Dissertacao
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Dissertacao
1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL (MESTRADO ACADÊMICO) GONÇALO MENDES NETO CANTANDO E POLITICANDO: CULTURA E IMAGINÁRIO NOS JINGLES ELEITORAIS DO MUNICÍPIO DE PENALVA (1969-1992). São Luís 2013 2 GONÇALO MENDES NETO CANTANDO E POLITICANDO: CULTURA E IMAGINÁRIO NOS JINGLES ELEITORAIS DO MUNICÍPIO DE PENALVA (1969-1992). Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Maranhão, como requisito para a obtenção do título de Mestre em História Social. Orientador: Prof. Dr. Alexandre Guida Navarro. São Luís 2013 3 Mendes Neto, Gonçalo Cantando e politicando: cultura e imaginário nos jingles eleitorais do município de Penalva (1969-1992) / Gonçalo Mendes Neto_ São Luís: 2013. 148 f. Dissertação (Mestrado em História Social) – Programa de PósGraduação em História Social. Universidade Federal do Maranhão - UFMA, 2013. Impresso por Computador (Fotocópia) 1. Penalva (cidade) – Maranhão. 2. Cenário Politico – Jingles Eleitorais – Musicas. 3. Cultura Politica – Maranhão. I. Título. CDU 324 : 78.04(812.1)“1969/1992” 4 GONÇALO MENDES NETO CANTANDO E POLITICANDO: CULTURA E IMAGINÁRIO NOS JINGLES ELEITORAIS DO MUNICÍPIO DE PENALVA (1969-1992). Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Maranhão, como requisito para a obtenção do título de Mestre em História Social. Orientador: Prof. Dr. Alexandre Guida Navarro. Aprovada em:____/____/______. BANCA EXAMINADORA ______________________________________________ Prof. Dr. Alexandre Guida Navarro (orientador) Universidade Federal do Maranhão - UFMA ______________________________________________ Prof. Dr. João Batista Bitencourt Universidade Federal do Maranhão - UFMA ______________________________________________ Prof.ª Dr.ª Arleth Santos Borges Universidade Federal do Maranhão - UFMA São Luís 2013 5 Dedico esta pesquisa a todos os que buscam no estudo da história política um horizonte para a intervenção social. 6 AGRADECIMENTOS Meus agradecimentos a todos os profissionais envolvidos no projeto de implantação do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Maranhão, sem o qual esta pesquisa não seria possível; Aos professores do programa que ajudaram a dar densidade para a pesquisa: Josenildo Pereira, Regina Faria, Maria Izabel Barboza, Lyndon de Araújo, João Bitencourt e Antonia Mota. Estes últimos com sugestões importantes no Exame de Qualificação; A Alexandre Navarro, meu orientador; Ao professor Wagner Cabral, sempre disposto a contribuir ajudando a amarrar os “fios soltos” que não eram poucos; A todos os alunos da turma de 2011 que contribuíram substancialmente nas discussões do projeto; Agradeço aos amigos que, com suas memórias, me ajudaram a decifrar esse emaranhado de sentidos do exercício da atividade política no município; Aos meus familiares, pelo apoio; Aos meus filhos Gabriela Mendes e Gonçalo Bisneto, nos quais encontro inspiração para ser feliz e continuar fazendo o que gosto; A todos os amigos de Penalva, que, de alguma forma, deram suas contribuições: Amarildo Silveira, na correção dos textos, Agmar Veloso, nas adaptações de mapas; Enfim, a todos que, de uma forma ou de outra, contribuíram para a realização e êxito desta pesquisa. 7 RESUMO Entre 1969 e 1992, o cenário político do município de Penalva era marcado pela bipolarização entre duas facções apelidadas de Sebo e Embroma. Num primeiro momento desta pesquisa, buscamos identificar a composição destas facções, assim como a rede de favores acionada pelos atores da disputa da qual dependia o ingresso e permanência dos atores no jogo político, assim como as adesões de aliados. Estas facções acionaram um expressivo repertório de jingles eleitorais que visavam, ora pela via da depreciação, ora pela exaltação, obter resultados eleitorais. Observamos que os jingles constituíam um dispositivo de tomada de posição e de publicização do voto, num cenário em que este tinha o sentido de adesão. A partir destas músicas, procuramos identificar características da cultura política e dos imaginários sociais dos grupos em conflito marcados por: relações de favores, visão da política como luta entre o bem e o mal, o humor como estratégia de depreciação e uma visão decadentista do presente em oposição ao passado descrito como tempo de glória. Os jingles foram pensados tanto como expressão da cultura quando como dispositivo de enfrentamento constitutivo dessa cultura, que suscitava reações de reprovação ou aprovação, dependendo do lugar que cada indivíduo ocupava no jogo. Palavras-chave: Política. Cultura. Imaginário. Jingles eleitorais. 8 ABSTRACT Between 1969 and 1992, the political landscape of the municipality of Penalva was marked by polarization between two factions dubbed Sebo and Embroma. Initially this research, we identify the composition of these factions, as well as the network of favors triggered by the actors of the dispute which depended on the entry and stay of the actors in the political game, as well as accessions of allies. These factions triggered an impressive repertoire of jingles election aimed, either by way of depreciation, prays for exaltation get election results. We observe that the jingles were a device stance and publicizing the vote, in a scenario in which he had a sense of membership. From these songs, we sought to identify characteristics of the political culture and the social imaginary of the groups marked by conflict: relations favors, view politics as a struggle between good and evil, humor as a strategy depreciation and a vision of the decadent present in described as opposed to the past time of glory. The jingles were designed both as an expression of culture when coping device as constitutive of that culture, which provoked reactions of disapproval or approval, depending on the place occupied in each individual game. Keywords: Politics. Culture. Imaginary. Jingles election. 9 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 9 2 O SEBO E A EMBROMA: as personagens e a trama ................................. 2.1 ARENA VERSUS ARENA: “um balaio de gatos” ............................................ 16 16 2.2 A CULTURA POLÍTICA DO FAVOR ............................................................ 24 2.2.1 Zé Marques e Zé Gonçalves: operários da cultura política do favor .............. 31 3 JINGLES ELEITORAIS: a retórica das disputas políticas ......................... 39 3.1 “VAI COMEÇAR O GRANDE JOGO PARA A CONQUISTA DA TAÇA OFERECIDA PELO CATETE FUTEBOL CLUBE”: música política no Brasil .................................................................................................................. 39 3.2 JINGLE POLÍTICO-ELEITORAL? .................................................................. 48 3.3 “OZIEL, COMPRA SEBO DE CARNEIRO PRA PASSAR NA TUA CARECA PRA NASCER CABELO”: jingles com ênfase no humor ............... 54 GUERRA DE IMAGENS: acusações, apelidos e sua ressemantização nos jingles ................................................................................................................. 62 3.4.1 Os apelidos ........................................................................................................ 68 3.5 “TEMPO DE ANTES”, DECADÊNCIA E EMERGÊNCIA DO SALVADOR ...................................................................................................... 73 3.5.1 “A Penalva do passado e do presente” ........................................................... 75 3.5.2 Forasteiro versus “fruto da terra” .................................................................. 89 4 MARCHANDO, SAMBANDO E POLITICANDO: os gêneros musicais da cidade e os jingles ........................................................................................ 99 4.1 A EXPERIÊNCIA MUSICAL DA CIDADE .................................................... 99 4.2 SAMBANDO E POLITICANDO: as relações entre samba e jingles eleitorais 111 4.3 OS ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE E O CIRCUITO DE PRODUÇÃO, CIRCULAÇÃO E RECEPÇÃO DOS JINGLES ............................................... 114 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 132 ANEXOS ........................................................................................................... 135 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 143 3.4 10 1 INTRODUÇÃO Eu vou contar uma história engraçada / Uma história que se deu aqui em Penalva / Quando o deputado Ivar Saldanha / Veio pelo Sebo convidado / Os embromeiros tiraram a gasolina / Do avião para que ele morresse / Deus é pai de nossa gente / Não deixou que isso acontecesse / Eta embromeiro! Tu estás em desespero / Pega Zé Toalha e joga no lameiro. A história do deputado Ivar Saldanha / É uma mentira que o Sebo inventou / A Embroma não quer que ele morra / Pra ele ver o que vai acontecer / João Faveira vai ganhar a eleição / E ele vem no mesmo avião / Pra ver Faveira na prefeitura / Com a sua boa administração / Gasolina é a mentira / Que o Sebo inventou / Um deputado desse que o povo nem ligou.1 Nos anos 1970 ou 1980, o viajante que se aventurasse a visitar a cidade de Penalva, por volta do mês de abril, veria uma cidade bucólica, sem muitas alternativas de lazer, pacata e ordeira, na definição de Barros (1994). Visão que um forasteiro, acostumado às badalações de uma grande cidade, não conseguiria superar em poucos dias. Contudo, se a visita fosse um mês antes, a imagem poderia ser outra: veria escolas de samba com seus estandartes hasteados, desfilando pelas ruas acompanhadas de uma multidão apaixonada ostentando a indumentária de sua “escola”, ao mesmo tempo em que, entre um buraco e outro, arriscava passos de samba. Cada uma apresentando sua suposta superioridade. Ao som dos tambores, requinta e reco-reco, sambistas duelavam pelas ruas da cidade com seus “sambas de pique”, cada um desafiando seu rival e apresentando-se como melhor. O tempo do carnaval era o tempo de cantar desafiando as escolas adversárias ou manifestando uma insatisfação diante dum desafeto amoroso, como se pode observar num samba que circulou na cidade nestas décadas, em que o compositor vingava-se da zombaria de um antigo amor.2 A paixão por esta festa é demonstrada pelos sambistas das várias escolas de samba: Benedito Reis, da escola Pau D‟água, compôs nos anos 1960 “Vou sonhar”, declarando seu amor pela escola: “No ritmo do meu Pau D‟água eu vou dormir / Eu vou dormir, eu vou sonhar. / Do meu pandeiro eu faço um travesseiro / Da cuíca eu faço um cobertor / E quando 1 As duas músicas foram jingles da campanha de 1976, a primeira do Sebo, a segunda do Embroma. Renunciei / Renunciei / Agora eu vou bater meu tamborim / Vou gargalhar / Pra chatear um alguém que zombou de mim / Ano passado um alguém de mim zombou / Sorriu bastante e até me apelidou / E hoje, quem vai gargalhar sou eu / Crioula escuta, a gargalhada que eu dou / Qua, qua, qua, qua.... (Entrevista com José Carlos). Optamos pelo uso de pseudônimos a fim de preservar a identidade das nossas fontes. 2 11 eu despertar do sono / Eu vou sambar eu vou sambar”.3 Em 1985, Costinha, da escola Magníficos do Samba, compôs “Decisão”: “Carnaval chegou / Magníficos eu vou, contigo sambar / Já me decidi / E não vou mudar / Só volto em casa quarta-feira / Quando o carnaval se acabar”. A decisão era inconsequentemente irrevogável, pois “Não importa o que virá / O samba vai me alimentar / Vou cair na folia / Vou me extravasar / Vou brilhar na avenida, sorrir com a vida, feliz a cantar”.4 Em 1989, Pancinha, do Beira-Mar do Samba, compôs “Quando chega fevereiro”: “Eu vou pro morro / Vou pra beira da avenida / Só pra ver a escola passar / Quando chega fevereiro / Todo mundo quer sambar / A velhice vem chegando / E eu vou me acabando, devagar”.5 Os sambas apresentados nos dão uma dimensão da importância do carnaval para os habitantes da cidade. Nesta época, a pacata urbe se transformava, era o tempo de “extravasar”, como diz o sambista. Nas letras dos sambas, além de demonstrarem suas paixões pelas “escolas”, os sambistas duelavam, o que fazia do samba um lugar de confronto, não somente entre as escolas, mas também de situações mal resolvidas ao longo do ano, como o já citado desafeto amoroso ou alguma outra insatisfação. Se porventura nosso ilustre visitante, supomos, adiasse um pouco a viagem de volta, no mês de junho, “tempo da Boiada” (de 23 a 30 de junho), veria a pacata cidade transformarse num grande arraial. Além do pagamento de promessas em louvor a São João, o período era o tempo dos cantadores se enfrentarem através das suas “toadas de pique”, em que cada cantador apresentava-se como melhor, desafiando seu contendor. Assim como no samba, outros cantadores aproveitavam para desabafar, externando alguma ingratidão ou outro incidente do cotidiano, como veremos no quarto capítulo. Se o nosso visitante insistisse mais um pouco e ficasse até o mês de outubro ou novembro (as eleições em geral eram realizadas nesse mês), veria uma cidade dividida. De um lado, a “turma do Sebo”, do outro a “turma da Embroma”, duas facções que disputavam o poder político municipal. Se mantivesse os ouvidos atentos, teria acesso a um vasto repertório de fofocas políticas, do tipo: – quanto um certo cidadão havia ganhado para aderir a uma determinada facção ou a filha de quem José Gonçalves, “o desmoralizador de famílias”, estava “pegando”. Nos círculos de boatos que se espalhavam pelos bares e esquinas da cidade, tais como “o Canto da Tesoura”, localizado na esquina da Celso Magalhães com a Presidente 3 Esta música está no CD Memória do Carnaval Penalvense lançado em 2002. Ibid. 5 Ibid. 4 12 Vargas (ver mapa na p. 117), poderia ter acesso às composições musicais em que uma facção depreciava a outra. Então ficava fácil perceber que a música ocupava um lugar proeminente na cultura da cidade; através desta as facções se acusavam mutuamente, promoviam debates nos quais cada uma se apresentava como melhor alternativa para governar a cidade, depreciando a outra. Assim, a Embroma cantava: “Só pretendo morrer / Depois que o Sebo acabar / E se Deus do céu quiser / Isso não vai demorar / A Sebaria que trate de dar um fora / Pois eu sou da Embromaria / É quem está com a vitória”.6 Do outro lado, o Sebo contraatacava: “Com Lozinho, com Zé Marques o Sebo bota pra quebrar / A Embroma vai se acabar / Zé Toalha vai embora / Que teu orgulho se excedeu / Tu pensas que Penalva é tua / Procura o lugar que é teu”.7 Enfim, o tempo da política era um tempo de compor e cantar músicas que apelidavam, acusavam, depreciavam e zombavam dos adversários. Algumas, menos frequentes, buscavam ainda vender uma imagem positiva dos seus candidatos, constituindo o arsenal bélico dos atores envolvidos na trama. De modo geral, a composição das músicas fazia parte das “lutas de representação” (CHARTIER, 2002a) em que cada facção buscava, pela via da estigmatização, demarcar seu espaço político, legitimando sua conquista ou manutenção do poder. No carnaval ou na Boiada, as músicas constituíam um lugar de enfrentamento, prática que, por compor a experiência musical da cidade, foi assimilada pelas facções políticas que se digladiavam também através destas. O objetivo da nossa pesquisa é analisar a utilização deste dispositivo eleitoral, mobilizado pelas facções, como uma prática que se sedimentou ao longo do recorte aqui proposto (1969-1992), constituindo a cultura política8 das facções entendida como práticas e representações9 inscritas nas formas de se pensar a atividade política que orientava as tomadas de posição dos atores envolvidos. A análise de conteúdo das músicas entendidas como jingles político-eleitorais levará em consideração dois eixos fundamentais que se referem aos lugares de fabricação do discurso político: o discurso como sistema de pensamento e como ato de comunicação. No primeiro, o discurso é tomado como o resultado de uma atividade discursiva que tenciona “fundar um ideal de político em função de certos princípios que devem servir de referência 6 Música que circulou na eleição de 1976 (Entrevista com Maria José). Entrevista com Joana Barros. 8 Para uma discussão conceitual de cultura política, bem como da sua apropriação pela historiografia ver: Motta (2009). 9 A noção de representação é usada como “imagem mental mediada, tornada possível pelo uso dos signos” (BORGES, 2011, p. 328). Entendemos que não há discordância entre esta e uma definição mais abrangente que a entende como visão de mundo que “configuram um conjunto que inclui ideologia, linguagem, memória, imaginário e iconografia (...)” (MOTTA, 2009). Esta última também é defendida por Chartier (2002b), que a define como percepção do mundo. 7 13 para a construção das opiniões e dos posicionamentos” (CHARAUDEAU, 2008, p. 40). No segundo, o discurso é entendido como lugar estratégico onde os atores da cena política envolvem-se numa relação em que o “desafio consiste em influenciar as opiniões a fim de obter adesões, rejeições ou consensos” (CHARAUDEAU, 2008, p. 40). Nessa perspectiva, a pesquisa visa a compreender os usos e funções do jingle, como os atores envolvidos nas disputas buscavam, através da música, produzir imagens depreciativas dos adversários; entender a dinâmica de funcionamento de produção de sentidos de tais práticas constitutivas da cultura política. Para tanto, perseguiremos uma concepção historiográfica que objetiva “decifrar práticas sociais” (CHARTIER, 2002b, p. 66) analisando as “relações e tensões que as constituem a partir de um ponto de entrada” qual seja, “uma rede de práticas especificas” através das quais os indivíduos dão sentido a seu mundo (CHARTIER, 2002, p. 66). Nessa direção, faz-se necessário analisar o que Chartier (2002b, p. 69) chama de uma “história das apropriações” que “visa uma história social dos usos e das interpretações, relacionados às suas determinações fundamentais e inscritos nas práticas específicas que as produzem”. Os jingles serão cruzados com outras fontes, tais como entrevistas realizadas com eleitores e “políticos” que participaram dos embates eleitorais. Essas fontes obviamente têm suas limitações, uma vez que as opiniões são emitidas duas ou três décadas após os fatos, portanto, sofrem as alterações cuja memória está submetida. Como observa Nora (1993, p. 11), a memória é viva, está em “permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações”. De maneira que, a partir destas fontes, não será possível acessar exatamente o que os atores pensavam sobre sua prática, no momento em que a vivenciavam; entretanto, no cruzamento dos jingles com outras fontes orais, somadas aos minguados jornais produzidos na capital com circulação no município e outros textos encontrados em arquivos privados, entendemos ser possível uma compreensão dos elementos constitutivos dessa cultura política. Nunca será demais observar que a historiografia não é o estudo do passado, mas do comportamento social temporal (ARÒSTEGUI, 2006). Partindo desse pressuposto, procuramos compreender as práticas e representações políticas que, embora como pontas de icebergs, encontram-se a vista. Sobre a utilização de músicas como fonte documental observa-se que vêm ganhando espaço na produção historiográfica, constituindo importante fonte para se desvendar tramas históricas. Para Lima (2007, p. 1), “a canção deve ser tomada como um objeto privilegiado 14 para entender e acessar o passado; como produto mesmo da ação de homens enculturados e que dialoga com o seu devido lugar histórico”. No que se refere a questões metodológicas, Napolitano (2005) observa que o aproveitamento da potencialidade desta fonte pelo historiador estaria na articulação entre os elementos poético-verbais da canção e os elementos musicais propriamente ditos (melodia, harmonia, vocalização...); de outro modo, ou seja, priorizando-se apenas o texto musical (as letras das músicas), a análise perderia muito do seu potencial. Contudo, uma análise responsável das musicas, levando-se em consideração estes dois parâmetros (verbais e musicais), requer certo conhecimento específico do dado musical. Na análise das fontes, o historiador deveria, como aponta o referido autor, ter acesso às gravações da época em suportes que lhe possibilitem mapear os elementos internos das canções, bem como os veículos que as difundiram. Aqui reside um problema: primeiro, não dispomos de condições técnicas para uma análise dos elementos musicais; segundo, é preciso respeitar as limitações das fontes. A maioria dos jingles que analisaremos nunca foi gravada, e os que foram não se encontram disponíveis, de modo que, nosso único suporte é a memória. Desse modo, embora no desenrolar da nossa pesquisa, ponderações sobre a experiência musical da cidade e os gêneros musicais utilizados nas campanhas eleitorais se imponham, visto que daí deriva sua eficácia, a música, pensada na sua sonoridade, melodia e arranjos harmônicos, não constitui nossa preocupação primeira. Estabelecemos como baliza o corpo textual, as letras das músicas que compõem os jingles político-eleitorais. É a partir daí que pretendemos analisar os usos e funções desse dispositivo eleitoral, buscando pensar os elementos que compunham as estratégias políticas dos grupos. Os estudos voltados para a música em geral, como fonte histórica ou pensada, ela mesma, na sua historicidade, inscreve-se no novo momento vivido pela historiografia, pois foi a partir de meado do século XX, com a propalada crise historiográfica, que o território do historiador ganhou novos contornos. Com as chamadas propostas renovadoras (ARÓSTEGUI, 2006), desencadeia-se um processo de divórcio com uma concepção de história que privilegiava determinadas fontes consideradas “objetivas”, “documentos autênticos da época estudada, de cuja análise rigorosa” o historiador “obteria informações verdadeiras sobre o acontecimento” (GRESPAN, 2010). As mudanças nos cânones da disciplina, sobretudo a partir do período citado, abriram novas perspectivas para a utilização de música como fonte para pesquisa histórica. No campo especificamente da história política, essas mudanças representaram um ganho epistemológico importante. O conceito de cultura política, entendido como “conjunto 15 de representações que une um grupo humano no plano político”, no que se refere a “uma visão de mundo partilhada, uma leitura comum do passado” e que se manifesta nas práticas dos indivíduos, faz parte dessa mudança (SIRINELLI, 1998, p. 414). Barros (2008) observa que, enquanto a História Política do século XIX mostrava uma preocupação quase exclusiva com a “política dos grandes estados (conduzida ou interferida pelos „grandes homens‟)”, a nova História Política, que começa a se consolidar nos anos 1980, passa a se interessar também pelo „poder‟ nas suas outras modalidades” (BARROS, 2008, p. 107). Assim, se até os anos 1980, se manteve “isolada no curto prazo do acontecimento” (SIRINELLI, 1998, p. 414), a partir de então, com o conceito de cultura política, ganha o “estatuto de pleno exercício na espessura cronológica da média duração histórica” (SIRINELLI, 1998, p. 414), de modo que se buscou compreender o objeto político, a questão da devolução e da repartição da autoridade e do poder no seio de um dado grupo analisando “não só comportamentos coletivos e seus efeitos, mas também o que provém da recepção e das sensibilidades” (SIRINELLI, 1998, p. 412). Nessa perspectiva, necessário se fez, na esteira das ideias políticas, descer do “Olimpo das „grandes obras‟” (WINOCK, 2003). Os historiadores, conforme Winock (2003, p. 279), “saíram no encalço de todos os elementos de seu tema nos diferentes meios de expressão e particularmente naqueles que atingiram grandes camadas da população (...): os almanaques, as canções, os autores de vaudeville e a imprensa (...)”10, fazendo um movimento que implica uma descida “dos picos rochosos para o fundo dos vales; das obras mais ou menos imortais para o saco de gatos da produção literária, jornalística, política; do comentário das „grandes idéias‟ ao inventário das mentalidades correntes” (WINOCK, 2003, p. 289). A diversificação das fontes, somada a questões de ordem metodológica, ampliaram o raio de acesso, pelo historiador, às práticas e representações sociais vividas pelos diferentes grupos sociais. Feitas estas considerações sobre a relação entre música, história e política, a discussão que nos propomos é pensar os usos e funções do jingle político-eleitoral como dispositivo acionado nas disputas políticas pelos grupos em conflito no município de Penalva, no interstício 1969-1992, bem como em que medida essas músicas compreeendiam o modo de disputa eleitoral do período, ou seja, as práticas e representações que constituem essa cultura política. 10 Winock (2003) se refere aos trabalhos pioneiros de René Rémond e Jean Touchard. 16 Com esse objetivo, estruturamos o trabalho em três capítulos (sem contar a introdução e as considerações finais): primeiro, buscamos identificar a formação das facções políticas destacando a trajetória das suas principais lideranças, assim como os realinhamentos marcados pelas migrações entre as facções. Analisamos ainda a rede de favores acionada pelas facções de onde retiravam o capital político que lhes garantiam aceitação eleitoral. No segundo, após um esboço do uso político de músicas no Brasil que vai da República Velha (1989-1930) à implantação da Ditadura Militar, pontuamos o nascimento daquilo que se convencionou chamar jingles político-eleitorais, assim como as balizas que demarcam nosso entendimento acerca desse conceito. Buscamos pensá-lo na perspectiva do discurso político no qual se leva em consideração não somente suas características internas, mas o uso e a função que este gênero desempenhava em contextos de disputas políticoeleitorais. Feito isto, entramos na análise das músicas, dividindo-as em dois eixos segundo seus elementos predominantes. Por um lado, têm-se aquelas cujo objetivo era construir imagens negativas. Nestas, destacaremos o humor como estratégia de ridicularização em que através do riso buscava-se anular o adversário; em seguida, trataremos da guerra de imagens marcadas pela troca de acusações, uso de apelidos, bem como as estratégias de ressemantização em um cenário político onde o voto era muito menos uma questão de escolha que de adesão feita mediante compromissos. Por outro lado, tinham-se as músicas que visavam a vender imagens positivas dos seus candidatos nas quais as facções, sustentadas no discurso de uma suposta decadência, apresentavam-se como solução para os problemas enfrentados pela cidade, elaborando o perfil do “homem valente e querido”, homem providência que reunia os atributos necessários para libertar a cidade do caos econômico e social no qual supostamente se encontrava. No terceiro, analisamos o circuito de produção, circulação e recepção/apropriação dos jingles, identificando as preferências musicais da cidade para, a partir daí, mapear os espaços de produção e circulação das músicas, observando que produtores e consumidores destas músicas se confundiam no mesmo ambiente cultural sem que se pudesse demarcar quem era quem. Analisaremos ainda como se dava a apropriação destas músicas a partir das reações dos atores envolvidos. Ciente das lacunas aqui deixadas, a pesquisa tem o objetivo de contribuir para o debate sobre cultura e imaginário político nas disputas municipais refletindo sobre os usos e funções da música nos embates, assim como os significados que tal prática adquiria e que, portanto, garantia-lhe inteligibilidade. 17 2 O SEBO E A EMBROMA: as personagens e a trama Sebo e Embroma, estas eram as duas facções11 que protagonizaram as disputas eleitorais no município de Penalva entre 1969 e 1992. Estas datas demarcam o período de atuação destes dois agrupamentos, bem como práticas e representações políticas mobilizadas por estes, tais como: o uso de apelidos depreciativos e do favor como meio de cooptação. Neste capítulo, apresentaremos as principais lideranças que compunham esses “grupos” e os realinhamentos que caracterizavam as disputas entre as facções, assim como a rede de favores em que se inseriam e de onde extraíam capital político que lhes garantiam notoriedade nas disputas. O uso de tal dispositivo (o favor) é tomado aqui como constituinte da cultura política.12 É a partir daí que buscamos compreender o desenrolar do jogo político, assim como o comportamento dos agentes envolvidos. Nesta perspectiva, analisaremos como a prática do favor e suas variáveis (compromissos, relações de amizade), pensados em dimensão cultural, em consonância com as representações que daí decorriam, motivavam as adesões às facções, portanto, as tomadas de posição. Embora a análise não se concentre exclusivamente na temática das eleições, é voltada para o tempo da política, aliás, falar em eleição e política é quase uma tautologia para a maioria das populações dos municípios brasileiros, visto que, “política é identificada a eleição” e o “período eleitoral é chamado de o tempo da política, época da política ou simplesmente política” (PALMEIRA; HEREDIA, 2010, p. 16). 2.1 ARENA VERSUS ARENA: “um balaio de gatos” A ditadura militar implantada em 1964 mudou os rumos da política brasileira, sobretudo a partir de 1965, com a montagem de uma “nova” “engenharia eleitoral”. Através do Ato Institucional n.º 02, os militares, sob o pretexto de empreender algumas “cirurgias” no “corrompido” sistema político brasileiro, extinguiram os 13 partidos existentes na época (FLEISCHER, 1994). A partir de então, dois partidos passaram a compor nosso sistema político, o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), que ficou conhecido como oposição 11 A noção de facção aqui é a mesma empregada por Igor Gastal Grill no texto intitulado “Os usos de „ismos‟ em batalhas políticas e intelectuais (RS/MA)”, apresentado no 34.º encontro anual da ANPOCS, que a entende como “coalizões políticas rivais, instáveis e temporárias, centradas em lideranças personalísticas, cujos seguidores são recrutados de acordo com os recursos disponíveis para seus egos, que são capazes de gerar retribuições àqueles que aderem à sua liderança”. 12 A apropriação que fazemos do conceito a entende como “conjunto de valores, tradições, práticas e representações políticas partilhado por determinado grupo humano” (MOTTA, 2009, p. 21). 18 consentida, uma vez que visava a dar uma aparência democrática para a ditadura, e a ARENA (Aliança Renovadora Nacional), partido que dava sustentação ao governo. O bipartidarismo acabou criando problemas do tipo: como abrigar nestas duas siglas, sobretudo nos municípios, forças políticas divergentes, mas com tradição governista? Aqui os engenheiros da ditadura retiraram mais uma cartada da manga: importaram do Uruguai o sistema de sublegendas, o que possibilitava até três candidaturas dentro do mesmo partido (FLEISCHER, 1994). Casuísmo dessa natureza insere-se numa “longa tradição de „engenharia eleitoral‟ empreendida pelas elites” brasileiras na busca de “vantagens políticas para se manter no poder” (FLEISCHER, 1994, p. 15); neste caso, possibilitou à ARENA eleger o maior número de prefeitos e garantiu maioria no Congresso Nacional. A subida dos militares ao poder alterou o cenário político maranhense. Até 1965, a cena política no estado era protagonizada pelo senador Victorino Freire, um pernambucano que chegou ao estado em 1933 como secretário de governo do capitão Martins de Almeida, interventor federal. Sua presença aqui objetivava a organização do Partido Social Democrata (PSD) com vista às eleições de 1934. Malogrados os seus objetivos, retornou ao Rio de Janeiro, onde passou a ocupar cargos importantes no governo federal, retornando ao Maranhão nos idos de 1945 como articulador da campanha presidencial de Eurico Gaspar Dutra. A partir daí, monta sua base política que lhe garantiu um predomínio de vinte anos (COSTA, 2006). Com os militares no poder, esse cenário foi reconfigurado, sobretudo a partir de 1966, com a chegada de José Sarney ao posto de governador do estado. Segundo Costa (1997, p. 5), “a ascensão dos militares ao poder foi fundamental para a ascensão na política maranhense da liderança de José Sarney”, e, por outro lado, correspondeu ao declínio político do vitorinismo. O “sarneyismo”, como observa José de Ribamar Chaves Caldeira, é produto da “Revolução de 1964” (apud COSTA, 1997, p. 5). Isto porque os militares empreenderam uma série de medidas, tais como: “forte onda repressiva que atingiu no Maranhão, os setores nacionalistas e de esquerda, capitaneados por Neiva Moreira e Maria Aragão” (COSTA, 1997, p. 5) deixando o caminho livre para José Sarney, que, com uma postura mais moderada, se consolidou como candidato da oposição ao governo do estado em 1965. O apoio dos militares a José Sarney se concretizou através de medidas efetivas como: “revisão eleitoral” visando a combater a corrupção eleitoral e que culminou na eliminação de mais de 200 mil eleitores fantasmas em um montante de 500 mil; “intervenção branca na justiça eleitoral do Maranhão; convocação das tropas do Exército para garantir as eleições; além do apoio da „Máquina‟ federal no estado” (COSTA, 1997, p. 5). 19 Se a ascensão dos militares correspondeu à subida de José Sarney ao posto de líder maior da política maranhense, por outro lado, não significou, necessariamente, o aniquilamento total do vitorinismo, de modo que, com a introdução do bipartidarismo, tanto José Sarney quanto Victorino Freire se abrigaram na Aliança Renovadora Nacional. Costa (1997, p. 10) verifica que, por conta do bipartidarismo, se produziu no Maranhão uma singular combinação: por força da „vocação governista‟ da maioria dos grupos políticos, a ARENA-MA se transformou num verdadeiro „balaio de gatos‟, congregando o grupo Sarney, o grupo vitorinista e outros grupos menores, ligado ao antigo PSP, sob a chefia de Clodomir Millet. Configurava-se um padrão de competição intra-oligárquica cujo principal palco a nível estadual foi a ARENA, incluindo a disputa entre as facções pelo controle dos diretórios (estaduais e municipais) do partido e a vitória nas eleições legislativas e municipais. No município de Penalva, as duas facções se abrigaram na ARENA, dividindo-se em ARENA I e ARENA II. O governismo destas é demonstrado em sucessivas páginas dos livros de ata das sessões da Câmara de Vereadores. Todos os anos, sobretudo a partir de 1972, o dia 31 de março, dia do golpe militar, ou da “Revolução Vitoriosa” como pretendiam os militares13, era comemorado em sessão solene na Câmara de Vereadores, de onde brados de viva a “Revolução de 1964” ecoavam, sucedidos pelos aplausos de uma plateia formada pela elite econômica e política da cidade (MENDES NETO, 2009). Visão compartilhada por muitos municípios maranhenses, senão vejamos o trecho da matéria publicada no Jornal dos Municípios em que se fazia apologia ao golpe militar de 1964: ao ensejo do décimo quinto aniversario da Revolução de Março de 1964, queremos nos associar às homenagens que todo o Brasil presta aos lídimos comandantes militares e civis que dirigiram o Movimento, salvando o País do caos e da desorganização administrativa e preparando um caminho limpo para a reformulação da nossa imagem no contexto das nações livres do Universo. Nossa saudação aos presidentes da Revolução Humberto de Alencar Castelo Branco, Arthur da Costa e Silva, Emilio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Baptista de Oliveira Figueiredo (Jornal dos Municípios, mar. 1979).14 Até 1969, quando acontece a primeira eleição municipal no sistema bipartidário, as disputas eram polarizadas entre Wilson de Sá Marques e Tomas de Aquino Mendes. O primeiro descende da família Marques, cujo domínio político remonta aos tempos do Império 13 Os textos dos atos institucionais se referem ao golpe militar de 1964 como a “Revolução Vitoriosa”. O jornal circulava em vários municípios do estado com matérias que faziam apologia aos prefeitos. Esta citação corresponde a um trecho da matéria assinada pelo prefeito de Lago do Junco. 14 20 (MENDES NETO, 2009). Durante mais de vinte anos (1950-1972), “foi o mais influente político penalvense” (BALBY, 2000, p. 105). Advogado provisionado, nos idos de 1943, havia sido 2º suplente de juiz do termo de Penalva. Nas eleições de 1950, foi eleito prefeito derrotando Tomás de Aquino Mendes. Em 1959, elegeu-se deputado estadual pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Nas eleições de 1962, foi reeleito deputado estadual e na legislatura seguinte (1967/1971) foi suplente, pela ARENA (BARROS, 1985). Em 1969, chegou novamente ao posto de prefeito, derrotando Oziel Souto Pereira Matos. Conforme o discurso apologético de Barros (1985), Wilson Marques era “inteligente, culto e hábil”, “orador de excelente qualidade”. Este soube trazer para junto de si políticos de grande aceitação popular como Cavour Rochandrade Maciel, seu sucessor (eleito em 1955) e José Luiz Marques (prefeito em 1966-1969). O segundo, Tomás de Aquino Mendes, contracenava nas disputas com Wilson Marques. Irmão de Bento Mendes, maior empresário do ramo de babaçu do município no período, Aquino teve em seu itinerário a indicação de 3.º suplente de juiz em 1943. Ocupou uma cadeira na Câmara de Vereadores na legislatura 1947-1950, concorreu às eleições para prefeito em 1950 e 1955, sendo derrotado, respectivamente por Wilson de Sá Marques e Cavour Rochandrade Maciel. Na última (1955), impetrou recurso no Tribunal Regional Eleitoral, alegando a existência de fraude. Este fato se transformou em uma verdadeira batalha judicial levando o candidato vitorioso a assumir o cargo somente em 1957, quase dois anos depois (BARROS, 1985). Aquino Mendes, expressivo comerciante de babaçu, teria construído sua base política através de alianças com comerciantes da cidade e fornecedores de babaçu da zona rural e, sobretudo, a partir das suas relações com a oligarquia estadual (muito especialmente com Newton Belo) que lhe garantia o uso clientelista dos cargos estratégicos no município: coletoria estadual e federal, juiz de direito, delegado de polícia, nomeações para professores estaduais e outros. Nas eleições de 1960, com o apoio do governo do estado e congregando várias lideranças políticas do município, dentre elas o influente coletor estadual Benedito de Jesus Arouche, conseguiu, em uma disputa acirrada, vencer seu maior adversário Wilson de Sá Marques (MENDES NETO, 2009). Na eleição de 1969, algumas rupturas e alianças são costuradas pelos grupos municipais; velhos adversários como Wilson de Sá Marques e Tomás de Aquino Mendes se aliam em torno da ARENA II, apelidada de Embroma. Esta aliança pode ser explicada a partir da ruptura entre Wilson e José Luiz Marques, este se negou a apoiar a candidatura de José Duarte Gonçalves proposta por Wilson, alegando o fato de José Gonçalves não ser “filho da terra” (natural do município). Esta manobra foi providencial para a Embroma, visto que se 21 tratava de uma disputa bastante equilibrada, já que o então prefeito José Luiz Marques se aliara ao outro candidato (Oziel Matos) (Entrevista com José Reis). Durante seus dezenove anos de existência, a Embroma venceu quase todas as eleições municipais que disputou. Conquistou o Palácio Dez de Agosto 15 em 1969, 1972, 1976 e 1982, sendo derrotada apenas em 1988, com a eleição de Derze Rodrigues Barros Ribeiro, e em 1992, com Carlos Roberto Marão Mendes (ver tabela 1). Dentre as figuras que a integravam, constavam comerciantes como João Oliveira Gama (João Bolinha, vereador em 1971-1972), Antonio Gentil Silva Neto (o Bobó, comerciante de arroz e babaçu), Wilson de Sá Marques e José Duarte Gonçalves, estes dois foram as duas maiores lideranças desta facção durante a existência dessa configuração política. Tabela 1 - prefeitos e vice-prefeitos eleitos entre 1969-1992 Anos 1969 1972 1976 1982 1988 1992 Prefeitos Wilson de Sá Marques Vice - Tomás de Aquino Mendes José Duarte Gonçalves Vice - João Francisco Mendes João Francisco Mendes Vice - Marival de Jesus Sá José Duarte Gonçalves Vice - João Amado Nunes Fonseca Derze Rodrigues Barros Ribeiro Vice - Geraldo R. Dominices Carlos Roberto Marão Mendes Vice - Raimundo Marcelino G. Neto Partidos / Grupos Votação ARENA II / Embroma ------ ARENA II / Embroma 2.522 ARENA II / Embroma 3.395 PDS I / Embroma 3.540 PTB / Sebo 2.660 PMN* 2.987 *Partido da Mobilização Nacional. Fonte: (MENDES NETO, 2009, p. 99). A partir de 1972, quando finda a administração de Wilson Marques, verifica-se, na composição desta facção, uma sucessão interna. Wilson perdeu prestígio junto à elite econômica do município (comerciantes de arroz e babaçu, e proprietários rurais) ao mesmo tempo em que José Duarte Gonçalves foi ganhando espaço e tornando-se líder maior desta facção. Natural de São Luís (capital do Maranhão), sua vinda, bem como seu ingresso no cenário político, estão relacionados com o contexto econômico vivido pelo município no período. 