto diálogo com seus filhos, muito trabalho e finais de semana sem programação entre a família, cada vez que vai diminuindo as conversas, ficando mais difícil de educar um filho já que é um trabalho árduo para os pais. Para educar um adolescente não é trabalho fácil. Zagury (1996) relata que os professores sofrem um trabalho dobrado, pois se deparam com a irreverência (algumas vezes com falta de limites e de educação), rebeldia, questionamento constante, insegurança, com as características próprias que marcam essa fase tornando assim um trabalho mais árduo. O grande desafio da escola hoje é sem dúvida conseguir conquistar a atenção e a motivação da criança e do jovem para o estudo. Principalmente o jovem, que nessa fase de grandes transformações não só corporais, mas também de grandes e importantes descobertas (ZAGURY, 1996, p. 54). A escola deve estar preparada para trabalhar numa visão onde possa enfatizar o multiculturalismo, pois recebe inúmeros estudantes com diferenças, distinções, desigualdades: Louro (1997). Na verdade, a escola produz as diferenças, isso desde seus primórdios que exerceu uma ação distintiva, tornando aqueles que entravam nela distintos dos outros. A educação é, portanto, fundamental para a socialização do homem e sua humanização. Trata-se de um processo que dura a vida toda e não se restringe à mera continuidade da tradição, pois supõe a possibilidade de ruptura, pelas quais a cultura se renova e o homem faz a história (ARANHA, 2000, p. 18). os pais podem perder algumas batalhas, mas, enquanto tiverem fé e consciência tranqüila de que fizeram tudo os que estava a seu alcance e, principalmente, caso se propuserem a revisar sua postura educativa, provavelmente, não perderão a guerra (p.36) Desistir de lutar algumas vezes mesmo que por algum momento tenham vontade de sair porta afora, de sumir do mapa e, em segredo, por alguns segundos, até desejarem não ter tido filhos pode acontecer, é claro em momento difíceis e complicados de encarar, mas os pais são a base dos filhos, pois é neles que se espelham. 3.2.1.3 Adolescência e a Escola A escola que foi legada pela sociedade ocidental separava crianças católicas e protestantes, separou também ricos e pobres e imediatamente meninos de meninas. Concebida inicialmente para acolher alguns, mas não todos, ela foi lentamente, sendo requisitada (Louro 1997). “Os adolescentes de hoje começaram a ir para a escola praticamente com dois anos de idade, seus pais trabalhando fora de casa, eles passam sua infância na escola, com pessoas cuidando deles, num mundo “A escola facilita o processo de diferenciação e individuação da criança, oferecendo-lhe uma introdução ávida social” (OSORIO, 2002, p. 96). O ser humano vai se construindo e se formando um ser educável através da escola e da família; tudo isso vem somado de diálogo e de uma troca entre os seres humanos. Tudo começa com o diálogo, pela comunicação, por uma nova relação humana que possibilite ao próprio povo a elaboração de uma consciência crítica do mundo em que vive. “O estudo proporciona a qualquer ser humana uma visão de respeito na sociedade, ocorrendo assim uma não exclusão dos indivíduos” (FREIRE, 1988, p. 99). A escola proporciona aos estudantes ensinamentos esses que não cabem só à escola, mas sim à família também favorecer essa educação, como define Osorio (2002) a “família educa” e a “escola ensina”, ou seja, cabe à família oferecer a pauta ética para a vida na sociedade e a escola, instruí-los para o mundo na luta da sobrevivência” (p.96). 54 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 Conforme Tiba (2005) o adolescente adora ir à escola, o que o atrapalha é a aula. Para os jovens, a escola é o lugar de reunir, fazer tumultos na porta e não ficarem sentadinhos, já que a adolescência é fase da explosão hormonal. Atualmente a escola serve para, além da família, delimitar espaços entre o certo e o errado e assim mostrando o que se pode e se deve fazer. Segundo Louro (1997), um longo aprendizado vai afinal colocar cada qual em seu lugar, levando em consideração que as divisões de raça, etnia, classe, sexualidade e gênero estão implicados nessa construção. Por um aprendizado eficaz, continuado e sutil, um ritmo, uma cadência, uma disposição física, uma postura parecem penetrar nos sujeitos, ao mesmo tempo em que esses reagem e, envolvidos por tais dispositivos e práticas, constituem suas identidades “escolarizadas”. Gestos, movimentos, sentidos são produzidos no espaço escolar e incorporados por meninos e meninas, tornando-se parte de seus corpos. Ali se aprende a olhar e a se olhar, se aprende a ouvir, a falar e a calar; aprende-se a preferir (LOURO, 1997, p.61). Conforme Louro (1997), as pessoas estudam meninos e meninas o que os mestres os ensinam, o modo de sentar e andar produzem um corpo escolarizado, distinguindo o menino da menina que passa pela escola e o tema sexualidade era tratado exclusivamente ao campo disciplinar à educação sexual, ressaltando também que o assunto sobre sexo era íntimo e que deveria ser falado apenas com alguém muito íntimo e de forma reservada. Sendo um tema pessoal e particular a quem se confidenciava a uma amiga. As mudanças foram muitas já que atualmente sexo é um tema bastante discutido, mas precisa ainda ser mais falado na medida da prevenção da gravidez tanto nas escolas como em Unidades de Saúde. futuro, um vir a ser (CASTRO; ABRAMOA; SILVA, 2004, p. 127). Adolescer e engravidar não são experiências muito fáceis. Na adolescência os jovens passam por muitas transformações físicas e emocionais, de dúvidas sobre quem sou e muitas angústias sobre “quem eu quero ou não quero ser”. O corpo se transforma rapidamente sem que você tenha tempo para se adaptar. A busca da própria identidade sempre passa pelo confronto de idéias com os pais (POMMÉ, 2003). Segundo Sukiennik “A adolescente grávida tem sido fonte de preocupações na família, na escola e nas áreas da saúde. A taxa de fertilidade da mulher brasileira diminuiu de 6,2 para 3,2 filhos. A taxa de gravidez entre adolescentes de 15 a 20 anos aumentou” (p. 439). A incidência de gravidez na adolescência é grande e crescente. Pra que haja um controle dessa situação, torna-se necessário tomar algumas medidas gerais de educação, orientação, apoio emocional e psicológico envolvendo o adolescente, os pais, a escola, os professores e a comunidade. “Engravidar na adolescência é dose dupla de crise, e crise é ter vida toda revirada, às vezes de ponta cabeça” (POMMÉ, 2003, p. 19). Matos (2003) destaca que o alto índice da gravidez na adolescência tem crescido no Brasil e em outros países ressaltando também que a fecundidade precoce ocorre por falta de informação. Muitos fatores influenciam para que não se previnam, entre outros a timidez, ou porque na primeira vez não sabem usar o preservativo. Toda grávida enfrenta uma modificação rápida e intensa em seu corpo. Isso a deixa muitas vezes assustada, pois ela tem medo de ser modificada e não voltar a ser a mesma pessoa. Tem medo de não ser uma boa mãe e de não conseguir exercer os outros papéis na vida (POMMÉ, 2003, p. 19). Segundo Atkinson e Murray, (1989): relatam que 3.3 A GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA E a anticoncepção e a gravidez se tornam problemas para a A EVASÃO ECOLAR atividade sexual dos adolescentes. Estima-se que cerca O adolescente inicia a busca do parceiro de modo tímido, porém intenso, por meio de contatos superficiais que vão se tornando mais profundos e íntimos. Sabe-se que as primeiras relações amorosas são importantes para o desenvolvimento da identidade de um jovem (CARVALHO; MERIGHI, 2006). Considera-se gravidez na adolescência aquela ocorrida até os 20 anos incompletos, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Mas a perspectiva da juventude como um processo também traz limitações, pois assume que os jovens racionalizam seus atos, não pelas gratificações que possam delas ter no momento, mas sim tendo como referência um de um milhão de nascimentos ocorrem anualmente como conseqüência da gravidez na adolescência. Os riscos relacionados à gravidez precoce estão relacionados à imaturidade de seu sistema reprodutor, dietas inadequadas e estresse emocional quando faltam sistemas de apoio. Um dos maiores problemas na adolescência é a gravidez, de garotinha à mãe num só pulo, mas ela pode ser evitada com conversas em casa entre pais e filhos, entre irmãos, para que todos tenham intimidade de falar em gravidez como um tema aberto. Para jovens atentos e responsáveis, essas informações são rapidamente transformadas em conhecimentos e postos em prática para a prevenção à gravidez. 55 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 3.3.1 Evasão Escolar Conforme Mainieri (1998) a adolescente grávida deverá faltar um tempo na escola num período próximo do nascimento do seu filho tanto antes como depois, sabendose que a necessidade de cuidar de um filho, em alguns casos, afasta a mãe da escola por um ou dois anos, ficando difícil de estudar, na maioria das vezes, se permanecer, acabará repetindo o ano. Já durante a gravidez, as adolescentes abandonam escola e o emprego. Constrangimento e pressões de diretores, professores, colegas e pais de colegas estão entre os fatores que determinam a evasão escolar antes ou após o nascimento do filho. Essa saída se impõe, pois as mães necessitam pagar com seu trabalho o sustento da família. No fim do dia, ir à escola diante desse contexto se torna uma tarefa impossível de ser cumprida. Jovens oriundas de famílias com maior poder econômico e que aceitam a gravidez podem vislumbrar a possibilidade de completar seus estudos e retomar seu projeto de vida. Para Carvalho; Miraghi (2006), a gravidez na adolescência associada a uma menor auto-estima, um menor funcionamento intrafamiliar e uma menor qualidade de vida das atividades de tempo livre, as adolescentes grávidas interrompem seus estudos e/ou deixam seus empregos. As adolescentes ao se tornarem mães perdem a liberdade, adiam projetos de estudos, limitam suas expectativas de ingresso no mercado de trabalho e até de ter um relacionamento amoroso satisfatório. Uma gravidez, quando se é ainda muito jovem, é muito mais problemática do que muitos jovens chegam a imaginar, pois a jovem mãe, que passa a ter o bebê para cuidar, terá seus estudos e profissionalização dificultada, agora vai ter de assumir mais responsabilidade e deixar os sonhos esperados para mais tarde. Com que expectativa estará a adolescente ao ser mãe? 3.4 O SER MÃE NA ADOLESCÊNCIA Uma adolescente pode até sonhar em um dia, no futuro, ficar grávida, ter um bebê. Um dia significa quando ela estiver em condições físicas, psicológicas, sociais e financeiras. Para TIBA, engravidar hoje é necessário que uma mulher esteja biologicamente amadurecida e preparada psicologicamente, com um companheiro para formar uma família, e que tenha dinheiro suficiente para prover e educar o filho (TIBA, 2005, p. 79). Engravidar não é brincadeira. O sustento da nova família deve estar garantido pelo marido companheiro, conforme ressalta Tiba (2005) que esse homem deve ser amadurecido, psicologicamente preparado para formar uma família e que tenha uma fonte de dinheiro estável que garanta as despesas de uma casa com criança. Esta seria uma possibilidade, mas não é a realidade, planejar uma família quando estiver com a sua vida estruturada financeiramente é fácil, mas ter que dar conta de uma gravidez sem estrutura emocional, física e financeira e sem estímulo familiar e com pouca idade, pode ser o início de uma desestrutura pessoal, que como possibilidade de dar conta dessa desestrutura pode acarretar em evasão escolar. Mas quais são as possibilidades e as dificuldades percebidas pela mãe adolescente ao se sentir grávida e qual a relação desse evento com a evasão escolar? 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1 O perfil social das adolescentes A idade das entrevistadas varia, sendo a faixa etária predominante os quinze anos para Osorio (1989), muito embora se questione a definição de adolescência através da idade cronológica, pois se trata de época de inúmeras transformações e influenciada por fatores culturais, sociais e econômicos. Ainda hoje a definição que prevalece é baseada na idade. Oito delas possuem uma relação estável (casada, ou amigada). Duas são solteiras, ou seja, não moram com o pai de seu filho. A pergunta acerca da renda familiar foi a que as adolescentes mais hesitaram em responder, sendo que uma delas disse não a conhecer. Entre aquelas que responderam, mais da metade referiu uma renda mensal familiar inferior a três salários mínimos, o que mostra tratarse de um grupo com baixo poder aquisitivo. O fato das adolescentes desconhecerem a renda familiar reflete o pouco envolvimento com a realidade concreta de seu sustento e de seu filho, mostrando mais uma vez que a gravidez não foi conscientemente programada ou o foi de forma idealizada. A escolaridade das adolescentes era, em geral, abaixo daquela esperada para a idade, nove era da rede estadual de ensino, uma da rede municipal de ensino, apenas duas completaram o Ensino Médio, o restante delas evadiram, a situação escolar ficou mais clara quando se indagou sobre a condição atual, sendo que apenas uma das adolescentes ainda estava freqüentando a EJA. Duas das jovens irão ter o segundo filho com menos de vinte e um anos, sendo que para uma delas o segundo filho não é o pai do primeiro, já que iniciaram sua primeira relação sexual precocemente. 56 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 4.2 O importante apoio da família Apoio é indispensável, sendo fundamental durante a gravidez na adolescência, pois é assim que se pode enfrentar esse evento na vida da jovem mãe que, além de estar fora dos bancos escolares, percebe-se grávida e sem estudo onde poderia conseguir uma força a mais para ajudar vencer e criar esse bebê que vem ao mundo junto a sua mamãezinha. Onde as adolescentes buscam apoio? Indagou-se a respeito do apoio durante a gravidez dado pelo companheiro, pais e outros familiares, escola e serviços de saúde. Por que pensar primeiramente na família? É que tudo o que acontece tanto positivo como negativamente na vida, onde que se vai buscar apoio ou contar o acontecido ou até mesmo pedir conselho de como resolver tal problema, como encarar essa situação, tudo isso só tem uma resposta, a família. Atualmente se fala muito da sua importância. As adolescentes grávidas recorrem, primeiramente, ao parceiro e, em seguida, à mãe, sendo que, geralmente, a comunicação é mais bem estabelecida com a mãe. A família é um grupo social onde todos trabalham engajados e deve ser defendida por todos. O trabalho de um é para o bem do outro, o agito de um pode sacudir o outro que está ligado a ele, a alegria de um contagia o outro, os afetos correm soltos, quando todos mantêm entre si um nível afetivo bem próximo, a família está sintonizada. A importância da família está presente na maior parte das respostas adquiridas. Apoio numa hora certa de quem precisa cai como um banho, tira muitas vezes da pior, dá força, ocorre uma renovação da pessoa. A família está nitidamente ligada a vida da pessoa. Tudo o que acontece, na maioria das vezes, ela sempre está presente e ajudando. A família que se fala está englobando tanto pessoas que têm laços sangüíneos e como ocorrem nas famílias contemporâneas. Segundo Osorio (2002), a família é um grupo em que se desenvolvem três relações pessoais – aliança, filiação e consangüinidade e, com isso, ela oferece a capacidade das pessoas de adquirirem suas identidades pessoais e desenvolver a transição de valores éticos, estéticos, religiosos e culturais. Para Rodrigues (2000): percebe-se, também, a falta de apoio, despreparo ou abandono por parte do parceiro, causando a interrupção do processo normal do desenvolvimento psico-afetivo-social: na maioria dos casos pode ocorrer de a gestante não tem nem vínculo com o parceiro, nem o apoio da família. Durante esse período de transformações o apoio dado às adolescentes é muito importante para que essas tolerem as mudanças a que estão sujeitas e não se sintam vulneráveis às mudanças biopsicossociais. Para tanto, a família deve estar bem estruturada, a fim de não facilitar a ocorrência, comum entre as adolescentes, da gravidez precoce. 4.3 Apoio familiar e os valores que regem a família Por mais que todo mundo aceite bem o fato de você estar grávida, ser mãe antes do tempo causará grandes transtornos. Frente ao fato consumado de estar grávida não há caminho mais adequado do que buscar auxílio de sua família. É nela a melhor forma que se achará para resolver o problema. Mais do que nunca a família ganha importância na vida de cada indivíduo. Para Osorio (1996), “a família garante não a reprodução e sim a sobrevivência da espécie” (p.20). Por todas as idéias apresentadas, nota-se nitidamente que a família foi quem primeiro soube da gravidez, e que as adolescentes foram buscar apoio nas suas famílias. Pode-se dizer que contaram para a mãe em virtude do apego entre mãe e filha que na maioria das vezes acontece e a mãe é a guia. Em contrapartida, outras adolescentes contaram para os maridos e/ou namorados; esses não muito mais velhos que as jovens, isso elas definem com família, muitos com um salário baixo. Através das observações feitas, pôde-se perceber que as condições onde moravam com seus pais não eram boas. A nova família que a jovem constitui não seria meramente para ter uma possibilidade de ser diferente de seus pais e sair das condições em que viviam? Os valores que regem a família estão mudando, não são mais levados em consideração, pois a família deve ser formada para uma função socializadora e ter o papel de intermediação entre o jovem e a sociedade. Os valores principais como dignidade, solidariedade, valor esses que estão se perdendo, a questão é: Será que os pais deveriam fazer valer esses valores? São questões que ficam... Pensa-se que as famílias devem deixar bem claro até que ponto poderão ou que irão colaborar na criação do neto. Sim, porque é fácil dizer, “estou grávida e vou ter um filho”, sem considerar que essa decisão envolve problemas concretos de sustento da criança, das necessidades de cuidar do bebê dia por dia, hora por hora, da necessidade talvez de a menina-mãe abandonar os estudos, entre outros. Fazer um bebê é muito fácil, ter o filho e criá-lo é bem diferente. Para Aberastury (1990) as condições familiares e culturais poderão mitigar, favorecer, demorar ou precipitar o desenvolvimento ou nas escolhas dos jovens, pois é 57 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 através da família que se adquirem e se constroem os valores. Helman (2003) define cultura como um conjunto de princípios herdados por indivíduos membros de uma sociedade; princípios esses que mostram aos indivíduos como ver o mundo, como vivenciá-lo emocionalmente e como comportar-se em relação às outras pessoas, às forças sobrenaturais ou aos deuses e ao meio ambiente natural (p. 12). A família passa nos ensinamentos esses valores de geração em geração que, na maioria das vezes, são seguidos já que a família só quer o bem mesmo que não se aceite, mas pode entrar em um consenso. Segundo Helman (2003), a cultura favorece aos indivíduos um meio de transmitir suas diretrizes para a geração nova que está por vir na família mediante símbolos, linguagem, arte e rituais. E são essas diretrizes que constituem e atuam nessa sociedade influenciando assim nas atitudes e na tomada de decisão. Helman (2003) destaca que a cultura influencia na vida das pessoas, no seu comportamento, nas percepções, nas emoções, na linguagem, na religião e na estrutura familiar. 4.4 Importância da escola para a formação do cidadão A escola propicia momentos de socialização contribuindo na constituição das pessoas e a cada ano os seres humanos vão constituindo-se pouco a pouco, degrau por degrau. Os seus conhecimentos adquiridos vão se modelando e tornando-se cada vez mais importantes nessa constituição, sendo que a importância da escola pode ser percebida nas respostas advindas da pergunta se as adolescentes pretendem voltar à escola -, sendo que sete das entrevistadas têm a intenção de voltar. A Escola não é formada só de paredes, nela há professores e professoras que estão contribuindo na formação dos cidadãos nessa sociedade tão difícil, imagine! Quem não estudar,como será sua qualificação no mercado de trabalho? Conforme Rodrigues (2000): o impacto adverso da gravidez precoce emerge de forma mais clara quando se examina a relação entre educação, pobreza e maternidade precoce. Apresentam alguns dados na direção do exame dessa relação. Adolescentes cuja renda familiar se classifica entre as mais pobres quase não têm nenhuma chance de completar o 2o grau após o nascimento de um filho (p. 127) Os adolescentes querem tudo imediatamente. Desistem com facilidade diante de qualquer dificuldade, deixando de lado a sua preparação para o mundo do trabalho sendo que essa condição se faz através do individual ou em grupos. A menina grávida não deixa de ser encarada nas relações interpessoais na escola como diferente. Ela precisa ser incluída, pois já que parou de estudar e não pretende voltar à escola, nem após a readaptação à nova realidade, como relato das jovens. Outras pretendem voltar. Essas que voltaram, têm vontade de estudar. Percebeuse, através dos relatos, que as mesmas não deviam ter saído, pois disseram que muitas vezes há uma despreocupação por parte da escola, cabendo aí também o apoio familiar de dar a assistência à jovem nessa luta. 4.5 Evasão escolar e a gravidez na adolescência O que levou você a abandonar a escola? Essa era a principal resposta que se buscava. Por meio das respostas abaixo, a gravidez na adolescência está diretamente ligada com a evasão escolar, sendo que quanto menos estudo, maior a chance de maternidade precoce, já que a escola pode ser um bom método anticoncepcional. O expressivo número de adolescentes que abandonaram os estudos devido à gravidez pode ter relação com a vergonha destas meninas mais jovens em assumirem-na, de enfrentarem os colegas e as colegas, bem como as professoras e os professores, pois estão muitas vezes sozinhas. A saída mais fácil acaba sendo o abandono escolar já no início da gravidez. O que pode ser evidenciado através de justificativas como: “parei de estudar porque estava grávida, porque achei chato continuar” ou mesmo “parei de estudar por causa da gravidez, na escola falaram que foi besteira minha ter feito isso”. Esses depoimentos fazem pensar, também, em como a escola pode estar se comportando frente ao problema da gravidez na adolescência: omissão quanto aos aspectos educativos/preventivos e preconceito após o fato consumado. Em vista dos argumentos apresentados, a evasão escolar aconteceu em relação à gravidez para cinco das jovens entrevistadas. Para duas jovens foi a falta de interesse, sendo que se registra aqui a fala da adolescente que foi identificada como sendo A9, fala claramente que o “nenê não tem nada a ver” revelando que as adolescentes em alguns casos evadem por seu próprio desinteresse e se justificam através da gravidez. Para Osorio (1996) a escola tem o papel de facilitar, diferenciar e individualizar as pessoas, oferecendo-lhe uma introdução à vida social fora da convivência doméstica. Contribuindo com a idéia, Louro (1999) diz que o ser estudado é visto diferente, pois o estudo modela os indivíduos e faz os mesmo agir de forma correta perante as situações na maioria das vezes. 58 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 A evasão escolar está prejudicando o crescimento da criatividade, do empreendedorismo, da cidadania e da ética da população jovem. Os estudos ajudam na formação e na maturação da personalidade. Frente também ao que foi mencionado, o desinteresse e a gravidez precoce estão favorecendo também a saída dos bancos escolares. Lendo Osorio (2002) os filhos não querem estudar ou não querem ir à escola, e também o aprender não se faz somente na escola. A escola favorece nesse processo de aprendizagem, mas ela não é a principal nessa formação, a escola só dá respaldos, o restante cabe ao adolescente. Para Osório (2002) “a negativa a estudar ou o baixo índice de aproveitamento escolar é de deficiência dos alunos” (p.97). Essa evasão prejudica na busca de um emprego e na qualificação das adolescentes. Conforme Outerial (1994), o constrangimento e pressões de diretores, professores, colegas e pais de colegas estão entre os fatores que determinam a saída da escola antes do nascimento do filho. Alguns pais contribuem decisivamente para esse abandono ao preferirem esconder a situação “vexatória” da gravidez de sua filha. E isso pode ser percebido no relato da A3 que abandonou a escola devido ao preconceito que ele sofria na escola. Sendo assim que a escola é um lugar onde se encontra um multiculturalismo e ainda se encontra nos dias atuais essa discriminação. Em vista do que foi apresentado, a gravidez na adolescência ainda é a principal causa de evasão escolar. 4.6 Métodos contraceptivos e a adolescência mitos e verdades A gravidez pode ser prevenida. Estão disponíveis várias barreiras de a mesma não ocorrer, informações são disponibilizadas. Desde criança se ouve falar de sexo e aí pinta a vontade de experimentar. Cada vez mais são essas aventuras sem limites e não prevenidas que ocorrem a gravidez. Para Cravalho; Merighi “a iniciação sexual é muito pessoal, cada indivíduo tem seu momento próprio, assim é necessário sentir o momento, considerar-se pronto e confortável para o sexo” (p.70). Momento esse em que se deve pensar antes, não agir por um instante e estar prevenido. Oito das entrevistadas eram bem esclarecidas sobre os métodos, quatro delas usavam só a camisinha, mas em algumas vezes não se preveniram e engravidaram, uma tomava comprimido e engravidou mesmo assim, sendo que o comprimido deve ser tomado todos os dias e em horários habituais. A vida sexual dos adolescentes está se iniciando cada vez mais precoce, sendo assim uma das grandes preocupações dos pais e da equipe de enfermagem, pois orientações acontecem, não são muitas em famílias em que o sexo não é muito dialogado entre os pais e filhos. O ideal seria que todos os pais tivessem liberdade de falar claramente sobre sexo com os filhos já que quando um filho inicia a sua vida sexual, os pais se preocupam. Para muitas famílias sexo não é falado livremente para Zagury (1996), embora nem todos os pais consigam falar sobre sexo com os filhos, já cresceu o número de pais que se sentem à vontade de falar para esclarecê-los. Informações essas que os jovens sabem da prevenção da gravidez, mas muitas vezes não as utilizam. Para Tavares (1999), “a maioria dessas meninas que engravidam são muito bem informadas e conhecem métodos variados de contracepção, mesmo entre as camadas mais pobres da população” (p. 123). Quando perguntada sobre como prevenia a gravidez, a A7 respondeu que não usava porque o namorado dizia que ia engordar, mas agora tinha engordado mais. Segundo Carvalho; Merighi (2006), “os adolescentes das últimas gerações obtêm muita informação sobre sexo, entretanto, eles fazem pouco uso dela e ainda persistem alguns medos e tabus” (p. 70). Esse é um dos obstáculos que se pode dizer mito dos contraceptivos de quem os usa tem um grande medo de ganhar alguns quilinhos e isso cabe ao ginecologista de prescrever um contraceptivo adequado para cada mulher, sendo necessário passar essa informação claramente. Para Zagury (1996), é importante que as meninas e os rapazes saibam exatamente o que vai significar na vida deles a concepção para que pensem com mais adequação nos passos que dão na vida. Ressaltando, assim, a A8 só usava camisinha, mas uns dias não usaram e por isso engravidou, revelando que é possível também relacionar o não uso, ou uso inadequado do preservativo, à idéia de que sua principal utilidade seria evitar as doenças de transmissão sexual e não a gravidez. Por outro lado, o comportamento contraceptivo dos adolescentes é marcado por dificuldades para usar adequadamente os métodos anticoncepcionais, especialmente em vista da maior imprevisibilidade das relações sexuais nesse grupo. Também se observa que esse comportamento, assim como a adoção de medidas preventivas quanto às doenças de transmissão sexual, varia de acordo com o contexto da relação e do tipo de parceria vivenciado pelos adolescentes. Informação cabe primeiramente aos pais orientar, passar conhecimento. Quanto mais tradicional a postura dos pais, maior a tendência dos filhos a esconder dos mesmos quando decidem começar sua vida sexual Cabe aí a conversa e as informações sobre o sexo seguro. Entrando aí o fazer da Equipe de Enfermagem da Unidade de Saúde na prevenção, indo a campo e identificar 59 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 as adolescentes de alto risco, desvendando as falhas, quanto a não tomar certo os comprimidos, o usar sempre a camisinha não só para prevenir a gravidez, mas para não contrair as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e dar orientações sobre outros métodos existentes. Não seria uma falha da Equipe, mas é melhor diminuir os índices, pois os filhos (as) dessas vão crescer e poderão também ser pais ou mães precocemente. Duas das entrevistadas já irão ter o segundo filho se nem completarem 21 anos e não terem concluído nem o ensino fundamental que é o início da escolarização, a base para garantir um razoável emprego. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A gravidez na adolescência contribui para a evasão escolar, pois as jovens se deparam grávidas e não conseguem conciliar o seu dia-a-dia de futura mãe e o cotidiano de estudante, algumas por desinteresse, outras por não terem condições financeiras para prosseguir posteriormente seus estudos. Esses fatores contribuem também fazendo assim as jovens evadirem da escola. Evidenciou-se, também, a freqüente relação entre gravidez e abandono escolar, apontado para um possível agravamento das condições sócio-econômicas dessas adolescentes que terão limitadas suas possibilidades de ocupação e sustento, de si e de seus filhos. Sendo que as adolescentes evadidas estão cientes da sua evasão, identificaram a dificuldade de enfrentar e conseguir um emprego. O que contribui mais para a evasão é a gravidez na adolescência e vem seguida do desinteresse, baixa condição financeira de prosseguir e fazer uma faculdade. Desistem antes de enfrentar essa dificuldade e o preconceito na escola após a gravidez. Para evitar a gravidez nos dias atuais há inúmeras maneiras, comprimidas, camisinha, entre outras as que se pode perceber é que as jovens têm conhecimento dos métodos anticoncepcionais, mas não os utilizam acarretando assim a gravidez precoce. Para carvalho; Merighi (2006), “a gravidez em adolescente pode ser uma espécie de verificação inconsciente de fertilidade, a sensação de imunidade característica da idade contribui para diminuição a adesão à concepção” (p. 55). Sendo tudo o que foi citado sobre os métodos foi com objetivo de mostrar um pouco da realidade do que é estar grávida, objetivando mostrar que a prevenção é fundamental, os métodos anticoncepcionais estão aí para serem usados, de forma que você curta a vida com segurança. A gravidez precoce preocupa, pois além de ser um fator de risco, contribui para outros eventos desfavoráveis para a adolescente grávida, como a saída da escola, dificuldade de encontrar um emprego com uma boa remuneração. Sendo assim que a atenção à saúde da criança e do adolescente e a falta de planejamento resultam em complicações para a mãe e para a criança. Na maioria dos casos o corpo da menina não se desenvolveu de forma adequada e a falta de acompanhamento pré-natal aumenta a probabilidade de morte do bebê. No entanto, torna-se necessário um olhar a mais das Unidades de Saúde, escola, família e sociedade que auxiliem a jovem e incentivem para que a mesma não evada da escola. Este estudo mostrou ainda que, apesar de na maior parte das vezes, a gestação não ter sido planejada, esta foi aceita. A visão idealizada dessas garotas acerca da gravidez e a ausência de preocupação com problemas concretos do dia-a-dia, incluindo seu sustento, estudo, trabalho, realização pessoal e outros ficou clara. Por fim, ficou evidente a forma também idealizada com que falam de suas expectativas futuras, especialmente as mais jovens, não apresentando alternativas concretas e não visualizando caminhos promissores na sociedade em que estão inseridas. REFERÊNCIAS ABERASTURY, A. Adolescência. Porto Alegre: Ed Artes Médicas, 1990. ABERASTURY, A. KNOBEL, M. Adolescência normal: um olhar psicanalítico. 10 ed. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas, 1992. ATKINSON, L. D.; MURRAY, M. E.. Fundamentos de Enfermagem: uma introdução ao processo de enfermagem. Rio de janeiro: Ed. Guanabara, 1989. CARVALHO, G.; MERIGHI, M. A. B.. Gravidez que problema é esse?.São Paulo: Ed. Paulus, 2006. HELMAN, C. G. Cultura Saúde e doença. Porto Alegre: Ed. Artmed, 2003. LOURO, G. 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TAVARES, E. E. Adolescência: 60 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 entre o passado e o futuro. Porto alegre: Ed.Artes eOficios, 1999. TIBA, I. Puberdade e Adolescência: desenvolvimento biopsicossocial. São Paulo: Ed. Agora, 1986. TIBA, I. Adolescentes: quem ama educa. São Paulo: Ed. Integrare Editora, 2005. ZAGURY, T. O adolescente por ele mesmo. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1996. 61 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 O COTIDIANO DO FAMILIAR CUIDADOR DO PACIENTE EM DIÁLISE PERITONEAL DOMICILIAR1 Luis Rafael Alfonço2 Paulo Alexandre Oliveira de Lima3 Vera Lucia Fortunato Fortes4 Universidade de Passo Fundo5 RESUMO O paciente em diálise peritoneal domiciliar poderá depender de um familiar para cuidá-lo. A cronicidade da doença, a incerteza do futuro e a falta de preparo em assumir o cuidado contínuo podem gerar angústia ao familiar cuidador, acarretando impactos e reações diferentes. Nesse sentido, pretendeu-se conhecer a experiência do familiar cuidador do paciente renal crônico em diálise peritoneal. Trata-se de estudo de abordagem qualitativa, exploratório-descritivo, realizado com sete familiares de pacientes em diálise peritoneal, escolhidos intencionalmente entre pessoas de ambos os sexos, maiores de 21 anos, que tivessem a responsabilidade de cuidar de um doente da família há mais de seis meses. A coleta de dados foi realizada mediante entrevistas semiestruturadas, cujo conteúdo foi analisado, obtendo-se duas unidades de significação: “provisão do cuidado do paciente em diálise” e “o cuidado ao cuidador do paciente em diálise”. Apesar de o familiar que cuida sentir-se gratificado e contar com alguma ajuda, ficou explícita a sobrecarga imposta ao seu cotidiano. O apoio da equipe de enfermagem ainda está aquém das necessidades que permeiam o cuidado continuado, o qual está mais direcionado ao paciente. Ao cuidador, a atenção volta-se ao aprendizado da técnica da diálise e à prevenção de intercorrências pertinentes ao tratamento. Palavras chave: doença renal crônica, familiar, cuidador. ABSTRACT The patient undergoing home peritoneal dialysis may depend on a family member to look after him/her. The disease chronicity, the uncertainty about the future and the lack of knowledge to take continuous care may create anguish to the caregiver, resulting impacts and different reactions. In this sense, it is intended to learn the family caregiver’s experience when looking after a chronic renal patient undergoing peritoneal dialysis. It is a qualitative approach study, exploratory-descriptive carried out with seven family members of patients doing peritoneal dialysis, randomly chosen, both genres, over the age of 21, who have been looking after a sick family member for over six months. The data collection was done through semistructured interviews, whose content was analyzed through the narratives, two units of signification were obtained: “care giving to the patient undergoing dialysis” and the care to the patient’s caregiver”. Although the family caregiver gets help and feels rewarded, there is an explicit overburden imposed to his/her everyday life. The nursing team support is still not sufficient to the needs that permeate the continuous care, which is directed to the patient. Concerning the caregiver, attention is paid to the learning of the dialysis technique and the prevention of complications pertaining the treatment. Key words: chronic renal disease, family member, caregiver. 1 INTRODUÇÃO Insuficiência renal crônica (IRC) ou doença renal em estágio terminal é a perda progressiva e irreversível da função renal, levando à incapacidade do corpo em manter o equilíbrio metabólico e hidroeletrolítico, resultando em uremia ou azotemia. (SMELTZER, BARE, 2005). Embora os rins sejam indispensáveis para a manutenção da vida, sua capacidade funcional é largamente superior ao mínimo necessário, permitindo que seres humanos e animais sobrevivam com 10% ou menos de função renal. (ZATZ, 2003). 1 Trabalho desenvolvido na disciplina de Iniciação Cientifica em Enfermagem do curso de Enfermagem da Universidade de Passo Fundo (UPF). 2 Acadêmico do IX semestre do curso de Enfermagem – UPF. lrafamac.yahoo.com.br 3 Acadêmico do IX semestre do curso de Enfermagem – UPF. [email protected] 4 Mestre em Assistência de Enfermagem pela UFSC. Professora Assistente II da disciplina de Saúde do Adulto II do curso de Enfermagem – UPF. [email protected]. 5 Universidade de Passo Fundo – Curso de Enfermagem – Campus II - Rua Teixeira Soares, 817 – Centro – CEP 99010- 080, e-mail: [email protected] 62 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 Com a confirmação da percentagem de perda da função renal, institui-se o tratamento conservador ou terapia renal substitutiva na forma de diálise ou transplante. (FERMI, 2003). A modalidade de terapia renal, em primeira mão, é indicação médica, podendo o enfermeiro avaliar as condições que possibilitam a implementação da diálise peritoneal. Diálise peritoneal é um método que utiliza o peritônio como membrana semipermeável para a depuração de toxinas variadas, mantendo o paciente renal crônico livre dos sintomas da uremia; remove para o dialisado toxinas do sangue, incluindo uréia, creatinina, potássio, fosfato e a água. A membrana peritoneal consiste numa superfície de troca de solutos e água entre os capilares do interstício peritoneal e a solução de diálise. Os mecanismos de transporte peritoneal de água e solutos são a difusão e a ultrafiltração osmótica. A primeira consiste no transporte de solutos induzidos pelo seu gradiente de concentração através da membrana peritoneal, ao passo que a segunda realiza o transporte de solvente induzido pelo gradiente osmótico, gerado pela alta concentração de glicose da solução dialítica. (PECOITS-FILHO, 2003). Existem duas principais modalidades de diálise peritoneal, ambas necessitam de um cateter abdominal para infundir e drenar a solução. Os processos de difusão e osmose acontecem durante o tempo de permanência do líquido na cavidade, podendo variar dependendo da modalidade. Faz-se necessário para essas terapias de substituição renal um treinamento pelo enfermeiro ao paciente e ou familiar, cujo tempo depende da capacidade de aprendizagem e da aderência ao processo educativo. Todo o material necessário à diálise é fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou por convênio do paciente, assim como as bolsas e equipamentos necessários. Necessita-se dispor de alguns recursos no domicílio, incluindo água encanada, luz elétrica, local de armazenamento e para troca de bolsas. A principal complicação da diálise peritoneal é a peritonite, caracterizada por dor abdominal, febre, prostração, náuseas, vômitos, falta de apetite, além do líquido turvo e demora na drenagem. As causas mais freqüentes incluem erro na técnica durante a troca de bolsa ou instalação na máquina, lavagem inadequada das mãos e infecção prévia do orifício do cateter. (FIGUEIREDO, 1999). Na diálise peritoneal, manual ou automatizada, a presença da família é parte imprescindível no sucesso da terapia, maior ainda quando o cuidado é realizado exclusivamente por um ou mais membros dessa. O ideal seria que o próprio paciente realizasse seu autocuidado, porém por causas diversas ele está impossibilitado de assumir autonomamente seu processo terapêutico que, nesse caso, exige habilidade manual e uma boa compreensão. Algumas limitações o impedem de realizar as trocas das bolsas ou manuseio da cicladora, incluindo idade avançada, diminuição da acuidade visual, neuropatias, sofrimento psíquico ou instabilidades clínicas relacionada à doença. (FORTES, 2000). A família é considerada o hábitat natural da pessoa humana, no qual ela se mostra como realmente é, sem máscaras sociais, com o que as qualidades e defeitos afloram (LEME, SILVA, 1996). “Pode ser definida biologicamente, legalmente ou como uma rede social com laços e ideologias pessoalmente construídos”.(POTTER, PERRY, 1999. p. 444). A família é a principal instituição social em que o indivíduo inicia suas relações afetivas, na qual se criam vínculos, adquirem-se valores. Essa relação familiar se mostra de forma interligada, como se fosse a extensão um do outro; assim, seus membros sofrem modificações no modo de pensar e agir com o surgimento da doença grave ou crônica. (ARAÚJO, NASCIMENTO, 2004). Durante o processo educativo ao paciente e ou familiar, além do procedimento técnico com as trocas de bolsa ou manuseio de uma máquina, o enfermeiro enfatiza a importância da higiene corporal, lavagem das mãos, cuidados com o cateter e uso de máscara com o intuito de prevenir peritonites. Cuidador é aquele sujeito que presta cuidados a pessoas com dificuldades ou impossibilitadas de se autocuidar. (CARLETTI, REJANI, 1996). Quando o cuidador é um familiar, o vínculo preexistente determina reações do total envolvimento até o compromisso meramente técnico. De qualquer forma, anos de dedicação ao cuidado de um familiar doente em diálise tornam essa pessoa uma cuidadora especial. O serviço de diálise deve possuir um programa sistematizado de treinamento com o objetivo de capacitar o paciente ou familiar. Para isso, utilizam-se aulas expositivas e materiais didáticos específicos que permitam a compreensão do mecanismo fisiológico e técnico da diálise peritoneal. O enfermeiro necessita estar apto a trabalhar com pacientes e familiares com dificuldade de lidar com a doença crônica e tratamento continuado, assim como desenvolver habilidades no executante da técnica. A dedicação e sensibilidade do profissional terão reflexo no grau de aprendizado do paciente e familiar, promovendo a adesão ao processo terapêutico. A cronicidade da doença, a incerteza do futuro e a falta de preparo em relação à técnica podem gerar uma grande angústia ao familiar cuidador principal. Além disso, a incorporação desse papel traz uma sobrecarga de responsabilidades, mescladas ao envolvimento emocional de ter um doente em casa e à responsabilidade com o procedimento, o que traz uma série de impactos e reações diferentes a cada familiar cuidador. O cuidador em diálise peritoneal se torna responsável infinitamente pelo seu familiar doente, mesmo que algum outro membro o auxilie. Ele se insere no processo educativo, necessita dominar uma seqüência técnica e, o que é mais importante, 63 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 compromete-se com o andamento da terapia, dia após dia, ininterruptamente. Nesse sentido, o enfermeiro necessita sensibilizarse quanto ao impacto que a doença trará sobre a vida do familiar cuidador, pois o rigor técnico que a diálise requer e a preocupação excessiva com o paciente sobrepõem-se às suas próprias necessidades, ficando a vida do familiar para um segundo plano. Liell e Lipinski (2003) reiteram que a tarefa de cuidar pode sobrecarregar o cotidiano, sendo de responsabilidade da equipe de saúde atentar para esse problema. O enfermeiro de diálise deverá antever a possibilidade desse desgaste, sugerindo que o cuidador principal tenha o apoio de outros co-partícipes. Com base nesse referencial, emergiram os seguintes pressupostos: a experiência de cuidar de um familiar em diálise peritoneal traz conseqüências fortes na vida do cuidador; quando o papel de cuidador é desempenhado pela esposa é mais bem aceito; se durante o processo de treinamento ocorresse a visita domiciliar, o cuidador se beneficiaria com maior intensidade da ação cuidativa de enfermagem. Norteado por esses pressupostos, este estudo teve como objetivo conhecer como se dá a experiência do familiar cuidador do paciente renal crônico em diálise peritoneal com vistas à melhoria da assistência domiciliar a esse cuidador. 