15 Como o prédio da prefeitura deveria se chamar conforme lei municipal de 1976. 22 Entre as décadas de 1950 e 1980, devido à posição relevante que o município ocupava, no que tange à produção de arroz e babaçu, várias empresas da capital do estado estabeleceram agências de compra destes produtos no município: Bento Mendes, Chagas e Penha, Francisco Aguiar & Cia e a OLEAMA foram algumas dessas empresas. A importância econômica desse período é descrita por Balby (2000, p. 70-71) de modo saudosista: Embarcações cruzavam a baía de São Marcos, pegavam o Mearim e o seu afluente, o Pindaré, chegando à região do Maracu, onde se deslocavam na época invernosa até Penalva em busca de arroz e babaçu. Muitas vezes, o pequeno porto ficava congestionado, tal a quantidade de embarcações carregando e descarregando – Iara e Fátima [...], São Sebastião, Nazaré de Belém, Santa Catarina, Santa Serafina, Candal, Estrela do Mar e São José de Penalva [...] – eram algumas das lanchas desse áureo período. Tabela 2 - produção agrícola e extrativista do município Produtos 1960 1970 1980 Banana (cachos) 83.600 32.544 7.000 Laranja (centos) 4.267 600 270 Arroz (toneladas) 3.166 4.158 8.205 Feijão (toneladas) 74 55 75 Mandioca (toneladas) 13.977 12.036 17.358 Milho (toneladas) 1.622 1.040 1.957 Cana-de-açúcar (toneladas) 123 183 100 Babaçu (amêndoa) (toneladas) 2.840 1.458 4.984 Nota: Todos os dados da coluna de 1960 são referentes à produção de 1959. Fonte: IBGE, censos agropecuários. José Gonçalves chegou ao município no final dos anos 1950, como gerente da empresa Bento Mendes S/A. Posteriormente, administrou a OLEAMA S/A, também do ramo de babaçu, assim construiu uma cadeia de relações que envolvia dos comerciantes do produto aos prestadores de serviços responsáveis pelo transporte. 23 ele veio pra cá como agente de Bento Mendes trabalhar na compra do babaçu, aí ele passou dois anos por aí... ele foi arranjando entrosamento com político, com carreiro (...). Ele se dava muito com carreiro porque ele era gerente lá da firma onde todo mundo despejava a produção da época do babaçu... Lá ele fez essas amizades... E com os comerciantes porque na época aqui não tinha banco para financiar ninguém. Então, como era o financiamento?! A firma Bento Mendes, que já estava instalada em São Luís, financiava o comerciante daqui de Penalva pra pagar, não com dinheiro, [mas] com o produto, o babaçu. Então era uma espécie de banco. Financiava o comerciante fazer suas compras de mercadoria em São Luís para revender aqui e o pagamento era com o produto que ele arrecadava de babaçu. Aí Zé Gonçalves foi se entrosando, se entrosando, se entrosando... depois por causa de um dos sócios de Bento, que eles se desentenderam, ele foi demitido daqui. Quando ele voltou foi como gerente da Oleama, uma outra que ainda existe até hoje em São Luís, produtora de óleo, comprava muito babaçu, aí fazia concorrência já com Bento Mendes. Aí foi que ele cresceu mais e resolveu ingressar na política e se elegeu (Entrevista com João José). De modo que, do ponto vista econômico, foram os ventos do babaçu que para cá o trouxeram e foi dessa força motriz que ele extraiu parte da energia necessária para seu ingresso no tabuleiro de um jogo político marcado por relações de favores. A trajetória política deste agente é assinalada com várias candidaturas bem sucedidas: em 1970 conquistou uma vaga na Câmara de Vereadores. Venceu ainda as eleições para prefeito em 1972 e 1982. No final da sua última administração (1988), os problemas de saúde o forçaram a se afastar da política e do município, vindo a falecer em 1998, aos 67 anos de idade, devido a uma Embolia Pulmonar.16 Com a saída de cena de José Gonçalves, Marival de Jesus Sá, vice-prefeito em 1977-1982, se coloca como herdeiro da facção, mas não logrou êxito, sendo derrotado em 1988 e 1992. Do outro lado do jogo estava o então prefeito José Luiz Marques, líder da ARENA I, apelidada de Sebo. Conforme dito acima, este rompeu com Wilson Marques e prestou apoio a Oziel Souto Pereira Matos, seu adversário na eleição anterior. Fortalecido nos quatro anos em que esteve à frente da prefeitura, José Marques saiu da sombra de Wilson Marques reunindo em torno de si nomes como Adelman Jansen (secretário de finanças do seu governo), Luiz Carlos Trindade (comerciante) e o vereador Leovergílio Martins Filho (candidato do Sebo derrotado na eleição de 1976). Zé Marques, como era chamado, foi o maior nome desta facção durante este período, sua trajetória política remonta os anos 1950, quando foi eleito vereador em 1951. Filho do médico Djalma Caldas Marques, este, nos idos de 1950, montou uma farmácia e atuava como 16 Balby (2000); entrevista com Maria José. 24 médico, embora não tivesse a formação adequada.17 Desse modo, adquiriu capital político que lhe garantiu a vereança em 1951-1955, a vice-prefeitura em 1962-1965, e a prefeitura em 1966-1969. Não obstante o papel de destaque que ocupava na saúde do município, não conseguiu, a partir de 1969, converter esse prestígio em resultados eleitorais18, sendo derrotado na eleição de 1972, e na seguinte viu seu correligionário Leovergílio Martins ser derrotado por João Francisco Mendes, candidato da Embroma. Na eleição de 1988, já não mais sob a sigla ARENA I/ARENA II, aconteceram novas acomodações nessa facção, duas candidatas se lançam como herdeiras, Maria Joaquina e Derze Barros, a última saiu vitoriosa.19 Na eleição seguinte (1992), fecha-se o ciclo dos embates entre o Sebo e a Embroma, com a aliança entre Maria Joaquina, candidata a vice-prefeita (remanescente do Sebo), e Marival Sá, da Embroma, candidato a prefeito. É importante observar que os realinhamentos políticos eram comuns nas disputas entre as facções durante o período eleitoral. Fora do tempo da política, como observa Palmeira; Heredia (2010), estas se resumiam aos “chefes políticos” e alguns seguidores, todavia, durante as eleições, tempo da política, estas são claramente identificadas. É o período em que existem plenamente como verdadeiras facções políticas em conflito aberto e em que novos acordos são costurados forjando novas acomodações. Na eleição de 1976, por exemplo, Wilson Marques, aliado de José Gonçalves, rompe com este e se alia a José Marques e Leovergilio Martins. Segundo Palmeira, Heredia (2010, p. 29), o período eleitoral, “ao mesmo tempo que afirma ou reafirma as fronteiras das facções”, “legitima as „migrações‟ interfaccionais permitindo os rearranjos de compromissos que, por uma razão ou por outra, foram sendo desfeitos no interregno entre duas eleições”. No que se refere à composição social destas facções, não havia distinção significativa. Ambas constituíam-se basicamente de comerciantes ligados à produção de arroz e babaçu, aliás, o comércio representava um portal de acesso à atividade política. O exame das carreiras de vereadores e prefeitos neste período nos permite reconhecer a “existência de proximidades, cumplicidades e habilidades comuns entre espaços de exercício de 17 Conforme Barros (1985), era enfermeiro prático. Refiro-me às eleições municipais, pois nas estaduais conseguia canalizar expressiva votação para seus deputados estaduais e federais. Em 1974, por exemplo, dos 35.454 votos do deputado federal Raimundo Lisboa Vieira da Silva, 1.554 vieram do município, contra 1.171 de Carlos Duque Magno Bacelar, candidato da facção adversária. 19 Através da Lei n.º 6.767, de 20/12/1979, os dois partidos (ARENA e MDB) foram extintos, pondo fim ao bipartidarismo. Portanto, nas eleições de 1982 e 1988, o Sebo e a Embroma usavam outras siglas. Em 1982, por exemplo, José Gonçalves se lançou pelo PDS, e Derze Barros, em 1988, pelo PTB. 18 25 determinadas profissões e a esfera política”.20 Dos 36 vereadores que passaram pela Câmara entre 1961 e 1988, 18 eram comerciantes. Dentre os prefeitos, essa proporção era ainda maior: dos sete que venceram eleições entre 1961 e 1988, cinco desempenhavam atividades comerciais (MENDES NETO, 2009). Essa constatação é importante, mas não suficiente para compreendermos o ingresso dos agentes na cena política, pois é preciso levar em consideração sua reconversão para a política que, segundo Grill (2008), “depende mais de uma multiplicidade de outros recursos herdados ou adquiridos pelos agentes do que do treinamento, da formação ou do exercício profissional”. Conforme o autor, a chance de ocupar cargos está condicionada a recursos como “nome de família, posições ocupadas nas tramas políticas e pessoais e de disposições para saber utilizá-los e fazer frutificá-los na competição política” (GRILL, 2008, p. 65). De modo que o êxito político dos agentes está relacionado com suas atividades econômicas, assim como com suas capacidades de reconversão desse capital para as disputas políticas. Dentre os dispositivos mobilizados no processo de reconversão política, o favor desempenhava uma função importante condicionando o ingresso dos atores na cena e constituindo o próprio modo de exercer a atividade política, uma vez que ser político implicava fazer favores em uma escala superior à praticada nas relações entre iguais, mas esse é o assunto do tópico seguinte. 2.2 A CULTURA POLÍTICA DO FAVOR A definição de cultura e de cultura política é um tanto problemática, daí a necessidade de uma breve reflexão acerca do conceito, a fim de se estabelecer balizas. A palavra cultura, conforme Eagleton (2005, p. 9-10), está entre as mais complexas da língua inglesa. Em um dos seus “sentidos originais”, significava “lavoura” ou “cultivo agrícola, o cultivo do que cresce naturalmente”, todavia, na sua longa trajetória, segundo o autor, agregou uma multiplicidade de outros sentidos, indo de refinamento, criação artística a modo de vida. Assim, a palavra “mapeia em seu desdobramento semântico a mudança histórica da própria humanidade da existência rural para a urbana, da criação de porcos a Picasso, do lavrar o solo à divisão do átomo”, o que obriga o pesquisador a explicar a apropriação que faz do conceito. Dentre os múltiplos sentidos analisados por Eagleton está o antropológico, que leva em consideração o uso comum de uma linguagem, heranças, sistema educacional, valores 20 Grill (2008, p. 4), ao analisar os padrões de acesso à carreira política de deputados no Rio Grande do Sul e Maranhão, chegou a essa conclusão. 26 partilhados, etc., tomados como princípio de unidade social. Aqui se inclui a definição de E. B. Tylor, que pensa cultura como costumes, crenças e práticas que constituem o modo de vida de um grupo específico. “Ela é „aquele todo complexo‟ (...) „que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo ser humano como um membro da sociedade” (EAGLETON, 2005, p. 54-55). Nessa mesma direção, Stuart Hall a define como “práticas vividas‟ ou ideologias práticas que capacitam uma sociedade, grupo ou classe a experimentar, definir, interpretar e dar sentido às suas condições de existência”, de maneira que cultura seria “o conhecimento implícito do mundo pelo qual as pessoas negociam maneiras apropriadas de agir em contextos específicos” ou “âmbito inteiro de práticas e representações através do qual a realidade (ou realidades) de grupos sociais é construída e mantida” (apud EAGLETON, 2005, p. 55).21 Por sua vez, o conceito de cultura política pode ser definido como “conjunto de valores, tradições, práticas e representações políticas partilhado por determinado grupo, que expressa uma identidade coletiva e fornece leitura comum do passado” (MOTTA, 2009, p. 21). Tomando aqui a versão antropológica de cultura da qual os historiadores franceses se apropriaram22, o adjetivo política constitui uma delimitação, um recorte. Trata-se de pensar como essas práticas e representações, ou seja, os diferentes modos como os homens vivenciam e figuram o mundo, influenciam as escolhas e ações políticas. É nessa perspectiva que entendemos ser “o favor” uma prática cultural que orientava as tomadas de posição dos agentes envolvidos nos processos eleitorais. Aliás, Política e favores, ou mais precisamente fazer política e fazer favores, em grande parte dos municípios brasileiros podem ter o mesmo significado dependendo de quem e em que contexto é realizado. O uso deste dispositivo, assim como sua eficácia, se sustenta numa espécie de “ideologia da outorga” fundamentada na relação de “dar e receber dádiva/presente/benefícios”, princípios nos quais se sustentava o estado Varguista (Marcel Mauss Apud GOMES, 1988). Para a autora, “quem dá cria sempre uma relação de ascendência sobre o beneficiário, não só porque dá, mas principalmente porque espera o retorno”. Nessa relação, “quem recebe cria certo tipo de vínculo, de compromissos, que desemboca naturalmente no ato de retribuir. A não retribuição significa romper com a fonte de doação de forma inquestionável” (GOMES, 1988, p. 248). 21 O autor observa o caráter excessivamente amplo dessa definição antropológica que reconhece como cultura tudo o que não é geneticamente transmissível. 22 Essa observação é feita por Motta (2009), referindo-se aos historiadores Serge Berstein, René Rémond, dentre outros. 27 As entrevistas realizadas com eleitores e políticos que vivenciaram o período aqui estudado fornecem os elementos para uma interpretação das relações políticas sustentadas nas redes de favores e das relações de amizades tomadas como variáveis dessa prática. O voto ou adesão a uma das facções em disputa no município era justificado quase sempre com o recebimento de um favor: Eu votei muitas vezes com o grupo de Zé Marques porque devia favores... Quando queria uma consulta eu ia lá. Então eu votei muitas vezes nos candidatos dele sem nem saber quem era, só que ele pedia o voto para os candidatos dele eu... não tinha compromisso nenhum com ninguém né? Aí votava. Eu tenho lembrança que eu votei umas onze vezes para candidatos de Zé Marques (...) a governador, pra ele, (...), pra deputado estadual, deputado federal... (Entrevista com João José). O recebimento de favores no interstício entre as duas eleições colocava o eleitor numa condição de devedor, e as eleições constituíam o momento de saldar a dívida, mas a relação não se dava necessariamente nessa ordem, podia acontecer do voto vir primeiro mediante uma promessa do candidato que deveria ser saldada após as eleições. É importante observar que os compromissos entre candidato e eleitor nem sempre eram explicitamente firmados. Ao receber um favor implícita ou explicitamente, o eleitor ficava na condição de devedor, assim como votar em um candidato, ou seja, aderir a uma facção, implicava um acordo entre candidato e eleitor. Os favores, dentre outros, iam de atendimento médico a empregos públicos em uma relação que extrapolava os limites do município e se davam com agentes da política estadual. Uma carta endereçada ao deputado federal José Ribamar de Faria Machado, como resposta a um pedido de apoio político, datada de sete de julho de 1986, é um exemplo de troca de apoio político por favores pessoais entre lideranças municipais e figurões da política estadual. Nesta carta, o remetente escreve: “O Sr. me comunica sua reeleição e com toda segurança, sabendo da minha lealdade já há em muitas eleições, quer agora a minha resposta positiva sobre o assunto! Vou dá-la: Eu e minha família estamos com o amigo! Como disse, e não é de hoje!”, todavia o apoio era condicionado a um pedido, neste caso, de um emprego público: Mas como amizade e solidariedade são coisas mútuas, pensaria agora também, em solicitar do amigo, um favor: tenho em São Luiz, um filho estudando; chama-se R. A. C. S.; com segundo grau completo, treinando para vestibular para a Universidade! Mas como filho de pobre, e por isso precisa trabalhar, eu contaria com sua preciosa ajuda, aí, em nossa capital para um emprego (...) conto com o amigo! E se tiver imediata alegria deste 28 meu sonho, o Sr. poderá ainda, para esta eleição, contar com nosso trabalho, o máximo possível, em seu favor.23 O deputado em questão obtivera em eleições anteriores uma expressiva votação no município. Apoiado pela Embroma, conquistou 2.535 votos em 1978, e 2.570 em 1982.24 Para a eleição de 1986, buscava estabelecer os contatos que lhe possibilitassem repetir o bom desempenho. É importante observar que o uso do favor como moeda de troca é um fenômeno característico das eleições municipais no Brasil, não constituindo, portanto, uma especificidade do município em questão. Palmeira; Heredia (2010), em seus estudos sobre eleições municipais no Brasil, observam que o voto nos pequenos municípios constitui muito mais uma adesão a determinada facção do que uma escolha individual, adesão firmada via compromisso decorrente de um favor: “A lealdade política, lealdade do voto, é adquirida via compromisso: ela não implica, necessariamente nem ligações familiares nem vinculação a um partido, mas tem a ver com o compromisso pessoal, com favores devidos a uma pessoa” (PALMEIRA; HEREDIA, 2010, p. 19). Nessa relação de favor, o voto aparece como uma ajuda, e ajuda pode significar aqui um favor. Ao votar em um candidato, o eleitor está prestando-lhe uma ajuda, geralmente feita mediante uma promessa que deve ser saldada após o processo eleitoral. Caso o eleitor já tivesse uma dívida com o candidato, o voto seria a retribuição, o pagamento do favor. Essas ponderações não eliminam outros critérios na orientação das tomadas de posição, visto que o comportamento dos familiares de um candidato poderia pesar negativamente nas adesões. Um exemplo é o candidato do Sebo, Oziel Souto Pereira Matos, que, mesmo desfrutando de respeito e lançado mão dos mesmos dispositivos dos seus adversários, foi derrotado em duas eleições seguidas (1965 e 1969). Dentre as motivações para esse fracasso eleitoral era apontada a conduta de alguns dos seus familiares. Oziel era um homem trabalhador ele era dono (...) do Engenho do Jatobá, trabalhava com gado, tinha um gadinho. E... foi eleito vereador. Foi candidato a vereador e se elegeu. Agora o que derrotou Oziel Matos não foi ninguém, foi a própria família dele. Ele tinha dois irmãos muito ordinário: um era ladrão, ladrão de cavalo (...), não sei se tu já ouviu falar. Tinha um R. M., sobrinho dele que matou uma pessoa à toinha, lá no Jatobá, lá no terreno dele. Tinha um outro irmão por nome P. que era brigador, brigava em festa 23 Esta carta encontra-se no arquivo do padre Wilson Cordeiro, pároco da cidade entre 1958 e 2006. Este arquivo dispõe de acervo bibliográfico, coleções de disco LP, cartas e recortes de jornais. Tivemos acesso a estes documentos através de amigos, que achamos por bem preservar sua identidade. 24 Em 1978, 2.535 votos corresponderam a 42,74% dos votos válidos que totalizavam 5.931 (boletim eleitoral n.º 340, p. 31- TRE-MA). 29 como o diabo. E aí... isso aí destruiu ele. Quer dizer, ele era trabalhador, ele não tinha esses defeito, mas a família tinha. Então, o que é que o povo pensava: ele eleito... sem ele ser prefeito eles pintam e bordam! Faz um cálculo ele sendo prefeito, tendo a cobertura do irmão não é?! Aí por isso ele nunca ganhou uma eleição. Na minha opinião, o que atrapalhou a política dele foi isso: os irmãos (Entrevista com João José). Outra questão relevante a ser destacada nas relações de favores é que pressupõe também um vínculo de amizade, a troca pressupunha um pacto de amizade entre doador e receptor. Na carta citada acima, as palavras amizade e solidariedade são colocadas em uma relação de reciprocidade. O eleitor, após destacar sua lealdade de muitas eleições, reafirma seu apoio ao candidato: “eu e minha família estamos com o amigo”, todavia a amizade não é incondicional, requer uma contrapartida: “mas como amizade e solidariedade são coisas mútuas, pensaria agora em solicitar do amigo um favor”. O termo amigo acompanha o desenrolar da carta: “conto com o amigo” e encerra: “com toda sinceridade o velho amigo”. O uso político do favor, assim como as relações de amizades como dispositivos eleitorais, são constitutivos das práticas políticas no Maranhão.25 Santos (1980), ao analisar o predomínio político de Victorino Freire no estado, observa a inserção deste agente naquilo que define como “a ideologia do favor”, caracterizada pelas relações de amizades costuradas entre Victorino e seus aliados tanto na política nacional como estadual. Para o autor O eixo do que poderíamos chamar de „ideologia do favor‟ reside na noção de amigo. Para Victorino, todo superior hierárquico, em que pesem as filiações partidárias, constitui um amigo, pelo menos em potencial. Amigo é, para Victorino, aquele que possui mais poder do que ele, e a quem pode recorrer para usufruir de um benefício. Amigo é ainda aquele que, embora inferior hierarquicamente, isto é: detendo menor poder do que ele, dá demonstração de lealdade política, aceitando-lhe o comando (SANTOS, 1980, p. 64). Analisando o livro de memória de Victorino Freire, Santos (1980) observa que este usa sistematicamente o termo amigo para se referir aos seus aliados. Os pares antitéticos amigo-inimigo davam a tônica da política vitorinista em uma lógica do tudo ou nada: “„Para os amigos tudo para os inimigos nada‟ – lema victorinista muitas vezes repetidos com o intuito de reforçar os laços de dependência e fidelidade ao velho cacique” (SANTOS, 1980, p. 64). Neste caso, assim como na carta citada acima, o uso repetido do termo “amigo” não pode ser tomado somente como uma estratégia de persuasão dos agentes para atingir seus objetivos, pois isso seria reduzir a questão a puro jogo estratégico e descartar os vínculos afetivos que, 25 Não podemos perder de vista que o uso do termo “amigo” pelo autor da carta pode ser interpretado, também, como uma estratégia para conquistar os objetivos desejados. 30 concomitantes ao interesse, permeiam as relações sociais, seria simplificar um problema cultural a um jogo de interesse e ignorar, a “ética emotiva” que caracterizaria nossas relações políticas (BUARQUE DE HOLANDA, 1995). Para além de puro jogo estratégico, é possível abordar a questão em uma perspectiva cultural. Ao analisar a formação do estado brasileiro, a partir da ótica patrimonialista, Sérgio Buarque de Holanda (1995) vê no trato da coisa pública a predominância “das vontades particulares”. Fruto de uma educação familiar do tipo patriarcal, o brasileiro seria “o homem Cordial” que teria no seu repertório de virtudes “a lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade”, virtudes derivadas do círculo familiar e que em outros espaços de sociabilidades aparecem “no desejo de estabelecer intimidades” (BUARQUE DE HOLANDA, 1995, p. 146, 148). Desejo de intimidade presente no pendoroso uso dos diminutivos: “a terminação „inho‟, aposta às palavras, serve para nos familiarizar mais com as pessoas ou os objetos e, ao mesmo tempo, para lhes dar relevo” (BUARQUE DE HOLANDA, 1995, p. 148). É nessa linha de raciocínio que dentre nós, conforme o autor, a santa Teresa de Lisieux chama-se “santa Teresinha”. A relação de intimidade não dispensaria nem os espaços sagrados. Segundo o autor, o catolicismo à brasileira trata os santos com tanta intimidade que chega a ser desrespeitoso: “os que assistiram a festa do Senhor Bom Jesus de Pirapora, em São Paulo, conhecem a história do Cristo que desce do altar para sambar com o povo” (BUARQUE DE HOLANDA, 1995, p. 149). Embora essa cordialidade do brasileiro seja um assunto complexo, uma vez que constitui uma abordagem genérica, não contemplando as especificidades dos diferentes espaços nem as variações históricas assumidas em cada época, pode ser tomada, em seus aspectos gerais, como referência para se pensar como as relações de amizade vêm sendo evocadas no jogo das disputas políticas, constituindo uma prática cultural. Ainda em conformidade com Buarque de Holanda (1995), o Brasil estaria tão marcado por essa “ética de fundo emotivo” que nem nos setores dominados pela concorrência ela estaria ausente: “um negociante da Filadélfia manifestou certa vez a Siegfried seu espanto ao verificar que, no Brasil como na Argentina, para conquistar um freguês tinha necessidade de fazer dele um amigo” (BUARQUE DE HOLANDA, 1995, p. 149). Nas entrevistas realizadas para esta pesquisa, a questão da amizade é sempre mencionada quando se perguntam os motivos da ascensão política de uma liderança: “era tudo na base da amizade”, “Zé Marques tinha muitos amigos”. A ex-prefeita Derze Barros, ao se referir a José Gonçalves, diz: “ele era um homem que sabia fazer amigos”. Fica implícito na sua fala que cativar amigos relacionava-se também com a prática do favor. A afirmação: “eu 31 fiz muitos amigos”, seguido de “dava registros de crianças”, “realizava casamento”, apontam para essa relação.26 A adesão e lealdade do eleitor a uma das facções estavam condicionadas à manutenção das relações de favores e de amizades. A quebra do pacto por uma das partes podia implicar rupturas e, portanto, migrações para outras facções. Foi assim que uma eleitora do Sebo justificou sua adesão e a do marido à facção adversária: “Ele era também do Sebo. Depois foi que nós passamos pro outro lado. Houve uma indiferença, mas porque ele foi baleado e aí o pessoal de Zé Marques apoiaram (sic) o cara... A gente se aborreceu e passou pro outro lado”. A eleitora, ao mesmo tempo em que justifica sua ruptura com a quebra do vínculo de amizade, fundamenta sua adesão com o estabelecimento do novo vínculo com outro personagem: Ele era muito amigo do Zé Gonçalves. Quando nós fugimos pra casar, nós fomos pra casa de Zé Gonçalves. Nosso casamento foi lá, na casa dele. E aí a gente não tinha como se afastar. Aí ele entrou na política e a gente acompanhou com ele. E ele era uma pessoa muito prestativa mesmo. Ele era... Ele dizia que a primeira família que ele conheceu, que ele fez amizade em Penalva, foi a minha (Entrevista com Maria José). As relações de amizades justificavam as alianças políticas, assim como as migrações para outras facções. A ex-prefeita Derze Barros, ao tratar das migrações interfaccionais, afirma: A política aqui foi sempre engraçada. Porque Zé Gonçalves foi amigo de Wilson; depois, Wilson já não era mais amigo de Zé Gonçalves, já era amigo de Zé Marques; depois, Wilson já não era mais amigo de Zé Marques, já era amigo de Oziel: sempre foi assim, ninguém foi fiel a ninguém o tempo todo (Entrevista com Derze Rodrigues Barros). A despeito da afirmação do eleitor que, segundo a entrevistada, afirmava que o “sebo era uma devoção”, as migrações interfaccionais eram comuns em ambos os grupos, tanto é, que, conforme a citação, Wilson Marques transitou por ambas as facções. Mas o interessante neste trecho é que a palavra “amigo” aparece como sinônimo de aliado. Ao dizer “era amigo de Zé Marques”, deve-se entender, era aliado político. Essa relação de sinonímia entre estas palavras era tão óbvia para os contemporâneos, que não precisava ser explicada. Em consonância com a rede de favores, as relações de amizade eram fundamentais para o êxito eleitoral. É muito comum os candidatos justificarem suas vitórias com a 26 Derze Barros era escrivã do Cartório do 2.º Ofício, isso a credenciava a realizar casamentos. 32 expressão: “eu tinha muitos amigos”, assim como “ele tinha muitos compadres”. Ter muitos compadres era outro elemento importante para a ascensão política. Nas missas, Zé Gonçalves reunia uma legião de afilhados a serem batizados; há quem diga que se chegava a formar filas. Outros exemplos de políticos bem sucedidos somavam expressivo número de afilhados. João Amado Nunes Fonseca, vereador em cinco legislaturas (entre 1963-1982) e vice-prefeito entre 1983-1988, reunia mais de 400 compadres. Florêncio Privado, vereador entre 1989 e 1996, confessou-nos ter mais de 200. De modo que ter muitos compadres significava ter muitos amigos de onde dependia o êxito eleitoral.27 É importante observar que em pequenos municípios como Penalva, candidatos e eleitores estabelecem uma relação muito próxima, o candidato conhece seu eleitor, o chama pelo nome, conhece seus filhos e esposa, toma cafezinho e até almoça em sua residência, é um amigo da família. De outro modo, o eleitor não o veria com bons olhos. A essa relação caracterizada por trocas mútuas constitutivas do modo de se fazer e pensar a política no município, referimo-nos como cultura política do favor. 2.2.1 Zé Marques e Zé Gonçalves: operários da cultura política do favor José Luiz Marques e José Duarte Gonçalves são dois personagens que personificam nas suas trajetórias, de forma contundente, a maneira de se fazer política no município. Ambos, cada um a seu modo, fizeram uso sistemático de uma rede de favores que lhes garantiu notoriedade política, dando-lhes sustentação entre 1969 e 1983, no caso do primeiro, e 1970-1988, no caso do segundo. Zé Marques ingressou na carreira política em 1950 como vereador. Foi nessa mesma década que instalou no município uma farmácia, que funcionava também como consultório médico.28 Mesmo não sendo médico de formação, chegava a realizar partos e cirurgias de alto risco, como a extração de projétil. Seus clientes pagavam apenas os remédios, as consultas eram realizadas como favor, o que deixava o cliente em situação de devedor. Sobrevive na memória dos penalvenses a imagem deste como o médico da cidade. Histórias de pessoas que se deslocavam para São Luís em busca de tratamento médico mal sucedido, que, retornando a Penalva, eram tratadas por Zé Marques, circulam pela cidade até hoje; “ele era o médico da cidade”, diz Maria José. 27 O sucesso eleitoral dependia de como essas variáveis eram articuladas O sistema de saúde pública da cidade era, como ainda hoje, bastante precário. Foi somente em 1979 que o município inaugurou seu primeiro Hospital, com recurso do FUNRURAL (Jornal dos Municípios, 8 jul. 1979). 28 33 Às vezes a pessoa ia em São Luís, consultava, fazia exame, tudo, não dava nada, resultado nenhum a medicação. Chegava aqui, passava pra Zé Marques, ele tratava, botava a pessoa boa. Ele só não fez aqui, seção (...) ginecológica, (...) mas ele fazia parto e quando perigava mesmo, ele extraía a criança e tudo, e Deus sempre ajudou que deu sempre tudo certo. E aí ele foi conquistando o povo, né?! (Entrevista com Maria José). Alguns memorialistas expressam uma visão mitificada deste personagem. Raimundo Balby, em Nos tempos do Cine Trianon, refere-se a este como um “enfermeiro brilhante”, um “autêntico mito no setor de saúde em Penalva” (BALBY, 2000, p. 107). Nas palavras de Carlos Alberto de Sá Barros, “Zé Marques fez do ofício um sacerdócio. O povo lhe depositava tanta confiança e fé que, ao longo dos anos, tornou-se um mito na região” (BARROS, 1985, p. 117). A imagem é de um homem que encarnava o espírito do povo da cidade: “de espírito esportivo e brincalhão, encontrava sempre um tempo, entre uma consulta ou um curativo, para um gracejo e uma boa piada” (BARROS, 1985, p. 117). Foi desempenhando o trabalho de médico, prestado na forma de favores, que Zé Marques adquiriu notoriedade política que lhe garantiu a prefeitura em 1966-1969 e a vereança em 1971-1972, além de canalizar expressivas margens de voto para seus candidatos a deputado federal e estadual. Figura 1: José Luiz Marques (BARROS, 1985). Zé Gonçalves, por sua vez, conforme já apontado, chegou ao município no final dos anos 1950, como gerente da empresa Bento Mendes. Devido a sua demissão, retornou a São Luís, voltando ao município alguns anos depois como gerente da OLEAMA-S/A, que atuava 34 no mesmo ramo. É a partir daí que constrói sua notoriedade política. A posição de gerente dessas empresas possibilitou não só o capital financeiro necessário para sua estratégia clientelista, mas também as relações com comerciantes de arroz e babaçu da zona rural. Vale lembrar que até meado dos anos 1980, o município não tinha agência bancária, e estas empresas funcionavam também como uma espécie de casa de câmbio, conforme já citado. Assim, estabeleceu uma teia de relações que reunia comerciantes e transportadores de arroz e babaçu. Favorecido pelo prestígio social que sua posição permitia, ocupou lugares de relevo no município, como a presidência da Associação Comercial, foi diretor do Grêmio Recreativo Cultural Penalvense, clube que reunia a elite econômica e política “branca” 29 do município. Ocupando esses lugares, a notoriedade de José Gonçalves foi ganhando densidade e, convertida em capital político, rendeu-lhe uma cadeira na Câmara Municipal na eleição de 1970, a prefeitura em 1973-1976 e em 1983-1988, além de “eleger” seu sucessor João Francisco Mendes no interstício 1977-1982. Ainda é muito presente na memória da cidade a imagem deste como um político à frente de seus concorrentes: “esse tempo aqui era um pouco atrasado, aí Zé Gonçalves, mais entendido, começou se entrosar, inclusive luz [elétrica] foi ele quem conseguiu” (Entrevista com João Francisco Mendes). A representação deste como realizador de obras pioneiras é destacada em Terreiro Grande, obra literária de Carlos Alberto de Sá Barros (1998, p. 127): Os primeiros meses da administração de Zé Coco [José Gonçalves] foram cercados de muita movimentação. Frentes de trabalho transformaram as ruas em canteiros de obras. Amigos, correligionários e bajuladores do prefeito Zé Coco formavam verdadeiras romarias e acompanhavam de perto o calçamento das ruas. Muitos até se ausentaram dias e dias do trabalho para assistir à colocação das pedras de paralelepípedo nas ruas da cidade.30 Uma vez prefeito, através do uso patrimonialista dos recursos públicos, intensificou os laços de dependência entre o governo e a comunidade. As palavras dos seus correligionários e adversários apontam para a recorrência de uma política assistencialista em larga escala a partir do uso de recursos públicos: “quando se pedia merenda [escolar], se eram cinco mil alunos, se pedia pra dez. Que era pra sobrar pra dar pro povo”, diz uma funcionaria da prefeitura na época: 29 Cf. Balby (2005), o grêmio foi fundado em 1959 e era destinado à elite “branca”; “negros” e mulheres “mal faladas” não tinham acesso. 30 Terreiro Grande é o nome fictício do município de Penalva. Zé Coco é como o autor se refere a José Duarte Gonçalves devido a sua atividade comercial com coco babaçu. 35 Quando era Semana Santa ele mandava distribuir farinha seca, lá no Mercado. Época de Natal, ele dizia: Dobra aí a merenda! [...] Aumenta o pedido porque no natal a gente tem que distribuir (...). Ele comprava o arroz porque não vinha na merenda. Quando vinha era aquele rizoto e o pessoal encarava, né? Aí ele comprava arroz, farinha d‟água porque só vinha farinha branca, né? [...], mandava matar boi e cortar todinho, pedaços de quilo e meio [..]. Pra casa dele não ia uma isca, era todinho pra dar pro povo. Ele dizia: „eu posso comprar carne!‟ Aí se distribuía aquele monte de cartãozinho. Quando foi o ano que ia se dar a carne lá. Ah rapaz! quando começou a distribuição era carne, era arroz, era farinha, óleo, macarrão.[...]. (Entrevista com Maria José). A distribuição de cestas básicas acontecia, sobretudo, durante a Semana Santa e o Natal, datas estratégicas, visto que comportam um sentido religioso que poderia ser associado a sua imagem. Esse assistencialismo rendeu a Zé Gonçalves o título de “pai dos pobres”, aquele que tirava da boca para saciar a fome dos seus pobres filhos: “Às vezes chegava gente: oh Seu Zé, eu ainda não comi hoje... Ele dizia: Abreu vê o que tem aí, meu filho. – Dona Aparecida já deu a sobra do jantar, só tem o seu! – Dá meu filho, dá que eu como um ovo. Mandava Zé Abreu dar a comida e ele comia ovo” (Entrevista com Maria José). Figura 2: Santinho distribuído na eleição de 1982. 36 As representações deste são de “uma pessoa que não tinha raiva de ninguém”, que cativava as crianças com bombons que eram jogados nas ruas; um político caridoso que tirava da boca para dar àqueles que precisavam, atitudes interpretadas como ato voluntário, gratuito e generoso de um político que “dava sem olhar a quem”. Estas imagens não só constituem o imaginário político de grande parte dos penalvenses como explica a própria aceitação deste em uma cena política polarizada por facções tradicionais: “Zé Gonçalves, quando chegou aqui (...) foi tachado de forasteiro, a princípio, e depois ele [foi] transformado em homem caridoso porque ele (...) trazia as coisas para os pobres...” (Entrevista com Lucília Martins). Mariano Mendes o apresenta como um político que, conhecendo as necessidades das pessoas carentes, usava dinheiro do próprio bolso para equacionar a miséria do “povo”, o que teria acentuado a dependência dos cidadãos em relação ao governo. Eu não sei se ele tinha má fé, mas pelo que eu via, ele foi o cidadão que acostumou até o pessoal de Penalva [...] a pedir, porque ele achava que o prefeito devia dar a qualquer um que precisasse [...], ele amanhecia o dia já com o dinheiro trocadinho no bolso - Seu Zé eu quero um particular com... – Diga o que você quer? Seu Zé pro Sr. me arrumar um dinheiro pra mim ir ali na praia31, ele metia a mão no bolso... Taqui, hum! Vai com Deus... - Foi um costume que ele fez no povo (Entrevista com Mariano Mendes). Mesmo seus adversários o descrevem com essas características. Maria Joaquina, assim como Mariano Mendes, o representa como o instituidor de uma prática política viciada: “aqui, ninguém dava nada pra ninguém, se disputava uma eleição pela simpatia, por favores. Então, ele aqui começou viciar o povo dando coisas, dando dinheiro, dando isto, aquilo, aquilo outro.” O uso destes dispositivos eleitorais por Zé Gonçalves é colocado em termos de jogo estratégico de um político que buscava apresentar-se como “pai dos pobres” a fim de obter resultados eleitorais: “Então pode se dizer assim: ele era o pai das pessoas carentes, assim ele se intitulava, [...] então ele foi a pessoa que instituiu esse negócio de pedir, de se dar, porque antigamente se votava era pela simpatia, por favores” (Entrevista com Maria Joaquina Gonçalves). As duas afirmações acima, embora estejam condicionadas aos lugares que os agentes ocupavam nas disputas (Maria Joaquina pertencia à facção adversária), apontam para uma mesma direção, a mudança na relação eleitor/candidato ou cidadão/governo. A esse respeito pode-se fazer algumas ponderações: primeiro é que na sua condição de outsider, Zé Gonçalves precisou intensificar as relações de dependência para poder ganhar espaço naquele 31 Praia, no município, é o local de comercialização do pescado localizada à beira do lago Cajari. 