2 METODOLOGIA Estudo de abordagem qualitativa, exploratóriodescritiva. Segundo Minayo, este tipo de pesquisa responde a questões particulares e subjetivas em níveis que não podem ser quantificados, pois se aprofunda nas ações e relações humanas (2002). O estudo foi desenvolvido com a clientela de um dos médicos nefrologistas que tinha pacientes em programa de diálise ambulatorial num dos hospitais desta cidade, pertencente à 6a Coordenaria Regional de Saúde. A escolha dos participantes foi de forma intencional, ouvindo um parecer do médico assistente que tinha seus pacientes em programa diálise peritoneal, residentes no município ou região. Foram incluídas pessoas de ambos sexos, maiores de 21 anos, independentemente do nível de instrução que estavam sob a responsabilidade de cuidar de um doente da família há mais de seis meses e que aceitaram participar da coleta de dados. Foram excluídas pessoas que se encontravam em sofrimento psíquico e/ou em uso de antidepressivo, em situação de luto há menos de três meses e os entrevistados que tiveram seu familiar doente presente no momento da entrevista. Após contato telefônico, os familiares optaram pelo local da coleta de dados, domicílio ou sala de espera da unidade de diálise. Assim, foram entrevistados sete familiares cuidadores de pacientes em diálise peritoneal, seis sob a forma automatizada e uma de modalidade manual. As entrevistas foram realizadas nos domicílios ou na sala de espera da unidade de diálise, todas de forma individual, sem a presença outras pessoas, durante os meses de março e abril de 2007. Participaram três esposas, três filhas e uma neta, com idades entre 25 e 53. Além de cuidar do familiar doente, cinco delas desenvolvem atividades fora do lar e duas se ocupam do serviço de casa; quanto à escolaridade, apenas uma possui curso superior. As demais, ensino médio completo. Quanto ao número de filhos, variou entre nenhum e no máximo quatro. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semi-estruturadas individualizadas, utilizando-se de uma seqüência de perguntas preestabelecidas pelos entrevistadores: “Por que o Sr(a) está nessa função de cuidar do familiar em diálise?” “Como é para o Sr(a) cuidar do seu familiar em diálise?” “Além de cuidar do seu familiar em diálise, o que mais preenche o dia-a-dia?” “ Como esse cuidado é visto pela família e amigos?” “Que tipo de cuidado o Sr(a) percebe que a enfermagem tem com a pessoa que se responsabiliza pelo familiar doente em diálise?” Os dados foram analisados pelas narrativas. Segundo Silva e Trentini (2002), a narração, como técnica de investigação de enfermagem, parte do pressuposto de que, ao exercer o cuidado e desenvolver pesquisa de campo, precisa-se fazer interações sociais e ouvir com atenção o que as pessoas têm a contar. Trata-se de uma forma desafiadora de o pesquisador conhecer as experiências vividas pelas pessoas e elucidar seus significados potenciais por meio de uma interação entre ouvinte-leitor, texto-narrativa. O projeto de pesquisa observou os preceitos da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Passo Fundo, sob protocolo n° 275/2006. Recebeu autorização para o seu desenvolvimento da instituição hospitalar e do médico assistente. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. 3 A EXPERIÊNCIA DE CUIDAR DE UM FAMILIAR EM DIÁLISE PERITONEAL O processo de análise iniciou após a transcrição das falas a partir da realização das entrevistas, subsidiando a estrutura de duas unidades de significação que compõem a experiência de cuidar de um doente em diálise em casa (SILVA, 2001). 3.1 PROVISÃO DO CUIDADO DO PACIENTE EM DIÁLISE Prover o cuidado à pessoa com doença renal crônica em diálise peritoneal exige o envolvimento de, no mínimo, duas vezes ao dia, razão por que o cuidador necessita abster-se de outras atividades e dedicar-se exclusivamente à execução de técnica, com domínio de uma habilidade e 64 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 rigor asséptico. Dessa forma, geram-se ao cuidador sentimentos de recompensa pessoal e, paralelamente, um acúmulo de funções cotidianas. Valorização em cuidar Após o convívio duradouro com uma pessoa, se num determinado momento ela adoecer e necessitar de cuidados domiciliares, a situação gera sentimento de gratificação e orgulho no cuidador por existirem vínculos familiares e laços sangüíneos. As falas traduzem esses sentimentos de préstimos: seu cotidiano. A sobrecarga de atividades é referenciada pela maioria dos familiares cuidadores: “...tinha dias que eu ia chorar escondida no banheiro, secava o rosto e voltava como se nada tivesse acontecido” “Não sobra tempo para mim: cuido da casa, das contas, dos filhos, de uma neta de cinco anos e também quem marca os exames sou eu.” (E1) “Trabalhoso, não é fácil, pois existem mais coisas que preciso resolver” “Trabalho, cuido de quatro filhos e da própria casa.” (E3) “Não é fácil, é uma tarefa árdua...”(E4) “Sinto muito carinho em cuidar, tudo o que eu posso fazer por ele eu faço. Não me sinto cansada em ajudar... esse trabalho é muito valorizado” (E1) “... já cuidava do avô que teve um AVC” (E2) “.. .me deixa orgulhosa por aprender e desenvolver um trabalho que é feito apenas por pessoas com estudo” (E6) “Sempre quis fazer enfermagem... busco saber mais sobre o assunto.” (E7) Pavarini et al. (2001) afirmam que mesmo diante da necessidade de reorganização da vida em virtude do compromisso de cuidar, existem fatores positivos na relação entre cuidador e familiar, isto é, algumas interações são consideradas agradáveis, gerando sentimentos de prazer, conforto, orgulho e valorização. Cattani e Girardon-Perlini (2004) apresentam resultados de uma pesquisa com mulheres cuidadoras de idosos dependentes, mostrando que os benefícios pessoais relatados estavam relacionados ao crescimento humano, auto-realização, senso de significado e reciprocidade. Sentir-se valorizado para cuidar parece ser um atributo básico do cuidador, sentimento que o impulsiona incondicionalmente ao cuidado e possibilita o enfrentamento da rotina contínua e, por vezes, duradoura. Sobrecarga e privação ao cuidar Cuidar significa “ter zelo por; tomar conta de.” (LUFT, 2001, p.208). O cuidador, no caso do paciente renal, deve zelar primordialmente pela acurácia da técnica da diálise domiciliar e, paralelamente, não se abstém das peculiaridades que envolvem o processo crônico. Também, e mais importante, o cuidador tem vida própria, seus compromissos e necessidades. O cuidador do paciente em diálise realiza um trabalho difícil, pois não estava preparado para enfrentar esta situação, acumulando, além do cuidar, outras funções em “...pensava que nunca iria aprender...” (E5) Para Pavarini et al. (2001), cuidar de um parente representa, indubitavelmente, um papel difícil, que facilmente compromete o bem-estar do cuidador. Cattani e Girardon-Perlini (2004), citando Silva, reiteram que o esgotamento físico e emocional advindo do cuidado ao familiar doente está associado a múltiplos fatores, pois, além das tarefas rotineiras, sofre pressão cotidiana decorrente do estado de saúde do doente, pela dependência física e emocional. Cuidar de um familiar doente no domicílio pode causar incômodo, exaustão física e mental, pois a preocupação com a doença do familiar não dá trégua, preenchendo grande parte do seu dia, o qual é dividido com outras atribuições, como a casa, filhos e trabalho. Cattani e Girardon-Perlini (2004) descrevem que o cotidiano do cuidado favorece o aparecimento de sentimentos de insatisfação por parte do cuidador, e a manifestação do seu descontentamento, entre outros motivos, pode produzir situações de conflito entre ele e o familiar. Sentimentos ambíguos podem rondar o cuidador, como compaixão pela dependência e fragilidade e, paralelamente, aborrecimento pela obrigatoriedade de atender o familiar doente. A tarefa de cuidar faz o cuidador extenuar-se em suas atribuições, gerando conseqüências em sua vida pessoal e profissional. Pesquisa realizada no município de Passo Fundo com cuidadores de idosos enfermos mostra que cuidar interfere no trabalho fora de casa, incluindo seu abandono (17,1%), impossibilidade ou redução da jornada (11,4%), denotando que a obrigação de cuidar dificulta a inclusão no mercado de trabalho e diminui a renda familiar (PORTELLA et al., 2006). Na mesma pesquisa os resultados apontam que 30% das cuidadoras não têm tempo para se cuidar; 38,6% afirmam que cuidar deixa-as sempre cansadas; 35,7% sentem-se deprimidas; 34,3% reduziram o tempo de lazer e 24,3% percebem piora em sua saúde. A redução do lazer e do convívio familiar/social interfere na vida particular dos cuidadores porque eles deixam de cuidar de si e abdicam 65 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 de atividades prazerosas (PORTELLA et al., 2006). A fala abaixo corrobora com a situação: “Me privou de várias coisas, parei de trabalhar, me anulei. Ele é agressivo (dependendo do dia), mal humorado.” (E7) Os efeitos mais contundentes na vida do cuidador dizem respeito à sua vida pessoal, incluindo renunciar à liberdade, aos compromissos e leva a rever prioridades, obrigando-o a deixar em segundo plano a relação conjugal, os filhos, a sexualidade e o trabalho. 3.2 O CUIDADO AO CUIDADOR DO PACIENTE EM DIÁLISE O cuidar da família Percebe-se que alguns cuidadores se sentem gratificados pelo reconhecimento de seus familiares, o que os motiva à continuidade do cuidado e ao fortalecimento dos laços afetivos entre os entes. A gratidão expressa pelos cuidadores é representada por admiração, atitudes e auxilio financeiro, como segue: “....a família apóia, eles fazem você parecer uma heroína, tenho um filho maravilhoso que sempre levanta o meu astral ...(E1) “Os familiares acham normal” (E2) “ Apóiam, ajudam financeiramente. Vêem o esforço que faço para cuidar dele, alguns ajudam a cuidar quando é preciso, como em internações hospitalares.” (E4) A pessoa que cuida de seu familiar enfermo espera ter o reconhecimento e a apreciação no meio familiar e social por todo esforço despendido. Estudo sobre as repercussões na vida de um cuidador familiar mostra que mais da metade sente que a tarefa de cuidar é valorizada e apoiada pela família. (PORTELLA et al., 2006). Autores apontam que os benefícios referidos pelos cuidados estão ligados ao crescimento pessoal, senso de auto-realização, significado e reciprocidade. No aspecto social os ganhos se relacionam à valorização perante a sociedade, à satisfação por cumprir normas e beneficiam as relações familiares. (CATTANI e GIRARDON-PERLINI, 2004). Por outro lado, alguns cuidadores se vêem solitários no desempenho do cuidado, não contam com o apoio dos demais familiares ou outras pessoas de seu ciclo de relações, sentem-se exauridos no compromisso continuado, sem ter com quem dividir o serviço, as dificuldades e angústias. A indiferença por parte das pessoas que rodeiam o cuidador parece desapontar de maneira mais intensa do que a negação de ajuda propriamente no cuidado. “Vêem com indiferença, não interferem.” (E3) “Acham complicado todos os cuidados que se deve ter com o doente” (E5) “A maioria pensa que é algo muito trabalhoso e difícil” (E6) “A minha família não aceita porque os filhos dele não assumem o cuidado” (E7) Cattani e Girardon-Perlini (2004), citando os estudos de Karsch, explicitam que em algumas situações o assumir a responsabilidade pelo cuidado não acontece por opção, mas por indisponibilidade de outros possíveis cuidadores. E quanto mais o cuidador se envolve, mais os nãocuidadares se desvencilham do cuidado, parecendo que existem forças opostas: uma empurrando centripetamente o cuidador para dentro da situação e a outra, centrifugamente, remetendo os demais familiares para fora da condição. Percebe-se que, passado algum tempo, o compromisso de cuidar, que inicialmente parecia mais fácil, torna-se mais extenuante, pois é ininterrupto, impossibilitando ao familiar abster-se de sua obrigação e descomprometendo seus pares. Embora a família sofra com a situação de adoecimento, espera-se que tenha forças para apoiar seu familiar doente, tornando-se um aliado positivo ao paciente. Por outro lado, observam-se reações familiares não cooperativas, atribuídas às relações deterioradas antes do aparecimento da doença (FELÍCIO, 2003). Quando o cuidador tem apenas uma convivência com o cuidado, desprovido de um relacionamento afetivo com o familiar doente, geram-se implicações negativas neste (PEREIRA, 2004). O papel do cuidador do paciente em diálise peritoneal é de vital importância, pois a manutenção da vida está na dependência do familiar para realizar os procedimentos; a negligência provoca sintomas desagradáveis, piora da uremia e complicações fisiológicas graves e progressivas. As ações da enfermagem Observa-se pelas falas que há um certo descuido por parte da enfermagem para com os cuidadores. Os profissionais convergem todos os esforços em prol do paciente renal crônico, esquecendo-se dos atores responsáveis pelo cuidado. “Ensinam e orientam bastante quanto aos cuidados que se deve ter com o paciente, dedicam bastante atenção ao familiar.” (E2) 66 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 “Tem muito cuidado com o paciente, cuidado com o familiar não tem, acho que um cuidado psicológico deveria ter.” (E3) “O atendimento é sempre feito com prontidão quando precisamos, para mim nunca foi preciso cuidado.” E4 “Acho que a enfermagem tem grande cuidado com o paciente.” E5 “Não tive apoio, senti falta de alguém que me explicasse mais sobre o cuidado do meu marido... falta apoio psicológico.” (E7) “Intensa dedicação da enfermeira durante o treinamento, deixando seguro para fazer a diálise em casa.” (E5) O familiar que assume o papel de cuidador do paciente em diálise peritoneal domiciliar na maioria das vezes não está preparado para exercer essa função, e isso não só em relação aos aspectos técnicos, mas quanto à sua capacidade de confrontar-se com essa inusitada situação de se dedicar ao cuidado com o familiar e procurar manter as atividades do seu cotidiano. Ao identificar situações na qual o familiar cuidador não sabe onde buscar ajuda é que se faz importante o papel da enfermagem, prestando-lhe muito mais que ensinamento e apoio técnico para desempenhar o cuidado no domicílio, mas algo que mostre uma preocupação real com esse familiar, visando à promoção do seu bem-estar. Quando o processo de diálise está iniciando, há uma relação enfermeiro/cuidador-familiar mais ostensiva em razão das ações educativas; no entanto, após estar apto ao cuidado do paciente, o familiar também careceria de uma assistência ao longo do tratamento. principalmente no começo, e ainda tenho, tiveram enfermeiras que vieram me dar apoio, e também a psicóloga, mesmo após a perda do meu filho eles vieram me visitar.” (E1) Simpionato (2005) evidencia a importância de prover a qualidade de vida e a promoção da saúde da família cuidadora, mencionando a “enfermagem familiar” como processo que inicia na avaliação da família por meio de um levantamento de dados e o contínuo diagnóstico no porvir da situação cuidativa. Observou-se nesse estudo uma fragilidade no suporte ou rede social com a qual as famílias têm contato, pois não estão sendo supridas todas as necessidades de apoio. O plano de intervenções para essa promoção da saúde deve ser realizado com diálogo permanente entre seus membros, procurando contribuir para seu desenvolvimento e não somente visar ao aprendizado sobre o aparato tecnológico e processo terapêutico. 4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES O trabalho possibilitou imergir na realidade vivenciada pelo cuidador do paciente em diálise peritoneal, tendo como foco a pessoa que cuida, analisando a partir de suas falas como se dá essa experiência, considerando os aspectos de engrandecimento pessoal, sobrecarga física e mental, apoio ou desamparo da família e a presença da enfermagem. Quanto aos pressupostos, o estudo confirmou que a experiência de um familiar em diálise peritoneal trouxe conseqüências contundentes na vida do cuidador, independentemente do grau de parentesco. Nenhum familiar referiu a visita domiciliar, pois não faz parte do protocolo da unidade. Seria adequado manter um seguimento de ambos os envolvidos no processo, pois, ao acompanhar o cuidador, possibilita à enfermagem prestar uma assistência efetiva e proporcionar um acolhimento de forma digna, visando colaborar com o familiar em seus conhecimentos e habilidades para lidar com a demanda de cuidados que lhe são exigidos. A relação entre enfermagem e cuidador carece de um envolvimento maior entre ambos que possibilite conhecer e vislumbrar as possibilidades que esses possam oferecer em termos de necessidade e expectativa (CATTANI; GIRARDON- PERLINI, 2004). No contexto do estudo inexistem programas de acompanhamento aos familiares, visto que são considerados meros tarefeiros. Os enfermeiros parecem despreocupados com as repercussões que a responsabilidade do cuidar impõe à vida do cuidador. Há uma escassez na oferta de serviços que atendam às necessidades das famílias que se ocupam do cuidado, pois, ainda, a única preocupação dos profissionais de saúde é instrumentalizar os cuidadores no desempenho da tarefa com o paciente. As capacitações ofertadas aos cuidadores se tornam excelentes oportunidades para o desenvolvimento paralelo de atividades que apóiem essas pessoas que dividem prazeres e sofrimentos. Constatou-se numa fala a existência de um maior vínculo entre enfermagem/cuidador, em razão da história pregressa desse familiar que tivera outro doente submetido a tratamentos na mesma instituição, na qual se percebeu uma diferenciação na atenção. Outra possibilidade é a implementação de grupos de apoio aos familiares que cuidam de paciente crônicos ou específicos para os cuidadores em diálise peritoneal, fóruns de convivências e trocas de experiências como forma de ajuda mútua. “Eu acho que o pessoal atende super bem os familiares; para mim, é mais porque os funcionários já me conhecem pelo tempo que estive no hospital... Obtive ajuda No decorrer da pesquisa, observou-se uma dificuldade em encontrar publicações de estudos voltados ao cuidador em diálise, existindo uma oferta de trabalhos 67 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 que atende a outra demanda de cuidadores, tais como idosos demenciados, seqüelados, oncológicos, entre outros. Espera-se com esses resultados contribuam para que a equipe de enfermagem em diálise transponha o seu olhar ao familiar. 5 REFERÊNCIAS ARAÚJO, Jorgéria da S.; NASCIMENTO, Maria A. A. Atenção da família frente ao processo saúde doença de um familiar com câncer de mama. 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Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003. 68 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 O PAPEL DO CUIDADOR NOS CUIDADOS AO INDIVÍDUO PORTADOR DA DOENÇA DE ALZHEIMER Ademir de Freitas1 Magna Denis Hoffmann2 Rafael Marcelo Soder3 ABSTRACT RESUMO A evolução da sociedade permitiu através de estudos e pesquisas o aumento da expectativa de vida das pessoas e, para tanto, garantir um envelhecimento com qualidade de vida, tornando-se uma preocupação que atinge todas as áreas da saúde; portanto, o envelhecimento faz parte do ciclo da vida e com ele pode-se dizer que o indivíduo adquire experiências, conhecimentos e vivências. Esta bagagem que o indivíduo traz consigo deve ser respeitada, mesmo que muitas vezes suas concepções sobre o mundo estejam desatualizadas à época em que se vive, mas a evolução do mundo como um todo é rápida; mudam-se conceitos e teorias de um dia para outro, não se pode querer que as pessoas acompanhem, aceitem e mudem o seu comportamento.Este artigo centra-se no tema assistência a idosos dependentes por doença crônica e degenerativa, em atenção ao papel do cuidador. A recomendação para que os cuidados aos idosos dependentes sejam desenvolvidos no domicílio está ganhando mais força, muitas vezes de maneira incauta por parte dos profissionais de saúde. Delegar à família a função de cuidar necessita de clareza sobre a estrutura familiar, o tipo de cuidado a ser executado, o tempo necessário, as características da doença e o acompanhamento profissional. Com o intuito de contribuir, este estudo contempla uma pesquisa qualitativa aplicada aos cuidadores, procurando mapear, diagnosticar, prever e contribuir com as deficiências que surgiram com esta pesquisa. Segundo Smeltzer; Bare (2002), a demência é uma síndrome adquirida na qual a deterioração progressiva nas habilidades globais é de tal gravidade que interfere com o desempenho ocupacional e social no cotidiano da pessoa. As deficiências levantadas reafirmam a importância de se manter o diálogo, a socialização de informações e a busca por maiores conhecimentos, tanto dos cuidadores como dos profissionais envolvidos de todas as áreas. The society evolution allowed trough some studies and researches the increase of people’s life expectation, therefore, to guarantee a growing-older with life quality is a concern that reaches all the health areas. To grow older is a part of the life cycle, and with it we can say that a person acquires experiences and knowledge. This life experience has to be respected, even if, sometimes their conceptions about the world are not updated at the age they live, because the world evolution is quick and concepts and theories are changed day by day and it is not fair to have the people accepting, following and changing their behavior. This article is centered on the topic old-aged attendance affected by chronic and degenerative diseases detaching the function of the people that take care of these elders. According Smeltzer ; Bare (2002), madness is an acquired syndrome in which progressive deterioration in global abilities is so serious that interferes with the daily duties and social performance of the person. The recommendation that elders cares must be developed at home has gained force lately, sometimes in a non prudent way by the professional in health aiming to contribute this study contemplates a qualitative research applied to the people that care elders, searching to map, diagnose, foresee and contribute with the deficiencies that appeared with this research. To delegate families the function of care, needs clearness about the family structure. Through this study the raised deficiencies reaffirm the importance of maintaining dialogue, information socialization and the search of more knowledge by people who care elders as well as professionals involved in other areas too. Keywords: Elder health, Home cares in health, Growing-older. Palavras-chave: Saúde do Idoso, Cuidados Domiciliares de Saúde, Cuidadores. 1 Enfermeiro, Pós-Graduado em Saúde Coletiva pela Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM Enfermeira, Pós-Graduada em Saúde Coletiva pela Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM 3 Enfermeiro Docente da Curso Bacharelado em Enfermagem, Especialista em UTI, Mestre em Enfermagem pela UFRGS, membro do GESC (Grupo de Estudos em Saúde Coletiva). [email protected] 2 69 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 1 INTRODUÇÃO Com a evolução da sociedade, o processo do envelhecimento vem sendo tema de vários debates e discussões no âmbito social evidenciando as modificações pelas quais o ser humano passa, repercutindo significativamente na alteração do cotidiano das pessoas idosas, muitas vezes acarretando perda da autonomia e independência. A freqüência das doenças crônicas e a longevidade atual dos brasileiros são as duas principais causas do crescimento das taxas de idosos portadores de incapacidades. A prevenção das doenças crônicas e degenerativas, a assistência à saúde dos idosos dependentes e o suporte aos cuidadores e familiares representam novos desafios para o sistema de saúde instalado no Brasil. Neste país, a velhice sem independência e autonomia ainda faz parte de uma face oculta da opinião pública. Vem sendo mantida no âmbito familiar dos domicílios ou nas instituições asilares, dificultando a visibilidade e, conseqüentemente, qualquer preocupação política de proteção social. A doença de Alzheimer faz parte do grupo das mais importantes doenças comuns aos idosos que estão relacionadas, desde os estágios precoces, com um declínio progressivo funcional e uma perda gradual da autonomia que, em conseqüência, ocasiona nos indivíduos por ela afetados uma dependência total de outras pessoas. Muitas vezes essa dependência cria um certo constrangimento do idoso em relação à família ou a seu cuidador. A própria maneira do conviver toma um novo rumo, sentir que não consegue mais realizar as próprias atividades dá-se para o idoso uma sensação de incapaz, o que conseqüentemente pode levar o mesmo a desencadear depressão (FREITAS et al. 2002). O mesmo autor transcreve que a história da descoberta da doença de Alzheimer ocorreu em meados de 1906 e 1907, por Alois Alzheimer que comunicou o primeiro caso da doença. Supôs-se que a desordem estivesse restrita a formas graves de demência pré-senil de evolução rápida, com presença abundante de placas senis e de emaranhados neurofibrilares4. Com o passar dos tempos, o conceito da doença de Alzheimer foi se estendendo, confirmando que as formas pré-senil e senil de demência apresentavam o mesmo substrato neuropatológico. Diante dessa concepção mais abrangente, a doença de Alzheimer passou a ser considerada uma doença neurodegenerativa progressiva, heterogênea nos seus aspectos etiológicos, clínico e neuropatológico (FREITAS et al. 2002). Na visão de Freitas et al.(2002), dados demográficos e epidemiológicos indicam o envelhecimento populacional em todo o mundo e o conseqüente aumento do número de pessoas afetadas por demência em geral, e pela doença de Alzheimer. Nos EUA, a doença de Alzheimer é a quarta causa de óbito na faixa etária compreendida entre 75 e 84 anos de idade, e a terceira maior causa isolada de incapacidade e mortalidade. Ainda Freitas et al. (2002), expõe que as projeções mais conservadoras de despesa ao ano em 2030, para os EUA, somente com o cuidado direto desses pacientes, atingirão cifras alarmantes de cerca de 30 bilhões de dólares. Em face deste quadro, Smeltzer; Bare (2002) relatam que a doença de Alzheimer não é encontrada exclusivamente em pacientes idosos. Em 1 a 10% dos casos, seu início acontece na meia idade. Uma história familiar da doença de Alzheimer e a presença da síndrome de Down são dois fatores de risco estabelecidos para esta doença. Quando um membro da família tem pelo menos um outro parente com doença de Alzheimer, então se diz que existe um componente familiar. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a doença de Alzheimer atualmente atinge cerca de um milhão dos 15 milhões de idosos brasileiros, uma prevalência ao redor dos 7%, podendo a patologia se tornar epidêmica e amplamente difundida nos próximos 20 anos. Estudos revelam que cerca de 40% dos indivíduos com 65 anos ou mais de idade precisam de algum tipo de ajuda para realizar pelo menos uma tarefa como fazer compras, cuidar das finanças, preparar refeições e higienizar a casa. Uma parcela menor (10%) requer auxílio para realizar tarefas básicas como tomar banho, vestir-se, ir ao banheiro, alimentar-se, sentar e levantar de cadeiras e camas (MEDINA, 1998). Segundo a pesquisa, estes dados remetem à preocupação por mais de 6 milhões de pessoas e famílias, e a um e meio milhão de idosos gravemente fragilizados no Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2001 (IBGE, 2002). Com a evolução da medicina, o prolongamento da vida se tornou possível, mas este prolongamento significa também desafios na continuidade da qualidade de vida, pois pode trazer consigo o desenvolvimento de multipatologias com o passar do tempo, entre elas a doença de Alzheimer. Segundo Forlenza (2002), a doença de Alzheimer é a principal causa de declínio cognitivo em adultos, sobretudo idosos, representando mais da metade dos casos de demência. A idade é o principal fator de risco, 4 É uma estrutura intracelular decorrente da acumulação dos pares de filamentos helicoidais e reagrupados em um espesso feixe de fibrilas (MARQUES, 1997 , p. 122). 70 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 sua prevalência passa de 0,7% aos 60 – 64 anos de idade para cerca de 40% nos grupos etários de 90 – 95 anos, revelando a magnitude do problema no Brasil, onde já vivem cerca de quinze milhões de indivíduos com mais de 60 anos. Para Smeltzer; Bare (2002), o envelhecimento intrínseco, a partir da própria pessoa se refere àquelas alterações provocadas pelo processo normal de envelhecimento, as quais são geneticamente programadas e quase universais dentro da espécie. A universalidade é o principal critério a ser utilizado na diferenciação entre o envelhecimento normal e anormal. O envelhecimento extrínseco resulta das influências externas à pessoa. Enfermidades e doenças, a poluição do ar e a luz solar constituem exemplo de fatores extrínsecos que podem acelerar o processo do envelhecimento. Esses processos de envelhecimentos anormais podem ser eliminados ou reduzidos através das intervenções efetivas de cuidados de saúde na saúde do cuidador, criados durante o processo de assistência prestada. Por tudo isso, a doença de Alzheimer é reconhecida, a exemplo de outras demências, como um importante problema de saúde pública em todo o mundo. Ainda, segundo Smeltzer; Bare (2002), a demência é uma síndrome adquirida na qual a deterioração progressiva nas habilidades globais é de tal gravidade que interfere com o desempenho ocupacional e social no cotidiano da pessoa. As demências se caracterizam por um declínio geral no funcionamento intelectual, o que pode incluir as perdas de memória da capacidade de raciocínio abstrato, do julgamento e da linguagem. Ocorrem alterações da personalidade e a capacidade de realizar atividades da vida diária se deteriora com o passar do tempo. A demência é suspeitada quando a pessoa apresenta um declínio substancial na memória e outras alterações na cognição ou ambos. Em geral, os sintomas são sutis no início e, com freqüência, progridem lentamente, até que se tornam evidentes e devastadores. Essas alterações características da demência recaem em três categorias gerais: cognitiva, funcional e comportamental. As causas reversíveis de demência incluem o alcoolismo, o uso de medicamentos (polifármacos), os distúrbios psiquiátricos e a hidrocefalia com pressão normal. A doença de Alzheimer é um distúrbio neurológico, degenerativo, progressivo e irreversível, que começa de maneira insidiosa e se caracteriza por perdas graduais da função cognitiva e por distúrbios no comportamento e afeto (SMELTZER; BARE, 2002, p.152). A experiência da doença pode vir acompanhada de uma mudança para um novo ambiente, pois alguém terá de ajudar este indivíduo em suas atividades do dia-a-dia. Muitas vezes são os familiares os cuidadores ou então pessoas que prestam serviços de cuidado. Para Liorente (2001), situações como estas podem revelar a vivência de sentimentos de ansiedade, raiva, negação, tristeza, desesperança, culpa, regressão ou confusão. Para a autora, a pessoa perde o controle de sua vida, tendo dificuldades em resolver os seus problemas e em tomar decisões, podendo apresentar sentimentos de medo, solidão, sentir dor, ser dependente e de morrer. Diante da constatação da necessidade de cuidados especiais ao ente familiar, a família constitui papel principal, tendo que fornecer um sistema de suporte para o portador da doença de Alzheimer, disponibilizando pessoas e mecanismos que sirvam de suporte para as dificuldades do processo de aceitação de uma nova rotina de cuidados para com este familiar. 2 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS O presente estudo foi desenvolvido com os cuidadores de pessoas portadoras de doença de Alzheimer em município no interior da região Noroeste do Rio Grande do Sul. Os dados foram coletados por meio de uma entrevista com oito cuidadores de idosos com doença de Alzheimer auxiliados por um formulário estruturado com questões abertas a fim de atingir os objetivos da pesquisa. Para Haghete apud Santos; Luis (1999, p.34), “a entrevista consta de um processo de interação social entre duas pessoas, em que aquele que faz a entrevista visa à obtenção de informações do outro (entrevistado)”. A escolha dos oito entrevistados se deu após uma conversa com o médico do Programa de Saúde da Família de um município do Noroeste colonial do Rio Grande do Sul, pois o mesmo realizou as indicações através dos diagnósticos feitos por ele mesmo, através de sinais e sintomas e acompanhamento que o mesmo vem realizando há mais de cinco anos. Nina (1983) citada por Minayo (1993, p. 122), costuma definir a entrevista aberta como “conversa com finalidade”, cujo roteiro serve de orientação, de baliza para o pesquisador e não de cerceamento da fala dos entrevistados. Procurando preservar o anonimato dos entrevistados e garantir o sigilo das respostas, os participantes foram designados pelos pesquisadores como sujeitos 1, 2, 3 sucessivamente, assegurados também que os mesmos estavam cientes que poderiam desistir de participar a qualquer momento, conforme dispõe a Resolução Nº 196, de 1996 do Conselho Nacional de Saúde que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos. A amostragem foi composta por cuidadores de pessoas portadoras da doença de Alzheimer no período de março a maio de 2006, que aceitaram participar do estudo. 71 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 Face à natureza do fenômeno estudado e do objetivo proposto, optou-se pela metodologia qualitativa. Segundo Polit, Beck e Hungler (2004), os pesquisadores que se apóiam no paradigma naturalista enfatizam a compreensão da experiência humana como é vivida, através da coleta e da análise de materiais subjetivos, narrativos, usando procedimentos flexíveis que evoluem no campo; este paradigma está associado com a pesquisa qualitativa (p. 40). As mesmas autoras referem ainda que “[...] os resultados da pesquisa qualitativa são tipicamente baseados nas experiências da vida real de pessoas [...]” (p. 30). As pesquisas qualitativas, para Minayo (1993), “são aquelas capazes de incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais” (p.10). A investigação foi baseada na pesquisa do tipo exploratória descritiva, referida por Polit, Beck e Hungler (2004, p.38) “[...] a pesquisa exploratória investiga a sua natureza complexa e os outros fatores com os quais ela está relacionada”. Para a tabulação dos dados, optou-se pela análise de conteúdo que, para Minayo (1993, p.198), poderia ser um termo genérico a ser usado para caracterizar o tratamento dos dados; no entanto, “[...] trata-se de um conceito historicamente construído, com implicações teórico-metodológicas e em oposição a outros conceitos”. 3 O CUIDADO DISPENSADO PELOS CUIDADORES: UMA TROCA DE CARINHO CONSTANTE Na perspectiva de estudar as relações de cuidados entre os cuidadores, buscou-se contato com os possíveis participantes do estudo, que foram interrogados quanto ao interesse de participar da pesquisa. Aqueles que aceitaram, fizeram parte da população do estudo. Foi atribuído um nome fictício a cada participante com o objetivo de garantir o anonimato. Desta forma, elaborouse um questionário com perguntas abertas aos cuidadores dos indivíduos portadores da doença de Alzheimer. Este questionário foi aplicado de forma oral em seus locais de trabalho. Quando questionados em relação ao seu conhecimento frente à patologia, os entrevistados responderam que não têm conhecimento científico sobre a doença. Em relação aos sintomas, os entrevistados responderam que sabem que a doença leva o portador ao esquecimento e que percebem sinais evidentes característicos da demência, tais como a diminuição da capacidade de memória quanto a fatos e acontecimentos recentes, não lembrava da última refeição realizada, de seus objetos pessoais, localização de seu leito e sanitários. Sujeito 2 Sujeito 4 Sujeito 6 “[...] percebo que eles são bastante esquecidos...não se lembram do que falamos há 5 minutos [...]” “[...] temos que encaminhá-los aos seus leitos quase todas as noites [...]” “[...] temos que administrar a vida deles [...]” Fonte: Freitas; Hofmann; Soder, 2006. Figura 1: Conhecimento sobre a doença Em caso de incapacidade, a dependência é a necessidade de o indivíduo recorrer à ajuda humana e/ou técnica para realizar as atividades da vida diária. A dependência também é um processo dinâmico que pode ser modificado ou prevenido se houver ambiente e assistência adequados. Muitos estudos usam a dependência (ter a ajuda de alguém para realizar uma atividade) como um indicador de incapacidade. Verbrugge; Jette (1994, p. 38) propõem um modelo do processo de tornar-se incapaz, em que categorizam os fatores de risco para incapacidade em: (1) predisponentes (fatores de risco existentes antes do processo de incapacidade ser instalado); (2) intra-individuais (estilo de vida, atributos psicossociais, mudanças de comportamento, maneiras de lidar com as dificuldades e com as modificações de atividades que podem afetar o processo de incapacidade); e (3) extra-individuais (suporte social, intervenções de serviços de saúde e de reabilitação, uso de medicamentos, suportes externos e o ambiente físico e social). O envelhecimento faz parte do ciclo da vida e com ele pode-se dizer que o indivíduo adquire experiências, conhecimentos e vivências. A bagagem que o indivíduo traz consigo deve ser respeitada, mesmo que muitas vezes suas concepções sobre o mundo estejam descontextualizadas à época em que se vive. A evolução do mundo como um todo é rápida. Mudam-se conceitos e teorias de um dia para outro, não se pode querer que as pessoas acompanhem, aceitem e mudem o seu comportamento. Os pesquisados, quando perguntados, identificavam em algum ou alguns dos idosos os sintomas desta doença. Todos foram unânimes em responder que sim, evidenciado pelas falas: sujeito 1 “[...] eles são esquecidos [...]” sujeito 5 “[...] não recordam o que fizeram minutos atrás [...]” “[...] a gente percebe que eles não buscam nenhum tipo de informação [...]” sujeito 3 Fonte: Freitas; Hofmann; Soder, 2006. Figura 2: Identificação dos Sintomas O esquecimento se manifesta em muitas ações diárias desses indivíduos. Podem perder sua capacidade de reconhecer faces, lugares e objetos familiares e ficar perdidos no ambiente familiar, repetindo a mesma história várias vezes porque esquecem de tê-las contado. A expressão clínica da doença de Alzheimer se caracteriza pela progressiva decadência das funções 72 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 cognitivas e por uma grave redução da autonomia pessoal e da adequação do comportamento. Atualmente, esta doença de Alzheimer ainda não tem cura, mas é possível minimizar os seus sintomas desagradáveis, permitindo que o portador mantenha uma boa qualidade de vida. Segundo Freitas et al. (2002), os recentes avanços no entendimento da complexa fisiopatologia da doença, a maior conscientização e envolvimento da sociedade, as possibilidades de diagnósticos cada vez mais precoces e precisos, os processos científicos na descoberta de novos tratamentos de eficácia comprovada e a proliferação de grupos de apoio são alguns dos motivos que permitiram o surgimento de boas perspectivas, que se contrapõem às tradicionalmente sombrias, relacionadas com a doença de Alzheimer. O cuidador tem papel fundamental na qualidade de vida do indivíduo portador da doença de Alzheimer. É ele quem pode facilitar ou dificultar o dia-a-dia deste. A partir do momento em que o cuidador busca ou recebe orientações específicas sobre o entendimento da manifestação e evolução da doença, este consegue criar alternativas em sua atividade, de modo a manter o indivíduo com sentimentos de bem-estar, fazendo com que este não sofra por causa da doença. Dependendo da habilidade e o comprometimento do cuidador para com o portador desta patologia, o portador da doença de Alzheimer pode levar uma vida normal, com limitações sim, de memória e de algumas atividades que a exijam, mas nunca sem ter o prazer de viver. Indagados em relação ao diagnóstico clínico, responderam que não tinham conhecimento, apenas suspeitas, e outros disseram que sim, ou seja, existia o diagnóstico médico. Questionados de como promovem o cuidado a estes indivíduos portadores da doença de Alzheimer, os pesquisados declararam ter amor pelo que fazem, falaram de carinho e dedicação, além de muita paciência. sujeito 1 “[...] tenho amor no que faço [...]” sujeito 2 “[...] me dedico porque sinto carinho por eles [...]” sujeito 3 “[...] é preciso ter paciência para lidar com eles [...]” Fonte: Freitas; Hofmann; Soder, 2006. Para os autores citados, os cuidadores participam menos de atividades sociais, têm mais problemas no trabalho e apresentam maior freqüência de conflitos familiares, freqüentemente tendo como foco a forma como eles cuidam do parente comum. Apesar dessas constatações, algumas pessoas são capazes de enfrentar mais adequadamente as situações estressantes decorrentes do cuidado prestado. Assim, para propor intervenções, é necessário identificar a variabilidade das respostas aos estressores para se promover programas que possam ajudar a limitar o impacto que o cuidar pode trazer ou ajudar a identificar e aumentar fatores que possam mediar e reduzir o impacto. Quando perguntados se receberam orientações sobre a doença e o melhor modo de prestar cuidados, todos disseram que não receberam treinamento algum e que aprenderam “cuidando” no dia-a-dia. No entanto, a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Idosos recomenda que essas pessoas devem também receber cuidados especiais, considerando que “a tarefa de cuidar de um adulto dependente é desgastante e implica riscos de tornar doente e igualmente dependente o cuidador”. Portanto, sugere-se que estes profissionais cuja capacidade funcional pode estar, de certa forma, comprometida e requer orientação, informação e assessoria de especialistas. Cerqueira e Oliveira (2002) sugerem que a experiência pessoal e a visão que os profissionais de saúde têm sobre o cuidado com idosos devem ser examinadas, pois podem interferir no julgamento profissional, uma vez que muitos valores interferem nas decisões de como, onde e até quando cuidar do idoso. Assim, como recomenda este autor, o profissional que pretende trabalhar com cuidadores deverá ter entre suas habilidades e conhecimentos a familiaridade com os transtornos comuns do envelhecimento e com suas possibilidades de tratamento, informações sobre diagnóstico e avaliações dos transtornos do envelhecimento, conhecimento sobre as disponibilidades dos serviços de saúde para o idoso doente, habilidades clínicas que permitam tanto prover orientação relativa ao comportamento do idoso como aquelas que permitam levar o cuidador a identificar sentimentos e comportamentos relativos ao idoso, compreendê-los e/ou modificá-los, de modo a resultar em melhora de sua qualidade de vida, e de sua relação com o idoso, com outros familiares e com pessoas do seu convívio. Figura 3: Procedimentos referentes ao cuidado Esse tipo de questionamento pretende permitir a expressão de sentimentos, estimular o compartilhar de experiências, o relato de dificuldades, bem como oferecer acolhimento para os sentimentos e para as dificuldades relatadas, além de orientações e sugestões para lidar com elas. Cerqueira; Oliveira (2002), relatam que cuidadores apresentam taxas mais altas de depressão e outros sintomas psiquiátricos e podem ter mais problemas de saúde que pessoas com a mesma idade que não são cuidadores. Quando questionados se desenvolvem alguma ou algumas atividades específicas com o indivíduo portador da doença de Alzheimer, se desenvolvem, quais são, responderam: 73 sujeito 1 sujeito 2 sujeito 3 sujeito 4 “[...] levo passear [...]” “[...] sento e tomo chimarrão [...]” “[...] escuto o que ela fala [...]” “[...] não faço nada [...]” Fonte: Freitas; Hofmann; Soder, 2006. Figura 4: Atividades realizadas com os portadores REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 Diante de tais afirmativas, percebe-se que os cuidadores não têm a preocupação e nem mesmo criatividade para desenvolver atividades que distraiam ou mesmo estimulem o raciocínio dos idosos. O envelhecimento populacional nos países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, tem colocado o desafio de enfrentar essa nova realidade com soluções criativas e viáveis, especialmente nos países do terceiro mundo. Esse envelhecimento tem exigido respostas no que diz respeito especialmente às políticas de saúde e políticas sociais dirigidas à população idosa, com o intuito de preservar sua saúde e qualidade de vida, bem como de atendê-la em suas doenças. Pensa-se, então, no indivíduo portador da doença de Alzheimer que praticamente vive em época passada devido a sua doença neurodegenerativa progressiva. Não é simples para ele aceitar o que se passa ao seu redor, muitas vezes sem nenhuma explicação dos acontecimentos e fatos. Neste momento é que se destaca o papel do cuidador em propiciar uma qualidade de vida a este portador, tendo a paciência de lhe explicar os acontecimentos, mesmo que por diversas vezes, sem deixar o indivíduo ansioso ou triste com a manifestação dos sintomas de sua doença. O cuidador deve ser também um pesquisador curioso na busca de alternativas que favoreçam o bem estar de seu cliente. Questionados e desafiados quanto ao interesse e tempo disponível para conhecer um pouco mais sobre a doença de Alzheimer, foram unânimes e de pronto responderam: Sujeito 1 “[...] sim, gostaria muito [...]” Sujeito 2 “[...] interesse eu tenho e tempo a gente arruma [...]” 