37 cenário político dominado por outros atores. Outro ponto importante reside no próprio conceito de clientelismo e as características históricas que este vinha adquirindo no município por conta das mudanças em curso que o Brasil já enfrentava havia bastante tempo, tais como urbanização, organização da sociedade civil, etc. Carvalho (1999), por exemplo, ao discutir os conceitos de mandonismo e clientelismo, observa que ambos, como práticas políticas, perpassam toda a história do Brasil, entretanto, enquanto o primeiro teve uma trajetória decrescente devido ao metabolismo social imprimido pela organização da sociedade civil, o segundo permanece sofrendo mutações e adquirindo características específicas em diferentes contextos: De algum modo, como o mandonismo, o clientelismo perpassa toda a história política do País. Sua trajetória, no entanto, é diferente da do primeiro. Na medida em que o clientelismo pode mudar de parceiros, ele pode aumentar e diminuir ao longo da história, em vez de percorrer uma trajetória sistematicamente decrescente como o mandonismo. (CARVALHO, 1999, p. 134). D‟Ávila Filho (2007, p. 13), ao criticar a concepção defendida por grande parte da literatura que analisa esse conceito vendo clientelismo como “resíduo” de sociedades tradicionais, sinônimo de “atraso” que seria superado com a urbanização/modernização da sociedade, sustenta, ao contrário, que “o clientelismo permanece onde houver relações assimétricas de poder e atores sociais dispostos a trocar benefícios”. Em Penalva, até os anos 1980, verifica-se um forte controle dos proprietários rurais sobre o voto da população. Estes chamados de “chefes políticos” ou de “Capitães do Mato”32, exerciam um poder sustentado no uso da terra. Circula pela cidade a história de certo proprietário rural, candidato a vereador, que, ao ser informado da existência de um voto contrário a sua candidatura na sessão eleitoral de um povoado localizado em suas terras, teria mostrado muita indignação; este teria saído esbravejando pelo lugarejo, afirmando que queria saber quem foi esse que teve coragem de votar contra ele, descobrindo em seguida que o voto foi do presidente da seção eleitoral que residia na sede do município e que, portanto, estava fora das suas malhas eleitorais (Entrevista com Maria da Glória Mendes). Os candidatos, durante as eleições, recorriam a esses “chefes políticos”. Essa relação de mando começa a sofrer algumas alterações, e os candidatos e governos passam, ainda que modestamente, já nos anos 1980, a estabelecer uma relação mais direta com os eleitores, o que incluía a compra de votos. As palavras de João Francisco Mendes expressam essa mudança: 32 Mariano Mendes, em entrevista, se referiu aos proprietários rurais como “capitães do mato”. 38 Eu mandei muito tempo no São Brás, depois é que o pessoal foi se saindo, sabe como é... a evolução vai entrando na pessoa. Mas, não foi por ruindade minha, foi porque... hoje cada um achou seu jeito. Hoje ninguém mais manda em ninguém, hoje em parte nenhuma alguém diz: “Esse povoado é meu!”. Não tem. Ele pode ter dois, três amigos, mas pra mandar, não tem mais nenhum... (Entrevista com João Francisco Mendes).33 Portanto, a acusação a José Gonçalves pode estar relacionada a essa nova característica assumida pelo clientelismo que corresponde às mudanças sociais decorrentes da urbanização, organização da sociedade civil, etc., já em curso no município.34 Entretanto, é importante frisar, Zé Gonçalves contava com o apoio de proprietários rurais que exerciam muita influência sobre o eleitorado: Raimundo Coelho no Capivari, Benedito Corrêa no Buritiatá, Antero Penha no Jacaré, etc.35 De acordo com as falas acima, há uma distinção entre o favor em troca de voto: “se disputava uma eleição pela simpatia, por favores” e o voto em troca de vantagens financeiras e outras benesses: “ele aqui começou viciar o povo dando coisas, dando dinheiro”. O uso de vantagens financeiras em troca de voto, nesse período, era um dispositivo acionado por todas as facções que participavam do processo eleitoral, a diferença fundamental, segundo Palmeira; Heredia, (2010), residia no uso do dinheiro sem a mediação do compromisso: O que é condenado é o uso do dinheiro ou de outros bens sem a mediação do compromisso para desfazer compromissos preestabelecidos como modalidade exclusiva ou principal de tentar obter votos; ou a utilização de quantidades de dinheiro no processo eleitoral não proporcionais à capacidade financeira dos demais candidatos; ou a mercantilização de certos elos das redes sociais que se estabelecem no tempo da política, até então preservados (PALMEIRA; HEREDIA, 2010, p. 21). Outra questão importante na crítica a Zé Gonçalves é que este fazia uso dos favores, entendidos aqui também como vantagens pecuniárias e doação de cestas básicas, fora do tempo da política, o que deixava a outra facção em desvantagem, visto que além de onerar os gastos, violava a compreensão que se tinha da própria política como circunscrita a um tempo, ou seja, ao processo eleitoral. Sobre a eficácia da prática clientelista acionada por este, seguindo as recomendações de D‟Ávila Filho (2007), deve-se analisar em uma via de mão dupla, ou seja, tanto ex parte 33 João Francisco Mendes foi vereador em duas legislaturas, 1967-1970 e 1971-1972; vice-prefeito entre 19731976; e prefeito de 1977 a 1982 (MENDES NETO, 2009). 34 A colônia de pescadores, fundada nos anos 1960, e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, fundado em 1972, apontam para uma alteração na organização da sociedade civil. 35 As mudanças se referem, sobretudo, ao eleitorado urbano. 39 principis quanto ex parte populis. No primeiro caso, as benesses do candidato ou do governo criam laços de dependência que lhe possibilita a submissão política e, portanto, resultados eleitorais. Os bens aqui distribuídos não chegam como obrigação do estado, como direito de uma população carente, mas como favor feito a um amigo que deve retribuir na forma de fidelidade política. Por outro lado, pode ser pensado como uma estratégia política de uma população carente de um conjunto de benefícios arrolados oficialmente como direitos, que políticos gostariam de apresentar como favores. Clientelismo aqui deve ser encarado, conforme D‟Ávila Filho (2007, p. 9), “como um instrumento de ação popular na busca por auferir benefícios que, de outro modo, dificilmente poderiam ser alcançados pelos canais formais da política”. Foi fazendo uso do favor em larga escala, atuando como médico (no caso de Zé Marques), ou fazendo doações de cestas básicas e outras benesses (no caso de Zé Gonçalves), que estes personagens construíram seus capitais políticos; aliás, fazer política nos pequenos municípios brasileiros “significa fazer favor numa escala que extrapola o grupo de „iguais‟” (PALMEIRA; HEREDIA, 2010, p. 127). 40 3 JINGLES ELEITORAIS: a retórica das disputas políticas Compreender a música como um importante dispositivo para se pensar histórias tem sido um lugar-comum para grande parte dos historiadores. A fertilidade desta fonte documental se justifica, como bem observou Marcos Napolitano (2011, p. 235), pelo fato de “vivermos em um mundo dominado por imagens e sons” em que cada vez mais “tudo é dado a ver e a ouvir”. Assim, trataremos neste capítulo do jingle político-eleitoral, um tipo específico de música política que expressa o modo como as facções políticas do município de Penalva exerciam essa atividade. Ao se analisar as músicas nos seus elementos poéticoverbais, nota-se que estas tanto expressam os embates políticos, através de suas letras, quanto constituíam os modos de exercer essa atividade. Portanto, a “produção musical não pode ser identificada como um mero reflexo” da realidade, elas estão “entrelaçadas num processo interno de influência mútua” em que “são simultaneamente constituintes e constituídas, que em sua repetição e circularidade produzem e reproduzem sistemas que organizam, expressam e regulam comportamentos” (apud BORGES, 2007, p. 1). Nessa perspectiva, além de pensarmos o jingle como expressão da cultura política e dos imaginários, o entendemos como constituinte desta, visto que fazia parte dos dispositivos acionados nas disputas eleitorais. Mas antes de adentrarmos no marco cronológico da nossa pesquisa, faremos um breve esboço sobre o uso de músicas políticas no Brasil em diferentes períodos da República brasileira, no que se refere às disputas em âmbito nacional e, em seguida, a partir da literatura que discute o tema, nosso entendimento do que seria um jingle eleitoral. 3.1 “VAI COMEÇAR O GRANDE JOGO PARA A CONQUISTA DA TAÇA OFERECIDA PELO CATETE FUTEBOL CLUBE”: música política no Brasil. Em 1929, quando a política do café com leite deixava de ditar os rumos dos arranjos políticos no Brasil, no que se refere às indicações para as sucessões presidenciais, a voz marcante de Francisco Alves narrava, em ritmo de marchinha, o tom da corrida presidencial: “vai começar o grande jogo para a conquista da taça oferecida pelo catete futebol clube” (apud MARTINS, [s.d.]). De um lado do campo, ou seja, de um lado do jogo político, estava o “combinado A”, que tinha como capitão “seu Julinho” (Júlio Prestes), candidato apoiado pelo “Juiz: doutor Macaé, muito digno presidente do Catete Futebol Clube” (Washington 41 Luis, então presidente da República). Do outro lado estava o “combinado B”, capitaneado por “seu Tonico” (Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, presidente do Estado de Minas Gerais). Tudo pronto, o juiz apita para o início da partida: “Seu Tonico sem razão. / Ao juiz desatendeu, / E foi tal sua afobação, / Que a cabeça até perdeu. / O juiz, que é da barbada, / Seu Tonico pôs pra fora. / E gritou pra rapaziada: / Toca o bonde, tá na hora!” (apud MARTINS, [s.d.]). Narrando de outro modo, a resistência do presidente Washington Luís em não indicar um mineiro para a sucessão presidencial levou à ruptura do pacto “política do café com leite” e consequentemente a saída de Antonio Carlos do páreo. Foi nesse contexto que o gaúcho Getúlio Dornelles Vargas, entrou na partida: “Pra vencer o combinado brasileiro. / Diz Getulinho: „É sopa, é sopa, é sopa‟”, constatação imediatamente rebatida no mesmo tom: “Paraibano com gaúcho e com mineiro. / Diz o Julinho: „É sopa, é sopa, é sopa‟.” O esquema montado pela “política dos governadores” tornava a tarefa de derrotar o candidato da situação extremamente difícil, de modo que a derrota do Getúlio Vargas e o paraibano João Pessoa (candidato a vice-presidente) era dada como certa, apesar do “é sopa, é sopa, é sopa” do “Getulinho”:36 Foi pro gol o seu Tomé, Bonde errado e sem coragem. A torcida não fez fé. Houve então bruta lavagem. Pra jogar bem futebol Só paulista e carioca. Chova muito ou faça sol, É no pau da tapioca. (apud MARTINS, [s.d.]). Essa metáfora futebolística, além de revelar as disputas da época, aponta para a recorrência do uso político de músicas no Brasil. Ao fazer um breve percurso pela nossa história republicana, é possível observar como estas tanto expressam quanto constituem uma intervenção nos debates políticos. Em passeio por alguns momentos da nossa história, tanto em períodos considerados relativamente “democráticos”, no que se refere à liberdade de expressão e o direito ao voto (Republica Velha, 1989-1930; Redemocratização, 1945-1964), quanto em período de ditadura (Estado Novo-1937-1945 e Ditadura Militar 1964-1985), é possível verificar a recorrência de um amplo repertório musical com variados sentidos e intenções políticas. 36 Estas e outras músicas citadas estão disponíveis em: <http//www.franklinmartins.com.br/som_na_caixa.php>. 42 Durante a “República Velha” (1889-1930), eram recorrentes composições musicais sobre temas políticos. As práticas políticas, como a compra de voto, as revoltas e outros acontecimentos, eram descritos pelos músicos através de suas canções em uma linguagem predominantemente satírica. Foi assim que, ainda no império, quando o debate sobre a proclamação da República era a pauta da vez, a expulsão da vendedora de laranjas da entrada da faculdade de medicina do Rio de Janeiro, em julho de 1889, pela polícia, provocou protestos por parte dos estudantes tornando-se música na composição de Aluísio Azevedo. Já na República, a Cançoneta “Vacina obrigatória”, de 1904, cantada por Mário Pinheiro, expressa a resistência à campanha de erradicação da varíola no Rio de Janeiro, que desembocaria na sangrenta Revolta da Vacina (MARTINS, [s.d.]): Anda o povo acelerado com horror a palmatória / Por causa dessa lambança da vacina obrigatória / Os manatas da sabença estão teimando desta vez / Em meter o ferro a pulso bem no braço do freguês. E os doutores da higiene vão deitando logo a mão / Sem saber se o sujeito quer levar o ferro ou não / Seja moço ou seja velho, ou mulatinha que tem visgo / Homem sério, tudo, tudo leva ferro, que é servido. Bem no braço do Zé povo, chega um tipo e logo vai / Enfiando aquele troço, a lanceta e tudo o mais / Mas a lei manda que o povo e o coitado do freguês / Vá gemendo na vacina ou então vá pro xadrez. (...). Eu não nesse arrastão sem fazer o meu barulho / Os doutores da ciência terão mesmo que ir no embrulho / Não embarco na canoa que a vacina me persegue / Vão meter ferro no boi ou nos diabos que os carregue (apud MARTINS, [s.d.]). A música traduz o caráter discricionário com que as medidas governamentais eram aplicadas pelas autoridades. Em 1903, por conta das constantes epidemias de febre amarela, peste bubônica e outras, o governo montou as “brigadas sanitárias compostas de um chefe, cinco guardas mata-mosquitos e operários de limpeza” (CARVALHO, 1987, p. 94). Essas brigadas tinham a função de sanear a cidade, exterminando ratos, pulgas e mosquitos, principais agentes transmissores dessas doenças que abundavam nas ruas e residências do Distrito Federal (Rio de Janeiro). Para garantir a aplicabilidade da medida, essas brigadas eram acompanhadas de soldados de polícia. Concomitantemente a isso, outras medidas foram tomadas com o decreto de algumas posturas pelo governo que interferiam no cotidiano dos cariocas, sobretudo no dos ambulantes e mendigos, como observa Carvalho (1987, p. 95): “proibiu cães vadios e vacas leiteira nas ruas; mandou recolher a asilos os mendigos; proibiu a cultura de hortas e capinzais, a criação de suínos (...)”. Essas medidas saneadoras, que, 43 segundo Carvalho (1987, p. 136), pretendiam transformar uma cidade “suja, pobre e caótica” numa “réplica tropical da Paris reformada por Haussmann”, proibindo seus moradores até mesmo de cuspir nas ruas, é um dos pontos de onde se pode compreender este conflito. Algumas músicas como “Pega na chaleira”, tocada no carnaval de 1909, satirizavam os bajuladores do senador Pinheiro Machado, eminência parda de governos da primeira República. “Os reclamantes”, de 1910, narra a revolta dos marinheiros contra os maus-tratos na Marinha, conhecida como a Revolta da Chibata, chefiada por João Cândido. (MARTINS, [s.d.]). Outras, satirizavam as práticas eleitorais desse início de século, caracterizadas pela troca de favores e compra de voto. Um exemplo que expressa essas práticas é “Cabala Eleitoral”, de 1904: Desejo, prezado amigo, / Com grande satisfação / De ter o vosso votinho / Na próxima eleição. Não posso, meu coroné, / O (voto) de graça eu não dou / É breve lição do meu pai / Conselho do meu avô. Eu prometo meu amigo / De lhe dar colocação / Se vancê votar comigo / Ao menos nesta eleição. Tem algo (?) essa paciência, / Meu ladino coroné, / Meu voto eu dou de espontâneo / A quem quer que me faça o pé. Eu vos dou terno de roupa / Dou cavalo, dou terneiro / Em troca do vosso voto / Dou até mesmo dinheiro. Já tenho calo na sola / Meu ladino coroné, / Hoje você me dá tudo / Amanhã me mete o pé. Eu vos quero muito bem / Meu caro eleitor amigo / Não seja tão emperrado Venha cá votar comigo. Vai armar pra quem quiser, / Coroné, sua arapuca / Eu cá sou macaco velho / Não meto a mão na cumbuca (apud MARTINS, [s.d.]). Nesta música, Baiano e Cadete, dois músicos de destaque da época, apresentam, na forma de desafio, um diálogo entre um eleitor e um “coroné”, em que o segundo busca de todos os modos convencer o primeiro a vender-lhe o voto através de promessas; prática política que ainda hoje mostra suas faces durante as eleições de grande parte dos municípios brasileiros. Para Martins (s.d.), na maioria dessas músicas “predominam a crítica, a ironia, a brincadeira, o deboche”, o que pode ser verificado na música acima. Essa inclinação traduz, segundo o autor, “uma tradição da música política no Brasil, que veio do início do Império, acentuou-se depois da guerra do Paraguai e ganhou extraordinário impulso quando foi ficando claro que a monarquia estava fazendo água.” Desse modo, criticando os “vícios e as insuficiências da República”, “„Eleições em Piancó‟, de 1912, mostra que as eleições „a bico 44 de pena‟ e a „degola‟ dos candidatos eleitos tornavam a consulta às urnas um jogo de cartas marcadas”. Outras como “Pai de toda a gente”, investiam contra a “política de governadores”, que possibilitava a concentração de poder pelas oligarquias estaduais. Nessas músicas, os apelidos dirigidos às personagens de notoriedade da República eram recorrentes: “[Artur] Bernardes era o „Rolinha‟ ou o „Seu Mé‟; Rui Barbosa, o „Papagaio louro‟; Hermes da Fonseca, o „Dudu‟; Wenceslau Brás, „São Brás, Washington Luiz, o „Bode‟ ou o „Cavanhaque‟” (MARTINS, [s.d.]). Estas se constituíam predominantemente de uma linguagem satírica; músicas que buscavam depreciar os figurões da política como a Polca “Ai Philomena”, de 1915, composta por J. Carvalho Bulhões, em que o presidente Hermes da Fonseca, que acabara de deixar o governo, era ridicularizado na voz de Baiano, conforme se pode observar: “A minha sogra / Morreu em Caxambu / Com a tal urucubaca / Que lhe deu o seu Dudu. / Ai, Philomena, / Se eu fosse como tu / Tirava a urucubaca / Da careca (cabeça) do Dudu (...)” (apud MANHANELLI, 2011, p. 77-78). Para Vera Lúcia Bogéa Borges, a música, assim como a caricatura e a charge, “evidenciaram as estratégias de luta e a convivência de setores da sociedade dentro da ordem excludente da Primeira República”. Nas relações sociais de então, “o riso era vivido como um elemento de força diante [...] daquela ordem excludente. O humor era elaborado através dos recursos disponíveis seja pela força da palavra ou do traço preciso da imagem”. Nesta perspectiva, “o riso que a imagem”, neste caso a música, “provocava não era de divertimento ou de contentamento, mas de indignação” (BORGES, 2011, p. 271-274). Essa era uma maneira dos artistas promoverem suas intervenções. Falar de política, nesses termos, era inserir-se numa lógica própria daquele tempo, era colocar-se na ordem do discurso verdadeiro (FOUCAULT, 1996), constituía um modo de fazer ou de participar ridicularizando, (ridendo dicere verum, rindo dizendo a verdade) visto que a proclamação da república não significou a abertura de canais de participação para a maioria da população brasileira. Assim, as canções da época revelam um olhar que os músicos e grande parte da população brasileira tinham da política e dos políticos, constituindo uma maneira de intervir. No Estado Novo (1937-1945), o uso de músicas cumpria a função tanto de construção da imagem pública de Getúlio Vargas quanto da construção de uma identidade nacional. Foi assim que Alcir Pires Vermelho e Alberto Ribeiro, no samba “o sorriso do presidente”, de 1942, exaltavam a exuberância dos céus e mares brasileiros: “Quem já sondou o teu céu / E já viu o teu mar / Eu sei que não poderá querer / Outro céu nem outro mar”. Contudo, “bem maior que o próprio céu / E maior que o próprio mar” estava Getúlio Vargas com seu “sorriso feliz / Alegrando o país / Onde eu nasci” (MARTINS, [s.d.]). 45 Em “o diplomata”, samba de 1943, Garoto e seu conjunto, em matéria de questões sociais, aconselham os cidadãos a resignar-se como um soldado preso em combate pelas tropas inimigas: “Que rasguem a minha roupa, botem fora o meu feijão / Que quebrem a minha louça ou destelhem o meu barracão / Podem me chamar de feio e até pisar meu calo / Te garanto, meu amigo, agüento firme e nada falo” pois esses eram os “conselhos” do seu pai que “sempre dizia”: “Só se vence nesse mundo com muita diplomacia”. Por outro lado, a música conclamava os “brasileiros do sul, do centro e do norte, soldados da liberdade”, a lutar pelo país, pois “o Brasil espera que cada um saiba cumprir o seu dever”, para que “unidos” possamos ser “fortes, para lutar e vencer” essa batalha “triste, dolorosa e bem amarga” contra aqueles que vinham ultrajando a soberania nacional. É possível identificar três momentos nessa música compatíveis com as expectativas do Estado Novo: primeiro, a resignação diante dos problemas sociais; segundo, a identificação dos inimigos e conclamação dos brasileiros a lutar pela pátria; e por fim, um argumento motivacional em que Getúlio Vargas aparece como grande líder, pois na luta por melhores dias, “felizmente”, “temos um homem de fibra que é o presidente Vargas / Debaixo de suas ordens, quero empunhar um fuzil / Para lutar, vencer ou morrer pela honra do meu Brasil” (MARTINS, [s.d.]). O samba vinha ganhando espaço no cenário musical do país, sobretudo a partir de 1930. Isso se explica pelo debate sobre a identidade nacional que era promovido pela intelectualidade brasileira já há alguns anos. Buscava-se construir o genuinamente brasileiro. Na música, o samba representaria esse anseio de “verdadeira música nacional” com a qual o “Brasil haveria de vencer” (ver VIANNA, 1999). Durante o Estado Novo, o nacionalismo varguista transformou essa questão em uma política de Estado. No centro desse debate, o samba tornou-se símbolo de brasilidade. Contudo, censuravam-se letras que fizessem apologia à malandragem carioca, tema comum nos sambas de então. Com o intuito de mudar a temática do samba para uma mais compatível com as expectativas do Estado, Vargas, em 1937, “determinou que os enredos das escolas de samba tivessem caráter histórico, didático e patriótico” (VIANNA, 1999, p. 124). Foi nesse período, especificamente em 1939, que surgiu um novo tipo de samba, o samba-exaltação, gênero caracterizado por letras longas em que se exaltavam as belezas naturais e culturais do Brasil. “Uma canção destinada a ser uma espécie de representação, por excelência, da nação no âmbito musical” (LIMA, 2007, p. 4). A música “Aquarela do Brasil” de Ary Barroso, de 1939, inaugurou esse tipo de samba, um “modelo ideal de música popular que interessava ao governo de Getúlio e [que] era estimulado através do DIP” (LIMA, 2007, p. 4). Nesta, destacam-se as belezas de uma “terra boa e gostosa” “aonde eu mato a minha sede / E onde a lua vem brincar”; um “Brasil 46 lindo e trigueiro”, “terra de samba e pandeiro”. Sobre essa música, Lima (2007) observa que, a princípio, não foi vista como “representação da nação em forma musical”; isso fica evidente em duas situações: primeiro, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) teria censurado “um dos versos da canção que retrata o Brasil como „terra de samba e pandeiro‟”, depois a “derrota da canção num certame de nome „Noite de Música Popular‟”, promovido pelo DIP em 1940, em que o já famoso Heitor Villa-Lobos teria barrado a música (LIMA, 2007, p. 5). Durante o Estado Novo, conforme observou Franklin Martins, houve um recuo das canções voltadas para a crítica das personagens políticas da época ou dos vícios da política; eram muito mais comuns músicas que exaltavam a pessoa do presidente e as “grandezas” do Brasil, o que é compreensível pelo caráter discricionário com que Getúlio Vargas conduzia o país, através de dispositivos de controle como o Departamento de Imprensa e Propaganda. De maneira que muitas músicas enalteciam a imagem de Getúlio Vargas ou promoviam as belezas do Brasil, na perspectiva da construção da identidade nacional e do culto à personalidade de Getúlio. Mais alguns passos adiante, durante os anos JK (1955-1960), tornaram-se recorrentes composições ou reapropriações de canções com conteúdo satírico. Conhecidas como canções de oposição (ou sátira política e social), ocuparam um importante lugar nos debates em torno da construção da Novacap (Brasília), inaugurada em 1960. Juscelino Kubitschek enfrentou forte resistência ao seu projeto mudancista da capital para o Planalto Central. Na imprensa, a revista Careta era um dos principais focos de crítica a esse projeto. Misturando charge e letras de canções, a revista fazia duras críticas a este empreendimento. 37 Assim, “Eu vou pra Maracangalha”, sucesso carnavalesco de Dorival Caymmi, lançado em 1956, é reapropriado para um contexto político e dá o tom de uma charge publicada pela revista em 1957, em que, segundo Costa (no prelo), sob o olhar apreensivo e desconfiado de uma matrona burocracia, o presidente Juscelino Kubitschek, estilizado como retirante nordestino (“pioneiro” ou “candango”), se encaminha com a trouxa no ombro para Brasiliæ, cantarolando alegremente o conhecido samba de Dorival Caymmi. (COSTA, p. 2- no prelo.). (Ver Figura 3). 37 Revista humorística que circulou no Brasil entre 1908 e 1960. Para uma leitura do cruzamento entre músicas e charge, assim como dos processos de produção, circulação e recepção destes dispositivos veiculados nesta revista, Costa (no prelo) apresenta uma importante interpretação. 47 Figura 3: charge publicada na revista Careta, em edição de janeiro de 1957 (In COSTA, p. 1- no prelo). Música e charge se completavam num jogo de produção de sentidos em que se buscava, através do humor, construir uma imagem negativa de Juscelino e do seu projeto “mudancista”. Assim, “Daqui não saio, / daqui ninguém me tira, / onde é que eu vou morar? / O senhor tem paciência de esperar. / Ainda mais com quatro filhos, / onde é que eu vou parar?” (apud COSTA, p. 2 - no prelo), sucesso carnavalesco de 1950, foi deslocado para os embates em torno da construção da nova capital. Outras composições da época como em o “Presidente bossa nova”, Juca Chaves satiriza o absenteísmo do presidente JK: “bossa nova é ser presidente”, para tanto bastaria simplesmente ser “simpático, risonho, original. / E depois desfrutar da maravilha / De ser o presidente do Brasil./ Voar da Velhacap pra Brasília, / Ver a alvorada e voar de volta ao Rio” (apud MARTINS, [s.d.]). Das suas constantes viagens de avião teria surgido o apelido, “Ícaro: o presidente voador” (COSTA, p. 6, no prelo). Juca Chaves encerra sua canção satirizando o uso da “máquina” pública pra beneficiar parentes, dentre outras questões: Mandar parente a jato pro dentista / Almoçar com tenista campeã / Também poder ser um bom artista, exclusivista, / Tomando com o Dilermando / Umas aulinhas de violão./ Isso é viver como se aprova / É ser um presidente bossa nova, / Bossa nova, muito nova / Nova mesmo, ultranova (apud MARTINS, [s.d]). Outras canções abraçaram o projeto juscelinista. Nesse ritmo, com o coração partido, Herivelto Martins e Grande Otelo cantavam “Juscelino me chamou, / Eu vou morrer de 48 saudade, mas vou... / O hômi tá chamando... / Adeus, Mangueira, / Adeus, meu Vigário Geral / Adeus, meu samba. / Adeus, capital federal / Brasília me chamou pra trabalhar, / seu doutor, dá licença, minha gente eu vou levar” (apud COSTA, p. 5, no prelo). Nos anos 1960, ganha força um tipo de música politicamente engajada, que tinha nos Centros de Cultura Popular (CPCs) seu principal incentivador; centros que tinham dentre os seus membros e simpatizantes pessoas ligadas ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e União Nacional dos Estudantes (UNE). Nessa linha, afinados com a efervescência política vivida pelo país, em 1961 Carlos Lyra e Zé Kéti compuseram o “Samba da legalidade”, em que contestavam a tentativa de golpe contra a posse de João Goulart: “Eu não sou politiqueiro / Meu negócio é um pandeiro / Dentro da legalidade / Sou poeta popular / Dentro da legalidade / Ninguém pode me calar” (apud DELGADO, 2011, p. 132). Nesta década, tem-se a emergência daquilo que ficou conhecido como “música de protesto”, que abordava as desigualdades sociais, a intolerância, o imperialismo dentre outras questões.38 A função social desempenhada pela música no período é observada por Francisco Carlos Teixeira da Silva: [...] eram, naquele momento, ouvidas, aprendidas, para serem repetidas. Eram repetidas na mesa do bar, eram repetidas nos corredores das escolas, nos corredores das universidades, em pequenas reuniões, eram repetidas a cada momento [...]. Eram tempos em que a canção também era uma arma. Uma arma com que se enfrentava determinadas situações naquele momento, se reforçava a solidariedade mútua, se criava identidade coletiva frente ao autoritarismo do outro (apud DELGADO, 2011, p. 129-130). Para grande parte dos artistas da época, a música tinha uma função social que consistia em “conscientizar” as massas. Compõem esta plêiade de artistas: Carlos Lyra, Edu Lobo, Sérgio Ricardo, César Roldão Vieira, Geraldo Vandré, dentre outros.39 É deste último a canção “Pra não dizer que não falei das flores”, música que se tornou símbolo da música de contestação à ditadura militar: Caminhando e cantando / E seguindo a canção / Somos todos iguais / Braços dados ou não / Nas escolas, nas ruas / Campos, construções / Caminhando e cantando / E seguindo a canção [...] Pelos campos há fome / Em grandes plantações / Pelas ruas marchando / Indecisos cordões / Ainda fazem da flor / Seu mais forte refrão / E acreditam nas flores / Vencendo o canhão [...] Há soldados armados / Amados ou não / Quase todos perdidos / De armas na mão / Nos quartéis lhes ensinam / Uma antiga lição: / De morrer pela pátria / E viver sem razão / Vem, vamos embora / Que esperar 38 A música “Subdesenvolvimento”, de Carlos Lyra e Chico de Assis, aborda esses temas (ver DELGADO, 2011). 39 Para um interessante debate sobre esse tema, ver: Contier (1998). 49 não é saber / Quem sabe faz a hora / Não espera acontecer (apud DELGADO, 2011, p. 140-141). Havia um debate, sobretudo pelos considerados grupos de esquerda (PCB e UNE) reunidos nos Centros de Cultura Popular, em torno do que seria o nacional-popular, música que deveria “despertar o povo para os problemas sociais e lutar contra as estruturas desiguais do país” (DELGADO, 2011, p. 131). Assim, canções que não contemplassem temáticas sociais eram alvos de críticas, como as que se deram em torno da Bossa Nova, gênero musical surgido na segunda metade dos anos 1950, a princípio tido como sinônimo de modernidade, mas que foi duramente criticado pelos defensores do nacional-popular por ser considerado “„de frente para a praia, de costa para o morro‟ alheia aos problemas sociais, ufanista das belezas naturais” “enquanto a fome nas favelas e nos campos era ignorada” (DELGADO, 2011, p. 131). Esse debate também contemplava aspectos estéticos da canção no que se refere aos elementos musicais propriamente ditos, assim a crítica à influência do jazz já era cantada desde 1956 por Lyra: “Pobre samba meu / foi se misturando / se modernizando / e se perdeu [...] coitado do meu samba / foi influência do jazz” (DELGADO, 2011, p. 132). Diante desse breve esboço, observam-se as estreitas relações entre música e política no Brasil, o que a torna um importante vetor para se compreender os embates políticos vividos pelo país, bem como os modos de se pensar e praticar política. Contudo, não é nosso objetivo aqui fazer ponderações exaustivas sobre estas vinculações, mas tão somente observar como o uso das canções como dispositivo de intervenção tem constituído uma prática política, seja criticando os vícios de personagens da política através de sátiras musicais, conforme observamos na República Velha; exaltando o Estado e a figura de Getúlio Vargas durante o Estado Novo; criticando ou defendendo o projeto “mudancista” de Juscelino Kubitschek com a construção da Novacap (Brasília) ou protestando contra a intolerância e desigualdades sociais ou influências musicais externas no Brasil durante os anos 1960. Dito isto, buscaremos em seguida, pensar a emergência de um tipo específico de música política: o jingle político-eleitoral, música que objetiva, em um contexto de disputa eleitoral, obter resultados políticos. 3.2 JINGLE POLÍTICO-ELEITORAL? O jingle político eleitoral é comumente definido como uma peça musical que deve apresentar uma imagem positiva de um candidato a cargo eletivo. A conceituação 50 predominante o define como “uma música feita para vender”, cujo objetivo é fazer que o público-alvo veja de forma positiva o consumo do produto em questão (MANHANELLI, 2011, p. 16). Em termos gerais, essa definição também se aplica ao jingle comercial descrito por Carlos Alberto Rabaça e Gustavo Guimarães Barbosa: Mensagem publicitária em forma de música, geralmente simples e cativante, fácil de cantarolar e de recordar. Pequena canção especialmente composta e criada para a propaganda de determinada marca, produto ou serviço etc. Sua duração média varia entre 15 e 30 segundos. É normalmente gravado em CD ou fita magnética (para transmissão em rádio) ou inserido na trilha sonora de filmetes para televisão e cinema, acompanhado de texto (locução) e imagem. O uso em publicidade, da palavra inglesa que significa „tinido‟ provém da canção de natal norte-americana Jingle Bells (apud MANHANELLI, 2011, p. 65-66). De acordo com essa definição, as músicas políticas da Primeira República apresentadas acima, embora constituíssem uma intervenção nas disputas políticas, criticando vícios e personalidades da época, não se inseriam nesse conceito. Martins (s.d.) observa que “as composições, embora tomassem partido nas campanhas eleitorais, não eram jingles e tampouco pareciam encomendadas”, estas “não apoiavam candidatos. Simplesmente eram do contra”. Neste modo de ver, o jingle político-eleitoral seria historicamente datado. A utilização deste em campanhas eleitorais, com as características descritas, datam, segundo os autores acima, de 1929, e a primeira música composta exclusivamente para uma campanha presidencial teria sido “Seu Julinho vem”, do candidato Júlio Prestes (MANHANELLI, 2011, p. 16-17). Composto por Freire Junior e interpretado por Francisco Alves, era uma marchinha que embalou os foliões no carnaval de 1930 e também era cantada numa revista teatral de abril do mesmo ano (MARTINS, [s.d.]). Ô seu Toninho, / Da terra do leite grosso, / Bota cerca no caminho / Que o paulista é um colosso. / Puxa a garrucha, / Finca o pé firme na estrada / Se começa o puxa-puxa / Faz o seu leite coalhada. / Seu Julinho vem, seu Julinho vem, / Se o mineiro lá de cima descuidar. / Seu Julinho vem, seu Julinho vem, / Vem mas, puxa, muita gente há de chorar. / Ô seu Julinho, / Sua terra é do café. / Fique lá sossegadinho, / Creia em Deus e tenha fé. / Pois o mineiro / Não conhece a malandragem / Lá no Rio de Janeiro. / Ele não leva vantagem. / Seu Julinho vem, seu Julinho vem, / Se o mineiro lá de cima descuidar. / Seu Julinho vem, seu Julinho vem, / Vem mas, puxa, muita gente há de chorar (apud MARTINS, [s.d.]). 51 Seu Toninho é como a música se refere a Antônio Carlos de Andrada, presidente de Minas Gerais (governador). De acordo com a política do café com leite (compromisso firmado entre São Paulo e Minas Gerais durante a “República Velha”, que implicava a alternância de poder entre mineiros e paulistas), a indicação em 1929 seria dos mineiros, o que não foi aceita pelos paulistas. Esse embate culminou com a ruptura do acordo levando os mineiros a apoiar a candidatura de Getúlio Vargas à presidência. Esse jingle traz implicitamente essa querela. A despeito das definições acima, é possível verificar o tom de deboche ou até depreciativo nessa música. Outra música do mesmo período que apresenta essas características é “Comendo bola”, marchinha de 1929: “Getúlio, / você está comendo bola. / Não se mete com Seu Júlio, / Não se mete com Seu Júlio, / Que seu Júlio tem escola” (MARTINS, [s.d.]). As músicas anteriores a 1929 são definidas como galhofas, paródias e sátiras. Esse modo de classificar o jingle insere-se na perspectiva do marketing político, levando em consideração apenas sua estrutura interna, a forma como os adjetivos apologéticos eram articulados no sentido de fabricar uma imagem positiva para o candidato. O surgimento de músicas políticas com essas características, assim como o jingle comercial, estaria ligado à ascensão do rádio como veículo de comunicação de massa na década de 1930: “foi com o rádio que os jingles se institucionalizaram como ferramenta-padrão da publicidade” (MANHANELLI, 2011, p. 52). Conforme Cid Pacheco, “os jingles nasceram com a necessidade de massificação da propaganda, através do veículo de massa rádio, na década de 1930” (apud MANHANELLI, 2011, p. 52). Nessa linha, a partir de 1929, começam a surgir músicas que buscavam “vender” uma imagem positiva do seu candidato/produto ou até apresentar, ainda que sucintamente, as propostas do candidato. É assim que a marchinha “o Retrato do Velho”, da campanha de Getúlio Vargas, de 1950, busca persuadir o eleitorado a votar em Vargas associando-o ao trabalhismo: “Bota o retrato do velho outra vez / Bota no mesmo lugar / O sorriso do velhinho / Faz a gente trabalhar / Eu já botei o meu / E tu, não vai botar? / Já enfeitei o meu / E tu, vais enfeitar? / O sorriso do velhinho / Faz a gente se animar” (apud MANHANELLI, 2011, p. 109-110). Cinco anos depois, nas eleições de 1955, o jingle “Gigante pela própria natureza”, de Juscelino Kubitschek, o apresentava como uma espécie de messias. O grito de guerra era: “Brasil! vamos para as urnas / como democrata / gente varonil / Juscelino, Juscelino, Juscelino... / para presidente do Brasil”. Juscelino é apresentado “como uma estrela radiosa” que veio de “Minas das bateias do sertão” e apareceu neste “céu azul de anil” para “salvar este 52 Brasil”. O homem que reunia todos os atributos necessários para fazer acordar esse gigante adormecido, libertando-o de todos que “nos querem dominar”.40 Em 1960, o candidato Jânio Quadros prometia varrer a corrupção do Brasil, usando como símbolo de campanha uma vassoura; o seu jingle era: Varre, varre, varre, varre, vassourinha / Varre, varre a bandalheira / Que o povo já está cansado / De sofrer desta maneira / Jânio Quadros é a esperança / Desse povo abandonado / Jânio Quadros é a certeza / De um Brasil moralizado / Alerta, meu irmão / Vassoura, conterrâneo / Vamos vencer com Jânio (apud MANHANELLI, 2011, p. 120). A maioria dos jingles das campanhas para presidente da República entre 1929 e 1989, ou seja, do “seu Julinho vem” ao “Lula Lá”, encaixa-se nas características clássicas de jingles em que se buscava, através de representações engrandecedoras, vender uma imagem positiva do seu candidato-produto. Talvez uma exceção seja o jingle de 1945 do candidato Eurico Gaspar Dutra, “Marmiteiro”, que foi usado como arma de contrapropaganda, na disputa com o brigadeiro Eduardo Gomes.41 Não obstante a maioria das eleições presidenciais usarem jingles com as características apresentadas acima, no município de Penalva, entre 1969 e 1992, era recorrente nas disputas, o uso de músicas que, na sua grande maioria, prestavam-se a construir uma imagem negativa dos adversários. Através da chacota ou da acusação, propagada nas músicas, os grupos buscavam depreciar os adversários, para, a partir daí, apresentarem-se como melhor alternativa política. Durante todo esse período, com exceção das eleições de 1988 e 1992, o cenário político no município estava bipolarizado entre o Sebo e a Embroma, de modo que a depreciação de uma das partes implicava inevitavelmente a defesa da outra como melhor alternativa. Se, de acordo com os profissionais do marketing, as músicas do início da República não podem ser definidas como jingle, por não preencherem os requisitos colocados acima, aqui elas eram produzidas pelos próprios correligionários durante os processos eleitorais e, com algumas exceções, eram cantadas durante os comícios e passeatas. 40 A música na integra: Gigante pela própria natureza / Há 400 anos a dormir / São 21 estados os teus filhos a chamar / Agora vem lutar / Vamos trabalhar / Queremos demonstrar ao mundo inteiro / A todos que nos querem dominar / Que o Brasil pertence aos brasileiros / E um homem vai surgir, para trabalhar / Aparece como estrela radiosa / Neste céu azul de anil / O seu nome é uma bandeira gloriosa / Pra salvar este Brasil / Juscelino Kubitschek é o homem / Vem de minas das bateias do sertão / Juscelino, Juscelino é o homem / Que além de patriota é nosso irmão / Brasil! vamos para as urnas / Como democrata / Gente varonil / Juscelino, Juscelino, Juscelino... / Para presidente do Brasil (Apud MANHANELLI, 2011, p. 114-115). 