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Na perspectiva de buscar um modelo de cuidado ao portador da doença de Alzheimer através da observação das famílias dos mesmos, deve-se constantemente avaliar e discutir as práticas para que as atividades sejam desempenhadas com técnica, dedicação, respeito e responsabilidade perante as pessoas cuidadas. Emerge a preocupação de criar um modelo de cuidado que seja comprometido com o trabalho dos cuidadores para garantir a melhoria da qualidade ao atendimento prestado aos mesmos. Ao analisar as percepções dos cuidadores de pessoas portadoras de demência de Alzheimer em um município do Noroeste colonial do Rio Grande do Sul, procurou-se detectar as deficiências e dificuldades encontradas pelos familiares em cuidar dos mesmos, com o intuito de contribuir para uma nova discussão em relação aos serviços prestados por seus familiares. Na execução das atividades realizadas por seus cuidadores no dia-a-dia deve-se avaliar suas ações, reestruturar seus conhecimentos e incentivar a capacitação dos mesmos para que, com a maior bagagem de conhecimentos, seja possível o oferecimento de melhores condições de saúde aos mesmos. Através da pesquisa pode-se verificar que a estimulação necessária ao paciente é praticamente insignificante pela falta de conhecimento e orientação dos cuidadores, o que proporciona o desabrochar de ações que venham a sanar as deficiências encontradas. Sujeito 3 “[...]é claro que tenho interesse, imagina [...]” Fonte: Freitas; Hofmann; Soder, 2006. Figura 5: Interesse em conhecer a doença Provocados a falar sobre seus sentimentos em relação ao cuidado que deve ser dispensado aos idosos doentes ou não, demonstraram o que a bibliografia aponta, ou seja, os cuidadores realmente necessitam monitoramento permanente e acompanhamento de profissionais especialistas para, assim, evitar que desenvolvam doenças, bem como qualificar o atendimento aos idosos, expressado da seguinte forma: Sujeito Sujeito Sujeito Sujeito Obs: 1 2 3 4 “[...] Não é fácil cuidar de uma pessoa assim doente [...]” “[...] Precisa tempo e paciência [...]” “[...] Tem que ser bom para essa pessoa [...]” “[...] Eles não têm culpa de ser assim [...]” “[...] Outras 4 pessoas não opinaram [...]” Fonte: Freitas; Hofmann; Soder, 2006. Figura 6: Sentimentos diários do cuidador Assim, pode-se antever que a função de prevenir perdas e agravos à saúde deverá abranger, igualmente, a figura do cuidador e, para tanto, devem ser desenvolvidos programas destinados a prevenir a sobrecarga e o impacto emocional negativo que podem afetar a saúde e qualidade de vida de cuidadores de idosos e de outras pessoas dependentes. Diante da problemática, sugere-se elaborar um programa de apoio aos cuidadores, o qual tem como objetivos preservar a qualidade de vida dos mesmos e proporcionar melhores condições de atendimento familiar aos pacientes. O programa consta de 02 reuniões semanais, com duas horas de duração, coordenadas por uma equipe multiprofissional composta de enfermeiro, psicólogo, médico e assistente social. Uma atenção especial aos dados coletados oportuniza um novo enfoque e um novo modelo de proporcionar o cuidado que pode ser baseado em técnicas psicodramáticas focalizando o papel do cuidador e suas decorrências sociais e emocionais. Ao profissional de saúde pode ser possível a socialização de informações teóricas vinculadas por meio de discussões em grupo e recursos audiovisuais, possibilitando a solução de problemas do fazer diário. E, ainda, serem abordados alguns temas, tais como: significado e motivações do cuidado prestado, sinais de alerta de desgaste físico e mental do cuidador, possibilidades de se cuidar e solicitar ajuda, formas de melhorar a comunicação diante da deficiência visual, auditiva e cognitiva, formas de favorecer a independência e autonomia e de lidar com os problemas 74 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 relativos à higiene, mobilidade, agressão, irritação, alucinações e idéias delirantes do idoso; enfim, sempre mantendo o objetivo principal em foco que é proporcionar uma melhor qualidade de vida ao paciente e também ao seu cuidador. 5 REFERÊNCIAS BRASIL-Ministério Da Saúde. Política nacional de atenção à saúde dos idosos. Documento disponível no site do Ministério da Saúde, (2000) Brasil: http:// www.saúde.gov.br. CERQUEIRA, Ana Teresa de Abreu Ramos; OLIVEIRA, Nair Isabel Lapenta de. 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Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. v. 1. 75 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 PERCEPÇÕES DE CASAIS COM INFERTILIDADE Vanessa Taís Hünemeier 1 Jane Lílian Ribeiro Brum2 Sociedade Educacional Três de Maio - SETREM3 RESUMO Segundo Farinati; Rigoni; Müller (2006, p. 21): Este artigo tem por objetivo conhecer as percepções de casais com infertilidade e o impacto que este causa em suas vidas. Pode-se evidenciar que no momento em que um casal descobre a infertilidade, simultaneamente ocorre uma situação de frustração que desencadeia diversos sentimentos, como de perda, de solidão, de incapacidade e de insegurança. Diante deste problema de saúde e do preconceito gerado sob o casal acometido, torna-se difícil a convivência, gerando conflitos nos âmbitos físicos, psicológicos e sociais e ao mesmo tempo favorecendo a união do casal. [...] é estimado que entre 60 e 80 milhões de pessoas em todo o mundo enfrentam dificuldades para levar seu projeto de paternidade e maternidade em suas vidas e calcula-se que esse índice atinja aproximadamente 20% dos casais em idade reprodutiva. No ano de 2000, cerca de 5,0 a 6,3 milhões de mulheres nos Estados Unidos apresentaram problemas com infertilidade, estima-se para 2025 um aumento desse índice para 5,4 a 7,76 milhões. No Brasil os dados referentes aos casais com infertilidade não são diferentes dos outros países. O índice dos casais com infertilidade é de 1 a cada 10. Palavras-chaves: Infertilidade. Sentimento. Enfermagem. ABSTRACT This article has as its main purpose to know the perceptions of couples with infertility and the impact that this causes in their lives. It can be evidenced that at the moment in which a couple find out the infertility, a frustration situation simultaneously occurs that unchains a lot of feelings as loss, loneliness, incapacity and insecurity. Before this health problem and the prejudice generated under the assaulted couple, the house holding becomes difficult generating conflicts in the physical, psychological and social scopes and at the same time favoring the union of the couple. Key words: Infertility – Feeling - Nursing 1 INTRODUÇÃO Desde criança, as pessoas têm em suas mentes um cronograma já programado sobre sua vida. Pensam em arrumar um príncipe ou uma princesa, casar, formar uma nova família, ter filhos, vê-los crescer e assim sucessivamente. Alguns casais não conseguem vivenciar esta realidade. Considera-se infertilidade após um ano de relações sexuais desprotegidas entre o casal, ou seja, um ano sem uso de métodos anticoncepcionais, sem gravidez natural. Quanto à infertilidade, esta pode ser de dois tipos: a primária e a secundária. A infertilidade primária se refere àquelas pessoas que nunca conceberam, enquanto a infertilidade secundária se refere àquelas pessoas que já conceberam alguma vez, mas que atualmente não consegue engravidar (PIVA, 2002). A infertilidade gera variadas respostas emocionais tanto em homens como em mulheres. São comuns vários sentimentos, como de perda, de inferioridade, de culpa. O estresse também tem influência sobre a infertilidade variando conforme sua condição socioeconômica, assim como outros fatores, a idade, a história pessoal, até o estágio de investigação ou tratamento e a duração da infertilidade. Diante desta realidade, evidenciou-se a necessidade de buscar informações que possam ajudar a entender as percepções dos casais que sofrem com a infertilidade, 1 Acadêmica do 8° semestre do curso Bacharelado em Enfermagem – SETREM, e-mail: [email protected] Mestre em Enfermagem Obstétrica, Docente do Curso Bacharelado em Enfermagem SETREM, e-mail: [email protected] 3 Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM, Av. Santa Rosa, 2504, Três de Maio – RS, e-mail: [email protected] 2 76 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 assim como as dificuldades enfrentadas pelos mesmos no tratamento. Desse modo, buscaram-se informações acerca das percepções vividas pelos casais que sofrem com infertilidade bem como o impacto sofrido pelos mesmos durante suas vidas. sintoma. A mulher procura por seu ginecologista e se espanta por não estar grávida depois de haver interrompido a contracepção já há algum tempo. Outras, sem uso de métodos que impeçam a gravidez, descobrem que não tiveram o resultado esperado. Após, então, inúmeras tentativas de gravidez natural, o casal inicia o processo de investigação: 2 METODOLOGIA “Mas será que você não tem o probleminha, vamos fazer um exame, e isso vai passando, aí quando vê já passou três anos e daí quatro anos, [...] então quando a gente viu já estava beirando os trinta anos” (SUJEITO 6 FEMININO). Este estudo foi desenvolvido no segundo semestre do ano de 2007 em um município de pequeno porte da região Noroeste do estado do Rio Grande do Sul, constituindo-se em uma pesquisa do tipo exploratório – descritiva com abordagem qualitativa que, segundo Minayo (2007), é um tipo de pesquisa que se preocupa com as ciências sociais, em um nível de realidade que não pode ser quantificado e aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas. “Eu tentei engravidar desde 2005, em abril [...] mas depois de seis meses sem sucesso a gente procurou de novo o médico para investigar porque não conseguíamos engravidar. [...] agora então faz dois anos e alguns meses” (SUJEITO 1 FEMININO). O levantamento dos sujeitos da amostra foi realizado através da pesquisa na lista de casais adotantes com infertilidade no Fórum do Município pesquisado, pelo Juiz de Direito da Comarca, o qual indicou um casal, e após foi usada a técnica da bola de neve ( Snow Ball ), onde o casal entrevistado indicava outro casal com infertilidade e assim sucessivamente. A coleta das informações foi através de uma entrevista com roteiro semi - estruturado que foi aplicado aos casais. Estas foram gravadas, transcritas e analisadas pela autora do trabalho. A amostra foi definida utilizandose o princípio da saturação dos dados no qual se obteve oito sujeitos num total de quatro casais. Utilizou-se um termo de consentimento livre esclarecido, seguindo os preceitos éticos da Resolução Nº 196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde, para assegurar os direitos de liberdade de escolha de participação e garantia do anonimato (BRASIL, 2007). 3 PERCEPÇÕES DE CASAIS COM INFERTILIDADE “Tudo começo quando nós casamos faz dezoito anos atrás hoje né, e nós queríamos logo ter um filho, daí não , um mês não, no outro também não engravidava e não menstruava, daí fazia exame e dava negativo e aí era aquela frustração.[...] Aí fui consultar e o médico pediu uma ecografia transvaginal, aí ele descobriu que meu caso era de ovários policísticos” (SUJEITO 7 FEMININO). Não ocorrendo a gravidez natural com o passar dos meses e anos, o casal percebe que algo está errado, e é nesta fase que aceitar a condição de ser infértil perpassa por um processo delicado. Portanto, descobrir que a pessoa é infértil é um momento doloroso para ambos parceiros, bem como a expectativa do casal e a pressão social por um filho que vêm desgastar ainda mais os indivíduos inférteis e é onde o sentimento de angústia se torna manifesto, mas, com o passar do tempo, começam a entender a dimensão do problema e iniciam a investigação das causas da infertilidade (ORIÁ; XIMENES, 2006). 3.2 Investigação 3.1 Tentativa de engravidar Em casais que vivem juntos e têm relações normais, regulares e sem proteção, espera-se que ocorra uma gravidez após um ano de relações sexuais desprotegidas. A duração desse período difere, dependendo da carga individual, social e cultural. Cada casal tem sua própria hora, em que a esposa ou o marido ou ambos começam a perceber que a gravidez desejada não chega e alguma coisa deve estar errada. O processo de investigação se inicia com a procura do médico gineco- obstetra local ou com médico especialista em infertilidade, sendo que alguns casais após fazerem exames “por conta própria” vão direto a uma clínica de reprodução humana. Como referem as falas abaixo: Nesse instante, a infertilidade se torna objeto de preocupações constantes, objeto de medo, um verdadeiro 77 “Me indicaram um médico que é especialista em infertilidade que é de Santa Rosa então a gente foi lá para consultar com esse médico, pediu novamente o espermograma e mais alguns exames para nós” (SUJEITO 2 MASCULINO). REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 “Nós fomos direto para uma clínica nós não ficamos indo de um médico para outro, porque isso acontece muito, os casais sentem-se perdidos em relação à infertilidade e eu como médico me sinto bem a vontade de prestar assistência quando eu atendo um casal com essa dificuldade. Eu já digo não percam tempo vão direto ao ponto (clínica)” (SUJEITO 3 MASCULINO). Das entrevistadas, uma apresentava como causa da infertilidade a endometriose pélvica, duas apresentavam ovários policisticos que levam à falta de ovulação e a outra não foi encontrada qualquer alteração. Para investigar as causas de infertilidade feminina, a mulher passa por vários exames que são desgastantes, dolorosos e que expõem a genitália levando a situações constrangedoras como revelam as falas abaixo: “Como minha mulher tinha ovários policísticos, fez o tratamento e depois de alguns meses ainda não conseguimos engravidar, fomos consultar com outro médico que me pediu um espermograma, e aí deu que eu tinha baixa contagem de esperma” (SUJEITO 8 MASCULINO). “[...] os exames, é uma coisa que desgasta bastante, enfim fiz duas histerossalpingografia, é bem dolorido também bem chato de fazer” (SUJEITO 6 FEMININO). “Eu fiz a histerosalpingografia, foi uma dor horrível, é ficar com as pernas abertas com o técnico olhando, injetando (contraste), olhando. E tu naquela posição” (SUJEITO 1 FEMININO). Passando pelo procedimento de infertilidade e intervindo como médico, o sujeito três ajudou a si próprio a lidar com a sua situação e estabelecer um limite para a investigação, ou seja, aceitando sua condição de infértil e fazendo o enfrentamento da circunstância em busca de alternativas para minimizar o desgaste do processo. O homem também passa por situações constrangedoras, uma delas é a coleta de material para o espermograma. Um dos sujeitos entrevistados referiu ter levado uma pancada no saco escrotal e após este acontecimento fez um espermograma “por conta própria”, onde foi constatada uma alteração de viscosidade. “O grande problema é tu fazer o espermograma, depois de certa idade, tu chega no local e pra ti fazer uma masturbação é complicado. A maioria dos laboratórios não tem uma estrutura, não te dão um filme, nem uma revista. De manhã cedo no frio, é complicado, tu tem que ir sozinho, tu fica constrangido.não é uma coisa que tu faz normalmente e parece que todo mundo esta vendo” (SUJEITO 2 MASCULINO). “[...] depois de um tempo a gente tentou engravidar e não deu certo, daí foi feito exame de novo, veio mais alterado, já pela idade” (SUJEITO 2 MASCULINO). As alterações do espermograma podem variar com o passar dos anos, conforme a idade do indivíduo e dos fatores intrínsecos e extrínsecos que influenciam na quantidade e qualidade dos espermatozóides, como refere a fala abaixo: Já nas clínicas de fertilidade há uma melhor estrutura que evita o constrangimento na hora da coleta de sêmen. “Lá tem uma sala com vídeo, máquina de café, revistas sobre tudo, um sofá super confortável, a moça te entrega o potinho e quando tu termina, tu aperta a campainha e logo alguém vem buscar o potinho. Assim, não achei constrangedor” (SUJEITO 3 MASCULINO). “[...] fizemos todos os exames. Quatro exames estavam alterados e daí cada vez foi piorando devido ao fato de que cada ano que passava diminuía mais a minha motilidade dos espermatozóides” (SUJEITO 2 MASCULINO). Além dos problemas masculinos com as alterações do espermograma que ocorrem em 40% dos casais com infertilidade, as mulheres são responsáveis em 40% dos casos. Já em torno de dez a 20% dos casais não são diagnosticadas as causas da infertilidade (TARASCONI, 2007). 3.3 O martírio do tratamento Após um determinado tempo sem engravidar é realizada a investigação da causa da infertilidade, em seguida os casais interessados dão início à fase do tratamento da infertilidade que implica em extensos exames diagnósticos e tratamentos médicos de longa duração que podem precipitar sintomas psicológicos, sendo de maior freqüência a ansiedade e a depressão, 78 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 além da raiva, frustração, isolamento familiar/social e dificuldades sexuais. Esses sintomas afetam entre 25 a 60% das pessoas inférteis (RIBEIRO, 2004). A ansiedade costuma aparecer pela natureza estressante dos tratamentos e pelo medo de não conceber. Estando a depressão mais relacionada ao resultado negativo do tratamento, na fala seguinte consegue-se observar claramente a ansiedade em relação à duração do tratamento: “É que a medicina pede pra você queimar etapas, você não parte logo pro radical no primeiro ano que você não tem filhos, você vai fazer inseminação artificial, não você vai fazer o tratamento será que não podemos melhorar tua fertilidade, mas será que você não tem um probleminha no útero, vamos fazer um exame, e isso vai passando, e aí quando vê já passou três anos e daí quatro anos, e daí vamos fazer um tratamento, daí passou mais dois, e daí quando a gente viu já estava beirando os trinta anos” (SUJEITO 6 FEMININO). “Na região não havia na época um serviço de fertilidade especializada, fomos a Porto Alegre, fomos clientes da primeira clinica de fertilização do estado, a Fertilita, lá passamos por entrevistas e entrevistas, ginecologistas, urologistas, e ficou detectado que ambos são inférteis, então, ela não tem condições de engravidar e eu não tenho espermatozóides o suficientes para fertilização. Aí nós optamos por fazer um bebê de proveta, então houve toda uma preparação, indução, biopsia de ovário, coleta de sêmen, separação de espermatozóides viáveis, e, ah foram implantados quatro embriões na mulher” (SUJEITO 3 MASCULINO). Diferentes alternativas de tratamento têm sido usadas pela medicina reprodutiva para oferecer nova esperança aos casais inférteis, uns dos principais tratamentos o qual todas as entrevistadas realizaram foi a indução de ovulação. Durante esta fase as mulheres relataram desconforto físico e mental devido às aplicações diárias de medicação intramuscular e subcutânea, bem como pelas ultrassonografias transvaginais que medem o diâmetro do folículo ovariano. diminuem devido à hipofunção ovariana e viabilidade espermática. “[...] Ele deixou bem claro que a fertilização tem 50% de chances e a inseminação tem 20% na minha idade, aí quando a mulher tem uma idade avançada vai diminuindo conforme a idade” (SUJEITO 1 FEMININO). “Como as chances de engravidar na primeira tentativa era maior que 40% e hoje já existem dados que aumentou a possibilidade quanto mais vezes você tenta, mais vezes você tem chance de conseguir engravidar” (SUJEITO 4 FEMININO) A chance de uma Fertilização In Vitro resultar em gravidez é em média de 20 a 35% por tentativa, dependendo principalmente da idade da paciente (quanto menor a idade da mulher que realiza uma FIV, melhores são os resultados). Em pacientes abaixo de 30 anos, as chances de sucesso são de quase 50%, enquanto que em pacientes acima de 40 anos as chances são bastante reduzidas (CHEDID, 2000). Para Chedid (2000), os índices de sucesso da inseminação artificial são de aproximadamente dez a 18% por ciclo. Deve-se lembrar que a chance de um casal sem nenhum problema para engravidar em um mês fértil é de cerca de 20 a 22%. Quando o casal realizar de três a cinco tentativas, as chances de gravidez podem chegar a 50%. Após esse número de tentativas, as chances de gravidez através da inseminação caem drasticamente, não sendo recomendado insistir neste tipo de tratamento. A partir de então, o casal e o médico devem reavaliar o caso para saber qual o melhor procedimento. Outra preocupação que o casal acaba tendo é em relação aos gastos que irá ter para fazer o tratamento, em virtude de o tratamento ser caro e restrito a uma clientela, restando para muitos casais a opção de esperar anos em longas filas nos hospitais de ensino que oferecem o tratamento gratuitamente. “Usei Clomid de novo, todos os meses eu ia aqui na cidade e fazia ultrassonografia transvaginal, media o folículo no período, sempre tomando Clomid para induzir a ovulação, onde o médico detectava que o folículo estava no tamanho ideal, e daí fazia a injeção para amadurecer o folículo e liberar o óvulo. Fizemos isso uns três, quatro meses e aí de novo, tudo de novo” (SUJEITO 1 FEMININO). Os entrevistados estavam cientes dos percentuais de gravidez da contracepção assistida e inclusive eram sabedores que com o passar dos anos esses percentuais “Eu tenho 28 anos e dava para esperar para fazer a fertilização até os trinta a trinta e cinco, então não precisaria correr, a gente pensou vamos nos inscrever pelo SUS, o tempo de espera pelo SUS é de três meses a um ano e tu só paga a medicação ainda é um pouco menos da uns três mil e pouco, não paga tudo” (SUJEITO 1 FEMININO). Os tratamentos para infertilidade demandam um gasto financeiro às vezes muito superior à renda familiar expondo o casal a sacrifícios e inclusive a idéias impensadas como se desfazer de bens como a casa e o carro para suprir o desejo da maternidade/paternidade. 79 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 “A gente falou que não agüentava mais, que a pressão tava grande, e as coisas assim, tinha hora certa para transar e isso estava prejudicando nosso casamento” (SUJEITO 1 FEMININO). “[...] a gente penso em vender o carro, estava pensando em vender a casa, daí desistimos de vender o carro, desistimos de vender a casa, daí eu fui falar como o médico, e a gente se inscreveu então pelo SUS” (SUJEITO 1 FEMININO). “[...] são três dias que são férteis aqueles ali é que você vai ter o fator psicológico, fator ânimo, fator de vontade e tudo, não vai transar pra ter filhos, você transa porque gosta, ou coisa assim né, então são doze, vamos multiplicar por três, são vinte e quatro, trinta e seis chances de engravidar por ano que você tem, né, às vezes isso pesa contra, e os anos vão passando e cada vez vai ficando mais difícil e assim foi acontecendo” (SUJEITO 5 MASCULINO). “Acabamos deixando de fazer o tratamento porque a nossa situação financeira não ajudava, os remédios eram caros, [...] então pensamos em dar um tempo nisso, e esse tempo esta durando quinze anos” (SUJEITO 1 FEMININO). 3.4 Conseqüências da infertilidade O casal que vive o drama da infertilidade sofre pressões de todos os lados. Ainda recém-casados a família e os amigos já começam a cobrar os filhos. Parece que, uma vez juntos, o casal não tem mais razão de ser como tal. A vontade de ter filhos muitas vezes reflete mais a cobrança da sociedade do que o desejo do casal. “Na minha família eu sou o único filho homem e isso faz com os familiares cobrem, ei, e aí e os filhos vem quando, ta na hora se não vai morrer o nosso sobrenome” (SUJEITO 8 MASCULINO). Quando um filho é desejado e apesar das tentativas de concepção para que este desejo se realize, ocorre um hiperinvestimento no projeto de um descendente. Todos os outros projetos e investimentos da vida ficam em segundo plano (RIBEIRO, 2004). Em alguns casos ocorre a sensação de que suas vidas estão paralisadas à espera da gravidez e do filho tão sonhado. “[...] tu te joga de cabeça e tu não enxerga o lado ruim, da medicação tu ficava toda inchada, mas é que tu tem aquele objetivo focado eu acho até que os casais têm que passar por isso, eu admiro quem decide adotar uma criança sem ter tentado todos os métodos para a infertilidade, eu acho que tem que ir até o último ponto para esgotar isso, daí não deu, bem aí você vai repensar se você quer família ou não [...]” (SUJEITO 4 FEMININO). Segundo Ribeiro (2004), os casais que optam por métodos de concepção assistida podem experienciar uma verdadeira revolução em suas vidas. A mais imediata é o fato de que uma equipe médica começa a fazer parte da intimidade do casal e também a determinar quando deverão ou não ocorrer as relações sexuais. Nos métodos de reprodução assistida, como a inseminação artificial e a fertilização in vitro, a concepção deixa de ser conseqüência de uma relação sexual. O processo de investigação e tratamento da infertilidade pode ser um caminho muito árduo e muitas vezes interfere no relacionamento conjugal. Enquanto o sexo era antes um contato íntimo espontâneo e sem compromisso, na vigência da investigação e do tratamento da infertilidade ele passa a ser regulado por dias e horários convenientes para a concepção, abrindo margem para o surgimento dos mais diversos problemas e dificuldades conjugais. 3.5 O sonho de ter filhos que não se concretiza A realização pela maternidade e paternidade geralmente é um dos mais importantes projetos de vida para o indivíduo e para o casal, é um dos alicerces a partir do qual o casal constrói seu relacionamento. Justamente por sua importância, a infertilidade pode ser um forte abalo na estrutura psíquica, reabrindo, de diferentes formas, antigas feridas e afetando intensamente a auto-estima (RIBEIRO, 2004). A experiência da infertilidade parece promover danos consideráveis nos referenciais de masculinidade e feminilidade. “[...] logo que a gente engravidou, duas semanas depois já houve o abortamento espontâneo, daí a gente optou por não continuar, né achamos que não foi uma experiência muito prazerosa, não pela questão financeira, mas pelo custo emocional que envolvia, [...] a infertilidade fazia parte do nosso casamento. Que a nossa família seria realizada através de adoção” (SUJEITO 4 FEMININO). Segundo Ribeiro (2004), a capacidade de conceber e gerar um filho são extremamente importantes para as questões da feminilidade e da masculinidade, assim como para o próprio sentido da vida, gerar filhos e ser pais é uma das razões em torno das quais o casal se constitui. A situação de infertilidade não é somente uma crise 80 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 individual, mas uma crise do par, a situação os impele a reavaliar o sentido de seu relacionamento. Nas falas a seguir os entrevistados demonstram a preocupação permanente com a questão da infertilidade e os sentimentos de insegurança: Observou-se que a infertilidade não é apenas frustrante, mas sim devastadora para aqueles que desejam ter um filho e não conseguem tê-lo. A auto-estima e a autoconfiança do casal sofrem um forte impacto, o relacionamento fica sobrecarregado de acusações, culpas, frustrações e desapontamentos (PIVA, 2002). “Tudo isso é o sentimento, não cai fora ali, fica ali, fertiliza, daí tu sai dali imaginando “conversa com ele” o óvulo tá indo o espermatozóide também. Então o psicológico da gente fica bem alterado, é isso que eu queria dizer, aí as pessoas antes de começar esse tratamento elas dizem “aí relaxa vocês têm que esquecer que querem ter filhos”, gente ninguém esquece, “ai quando tu esquecer tu vai ficar”, eu não sei, eu não me acho uma pessoa assim que pensa, pensa, pensa, que não é assim, mas tu não esquece é um desejo muito inconsciente, está num todo” (SUJEITO 6 FEMININO). “[...] como é difícil engravidar tendo endometriose, aí sim veio aquele sentimento de não poder ter filhos de querer muito ser mãe e de repente não poder, de ter que escolher uma adoção e até tentar uma fertilização, mas sempre com medo de não dar certo e esse sentimento persistiu por muito tempo ele vem e volta só termina o dia que a mulher consegue engravidar” (SUJEITO 1 FEMININO). A infertilidade conjugal traz consigo, em maior ou menor grau, sentimentos negativos que na maioria das vezes dificultam o tratamento. Nesse sentido, é preciso que antes de tudo o homem e a mulher queiram profundamente ter um filho para que possam aceitar os problemas decorrentes da infertilidade e, assim, criar forças para percorrerem juntos um caminho que talvez seja bastante difícil e longo (CHEDID, 2000). “[...] os casais sentem-se perdidos em relação à infertilidade” (SUJEITO 3 MASCULINO). Conforme Ribeiro (2004, p.42): “homens e mulheres podem experienciar a infertilidade como uma situação de injustiça cometida contra eles”.Tal situação gera intensos sentimentos de raiva, desespero, desesperança, cansaço e é também nesse momento que ocorre o isolamento social decorrente de sentimentos de fracasso e vergonha por não ser possível realizar o que muitos casais fazem sem grande esforço, como relata a fala abaixo: 3.6 As dores da infertilidade “[...] fiquei frustrada, tu se sente pequeninha, se sente báh, porque isso aconteceu comigo? A gente se revolta no momento né, porque comigo, porque né. É a gente até acha injusto, na época a gente achava injusto, a gente dizia a gente tem condições e quer tanto conseguir engravidar” (SUJEITO 4 FEMININO). Desde muito cedo em seu desenvolvimento, muitas pessoas constroem um projeto de vida, e um deles é o desejo de ter filhos, mas, ao se deparar com uma impossibilidade nesse processo, ocorre a produção de uma ampla gama de sentimentos, tais como medo, ansiedade, tristeza, frustração, desvalia, vergonha, desencadeando por vezes quadros de estresse importantes. É por esse motivo que muitas vezes a situação de infertilidade é capaz de provocar efeitos devastadores tanto na esfera individual como conjugal e desestabilizar as relações do sujeito com seu entorno social, podendo ocasionar um decréscimo na qualidade de vida (RIBEIRO, 2004). Conforme Ribeiro (2004), o estresse da situação de infertilidade promove um impacto na saúde mental e física, conviver com a infertilidade é semelhante a lidar com as mais devastadoras doenças médicas, a cada tentativa malograda de alcançar uma gravidez, os pacientes podem ficar, gradativamente mais deprimidos e com sentimentos de tristeza como descrevem as falas abaixo: “Volta e meia vem aquela coisa na cabeça, tu já imaginou como vai ser quando nós ficar velho e não tem ninguém pra nos cuidar[...]” (SUJEITO 7 FEMININO). “Tu tenta sempre manter o controle emocional, tu tenta sempre manter uma aparência de que está tudo bem, que está tudo controlado, mas por dentro já começa a frustração ali, é uma frustração” (SUJEITO 5 MASCULINO) A infertilidade desencadeia vários sentimentos, nem sempre verbalizados, mas que afetam a vivência do casal. Para Ribeiro (2004, p.35) “A infertilidade tende a ser um sofrimento silencioso, os casais que passam por essa situação podem experienciá-la como algo que inferioriza diante dos outros [...]”. “[...] eu tentava me passar de forte, pois a estrutura psicológica dela já estava bastante nervosa e triste quanto a isso” (SUJEITO 2 MASCULINO). Ainda para Ribeiro (2004) a impossibilidade de realização da maternidade e da paternidade é um evento que tem múltiplas facetas, e estas facetas envolvem a sexualidade espontânea, a experiência da gravidez, o filho tão desejado e a continuidade genética. 81 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 3.7 Uma saída Após incansáveis tratamentos para a infertilidade, onde o sonho de ter filhos biológicos não se concretiza, os casais suscitam o desejo de adotar uma criança para satisfazer o desejo de ser mãe e pai. Ser pai e mãe é uma opção de amor e afeto que independe do biológico, sendo uma forma de realização da paternidade e maternidade. Muito se fala sobre adoção, mas pouco se sabe a respeito de um universo complexo, onde a emoção e a razão estão diretamente ligadas e podem juntas mudar o destino de quem adota e de quem é adotado. “[...] por mais que a gente quer ter filhos, eu acho que se não der, vamos adotar, mas é uma questão de tempo porque não é de uma hora pra outra que tu vai pensar que vai adotar” (SUJEITO 2 MASCULINO). “Eu me sinto tão pai, tão homem tendo uma filha adotiva como se eu tivesse engravidado a minha mulher” (SUJEITO 3 MASCULINO). “AGORA, ainda não tomamos uma decisão de se vamos ter filhos, se vamos adotar uma criança ou se ainda esta em tempo de fazermos algum tratamento”.(SUJEITO 8 MASCULINO). A adoção estabelece a relação filial. É uma forte relação afetiva que se cria entre responsáveis e criança, ou adolescente. Pode-se relacioná-la a uma gestação que acontece na vida das pessoas a partir de diferentes motivações e oportunidades (TÜRCK, 2000). Uma possibilidade é esperar pela gravidez natural, como ocorreu com uma das entrevistadas durante a pesquisa. Outra possibilidade é o casal ficar sem filhos, afinal não se pode reforçar a idéia de que o único objetivo de vida de um casal é ter filhos. Um relacionamento deve ser baseado em amor e cumplicidade independente de filhos ou não. 4 CONCLUSÃO Ao finalizar este trabalho, num contexto mais amplo, este estudo oportunizou compreender melhor a realidade encontrada em muitos aspectos relacionados às percepções e dificuldades provocados pela infertilidade que devem ser discutidos para que a cultura da infertilidade seja efetivamente alterada em nossa sociedade. Partindo de uma história que retrata a infertilidade como uma enfermidade aceitável até a evolução deste fenômeno, percorreu-se por períodos da história que reeditam a infertilidade e suas múltiplas causas, formas e sentimentos distintos, mas partindo de uma mesma matriz: a insegurança dos casais e as alternativas que possam garantir a necessidade de ter um filho. O estudo com os casais inférteis proporcionou um melhor conhecimento sobre o tema pesquisado, pois se percebeu que eles tinham o conhecimento da situação e sabiam da importância dessa jornada. Pode-se evidenciar que no momento em que um casal descobre a infertilidade, simultaneamente ocorre uma situação de frustração que desencadeia diversos sentimentos, como de perda, solidão, incapacidade, depressão e insegurança. Diante deste problema de saúde e do preconceito gerado sob o casal acometido, torna-se difícil a convivência, gerando conflitos nos âmbitos físicos, psicológicos e sociais e ao mesmo tempo favorecendo a união do casal. Dessa maneira, para que esta trajetória ocorra de forma natural, é importante que todas estas condições sejam compreendidas e trabalhadas pela equipe de saúde. Referente ao sentimento dos casais, concluiu-se que os mesmos se sentiam inseguros e ao mesmo tempo felizes ao realizarem tratamentos para engravidar por um curto período pois logo ocorria o aborto ou simplesmente não ocorria a concepção, mas continuavam tentando a gravidez. Eles estavam cheios de esperança de ter filhos e cientes da importância do tratamento, pois se sentiam angustiados e tristes em não poder conceber naturalmente. Com base neste contexto, acredita-se que a pesquisa alcançou os objetivos propostos permitindo identificar as percepções dos casais frente à infertilidade. Entretanto, também ficou enfatizado nas declarações dos casais, o fato de que a infertilidade proporcionou um contato mais próximo entre marido e mulher, favorecendo a vida conjugal. Após a análise das entrevistas, concluiu-se a necessidade da criação de grupos de apoio com assessoria de equipe multiprofissional, especialmente de uma psicóloga para auxiliar na abordagem emocional do problema da infertilidade, pois nos relatos, os casais descrevem a falta de apoio especialmente no momento de grande transtorno que ocorre por ocasião dos tratamentos. Também neste contexto, o enfermeiro pode proporcionar a orientação através de um novo olhar sobre a infertilidade, trazendo à tona questões até então pouco discutidas. Para que isso se consolide e venha surtir os efeitos desejados, é necessário um trabalho em equipe, porque na saúde nenhuma pessoa trabalha sozinha. 82 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 5 REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da saúde. Resolução N°196/96. Brasília: Ministério da Saúde/ Conselho Nacional de Saúde, Brasília, 1996. Disponível em http://www.bioetica.ufrgs.br/ res19696.htm. Acesso em 20 de maio 2007. CHEDID, S. Infertilidade. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2000. FARINATI; D. M.; RIGONI, M. S.; MÜLLER, M. C. Infertilidade: um novo campo da Psicologia da saúde. Revista estudo da psicologia. v. 23, n. 4, Campinas, dez. 2006. MINAYO, M. C. S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 25. ed. Petrópolis: Vozes, 2007. ORIÁ, M. O. B.; XIMENES, L. B. Casal infértil em busca do filho desejado: estudo de caso clínico. Online Brazilian Journal of Nursing, v. 5, n. 2, 2006. Disponível em http:/ /www.uff.br/objnursing/index.php/nursing/rt/printerFriendly/ 254/49. Acesso em 05 de outubro de 2007. PIVA, M. Em nome do filho: aspectos psicológicos da infertilidade na vida conjugal. Passo Fundo: UPF, 94 p., 2002. RIBEIRO, M. Infertilidade e reprodução assistida. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. TARASCONI, A. C. Gênesis, clínica de reprodução humana: saiba mais sobre infertilidade. Jornal Zero Hora: Porto Alegre, ano 44, n. 15.371, p. 09, 28 de setembro de 2007. TÜRCK, M. G. M. G. Perícia social no contexto da infância e da juventude: manual de procedimentos técnicos. Campinas. Editora Livro Pleno, 2000. 83 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 ESTUDO DE MELHORES PRÁTICAS DE GERENCIAMENTO DE PROJETOS E UTILIZAÇÃO EM EMPRESAS DA REGIÃO FRONTEIRA NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL Delson Liebert1 Elisandra Martinha Demboski1 Vera Lúcia Lorenset Benedetti2 Sociedade Educacional Três de Maio - SETREM3 ABSTRACT RESUMO No período de dezembro de 2006 a julho de 2007, desenvolveu-se um trabalho no Curso de Sistemas de Informação da SETREM, o qual tem o intuito de verificar a real situação das empresas da Região Fronteira Noroeste do Rio Grande do Sul, em relação ao gerenciamento de projetos e utilização de algum conjunto de melhores práticas, avaliando a necessidade e interesse de adoção pelas empresas. Baseado nesta situação aplicou-se questionários através de entrevistas com responsáveis da área de TI de cada empresa, enfatizando o conhecimento do PMI e IPMA e interesse em obter informações sobre os mesmos. Paralelo às entrevistas, foram buscadas informações bibliográficas sobre o PMI e a IPMA, comparando-os e analisando suas semelhanças e diferenças, onde se constatou que o PMI é mais voltado para processos, técnicas e conduta ética. Já a IPMA é caracterizada por adaptar-se à cultura de cada país e nas atitudes pessoais. Com base neste conhecimento, elaboraram-se e ministraram-se palestras às empresas interessadas. Ao finalizar as palestras em cada empresa, distribui-se um questionário aos participantes das palestras, se os mesmos teriam ou não interesse em participar de cursos de extensão / treinamentos focados ao assunto. Analisando os dados deste questionário aplicado durante as palestras, conclui-se que a maioria dos participantes da palestra, tem interesse de participar de um curso de extensão / treinamento e voltado à IPMA. From December 2006 to July 2007, a work of the Information of Systems Course of SETREM was developed with the purpose of verifying the real situation of the companies of the Border of Northwest Region of the state Rio Grande do Sul, in relation to the management of projects and better use of some set of practical, evaluating the necessity and interest of adoption them for the companies. Based on this situation, questionnaires were applied through responsible interviews with of the TI area of each company, emphasizing the knowledge of the PMI and IPMA and interest in getting information on the same ones. Parallel to the interviews, bibliographical information on the PMI and the IPMA had been searched comparing them and analyzing their similarities and differences, where if was evidenced that the PMI is more is turned back toward processes, techniques and ethical behavior. The IPMA is characterized by adapting itself to the culture of each country and in the personal attitudes. Based on this knowledge, lectures to the interested companies were elaborated and given. When finishing the lectures in each company, a questionnaire to the participants of the lectures is distributed, if they would have or not interest in participating of courses of extension/training focused to the subject. Analyzing the data of this questionnaire applied during the lectures, it is concluded that the majority of the participants of the lecture, has to participate of an extension course/training related to the interest of the IPMA. Palavras-chave: gerenciamento de projetos, empresas de TI, IPMA, PMI, cursos de extensão/ treinamento. Key Words: Projects management, companies of IT, IPMA, PMI, extension course/training. 1 Acadêmico(a) do Nono Semestre do Curso Bacharelado em Sistemas de Informação – SETREM. Professor(a) Orientador(a) do Estágio do Curso Bacharelado em Sistemas de Informação – SETREM. 3 Av. Santa Rosa, 2405 - Três de Maio-RS 2 84 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 1. INTRODUÇÃO Com a alta competitividade do mercado atual as empresas vêm buscando novas alternativas e mudanças em sua gestão. Os projetos fazem parte da realidade de empresas de todos os setores da economia tornando o gerenciamento de projetos eficaz. A área de TI vem utilizando metodologias de Gerenciameto de Projetos para ter bons resultados. As melhores práticas reúnem e padronizam as técnicas que foram utilizadas em projetos com sucesso. Na Região Fronteira Noroeste do estado do Rio Grande do Sul existem várias empresas que utilizam a informática como meio ou fim. Com base nisso, o presente artigo irá mostrar um estudo de dois conjuntos de melhores práticas de gerenciamento de projetos e uma análise da atual situação da área de TI nas empresas da região abordada, com relação ao gerenciamento de projetos, sugerindo e auxiliando no entendimento do PMI (Project Management Institute) e da IPMA (International Project Management Association). 2. METODOLOGIA Considerando que os métodos estabelecem uma ordenação para a investigação dos fatos, adotou-se os procedimentos metodológicos conforme as propostas do estudo e adequadas aos objetivos. A abordagem das informações necessárias para a execução do trabalho foi a abordagem qualitativa tomada como eixo central. Realizou-se a pesquisa bibliográfica sobre o PMI através do site da organização Project Management Institute (PMI), do livro PMBOK, versão 2004 e de outras bibliografias para obtenção de conhecimentos sobre os conceitos e técnicas divulgadas pelo PMI através do livro PMBOK. Foi estudada cada área de gerenciamento de projetos com base na pesquisa bibliográfica. A pesquisa bibliográfica sobre a IPMA foi realizada através do Referencial Brasileiro de Competências em Gerenciamento de Projetos (RBC) - guia oficial divulgado pela Associação Brasileira em Gerenciamento de Projetos ABGP e pela International Project Management Association (IPMA). Levantou-se as principais empresas de Tecnologia da Informação da Região Fronteira Noroeste, que se tem conhecimento por divulgação, e também das principais empresas de outros ramos que tenham uma área de Tecnologia da Informação bem estruturada. Vindo a visitar as mesmas realizando entrevistas com o responsável da área de TI sobre como é feito o gerenciamento de projetos. gerenciamento de projetos. Também foi elaborada e ministrada palestra sobre PMI e IPMA em cada uma das empresas pesquisadas que aceitaram participar. Ao final foi verificado o interesse de todas as empresas em participar de cursos de extensão que abordaram mais detalhadamente o assunto. Este estudo poderá ser utilizado por instituições de que tenham interesse em promover tais cursos. 