41 Para uma leitura de todos os jingles das campanhas presidenciais em eleições diretas no Brasil entre 1930 e 2010, ver: Manhanelli (2011) e Martins (s.d.). 53 A definição destas músicas como jingle político-eleitoral amplia a noção predominante apresentada anteriormente. Um conceito que melhor a compreende é apontado por Lourenço (2011). Para este autor, “podemos definir o jingle político como sendo qualquer canção com um propósito político e publicitário” (LOURENÇO 2011, p. 1). O objetivo da canção, neste caso, “pode ser tanto conseguir apoio e votos a um político (partido, frente ou causa) quanto para criticar e diminuir apoio e votos a outro político (partido, frente ou causa) adversário” (LOURENÇO 2011, p. 2-3). A prática de fazer propaganda com música depreciando o concorrente é bem antiga no Brasil. Roberto Simões observa que as primeiras notícias de que se tem conhecimento sobre esta prática como meio de propaganda remete ao século XVI: A 15 de junho de 1543, o donatário Martim Afonso de Souza, na capitania de São Vicente, baixava uma postura proibindo os mercadores de, nos pregões que antecediam as vendas, falar mal da mercadoria dos concorrentes. O que nos permite supor que era corriqueira a propaganda comparativa – pejorativa a ponto de se fazer necessária a fixação de normas de conduta ética em pleno século XVI (apud MANHANELLI, 2011, p. 46). Trata-se de uma medida para combater o uso de propaganda depreciativa em outro contexto; não é nossa intenção cometer anacronismos, uma vez que aquilo que se entende por propaganda pode assumir características diversas em diferentes temporalidades e lugares, todavia, no que se refere às estratégias, é possível observar semelhanças entre esses modos de fazer. Isso põe em cheque uma definição fechada de jingle já demonstrada acima em que se evidenciam apenas as características internas da música. A propaganda política no município de Penalva, no recorte aqui proposto, nos possibilita rever o conceito, deslocando a definição para o uso que se fazia desse gênero. O que se pode ponderar, de acordo com o já explicitado acima, é que, no Brasil, os jingles para as campanhas presidenciais, a partir de 1930, adquiriram características que buscavam, através de representações engrandecedoras, evidenciar os atributos dos candidatos, podendo até sucintamente tratar do seu programa de governo; já em Penalva, onde, diferentemente das eleições nacionais, não se contava com profissionais especializados na organização das campanhas; os jingles com características que enalteciam os candidatos dividiam espaço com os depreciativos, com forte semelhança com as sátiras da Primeira República. Assim, pensamos o jingle como discurso político, entendido como ato de linguagem que circula no mundo social e que testemunha, ele próprio, “aquilo que são os universos do pensamento e de valores que se impõem em um tempo histórico dado” (CHARAUDEAU, 54 2008, p. 37). Nessa perspectiva, qualquer enunciado pode ter um sentido político a partir do momento em que a situação o autorizar. De modo que “não é [...] o discurso que é político, mas a situação de comunicação que assim o torna. Não é o conteúdo do discurso que assim o faz, mas é a situação que o politiza” (CHARAUDEAU, 2008, p. 40). Para Charaudeau (2008, p. 40), analisar o discurso nessa perspectiva é levar em consideração os lugares de fabricação do pensamento político onde são produzidos os sentidos. Destacamos dois: “um lugar de elaboração dos sistemas de pensamento” e “um lugar cujo sentido está relacionado ao próprio ato de comunicação”. No primeiro, o discurso político entendido como sistema de pensamento seria o resultado de uma atividade discursiva que procuraria “fundar um ideal de político em função de certos princípios que devem servir de referência para a construção das opiniões e dos posicionamentos” (CHARAUDEAU, 2008, p. 40). No discurso como ato de comunicação os atores da cena política envolvem-se em uma relação em que o “desafio consiste em influenciar as opiniões a fim de obter adesões, rejeições ou consensos” em nome de um comportamento comum (CHARAUDEAU, 2008, p. 40). Aqui se busca construir imagens dos atores em disputa usando-se estratégias de persuasão e de sedução através de procedimentos retóricos. Assim, o discurso político é “ao mesmo tempo, lugar de engajamento do sujeito, de justificativa de seu posicionamento e de influência do outro”. (CHARAUDEAU, 2008, p. 43). Nessa perspectiva, o discurso político, na sua forma jingle eleitoral, era constitutivo da cultura política do município de Penalva, pensado tanto em termos de prática, visto que seu uso se tornou indispensável nas disputas, quanto como lugar em que representações engrandecedoras ou depreciativas eram enunciadas, constituindo assim um lugar de produção de sentidos. Nesta pesquisa, catalogamos em torno de 27 músicas divididas em duas tipologias, de acordo com suas características predominantes e para efeito de melhor analisá-las: primeiro trataremos dos jingles depreciativos em que se buscava vender imagens negativas dos adversários, através do humor ou da acusação em uma espécie de guerra de imagens. Por outro lado, analisaremos as músicas em que se pretendia vender imagens positivas dos candidatos, apresentando-os como solução para as demandas sociais enfrentadas pela cidade. 55 3.3 “OZIEL, COMPRA SEBO DE CARNEIRO PRA PASSAR NA TUA CARECA PRA NASCER CABELO”: jingles com ênfase no humor Penalva, 1972; uma multidão que partia do bairro Trizidela caminhava ensandecida em direção ao centro da cidade. Tochas alimentadas com sacos de estopa e querosene, envoltas a pedaços de sebo, eram empunhadas pelos participantes fazendo contraste com a escuridão da cidade que ainda não contava com um sistema de luz elétrica. Nesse ambiente eufórico, vozes dissonantes diziam: “vamos destruir o Sebo da nossa cidade”: de lá (...) – da Trizidela – (...) saia o povo que era pra derreter o Sebo, e nós todo mundo, mulheres e homens, crianças com aqueles paus pegando fogo que nem umas velas – os loucos – e nós cantávamos: “Oziel, compra sebo de carneiro / Pra passar na tua careca pra nascer cabelo / Compra bastante que pouquinho não dá / Ainda tem Adelman que falta passar (Entrevista com Lucília Martins).42 Conforme dito anteriormente, em 1969 o município experimentou sua primeira eleição no sistema bipartidário; a cidade passou a dividir-se entre os prosélitos da ARENA I e ARENA II, a primeira apelidada de Sebo, a segunda de Embroma. A partir de então, durante as eleições a cidade se dividia entre estas duas facções numa guerra de posição acompanhada por um repertório de músicas satíricas visando à depreciação dos adversários, revelando uma dimensão cômica da política praticada no município. A música citada acima era um jingle que vinha sendo utilizado pela Embroma desde 1969, no qual Oziel Matos e Adelman Jansen eram ridicularizados pelos partidários desta facção. A calvície era destacada como um defeito dos candidatos, que primeiro deveriam curá-la em vez de pleitearem a governança da cidade. Esta foi a primeira de uma série de sátiras utilizadas nos embates entre o Sebo e a Embroma. Aqui citaremos onze nas quais, através da ironia ou da zombaria, buscava-se construir uma imagem negativa dos adversários para se firmar como melhor alternativa, assim como apontavam para uma tomada de posição do eleitorado num contexto cujo voto era entendido como adesão a uma das facções; em que não aderir era ocupar uma posição marginal e ficar fora de possíveis benefícios que os vencedores poderiam desfrutar. Em 1972, os “embromeiros” desdenhavam de Zé Marques, ironizando suas pretensões políticas. Em ritmo de marchinha, profetizavam o resultado da eleição em que o candidato seria contemplado com uma passagem para “o quinto dos infernos” sem escala no 42 Esta música era cantada desde a campanha de 1969. Foi com ela que nasceu o apelido Sebo. Com relação à passeata, marcava o encerramento da campanha do candidato a prefeito José Duarte Gonçalves, em 1972. 56 purgatório, conduzido pelo diabo em pessoa no lombo de um jegue que, em disparada, corria “sem direção”: “Zé Marques vai ganhar / Uma passagem pra sair deste lugar / Não é de carro, nem de trem, nem de avião / É num jumento sem direção / Deixa o diabo levar”. 43 (Entrevista com Lúcia Pinheiro). Este personagem, posteriormente divinizado pelos munícipes como o médico da cidade, numa época em que esta não contava com estes profissionais, aqui era despachado para o inferno no lombo de um jegue. A montaria de Cristo na sua chegada a Jerusalém tornou-se o transporte no qual os “embromeiros”, com sorriso nos lábios, deixavam o diabo levá-lo. O conteúdo satírico de algumas composições levava em consideração as imagens que alguns integrantes das facções adquiriram a partir de supostos hábitos proibidos, como o uso de maconha, que na época já era bastante disseminado no município. Embora não seja possível verificar a incidência do consumo dessa erva, a invasão da sede da escola de samba “Beira Mar”, em 1974, pela polícia Federal, após denúncia de uso dessa droga, aponta para essa direção. Apelidada de “o bloco da fumaça”, a escola teve sua sede invadida pelos agentes que, não encontrando vestígios da erva, vingaram-se nos tambores, furando-os, o que despertou a revolta do seu presidente Adelman Jansen, que, segundo Balby (2005, p. 68), levou sua escola para o município de Santa Inês, em protesto contra aquele ato. Esse episódio serviu de matéria-prima para a composição, nesse ano, de uma marchinha que ironizava a força política de Zé Marques na comparação entre voto e diamba (maconha): “Se cachaça fosse voto / E diamba eleitor / José Marques tinha voto / Até pra ser governador / Mas como cachaça não é voto / Nem diamba eleitor / José Marques não tem voto / Nem pra ser vereador”.44 Nas eleições estaduais, uma boa votação para seus candidatos era uma demonstração de força e a possibilidade de acesso a cargos públicos tanto no município como em outras partes do país.45 A ironia implicava, por um lado, a depreciação de Zé Marques e seu grupo, apelidados de cachaceiros e maconheiros, portanto, sem legitimidade para qualquer representatividade na cidade. Por outro lado, e por causa disso, a sátira visa a minimizar o prestígio político do agente, tencionando invalidá-lo na sua condição de cabo eleitoral.46 43 Esta era uma paródia da música “Saca-rolha”, de 1954, composta por José Gonçalves, Zilda Gonçalves e Valdir Machado, gravada pela dupla “Zé e Zilda” nesse mesmo ano. Esta se popularizou no Brasil ganhando outras versões. 44 Música da campanha eleitoral para o legislativo estadual de 1974 (Entrevista com Maria da Conceição Moraes Moreira). 45 Através da sua influência com o senador Alexandre Costa, Tomás de Aquino Mendes conseguiu alguns cargos públicos para sua família em Brasília, o que motivou a sua ida para a capital federal nos anos 1970. 46 José Marques foi cabo eleitoral do deputado federal Raimundo Lisboa Vieira da Silva em 1974, 1978, 1982, o que resultava em expressiva votação para este candidato, além de outros para o legislativo estadual como Ivar 57 Algumas dessas músicas eram compostas ao final da apuração, para zombar dos candidatos e eleitores adversários derrotados no pleito. Ainda em 1969, por exemplo, um anúncio no rádio convocou os “embromeiros” para uma recepção ao candidato vitorioso no Canadá, povoado localizado na zona rural do município: “ele [Wilson Marques] passou uma mensagem no rádio avisando que (...) vinha com dois ônibus, que era pra esperarmos no Canadá”, diz Antônio Carlos Martins (Entrevista com Antonio Carlos Martins). No calor da recepção, Benedito Reis debochava dos adversários cantando: “Vocês estão vendo quem acaba de chegar / É Wilson Marques para prefeito do lugar / Não é mole não, / É uma coisa louca / Wilson Marques deixou Oziel com água na boca”. 47 Em ritmo de samba os partidários da Embroma zombavam do candidato derrotado. O tom cômico das disputas podia se prolongar até o reinado de Momo e assumir ares violentos, culminando em agressões físicas. Na terça-feira gorda de 1970, cadeiras “voaram” sobre as cabeças dos foliões no Grêmio Recreativo Penalvense, que se tornou ringue de uma luta entre Oziel Matos e José Astério, ligado à Embroma, facção vencedora da última eleição. O estopim do episódio teriam sido as disputas pela coroa de rei momo entre Oziel Matos e Lola Mendes, contudo, Balby (2005, p. 64-65), ao referir-se aos acontecimentos que marcaram aquele carnaval, observa outras motivações: “ecos da eleição municipal do ano anterior chegam até a folia e a pancadaria corre solta no Grêmio”. Nos jingles, zombava-se dos candidatos, mas também dos eleitores que aderissem ao lado adversário. Conforme já apontado no capítulo anterior, o voto não era somente uma questão de escolha, feita a partir dos atributos dos candidatos. Votar tinha o significado de uma adesão, era posicionar-se de um lado do jogo declarando publicamente sua posição. Nesse jogo, só a vitória não bastava. A “graça” estava no ato de escarnecer, troçar, rir do adversário como desforra das fofocas maledicentes surgidas durante a campanha que geravam intrigas entre vizinhos situados de lados opostos. De modo que os eleitores adversários também eram alvo de chacotas, como este samba que debochava da posição tomada pelo eleitor “Dico Pé Mole”: “Não é duro / Não é duro e não é mole / Coitado do Dico Pé Mole / Jogou o seu voto fora / Votou nos cabeças de sola / Wilson por ser o maior / Botou os carecas pra fora” (Entrevista com Maria da Conceição Nunes Moreira). Cantada na comemoração da vitória de Wilson Marques, além do sentido da desforra, esta sátira comporta uma dimensão da cultura política do município. Na percepção Saldanha, em 1974, e Marco Antonio Vieira da Silva (filho do primeiro), em 1978 e 1982 (MENDES NETO, 2009). 47 Entrevista com Maria Silva. 58 dos munícipes, o cenário político era dividido em dois lados: o dos “vencedores” e o dos “perdedores”, o voto no candidato derrotado significava invalidá-lo, “botar o voto fora”. Era comum, na época, eleitores se orgulhares de nunca terem botado seu voto fora, ou seja, nunca terem votado em um candidato que viesse a ser derrotado. Ter votado no “derrotado” significava ter tomado a decisão “errada”. Isso, objetivamente, implicava não ter acesso a bens públicos que iam de atendimento em hospital, emprego na rede municipal, nomeações estaduais e outros “espólios” que os “vencedores” poderiam desfrutar. Portanto, na eleição seguinte, dever-se-ia tomar a decisão “correta”, votando ou aderindo ao outro lado. Essa era uma visão partilhada que nos ajuda a compreender a “vocação governista” dos políticos locais, já apontada no segundo capítulo, e que a música tanto expressava como tinha a função de propagar. Todo o período eleitoral era acompanhado de fofocas depreciativas gerando conflitos entre vizinhos posicionados em facções diferentes que se estendiam até as apurações, sucedidas por denúncias de fraudes, o que às vezes retardava os resultados das eleições. O resultado de 1969 foi divulgado alguns dias após o término da apuração pelo Tribunal Regional Eleitoral, conforme entrevista com Antonio Carlos Martins. A música “Vocês estão vendo quem acaba de chegar / É Wilson Marques para prefeito do lugar / Não é mole não, / É uma coisa louca / Wilson Marques deixou Oziel com água na boca”, cantada na recepção ao candidato em 1969, nos apresenta um cenário cujos resultados eram definidos no “tapetão Judiciário”, de modo que a “Sebaria”, que tinha a vitória eleitoral como certa, ficou só “com água na boca”. A sátira não só revela esse embate como tem o sentido da desforra, como quem fica a dizer: “eu não disse que venceria de um jeito ou de outro”. Dando alguns passos atrás em relação ao nosso recorte, verifica-se que as fraudes eleitorais eram recorrentes nas disputas políticas do município, o que poderia desencadear processos no Tribunal Regional Eleitoral, que chegava a levar mais de um ano. Em 1955, Cavour Rochandrade Maciel foi o vencedor, mas só assumiu a prefeitura em 1957, quase dois anos depois, por conta das denúncias de fraude pelo adversário Tomás de Aquino Mendes. Após muitas idas e voltas do processo, foi autorizada a posse do vitorioso, entretanto, o presidente da Câmara, que interinamente assumia o cargo, fugiu levando o livro de ata em que seria registrada a posse, deixando ainda os portões da prefeitura a “sete chaves”. Com uma nova autorização, as forças policiais arrobaram os portões da prefeitura a tiros de fuzis, dando posse ao eleito (BARROS, 1985). Enquanto a queda de braço judicial transcorria, uma partidária de Tomás de Aquino Mendes teria dito que, se Cavour Maciel assumisse a prefeitura, ela andaria nua pelas ruas da 59 cidade. A contragosta da eleitora, Cavour tomou posse, e os partidários deste satirizavam-na em ritmo de marchinha: “Cavour já se empossou / Sua cara de perua / Agora eu quero ver tu andar nua na rua / Mulher convencida / A inveja é que te mata / O nosso Cavoursinho não é sapo de gravata” (Entrevista com Maria Silva).48 A desforra cômica era o mote de muitas músicas da época. Em 1982, a pré-candidata do Sebo, Derze Rodrigues Barros, surgia como um forte nome para enfrentar José Gonçalves; entretanto, naquele contexto de abertura política, com o fim do sistema bipartidário, os filiados da Aliança Renovadora Nacional foram para o Partido Democrático Social (PDS), que tinha seu diretório controlado por José Gonçalves, da Embroma. Este teria tramado a cassação da candidata, episódio também celebrado em ritmo de marchinha: “Derze, tu toma jeito / Tu fica doida, mas tu não vai ser prefeita / Nós estamos trabalhando nesse pleito / Com a voz do povo Zé Gonçalves está eleito” (Entrevista com João Carlos Martins). Por outro lado, o Sebo mobilizou forças para impugnar a candidatura do seu adversário através da influência do deputado Raimundo Lisboa Vieira da Silva. Muitos rumores circulavam pela cidade em torno de uma possível queda de José Duarte Gonçalves: Lembro que já era quase doze horas. Já tinha preparado a comida para os meninos quando disseram que deu no rádio: – o pessoal na rua, no sol quente procurando quem tinha rádio, pra saber quem ouviu mesmo que Zé Gonçalves tinha caído. – e o foguete ali no Lozinho... (Entrevista com Lucília Martins). Os rumores levaram a uma imediata reunião dos partidários do Sebo na residência de Leovergílio Martins (Lozinho, candidato do Sebo em 1976), de onde foguetes eram detonados em comemoração à suposta queda do candidato da Embroma. Em seguida, o mal-entendido foi desfeito. A queda teria sido apenas da candidata Derze Barros, o que logo viraria samba nas comemorações da Embroma: Disseram que Zé Gonçalves ia cair / Mas é mentira ele não caiu / Foi Jesus Cristo quem ordenou / Zé Gonçalves é um homem de valor / Por isso ele é merecedor ô ô ô ô... / O nosso candidato não caiu, mas disseram... Disseram que Zé Gonçalves ia cair / Mas é mentira ele não caiu / Foi Jesus Cristo quem ordenou / Zé Gonçalves é um homem de valor / Por isso ele é merecedor ô ô ô... / O nosso candidato não caiu, mas disseram... (Entrevista com Lucília Martins). 48 O apelido “sapo de gravata” atribuído a Cavour Maciel se devia ao suposto fato deste dispor de um pescoço pouco avantajado. 60 A questão da sexualidade, colocada de forma pejorativa, também fazia parte do mote de algumas músicas. A marchinha “Ele solta o ás de copa / Ele solta o ás de copa / Zé de Lourêncio entre as pernas tem uma loca” (Entrevista com Maria Carvalho)49 circulava pela cidade ridicularizando candidatos, desqualificando suas candidaturas e apresentando uma visão androcêntrica e aquilo que chamaríamos hoje de homofóbica da política. Implicitamente aponta para uma ideia corrente de que política era espaço masculino, coisa de “macho”, de modo que, ao apontar para a homossexualidade de um candidato, buscava-se invalidar suas pretensões políticas. Nessa mesma perspectiva, em 1976, nos embates entre Leovergílio Martins (candidato do Sebo) e João Francisco Mendes, o João Faveira (candidato da Embroma), os partidários do Sebo cantavam: “Nunca vi rastro de cobra nem coro de lobisomem te prepara João Faveira que Lozinho é que te come, / Lozinho é que te come, / Lozinho é que te come, / Lozinho é que te come, / como come... (Entrevista com Sonia Barros). Esta é uma paródia da música “Homem com H”, de Antonio Barros, o trocadilho aponta para um duplo sentido, por um lado comer pode significar “vencer”. Por outro, Leovergilio Martins, personificação de virilidade, incorpora a figura do macho que tanto politicamente como sexualmente falando, “come” seu adversário e “como come”. Logo, se política era coisa de “macho”, buscava-se derrotar o adversário com um discurso que aponta para uma suposta homossexualidade.50 As músicas apresentadas aqui, pensadas como discurso político, pretendiam, através do humor grotesco, zombar ridicularizando os adversários e, por antinomia, se afirmar como alternativa. Constituíam um espaço de persuasão, um lugar de formação de opinião. Por outro, as sátiras nos apresentam um modo de percepção da atividade política dos atores envolvidos. Durante as eleições, a cidade tornava-se um grande palco em que as disputas eram encenadas comportando uma dimensão cômica. Esse modo de perceber a política, entendida aqui como as eleições, era partilhado por eleitores e concorrentes a cargos eletivos. Isso pode ser verificado em diálogos dos próprios candidatos: José Marques, por exemplo, certa vez, ao encontrar seu adversário José Gonçalves, na eleição de 1972, teria dito: “tu ouviste como eu te meti o pau no meu discurso”; este teria retrucando no mesmo tom: “e tu viste também como no Jatobá eu te meti o pau” (Entrevista com João Carlos Martins). Essas falas nos revelam uma dimensão cômica da política que orientava as ações dos atores envolvidos. Alguns dos 49 Zé de Lourêncio era candidato a vereador possivelmente em 1976 (Entrevista com Maria Carvalho). A concepção de política como espaço masculino fica evidente na frase de Oziel Matos dirigida a Derze Barros:“em terra que mulher mandasse ele não ficaria” (Entrevista com Derze Barros). 50 61 nossos entrevistados, que participaram das disputas na época, riem ao lembrarem-se das músicas ou de alguns episódios. Às vezes, alguns não se continham e interrompiam as falas com gargalhadas que se prolongavam por segundos. Ao lembrarem-se do comício de encerramento da campanha de José Gonçalves, nossa entrevistada, citada no início deste texto (Lucília Martins), ri ao descrever as cenas. Outra narra este evento com o mesmo humor: Ah!! Comício de encerramento da campanha de Zé Gonçalves, da primeira não é? Que foi na Trizidela. Aí quando a gente vinha, todo mundo com umas tochas imensas que ele mandou preparar... todo mundo com as tochas, vibrando mesmo! A mãe de Nauro, me lembro como se fosse hoje, Dona Maria não é? Uma Senhora muito dinâmica, ela vinha bem na frente! Ela tava gripada pra morrer, ela vinha com um lenço assim amarrado no nariz que ela não aguentava, só poeira! Aí vinha bem na frente cantando, todo mundo cantando, pulando, pulando... Quando chegou mais ou menos aqui na praça vinha a passeata do outro lado... Aí abera, não, não abera nós estamos com o fogo, eles não encostam (risos). Aí o outro lado aberou e nós passamos (risos) E era uma graça esses comícios (Entrevista com Maria José). É preciso considerar, como já dissemos anteriormente, a dimensão do esquecimento ou das mudanças de sentido que comporta a memória, afinal de contas, os risos das nossas entrevistadas são proferidos trinta anos depois do acontecido; contudo, essa dimensão cômica das disputas em que cada candidato, nas suas estratégias, buscava submeter o outro ao ridículo, pode ser verificada no calor dos acontecimentos. Nesta mesma eleição, algumas pessoas sorriam ao assistirem uma senhora descer de joelhos as escadas da igreja matriz portando um prato sobre a cabeça com alguns pedaços de sebo. A ação seria resultado de uma promessa, caso o Sebo fosse derrotado (Entrevista com Lucília Martins). Como ato político-eleitoral, o sentido imediato das sátiras era obter adesões pela via da depreciação do outro, modus operandi compartilhado por ambas as facções, o que nos parece um tanto peculiar em comparação ao papel que convencionalmente o humor na sua forma satírica ou irônica desempenhou em outros espaços e contextos históricos. Escrevendo no século XIX, Proudhon afirma que “a ironia foi, em todos os tempos, o caráter do gênio filosófico e liberal, o selo do espírito humano, o instrumento irresistível do progresso” (apud MINOIS, 2003, p. 482). O riso irônico, neste caso, estaria a serviço da mudança ou, dito de outro modo, era um dispositivo acionado pelos homens comprometidos com as transformações sociais. “o riso estava apenas do lado da oposição; era uma zombaria mais ou menos subversiva”; “instrumento de luta contra o poder” (MINOIS, 2003, p. 594), visto que “o poder não tem humor, senão não seria poder” (apud MINOIS, 2003, p. 594). 62 Analisando o uso político de charges pela imprensa brasileira na Primeira República, Borges (2011, p. 272) observa que o riso naquela sociedade era algo mais que demonstração de alegria: “tinha o claro objetivo de zombaria, de desprezo em relação aos candidatos e de crítica às suas propostas”. Para a autora, o humor explicitado nas charges e sátiras musicais constituía um modo de intervenção naquela ordem excludente da República. Esse sentido do riso, como contrapoder, também é analisado por Costa (2010) nos embates políticos de 1950 no Maranhão. O autor observa que, através de um conjunto de poemas satíricos denominados “Vitorinadas”, o poeta “Assombração”, supostamente ligado à coalizão política denominada Oposições Coligadas, que fazia oposição ao vitorinismo, dirigia uma série de ápodos depreciativos a Victorino e seus aliados, cuja intenção era a “libertação do Maranhão” da “ocupação” vitorinista. Ao analisar a circulação desse dispositivo, o autor desvela o seu sentido político: Operando às vezes no anonimato, recorrendo aos recursos da boataria, com a estratégia da zombaria, do riso, do ridículo, da desconstrução e desmoralização dos adversários. Contra-imagem cujo efeito de sentido buscado e desejado junto à opinião pública é a deslegitimação do poder, é não levar a crer, fazer não acreditar. (COSTA, 2010, p. 8).51 A perspectiva do riso como contrapoder não se aplica na íntegra aos embates políticos do município, uma vez que das onze sátiras musicais aqui apresentadas pelo menos cinco eram composições do grupo governista. Se é verdade que o poder não tem humor, a luta pela sua manutenção se dava por essa via. Para Georges Minois (2003), “hoje como outrora, o riso teve uma multidão de significações possíveis, da zombaria sarcástica que exclui à complexidade amigável que censura; ele pode ser bom, mal ou neutro”. Contudo, o lugar do riso na sociedade passou por mudanças, afirma o autor: na antiguidade tinha-se uma concepção divina do riso, no medievo o riso tornou-se coisa do diabo, pois “Jesus nunca riu”; no século XIX e XX, tem-se um riso contestatório, através do qual os caminhos para as mudanças eram alargados; atualmente vivese, conforme o autor, em uma “sociedade humorística” na qual “o riso é receita eleitoral, argumento publicitário, garantia de audiência”, nela o riso perde sua função contestatória, uma vez que não se pode zombar com eficácia dos políticos que apresentam a si mesmos como palhaços (MINOIS, 2003, p. 598). 51 Trata-se aqui de um pequeno artigo apresentado ao programa de pós-graduação em História Social da Universidade Federal do Ceará, em 2010, como requisitos para a obtenção de nota de disciplina, portanto é uma pesquisa em processo de gestação. O próprio autor nos confessou que, no Maranhão, o vitorinismo, não dispensava o humor como estratégia de estigmatização dos seus desafetos políticos. 63 Embora no município de Penalva ainda não se vivenciassem as transformações que caracterizariam essa sociedade tais como a midiatização do riso, a compreensão do jogo político passa por essa dimensão cômica observada nos comícios e nas relações entre eleitores e candidatos em que um procurava zombar do outro. Nesse contexto, os jingles satíricos cumpriam a função tanto de desqualificar os adversários, visando a enfraquecê-los nas disputas, como demarcar a posição do eleitor que, produzindo ou cantando jingles, declarava de que lado estava, rindo por antecipação de uma vitória que viria, mas sobretudo, ria-se celebrando, também por antecipação, a derrota do adversário: “Vocês estão vendo quem acaba de chegar / É Zé Gonçalves vereador do lugar / Zé Gonçalves e Bolinha / Vão acabar com a Sebaria e nós vamos sorrir” (Entrevista com Maria Silva) 3. 4 GUERRA DE IMAGENS: acusações, apelidos e sua ressemantização nos jingles Nas disputas políticas, o domínio do imaginário ocupa uma posição estratégica, já que “o poder político se rodeia de representações coletivas”, como bem afirmou Baczko (1985, p. 297). Através dos “seus imaginários sociais uma sociedade (...) elabora uma certa representação de si, assim como as imagens dos inimigos e dos amigos, rivais e aliados” (BACZKO, 1985, p. 309); isso faz do seu estudo objeto privilegiado para se desvendar tramas políticas. Sobre a sua produção, é necessário observar, em concordância com o autor, que “em épocas de crise políticas intensifica-se o processo de elaboração de representações sociais, símbolos e idéias-imagens por parte dos diferentes grupos em conflitos, lutando pela legitimidade do exercício do poder político” (BACZKO apud COSTA, 2006, p. 85). Nessa perspectiva, o tempo da política constitui um período de tensão em que as forças em conflito se chocam com muita intensidade, acionando os dispositivos na construção de imagens negativas dos seus concorrentes. De modo que trocas de acusações eram comuns nas disputas, sendo as músicas um dos meios, mas não o único, em que eram veiculadas. Visavam a fazer ver e crê que, na comparação com seus adversários, uma determinada facção era a melhor alternativa. Em 1976, os partidários da Embroma acusavam a “Sebaria” de terem botado uma coruja na casa do candidato João Faveira (João Francisco Mendes) para atrapalhar seus planos de conquistar o Palácio Dez de Agosto (prefeitura). A acusação foi publicada em ritmo de Baião: “Botaram ... Botaram uma coruja na casa de João Faveira para amedrontar / João 64 Faveira, tenha fé em Deus / pode vim mil corujas que essa não valeu / a Sebaria vai cansar de botar / pois com coruja ou sem coruja a Embroma vai ganhar” (Entrevista com Maria Silva). A música explicita bem as estratégias acionadas pelas facções na luta pela construção de imagens negativas dos opositores: de um lado, a “Sebaria” é representada como um agente do mal que usa de artifícios “diabólicos” para atingir seus fins. A coruja, ave de hábitos noturnos que simboliza mau presságio, é acionada como evidência para fazer ver e crer que estes conspiravam contra o “bem”. Por outro lado, João Faveira, o escolhido de Deus, e por isso, não deveria se abater com os planos malignos dos seus adversários que poderiam continuar com seus artifícios, “pois com coruja ou sem coruja a Embroma vai ganhar”. A acusação de conspiração maligna pretendia dividir o jogo político em dois polos segundo uma visão maniqueísta: de um lado, a Embroma, representando o bem; do outro, o Sebo, representado o mal. Esse procedimento discursivo, segundo Patrick Charaudeau (2008, p. 92), é constitutivo do discurso político, uma vez que “é na estigmatização da origem do mal que é preciso inscrever também as estratégias de desqualificação do adversário, sendo este um dos polos constitutivos do discurso político”. Ainda na eleição de 1976, disputada entre João Francisco Mendes e Leovergílio Martins (Lozinho), outra marchinha narra a malograda tentativa de sabotagem empreendida pela Embroma contra a vida de aliados do alto escalão do Sebo: Eu vou contar uma história engraçada / Uma história que se deu aqui em Penalva / Quando o deputado Ivar Saldanha / Veio pelo Sebo convidado / Os embromeiros tiraram a gasolina / Do avião para que ele morresse / Deus é pai de nossa gente / Não deixou que isso acontecesse / Eta embromeiro! Tu estás em desespero / Pega Zé Toalha e joga no lameiro (Entrevista com Maria Carvalho). Uma dimensão cômica acompanhava o desenrolar da história. Os embromeiros são representados como bandidos atrapalhados que de todos os modos tentam, por vias obscuras e desleais, vencer o Sebo que, com a ajuda de Deus, sobrevive aos atentados. Embora a palavra diabo não seja mencionada, é evidente que as músicas se sustentam nos pares antitéticos, bem/mal, deus/diabo. Aqui, “deus é pai de nossa gente”, diga-se, pai do Sebo, por isso não deixou que o mal prevalecesse. Na outra ponta, ele é embromeiro, portanto protegerá seus filhos de quantas corujas forem necessárias. As sátiras musicais eram “palco” dos embates políticos caracterizados por essa guerra de imagens em que cada um reivindicava pra si a legitimidade autorizada por deus e referendada pelo povo. A importância da música nesse jogo de produção de imagens era 65 reconhecida pelos atores em conflito, uma vez que ambos recorriam a esse dispositivo tanto para acusar quanto pra se defender de uma acusação, transformada em calúnia pelo opositor. Na acusação de ter atentado contra a vida do deputado Ivar Saldanha, a Embroma se defende também em ritmo de marchinha: A história do deputado Ivar Saldanha / É uma mentira que o Sebo inventou. / A Embroma não quer que ele morra / Pra ele ver o que vai acontecer. / João Faveira vai ganhar a eleição / E ele vem no mesmo avião / Pra ver Faveira na prefeitura / Com a sua boa administração / Gasolina é a mentira / Que o Sebo inventou / Um deputado desse que o povo nem ligou” (Entrevista com Maria Silva). Não nos é possível verificar a veracidade dos fatos em nenhum dos casos citados, nem constitui nossa preocupação; o importante é notar como as facções políticas acionavam as sátiras musicais para depreciar seus adversários, pondo-se no lugar de vítimas, perseguidas pelos concorrentes tidos como inescrupulosos, visto que não reconheciam limites na luta para conquistar seus objetivos. O uso dessas estratégias supre uma demanda do próprio espaço político, como observou Charaudeau (2008, p. 85), visto que o mundo político tem necessidade de dramaturgia, dramaturgia que consiste em uma guerra de imagens para conquistar imaginários sociais. Contudo a enunciação desse discurso assim como sua eficácia só podem ser compreendidas quando inscritos no imaginário partilhado pelos atores envolvidos, uma vez que, “no domínio político, a construção das imagens só tem razão de ser se for voltada para o público”, funcionando “como suporte de identificação, via valores partilhados”, assim o discurso político necessita mergulhar nos imaginários sociais (CHARAUDEAU, 2008, p. 87). Nessa linha, é preciso observar o que se pode chamar aqui de uma espécie de substrato mitológico da conspiração que povoou o imaginário político europeu nos dois últimos séculos, como observou Raoul Girardet (1987) e aparece nos jingles. do terror jacobino ao terror stalinista, a acusação de complô não cessou de ser utilizada pelo poder estabelecido para livrar-se de seus suspeitos ou de seus opositores, para legitimar os expurgos e as exclusões, bem como para camuflar suas próprias falhas e seus próprios fracassos (GIRARDET, 1987, p. 49). Denúncias de uma conspiração maléfica, judaica, jesuítica ou maçônica, que tendia a submeter os povos à dominação de forças obscuras e perversas, constituíam o enredo de muitos textos literários franceses convergindo para o que o autor chama de uma conspiração 66 mitológica do complô, que deve ser “compreendida senão como uma das ilustrações, a mais poderosa talvez, mas não a única, dessa concepção antitética da ordem universal” (GIRARDET, 1987, p. 49). Embora as acusações de conspiração, denunciadas no ato de botar uma coruja na casa do adversário, ou no atentado contra a vida de Ivar Saldanha, tirando a gasolina do avião que o conduziria de volta a São Luís, possam ter um caráter manipulador, num contexto em que as forças mobilizam os dispositivos possíveis para conquistar seus objetivos, os argumentos só ganham sentido, portanto eficácia, se inscritos nos imaginários partilhados. Na luta para conquistar “o poder”, as facções promoviam um discurso acusatório que não se pode verificar; eram boatos que partiam de adversários para convencer o público, buscando depreciar de todos os modos os concorrentes; entretanto, esse discurso, para parecer crível se inscrevia no imaginário compartilhado pelos munícipes, pois o empreendimento manipulador não atinge seus objetivos fora das crenças compartilhadas: nenhum empreendimento manipulador pode esperar atingir seus objetivos ali onde não existe, nos setores da opinião que ele se esforça por conquistar, uma certa situação de disponibilidade, um certo estágio prévio de receptividade. O que significa, entre outras coisas, que em sua estrutura, em sua forma como em seu conteúdo, a mensagem a ser transmitida deve, para ter alguma possibilidade de eficácia, corresponder a um certo código já inscrito nas normas do imaginário. Aqueles mesmos que quisessem jogar com o imaginário se veriam obrigados, assim, a submeter-se às suas exigências. O mito existe independentemente de seus usuários eventuais; impõe-se a eles bem mais do que eles contribuem para a sua elaboração (GIRARDET, 1987, p. 51). No caso da coruja, os vários terreiros de “cura” espalhados pelo município dão uma dimensão da crença no envolvimento de forças “espirituais” nas disputas políticas. Outro exemplo era a assédio em torno do vereador Raimundo Conceição Lobato por ambas as facções; residente no povoado Santo Antônio, este, além de ser uma liderança no povoado, era temido, supostamente por dispor de poderes mágicos que pudesse interceder nas disputas. No caso da gasolina, verifica-se uma situação de complô, em uma dimensão mais terrena, mas nem por isso menos importante para se perceber essa visão antitética da política que povoava o imaginário das facções em disputas.52 A guerra de imagens entre as facções também pode ser percebida em termo da moral e dos “bons costumes”. Nesse sentido, as imagens negativas que se projetavam sobre José 52 Raimundo Conceição Lobato era “curador”, como genericamente se chamam os adeptos de religiões de matriz africana no município. 67 Gonçalves eram de um forasteiro que chegou para corromper as famílias. “Comentava-se que ele era desmoralizador. Que não podia olhar as mulheres casadas” (Entrevista com Lucília Martins). A imagem deste como um forasteiro que “veio de longe fazer bagunça em terra alheia” aparece em alguns jingles de 1976: “Com Lozinho, com Zé Marques o Sebo bota pra quebrar / A Embroma vai se acabar / Zé Toalha vai embora / Que teu orgulho se excedeu / Tu pensas que Penalva é tua / Procura o lugar que é teu”53 (Entrevista com Joana Barros) ou,“Embarca Faveira embarca / Molha o pé, mas não molha a meia / Zé Gonçalves veio de longe, fazer bagunça na terra alheia”(Entrevista com Maria Carvalho). Nessa guerra de imagens, ser natural de outro município era usado como elemento desqualificador, mas, por outro lado, poderia ser ressemantizado através da música, adquirindo um caráter positivo. O esforço de ressignificação da imagem de forasteiro projetada sobre José Gonçalves aparece na música citada acima, trocando-se os nomes dos candidatos e a palavra “bagunça” por “benefício”: “Embarca Lozinho embarca / Molha o pé, mas não molha a meia / Zé Gonçalves veio de longe, fazer benefício na terra alheia” (Entrevista com Maria Carvalho). Aqui, observa-se uma ambivalência do imaginário: “as referências temáticas são as mesmas, mas suas tonalidades afetivas e morais acham-se subitamente invertidas” (GIRARDET, 1987, p. 17). A condição de forasteiro de José Gonçalves era, para a Sebaria, motivo de desqualificação; para a Embromaria, de Salvação, pois essa era uma das formas como José Gonçalves era apresentado: um homem que, mesmo não sendo filho da terra, muito fazia pelo “povo”; era a imagem de um salvador que veio de “longe fazer beneficio em terra alheia”, como diz a música. Um capítulo interessante do duelo Sebo versus Embroma está no enfrentamento entre o padre Wilson Cordeiro, pároco da cidade, e o prefeito José Gonçalves.54 A igreja era um importante espaço de sociabilidade, reunindo um número expressivo de pessoas nas missas dominicais. A posição política do padre, com críticas verrinas ao prefeito, constituía um dos pontos de tensão entre o padre e o prefeito, o que teria levado as filhas deste a deixarem de frequentá-las (Entrevista com Lucília Martins). Lucília Martins, em um comentário tendencioso, uma vez que era partidária da Embroma, nos dá uma dimensão do embate político entre estes dois personagens e que ilustra bem as querelas Sebo versus Embroma: 53 Zé Toalha era o apelido de José Gonçalves, que tinha o hábito de usar sobre o ombro uma toalha de banho. Faveira era como João Francisco Mendes ficou conhecido, por ser originário da Faveira, povoado localizado na zona rural do município de Penalva. 54 Embora não possamos comprovar, o posicionamento do padre e suas relações com lideranças políticas do Sebo fizeram-nos crer que era simpatizante desta facção. 68 Padre Cordeiro não gostava dele então (...) descobriu que ele não poderia ser padrinho, (...) ele não podia batizar nas missas dele porque ele era forasteiro, aí Zé Gonçalves aproveitava umas missas que tinha num interior chamado Bode (...) dizia que ele era maçon. (...) Quando Zé Gonçalves dava uma jóia era rejeitada (Entrevista com Lucília Martins). A construção da Praça São José, onde está localizado a Igreja Matriz, foi o estopim das divergências políticas entre estes dois personagens em que cada um reivindicava para si a autoridade sobre aquele espaço da cidade. O padre defendia que aquele espaço era responsabilidade da Igreja; o prefeito, por sua vez, em uma demonstração de força, mobilizou seus tratores derrubando árvores que constituíam a paisagem da praça, atitude duramente contestada pelo padre. Nesse cenário conflituoso, a facção liderada pelo prefeito mobilizou-se para tirar o pároco da cidade através de um abaixo-assinado que reunia em torno de 100 assinaturas, enviado ao bispo da diocese de Viana, Dom Adalberto Paulo da Silva: Nós abaixo assinado Fiéis da IGREJA CATÓLICA ROMANA, da Paróquia SÃO JOSÉ DE PENALVA, sediada na cidade de PENALVA, viemos solicitar do Reverendíssimo Bispo D. ADALBERTO DA SILVA, que seja substituído o Pároco desta cidade tendo em vista o mesmo não vir dando à assistência devida a Igreja e outras irregularidades. Penalva, [...] de novembro de 1976. (Arquivo do padre Wilson Cordeiro). Essa parte do documento, conforme se pode observar, foi escrita e assinada logo após as eleições do mesmo mês, entretanto este só foi enviado no ano seguinte (março de 1977), com uma exposição de motivos anexada, que tomamos a liberdade de citar na íntegra: Penalva, 04 de março de 1.977 Tomo a liberdade de vos escrever para relatar-lhe fatos que vem ocorrendo nesta paróquia e que vem criando sérios problemas para os católicos que frequentam como eu a Igreja Romana desta cidade: ocorre que o padre desta paróquia não vem dando a devida assistência aos fieis, quando raramente celebra as missas dominicais, ao invez (sic), de pregar o evangelho dentro da ética religiosa, faz o seu sermão político o que não achamos correto. Alem de tudo trata mal aos católicos que o procuram, e o peôr (sic) é que desfila abertamente com suas amantes causando assim um ascinte (sic) a sociedade. Dado o exposto estou remetendo junto o abaixo assinado por diversas pessoas que como eu esperam que seja determinado outro pastor. Na certeza de vossa compreenção (sic) aproveitamos o ensejo para reiterar protestos de estima e concideração (sic). Joana Nazaré Souza (arquivo do padre Wilson Cordeiro) 69 Essa contenda logo se espalhou pela cidade através de boatos que, de boca em boca, constituíam o principal veículo de propagação de notícias da cidade. Carlos Alberto de Sá Barros, em seu romance histórico Terreiro Grande, escrito vinte anos depois, com uma leitura pró-Embroma, faz uma narrativa deste acontecimento: Um clima de animosidade pairava na relação entre o padre Teodoro [Wilson Cordeiro] e as fervorosas famílias católicas. Ricos comerciantes também se viam privados de uma convivência mais estreita com a igreja; o padre, dizendo-se partidário da liberdade de expressão, abusava do verbo para atingir determinados setores da sociedade, mas, literalmente, era um sectário da liberdade absoluta. Por trás do hábito talar, escondia-se um libertino e conquistador inveterado, que mantinha, aos olhos de todos, um romance com uma mulher casada. Amância Piriquito, a amante e musa, era a mais subserviente das carolas a ponto de exercer outros misteres (BARROS, 1998, p. 101). O desenrolar da querela, na ficção como na realidade, atestada pelos documentos, teria provocado a mobilização de “uma comissão de comerciantes e católicos até São Luís” exigindo a saída do pároco, que teria usado seu “poder de persuasão e convencimento” se fazendo “vítima de perseguições políticas” (BARROS, 1998). De fato o padre Wilson Cordeiro respondeu às acusações como de natureza política, como escreveu o Bispo da Diocese de Viana, Dom Adalberto no rodapé do abaixo-assinado: “apresentei ao mons. Cordeiro o presente documentário, ao qual ele respondeu-me que a razão deste „abaixo assinado‟ explica-se unicamente por vingança política”. Para a nossa tristeza, esse embate não se tornou enredo para os versos dos compositores de plantão, que como soldados-correspondentes dessa guerra, tudo, ou quase tudo, registravam em ritmo de samba ou marchinha; se o fizeram, os registros devem estar perdidos nesses labirintos da memória à espera de um historiador-detetive que possa trazê-lo à tona em uma reedição da batalha Sebo versus Embroma. 3.4.1 Os apelidos Sebo e Embroma: dois apelidos, duas facções políticas em conflito pelo poder municipal. Surgidos na eleição de 1969, constituíam parte das estratégias políticas acionadas por estes grupos, que implicavam a produção de adjetivos depreciativos visando a construir uma imagem negativa do adversário. Nesta eleição, Oziel Souto Pereira Matos e Adelman Jansen (candidatos a prefeito e vice, respectivamente), disputavam a prefeitura do município; suas calvícies foram o pretexto 70 encontrado pelos adversários para depreciá-los, visto que, na época, circulava no município uma suposta receita contra a calvície: acreditava-se que, se aplicando sebo de carneiro sobre a calvície, os pelos se reconstituiriam, daí o apelido Sebo, indicando que os candidatos deveriam “curar” suas calvícies em vez de almejarem a prefeitura do município (MENDES NETO, 2009). O termo (sebo) de acordo com o dicionário Aurélio pode significar “substância graxa e consistente, que se encontra nas vísceras abdominais dalguns quadrúpedes” ou “produto de secreção das glândulas sebáceas, constituído essencialmente de restos celulares, lipídios, etc., e que desempenha o papel de protetor da pele”. Todavia, a palavra comporta sentidos depreciativos podendo significar uma interjeição que “exprime impaciência, desapontamento, irritação” tipo: “ora sebo!” ou “indivíduo pedante, vaidoso, metido a importante; seboso”; “atrevido, intrometido, adiantado” ou ainda aquele que foge das responsabilidades, uma vez que “passar sebo nas canelas” pode significar “fugir” de acordo com o Aurélio.55 Dentre os sentidos pejorativos que permeiam essa palavra e que eram correntes no município, acrescentamos o que realça a questão da higiene pessoal usado para depreciar os adversários, neste caso, seboso significa um indivíduo “sujo”, “maltrapilho”. “Nos comícios [dizia-se] vocês têm que tomar banho porque aqui não entra seboso – ninguém queria ser do sebo” (Entrevista com Lucília Martins). No outro pólo da disputa Sebo versus Embroma, estavam Wilson de Sá Marques e Tomás de Aquino Mendes, apelidados de embromeiros, ou seja, caloteadores, os quais, abusando da credulidade dos outros por “meio de lábias”, buscavam conquistar o eleitorado. Embromar, dentre os sentidos correntes, significa “muito prometer e nada cumprir, ou cumprir dificilmente; gastar muito tempo para decidir um negócio, afirmando sempre que o vai realizar”; “mentira capciosa; trapaça, embuste”.56 Nessa eleição (1969), o Sebo propalava pela cidade que seus adversários eram mentirosos, uma vez que não cumpriam as promessas de campanha, portanto, gostavam de embromar, ou seja, mentir, enganar, enrolar... daí o apelido Embroma. O uso de apelidos fazia parte da cultura política das facções como estratégia de identificação, desqualificação e ridicularização dos adversários. Voltando alguns passos no tempo, na acirrada disputa de 1955, o candidato vencedor Cavour Rochandrade Maciel, portador de um pescoço, digamos, pouco avantajado, na opinião dos munícipes, era apelidado de “Sapo de gravata”. Essa prática pode ser observada em períodos mais recentes da história 55 56 Dicionário eletrônico Aurélio. Dicionário eletrônico Aurélio 71 política do município, senão vejamos a eleição de 2004, quando o candidato José Bonifácio foi apelidado de “Chá de cuia”57, e seu adversário, de Jacaré, em virtude da sua sigla partidária levar o número 1558, e este corresponder ao número deste réptil no jogo do bicho. Os números deste jogo, que envolve nomes de animais, vez ou outra é acionado para depreciar candidatos; foi assim nas eleições de 2008 em que um pasquim fazia a seguinte constatação: Aqui em Penalva os candidatos a prefeitos tem seus números relacionados com os números do jogo do bicho. Por exemplo: o 15 é o jacaré; o 12 (...) é o elefante; o 11 é (...) o cavalo. Como ela não é macho e sim fêmea, como número 11 ela é a égua. O número 11 é a candidata égua. (..), também conhecida como ZACARIAS DOS TRAPALHÕES.59 Esta referência, embora não compreenda os limites do nosso recorte temporal aponta para a recorrência dessa prática nas disputas políticas do município. Fazendo uso da lítotes, ou seja, figura de linguagem em que se afirma uma ideia pela negação do seu contrário, uma facção estigmatizava a adversária, a fim de se firmar como alternativa política. A compreensão das disputas entre estas facções implica compreender o que está em jogo na luta política, “luta ao mesmo tempo teórica e prática pelo poder de conservar ou transformar o mundo social conservando ou transformando as categorias de percepção desse mundo” (BOURDIEU, 2009, p. 142). Assim, em conformidade com Bourdieu (2009, p. 142), na luta para garantir o domínio político, as facções impunham princípios de visão e divisão através do “trabalho de categorização”, ou seja, de “explicitação e de classificação” utilizando-se de todas as formas de “bem dizer e mal dizer, da bendição ou da maldição”. Os apelidos ou estigmas Sebo e Embroma são resultado desse esforço de categorização recíproca em que se buscava construir um estado de desconfiança em torno da imagem destes, manejando o imaginário num jogo de produção de pares antitéticos que consistiam em “legitimar/invalidar; justificar/acusar; tranqüilizar/perturbar; mobilizar/ desencorajar” (BACZKO, 1985, p. 312), imaginário social, que, para Baczko (1985, p. 310) 57 Cuia é o fruto da Cuieira (crescentia cujete L.), “nativa da America tropical incluindo a Amazônia brasileira”. Na Baixada Maranhense é encontrada em ambientes de terra firme. “Seus frutos são empregados na região amazônica e no nordeste para a confecção de recipientes e utensílios domésticos como a cuia, usada no interior para banhar-se” (PINHEIRO, 2010). Era usada também para fins medicinais e, neste caso, comenta-se que o chá é muito amargo, este é o sentido em que o apelido era empregado. Falava-se que o candidato era mais amargo do que chá de cuia. 58 15 é o número do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB. 59 Este texto intitulado “resposta ao pasquim „a força do povo!‟: entenda quem for inteligente”, buscava depreciar a candidata Maria José Gama Alhadef, do Partido Progressista – PP. O autor anônimo se identifica como partidário do 12, número do PDT (Partido Democrático Trabalhista), que tinha como candidato a prefeito Edmilson Viegas. Este circulou durante as eleições de 2008 e compõe nosso arquivo pessoal. 72 constitui “uma peça efectiva e eficaz do dispositivo de controle da vida colectiva e, em especial, do exercício da autoridade e do poder. Ao mesmo tempo, ele torna-se o lugar e o objeto dos conflitos sociais”. A prática de apelidos depreciativos não era uma especificidade das disputas políticas do município. Ampliando a escala para a política regional, observa-se, a partir dos estudos de Costa (2010), que sob o lápis afiado do “Poeta Assombração”, desfilavam um expressivo repertório de apodos direcionados a Victorino Freire, o “cabra de Moxotó” e seus correligionários, “o „bode roxo‟, o „filhote do coroné‟, „babaquara‟, „Mona Lisa‟, „cabeça de espuma‟, „filopança‟, „Zé bobó‟ „totó‟, o „gênio de barro‟, o „boneco Michelin‟(...), além do „corvo‟ e outros „cadelos‟” (COSTA, 2010, p. 3-4).60 Analisando os embates entre Victorino Freire e as Oposições Coligadas,61 nas eleições de 1950, o autor observa que o uso sistemático de apelidos “fazia parte da cultura política das oposições, como estratégia de desvalorização e ridicularização, pelo riso demolidor, dos adversários vitorinistas, formulando códigos culturais compartilhados” (COSTA, 2010, p. 3). O uso de apelidos nas disputas políticas do município de Penalva durante as décadas de 1970 e 1980, conforme observa Costa (2010, p. 4), “estruturava a própria percepção coletiva do campo político em suas divisões internas”, de maneira que, no tempo da política, a cidade se dividia entre os prosélitos do Sebo ou da Embroma. Durante as eleições, os eleitores não só votavam no Sebo ou na Embroma, mas acompanhavam ou pertenciam a uma destas facções. Essas tomadas de posições são características de eleições municipais no Brasil. Palmeira; Heredia (2010, p. 18) observa que nessas eleições, “mais do que uma escolha individual, acertada ou não, o voto tem o significado de uma adesão”. Nas disputas municipais, o que está em jogo, para o eleitor, conforme o autor, “não é escolher representantes, mas situar-se de um lado da sociedade (...). E, em se tratando de adesão, tanto quanto o voto, pesa a declaração pública antecipada do voto”. O eleitor que não se enquadrasse nessa lógica, por questões de desvio ou por jogar, tentando tirar vantagem de qualquer que fosse o vencedor, mantendo seu voto em secreto, não era visto com bons olhos por ambos os grupos, ocupando uma posição marginal antes e após as eleições. Um fato que demonstra bem essa questão aconteceu após as eleições de 1969, disputada por Wilson de Sá Marques e Oziel Souto Pereira Matos. Um eleitor, logo após 60 Os apelidos compõem “um conjunto de poemas satíricos denominados vitorinadas, publicado no jornal o combate”. Para uma análise destes, bem como dos sentidos em que eram empregados ver Costa, 2010. 61 Frente política formada por vários partidos tais como UDN, PR, PSP e PTB que fazia oposição ao vitorinismo (ver COSTA, 2006). 73 saber do resultado do pleito, teria procurado o candidato derrotado dizendo: “– Meu compadre Oziel, nós perdemos a eleição, né, meu compadre!”; Oziel, indignado com a derrota, teria dito: “– você não votou em mim, você votou foi pra Wilson”. O eleitor, frustrado no seu primeiro empreendimento, não desistiu, procurou o candidato vencedor: “– meu compadre Wilson, nós ganhamos a eleição, né, meu compadre!”; Wilson então teria retrucado “– você não votou em mim, você votou foi pra Oziel”. Diante do malogro, o eleitor desabafou: “– então eu votei para o diabo. Se digo que votei em Oziel, ele diz que votei pra Wilson; se digo que votei pra Wilson, ele diz que votei pra Oziel, então eu votei para o diabo” (Entrevista com Maria da Glória Mendes). Nesse contexto bipolarizado, apelidar um candidato, mais que pura chacota, implicava posicionar-se de um lado do jogo, constituía a declaração pública do voto, e isso incluía a luta para garantir o sentido negativo do apelido. É nesta perspectiva que se pode interpretar a atitude de uma senhora, que, ao ser informada sobre o resultado eleitoral do pleito de 1972, desceu as escadarias da igreja São José de Penalva de joelhos com um prato repleto de sebo sobre a cabeça, afirmando em uma espécie de “ritual” que pretendia “derreter o Sebo. Expulsar o Sebo da nossa cidade” (Entrevista com Lucília Martins). Esta ação resultante de uma promessa, caso o Sebo fosse derrotado, nos apresenta o grau de envolvimento do eleitorado nos processos eleitorais e, do ponto de vista simbólico, representa o esforço para garantir o sentido negativo do apelido. Por outro lado, admitir o apelido, afirmando “eu sou do Sebo” ou “eu sou da Embroma”, tanto quanto a tomada de posição, compreendia um esforço de ressemantização do apelido. Se por um lado, estes surgiam como proposta depreciativa, no desenrolar das disputas, eram ressignificados, assumidos pelas facções e tornados elementos de unidade, bandeira de luta hasteada pelos que assim passavam a se identificar. As músicas eram um importante dispositivo nessa empreitada, lugar em que os grupos operavam a ressemantização das imagens, transformadas em algo positivo, de modo que a própria facção denominada “Sebo” cantava: “a turma do Sebo é aquela união / Com José Marques na ponta vamos ganhar de montão”; ou: “Com Lozinho, com Zé Marques / O Sebo bota pra quebrar / A Embroma vai se acabar”. Outros recortes apontam para essa mesma direção, às vezes em tom de ameaça: “quem pisa no Sebo escorrega”. Na letra do jingle que denuncia o suposto atentado contra o deputado Ivar Saldanha cantava-se: “Quando o deputado Ivar Saldanha veio pelo Sebo convidado”. O apelido que foi produzido para depreciar foi assumido por esta facção, adquirindo um sentido positivo. 74 Essa mesma estratégia de ressignificação aparece em vários jingles da Embroma, algumas vezes ameaçando os adversários: “largue Sebo, vote na Embromaria, quem votar na Sebaria vai se arrepender”. Outras se defendendo da acusação do atentado: “a Embroma não quer que ele morra pra ele ver o que vai acontecer”. Frases que denunciam essas estratégias estão presentes em grande parte das músicas. Ao tomar posição, cantando em primeira pessoa, os atores envolvidos no conflito revelavam, não só de que lado do jogo estavam, se do Sebo ou da Embroma, mas a reapropriação do significado: “Só pretendo morrer / Depois que o Sebo acabar / E se Deus do céu quiser / Isso não vai demorar / A Sebaria que trate de dar um fora / Pois eu sou da Embromaria / É quem está com a vitória”. Na luta pelo controle do imaginário, até Deus era embromeiro. Mas, como em uma luta política marcada por uma visão antitética do bem e do mal, em que a governança da cidade deveria ficar a cargo dos homens de bem, alguém poderia se autodenominar “embromeiro”? Ou seja, mentiroso, trapaceiro, que muito promete e nada faz? Isso só é possível porque a palavra nada mais tinha a ver com seu sentido inicial, pelo menos no sentido usado pelos seus partidários. Aqui “embromeiro” era usado num sentido positivo, como o grupo que tinha legitimidade para governar a cidade, liderado por José Gonçalves, que “veio de longe fazer benéfico em terra alheia”. “Homem caridoso” que ajudava os pobres da urbe com cestas básicas e outras benesses. Assim, os jingles constituíam um importante lugar, mas não o único, de produção de imagens depreciativas que iam da acusação de sabotagem ao estigma do forasteiro e corruptor da moral, bem como um dos lugares de ressignificação dessas imagens, o que o torna um lugar privilegiado para se desvendar os modos de se pensar e praticar a política. 3.5 “TEMPO DE ANTES”, DECADÊNCIA E EMERGÊNCIA DO SALVADOR Embora as músicas depreciativas ou de deboche atravesse a história política do município em um recorte que ultrapassa as fronteiras do período aqui analisado, chegando até os dias atuais com muito vigor, algumas, sobretudo no final dos anos oitenta, buscavam “vender” uma imagem positiva dos seus candidatos, estas sim, se encaixam no conceito de jingle eleitoral utilizado pelos profissionais do marketing supracitados. 75 Os jingles dos dois candidatos que efetivamente disputavam a prefeitura em 1988 tinham essas características.62 No da candidata Derze Barros, um eleitor externava sua intenção de votar na candidata “pra Penalva melhorar”: “Mamãe, eu quero / Mamãe, eu quero / Mamãe, eu quero votar / Em Derze Barros / Em Derze Barros / Em Derze Barros pra Penalva melhorar (Entrevista com Sonia Barros).63 Por outro lado, a música do candidato adversário chamava a atenção dos eleitores pra votar “certo em Marival” rumo a “uma nova estrutura e Marival na prefeitura pra Penalva melhorar”: Nós não queremos nada de conflito / Porque o bebê chora e eu grito / Eu quero mesmo é votar / Pra uma nova estrutura e Marival na prefeitura pra Penalva melhorar / Escute caro eleitor que isto é mais legal / Dia 15 de outubro vote certo em Marival / Escute caro eleitor que isto é bem legal / Dia 15 de outubro vote certo em Marival (Entrevista com João Carlos Martins). Nas duas músicas, a temática da mudança é conjugada no verbo “melhorar”. Ambas apresentam seus candidatos como agentes da melhoria. Melhorar Penalva, uma cidade que objetivamente, como muitos municípios brasileiros, carecia de serviços essenciais como escolas, saneamento, saúde pública, emprego, etc. Ao rebobinarmos o filme da história para o outro extremo do nosso recorte e mais alguns anos antes, verificamos que, em 1966, a escola Beira-Mar do Samba já cantava samba com esse conteúdo: “Em 66 Penalva já vai melhorar / Zé Marques ganhou a política / Aquino é quem vai entregar / Eu quero ver, quero ver, quero ver... / O que é que Zé Marques vai fazer (Entrevista com Maria da Conceição Nunes Moreira). “Melhorar Penalva” era uma expressão comum nos discursos políticos dos agentes em disputas, sobretudo no final dos 1980. A compreensão desse discurso em que os candidatos se apresentavam como agentes da mudança, no extremo, como salvador do município que se encontrava em um momento de decadência, conforme a visão da época, ganha densidade quando inserido no imaginário político compartilhado pelos munícipes. Imaginário que se sustenta nas noções de passado, presente e futuro. É a partir da conjugação destes três tempos verbais, assim como dos seus correspondentes, que se pode compreender os sentidos destes enunciados. O presente corresponde a um período de decadência, um tempo 62 Em 1988, houve uma espécie de rearranjo político, e novas acomodações se processaram nas disputas. Cinco candidatos concorreram nesta eleição: Derze Barros e Maria Joaquina, remanescentes do Sebo; Marival Sá, da Embroma; e Gerval Gonçalves e Raimundo Meméu, sem filiação às antigas facções. 63 Esta é uma marchinha carnavalesca, paródia da música “Mamãe, eu quero”, de Vicente Paiva Ribeiro, gravada por Carmen Miranda pela Odeon, em 1941, e que fez sucesso na época e nos carnavais seguintes. (www.projetodeceranirez.com.br). 76 de angústia provocado pela incompetência, falta de compromisso e desonestidade dos políticos, que deveria ser superado com a emergência de um salvador que haveria de libertar o povo do cativeiro, reconduzindo-o às trilhas do desenvolvimento vivido no “tempo de antes”, um passado de glória, de abundância, um tempo de fartura, idade de ouro para a qual se deveria retornar caso elegesse um bom governante para a cidade. Todavia, a compreensão desse imaginário não é tão evidente nos jingles quanto em outras fontes, daí ser importante recorrermos a outras peças para montarmos esse quebra-cabeça, tais como cartas, artigos de jornais e texto literário, que melhor expressam essas imagens, assim como suas apropriações políticas. 3.5.1 “A Penalva do passado e do presente” A concepção de que, no passado, viveu-se um tempo de opulência, tempo em que “tudo era bom”, de “glórias inesquecíveis”, com festas “monumentais”, povoava o imaginário social do município. Essas imagens do “tempo de antes” podem ser visualizadas em artigos de jornais, obras literárias, cartas e abaixo-assinados escritos num período que vai dos anos 1970 aos 1990. Em A Penalva do passado e do presente64, Nezinho Soares nos apresenta, com muita riqueza de detalhes, o sentimento que povoava o imaginário social da cidade no final da década de 1970, no que se refere às representações do passado. O autor acaba por desenhar uma espécie de “mapa da saudade”, expresso no vazio da perda de um tempo que não volta mais: “Só quando estamos ausentes, quando sentimos ao nosso redor o vazio; quando a saudade dilacera a alma é que podemos compreender e medir a força dos sentimentos que nos prendem a outrem”. Penalva aparece no texto como um espaço da saudade, para usar a expressão de Albuquerque Júnior (2011, p. 78), que muito bem definiu este sentimento: A saudade é um sentimento pessoal de quem se percebe perdendo pedaços queridos de seu ser, dos territórios que construiu para si. A saudade pode ser também um sentimento coletivo, pode afetar toda uma comunidade que perdeu suas referências espaciais ou temporais, toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posição, que viu os símbolos de seu poder esculpidos no espaço serem tragados pelas forças tectônica da história. 64 Texto publicado no Jornal dos Municípios em agosto de 1979, como parte das comemorações do aniversário da cidade. Este jornal, fundado por Nezinho Soares, tinha como sede São Luís, capital do Estado, e se autoafirmava “órgão de defesa das cidades interioranas do Brasil” (Jornal dos Municípios, 15-31 ago. 1979). 77 O que nos interessa é a saudade como um sentimento coletivo, compartilhado pela comunidade e que serve de referência para os discursos políticos. A análise dos textos que descrevem o passado quase sempre aponta para a opulência: um tempo de “glórias inesquecíveis”, em que “tudo era bom”. Representações de um tempo perdido e não mais recuperável, mas que sobrevivia nas lembranças: Lembremos da grande Penalva do passado, com seu luar admirável, repleto de poesia, com suas serenatas atordoadas de seresteiros. Penalva de belas magias e festas populares. Penalva de amores. Penalva de maravilhosas peixadas preparadas por “Mamãe Ozias”. Penalva das mulheres bonitas. Penalva de Zezico Leite, de Zé Marques, de Wilson Marques, de José Gama, Penalva amiga do José Privado, de Firmino Feitosa e Manoel Carrapato, Penalva de gente amiga e ordeira; finalmente, Penalva da alta sociedade, da granfinese da época de 1950 (Jornal dos Municípios, 15-31 ago. 1979). Eis um mapa da “grande Penalva do passado” repleta de “poesia”, de “belas magias”, de “amores”, de “maravilhosas Peixadas”, de “mulheres bonitas”, dos grandes homens, de gente “ordeira” e da “alta sociedade” que viveu os “anos dourados” da década de 1950. Imagens de um “passado glorioso”, “imponente” que “jamais voltará ao presente”. Nas representações do “tempo de antes”, as imagens são “de um passado tornado lenda, visões de um presente e de um futuro definidos em função do que foi ou do que se supõe ter sido” (GIRARDET, 1987, p. 97). Embora as referências sejam às décadas de 1950 e 1960, período em que a cidade ocupou uma posição relevante na produção de arroz e babaçu no Estado, isto não é mencionado no texto. As recordações paradisíacas de Nezinho Soares destacam o “aurirrosado da década de 50 a 60, quando tudo era bom, quando tudo era festim, festas de cavalheirismo, festa de cordialidade comandada por Wilson Marques, Nestor Balby – o imortal amigo; José da Costa Leite, Candido Bahia” e outros mais. A descrição do “tempo de antes”, aqui apresentada, não leva em consideração os aspectos econômicos, mas apenas as festividades, cordialidades e outras supostas qualidades dos habitantes da cidade. Uma “cidade alegre comandada por José Gonçalves, com sua festa monumental de São José, sua barraca repletas de manjar, doces e muitas guloseimas”. Imagens de um tempo em que “tudo era encanto” com “festa que se iniciava, sem as esperanças de terminar, dada a vibrante animação de seu arraial”. O passado se agigantava diante do presente: “Hoje, a Festa de São José transformou-se numa lenda de saudade para quem conheceu a glória de seu passado, hoje apenas relembradas pelos saudosistas”. Tudo ganha dimensões gloriosas nas descrições de Nezinho Soares, a comida, a bebida, as festas, as 78 lendas e “grandes homens” do passado. “Oposto à imagem de um presente sentido e descrito como um momento de tristeza e de decadência ergue-se o absoluto de um passado de plenitude e de luz” (GIRARDET, 1987, p. 98). Guisa do passado, és tu Penalva, pelas tuas riquezas e pelas várias iguarias de tua cozinha, pela cerveja gelada da nossa amiga Clara, pelas galinhas guisadas a molho pardo da nossa saudosa “Mamãe Bebé” pela “pinga” tradicional do JATOBA, pelos cabarés do passado comandados por Nestor Balby/Belinho Leite, na celebre “Pitombeira de João Velho”. Pela lenda das surras dos “CAIXÕES DE DEFUNTOS”, pelo negrinho afilhado de Nhozinho Palma – proprietário da única Funerária do passado, que ordenava ao afilhado sovar os “CAIXÕES” às segundas e sextas feiras com os seguintes dizeres: procura teu dono, porém, o afilhado ao invés de pronunciar “TEU DONO”, pronunciava – procura meu padrinho Nhozinho. (...) Finalmente a Penalva de tantos homens ilustres do passado, entre elas, me vem a memória – Gentil Carvalho Silva, Cavour Rochandrade Maciel, Dr. Djalma Marques, Dr. J.J. Marques, Estevam Travassos, Luis Messias, Augusto Pinto Leite, Francisco Cunha, José da Costa Leite, Jacinto Barros, Maestro Antonio Gama, Macico Mendonça, Antônio Jansen, Antonio Muniz Rodrigues, Sabino Mendonça Barros, e o seu primeiro prefeito José Pinto, que foi deposto do cargo no inicio de sua administração (Jornal dos Municípios, ago. 1979). Este texto era uma homenagem do autor às comemorações do aniversário da cidade e constitui um interstício por onde se podem perceber as visões que os contemporâneos tinham acerca do passado e do presente, assim como da perspectiva do futuro. Futuro que poderia até ser melhor que o presente, porém, os culpados pela decadência, os políticos, deveriam se unir em prol da superação desse momento de nostalgia, e é convocando-os que Nezinho Soares encerra o texto: “No final desta minha homenagem a Penalva, conclamo aos políticos da boa terra, para que se unam em prol de uma Penalva vibrante e progressista”, pois “somente assim, nestes 64 anos de sua emancipação, ela estaria recebendo o seu maior „presente‟ – a união de todos, em um elo de paz, de amor, pelo bem da terra, e de sua hospitaleira gente.” A representação do “tempo de antes” tornava-se mito, nas palavras de Raoul Girardet (1987, p. 98), “no sentido mais completo do termo: ao mesmo tempo ficção, sistema de explicação e mensagem mobilizadora”. Essa narrativa tem acompanhado os discursos sobre a cidade. Durante os anos 1990, embora só parcialmente compreenda o recorte desta pesquisa, é importante destacar alguns textos escritos nesse período pela riqueza de imagens saudosistas das décadas anteriores. Dentre os poucos autores que expressaram seus olhares sobre a cidade, Carlos Alberto de Sá Barros nos apresenta uma Penalva do passado que outrora viveu tempos de glória e que no 79 presente vivia momentos de crise, assim como aponta as medidas que deveriam ser tomadas para a “libertação” e “desenvolvimento” da cidade num futuro próximo. Em cantigas de bem-querer, o autor reúne vários textos, escritos no início dos anos 1990, que expressam a sua visão saudosista de um passado em que “havia pobreza sim, nunca desencanto, jamais miséria”. Mesmo o apartheid nos clubes de festas, como o Pálace Clube, em que um muro separava “brancos” e “negros”, é minimizado nos textos deste autor: “havia paz mesmo e até a tola e inconsequente divisão racial que distinguia o clube de pretos, mulatos e brancos não a intimidava. A tolerância predominava sobre o egoísmo de alguns”. O olhar sobre o passado é repleto de nostalgia: “o tempo passou e hoje reúno minhas lembranças num clima de saudade muito forte” (BARROS, 1994, p. 11). Assim, o autor que residia em São Luís, descreve uma de suas visitas à cidade: “e a mente viaja. No tempo. No espaço. Caminhando pelas ruas do Grêmio me detenho um pouco; nelas as acontecências estão vivas, retratando uma época difícil, mas, sobretudo, positiva”. E assim vai tecendo uma espécie de “mapa da saudade” destacando a dor da perda, perda de um passado supostamente glorioso para onde não pode mais voltar: “ainda na praça, uma emoção mais forte faz estremecer o corpo; ah! Como dói ver as ruínas do instituto São José de Penalva, de glórias inesquecíveis...” (BARROS, 1994, p. 12). É na associação com seus filhos “ilustres”, símbolos de uma era gloriosa, que a geografia da cidade vai sendo apresentada ou, dito de outro modo, os cacos de um passado grandioso porque vivido por grandes homens: “restou o grupo escolar estadual que, a exemplo da praça, recebeu o nome de um dos filhos mais ilustres da terra, José Joaquim Marques, o segundo penalvense a ocupar o cargo de Governador do Maranhão”, pois o primeiro teria sido “Manoel Lopes”, “irmão de Celso da Cunha Magalhães, nosso mais festejado homem de letras”. E o passeio continua pela rua “Celso Magalhães‟, o principal palco de eventos tão importantes quanto a grandeza daquele que lhe emprestou o nome”. Os pontos da cidade vão sendo apresentados e representados em uma grandiosidade passadista que tinha como referente a grandeza dos “grandes” nomes da sua história: “Manoel Lopes da Cunha”, governador do estado em 1902, “José Joaquim Marques”, governador do estado em 1918, “Celso Magalhães, nosso mais festejado homem de letras” (BARROS, 1994, p.13). De modo que as lembranças de um tempo de glória vão se contrastando com o sentimento de perda: Foi-se o tempo em que sábios, boêmios, loucos e poetas conviviam em clima festivo. Não vivem mais Cavour Maciel, Djalma Marques, Wilson de Sá Marques, José Marques, Aquino Mendes, Benedito Arouche, Doralice 80 Coutinho, Basinho Cordeiro, João Gama, Genésio Santos, Aciolino Barbosa, José Maia, Tomás Coutinho, José Gama (BARROS, 1994, p. 13-14). A lista é extensa. Todos ocupariam o panteon dos grandes nomes da história da cidade em diferentes temporalidades: Celso Magalhães no século XIX, Cavour Maciel nos anos 1950 e tantos outros reinventados nos anos 1990 como heróis de uma era gloriosa. Este texto, escrito em 1991 para saudar a cidade pelos seus 76 anos de emancipação política, também visava a mobilizar o eleitorado para as eleições do ano seguinte. No título, já fica evidente essa intenção: “salve(emos) Penalva”. Salve, no sentido de saudação pelo aniversário e salvemos no sentido de salvar a cidade do estado de decadência em que supostamente se encontrava. O saudosismo do autor atravessa os textos seguintes e é confessado pelo próprio: “de vez em quando a mente entra em devaneios, para trazer de volta tantas recordações, que não se apagam nem mesmo com o transcorrer dos dias e dias de tantos anos de ausência. É um vai-e-vem de imagens, mergulhadas de eternas e doces emoções, presentes e coloridas” (BARROS, 1994, p. 17). No limiar dos anos 1990, Carlos Alberto de Sá Barros nos dá uma fotografia fúnebre da cidade: “de repente, percebi que faltara energia. Uma sensação esquisita me envolveu o corpo trêmulo, medroso. Ninguém nas ruas. Parecia que eu estava numa cidade fantasma, fria, triste, morta”. A imagem da dor é intensa e jorra como lágrimas de quem perdeu suas referências históricas: “doeu na alma e um pranto cessou meu entusiasmo e esperanças por um instante. Refeito, confessei aos amigos o sentimento de pesar, que eu experimentava” (BARROS, 1994, p. 66). Uma série de motivações para o estado de decadência vivido pela cidade é destacada: O município sobrevive da cota de participação; a agricultura é subdesenvolvida, portanto a sua produção não atinge índices significativo; o comércio é limitado e pequeno, não emprega ninguém; a pesca predatória vem reduzindo a cada ano o principal alimento do povo; a prefeitura, maior empregadora da cidade paga salários miseráveis (...); não há incentivo à cultura, nem alternativas de lazer para a juventude (BARROS, 1994, p. 65). Esses seriam os motivos dos males que a cidade padecia, tais como, “desemprego”, “êxodo”, “fome”, “analfabetismo”, “prostituição”, “crianças desamparadas”, proliferação do ócio e da preguiça”, dentre outros males. As imagens são de uma cidade onde “há carência; sobretudo, carência de tudo”. A angústia do autor se manifesta na comparação entre um passado de opulência e um presente decadente, dois polos que se distinguem em uma pergunta 81 frustrante: “como pode um município, essencialmente agrícola, que já ocupou posição de destaque entre os principais fornecedores de arroz e babaçu, chegar a essa humilhante situação?” (BARROS, 1994, p. 66). Aqui vale destacar uma característica importante no processo dessa “constelação mitológica” definida por Girardet (1987), como “Idade de Ouro”, tempo em que “tudo era bom”65, que são os “tempos de referência”.66 Tanto Nezinho Soares quanto Barros (1994) se referem aos anos de 1950 e 1960 como sendo o tempo em que a cidade viveu esse suposto período de opulência. O último faz uma viagem ainda mais profunda, remontando aos tempos da catequização jesuítica. Porém, pela própria especificidade dos textos (o primeiro escreveu um artigo de jornal, o segundo publicou vários artigos reunidos em livro, um livro que trata da história política da cidade, além de uma obra literária) verifica-se uma diferença: o primeiro constrói seu discurso apologético destacando os “grandes nomes” da história do município, a culinária, as festas, etc. O segundo, além disso, faz referência a esse mesmo tempo destacando também os aspectos econômicos, sobretudo a produção de arroz e babaçu, lembrado pelo seu contemporâneo Raimundo Balby (2000) como um “período áureo”, tempo em que, Embarcações cruzavam a baía de São Marcos, pegavam o Mearim e o seu afluente, o Pindaré, chegando à região do Maracu, onde se deslocavam na época invernosa até Penalva em busca de arroz e babaçu. Muitas vezes, o pequeno porto ficava congestionado, tal a quantidade de embarcações carregando e descarregando – Iara e Fátima [...], São Sebastião, Nazaré de Belém, Santa Catarina, Santa Serafina, Candal, Estrela do Mar e São José de Penalva [...] – eram algumas das lanchas desse áureo período” (BALBY, 2000, p. 70-71). 67 Em Terreiro Grande, romance histórico publicado em 1998, o autor (Barros) faz uma síntese das pesquisas que vinha realizando deste os anos 1980 e que já havia sido publicada no livro Elementos Para a Reconstituição Histórica de Penalva, de 1985. No romance, a personagem Lavonério Pedreira aparece como “um profundo conhecedor da cidade e de sua gente” que certo dia se põe a “rememorar fatos e episódios que marcaram o início da vida no lugar”: 65 Jornal dos Municípios, ano II, n. XXXV, 15-31 ago. 1979. Conforme Giardet (1987, p. 101), a construção mitológica segue patamares. O “terceiro patamar da construção mítica” seria o da “não-história” em que os tempos de referência não estão mais ligados a qualquer periodização. Nesse patamar “a visão da Idade de Ouro confunde-se irredutivelmente com a de um tempo não-datado, nãomensurável, não-contabilizável, do qual se sabe apenas que situa-se no começo da aventura humana e que foi o da inocência e da felicidade.” No nosso caso são identificadas as datas que estão ligadas ao tempo de vida de determinadas pessoas ou à própria produção de arroz e babaçu. 