3. REFERENCIAL TEÓRICO 3.1 GERENCIAMENTO DE PROJETOS Para Keeling (2002) o gerenciamento de projetos é o planejamento, programação e controle de tarefas integradas para atingir seus objetivos com êxito. A gestão de projetos vem se tornando cada vez mais importante para o mundo empresarial tanto para o futuro quanto no presente. Segundo o site oficial do PMI do Rio Grande do Sul (2007), o gerenciamento de projetos é o uso do conhecimento, das habilidades, ferramentas e técnicas com a finalidade de suprir as necessidades e expectativas do empreendedor com relação a um projeto. A realização de projetos tem sido realizada há muito tempo, porém têm evoluído consideravelmente nos últimos anos. Os princípios da gerência de projetos surgiram na segunda metade do século XIX com o significativo aumento na complexidade dos novos negócios em escala mundial. Transformações dessa época exigiram que a gestão das organizações fosse cada vez mais eficiente. Nesse contexto é que se firma e difunde a gestão dos projetos, tornando as empresas cada vez mais competitivas. Kelling (2002) afirma que a gestão de projetos alcançou nos últimos anos novos patamares de sofisticação e popularidade. Os projetos das civilizações antigas se relacionavam ao poder, religião ou construção de grandes monumentos. Preocupações como custo e tempo não eram importantes para os realizadores de projetos antigamente, diferentes dos projetos de hoje, onde esses pontos são de essencial importância no gerenciamento de projetos. Um exemplo da falta de consideração dada ao prazo foi a construção das antigas catedrais, caracterizadas pela grandeza, beleza e durabilidade de sua estrutura. Essas obras se estendiam por centenas de anos, onde trabalhavam nela sucessivas gerações e devia haver qualidade na mão-de-obra. Pode-se citar como exemplo de grandes projetos, a construção das pirâmides do Egito, da muralha da China, do canal do Panamá, entre outros. A pesquisa foi tabulada e partir de sua análise foi verificada a situação das empresas em relação ao 85 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 A Figura 2 mostra uma visão geral dos processos de gerenciamento de projetos de acordo com as áreas de conhecimento. Fonte: Dinsmore, 2006 Figura 1: Mapeamento dos grupos de processos de gerenciamento de projetos e o ciclo PDCA. Fonte: Sotille, 2007. Figura 2: Visão geral dos processos de gerenciamento de projetos de acordo com as áreas de conhecimento. O gerenciamento de projetos pode ser classificado em 9 grandes áreas de conhecimento. Segundo o PMBOK (2004) as áreas são gerenciamento da integração, gerenciamento de escopo, gerenciamento do tempo, gerenciamento de custo, gerenciamento da qualidade, gerenciamento de recursos humanos, gerenciamento da comunicação, gerenciamento de riscos, gerenciamento das aquisições. O gerenciamento da integração engloba processos necessários para garantir que os elementos do projeto estão apropriadamente coordenados. Segundo Dinsmore (2006), esta área de gerenciamento envolve decidir entre objetivos e alternativas que competem entre si de modo a atender ou exceder as necessidades e expectativas dos stakeholders (interessados no projeto). O gerenciamento de escopo inclui todos os processos necessários para garantir que o projeto contenha 86 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 todo o trabalho necessário, e somente o trabalho necessário, para completar o projeto com sucesso. Dinsmore (2006) mostra que o escopo tem como finalidade fornecer uma base de referência (baseline), melhorar a precisão das estimativas de custo, duração e recursos e facilitar as designações de responsabilidades. O correto gerenciamento do tempo é de vital importância no andamento de um projeto. O tempo se caracteriza pela sua inexorabilidade e significa que tempo gasto é tempo perdido e não se pode mais recuperar. Sob este aspecto, o gerenciamento do tempo é uma das principais áreas do gerenciamento de projetos, segundo Dinsmore (2006). Os processos de gerenciamento do tempo asseguram que o projeto será implantado no prazo previsto, utilizando-se de padrões e critérios que irão ajudar na previsão e no acompanhamento do prazo de implantação de cada atividade prevista. O gerenciamento de custos do projeto trata principalmente do custo dos recursos necessários para terminar as atividades do cronograma. Tem a função de fazer com que o projeto termine dentro do orçamento previsto, através dos seus processos principais, considerando o efeito das decisões sobre os custos do projeto, de acordo com o PMBOK (2004). O gerenciamento da qualidade possui a função de garantir a satisfação dos objetivos para os quais o projeto foi realizado. Segundo o PMBOK (2004) consiste de planejamento, garantia e controle da qualidade. Se o projeto estiver dividido em fases, esses processos acontecem ao menos uma vez cada um e interagem entre si e com outros processos. O gerenciamento dos recursos humanos reúne processos que organizam e gerenciam os membros ou equipe do projeto. A equipe é formada por pessoas com funções e responsabilidades dentro do projeto, participando do planejamento e das tomadas de decisões, segundo o PMBOK (2004). O gerenciamento da comunicação assegura a geração, coleta, armazenamento, distribuição apropriada e o controle básico das informações do projeto. O gerenciamento dos riscos do projeto trata de processos que definem e analisam os riscos com o objetivo de ampliar os eventos positivos e minimizar as conseqüências dos eventos negativos. O gerenciamento de aquisições do projeto contempla processos que compram ou adquirem produtos, serviços ou resultados, inclui também processos de gerenciamento de contratos. 3.2.2 IPMA A sigla IPMA significa International Project Management Association e quer dizer Associação Internacional de Gerenciamento de Projetos. Segundo Santos e Carvalho (2006), a instituição IPMA é uma associação sem fins lucrativos, cujo objetivo é promover internacionalmente o gerenciamento de projetos, atendendo necessidades dos profissionais dessa área. Prado (2004) afirma que a associação IPMA está registrada na Suíça e é responsável por manter um sistema universal para validação dos programas nacionais e para coordenação e harmonização das certificações em gerenciamento de projetos neste sistema. Atua fortemente nos países europeus e possui Associações Nacionais em 35 países ligados à IPMA, Estas associações nacionais atendem às necessidades dos profissionais de gerenciamento de projetos em seus respectivos países e idiomas, são responsáveis pelo desenvolvimento e administração de seus próprios programas de certificação e pela implantação de seus respectivos órgãos de certificação. Santos e Carvalho (2006) citam que a IPMA foi criada em 1965 e inicialmente era um fórum de troca de experiência entre gerentes de projetos internacionais com o nome de INTERNET, sendo que sua primeira conferência internacional ocorreu em 1967, em Viena. A partir de então, a IPMA tem se desenvolvido constantemente, da mesma forma que o gerenciamento de projetos. Todo o conhecimento em gerenciamento de projetos é reunido no ICB (IPMA Competence Baseline) - guia internacional que apresenta a estrutura geral da Certificação da IPMA - onde define os Domínios, as Competências e os Sistemas de Classificação (taxonomias) do gerenciamento de projetos para a avaliação de conhecimento, experiência, atitudes pessoais e impressões gerais, segundo Santos e Carvalho (2006). Existe um guia brasileiro que representa a compreensão e as práticas nacionais do Gerenciamento de Projetos e contém uma bibliografia simplificada sobre gerenciamento de projetos. De acordo com Santos e Carvalho (2006), esse guia denomina-se RBC (Referencial Brasileiro de Competências em Gerenciamento de Projetos). A certificação da IPMA é dividida em quatro níveis: A, B, C, e D, de acordo com as atividades, responsabilidades e exigências típicas da prática. No nível A o profissional certifica-se Diretor de Projetos Certificado (Certified Projects Director) e é capaz de coordenar todos os projetos de uma pesquisa, unidade de negócio ou programa. 87 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 No nível B o profissional certifica-se Gerente de Projetos Sênior Certificado (Certified Sênior Project Manager) e é capaz de gerenciar projetos complexos de maneira autônoma. No nível C o profissional certifica-se Gerente de Projetos Certificado (Certified Project Management) e é capaz de gerenciar projetos não complexos e apoiar o gerente de um projeto complexo, em todos os elementos e aspectos do gerenciamento de projetos. 4. ANÁLISE DOS RESULTADOS 4.1 COMPARAÇÃO ENTRE PMI E IPMA Tendo em vista que existem algumas diferenciações entre o PMI e a IPMA, montou-se um quadro comparativo entre ambos, mostrando as diferenças e semelhanças, conforme o Quadro 1. Características No nível D o profissional é um Associado em Gerenciamento de Projetos Certificado (Certified Project Management Associate) e possui conhecimento dos elementos e aspectos do gerenciamento de projetos e pode aplicá-los em determinados campos do projeto, atuando como um especialista. Gerenciamento por áreas de conhecimento Os elementos do IPMA conceituam Projetos e Gerenciamento de Projetos. Implementação do Gerenciamento de Projetos. Gerenciamento por Projetos. Abordagem Sistêmica e Integração. Contexto do Projeto. Fases do Ciclo de Vida do Projeto. Desenvolvimento e Avaliação do Projeto. Objetivos e Estratégias do Projeto. Critérios de Sucesso e Insucesso do Projeto. Iniciação do projeto. Encerramento do Projeto. Estruturas do Projeto. Conteúdo e Escopo. Programação do Tempo. Recursos. Custos e financiamento do Projeto. Configuração e Modificações. Riscos do Projeto. Medidas do desempenho. Controle do Projeto. Informação, documentação e reporting. Organização do Projeto. Trabalho em equipe. Liderança. Comunicação. Conflitos e Crises. Aquisições e Contratos. Qualidade do Projeto. Informática em Projetos. Normas e Regulamentações. Negociação e Reuniões. Marketing e Gerenciamento de Produtos. Segurança, saúde e meio ambiente. Aspectos legais. Gestão da cadeia de suprimentos. Trabalho colaborativo a distância e Gestão do Conhecimento em projetos. (DEMBOSKI, 2007) IPMA X Gerenciamento por elementos base Dentre as associações filiadas à IPMA está a ABGP do Brasil (Associação Brasileira em Gerenciamento de Projetos). Santos e Carvalho (2006) afirmam que a ABGP foi criada no final de 2001 com a finalidade de permitir o acesso do Brasil a uma rede internacional de certificação em gerenciamento de projetos, da qual participam vários países dos quais o Brasil é o único país da América do Sul integrante desta rede. Sua sede da ABGP está localizada em Curitiba. Conforme Santos e Carvalho (2006), no Referencial Brasileiro em Gerenciamento de Projetos (RBC) são apresentados 37 Elementos Base para a certificação ABGP/IPMA, dos quais 28 são elementos de base, comuns a todas as associações nacionais IPMA, 6 são elementos adicionais do ICB e 3 são elementos adicionais específicos para a certificação brasileira. Tais elementos tratam de conceitos relacionados às melhores práticas de gestão de projetos e cada um destes aborda um assunto específico. PMI X Certificação X X X Níveis de certificação X Aplicabilidade em grandes empresas X X Aplicabilidade em pequenas e médias empresas X X Maior divulgação no Brasil X Maior divulgação na América X Maior divulgação na Europa X Utilização (maior número de certificações e membros) X Ilustrações explicativas X Maior sintetização do assunto X Maior detalhamento nos conceitos X Mais detalhamento das áreas de conhecimento X X Fonte: Demboski, Liebert, Benedetti, 2007. Quadro 1: Comparação entre PMI e IPMA. 4.2 PESQUISA SOBRE A UTILIZAÇÃO DE MELHORES PRÁTICAS DE GESTÃO DE PROJETOS 4.2.1 Visita às empresas da região Fronteira Noroeste do Rio Grande do Sul Tentando cumprir com os objetivos traçados em projeto do presente trabalho, listou-se algumas empresas da Região Fronteira Noroeste do Rio Grande do Sul que possuem a informática como meio ou fim, presumindo que as mesmas realizam projetos nessa área. O intuito da pesquisa é de conhecer a forma de gerenciamento de projetos utilizada, verificar se as empresas utilizam algum conjunto de melhores práticas de gerenciamento de projetos e se são utilizados o PMI e a IPMA os quais são abordados no presente trabalho. Ao final, propõem-se a realização de uma palestra para a empresa de forma gratuita. Após a listagem das empresas, elaboraram-se as questões que fazem parte da entrevista, contemplando os objetivos do trabalho. Como se tratava de uma entrevista, contatou-se anteriormente a pessoa responsável pela área de TI de cada uma das empresas listadas, agendando a entrevista por meio eletrônico e telefone. 88 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 Após esse processo inicial, finalmente foi-se a campo para entrevistar e verificar como as empresas se organizam em relação à realização de projetos e quanto ao gerenciamento dos mesmos. A recepção e o atendimento dos responsáveis pela área de TI nas empresas visitadas foram de muita atenção e interesse em ajudar a responder a entrevista da melhor forma possível. Porém, algumas empresas não abriram espaço devido à pessoa responsável pela área não ter disponibilidade em sua agenda; desta forma, foi buscada outra forma de realizar a entrevista. Encaminhou-se a mesma através de e-mail e, posteriormente, entrou-se em contato via telefone, diminuindo assim o tempo da entrevista, levando-se em conta que o entrevistado já estava interado ao assunto. Depois de efetuado um estudo do PMI e IPMA, através de seus respectivos guias, foi montada a palestra com o intuito de mostrar para as pessoas inicialmente o propósito do trabalho, explanando o PMI e a IPMA, após conceituando o que é projeto, qual a importância da realização de projetos para as empresas e também os principais pontos que devem ser alcançados para que o projeto após seu término seja considerado de sucesso. Na palestra foram abordados diversos assuntos relacionados a projetos, gerenciamento de projetos, desde a origem que foi por volta da segunda metade do século XIX que exigiram que a gestão das organizações fosse cada vez mais eficiente e devido à complexidade dos negócios e à competitividade em mercado mundial, faz com que as empresas e organizações busquem alternativas que auxiliem na gestão, e esta pressão de mercado fará com que se adote uma prática padronizada de gerenciamento de projetos. Após toda essa introdução sobre o gerenciamento de projetos e sua importância, abordou-se então o conceito de prática de gerenciamento de projetos, evidenciando que através do bom uso dessas práticas evita-se o insucesso do projeto. Abordou-se, então, o PMI e IPMA, sobre os quais se deteve toda a explanação, citando as suas origens, a forma de estruturação das mesmas. Depois da explanação, mostrou-se um comparativo das características de ambas. E, para finalizar a explanação, disponibilizaram-se os sites oficiais do PMI internacional, do PMI do Brasil e da seção do PMI no Rio Grande do Sul, também o site oficial do IPMA e da ABGP, para que os participantes pudessem buscar mais informações. Dada por encerrada a explanação, abriu-se um espaço para perguntas onde os participantes poderiam sanar diversas dúvidas, dentre as quais questionamentos sobre certificação, adoção d e práticas, guias de divulgação, dentre outros. As respostas destas perguntas foram dadas buscando sempre relacionar o assunto com a empresa e o ramo de atuação de cada uma delas. Pôde-se notar que em algumas empresas os questionamentos foram mais voltados a IPMA, pois havia participantes que possuíam mais conhecimento do PMI. As palestras ministradas foram consideradas positivas. Houve um ótimo recebimento por parte das empresas bem como disponibilização de equipamentos necessários para a execução das mesmas. Os participantes demonstraram interesse no assunto por ser algo novo e também pela apresentação de exemplos relacionados com as atividades diárias da empresa. As questões referentes ao feedback foram uma alternativa de melhorar a explanação do assunto à medida em as palestras foram sendo ministradas. A questão relativa ao interesse de participar de um curso de extensão / treinamento para obter mais informações sobre o assunto foi tabulada e é representada na Figura 3. Fonte: Demboski, Liebert, Benedetti, 2007. Figura 3: Interessados em participar de um curso de extensão/ treinamento. Os resultados apresentados são dados coletados com os participantes presentes na explanação. Pôde-se notar que existe grande interesse por parte das pessoas que assistiram às palestras em aprender mais sobre este assunto através de um curso de extensão / treinamento. Também foi questionado qual dos dois conjuntos de melhores práticas os participantes possuem um maior interesse em realizar um curso de extensão / treinamento, representada na Figura 4. Interes s ados em partic ipar de c urs o de extens ão / treinamento em qual das melhores prátic as em g erenc iamento de projetos ? P MI 45% IP MA 55% Fonte: Demboski, Liebert, Benedetti, 2007. Figura 4: Metodologia que despertou mais interesse em participação de curso de extensão / treinamento. 89 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 Nota-se que a maioria dos participantes mostrou mais interesse em participar do curso de extensão / treinamento em IPMA, pois houve uma melhor aceitação nas empresas que foi ministrada as palestras, apesar da diferença entre ambas ser pequena como mostra a Figura 4. 5. CONCLUSÃO Pode-se concluir até então que o gerenciamento de projetos é de suma importância na gestão das empresas para serem competitivas. As práticas de gerenciamento de projetos são importantes para o desenvolvimento eficaz de projetos através do uso de boas práticas. PRADO, Darci. Gerenciamento de Programas e Projetos nas Organizações. Nova Lima: INDG-Tecs Ltda, 2004. SANTOS, J. A.; CARVALHO, H.G. Referencial Brasileiro de Competências em Gerenciamento de Projetos. Curitiba: ABGP, 2006. Seção PMI-RS. Disponível http://www.pmirs.org.br. Acessado em 24 de abril de 2007. SOTILLE, Mauro Afonso. Processos de gerenciamento de projetos. Disponível em http://www.pmtech.com.br/ artigos/Processos_PMBOK_3a.pdf. Acessado em 24 de abril de 2007. Quanto ao contexto das empresas da Região Fronteira Noroeste do Rio Grande do Sul, em relação à organização de projetos, constatou-se que os projetos de TI são pequenos, pois as empresas entrevistadas são de pequeno porte e algumas não são voltadas para o ramo de atividade de TI. Os controles para gerenciar projetos são elaborados pela própria organização. Em relação à utilização de práticas de gerenciamento de projetos PMI e IPMA, despertaram interesse no uso das mesmas para maioria dos participantes presentes na palestra, porém é necessário dar mais ênfase ao assunto através de cursos de extensão / treinamentos para que o profissional possa usar adequadamente estas práticas de gestão. Levando em consideração o interesse das empresas da Região Fronteira Noroeste do Rio Grande do Sul, sugere-se a disponibilização de cursos de extensão / treinamento em IPMA, conforme mostrou este estudo, pois há um público alvo interessado no assunto em questão. 6. REFERÊNCIAS CAVALIERI, Adriane; DINSMORE, Paul Campbell. Como se tornar um profissional em Gerenciamento de Projetos. Rio de Janeiro, Editora Quality Mark: 2006. DEMBOSKI, Elisandra Martinha; LIEBERT, Delson; BENEDETTI, Vera Lúcia Lorensett. Estudo de metodologias de gerenciamento de projetos e utilização em empresas da Região Fronteira Noroeste do estado do Rio Grande do Sul. Trabalho de Estágio de curso Bacharelado em Sistemas de Informação da SETREM defendido e aprovado em agosto de 2007. FERREIRA, Paulo Affonso. Nova certificação PgMP. Disponível em http://www.pmi.org.br/joomla/ index.php?option=com_content&task=view&id=18&Itemid=2. Acessado em 5 de Agosto de 2007. KEELING, Ralph. Gestão de Projetos: uma abordagem global. São Paulo, Saraiva: 2002. KERZNER, Harnold. Gestão de Projetos: as melhores práticas. Porto Alegre, Bookman, 2002. PMBOK, Project Management Body of Knowledge, 2004. 90 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 PROPOSTA DE IMPLANTAÇÃO DE UMA FERRAMENTA DE GERENCIAMENTO ELETRÔNICO DE DOCUMENTOS PARA UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR Daniela Schmidt1, Pablo Miguel de Almeida Mucha1 Denis Valdir Benatti, Antônio Ternes2 Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM [email protected], [email protected] [email protected], [email protected] RESUMO Atualmente, a informação é considerada o ativo mais valioso de uma organização, seja ela pública ou privada, a mesma pode ser o diferencial no ambiente competitivo que se depara, porém o gerenciamento destes dados pode representar um problema para a organização, visto que o acúmulo de documentos em papel acaba dificultando a localização e conservação dos mesmos. Com base neste contexto, busca-se analisar soluções de Gerenciamento Eletrônico de Documentos (GED), avaliando seus pontos principais, para posteriormente optar pela solução mais adequada para a Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM. Após análise mencionada, definiu-se como ferramenta base o Nou-Rau, sendo assim, o trabalho em questão apresenta os principais conceitos no que se refere à ferramenta, como também, a importância da utilização de Sistemas de Gerenciamento de Documentos nas instituições de ensino. Este trabalho foi desenvolvido no segundo semestre do ano 2007 pelos acadêmicos do Curso Superior de Tecnologia em Redes de Computadores, no ambiente computacional da Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM. Palavras-Chave: Nou-Rau, gerenciamento, SETREM. the location and conservation of the same ones. With base in this context, it is looked for to analyze solutions of Electronic Administration of Documents (GED, evaluating their main points, for later to choose for the most appropriate solution for the Sociedade Educacional Três de Maio SETREM. After the mentioned analysis, it was defined as tool base Nou-Rau, being like this works as a trainee supervised in subject, it presents the main concepts in what refers to the tool, as well as the importance of the use of Systems of Administration of Documents in the institutions. This work of the second semester of 2007 for the academics of the Curso Superior de Tecnologia em Redes de Computadores, in the computational atmosphere of the Sociedade Educacional Três de Maio - SETREM. Word-key: Nou-Rau, administration, SETREM. 1 INTRODUÇÃO Cada vez mais cresce a importância da informação dentro das organizações, tornando-se, assim, necessária para o desenvolvimento do negócio. O ambiente se torna mais complexo e menos previsível, conseqüentemente, mais dependente dos dados e da infra-estrutura tecnológica existente. ABSTRACT The information is considered the most valuable asset of an organization, being it public or private, the same can be the differential in the competitive atmosphere that it comes across, however the administration of these data can represent a problem for the organization, because the accumulation of documents in paper ends up hindering Normalmente as empresas geram inúmeras documentações em forma de papel, o que pode causar atrasos e dificuldades na localização de um determinado material. Documentos armazenados desta forma têm menor flexibilidade, sendo assim, exigem maiores espaços para armazenamento e, com isso, geram maiores custos de manutenção. 1 Acadêmicos do sexto semestre Curso Superior Tecnologia em Redes de Computadores da Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM – Estágio Supervisionado, Três de Maio – RS, e-mail: [email protected] 2 Professores Orientadores do Trabalho. 91 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 A informação é um patrimônio, algo de valor que deve ser armazenado e organizado de forma eficiente. As novas tecnologias possibilitam a melhoria da qualidade e a disponibilidade desses dados. Oferecendo suporte para a evolução dos processos internos e dos serviços prestados. Nesse contexto surge a necessidade da utilização de ferramentas e processos que possam facilitar a tarefa do gerenciamento de documentos. O GED (Gerenciamento Eletrônico de Documentos) é a tecnologia capaz de prover um meio de armazenar, localizar e recuperar informações existentes em documentos e dados eletrônicos. Esta pesquisa pretende demonstrar os métodos necessários para a implantação de uma ferramenta de Gerenciamento Eletrônico de Documentos em uma Instituição de Ensino Superior da nossa região, demonstrando os benefícios e as vantagens da utilização desse tipo de solução para gerenciar as produções acadêmicas da mesma. Além disso, este estudo aborda os princípios do Gerenciamento Eletrônico de Documentos, os conceitos e as principais características. O trabalho pretende avaliar ferramentas que possam realizar a tarefa proposta neste estágio, levando em conta o cenário escolhido para o desenvolvimento do mesmo. Por fim, pretende-se optar pela solução que melhor se adapte à realidade da Instituição, realizando então a implantação da ferramenta, como também toda a configuração necessária. 