67 Já usamos esta citação no primeiro capítulo. Achamos por bem trazê-la novamente para esta discussão, pois ilustra muito bem a visão que os munícipes tinham desse período. 66 82 Rebuscando antigas imagens que o velho avô pintava, muitas vezes a percorrer caminhos de sensatez e fantasia, Lavonério agora via passar na sua mente a narrativa de aspectos do cotidiano político-social de Terreiro Grande, com exuberante riqueza de detalhes e abrangência extraordinárias. Movia-o um sentimento de saudade e de pesar. Os tempos mudaram. A cidade que fora centro de atividade pesqueira, pólo de produção pecuária e agrícola e celeiro de irradiação cultural se transformara com o passar do tempo (BARROS, 1998, p. 9-11). Essa imagem de que no passado viveram-se tempos de glória que foram tragados pelas forças tectônicas da história ou, dito de outro modo, depreciados pelas más administrações que se sucederam na prefeitura da cidade, é muito abundante nos textos do autor e, embora tenham diferenças no que se refere às razões da decadência, era uma visão compartilhada. Ao situarmos os lugares de falas dos autores, verificamos uma certa variação entre os autores citados e a percepção de homens mais simples daquela sociedade. Tanto Carlos Alberto de Sá Barros quanto Nezinho Soares faziam parte da elite letrada. O primeiro era filho de Ernane Barros, proprietário de um bar muito popular nos anos 1950 e 1960, ponto de encontro da elite econômica da cidade. Nos anos 1970, mudou-se para São Luís (capital do Maranhão), posteriormente ingressou na Universidade Federal do Maranhão, atuando como chefe do Departamento de Arte. Foi Diretor Geral e Secretário Executivo da Rádio Educadora. Em 1997, foi secretário de Educação no município de Penalva (BARROS, 1998). Como integrante da elite letrada do estado, Barros compartilhava de uma concepção decadentista que se cristalizou ao longo dos séculos XIX e XX no Estado, assunto que retomaremos adiante. Já Nezinho Soares, embora escrevesse textos ufanistas sobre a cidade, não era natural nem residia no município. Passou a visitá-lo nos anos 1970, nos parece, a partir das suas relações com José Gonçalves e João Mendes (ambos foram prefeitos do município – ver Tabela 1, na p. 20). Nezinho, com a anuência de João Mendes, prefeito entre 1977 e 1982, fundou o Festival da Peixada, festa que se popularizou em vários municípios da Baixada com alta produtividade de pescado. Este era o redator do Jornal dos Municípios, que ele fundou nos anos 1970, supostamente para representar os anseios dos municípios do Estado. Este jornal sobrevivia de matérias pagas pelos prefeitos, os quais, através destas, faziam propaganda de suas administrações. Muitas matérias deste jornal faziam apologias aos prefeitos. No texto citado anteriormente em que exalta as grandezas do passado da cidade, observa-se um tom de bajulação (anexo), o que pode ser observado em outros textos referentes a outros municípios. De modo geral, estes autores (Barros e Nezinho Soares) 83 faziam parte da elite letrada do Estado e expressavam bem o imaginário da decadência que se sedimentou ao longo do Oitocentos e do Novecentos. Contudo, embora haja diferenças entre a descrição da cidade por estes autores e um pescador, por exemplo, não se pode dizer que essa visão era atributo da elite letrada. A análise das narrativas sobre o passado da cidade aponta para uma circularidade dessa concepção. Vários outros personagens de profissões distintas no município, como o lavrador Mariano Mendes, o pescador Sidney Barros ou o músico João José, expressam essa percepção do passado. Era uma visão compartilhada por grande parte dos munícipes. As narrativas destes personagens convergem para a perda de um tempo de abundância: tinha “muito arroz, muito milho, muita mandioca que arroz se perdia na roça” (Entrevista com Mariano Mendes). Tempo de abundância de peixe em que “tropeiros” marchavam do Ceará para adquirir pescado: “vinham pessoas do Ceará comprar peixe aqui”. “Curimatás, Surubins, Pescadas...”, peixes que eram consumidos (no Ceará) por pessoas de alto poder aquisitivo, “pobre não comia”. “Lá, o sal que saía desse peixe era vendido para os pobres às canecas [...] para temperarem feijão” (Entrevista com Sidney Barros Mendes). Tempo em que não havia pobreza: “eu acho que não havia pobreza, havia mais era falta de estrada porque a lavoura era boa, muito arroz, muita farinha, muita mandioca, muito fumo de móio...” (Entrevista com Mariano Mendes). E ainda que tivesse, não comprometia a felicidade do penalvense, conforme João José: tinha muita pobreza, mas não tinha miséria porque tinha pouco pedinte, não tinha muita gente pedindo esmola, tinha uns quatro uma meia dúzia só [...]. Então eu considero que tinha pobreza [...] a grande maioria era pobre, mas não tinha miséria, ninguém passava fome, ninguém andava dormindo na rua, todo mundo tinha lugar para dormir morar, embora fosse uma choupana, uma casinha humilde, mas tinha [...]. Todo mundo tinha de que trabalhar. Quem não era pescador, era [...] magarefe, [...] e os outros eram alfaiates, eram pedreiros, eram oleiros, tinha até sapateiro. Tudo isso tinha aqui em Penalva (Entrevista com João José). Esse olhar para o passado, tempo de alegria e felicidade, em que havia pobreza, mas nunca miséria; em que não faltava trabalho, comida nem casa, e que ora encontrava-se decadente, pode ser lido também no Jornal Penalva.68 Em uma edição de novembro de 1997, no texto intitulado, Penalva: Terra amada, uma espécie de tributo à cidade, as representações corroboram a visão de um passado de glória perdido devido à insensibilidade de alguns 68 Sobre este podemos afirmar que era um jornal trimestral. Não nos é possível determinar com exatidão seu tempo de circulação, mas encontramos edições de 1988 a 1997. 84 “filhos” ou “forasteiros” que desviaram a cidade do caminho do progresso para onde deveria retornar no futuro. Assim, de interrogação em interrogação, o texto encaminha seu “canto” fúnebre: “Penalva, terra querida e amada, onde estás que não responde? Cadê o teu brilho que a muito perdeste? O teu título de princesa da baixada arrancaram de ti”. As imagens são de uma cidade sem “brilho” e sem “título”, outrora nobre, no presente, serva, pobre, sem festas e sem comida: “As tuas tradicionais festas se acabaram e os teus peixes nos lagos e rios, não se sabe para onde foram, pois não são mais encontrados”: Ah, minha doce e querida Penalva, até a alegria de viver do teu povo está sendo arrancada sem piedade! O que tu fizeste de mal para estes filhos tão cruéis e ímpios, pois a eles tu destes vida. Comer beber e amor? Até as boas sementes, que na tua sagrada terra nasceram, eles cortam as raízes, destroem a esperança de te ver alegre, bela e feliz com teu povo. Mas tu não podes desistir e nem se dar por vencida. No teu solo cotidianamente nascem sementes que, a qualquer momento, podem se rebelar no menor descuido de teus inimigos. Tu mesma, oh minha querida Penalva, poderás dar o tiro de misericórdia (Jornal Penalva, set./nov. 1997, p. 3). Vitimada pelos filhos ingratos “cruéis e ímpios” que ora dominavam a cidade, cortando-lhe “até as boas sementes” que brotavam no seu sagrado solo, a cidade padecia de males dos quais se veria livre com a força de todos os seus “filhos queridos”. A narrativa segue uma estrutura linear: passado de opulência; presente decadente e a perspectiva de um futuro, neste caso, ainda melhor que o passado. É em um tom profético que o texto se encerra: “Haverá um dia em que a tua terra, o teu solo, os teus rios e lagos alimentarão apenas os teus queridos filhos, não mais forasteiros como tem se sucedido”. Os horizontes de expectativas apontam para a emergência de um novo tempo, tempo de fartura e felicidade demarcado com a ruptura de uma suposta política que travava o município da sua caminhada rumo ao progresso. Rompidas estas limitações “tua beleza resplandecerá e teu povo sorrirá feliz e tu não serás mais a princesa, mas a Rainha da Baixada”.69 Embora se devam respeitar os tempos distintos em que os textos aqui citados foram escritos, assim como seus respectivos contextos, trazem uma coerência baseada na oposição passado versus presente. O que é constitutivo das formulações imaginárias que compõem essas narrativas. É o próprio Girardet (1987) que apresenta essa estrutura “lógica” e “linear”, definindo-a como a “constelação mitológica da Idade de Ouro”: com algumas nuanças, todo sonho, toda recordação, toda evocação de uma Idade de Ouro qualquer parece, com efeito, repousar sobre uma única e 69 Jornal Penalva, set./nov. 1997, p. 2. 85 fundamental oposição: a do outrora e do hoje, de um certo passado e de um certo presente. Há o tempo presente e que é de uma degradação, de uma desordem, de uma corrupção das quais importa escapar. Há, por outro lado, o „tempo de antes‟ e que é o de uma grandeza, de uma nobreza ou de uma certa felicidade que nos cabe redescobrir (GIRARDET, 1987, p. 105). Na edição de agosto de 1991, mês da comemoração do aniversário da cidade, o discurso da decadência se projeta sobre esta que teria chegado “aos seus 56 anos de emancipação política e financeira convivendo com uma de suas piores crises”. Uma cidade abandonada: “esquecida pelo Poder Público, e lembrada pelos políticos somente em época de eleição, Penalva é hoje, uma cidade fantasma, onde as pessoas estão sendo chamadas de os mortos-vivos”. Sem “saúde. A educação, há cinco anos não consegue reduzir o número de analfabetos, além do que o salário que é pago a uma professora não consegue comprar 10 quilos de carne”.70 Algumas fontes aqui analisadas foram produzidas fora do nosso recorte temporal, e talvez dizem muito mais sobre o presente dos atores do que do seu passado; contudo, essas imagens que se projetam sobre o presente, passado e futuro, mesmo situadas fora do recorte da pesquisa, revelam um imaginário social partilhado pelos habitantes do município. Imaginário que, deslocado para os embates políticos, constituía a matéria-prima dos discursos acionados pelos políticos nos embates eleitorais. Durante os anos 1980, o discurso da decadência era a tônica das críticas a José Duarte Gonçalves, um político que, conforme já apontado, dominou a cena política do município entre 1972 e 1988. Marinaldo Serejo, editor do Jornal Penalva, em seu “testemunho ocular”, em tom de denúncia expõe o seu olhar sobre a cidade: Socorro!... Seria o mínimo que uma cidade faminta, sem trabalho e dinheiro poderia dizer. Se existe milagre, posso afirmar que assisti um: uma população inteira, marginalizada, sobrevive! O penalvense é antes de tudo um forte. Pois consegue resistir a um estado de calamidade em que Penalva está mergulhada e ainda tem ânimo para ir às ruas festejar o carnaval. Mas, passada a ressaca, passa também a ilusão do prazer, retornando a triste realidade de um melancólico cotidiano. „A nossa satisfação quem faz são vocês, que vêm de fora trazendo alegria e dinheiro. Sem vocês esta cidade vira tapera (Jornal Penalva, mar. 1988, p. 2). Eis um retrato de Penalva pintado em gritos de “socorro”, uma “cidade faminta”, “sem trabalho e sem dinheiro”, mas que ainda assim, com a bravura do seu povo ou desígnio divino, sobrevive. Mas quem seriam os provocadores desse estado de calamidade em que a 70 Jornal Penalva, ago. 1991, p. 1. 86 cidade se encontrava? Quem eram os “filhos ímpios” ou o forasteiro responsável pelo estado de “calamidade” em que a cidade se encontrava? As perguntas são pertinentes, uma vez que, nas lutas políticas que compreendem a guerra de imagens, os grupos em disputas procuram os culpados por um suposto estado em que a sociedade se encontra. Objetivamente, a cidade sofria com uma série de necessidades como as já citadas e, jogando com essa realidade, os grupos em conflitos estabelecem os culpados. É Raoul Girardet quem nos lembra, citando Durkheim, que “quando a sociedade sofre, (...) ela sente necessidade de encontrar alguém a quem possa imputar seu mal, sobre quem possa vingar-se de suas decepções” (GIRARDET, 1987, p. 55). Assim, os males sofridos pela cidade (no discurso oposicionista) eram imputados a José Gonçalves, que, com sua “irresponsabilidade administrativa” e autoritarismo, estaria levando a cidade à decadência: “a irresponsabilidade administrativa consagrou o prefeito como sendo o centro de onde emerge todos os poderes. É ele quem legisla, executa as leis e administra a cidade. E tudo isso à distancia. Resultado: nada funciona.” Uma das provas das más intenções do prefeito estaria no projeto de construção da estrada ligando-a ao município de Viana e ao restante da Baixada e que representaria “a libertação de Penalva”. Em sua proposta, a estrada deveria passar por fora da cidade, sendo ligada por um ramal, o que levou seus adversários a tecerem críticas verrinas: “é no anonimato que ele quer Penalva. Pois, isolada a cidade fica esquecida e a sua hegemonia política permanece. Aqui, se aplica o velho ditado que diz: na terra de cego quem tem um olho é rei”.71 As imagens são de uma cidade que falta tudo: “arroz, farinha, feijão, carne e peixe”. “De uma opção para o pobre, o peixe penalvense passou a ser um privilégio de poucos”. Sem alimentos, sem estradas, sem água nas torneiras e sem luz elétrica, estes eram os lamentos que tinham o jornal como porta-voz de uma sociedade supostamente em decadência. O prefeito, apontado como o responsável pela situação, recebe um recado em uma das matérias do jornal: “um recado para o prefeito: o senhor que mora em São Luís, já andou à noite em Penalva? Com certeza ainda não. Se o tivesse feito já teria perdido o outro olho ou quebrado uma perna na escuridão” (Jornal Penalva, mar. 1988, p. 4). Assim Penalva, localizada na Baixada Maranhense, “região rica, de campos e terras férteis, com imensos vales produtivos” (Jornal Penalva, mar. 1988, p. 2), era vitimada pelos desmandos de Zé Toalha, um prefeito ausente, sem compromisso com os problemas da cidade, que a governava à distância: “uma cidade que tem um prefeito que mora em São Luís e administra à distancia, 71 (Jornal Penalva, 1988, p. 2). Essa era uma “direta” a José Gonçalves por ser deficiente de um dos olhos. 87 não poderia ser diferente. É a mesma coisa que o presidente do Brasil morar nos Estados Unidos, tem lógica?”, assim o vereador Emílio Dequeixes, segundo o Jornal, denunciava a “máfia do prefeito” e “seus atos de corrupção”: “como se não bastasse o que ele faz „por baixo dos panos‟; é do conhecimento público as mordomias usufruídas pela sua família em São Luís. Carro do ano e mansões é o mínimo a que se pode reduzir o seu império” (Jornal Penalva, mar. 1988, p. 4). Nunca é demais ressaltar que essa fotografia da decadência debitada na conta de José Gonçalves era emitida às vésperas do processo eleitoral que seria realizado em novembro desse ano. E sendo as eleições um momento em que as forças políticas se chocam com muita intensidade na luta pelo poder de governar, é também o momento em que as imagens da decadência, assim como de seus supostos responsáveis eram produzidas em uma dimensão que foge da normalidade vivida pelos habitantes do município. Uma vez que José Gonçalves protagonizava a política municipal havia quase vinte anos72, era o principal alvo das críticas, sendo responsabilizado pelo estado em que a cidade supostamente se encontrava. Em outro texto não assinado nem datado, mas possivelmente de 1988, os lamentos destacavam novamente o isolamento da cidade. “Só se vai a essa cidade, quando os campos secam! Não há estradas”. Imagens melancólicas ou fúnebres se projetam sobre a urbe, responsabilizando José Gonçalves pelo “assassinato”: “triste cidade! Cidade morta, aniquilada, arrazada (sic), por um homem, em cujas mãos se passaram as três últimas administrações, fulminantes para aquela „infeliz cidade‟ e aquele povo, que em troca lhe deveriam dar o título Máximo de corrupção!”. José Gonçalves seria “um homem que é a vergonha de um povo que tem vergonha...”73 Era comum nas estratégias discursivas dos adversários de José Gonçalves o estigma do forasteiro que se apropriou do executivo municipal por intermédio de “líderes políticos” do município e que, através de favores e de “migalhas” distribuídas entre os “apaniguados analfabetos”, mantinha seu predomínio político em detrimento dos interesses do “povo”. Uma carta enviada ao ministro da Previdência Social denunciava sua trajetória. A carta inicia-se destacando o tempo em que supostamente a cidade sofria nas mãos deste personagem, assim como a forma em que este ingressou no cenário político da cidade: “Esta carta pretende fazer uma denúncia. Há mais de uma década, nossa cidade sofre nas mãos de um senhor, que insinuante, se fez prefeito auxiliado por um líder local, muito inteligente, já falecido!”; 72 Foi vereador entre 1970-1972; prefeito de 1973-1976 e 1983-1988; no interstício 1977-1982, a cidade foi governada por João Francisco Mendes, que venceu as eleições com sua indicação e que, segundo alguns comentários que circulam na cidade, “obedecia” suas “ordens”. 73 Texto avulso encontrado no arquivo do padre Wilson Cordeiro. 88 especifica as estratégias usadas por este para se manter no “poder”: “Hoje ajudando uma grande quantidade de apaniguados analfabetos, detém o poder, já pela segunda vez, espalhando migalhas por aqui e ali, deixando o povo no mais triste abandono”; aponta atos de autoritarismo: “houve um médico, o doutor Varão, que foi mandado embora imediatamente, porque teve a imprudência de atender umas consultas fora da sede, sem a licença ou sem a ordem dele!” (p. 1); denuncia o uso político do Hospital Jesus de Nazaré, financiado com recurso do FUNRURAL e que deveria priorizar o atendimento de trabalhadores rurais: “hoje o Sindicato dos Lavradores não tem direito algum! Os lavradores, como simples indivíduos, disputam na portaria uma vaga de consultas se se constatar que ele é dos números dos que votam naquele senhor...” (p. 2).74 As imagens são de um invasor, que lança mão de um vasto repertório de corrupção como forma de se manter no poder: “a corrupção não se contam! Basta dizer entre outras, que o material da MERENDA ESCOLAR do município é depositado na residência dele, donde aos bocados, sai exclusivamente para os seus correligionários: e mais ainda para as escolas, absolutamente nada!” (p. 2). Na carta, cobra-se a tomada de providência do ministro e apontam-se os caminhos por onde se poderia atuar no sentido de desmascarar as supostas ações criminosas do prefeito que teria, dentre seus atributos, muita facilidade em corromper funcionários dos órgãos do governo, pois os seus tentáculos já estariam disseminados entre os funcionários desta instituição, “a quem oferece sem titubear, até frete de aviões, para esta cidade, tão desprovida de estradas, principalmente agora, no inverno!” (p. 3). Sobre o caso Dr. Varão, o padre Wilson Cordeiro, pároco da cidade, escreve uma carta-manifesto criticado duramente a demissão do médico pelo prefeito, “um indivíduo que se acha o dono do povo, ou o monarca, ou o ditador”: O médico já se retirou, com sua família e bagagem, e o coronel ficou! Ficou para procurar quem seja capaz de trabalhar no hospital de sua propriedade, como ele diz! Seria a hora de se fazer um anúncio nos jornais com estes dizeres: “procura-se um capacho formado em medicina para a pobre cidade de Penalva... (Arquivo do padre Wilson Cordeiro). A decadência era quase sempre responsabilidade dos políticos. Essa visão povoava o imaginário político da cidade e está muito presente no livro Terreiro Grande, de Barros (1998); mas não se trata de qualquer político, pois os “bons”, os “FILHOS DA TERRA” teriam a responsabilidade de salvar a cidade; tratava-se dos políticos “inescrupulosos, 74 Trata-se de uma carta endereçada ao ministro da Previdência Social (não sabemos se foi enviada). A autora se identifica como “serventuária da justiça como escrivã do Segundo Ofício e presidente do Clube das Mães” (arquivo do padre Wilson Cordeiro). 89 aventureiros e incompetentes” que a vinham governando ou pretendiam governá-la, tais como “Rosiclério Pavão”, “Dico Xexéu” e “Vivaldina Piedosa da Purificação” que, com “sua ótica” limitada, entendia que “eleitor adversário”, por mais competente que fosse, deveria ser “alijado, não lhe cabendo lugar ou oportunidade”, por outro lado, “ao mais despreparado dos correligionários” deveria “ser assegurados todos os privilégios e favorecimentos”. “Com essa visão tacanha e mesquinha” teria comandado “gerações de incautos” (BARROS, 1998, p. 128).75 Duas visões se contrastam nas representações da história política da cidade: por um lado, “Penalva é uma cidade forte. É o heroísmo do seu povo que a faz resistir ao tempo. É a força e a perseverança de seus filhos que a faz digna e tão verdadeira” (BARROS, 1994, p. 46). Uma cidade que “exerce fascínio a quantos a visitam”; habitada por um “povo” “pacato e ordeiro”. Por outro, a cidade tornou-se “fantasma”, “triste”, “morta”; dito de outro modo, assassinada pelos políticos “inescrupulosos” que se apropriaram do seu território e a sucatearam. A cidade estaria mergulhada em uma crise que deveria ser superada com a emergência de um salvador. Esse discurso, conforme já apontado, se sustenta no tripé: opulência, decadência e retorno ao progresso num futuro próximo com a emergência de um suposto salvador, um “FRUTO DA TERRA”, ou um forasteiro que viria para melhorar a cidade. É importante destacar que essa visão decadentista ocupa um lugar de destaque nos discursos sobre o Maranhão. Ao longo dos séculos XIX e XX, cristalizou-se no imaginário do Estado uma concepção idealizada de que no passado viveu-se um tempo de prosperidade, seguido de um tempo de decadência “que deveria ser combatido por todos os espíritos com vista ao retorno, no porvir, a uma nova Idade de Ouro” (MARTINS, 2006, p. 28).76 O tempo de referência para tal discurso é a implantação da Companhia Geral de Comércio do Maranhão e Grão-Pará, em 1755, conforme se pode notar no relatório do presidente da província, Comendador Antônio Candido da Cruz Machado, em 1856: “A idade de ouro da lavoura desta província data do estabelecimento da Companhia de Comércio do Estado do Gram-Pará e Maranhão, cujos estatutos foram aprovados pelo alvará de 7 de junho de 1755” (apud ALMEIDA, 2008, p. 67). 75 A partir das ricas descrições destes personagens feitas pelo autor, foi possível identificá-los. Respectivamente, tratava-se de: Carlos Roberto Marão Mendes, candidato a prefeito vencedor em 1992 (Rosiclério Pavão); Raimundo Meméu, candidato a prefeito em 1996 (Dico Xexéu) e Maria Joaquina, candidata a prefeita em 1988 e a vice em 1992 (Vivaldina Piedosa da Purificação). 76 Um número expressivo de trabalhos acadêmicos sobre essa temática tem sido publicado nos últimos anos, dentre eles destacamos (ALMEIDA, 2008; COSTA, 1999; MARTINS, 2006; LACROIX, 2008, etc.). 90 De modo que o discurso da decadência, conforme Almeida (2008), tem constituído um “padrão de explicação” sobre o Maranhão, a partir do qual se fala e se escreve sobre o Estado. Conforme Costa (1999, p. 3), era a partir dele que a “ação oficial obtinha legitimidade na medida em que apontasse caminhos para o restabelecimento da „prosperidade‟”. A reapropriação dessa temática, principalmente a partir da segunda metade do século XX, tem sido a tônica dos discursos de supostos salvadores que teriam a missão de reconduzir o Estado à prosperidade perdida. Recortando alguns momentos de tensão na história política do Estado, Costa (2009) nos apresenta alguns períodos de efervescência desse imaginário: a greve de 1951, quando os “soldados da liberdade” entraram em confronto com o “invasor” Victorino Freire em um movimento definido pelos próprios como a “Campanha de Libertação”. Em 1965, o estado viveu novamente uma reedição da “Campanha da Libertação” tendo como candidato a salvador José Sarney. A vitória deste, nos discursos das oposições coligadas, representaria a libertação do estado das garras do invasor que havia vinte anos teria se apropriado do estado submetendo-o a exploração e miséria (COSTA, 2006). A recorrência desse discurso tem constituído, conforme Costa (2009), uma “cultura política da Libertação” no Maranhão, que, não obstante as especificidades de cada período da sua história, tem sido acionada pelos políticos como um importante dispositivo na luta pelo controle do imaginário. Há mais de 50 anos os grupos políticos, cada um a seu modo, vêm anunciando e se candidatando a protagonista de uma libertação que, segundo o autor permanece inalcançável, porque falaciosa: podemos concluir que, na cultura política da Atenas Brasileira, a tão ansiada Libertação remete ao retorno de Ulysses, esse errante e vadio maranhanguara, sempre revivido por novos e velhos atores, mas que nunca volta efetivamente aos braços de sua amada Penélope, a Ilha Rebelde. Contudo, sua ausência justifica a existência e persistência de novos pretendentes, sempre ávidos por ocupar o seu lugar. E assim, Penélope, radiante e bela, permanece à espera do companheiro, enquanto, com arte e astúcia, tece e desmancha, dia após dia, noite após noite, ciclicamente, sonhos políticos de uma Liberdade que está sempre a caminho, perdida no mar agitado da história (COSTA, 2009). 3.5.2 Forasteiro versus “fruto da terra” No discurso político oposicionista, a cidade era um organismo combalido, doente, portanto, necessitava urgentemente de remédios que pudessem reconduzi-la “à libertação e ao 91 desenvolvimento” perdidos devido à falta de compromisso dos governantes.77 O discurso da decadência tinha como contraponto um outro discurso, recorrente nas disputas políticas do município, o da emergência de um salvador que pudesse libertar a cidade daquele estado. Ainda em Terreiro Grande, Carlos Alberto de Sá Barros destaca a expectativa dos munícipes em torno da eleição de um “novo mandatário”, “geradas em função da sua posição na sociedade maranhense”. Este reunia algumas qualidades que o credenciavam ao título de salvador: “realista”, “conhecedor das potencialidades e virtudes da região”. Sua administração estava fundamentada “nas origens, na saga e no perfil dos seres que fizeram a história de Terreiro Grande”, portanto, tinha como “princípio a valorização do homem”. Reunindo tais atributos, o “novo mandatário” equacionaria problemas tais como; “desemprego”, “subdesenvolvimento da sua agricultura”, “analfabetismo”, “diminuição da atividade comercial”, “escassez de pescado” e ainda “salários ridículos e irrisórios” pagos aos funcionários públicos. Reunindo qualidades técnicas e morais, o novo governante teria “despontado como um autêntico salvador e milagreiro”, por agregar “requisitos morais e de competência”, poderia “propiciar o remédio e a cura das doenças do seu povo” (BARROS, 1998, p. 153).78 A crença no salvador povoava o imaginário político do município. Não obstante os ideais de Barros (1998), a política tal como praticada pela maioria dos munícipes estava permeada das relações de favores mobilizadas pelos candidatos, sobretudo no período eleitoral. De modo que José Gonçalves, estigmatizado pelos adversários, era apresentado e representado através das suas músicas como um benfeitor que “veio de longe fazer benefício em terra alheia”. Em ritmo de carimbó, parodiando a música de Pinduca “Embarca morena embarca”, seus correligionários cantavam: “Embarca, Lozinho, embarca / molha o pé, mas não molha a meia / Zé Gonçalves veio de longe, fazer benefício em terra alheia” (Entrevista com Maria Silva). Zé Gonçalves era o “prefeito do povo”, conforme seu “santinho” de 1982 (ver Figura 2, na p. 34), que distribuía sextas básicas, remédios, dinheiro e até passagem de avião, tudo isso “sem olhar a quem” (Entrevista com Maria José). Por isso, até o eleitor que havia votado contra, em uma eleição anterior, mudava de opinião na eleição seguinte, conforme letra de samba de 1972: 77 Jornal Fruto da Terra, ano I, set. 1992, p. 1. Barros se refere ao médico Lourival Gama que se projetou como empresário do setor de saúde na capital do Estado. Este é um dos sócios da UDI Hospital e foi eleito para prefeito de Penalva em 1996. 78 92 Dessa vez eu voto, voto em Zé Gonçalves todo mundo vê / ele é do povo, candidato forte, vamos eleger / a pobreza pede e Jesus concede nesta eleição / com José Gonçalves, com José Gonçalves Penalva vai crescer / e dessa vez vamos botar pra valer / pois o seu Zé Marques vai ter que perder / largue o Sebo vote na Embromaria quem votar na Sebaria vai se arrepender. 79 O jingle, conforme se pode observar, é cantado em primeira pessoa, narrando a adesão de um eleitor que dessa vez vai votar em Zé Gonçalves para todo mundo ver. A decisão é justificada com qualidades do candidato, que se portava como uma pessoa “do povo”; imagem muito difundida no município que o destaca como uma pessoa simples que teria sido responsável até pelo fim da “segregação racial” existente nos clubes da cidade até os anos 1970. Um candidato que, a pedido da “pobreza”, com a concessão de “Jesus”, deveria ser o prefeito da cidade. Em 1976, o salvador encarnava no candidato João Francisco Mendes, conhecido como João Faveira, um “Homem valente e querido / Candidato jamais esquecido em sua terra natal”. Em 1988, Maria Joaquina é prateada como a lua que cruza os céus da cidade sem fazer mal a ninguém: “A lua lá no céu é cor de prata, Joaquina é candidata com a sua cor também / É uma coroa igual àquela tua que anda pela rua não fala mal de ninguém / Com Joaquina não há quem possa, vota eu, vota você, que a vitória é toda nossa” (Entrevista com Maria Carvalho). Em 1992, um sábio vidente, conforme o jingle do candidato Marival Sá, já havia visualizado em sua bola de cristal. Os realinhamentos cíclicos do faccionismo político municipal se completava mais uma vez, o Sebo representado por Maria Joaquina (candidata a vice-prefeita) se aliava a Marival Sá (candidato a prefeito), da Embroma, pondo fim a vinte e três anos de duelo. O jingle da campanha tratou de registrar com bastante ênfase, esse evento: “Eu já olhei na minha bola de cristal / Para prefeito só deu Marival / Joaquina está com ele / Pra Penalva melhorar / É Marival, é Marival, é Marival / O nosso candidato ideal”.80 Do ponto de vista da eficácia do discurso do salvador, é importante observar que ganhava legitimidade porque inscrito no universo das crenças, crenças de que se viviam tempos de decadência a serem superados com o surgimento de um salvador, de modo que apresentar-se como “homem providência”, para usar a expressão de Girardet (1987), tinha uma dimensão estratégica, mas submetida ao universo das crenças que lhe garantia eficácia, visto que “o sujeito que fala deve saber escolher o universo de crença específico, tematizá-los de determina maneira e proceder à determinada encenação”, pois assim o efeito de persuasão 79 80 Música de campanha de 1972 (Entrevista com Maria Carvalho e Lucia Pinheiro). Entrevista com Antonio Carlos Martins. Conforme este o jingle foi composto por Raimundo Balby. 93 tem uma maior probabilidade de atingir os objetivos desejados (CHARAUDEAU, 2008, p. 90). Nas músicas, cada candidato apresentava-se como a solução para os problemas enfrentados pela cidade. Sua eleição representaria a libertação daquele estado de decadência. Assim, os partidários do Sebo cantavam: “Cabelo duro não nega / Ô não nega / Quem pisa no Sebo escorrega, escorrega, escorrega / Não vai escorregar eleitor / Na hora da votação / Vote em José Marques, ele é o líder, é a solução” (Entrevista com Maria Silva). Leovergílio Martins, também do Sebo, era representado como um “amigo”, e por isso deveria receber o voto dos eleitores. “Vou votar no dia 15 / Para prefeito, no amigo Lozinho / A turma do Sebo é aquela união! / Com José Marques na ponta / Vamos ganhar de montão / eu já falei que vou votar no dia 15... / para prefeito, no amigo Lozinho (Entrevista com Lúcia Pinheiro). Conforme já destacado no segundo capítulo, as relações de amizade eram um requisito de ingresso e permanência no cenário político municipal, de maneira que um candidato a salvador deveria, sobretudo, apresentar-se como amigo e fazer muitos favores. O voto, em geral, era a retribuição de um favor; a não retribuição poderia ser alvo de censura. É nessa linha de interpretação que se pode compreender um samba da Embroma, composto em 1976, que depreciava Wilson Marques por romper com José Gonçalves e prestar seu apoio a Leovergilio Martins (o Lozinho), do Sebo: “Lozinho, tu abre o olho – o olho / Wilson quer te enrolar – enrolar / ele é muito esperto – esperto / quer comer sem trabalhar / deixou a Embromaria sem motivo e sem razão / traindo Zé Gonçalves, que lhe deu a mão (...)” (Entrevista com Maria da Conceição Nunes Moreira). Neste jingle, cantado nas ruas de Penalva durante a eleição de 1976, o estigma de “enrolão”; “esperto”, no sentido negativo; parasita, já que queria comer sem trabalhar, e traidor; poderíamos até acrescentar, Judas Iscariotes, que traiu aquele que teria lhe dado a mão em um momento de dificuldade, se abate sobre Wilson Marques que, entre 1950 e 1972, teria sido “o mais influente político penalvense” (BALBY, 2000). A prática do favor era compartilhada pelos atores envolvidos na cena política municipal, cena em que o salvador deveria representar seu papel de protagonista. Um elemento importante dentre os candidatos a salvador é que deveriam, sobretudo, pelo menos no discurso oposicionista, ser um “FRUTO DA TERRA”. O fato de não ser natural do município era um argumento recorrentemente usado pelas forças políticas em conflito no sentido de desqualificar candidaturas. O estigma do forasteiro era recorrente nos jingles do Sebo. Em 1976, cantava-se que “Zé Gonçalves veio de longe, fazer bagunça na terra alheia”. As representações são de um invasor que se apropriara da cidade e impedia seu 94 desenvolvimento, portanto, deveria ser salva dos tentáculos deste “ditador”, “orgulhoso” que pensava ser a cidade propriedade sua. E assim nas ruas e nos comícios, acompanhados por uma charanga ou não, a Sebaria cantava:“Com Lozinho, com Zé Marques / O Sebo bota pra quebrar / A Embroma vai se acabar / Zé Toalha vai embora / Que teu orgulho se excedeu / Tu pensas que Penalva é tua / Procura o lugar que é teu” (Entrevista com Joana Barros). Essa concepção de que o governante da cidade deveria ser um filho da terra, ou seja, um “FRUTO DA TERRA”, atravessou as décadas de 1970 e 1980, sendo constantemente acionada para desqualificar os frutos de outras terras; nesse sentido, José Gonçalves, que esteve à frente da política municipal por quase duas décadas, sendo natural de São Luís, era constantemente questionado pelos seus adversários com o estigma de forasteiro, conforme as músicas acima. Vários textos, alguns já citados, expressam essa visão de que a cidade deveria ser governada pelos que nela nasceram e residem, mas é o jornal “FRUTO DA TERRA”, publicado durante a campanha eleitoral de 1992 pela “assessoria de imprensa da Coligação União Penalvense”, que melhor evidencia esse modo de ver a política no município e que era manejado pelos grupos em conflito. Na matéria intitulada “Penalva ainda tem jeito”, após relacionar o estado de decadência em que a cidade supostamente se encontrava, o texto aponta o perfil do libertador da cidade: O futuro prefeito de Penalva há de ser alguém que, com seriedade e trabalho, sem dispensar dinamismo e competência, seja capaz de ouvir, empreender e realizar; que ame esta terra, com ela se identifique, a ela se dedique, conheça suas verdadeiras origens e, acima de tudo, seus problemas e as aspirações dos que nela residem. HÁ DE SER UM FRUTO DA TERRA! HÁ DE TER DISPOSIÇÃO, INTERESSE E VERGONHA! (grifos meus) (Jornal Fruto da Terra, ano I, set. 1992, p. 1). É importante ressaltar que se trata de um jornal de propaganda política, publicado por uma assessoria de imprensa da coligação citada, tendo como candidato Marival Sá, que supostamente reunia as qualidades relacionadas acima e que era ameaçado por Roberto Mendes, filho de um penalvense, mas que não nascera nem residia no município. No editorial, o próprio jornal se encarrega de definir o significado dos termos “FRUTO” e “TERRA”, sempre grafados em caixa alta: “FRUTO é o órgão derivado da „transformação do ovário fecundado‟, que tem a função de proteger a semente e de favorecer sua difusão. TERRA é chão; é povoação; é pátria”. “FRUTO” e “TERRA”, na sua relação de completude, constituíam a metáfora perfeita para credenciar possíveis candidatos a 95 libertadores da cidade, que se encontrava “agonizante e precisado urgentemente de um tratamento intensivo e específico”. O “FRUTO DA TERRA significa[va] o compromisso dos FILHOS DE PENALVA com o seu futuro”. Filhos que pertenciam à “geração que mais ama[va] esta cidade”, que “mesmo no exílio de seus afazeres profissionais, sempre se fizeram presentes aos apelos e chamamentos de sua gente”. (Jornal Fruto da Terra, 1992). A sorte estava lançada com o plantio da “semente” que, protegida por um grande guarda-chuva, dos pingos colossais da corrupção, aguarda sorridente o momento de germinar (ver Figura 4). O jornal, apesar do título FRUTO DA TERRA, apresentava-se como um dispositivo de “conscientização”; ainda na fase germinal, os frutos deveriam surgir no futuro, supostamente de “grandeza‟: “a semente que ora se planta haverá de produzir os FRUTOS de que necessita a nossa TERRA para sua grandeza” (Jornal Fruto da Terra, 1992). Figura 4: publicada no editorial do Jornal Fruto da Terra, 1992, p. 1. O jingle que justifica a aliança entre Maria Joaquina, remanescente do Sebo, e Marival Sá, remanescente da Embroma, aponta para esse mesmo discurso, de que a cidade teria que ser governada por um “fruto da terra”. As motivações da aliança expressa na música seriam salvar a cidade da ameaça de Roberto Mendes (candidato a prefeito), um suposto invasor que estava a caminho, um falso profeta que, embora vindo do céu, afinal de contas chegaria de paraquedas, era um anjo caído, um oportunista que não representava os anseios da cidade. Em charge de 1991, publicada no Jornal Penalva, um ano antes das eleições, Roberto é representado como um paraquedista, que ao lado de outros, pretendia usurpar a cidade para suprir suas demandas pessoais. 96 Figura 5: Charge representando Roberto Mendes (Jornal Penalva, 1991). Um ano depois, a metáfora do paraquedismo é usada novamente para desqualificar o forasteiro. Em charge publicada no Jornal Fruto da Terra, este é representado a bordo do seu paraquedas no momento da aterrissagem. Um fruto da terra, diga-se, um penalvense, espantado com a presença da figura exótica, uma vez que não era comum paraquedas na cidade, afirma: “nossa! O que é aquilo?”, frase logo completada por um outro habitante da cidade: “um oportunista querendo se dar bem” (Jornal Fruto da Terra, 1992). Figura 6: Charge publicada no jornal Frutos da Terra, 1992. 97 As imagens deste grafadas no Jornal “FRUTO DA TERRA” são de um forasteiro, oportunista que viu, num momento de decadência vivido pela cidade, uma oportunidade para salvar seus negócios na capital. O jornal monta uma espécie de genealogia da sua família para desqualificar suas pretensões. As imagens do seu avô, Bento Mendes, rico empresário do ramo de babaçu no estado, são de alguém que, após enriquecer no município, o abandonou. Deixara em Penalva apenas uma pequena agência para intermediar a compra de amêndoas de babaçu e a ela regressando somente algumas vezes para tratar de seus interesses. Não constam dos arquivos, nem dos depoimentos de pessoas mais antigas, quaisquer registros de fatos, doações, serviços ou atividade de natureza filantrópica, benemérita ou assistencialista que tenha sido realizada pelo Senhor Bento Mendes em benefício da sua terra natal. (Jornal Fruto da Terra, set. 1992, p. 4). Roberto, neto de Bento, por sua vez, que “sequer conhecia a nossa cidade e até a sua localização no mapa; que não tem antecedência e identificação política ou conhecimento das origens e aspirações do povo penalvense, aparece”, supostamente “movido por um oportunismo improcedente – querendo ser prefeito de Penalva”. Conforme o jornal, se perguntassem “ao incauto a data da fundação da cidade de Penalva” ele não saberia responder. “não conhece a sua história, nem a bravura de sua gente. Aplicar golpe aqui, NÃO! O povo tem consciência!” afirma o jornal. As críticas continuam a desenhar o “perfil de um oportunista” (título da matéria), “mal sucedido na Universidade, onde se encontra a mais de 10 anos no período inicial de um curso”; que faliu a loja de material de construção doada pelo pai e outros supostos malogros (Jornal Fruto da Terra, set. 1992, p. 4). Representações de um impostor, falso profeta que reunia uma vasta lista de fracassos nos estudos e nos negócios. À metáfora do paraquedista somava-se a do timoneiro incompetente que havia naufragado seu barco com “empresas”, “negócios” e “comércio” no mar turbulento do Golfão Maranhense e, após dias de nado surfando pororocas do Mearim, Pindaré e as águas agitadas do lago Cajari no mês de agosto, eis que avista o barco da prefeitura de Penalva. Sedento, ansiosamente pensava: “eu não posso perder esse barco” (Figura 7). A despeito do que enunciava o jornal, Roberto Mendes venceu as eleições e governou a cidade por quatro longos anos, mas essa é uma outra história; o que nos interessa aqui é a recorrência da utilização do discurso do salvador, antítese do perfil de Zé Gonçalves e Roberto Mendes no discurso oposicionista. 98 Figura 7: Charge publicada no Jornal Fruto da Terra, 1992. Podemos até afirmar que havia uma ideia de libertação que viria de fora, mas dos “filhos da terra”, que, como Possidônio Pernalta81, “se refugiara[m] na capital pela força natural da sobrevivência” (BARROS, 1998, p. 146), e que ora se uniam para libertar Penalva. Essa era uma representação recorrente no final dos anos 1980 e início dos 1990. Carlos Alberto de Sá Barros, autor de Elementos para a Reconstituição Histórica de Penalva (1985), Cantigas de Bem-Querer (1994) e Terreiro Grande (1998), pertencia a essa “geração” que migrou para a capital nos anos 1970 e que, retornando a Penalva, se autoproclamava semeadores de um novo tempo, tempo de “grandeza” que ressurgiria com a eleição de um “FRUTO da TERRA”. Essa mesma concepção aparece no artigo de Marinaldo Serejo (testemunho ocular) citado anteriormente: “A nossa satisfação quem faz são vocês, que vêm de fora trazendo alegria e dinheiro. Sem vocês esta cidade vira tapera”.82 As palavras do jornalista, colocadas na boca de um habitante do município, revelam bem essa visão salvacionista em que este se coloca como semente em processo de germinação. Diante do exposto, nota-se que os jingles constituíam a retórica das disputas, davam o tom dos enfrentamentos entre as facções, neles, candidatos e eleitores, em linguagem irônica, desdenhavam dos seus adversários até mesmo após as eleições. Acusavam seus opositores ou desafetos de atentado contra a vida dos seus correligionários, e ainda se 81 82 Personagem do livro Terreiro Grande, alter-ego do autor. Jornal Penalva, mar. 1988, p. 02. 99 apresentavam como melhor alternativa para “salvar” a cidade de um suposto estado de decadência provocado pela ação dos “políticos inescrupulosos”, cabendo aos “bons”, aos “filhos da terra” ou “frutos da terra” a responsabilidade de reconduzir a cidade aos trilhos do “progresso” e do “desenvolvimento” supostamente vivido nos anos 1950 e 1960, tempo em que “tudo era bom”, “tudo era festim”. 100 4 MARCHANDO, SAMBANDO E POLITICANDO: os gêneros musicais da cidade e os jingles Compreender a prática da utilização de músicas nos embates políticos do município, seja voltada para a formação de opinião, ou do ponto de vista do eleitor, tomada de posição, na qual um álbum diversificado de imagens eram projetadas, demanda um mapeamento da experiência musical da cidade, observando-se os gêneros musicais que nela circulavam, suas relações com os jingles eleitorais, bem como seus pontos em comum. Neste capítulo, além de mapearmos o gosto musical da cidade, buscaremos observar os espaços de sociabilidades por onde circulavam as “fofocas políticas” e que não só alimentavam os debates políticos como serviam de conteúdo para a própria feitura dos jingles. Nessa perspectiva, buscaremos “traçar o mapa dos circuitos socioculturais e das recepções e apropriações da música” política, necessário para se entender os sentidos dessa prática para seus praticantes e, portanto, a eficácia de sua utilização (NAPOLITANO, 2005). 4.1 A EXPERIÊNCIA MUSICAL DA CIDADE A análise da experiência musical do município requer, por um lado, a observância dos gêneros musicais que circulavam no país, e por outro, o que era próprio da sua musicalidade, ou seja, um mapeamento dos seus “hábitos e preferências de consumo musical” (NAPOLITANO, 2005, p. 82). Atentando-se para o fato, como observa Napolitano, de que o “ouvinte” não constitui uma “massa de teleguiado”, nem, por outro lado, “um agrupamento caótico de indivíduos irredutíveis em seu gosto e sensibilidade”. Para o autor, “o ouvinte opera num espaço de liberdade, mas que é constantemente pressionado por estruturas objetivas (comerciais, culturais, ideológicas) que organizam um campo de escuta e experiência musical” (NAPOLITANO, 2005, p. 82). O município de Penalva, até o início da década de 1990, quando foi construída uma estrada vicinal ligando-o ao município de Viana, estava isolado do restante do Estado, mas nem por isso alheio aos gêneros musicais tocados no Estado e no restante do país. 83 Através do rádio, que havia décadas já ocupava status de veículo de comunicação de massa no Brasil, os habitantes do município tinham acesso às marchinhas e sambas que faziam sucesso no país. Embora não tenhamos informações sobre as estações e programas de rádios ouvidas no 83 No período da cheia que ia, em geral, de fevereiro a agosto, o principal meio de transporte ligando o município a Viana ou a São Luís era o fluvial. 101 município, é possível verificar a audiência deste meio de comunicação a partir da popularização de receptores no município. Observando-se os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, verifica-se o crescimento da aquisição destes aparelhos entre 1960 e 1980: em 1960, dos 3.654 domicílios do município, 366 tinham receptores de rádio; em 1970, esse número subiu para 615; em 1980, houve um salto para 2.348, ou seja, 43,37% dos 5.413 domicílios possuíam receptores (apud MENDES NETO, 2009). Embora os dados apresentados sejam da década de 1960 em diante, desde os anos 1940, músicas de compositores consagrados na história do samba nacional, como Noel Rosa, circulavam pela cidade através do rádio, sobretudo, durante a temporada carnavalesca. 84 De marchinhas como “Daqui não saio”, de Paquito e Romeu Gentil, sucesso do carnaval de 1950, a sambas como “Maracangalha”, de Dorival Caimmi, sucesso de 1957, eram ouvidas, cantadas e dançadas nos carnavais da cidade. Além do rádio, a cidade contava com um sistema de alto-falantes com seus locutores que, dentre outras atribuições85, divulgavam os sambas e marchinhas que animavam os carnavais do Brasil. Raimundo Balby (2005, p. 52) faz uma relação das que operavam desde a década de 1950: “A voz da cidade” de Ernane Barros. Locutor: Claudio Sousa (pseudônimo de Aciolino Barbosa) e Ribamar Martins; “A Casa Pantera” de Benedito Vieira. Locutor: Benedito Vieira, o Pantera; “Casa Paris”de Deomar Soeiro. Locutor: Claudio Sousa; “Casa Onça” de João Campos e José Cruz. Locutor: Agostinho Viana, José Mirer e Arnaldo Cunha (o locutor Scott). Estas “vozes” que funcionavam, geralmente, entre 18:00 h e 21:00 h, movimentavam as noites da cidade divulgando avisos, recados de namorados ou pretendentes e atendendo a pedidos de músicas. Durante a temporada carnavalesca, embora outros ritmos fossem executados, como o bolero, por exemplo, os sambas e as marchinhas ocupavam um lugar de destaque. Esses dois gêneros, através dessas agências propagadoras, atingiram um nível de aceitação bastante expressivo na cidade. Entre os anos 1940 e os 199086, tornaram-se, senão os principais, mas uns dos gêneros que compunham o gosto musical do município, sobretudo, durante o “reinado de momo”. 84 Coforme Balby (2005, p. 53) a música “Falam de Mim”, de Noel Rosa, Éden Silva e Aníbal Silva, foi um dos sucessos de 1948 em baile realizado na residência do comerciante Candido Bahia. 85 Através do sistema de alto-falantes, os comerciantes também faziam propaganda de suas mercadorias. 86 No inicio dos anos 1990, tem-se a introdução das músicas baianas, o que, para Balby (2005), teria contribuído para um recuo do samba e da participação das escolas de sambas locais nos carnavais. 102 A marchinha, conforme destaca Carvalho (2004), entre 1932 e 1942 na chamada “idade de ouro” do carnaval carioca, já havia se tornado uma forma musical consagrada pelo público; “um gênero sapeca, cheio de humor” que em parte deveu seu sucesso ao aparecimento do cinema, como observa a autora: Pois a leveza inerente àquele tipo de composição impôs um jeito menos solene de cantar, uma certa malícia ou, como se dizia à época , uma certa “bossa”, que dependia mais do domínio de cena pelo interprete, do que propriamente dos seus recursos vocais, fazendo da experiência musical algo a ser “visto”, tanto quanto ouvido (CARVALHO, 2004, p. 55). Essas marchinhas foram bem recebidas nos carnavais e eram tocadas nos inúmeros clubes da cidade: Pálace Clube, fundado em 1948; Cassino União Penalvense, fundado em 1952 que preconceituosamente era apelidado de “chego” devido ser voltado para um público “negro”87; Grêmio Recreativo Penalvense, fundado em 1959, neste só era permitida a entrada dos considerados “brancos”; dentre outros clubes com existência efêmera. Os carnavais desses clubes tinham como atrações as orquestras Tulipa Negra, Suçuarana (ver Figura 8) e outras atrações de cidades vizinhas como Cajari, Viana e Matinha (BALBY, 2005). De modo que as marchinhas que circulavam através do rádio e dos sistemas de alto-falantes eram executadas também por esses grupos musicais nas festas de clubes, o que as tornavam bastantes populares nos carnavais. Em relação ao samba, entre 1948 e 1989, vários blocos (também chamados de escolas de samba) foram criados na cidade: em 1948, o Vocalista Tropical, no bairro Catumbi; em 1956, surgiu o Fala Mangueira; em 1957, o Pau D‟água, no bairro São Pedro; em 1961, o Boêmio do Samba; em 1966, surgiu o Beira-Mar do Samba, no bairro Beira Mar; em 1979, o Magníficos do Samba e em 1989, o União do Samba, conhecido na cidade como Sarrapilha88 (BALBY, 2005), além dos vários blocos espalhados pela zona rural. De maneira que o samba, que na expressão de Vianna (1999), já havia “colonizado o carnaval brasileiro” desde os anos trinta, era, ao lado das marchinhas, a música mais popular dos carnavais da cidade. 87 Até por volta dos anos 1970, havia uma segregação “racial” nos clubes de festas da cidade. No Pálace Clube, fundado em 1948, um muro dividia o salão em dois, de um lado os reconhecidos como brancos, do outro, os reconhecidos como morenos ou negros (ver BALBY, 2005; MENDES NETO, 2009). 88 Para localização dos bairros da cidade, ver mapa na p. 117. 103 Figura 8: Orquestra Suçuarana. Fotografia de 1952. (BALBY, 2005, p. 55). Através do rádio, como observa Balby (2005), os blocos e orquestras da cidade tinham acesso às músicas produzidas no Rio de Janeiro e se limitavam a reproduzi-las nos carnavais e outras festas.89 A partir de 1966, as Escolas de Samba passaram a compor seus próprios sambas, mas profundamente influenciadas pelo samba carioca. Estas influências podem ser observadas nos nomes dos blocos e nas temáticas que alimentavam as letras dos sambas.90 O “Vocalista Tropical”, fundado em 1948, foi uma influência dos Vocalistas Tropicais, grupo fundado no início dos anos quarenta em Fortaleza, capital do Ceará, mas que após excursionar por São Luís (capital do Maranhão) e Manaus (capital do Amazonas), transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde se tornou bastante popular cantando sambas de compositores como Ary Barroso, Zé Kéti e marchinhas como “Daqui não saio”, de Paquito e Romeu Gentil.91 89 As orquestras da cidade tinham acesso a músicas tocadas no restante do país também através de álbuns de músicas (Entrevista com Raimundo Balby). 90 As influências podem ser percebidas nos nomes de clubes (Jacarepaguá), ou no nome de bairro, como foi o caso do Catumbi (mesmo nome de um bairro do Rio de Janeiro) que até por volta dos anos 1970 chamava-se Natal. 91 Para uma consulta dos dados relativos à formação, discografia e outros dados bibliográficos deste grupo, ver Dicionário Cravo Albin da Musica Popular Brasileira (http://www.dicionariompb.com.br). 104 Figura 9: Vocalista Tropical no carnaval de 1981 (Acervo pessoal de Raimundo Balby). O bloco “Fala Mangueira” ou “Mangueira” era o mesmo nome de uma das escolas de samba mais populares do Rio de Janeiro, a Estação Primeira de Mangueira, fundada em 1928. Era também o título do primeiro samba cantado pelo bloco em 1956, composto por Mirabeau e Milton de Oliveira, tendo como tema uma homenagem a esta escola: Fala, Mangueira, fala / mostra a força da sua tradição / com licença da Portela, Favela / Mangueira mora no meu coração / não há nem pode haver / como a Mangueira não há / o samba vem de lá / alegria também / morena faceira só Mangueira tem / Mangueira está sempre em primeiro lugar / aonde a cadência do samba rompeu / deixa São Carlos falar / deixa o Salgueiro dizer / fala, Mangueira, fala / mostra a força da sua tradição / com licença da Portela, Favela / Mangueira mora no meu coração (apud BALBY, 2005, p. 34). As influências estavam nas letras de alguns sambas com versos que nos remetem à paisagem carioca, como o samba da escola Beira-Mar do Samba de 1968, composto por Cornélio de Aquino, em que diz: “eu vou subir o morro”92, expressão que também remete ao 92 Este samba foi gravado no CD Memória do Carnaval Penalvense, lançado em 2002. 105 morro como um lugar de samba servindo até para definir o tipo de samba cantado nesse lugar em oposição ao “samba de asfalto” considerado mais cadenciado. A cidade de Penalva não conta com essas elevações no seu relevo, mas que é muito comum no Rio de Janeiro, o que nos leva a pensar que a recorrência da expressão “morro” era uma influência carioca. Uma outra explicação para o uso do termo é dada por Balby (2005, p. 42), para quem a recorrência da expressão, sobretudo pelos sambistas do Beira-Mar, se explica devido ao fato dos componentes, nos primeiros anos, usarem constantemente as frases “vamos subir o morro” ou “vamos pro morro” “quando estavam em preparativo para saírem batucando em direção a residência do presidente, Adelman Jansen, ou para outra visita na parte mais alta da cidade”.93 É fácil deduzir que o uso do termo tenha sido reapropriado pelos sambistas da cidade, de modo que as duas afirmações se completam. Em 1969, Conélio de Aquino, sambista também do Beira-Mar, compôs “Império no Morro”, em que faz muitas referências à escola de samba Império Serrano: “Eu sou Império na rua / eu sou Império na lua / eu canto samba onde eu chegar / eu sou Império do morro / eu sou império em favela / eu canto samba nacional”.94 É na referência à escola de samba do Rio de Janeiro, considerado um lugar de invenção do samba, que o autor procura evidenciar sua notoriedade de sambista. As músicas cantadas pelas escolas de samba locais tinham muito do samba carioca. O samba cantado pelo “Fala Mangueira” no carnaval de 1956 é elucidativo para se pensar as relações entre o samba produzido na então Capital Federal e os compostos pelos blocos de Penalva. Neste samba, a Mangueira é apresentada como a melhor: “como a Mangueira não há” “nem pode haver”, pois o “samba vem de lá, Alegria também / Morena faceira só Mangueira tem / Mangueira está sempre em primeiro lugar”, por isso “Deixa São Carlos falar / Deixa o Salgueiro dizer”, mas a Mangueira, conforme o samba, era a melhor. Na música “Mangueira é a Maior”, também da década de 1950, desta vez composta por Zé Mendonça, sambista do “Mangueira” penalvense, o “Fala Mangueira”, caminha na mesma direção de exaltação da Mangueira como a melhor: Mangueira sabe sambar / Mangueira sabe cantar / Mangueira tem só batuqueiro / Mangueira é a maior / Mangueira não tem igual / canta samba no terreiro. Mangueira é / Mangueira foi / Estação primeira / Suas cabrochas / São faceiras / E salve a minha querida Mangueira. (CD Memória do Carnaval Penalvense, 2002). 93 Adelman Jansen era presidente da escola “Beira-Mar do Samba”. Samba do Beira-Mar de 1969, composto por Cornélio de Aquino. Esta música faz parte do repertório do CD Memória do Carnaval Penalvense de 2002. 94 106 Um elemento importante, presente neste samba e em outros que citaremos, é que havia um clima de rivalidades entre as Escolas que alimentava a produção de sambas. Através dos sambas, uma Escola apresentava-se como superior provocando seus adversários: para os mangueirenses, “Mangueira é a melhor, Mangueira não tem igual”; para outros, “Pau D‟água é o rei da batucada; para o Beira-Mar, a “turma do Beira Mar é que tem valor”. Era esse ambiente de rivalidades que alimentavam a produção de um tipo de samba muito comum na época: o “samba de pique”, em que os sambistas se enfrentavam cada um a seu modo, criticando ou menosprezando seus contendores. Ainda na década de 1950, período de popularização desse gosto musical, Zé Mendonça se destacou com seus “sambas de pique” em que desafiava as outras escolas. Nessa década, além do já citado, compôs “Mangueira controlou”, no qual o alvo era o Pau D‟água: “O Mangueira controlou / o Pau D‟água fracassou / de coração / já tem sofrido demais / coitado / deixa ele viver em paz” (Entrevista com Raimundo Balby). Compôs ainda “Mangueira é grande”, também desafiando o Pau D‟água, seu maior rival, conforme Balby: Mangueira é grande / E canta mais / Mas o Pau d’água / Já perdeu cartaz. Mangueira é grande / De componente / Para mostrar pra essa gente / Que o Mangueira / Está no coração da gente. (Entrevista com Raimundo Balby). A provocação foi respondida pelo rival através do sambista Durval, oriundo de São Luís, capital do Estado que na época circulava pelo município. Este, segundo Raimundo Balby, teria comprado a briga com Zé Mendonça e compôs “Perda de cartaz”: Mangueira, Mangueira / Perdeste o teu cartaz / Já não és velha Mangueira / Que foste tempos atrás / Porque os teus sambistas / Não desfilam / Oh! Mangueira / Hoje é só farol e nada mais Qua, qua, qua, qua / Porque Mangueira / Não fala mais em sambar. (Entrevista com Raimundo Balby). Outro sambista conhecido por desafiar seus adversários com letras provocativas era Domingos Dutra, da escola Beira-Mar do Samba. Foi na década de 1950 que este iniciou sua trajetória compondo “Vou cair no samba”, em que zombava dos rivais Pau D‟água e Vocalista Tropical: “Eu vou cair no samba / eu vou / salvar duas escolas / salvei Pau D‟água / salvei Vocalista / Beira Mar do Samba / com sua turma de sambista” (Entrevista com Raimundo Balby). Em 1968, compôs “Pai de quem não tem”, em que desafiava as demais escolas: “Eu 107 vou subir o morro / eu vou visitar quem me quer bem / é Beira Mar, Beira Mar, Beira Mar / é Beira Mar, é pai de quem não tem./ Eu vou subir o morro / pra mostrar o meu valor / vem ver cabrocha Beira Mar do Samba chegou”.95 Figura 10: Beira Mar do Samba no carnaval de 1966, ano de sua fundação (BALBY, 2005, p. 62). Esse estilo de samba, marcado pelos embates entre as escolas, atravessou os anos 1950, 1960 e chegou aos 1980, ainda com muito vigor. A música do Magníficos do Samba, composta por Sérgio Reis Costa, o Costinha, em 1983, em que provocava as outras escolas, aponta para a sedimentação dessa prática musical: Dizem que quem é rei / Nunca perde a majestade / Essa história é triste / Mas eu vou ter que lhe contar / Vocalista, Pau D’água e Beira Mar / Vosso tempo de reinado acabou / Agora, tem que render homenagem / Para o bloco do povo. Foi um assombro meu irmão / Que estourou como um canhão / O povo pelas ruas cantando / Junto com ele esse refrão / É o rei do samba / É o rei do samba, sim senhor / É o Magníficos / Rei do samba, sim senhor. (Entrevista com Raimundo Balby). Raimundo Balby, um dos fundadores desta escola, admite que o que sustentava a efervescência do carnaval era esse ambiente de disputas. Segundo este, nos anos 1970, o carnaval da cidade teria passado por momentos de declínio, por conta de um certo esfriamento desse cenário, sendo a fundação do Magníficos do Samba, em 1979, uma tentativa de reacender as chamas desse espírito. 95 CD Memória do Carnaval Penalvense, 2002. 108 Figura 11: Magníficos do Samba no carnaval de 1990 (arquivo pessoal de Raimundo Balby). As rivalidades se davam tanto de escola para escola como internamente. Muitos blocos eram criados a partir de cisões intraescolas. O Pau D‟água surgiu de uma contenda entre os participantes do Fala Mangueira na escolha da fantasia. O não entendimento levou à criação do novo bloco. O Boêmio do Samba surgiu de uma intriga no Vocalista Tropical; o Beira-Mar, de uma cisão no Pau D‟Água, e assim sucessivamente. Essas cisões ajudavam a manter o ambiente de competição entre os blocos com letras que satirizavam, depreciavam ou desafiavam seus adversários. Essa intriga, que alimentava a existência dos blocos e das composições, faz parte da própria invenção desse gênero musical. Carvalho (2004, p. 50) observa que nos anos trinta havia “um moinho de intrigas” que alimentava a produção de sambas dos quais participavam não só sambistas, mas também jornalistas que tratavam de comentar as críticas contidas nas músicas. A polêmica envolvendo Noel Rosa e Wilson Batista, que se arrastou por anos num jogo de ataque e contra-ataque entre os sambistas, ilustra bem esse “moinho de intrigas” que participou da invenção do samba. Para a autora, a partir daí tornou-se uma prática transformar as letras dos sambas em infindáveis debates. Portanto não será difícil concluir que o samba, tendo sido a grande “invenção” patrocinada por numerosas agências, consolidou-se com base na controvérsia, agregando, como parte da sua linguagem e do seu universo 109 poético, os debates que suscitou, a aprovação e as críticas que lhe foram dedicada. Esse aspecto visível nas rixas entre sambistas – como a que opôs Noel e Wilson Batista, na famosa querela entre “lenço no pescoço” e “Rapaz Folgado” -, animou a produção do gênero e estabeleceu, fortemente, a associação entre samba e crítica ou, mais ainda, entre samba e sátira (...)” (CARVALHO, 2004, p. 51) No município, o tempo do carnaval era um tempo de enfrentamento. As ruas da cidade se tornavam palco de duelos entre os blocos, que mediam forças através de suas batucadas e de letras que depreciavam o adversário. Balby (2005, p. 58) narra alguns desses encontros entre Vocalista Tropical e Pau D‟água: “num encontro célebre próximo as escadarias do mercado velho (atual quadra José Gonçalves). Frente a frente, durante quase três horas, os dois blocos seguraram o ritmo, sem parar”. Os confrontos só findavam com a retirada de um dos contendores; quando isso não acontecia, a possibilidade de violência física era iminente, neste caso o incidente não chegou às “vias de fato” devido à intervenção da polícia, como observa o autor. Outro encontro se deu entre o “Fala Mangueira” e o “Pau D‟água”, em 1962. O “Pau D‟água”, ao avistar o “Mangueira”, o teria seguido, mas como o primeiro se “refugiou” na residência de um de seus componente, restaram ao desafiante apenas insultos e deboches ao som do Tarol, Pandeiro, Atabaque, Riquinta e Reco-reco. (BALBY, 2005). De modo que eram comuns os enfrentamentos entre estas agremiações sendo a música um dos principais espaços em que sambistas, cada um a seu modo, apresentavam a superioridade do seu bloco, desafiavam seus adversários, e isso alimentava a produção de samba. Figura 12: Beira-Mar do Samba no carnaval de 1984 (arquivo pessoal de Raimundo Balby). 110 Contudo, retomando o debate sobre a influência carioca na experiência musical da cidade, é importante observar as apropriações deste gênero pelos blocos do município. Ao contrário das escolas do Rio de Janeiro, que têm um samba mais acelerado, em Penalva o ritmo é cadenciado, dispensando inclusive instrumentos considerados essenciais no samba carioca, como o Tamborim. Para Balby (2005), este instrumento não se adaptou ao ritmo cadenciado do samba na sua versão penalvense. Embora não se possa afirmar com muita segurança, é possível que a cadência desse samba tenha uma relação com o próprio samba que chegou ao município. Sabe-se que este gênero, na sua gênese, nunca foi uno, já na década de 1920 havia uma diferença clara entre dois tipos de samba: o “samba do Morro”, tocado pelas escolas de samba e que, na luta pela sua afirmação, vai ser defendido por alguns sambistas como “autêntico”; por outro lado, havia o chamado “samba do asfalto”, com seu ritmo mais cadenciado; este foi o samba que primeiro ganhou espaço no rádio e possivelmente o que era ouvido no município (Ver CARVALHO, 2004; NAPOLITANO, 2005). Outra observação importante é que o uso de música como lugar de enfrentamento não era uma exclusividade do samba nem do período carnavalesco. Durante o período junino, que tinha início às vésperas de Santo Antônio (12 de junho) com um ensaio geral retomado aos 23 dias deste mês, indo até o dia 30 com a morte do boi ou fuga, se fosse o caso, o município era tomado por uma multiplicidade de grupos de bumba-meu-boi espalhados pelas zonas rural e urbana;96era o tempo em que cantadores expressavam suas angústias com toadas manifestando tristeza pela perda da mulher amada, pela ingratidão de um amigo ou por uma intriga entre “patrões” de “turmas”.97 Por volta de 1970, o cantador Anselmo, que fazia dupla com Raimundo Barros em uma turma, insatisfeito com a entrada de Domingos Machado no grupo, cantador que havia chegado ao município recentemente, rompeu com o grupo e compôs uma toada que menosprezava as qualidades do “forasteiro” e criticava a falta de critério do seu colega na escolha do novo componente: “Na Itans só tem cantador / é Domingos Machado / que pra mim não tem valia / mas é só pra Raimundo Barros que é carro de lixo, juntador de porcaria” (Entrevista com Astrogildo Nabate). Nesta manifestação cultural bastante difundida no Maranhão e em outros estados brasileiros, como no samba, era comum entre as turmas as “toadas de pique”, caracterizadas pelo enfrentamento entre os cantadores que buscavam também destacar umas supostas 96 Turma de Anselmo, Antero Penha, Dâmaso Aragão, Belmino, Marco Ligão, Zé Sinésio, Zuquinha, Raimundo Barros, Benedito Correia e Crispin, eram algumas dessas turmas que conseguimos catalogar. 97 Os grupos de bumba-meu-boi são chamados de turmas, e os líderes das turmas, de patrões. 111 superioridades das suas turmas manifestas nas suas toadas ou nas batucadas. Sobre os sentidos dessa prática, Costa (1999), apoiando-se na leitura de Maria Sylvia de Carvalho Franco, Homens Livres na Ordem Escravocrata, e no estudo antropológico de Regina Prado, Todo ano tem: as festas na estrutura social camponesa, realizado nos municípios maranhenses de Bequimão e Alcântara, preocupado em “mostrar de que modo o Bumba-meu-boi conta a sociedade em que vive”, apresenta-nos a polivalência de sentidos que acompanha o auto do bumba-meu-boi, que comportaria elementos de “religiosidade e rebeldia” presentes nas relações sociais. Os conflitos são apontados em dois níveis: “a nível intraclasse, através das rivalidades, dos „desafios‟, dos „contrários‟, manifestos internamente aos bois ou entre eles; e a nível interclasse, através dos conflitos entre os brincantes e as forças da classe dominante” (COSTA, 1999, p. 6). Qualquer análise exaustiva sobre o tema não constitui nossa preocupação, o importante é observar, nestas descrições não densas, no que se refere aos conflitos “intraclasses”, que havia uma relação tensa entre os “contrários”, no nosso caso, diferentes “turmas” de bumba-meu-boi, ou entre integrantes da mesma “turma”, que através das toadas “acertavam os ponteiros” de querelas sociais tecidas ao longo do ano. Outro exemplo interessante de conflito envolvendo os próprios brincantes de uma turma é a toada do senhor Onório, residente na zona rural do município. Nela, o autor narra (canta) sua visita a um amigo que se encontrava enfermo, manifestando sua angústia e revolta pela falta de reciprocidade, pois este amigo não o visitara quando encontrava-se nessa mesma situação alguns dias antes: “Eu chego, mas não entro / quando eu tava no meu sofrimento eu não achei ninguém pra me ver / mas Deus é pai / mas agora tu caiu pra te ver”.98 Tem-se aqui a quebra de uma espécie de pacto de reciprocidade entre os integrantes de uma comunidade. As relações de solidariedade nas pequenas comunidades eram fundamentais para a sobrevivência do grupo. Em caso de doença, eram comuns as visitas ou doações de alimentos, já que o enfermo se encontrava impossibilitado de trabalhar. Se fosse necessária a remoção do doente, a comunidade se mobilizava em um mutirão, transferindo-o para a sede do município em um meio de transporte conhecido como “taboca”, constituído basicamente de uma peça de madeira sobre a qual eram enfiados os punhos de uma rede onde o enfermo era deitado; essas eram as ambulâncias dos cidadãos que residiam, sobretudo, na zona rural do município. Esse transporte mobilizava em média vinte pessoas que se revezavam na condução da “taboca” carregada sobre os ombros. 98 Não é possível precisar a data destas toadas. Esta nos foi apresentado por alguns cantadores de Boiada, dentre eles Astrogildo Nabate. 112 A toada nos apresenta uma crítica da ruptura dos laços de solidariedade concebidos como uma instituição divina. Se “o que Deus faz o homem não desmancha”, segundo provérbio comum entre os munícipes, sobre o ingrato se abatia a infalível justiça divina, pois “Deus é pai / mas agora tu caiu pra te ver”. De modo que as escolas de samba, como as turmas de Boi, contam e cantam as sociedades em que vivem, evidenciam os conflitos vividos pelas sociedades que a constituem. O “tempo da Boiada”, como o “tempo do carnaval”, eram tempos de compor e cantar, cantar suas angústias, acusando ou falando de alguma insatisfação ou desafeto amoroso. Pois foi através da música que um sambista, às gargalhadas, em tom de desforra, desdenhava do seu desafeto amoroso: Renunciei / Renunciei / Agora eu vou bater meu tamborim / Vou gargalhar / Pra chatear um alguém que zombou de mim / Ano passado um alguém de mim zombou. Sorriu bastante e até me apelidou / E hoje, quem vai gargalhar sou eu / Crioula escuta, a gargalhada que eu dou / Qua, qua, qua, qua....99 4. 2 SAMBANDO E POLITICANDO: as relações entre samba e jingles eleitorais. Não obstante as toadas de bumba-meu-boi e as rivalidades entres as turmas terem características parecidas com os jingles eleitorais, assim como com as disputas entre as facções podendo perfeitamente influenciar as composições dos jingles, é, sobretudo, no samba e nas marchinhas, que as facções políticas encontraram os gêneros musicais para suas composições. Conforme se pode notar, o samba tornou-se uma música bastante popular no município entre as décadas de 1950 e 1980, constituía seu gosto musical, daí o fato de a maioria dos jingles ser cantada em ritmo de samba (e marchinha). Assim como no samba marcado pelos conflitos entre as escolas através de letras que debochavam dos adversários, os jingles eleitorais eram um dispositivo de enfrentamento entre as facções. Conforme se pode observar nos jingles citados no capítulo anterior, são muitas as evidências que demonstram a estreita relação entre o samba e a política no município. Os “sambas de pique”, como os jingles eleitorais, alimentavam-se de uma intriga entre eleitores e candidatos adversários, cada um apresentando suas facções como a melhor. Aliás, havia uma certa semelhança entre uma escola de samba e uma facção política: os foliões se referiam aos 99 Não podemos afirmar com exatidão a data desta composição nem seu autor. Conforme entrevista com Paulo Madeira, circulou no município durante os anos 1960. 113 seus blocos como turma: “a turma do Pau D‟água”, “a turma do Vocalista”, “a turma do Magníficos”, ou ainda a “turma do Beira Mar”, conforme se pode ver num samba cantado no ano da sua fundação: “em 66 a turma do Beira Mar inaugurou / cantar, sambar eu vou / a turma do Beira Mar é que tem valor”.100 Do mesmo modo, na política era comum nos jingles a expressão “a turma do sebo” ou a “turma da Embroma”. De fato muitos blocos estavam ligados às facções políticas, como é o caso do Beira-Mar que tinha como presidente Adelman Jansen do Sebo, assim como o Pau D‟água era ligado à Embroma, isso acabava também contribuindo para o espírito “belicoso” que às vezes atravessava a relação entre os blocos, sobretudo em ano eleitoral. Além das escolas de samba, outros blocos de menor duração apresentavam-se nos carnavais e traziam esse mesmo espírito de competição, assim como a vinculação às facções políticas. Em 1977, “Rebeldes e Piratas”, dois blocos de adolescentes, apresentavam-se pelas ruas da cidade. “Os Rebeldes” era ligado a Embroma e tinha como uma das suas protagonistas a filha de José Gonçalves, líder da Embroma (Figura 13). Os Piratas estariam ligados à facção Sebo. Em cada encontro, insultos recíprocos eram proferidos, às vezes seguidos de agressão física, inclusive como o uso de pedras.101 Figura 13: Os Rebeldes no carnaval de 1978. À frente, Cátia Gonçalves, filha de José Gonçalves, prefeito entre 1973-1976 e 1983-1988 (arquivo pessoal de Maria José). 100 Este samba ainda é cantado por alguns integrantes desta escola. Não pretendemos aqui reduzir a lógica das disputas apenas a sua dimensão política, havia uma disputa que era própria do carnaval em que cada bloco desejava apresentar a suposta superioridade de suas “fantasias” e performance. 101 114 Os compositores de jingle, quando é possível identificá-los, estavam imersos nessa prática cultural. Como no bumba-boi, ou no samba, as músicas políticas eram um lugar de debates, debates que tinham como temas querelas do tempo da política, um eleitor que votou no candidato derrotado, que falou alguma ofensa ao adversário, ou qualquer outra ação considerada reprovável, como a ruptura de um correligionário com sua antiga facção, como foi o caso de Wilson de Sá Marques, em 1976, que, ao se desligar da Embroma e migrar para o Sebo, tornou-se protagonista de um samba-jingle: “Lozinho tu abre o olho – o olho / Wilson quer te enrolar – enrolar / ele é muito esperto – esperto / quer comer sem trabalhar / deixou a Embromaria sem motivo e sem razão / traindo Zé Gonçalves que lhe deu a mão (...)”.102 Foi uma suposta traição que serviu de matéria-prima para a composição desta música, o que também era comum no mundo do samba. Alguns sambistas, motivados por alguma insatisfação, transitaram por várias escolas, atitude que poderia ser considerada traição e servir de tema para as composições, como foi o caso de Candido Batata. Em uma de suas idas e voltas ao Vocalista Tropical, foi alvo de uma sátira narrada por Balby (2005, p. 129-130): O folclórico Candido Batata teve certo prestígio nos primeiros tempos do Vocalista. Até que, com os anos, foi perdendo espaço e acabou saindo magoado. No entanto, arrependido bateu e logo voltou feliz ao bloco. Na sua chegada, lá estava o satirista Zé Peru que, ao notar Candido Batata (eufórico) entre os batuqueiros, não resistiu – mandou o samba parar e cantou: “arrependeu, / quer voltar / agora é tarde / não serve mais / se o Vocalista te aceitar / é dessa vez / que vou me retirar”.. O próprio Candido Batata, possivelmente justificando sua infidelidade a um só bloco/escola e reprovando as censuras decorrente de sua atitude, compôs o samba “Três escolas”: “Eu já sambei em três escolas / não falo mal de ninguém / hoje eu sou do Vocalista / escola que eu quero bem / ai, ai, meu deus / eu me sinto muito bem / quando eu chegar na passarela / eu vou mostrar o valor que o samba tem.”103 Contudo, sobretudo no final dos anos oitenta, a recorrência de músicas que exaltavam seus candidatos tornou-se mais frequente, o que também passa a predominar no conteúdo das composições dos blocos, em que as “belezas” naturais da cidade, assim como alguns personagens da sua história eram exaltadas nos chamados sambas de enredo.104 102 Entrevista com Maria Conceição N. Moreira. CD Memória do Carnaval Penalvense, 2002. Não encontramos a data desta composição, a fonte citada faz referência à década de 1960. 104 Com a implantação do desfile oficial em 1989, as Escolas de Samba passaram a ser julgadas segundo alguns quesitos, dentre os quais o samba, de modo que os sambas de enredo tornaram-se obrigatórios nas competições. 103 115 Não é nossa intenção eliminar as diferenças entre a competição das “turmas” de Bumba Boi, as escolas de samba e as disputas políticas entre as facções Sebo e Embroma, mas tão somente observar que os cantadores de “Boi”, de samba e de jingle estavam imersos no mesmo ambiente cultural. A produção das sátiras políticas, embora sejam voltadas para formação de opinião sobre um candidato, ou uma forma de adesão as facção, estavam inseridas nesse mesmo contexto cultural que era a prática de compor músicas manifestando uma posição ou insatisfação. Uma diferença substancial estava no objeto das disputas. O que estava em jogo nas querelas entre as turmas de samba ou entre as turmas do Sebo e da Embroma, nestas últimas, que é o que mais nos interessa, era, obviamente, as disputas pelo poder de governar. 4.3 OS ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE E O CIRCUITO DE PRODUÇÃO, CIRCULAÇÃO E RECEPÇÃO DOS JINGLES. A compreensão do circuito de produção circulação e recepção dos jingles eleitorais requer um mapeamento dos espaços de sociabilidade da cidade, lugares em que fofocas políticas eram “inventadas” e disseminadas gerando conteúdo para as músicas que ultrapassavam as fronteiras desses espaços, chegando aos comícios e passeatas, lugares políticos por excelência. Além dos comícios e passeatas, destacaremos aqui três espaços de intensa circulação de fofocas: as esquinas (cantos das tesouras), as camboas e os comércios.105 Estes espaços tinham uma função importante na propagação de boatos que no tempo da política eram canalizados para construir ou destruir reputações. O Canto da Tesoura. Na Penalva dos anos 1970, 1980 e início dos 1990, embora já circulassem jornais impressos e contasse com serviços de alto-falantes desde a década de 1950, conforme já dissemos, era de boca em boca que a maioria das notícias chegava aos ouvidos dos eleitores, através do que podemos chamar de uma “rede de boataria” difícil de ser mapeada, uma vez que seu único suporte é a memória. Contudo, podemos apontar hábitos da população da cidade que a predispunha à prática da boataria. Nas primeiras horas da noite, alguns habitantes do município, sobretudo os mais jovens, tinham o hábito de reunir-se para “prosear”, como se costumava dizer na cidade. Um dos lugares preferidos para essas “reuniões” eram as esquinas, talvez por constituir um lugar estratégico, já que possibilitava uma ampla visão das pessoas que circulavam pela cidade. O 105 Usamos o termo comércio para nos referirmos às pequenas quitandas, vendedores atacadistas ou lojistas, pois era o termo empregado. 116 traçado ortogonal das ruas da cidade possibilitava a abundância dessas esquinas (ver mapa na p. 117). A presença de pessoas nestes lugares os tornava importantes espaços de sociabilidades onde jovens se aglomeravam para, dentre outras coisas, fofocar, “falar mal da vida alheia”. Uma dessas esquinas, localizada no cruzamento da Rua Presidente Vargas com a Celso Magalhães, devido à sua “má fama”, foi apelidada de “O Canto da Tesoura” e ficou famosa por ser um local onde fofocas maledicentes circulavam e colocavam na boca do “povo” a reputação das filhas de famílias consideradas “da alta sociedade” (estabelecimento n.