2 METODOLOGIA Etapa 6: Implantar a solução de GED na instituição escolhida. Etapa 7: Estruturar os resultados obtidos com o devido projeto. Etapa 8: Considerações finais e apresentação de resultados. 3 GERENCIAMENTO ELETRÔNICO DE DOCUMENTOS (GED) O GED é um subconjunto de processamento eletrônico de informações que teve início com o uso de computadores. Este processamento foi disseminado nos anos 60, sendo utilizado principalmente para processamento de informações numéricas. Na década de 70, o processamento se expandiu de forma a agrupar texto ao processamento acima mencionado. Os elementos gráficos foram adicionados na década de 80 e, nos anos 90, imagens, voz e vídeo passaram a ser eletronicamente processados. O Gerenciamento Eletrônico de Documentos (GED) é uma técnica, um sistema, uma metodologia para o tratamento e o processamento automatizado de documentos em papel e/ou suas cópias em microfilme. (Avedon, 2002. Pág 03). A tecnologia de GED automatiza o processamento de informações em forma de documento. Após as informações de um documento serem convertidas em formato eletrônico, o documento pode ser armazenado, recuperado, transmitido, processado, exibido ou impresso rapidamente. (AVEDON, 2002). A pesquisa realizada foi do tipo bibliográfica e experimental, onde a abordagem qualitativa foi utilizada como eixo central. Para a realização do projeto, seguiram-se as seguintes etapas: O Gerenciamento Eletrônico de Documentos (GED) é uma configuração de equipamentos, software e, normalmente, de recursos de telecomunicações baseada em computadores e automatizada que armazena e gerencia imagens de documentos – e seus índices codificados – que podem ser lidas por máquinas e processadas por computadores para recuperação sob solicitação. (Avedon, 2002. Pág 11). Etapa 1: Definição do local para a aplicação do projeto. Etapa 2: Entender a necessidade da instituição escolhida. Etapa 3: Elaborar o projeto para a implantação da solução. Etapa 4: Elaborar o projeto científico, com base nas normas da ABNT e conforme a metodologia SETREM. Etapa 5: Elaborar o Embasamento Teórico mencionando as principais tecnologias utilizadas no decorrer do processo. Os sistemas de GED preservam as características visuais e espaciais e a aparência do documento original em papel, sendo uma das grandes vantagens do GED a capacidade de capturar, recuperar e transmitir documentos contendo informações como manuscritas, diagramas, fotografias, desenhos de engenharia e impressões digitais, por exemplo. Na maioria dos sistemas de GED, scanners são utilizados para converter documentos em papel ou imagens de microfilme em imagens eletrônicas digitalizadas. Após a digitalização, as imagens eletrônicas são gravadas em 92 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 discos ópticos em locais controlados por software, sendo possível também a inserção de documentos gerados a partir de sistemas informatizados. (AVEDON, 2002). 3.1 Vantagens e Benefícios dos Sistemas de GED Uma trilha de auditoria relativa ao acesso a um arquivo ou documento em particular também pode ser mantida. Backups da Mídia ou índice podem ser armazenados em local remoto para proteção contra acidentes. (AVEDON, 2002). 4 INFORMAÇÃO O que torna o GED atraente para usuários e gerentes é a soma dos benefícios do mesmo, não somente características isoladas. Desta forma, serão citados algumas vantagens e benefícios do sistema quando comparado a sistemas de documentação em papel, microfilme ou mídias magnéticas. (AVEDON, 2002). l Densidade de Pacotes: o conteúdo (imagens de bitmap) de dez arquivos com quatro gavetas cada (200 mil páginas) pode ser armazenado em um disco de 12 polegadas em vez de 1200 microfichas, 40 rolos de microfilme de 16 mm (com redução 24:1), 40 rolos de fita magnética ou 2 mil disquetes. (AVEDON, 2002). l Recuperação Veloz: qualquer documento pode ser localizado em segundos. De um arquivo com milhões de páginas, a recuperação não deve exceder 30 segundos. O papel em um arquivo local pode exigir 5 minutos; de um local remoto, a recuperação pode levar horas. A recuperação de informações em microfilme leva mais tempo que em discos ópticos, porém menos que a de papel. (AVEDON, 2002). l Workflow: muitas funções e atividades de negócios têm seu ritmo e sequenciamento estabelecidos pelo fluxo da papelada e não pelo trabalho em si realizado com os documentos. Por exemplo, as tarefas de processamento começam quando o papel chega à mesa de determinado colaborador e não quando alguém conclui uma etapa de processamento. Utilizando sistemas de gerenciamento, pessoas podem ser avisadas automaticamente quando há um novo processamento a ser executado. Pode-se definir prioridade a determinados documentos. Ainda, podem ser definidas rotas de auditoria estabelecendo relatórios de gerenciamento gerados através do fluxo de trabalho. (AVEDON, 2002). l Indexação e Referência Cruzada: os sistemas de Gerenciamento Eletrônico de Documentos utilizam um computador como controlador ou “gerenciador eletrônico de sistemas” e podem definir referências cruzadas para os documentos. Os usuários podem pesquisar documentos por nome, número de conta ou qualquer combinação de descritores. (AVEDON, 2002). l Documentos sempre Disponíveis: muitos usuários podem consultar o mesmo arquivo ou documento simultaneamente; documentos e pastas não podem ser arquivados no lugar errado. (AVEDON, 2002). Informação é o conjunto de dados utilizados na transferência de uma mensagem entre indivíduos ou máquinas em processos comunicativos ou transacionais. A informação pode estar presente ou ser manipulada por diversos processos denominados ativos, os quais são alvos de proteção da segurança da Informação. (SÊMOLA, 2003). O termo ativo possui esta denominação, oriunda da área, por ser considerado um elemento de valor para um indivíduo ou organização, e que, por esse motivo, necessita de proteção adequada. (Sêmola (2003), aput ISO/IEC – 17799, Pág. 45). A Informação é considerada o ativo mais valorizado de uma organização, visto que a todo o momento surgem mudanças no mercado que influenciam e provocam alterações no contexto das Empresas ou Instituições. Com freqüência surgem experiências, conceitos, métodos e modelos oriundos da movimentação de questionadores estudiosos, pesquisadores e executivos que não se conformam com a passividade da vida e buscam a inovação e a quebra de paradigmas. (SÊMOLA, 2003). O significado de informação é o ato de transmitir a terceiros o conhecimento que é caracterizado pela disseminação verbal ou escrita de obras cientificas, literárias e artísticas que contenham conteúdo valoroso e diferenciado pela sua originalidade em relação a qualquer obra de mesmo gênero. (STAREC ETT ALL, 2006). 5 SEGURANÇA DA INFORMAÇÃO A informação é considerada um ativo como qualquer outro, sendo essencial para os negócios de uma organização e, por conseqüência, necessita de proteção adequada. (ABNT, 2005). A segurança da informação é a área do conhecimento que estuda meios para a proteção de ativos da informação, impedindo acessos não autorizados; além disso, impede que ocorra alterações indevidas ou a indisponibilidade das informações. (SÊMOLA, 2003). l Segurança: um sistema de senhas de usuário pode restringir o acesso a várias categorias de material. 93 Segurança da informação é a proteção da informação de vários tipos de ameaças para garantir a continuidade do negócio, minimizar REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 o risco ao negócio, maximizar o retorno sobre os investimentos e as oportunidades de negócios. (ABNT, 2005. Pág IX). A informação pode estar em diversas formas, pode encontrar-se em forma impressa, armazenada eletronicamente, apresentada em filmes ou gravações. Mas, independentemente da forma de armazenamento, é importante que a informação esteja sempre protegida de forma adequada. (ABNT, 2005). A Segurança da Informação pode ser defina como um processo flexível, onde o mesmo é atualizado constantemente. Ou seja, os processos e procedimentos devem ser adequados, pois os riscos, ameaças e vulnerabilidades estão sempre sofrendo alterações, visto que, na medida em que as soluções de segurança são aperfeiçoadas, novas ameaças surgem e adaptam-se a estas. (HORTON, 2004). Para Oliveira (2001), a segurança da informação não é somente uma questão técnica, mas sim uma questão gerencial e humana. Além da implementação de métodos e ferramentas de proteção, é necessária a conscientização de todos os níveis funcionais da organização. 5.1 Contingências Para garantir a continuidade dos processos de uma organização, é importante minimizar os impactos de um possível desastre. (SÊMOLA, 2003). Um plano de contingência é um produto para avaliações de riscos, o qual contém uma série de ações preventivas e de recuperação. (CASTRO FILHO, 2003). O plano de continuidade do negócio descreve o enfoque para continuidade, por exemplo, o enfoque para assegurar a disponibilidade e segurança do sistema de informação ou da informação. Convém que cada plano também especifique o plano de escalonamento e as condições para sua ativação, assim como as responsabilidades individuais para execução de cada uma das atividades do plano. Quando novos requisitos são identificados, é importante que os procedimentos de emergência relacionados sejam ajustados de forma apropriada, por exemplo, o plano de abandono ou o procedimento de recuperação. Convém que os procedimentos do programa de gestão de mudanças da organização sejam incluídos para assegurar que os assuntos de continuidade de negócio estejam sempre direcionados adequadamente. (ABNT, 2005, p. 105). vezes, uma organização deverá possuir vários planos de contingência de forma integrada e focados em diferentes perímetros da empresa, sejam físicos, tecnológicos ou humanos. (SÊMOLA, 2003). 6 ESCOLHA DA SOLUÇÃO Para a escolha da ferramenta a ser implantada no decorrer do estágio, realizaram-se testes utilizando três ferramentas selecionadas aleatoriamente. Estes softwares se baseiam em plataforma livre, ambos disponíveis para download. Trata-se das ferramentas: DocMGR, Tede e NouRau. Estes aplicativos tiveram suas funcionalidades testadas como também seu desempenho analisado. 7 NOU-RAU Optou-se pela utilização da ferramenta Nou-Rau, pois a mesma possui características imprescindíveis para o gerenciamento eficiente em um ambiente educacional devido ao controle de acessos e à necessidade de aprovação dos documentos antes da sua definitiva publicação. O Nou-Rau é resultado de um projeto de pesquisa desenvolvido pelo Instituto Vale do Futuro, juntamente com o Centro de Computação da Unicamp de São Paulo. Seu uso é livre e gratuito, sendo distribuído sob a licença GPL (GNU General Public License). O sistema Nou-Rau tem como principal funcionalidade o recebimento de documentos digitais de diversos formatos, os quais são convertidos para texto puro e posteriormente são indexados utilizando um mecanismo denominado ht://Dig, este é responsável em realizar as consultas à base de dados. A ferramenta possui ainda um sistema de aprovação para os materiais incluídos no mesmo. Os documentos são inseridos por colaboradores e são submetidos à aprovação e revisão de responsáveis do sistema. 7.1 Instalação O processo de instalação e configuração da ferramenta ocorreu no laboratório de redes da SETREM, onde a mesma foi realizada utilizando um equipamento com a seguinte configuração de hardware: - Microcomputador Athlon 1500 Mhz - 1 Gb de Memória Ram - Disco rígido de 40 Gb O plano de continuidade possui um alto nível de complexidade, assumindo diversas formas e funções dependendo do tipo de objeto a ser contingenciado. Por Para o processo de instalação, foi utilizado como base de informação o “Manual de Instalação – Nou-Rau”, 94 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 o qual está disponível no site do desenvolvedor do sistema. ( h t t p : / / w w w. r a u - t u . u n i c a m p . b r / n o u - r a u / d o c s / instalacao_nourau.pdf). l Sistema operacional GNU/Linux ou outro da família UNIX. l Linguagem PHP. 7.2 Ferramentas Conversores Auxiliares e l Linguagem Perl. Para a implantação da ferramenta é necessário que ocorra a instalação de alguns conversores (Quadro 1). Cada um destes tem a função de realizar a tarefa de conversão do formato original do documento para um formato de texto ou similar, onde posteriormente serão utilizados para as indexações de buscas. Conversor Descrição ANTIWORD O Antiword é software livre utilizado para leitura de documentos no formato doc, para as plataformas Linux, Unix e Risc OS. Atualmente a ferramenta é compatível com as versões do Microsoft Word 6, 7, 97, 2000, 2002 e 2003. Possuindo a capacidade de conversão deste tipo de formato para um formato de texto puro ou para o formato postScript. PDFTOTEXT Realiza a conversão de um arquivo em formato PDF para o formato de texto puro. PPTHTML Realiza a conversão de apresentações em formato PPT para o formato de arquivo HTML. PSTOTEXT Realiza a conversão de arquivos em formato PS para o formato texto. XLHTML Esse software faz a conversão de planilhas do Excel do formato XLS para o formato HTML. XPDF Ferramenta em software livre, utilizada visualização de arquivos em formato PDF. FONTE: Mucha, Schmidt, Benatti, Ternes; 2007. QUADRO 1: LISTA DE CONVERSORES DO NOU-RAU. para l Servidor de páginas Apache. 7.5 PERSONAGENS DO SISTEMA A ferramenta Nou-Rau utiliza o conceito de personagens no sistema em que cada um possui determinados perfis e privilégios de acesso como também responsabilidades distintas. Estes personagens se encontram definidos da seguinte maneira: l Visitante: é considerado qualquer indivíduo que acessa o sistema com o objetivo de realizar alguma consulta na base de informações. Não necessita estar cadastrado no sistema, ficando limitado às seguintes atividades: consulta de tópicos, buscas e download dos documentos publicados. a 7.3 Ht://DIG O ht://Dig, é uma poderosa ferramenta para indexação e busca em domínio de Internet e Intranet. Este mecanismo é considerado uma das partes mais importantes do sistema Nou-Rau. O ht://Dig foi desenvolvido pela San Diego State University. Esse sistema possui uma base própria, otimizada para efetuar buscas internas, alimentando uma base de dados com conteúdo dos documentos e com as informações associadas a eles. Quando realizada uma consulta, a ferramenta retorna uma página de resultados onde os documentos são apresentados conforme a sua relevância quanto às palavras chaves fornecidas. O índice criado pelo ht://Dig é composto pelas informações cadastrais do documento e pelo conteúdo completo do mesmo. 7.4 PRÉ-REQUISITOS FERRAMENTA l Banco de dados PostgreSQL. DA Conforme informações coletadas do site oficial dos desenvolvedores, o Nou-Rau possui alguns requisitos fundamentais em nível de software para seu adequado funcionamento. Seriam eles: l Colaborador: corresponde a um usuário cadastrado no sistema, o qual tem a permissão de adicionar novos documentos. Porém, para a publicação do documento, é necessário optar por um tópico e uma categoria associada ao mesmo para que, depois disso, o documento seja adicionado à ferramenta e submetido à avaliação do responsável pelo tópico. l Responsável: é o usuário que deve administrar um tópico do sistema. Tem a função de interagir com os colaboradores na aceitação ou rejeição de um determinado documento. É notificado por e-mail sobre os novos documentos incluídos no sistema. Cada tópico do sistema possui apenas um responsável, mas um responsável pode administrar vários tópicos. l Administrador: é considerada a pessoa que administra a ferramenta. É responsável pela manutenção do sistema, definindo e criando novos tópicos e categorias. Além disso, é responsável pelos cadastros de todos os usuários. É importante ressaltar que qualquer pessoa que acesse o sistema sem estar autenticado no mesmo é considerado um visitante, e esse, tem acesso a toda base de informação disponível para a realização de consultas. Além disso, um usuário cadastrado no Nou-Rau pode assumir dois personagens distintos no sistema. Por exemplo: um responsável de um tópico pode ser um colaborador em outro tópico. 95 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 7.6 ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA O sistema Nou-Rau possui uma estrutura interna para a organização e o armazenamento dos conteúdos incluídos no sistema, da seguinte maneira: l Tópicos: o Nou-Rau utiliza o conceito de tópicos para a organização dos documentos em áreas especificas do sistema. Ou seja, é possível criar tópicos específicos para cada um dos assuntos que serão adicionados no sistema. Por exemplo, é possível criar tópicos chamados “informática” e outro “saúde”, onde cada um terá os documentos relacionados ao tema do tópico. Cada tópico possui um responsável pelo gerenciamento, o qual tem a função de aprovar ou rejeitar os documentos adicionados pelos colaboradores. O Nou-Rau possui uma organização hierárquica, ou seja, é possível criar um ou mais subtópicos dentro de um determinado tópico. l Categorias: cada tópico do sistema possui uma categoria correspondente. Quando um determinado tópico é criado pelo administrador, é necessário definir que categoria de documentos que serão armazenados. As categorias definem quais formatos de arquivos serão aceitos em cada um dos tópicos como também o limite máximo do tamanho do arquivo a ser incluído no sistema. l Documentos: o Nou-Rau caracteriza como documento os arquivos incluídos no sistema, juntamente com uma série de informações complementares. As informações relacionadas aos documentos são as seguintes: título, autor(es), e-mail, palavras-chave, descrição e informações adicionais. Após a solicitação feita, a ferramenta notificará o administrador sobre a necessidade do mesmo efetuar a autorização ou a rejeição do novo colaborador. O Nou-Rau notificará o novo usuário através do envio de um e-mail, informando a decisão do administrador, se o usuário foi ou não aceito. Caso for aceito, o novo usuário receberá um link, onde o mesmo efetuará o registro de suas informações pessoais e receberá sua senha de acesso. FONTE: Mucha, Schmidt, Benatti, Ternes; 2007. FIGURA 1: TELA DE REGISTRO DO NOU-RAU. 8 FLUXO DOCUMENTAL O trabalho mostra as funcionalidades que possibilitam mapear os trajetos e controlar o status do fluxo documental (workflow) das informações. A utilização do fluxo documental possibilita a criação de fluxogramas, os quais representam os caminhos dos documentos no processo de publicação das informações. Com isso, busca-se garantir que todo o processo seja respeitado por todos os personagens do sistema. 7.7 ACESSO AO SISTEMA Uma das características do Nou-Rau é a de ser uma ferramenta de arquivamento de documento de forma colaborativa, ou seja, a ferramenta recebe os documentos de vários usuários através da Internet. Para isso, é necessário que estes usuários estejam cadastrados no sistema e possuam a autorização para a inclusão de novas informações no mesmo. Conforme o que foi mostrado anteriormente, os usuários cadastrados no sistema são denominados colaboradores. Estes têm a permissão de submeter arquivos para a análise dos responsáveis para que posteriormente as informações venham a ser disponibilizadas no site Web do sistema. 8.1 Fluxo para a publicação de um novo documento no sistema Como dito anteriormente, para que um usuário realize a publicação de um determinado material no sistema, é necessário que o mesmo esteja cadastrado como colaborador da ferramenta e que o documento seja analisado e aprovado por um responsável do Nou-Rau. Na seqüência, é demonstrado o passo a passo. Os processos necessários para que o ocorra a inclusão e a aprovação de um documento no sistema, para que após, o mesmo fique disponível para consulta de outros usuários. 1. O colaborador acessa o sistema 2. O colaborador deve estar cadastrado no sistema. O processo para a inclusão de novos colaboradores é relativamente simples, onde basta o usuário interessado em ser cadastrado, acessar a página principal do sistema, e solicitar seu registro através do link “registrar” (Figura 1). 3. Se não estiver cadastrado: a. o usuário deve solicitar seu registro ao administrador do sistema; 96 REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252 b. o administrador, analisa a solicitação e define se o usuário é incluído ou não no sistema; c. o novo usuário é cadastrado como um colaborador. 4. Se estiver cadastrado: a. o colaborador escolhe o tópico onde pretende publicar o documento; 1.O responsável deve justificar o motivo pela rejeição do documento e solicitar a correção do mesmo. 2. O sistema envia um e-mail para o colaborador, avisando da rejeição do documento e solicitando a correção. Na Figura 2, é possível visualizar todo o processo de inclusão e aprovação de um material, através de um fluxograma. b. anexa o documento; c. adiciona informações complementares sobre o documento (autor, e-mail, palavras-chave...) 5. O sistema envia um e-mail para o responsável do tópico, informando que existe um documento a ser aprovado ou rejeitado. 6. O responsável pelo tópico acessa o sistema. 7. O responsável deve analisar o documento. 8. O responsável deve aprovar ou rejeitar o documento. 9. Se o documento for aprovado a. O sistema envia um e-mail para o colaborador avisando da publicação. b. O documento é publicado e fica disponível para consulta na Web. 10. Se o documento foi rejeitado FONTE: Mucha, Schmidt, Benatti, Ternes; 2007. a. O responsável do tópico pode corrigi-lo e alterá- FIGURA 2: FLUXO DOS DOCUMENTOS. lo 9 DEFINIÇÃO DOS TÓPICOS i. Se for corrigido 1. O documento é aprovado. 2. O sistema envia um e-mail para o colaborador avisando da publicação. 3. O documento é publicado e fica disponível para consulta na Web. ii. Se não for corrigido Na implantação da ferramenta foi definida uma estrutura de tópicos e subtópicos, os quais serão utilizados para a organização de todos os documentos armazenados no sistema Nou-Rau da SETREM. Foram criados dois tópicos principais. Um tópico para os documentos do curso de Sistemas de Informação e outro para o curso de Tecnologia em Redes de Computadores. Para a melhor organização dos documentos foram criados diversos subtópicos, os quais foram distribuídos da seguinte forma: 97