º 20 nas p. 117-118). Um “artista” anônimo, talvez um frequentador ou alguma vítima das informações que circulavam nesse espaço, teria desenhado uma tesoura que efetivamente batizou este lugar como “O Canto da Tesoura” (Entrevista com Lucília Martins Fonseca). Camboas. Camboa é uma espécie de estratégia de pesca muito empregada pelos pescadores da região. Consiste basicamente na reunião de grupos formados por 10 ou 20 pescadores a bordo de pequenas canoas, que juntos formam um grande círculo que vai se fechando lentamente, deixando os cardumes de peixes encurralados. Ao sinal de um membro do grupo (o cabeceira), todos jogam suas tarrafas. Esta prática, a partir do abaixamento (mês de junho), quando o nível da água do lago Cajari baixava substancialmente, facilitava a pescaria (ver Figura 14).106 Figura 14: representação de uma camboa (MARTINS, 1996, p. 10). 106 É importante lembrar que, embora não se tenham dados estatísticos da quantidade de pescadores do município nesse período, grande parte da população urbana se sustentava com essa atividade. Em termos quantitativos da produção pesqueira, a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros apresenta uma produção de 2.161 toneladas em 1955. Nos anos 1970, o pescador Sidney Mendes lembra com saudosismo que compradores de várias partes do Maranhão e “até do Ceará” se dirigiam ao município para comprar peixe (MENDES NETO, 2009) 117 Esse tipo de pescaria se iniciava geralmente na madrugada (por volta das 3:00 horas da manhã) e durava, em média, até às 8:00 da manhã, quando os pescadores se dirigiam à praia (como se chamava o local de comercialização do pescado) situada às margens do lago. As madrugadas do lago Cajari ficavam bastante movimentadas com essas camboas, que poderiam totalizar até 10, chegando a uma média de 150 pescadores. Protegidos pela escuridão das madrugadas, estes pescadores aproveitavam para apelidar seus colegas, proferir brincadeiras do tipo: “ontem eu esqueci minha cueca no punho da rede da tua mulher”. Esses lugares eram bastante férteis para a circulação de boatos com temáticas sobre traições amorosas: “quem estava botando chifre em quem”, quem estava “pegando” a filha de fulano ou cicrano, de maneira que ajudavam a descontrair o ambiente de trabalho destes profissionais e ocupavam uma posição importante na propagação de boatos (Entrevista com Alberto Lopes). Os comércios. O traçado ortogonal da cidade permitia a existência de muitas esquinas, conforme já dissemos. Muitas destas eram ocupadas com estabelecimentos comerciais. O mapa abaixo nos dá uma dimensão da distribuição destes estabelecimentos na sede do município. Entre bordéis, lojas de tecidos, pequenas quitandas e comércios atacadistas, conseguimos mapear cinquenta e sete pontos distribuídos pelo perímetro urbano da cidade. Se levarmos em consideração que em 1970 apenas 18,63% dos 22.640 habitantes do município residiam na zona urbana, ou seja, 4.219 habitantes, tem-se um número elevado de comércios: “haja comprador para tanto vendedor”. Todavia, temos que considerar dois elementos importantes: muitos destes comércios abasteciam a zona rural, principalmente os atacadistas que distribuíam mercadorias para outras dezenas de comércios espalhados pelo interior do município. Outra questão que talvez possa justificava essa quantidade de comércios está relacionada ao hábito dos consumidores que costumavam comprar mercadorias em pequenas quantidades: ¼ kg de açúcar, meia barra de sabão, meia caixa de fósforo, pequenas doses de óleo comestível, etc. As pessoas, especialmente as mais carentes, supomos, por razões óbvias, não compravam em grande quantidade, o que forçava suas idas a estes estabelecimentos com muita frequência, fazendo destes lugares importantes espaços de sociabilidade por onde circulavam informações sobre a vida do município e dos munícipes. 118 Figura 15: Croqui atual da cidade de Penalva (fonte adaptada do Google-mapas). As informações sobre os comércios foram obtidas informalmente com vários moradores da cidade. Para a demarcação do perímetro urbano, seguimos a orientação do Projeto de Lei n.º 37, de 10 de outubro de 1966, que “dá a nova delimitação do zoneamento urbano” da cidade disponível no arquivo da Câmara de Vereadores. A relação dos comércios apontados no mapa encontra-se em anexo. 119 No tempo da política, esses espaços de sociabilidade (esquinas, camboas, comércios) agregavam a seus “repertórios” de fofocas os boatos políticos, visto que esse era um dos principais temas com que a população se ocupava no período eleitoral. Com relação aos comércios, não é por acaso que havia uma vinculação estreita entre a profissão de comerciante e a atividade política, conforme já mostramos no segundo capítulo. Para se ter uma ideia, dos 36 vereadores que passaram pela Câmara entre 1963 e 1988, pelo menos 18, ou seja, 50% eram comerciantes. Dentre os prefeitos, dos sete que ocuparam a prefeitura nesse mesmo período, apenas dois (Wilson Marques e Derze Barros) não exerciam atividades comerciais.107 Como a política no município era praticada numa relação direta através de compromissos firmados entre os cabos eleitorais e os eleitores ou entre o próprio candidato e seus eleitores, ou seja, no “corpo-a-corpo”, entende-se que os comércios e os comerciantes tinham uma posição de destaque nas disputas eleitorais, uma vez que estes mantinham um contato diário com a população. As carreiras políticas de José Gonçalves (da Embroma) e José Marques (do Sebo), duas figuras de destaque no cenário político do município, já apresentadas no segundo capítulo, nos dão uma dimensão da força dos comerciantes na política local. Ambos, cada um a seu modo, tiveram como ponto de ingresso na política atividades comerciais. Os comércios, assim como as camboas ou os “cantos das tesouras”, somados a tantos outros possíveis espaços de sociabilidades, eram atravessados por uma infinidade de boatos que nos arriscamos em dizer, animavam a vida na cidade. Analisando este meio de circulação de “informações”, Elias; Scotsen (2000) nos informa que constitui um importante meio de propagação de informações e diz muito sobre o próprio nível de integração de uma comunidade. Ao analisar a figuração estabelecidos e outsiders, em dois agrupamentos urbanos, o autor observa que além de informar o nível de integração de um grupo social, as fofocas que circulam pelos canais de boataria têm a função de entretenimento: “se um dia parassem os moinhos da boataria na „aldeia‟, a vida perderia muito de seu tempero” (ELIAS; SCOTSEN, 2000, p. 122). Boatos constituíram um importante meio de propagação de notícias em diversas sociedades. Darnton (2005) faz uma importante reflexão sobre este tipo de propagação de notícias na Paris setecentista. Analisando a circulação de notícias em Paris no século XVIII, este afirma que, cada uma à sua maneira, “toda era foi uma era da informação”. Nesse século, a capital francesa era tomada por boateiros que se espalhavam pelos cafés da cidade ou em 107 Esses dados foram publicados no livro “Sebo versus Embroma: disputas políticas em Penalva”, da nossa autoria, resultante de pesquisa monográfica apresentada à Universidade Federal do Maranhão (MENDES NETO, 2009). 120 baixo da “Árvore de Cracóvia”, onde se poderia ter acesso a um diversificado repertório de notícias sobre figuras de relevo da corte francesa: “para ter acesso às notícias, bastava postarse na rua e manter os ouvidos atentos” (DARNTON, 2005, p. 42). Na Penalva dos anos 1970, 1980 e início dos 1990, embora já circulassem jornais impressos e se pudesse contar com serviços de alto-falantes desde a década de 1950, conforme já dissemos, os boatos que se propagavam de boca em boca, nos parece, ocupavam um lugar importante na propagação de notícias. Era de boca em boca que muitas informações chegavam aos ouvidos da população, senão vejamos um trecho da entrevista de Lucília Fonseca, citada anteriormente, mas que vale apena mencionar novamente: Lembro que já era quase doze horas. Já tinha preparado a comida para os meninos quando disseram que deu no rádio: – o pessoal na rua, no sol quente procurando quem tinha rádio, pra saber quem ouviu mesmo que Zé Gonçalves tinha caído. – e o foguete ali no Lozinho... (Entrevista com Lucília Martins). Neste trecho, nossa entrevistada narra os rumores em torno de uma suposta impugnação da candidatura de José Gonçalves, em 1982, que alguém teria ouvido no rádio. Posteriormente descobriu-se que a informação não era verdadeira. Mas o interessante foi como essa notícia se propagou pela cidade rapidamente chegando até a residência de Leovergílio Martins, um dos líderes da Embroma, sendo comemorada ao som das girândolas (Entrevista com Lucília Martins). A produção e a circulação desses boatos estavam intimamente ligadas à produção dos jingles eleitorais. Muitos jingles nasciam a partir de boatos sobre algum suposto mal-feito de candidatos e eleitores adversários. Era de boca em boca também que muitos jingles chegavam aos ouvidos dos eleitores. Em 1976, por exemplo, na disputa entre Leovergílio Martins (Sebo) e João Mendes (Embroma), quando se intensificou a produção de imagens negativas das forças em conflito, um boato muito propagado pelo Sebo na época era que os partidários da Embroma teriam retirado a gasolina do avião que deveria reconduzir o deputado Ivar Saldanha (aliado do Sebo) de volta a São Luís. Esse boato se expandiu pela cidade e logo virou tema para a composição desta marchinha já citada anteriormente: Eu vou contar uma história engraçada / uma história que se deu aqui em Penalva / Quando o deputado Ivar Saldanha / veio pelo Sebo convidado / os embromeiros tiraram a gasolina / do avião para que ele morresse / Deus é pai de nossa gente / não deixou que isso acontecesse / eta embromeiro! Tu estás 121 em desespero / pega Zé Toalha e joga no lameiro (Entrevista com Maria Carvalho). Várias outras composições tinham como matéria-prima informações provenientes desses boatos. Ainda em 1976, surgiu a informação de que o Sebo teria colocado uma coruja na casa do adversário João Faveira, como mau presságio para sua candidatura, deu música: “Botaram... Botaram uma coruja na casa de João Faveira para amedrontar / João Faveira, tenha fé em Deus / pode vim mil corujas que essa não valeu / a sebaria vai cansar de botar / pois com coruja ou sem coruja a Embroma vai ganhar” (Entrevista com Maria Silva). Em 1988, uma boneca, supostamente enfeitiçada, teria sido jogada no terraço da casa do candidato a prefeito Marival Sá por partidários do Sebo, a fim de impedir sua eleição. Isto também virou música nos versos de compositores de plantão. Até mesmo a canoa de um pescador de nome Lorinho, que teria sido depredada, supostamente por pessoas ligadas ao Sebo, virou tema de música.108 O que podemos observar nesta descrição não densa da relação entre os boatos e os jingles é que havia uma via de mão dupla entre as músicas e os boatos. Através destes, que circulavam pelos “cantos das tesouras”, camboas e comércios, tinha-se o conteúdo para muitas composições, do mesmo modo, de boca em boca muitas músicas chegavam até o público, através das chacotas entre grupos de amigos nas esquinas ou nas camboas. Sabemos que as camboas eram palco de muitas chacotas. Protegidos pela escuridão das madrugadas muitos pescadores aproveitavam para satirizar seus colegas e os candidatos destes. No trajeto do lago até o local de comercialização dos pescados, entre uma remada e outra estes pescadores arriscavam-se nos versos de uma sátira: “Oziel compra Sebo de carneiro pra passar na tua careca pra nascer cabelo / compra bastante que pouquinho não dá / ainda tem Adelman que falta passar”.109 No tempo da política, aos cantos das tesouras, comércios e camboas, somavam-se os comícios e passeatas na propagação dos jingles. Estes espaços, na compreensão de Palmeira; Heredia (2010), demarcam o próprio tempo da política. Na definição do autor, conforme já expusemos, em se tratando de eleições municipais no Brasil, sobretudo nos pequenos municípios, a política tem uma dimensão “sazonal”, está circunscrita a um tempo. Assim 108 Algumas músicas, como esta, não foram lembradas na integra. O que temos são pequenos recortes: “(...) vai pagar a canoa de Lorinho que a Sebaria mandou quebrar” (Entrevista com Maria da Conceição Nunes Moreira). 109 Na entrevista com Alberto Lopes, ele lembra que era comum o canto de sátiras e outras músicas pelos pescadores, mas não se refere a uma música específica. Aqui usamos nossa imaginação, podendo ser uma outra música qualquer dentre as muitas sátiras políticas que circulavam. 122 como há tempo de plantar e colher, haveria, neste tipo de disputa, um tempo de fazer política que é o período eleitoral, período em que o “cotidiano da cidade se subverte”, “sua fisionomia se transforma” e o tema “política” toma conta das rodas de conversas, animando os ambientes da cidades. Na Penalva dos anos 1970 e 1980, o dia seguinte aos comícios era o dia dos comentários sobre as gafes cometidas pelos candidatos ou as acusações dirigidas aos adversários. O diálogo entre os candidatos José Marques e José Gonçalves, em que o primeiro teria dito: “tu viste como eu te meti o pau no meu discurso”, e o segundo teria respondido: “e tu viste como eu te meti também o pau no meu discurso lá no Jatobá”, embora em tom de brincadeira com duplo sentido, nos dá uma noção dos comentários que circulavam após os comícios animando as disputas (Entrevista com João Carlos Martins). Para Palmeira; Heredia (2010), os comícios demarcam as fronteiras do tempo da política; a política começaria com os comícios de abertura das campanhas eleitorais. De modo que estes eventos, em muitos casos antecedidos por uma passeata, ocupavam uma posição importante nestas disputas. Funcionavam como uma demonstração de força das facções em disputa. Daí que se buscava reunir a maior quantidade de pessoas possível a fim de mostrar superioridade, uma vez que as tomadas de posição de eleitores também passavam por aí, ou seja, nestas disputas procurava-se votar no candidato que, supunha-se, iria ganhar a eleição: ninguém, ou pelo menos poucas pessoas, como se costumava dizer, gostaria de “botar o seu voto fora”. A demonstração de força passava pela mobilização de grande quantidade de pessoas nestes eventos que eram apresentados como festa, e como festa, em geral, não pode prescindir de música, os jingles tinham seu papel nestes eventos.110 Na discrição da passeata da Embroma de 1972, à qual nos referimos no capítulo anterior, e que vale apena citar novamente, Lucília Martins e Maria José nos apresentam esse ambiente festivo do qual os jingles faziam parte: (...) de lá (...) – da Trizidela – (...) saia o povo que era pra derreter o Sebo, e nós todo mundo, mulheres e homens, crianças com aqueles paus pegando fogo que nem umas velas – os loucos – e nós cantávamos: “Oziel, compra sebo de carneiro / pra passar na tua careca pra nascer cabelo / compra bastante que pouquinho não dá / ainda tem Adelman que falta passar (Entrevista com Lucília Martins). 110 Para uma leitura sobre a estrutura dos comícios e passeatas, assim como sua importância nas disputas municipais, ver Palmeira; Heredia (2010). 123 Ah!! Comício de encerramento da campanha de Zé Gonçalves, da primeira não é? Que foi na Trizidela. Aí quando a gente vinha, todo mundo com umas tochas imensas que ele mandou preparar... todo mundo com as tochas, vibrando mesmo! A mãe de Nauro, me lembro como se fosse hoje, Dona Maria, não é? Uma Senhora muito dinâmica, ela vinha bem na frente! Ela tava gripada pra morrer, ela vinha com um lenço assim amarrado no nariz que ela não aguentava, só poeira! Aí vinha bem na frente cantando, todo mundo cantando, pulando, pulando... Quando chegou mais ou menos aqui na praça vinha a passeata do outro lado... Aí abera não, não abera, nós estamos com o fogo, eles não encostam (risos). Aí o outro lado aberou e nós passamos (risos). E era uma graça esses comícios (Entrevista com Maria José). Os comícios e passeatas eram uma demonstração de força da qual os jingles participavam, depreciando o adversário e dando ao evento um tom festivo que ajudava a animar seus participantes. Não é nem um exagero afirmar que estes eram compreendidos como festa, onde não poderia faltar comida, bebida e foguetes, que ajudavam a transmitir a imagem grandiosa que os candidatos procuravam associar a seus nomes. Maria da Conceição Nunes Moreira, partidária da Embroma que em muitos comícios cantava os jingles da facção, na sua experiência política, sintetiza o sentido destes eventos e que entendemos ser um dos sentidos compartilhados pela população. Era um momento de diversão... pra mim que era jovem naquela época, quando dizia que ia ter um comício, ah eu já tava preparada. Porque era uma forma de eu me divertir (...) nós nos divertíamos muito, só que não era assim como é hoje, nós íamos... Eu ia, cantava, me divertia, mas não era com aquela coisa... com aquele espírito polêmico de briga de tá querendo que seja... (...) (Entrevista com Maria da Conceição Nunes Moreira). Trata-se aqui de uma pessoa que ocupava uma posição de destaque no palanque da Embroma, portanto, não só se divertia cantando os jingles como tinha a função de entreter a plateia, provocando-lhe o riso através das sátiras que depreciavam os adversários. Sabe-se que, na eleição de 1972, um grupo formado por mulheres, do qual faziam parte, dentre outras, Lucília Martins, Maria da Conceição N. Moreira e Mariinha Sá (todas da Embroma), acompanhadas por uma charanga, reuniam-se para ensaiar alguns jingles que deveriam ser cantados nestes eventos (Entrevista com Lucília Martins). Em alguns casos, os palanques contavam com um apresentador que, dentre as suas funções, animava a plateia. A ex-prefeita Derze Barros nos relatou, com entusiasmo, que teria recebido de presente de um governador do Estado na campanha de 1988, o locutor Franklin Matos, da Rádio Ribamar (localizada em São Luís), uma figura bastante respeitada na região 124 e que após sua vitória passou a apresentar outros eventos na cidade como o Festival da Peixada (Entrevista com Derze Barros). Vale ressaltar que os comícios reuniam uma plateia heterogênea o que contribuía para as diferentes leituras do que se ouvia nos palanques. Palmeira; Heredia (2010), ao descrever a composição do público presente nestes eventos, observa que eram compostos por pessoas “do local ou de fora da localidade, vinculadas através de redes sociais a cabos eleitorais ou outros intermediários”, outras que “se dispõe a retribuir com a sua presença a visita que lhe foi feita por um candidato”, “grupos de vizinhos ou parentes de localidades da região” e outros motivados pela “dimensão festiva do comício, absolutamente indispensável a qualquer verdadeiro comício” (PALMEIRA; HEREDIA, 2010, p. 56). De modo que estes eventos reuniam um público heterogêneo e, de certa forma, seguiam uma organização na sua distribuição espacial. Mas, deixando de lado a descrição minuciosa da distribuição espacial do público neste evento, grosso modo, como observa o autor, os contornos dos comícios era constituído por uma “multidão” que dividia a atenção entre o que era dito no palanque e o que era conversado nas tendas de comida e bebida ou nos bares das mediações, “uma espécie de área de trânsito entre o comício e o resto da cidade, esse espaço reúne um público que inclui desde militante de passagem, que ali faz uma parada para comer ou beber alguma coisa, até os olheiros da facção adversária” (PALMEIRA; HEREDIA, 2010, p. 57). Esse público, como observou Palmeira; Heredia (2010), analisando outros recortes 111 , é formado, dentre outros, por “olheiros” da facção adversária que dividem sua atenção entre o que era dito no palanque e os “cochichos” da plateia. Entendemos ser dessa zona ocupada por olheiros “infiltrados” e outros eleitores desta facção que muitos tiravam inspiração para suas composições que poderiam trazer críticas das gafes cometidas por candidatos nos seus discursos, gafes que poderiam se tornar conteúdo para os jingles. No livro Terreiro grande, um romance histórico de Carlos Alberto de Sá Barros, publicado em 1998, temos uma noção das críticas ao vocabulário usado por alguns candidatos. Barros (1998), usando a literatura como pretexto para criticar políticos do município, nos apresenta “Esclepíades Cachaça”, personagem ilustrativo da política local que, através de um vocabulário recheado de erros, divertia a plateia com seus discursos: O “leme” da minha campanha e minha “plantaforma” política vai ser a educação. Vou lutar pra melhorar nossas escolas, nossos jardins... vou exigir que o prefeito eleito bote uma “nitricionista” para melhorar a merenda dos 111 O autor (PALMEIRA; HEREDIA, 2010) analisa eleições municipais nos Estados do Rio Grande do Sul e Pernambuco entre 1988 e 2002. 125 nossos alunos. E pros nossos filhos aprenderem mais pedirei que ele contrate uma “psicólica” (BARROS, 1998, p. 138 – grifos nossos). Observando a citação, podemos até afirmar que o autor foi generoso com o candidato a vereador, Esclepíades Cachaça, pois muitas concordâncias verbais o absolvem. Ainda mais se levarmos em conta que, no período, os candidatos, em geral, não passavam da segunda série do que hoje entendemos como Ensino Fundamental.112 Os compositores de plantão da Sebaria ou da Embromaria não deixavam passar em branco o uso, digamos, incorreto dessas palavras, como o entende a norma culta da nossa língua. Na eleição de 1976, Leovergílio era satirizado pelos tropeços no uso do “português”, através de uma música que dizia: “Lozinho vai ganhar uma cartilha de ABC / pra não dizer mais anecho [anexo] nem também que vai fichar [fixar]” (Entrevista com Maria da Conceição Nunes Moreira). As músicas não só tinham nos comícios um importantes espaço de circulação como também nasciam nesses espaços, ou pelo menos eram compostas a partir de fofocas ou gafes dos candidatos, como neste caso um tropeço no uso da língua portuguesa. A partir de 1988, tem-se um elemento novo nas campanhas e na circulação dos jingles, a utilização de “carros de som” que passaram a divulgar a “imagem” dos seus candidatos com músicas que eram gravadas em fitas K7, gravadas no município ou em São Luís, capital do Estado (Entrevista com Derze Barros).113 Neste momento, o que se verifica é uma mudança no próprio conteúdo dos jingles que, predominantemente, passaram a vender uma imagem positiva dos seus candidatos, apresentando-os como salvadores do caos em que a cidade supostamente se encontrava. Algumas dessas músicas até condenavam a prática do candidato que “falava mal” do outro nas campanhas, a exemplo o jingle da Maria Joaquina que a apresentava como uma candidata “que anda pela rua e não fala mal de ninguém”, conforme já citamos. Isso obviamente não eliminou a circulação das sátiras que continuaram a ser produzidas e disseminadas pelos canais da boataria como a que tratava da sexualidade de um candidato: “ele solta o Ás de copa / ele solta o Ás de copa / Zé de Lourêncio entre as pernas tem uma loca” (Entrevista com Maria Carvalho).114 112 Para uma leitura sobre a escolaridade dos prefeitos e vereadores entre 1963-1988 ver Mendes Neto (2009). As informações com relação à introdução de “carros de som” nas campanhas eleitorais não são precisas. Na entrevista concedida por Derze Barros, mesmo não oferecendo uma certeza, afirma que este dispositivo foi introduzido na eleição de 1988, tornando-se um importante veículo de execução dos jingles. 114 Zé de Laurêncio, também conhecido como Zé Brusa, era proprietário de um bordel na cidade (ver mapa da p. 117 / estabelecimento n.º 47 na relação da p. 118). A sátira faz referência à suposta homossexualidade do candidato a vereador. 113 126 A música, na expressão de Darnton (2005), “maior dispositivo mnemônico que existe”, cumpria um papel importante na disseminação de chacotas e boatos construindo ou destruindo imagens de políticos numa sociedade basicamente iletrada. Sem violar um dos mandamentos do historiador (“não cometerás anacronismos”), analisado por Darnton (2005), lembramos, citando o próprio, que a utilização de canções como meio de difusão de notícias depreciativas não é um fenômeno exclusivo de Penalva. Na França do século XVIII, as canções cumpriam esse papel. O autor, citando Louis-Sébastien Mercier, escreve que “não há acontecimento que não seja devidamente registrado na forma de um vaudeville [canção popular] pelo populacho irreverente”. Na expressão do autor, “Paris transbordava de canções. Na verdade, como se dizia, o reino todo podia ser descrito como „uma monarquia absoluta temperada de canções‟” (DARNTON, 2005, p. 68). As canções serviam como artifício mnemônico. Numa sociedade que permanecia largamente iletrada, elas forneciam um meio poderoso de transmissão de mensagens, um meio que provavelmente funcionava de modo mais eficaz na Paris do século XVIII do que os jingles comerciais nos Estados Unidos de hoje (DARNTON, 2005, p. 67). Embora se trate de outra realidade, distante de nosso objeto, tanto do ponto de vista geográfico quando temporal, e reconhecendo as singularidades de cada situação, pode-se observar que na Paris do século XVIII, como na Penalva da segunda metade do XX, a música tinha um papel importante na propagação de chacotas e boatos. Prática que se inscreve em uma tradição satírica brasileira forjada na Primeira República, como observamos no terceiro capítulo. No que se refere à apropriação dos jingles, Napolitano (2005) propõe que o historiador deva pensar os “planos multidimensinais da recepção” musical formado por compositores e intérpretes como receptores-criadores e o público ouvinte como receptorfruidor. Contudo, esta proposta não se aplica na totalidade ao nosso objeto, porque nesta experiência musical, embora algumas pessoas se destacassem como compositores, isso não era atributo de um grupo especifico, “qualquer um” poderia arriscar-se na composição de alguns versos que eram cantados a grupos reduzidos de ouvintes. Além do mais, os jingles eram feitos para serem cantados, num contexto em que cantar poderia ter o sentido de uma adesão a uma determinada facção.115 115 Na eleição de 1988 houve uma mudança, os jingles passaram a ser executados com mais frequência em carros de som. 127 Muitos jingles nasciam de boatos, conforme já dito acima, de modo que não se pode precisar sua autoria. Diferentemente de hoje, essas composições não eram especializadas ou feitas sob encomenda. Não havia profissionais especializados, portanto, não se tinham os produtores no sentido restrito. Os compositores eram os partidários que satirizavam o outro como forma de manifestação da sua posição ou como luta política no sentido de construção de imagens negativas do adversário. O que nos é possível dizer é que algumas pessoas se sobressaíram nas composições dessas músicas, como é o caso de Mariinha Sá, Maria Silva, Lucília Martins, Maria da Conceição (Cotinha), apontadas em algumas entrevistas como autoras de algumas sátiras da Embroma; e pelo Sebo, Maria Carvalho e Lúcia Pinheiro (Entrevista com Lucília Martins). Mas, não havia uma separação radical entre um compositor e um ouvinte. Na sua experiência musical, a cidade não estava radicalmente dividida entre um grupo que compõe para apresentar a um público que escuta. As músicas eram feitas, sobretudo, para serem cantadas. Ainda que se identifiquem os compositores, tratavam-se de partidários que nas suas vivências políticas produziam chacotas para provocar seus adversários que poderia ser um vizinho ou até mesmo um amigo. Foi “bebendo umas cachaças” pelos botequins da cidade que o “embromeiro” Zé Frito olhou para seu amigo Dico Pé Mole, partidário do Sebo, e em uma situação de repente cantou: “Não é mole / não é duro e não é mole / coitado do Dico Pé Mole / jogou o seu voto fora / votou nos cabeças de sola / Wilson por ser o maior / botou os carecas pra fora”.116 Era assim que muitas músicas eram produzidas. Na maioria dos casos, não é possível identificar o autor, como no caso da música “Oziel compra sebo de carneiro”, que, nas entrevistas, tem mais de uma pessoa apontada como autora. No plano da recepção, como mapear o bólido de sentidos embutidos na prática dos jingles eleitorais? Como saber as reações que os contemporâneos esboçavam diante de uma música polêmica que acusava ou depreciava um candidato? Esta não é uma tarefa fácil, devido ao próprio tipo de fonte com a qual lidamos, ou seja, músicas que, em geral, não foram registradas em nenhum outro suporte de gravação senão na memória, através da qual tivemos acesso mediante entrevistas. E em se tratando da análise de fontes orais, há que se considerar dois elementos importantes: a dimensão de esquecimento que comporta a memória fazendo que esta se renove, como observou Nora (1993). Por outro lado, a memória tem uma dimensão política ou, mais que isso, podemos defini-la como um tipo específico de memória, a “memória 116 Dico Pé Mole é o apelido de Raimundo Nonato Trindade (Entrevista com Raimundo Nonato Trindade). 128 política”, como fez Ecléia Bosi (1994). Neste tipo de memória, segundo a autora, “os juízos de valor intervêm com mais insistência. O sujeito não se contenta em narrar como testemunha histórica „neutra‟. Ele quer também julgar, marcando bem o lado em que estava naquela altura da história, e reafirmando sua posição ou matizando” (BOSI, 1994, p. 453). De modo que a compreensão das reações diante dos jingles, tanto no período em que foram produzidos como na atualidade, quando foram comentados pelos entrevistados, aproximadamente 25 anos depois, pressupõe a identificação dos lugares de fala. Devemos considerar, no contexto das disputas, em que condição cada eleitor se encontrava. Se partidário do Sebo, logo tem-se um eleitor da Embroma na condição de receptor-fruidor, para usarmos a expressão de Napolitano (2005), mas é preciso lembrar, ouvinte ativo, visto que sua recepção esboçava reações de satisfação ou revolta, em muitos casos suscitava uma nova composição. Dentre as entrevistas que realizamos no decorrer desta pesquisa, seis nos parecem mais ricas no que se refere tanto à composição dos jingles quanto a sua recepção. Quatro dos entrevistados eram partidários da Embroma e dois do Sebo. Talvez, pela própria seletividade da memória, estas pessoas lembravam mais dos jingles das suas facções, e quando lhes era apresentado um jingle na mesma melodia, afirmavam que os adversários parodiavam suas músicas (Entrevista com Maria da Conceição N. Moreira).117 Sem perder de vista essas considerações e as limitações das fontes que não nos permitem interpretar os sentidos que as composições tinham na época, apoiados em depoimentos do momento em que as músicas foram compostas, buscaremos compreender as recepções a partir das próprias músicas e dos comentários feitos a posteriori. Uma característica presente em alguns jingles é que eram a resposta de uma ofensa proveniente da facção adversária. Ao ouvir uma música que depreciava seu candidato, uma das primeiras reações do grupo adversário era contra-atacar com outra composição respondendo à acusação ou chacota. Isso pode ser observado em várias músicas citadas no capítulo anterior. Ao serem acusados pelo Sebo, através de uma marchinha, de atentarem contra a vida do deputado Ivar Saldanha, retirando a gasolina do avião, os embromeiros responderam na mesma melodia e ainda contra-atacaram: (...) A Embroma não quer que ele morra / pra ele ver o que vai acontecer / João Faveira vai ganhar a eleição / e ele vem no mesmo avião / pra ver 117 As seis pessoas a que nos referimos são: Maria da Conceição N. Moreira, Maria Silva, Lucília Martins e João Carlos Martins, partidários da Embroma; pelo Sebo, Aurideia Leite e Lúcia Pinheiro. 129 Faveira na prefeitura / com a sua boa administração / gasolina é a mentira / que o Sebo inventou / um deputado desse / que o povo nem ligou.118 Em alguns casos mudava-se somente o nome do candidato como nesta cantada pela Embroma: “Embarca Lozinho embarca / molha o pé, mas não molha a meia / Zé Gonçalves veio de longe, fazer benefício na terra alheia.” O Sebo respondeu: “Embarca Faveira embarca / molha o pé, mas não molha a meia / Zé Gonçalves veio de longe, fazer bagunça na terra alheia”. Estas músicas em que se trocava apenas algumas palavras são lembradas pelos partidários da Embroma nas entrevistas, acusando os partidários do Sebo de plágio. O duelo no campo musical demonstram a importância que as músicas tinham nos embates políticos, assim como as reações dos envolvidos diante de uma composição contrária a sua facção. Em uma interpretação extrema, podemos até afirmar que havia uma disputa paralela as disputas eleitorais propriamente ditas. Fazer “a melhor” composição e ganhar o debate no campo musical também era uma das questões que estava em jogo nesses embates. Conforme Maria da Conceição N. Moreira, havia uma competição entre as facções em torno de quem fazia mais e melhores músicas (entrevista com Maria da Conceição N. Moreira). Nas reações diante das músicas, verifica-se outras que não suscitavam novas composições, mas reações de reprovação. No jingle em que os embromeiros insinuavam o consumo de “diamba” por Zé Marques e seus eleitores, tem-se uma reprovação por parte até de eleitores da própria Embroma.119 Ao apresentar esta música à Lucília Martins, uma de nossas entrevistadas, sua voz trêmula, quase emocionada, já enunciava a censura de uma composição excessivamente depreciativa: “a música que mamãe chorava porque ele era caridoso”, “porque Zé Marques foi o nosso médico, salvou muitas vidas”. O que segue é uma condenação, ainda no presente, desta música como se ela ferisse a memória daquele que foi considerado “um mito” no setor de saúde do município. Essa foi uma das músicas que eu não cantava. Mesmo sendo de outro partido, eu me emocionava porque Zé Marques era médico nessa cidade. Eu não achei bom, foi 118 As duas músicas foram citadas no terceiro capítulo. A do Sebo dizia: “Eu vou contar uma história engraçada / uma história que se deu aqui em Penalva / Quando o deputado Ivar Saldanha / veio pelo Sebo convidado / os embromeiros tiraram a gasolina / do avião para que ele morresse / Deus é pai de nossa gente / Não deixou que isso acontecesse / eta embromeiro! Tu estás em desespero / pega Zé Toalha e joga no lameiro. A Embroma respondeu: “A história do deputado Ivar Saldanha / é uma mentira que o Sebo inventou / a Embroma não quer que ele morra / pra ele ver o que vai acontecer / João Faveira vai ganhar a eleição / e ele vem no mesmo avião / pra ver Faveira na prefeitura / com a sua boa administração / gasolina é a mentira / que o Sebo inventou / um deputado desse que o povo nem ligou.” 119 A letra desta música, já citada no terceiro capítulo, é: “Se cachaça fosse voto / e diamba eleitor / José Marques tinha voto / até pra ser governador / mas como cachaça não é voto / nem diamba eleitor / José Marques não tem voto / nem pra ser vereador.” 130 uma música muito assim... ofendendo, entendeu? Mesmo eu não votando pra ele, eu fui contra essa música. Se eu fosse uma pessoa que tivesse força, essa música seria eliminada na época (...) chocou a minha mãe que era muito amiga dele e ficou muito chateada (Entrevista com Lucília Martins). A citação aponta para uma compreensão de que a recepção positiva ou negativa não dependia somente de ser partidário do Sebo ou Embroma. Há que se levar em consideração os lugares de fala a partir de outra variável, as relações de favores, muito presente na política municipal. Neste caso, a recepção estava vinculada a valores sedimentados na cultura política. Conforme dissemos no segundo capítulo, sedimentou-se na política da cidade o que chamamos de cultura política do favor, através da qual candidatos construíam seu capital político, que, por sua vez, ligava-se a relações afetivas que iam se costurando em concomitância com os favores prestados. Zé Marques, através dos seus serviços médicos, prestava “favores” à comunidade, e isso justifica a censura deste tipo de música que, inclusive, supomos, e fazemos isso a partir da reprovação que estas músicas tinham por parte de pessoas da própria facção, não circulavam nos palanques, mas de boca em boca escandalizando eleitores com críticas bastante carregadas de adjetivos pejorativos sem que o nome do seu autor viesse à tona. Maria da Conceição N. Moreira, ao cantar essa mesma música, propôs que se trocasse a palavra “diamba” por “carro velho”, lembrando que também era contada assim, contudo, uma das suas justificativas para a troca é que “diamba” era um termo muito “pesado” na época. O tom de voz baixo em que nossa entrevistada nos apresenta a música, como quem está a dizer um segredo, aponta para um entendimento de que esta não circulava livremente nos comícios ou passeatas, mas nos bastidores, em casa, nas chacotas de eleitor pra eleitor. Um outro elemento importante sobre as reações diante destas músicas se refere à evocação da memória, e que não poderemos deixar de lembrar, uma vez que pode confundir temporalidades. Zé Marques ou José Gonçalves, apresentados no segundo capítulo como operários da cultura política do favor, eram alvos de muitas críticas, ou seja, não eram uma unanimidade, e as músicas, assim como outros comentários, deixam isso claro. Maria Joaquina acusa José Gonçalves de ter aumentado a dependência entre o eleitor e o candidato (mas isso também foi dito 25 anos depois) através da instituição de um assistencialismo vicioso. Através de jornais e manuscritos encontrados no arquivo do padre Wilson Cordeiro (esses sim, foram escritos na época), tem-se a imagem de José Gonçalves como um invasor autoritário que chegou distribuindo migalhas para o povo como estratégia de dominação 131 política. Por outro lado, José Marques (do Sebo) é apresentado por Sidney Mendes como um corrupto que desviava os medicamentos da colônia de pescadores para vender ou fazer assistencialismo político na sua farmácia (Entrevista com Sidney Mendes). De modo que nos anos 1970 e 1980 o que se tinha eram imagens conflitantes que ao longo dos anos, embora não tenham sido eliminadas, foram sendo remodeladas. É ainda Ecléia Bosi (1994) que nos dá uma contribuição importante para compreendermos o processo de modelamento da experiência política partidária na memória. A experiência política, enquanto partidária, necessariamente vai modelando, com o tempo, formas de discurso valorativos, convencional, „ideológico‟, que podem esconder o teor mais objetivo da fala testemunhal; formas que vão ficando cada vez mais parecidas com as da crônica oficial, geralmente celebrativa” (BOSI, 1994, p. 459). Se não havia uma unanimidade sobre estas personagens, as imagem predominantes destes operários da cultura do favor (José Marques e José Gonçalves) que foram sendo modeladas ao longo dos anos 1980 e 1990 foram as positivas. Dois autores contribuíram para esse modelamento: Carlos Alberto de Sá Barros, em seu livro Elementos para a reconstituição histórica de Penalva, publicado em 1985, dois anos após a morte de José Marques, não economiza elogios: “Zé Marques fez do ofício um sacerdócio. O povo lhe depositava tanta confiança e fé que, ao longo dos anos, tornou-se um mito na região” (BARROS, 1985, p. 117). Para Raimundo Balby em, Nos tempos do Cine Trianon, livro de memórias publicado em 2000, José Marques foi um “enfermeiro brilhante”, um “autêntico mito no setor de saúde pública em Penalva” (BALBY, 2000, p. 107). Já o sambista Cornélio de Aquino, o “Condecora”, como o “Doutor dos Pescadores” num samba composto no início da década de 2000: (...) eu vou contar uma história / de um cidadão que nasceu nesta cidade / era José Luiz Marques / que tanto tempo ele esteve ao nosso lado / em uma emergência ele ia atender e o seu povo / Zé Marques ia socorrer / ficou na lembrança do povo / ele foi nosso prefeito / o doutor dos pescadores.120 Já José Gonçalves, conforme já mostramos no segundo capítulo, tornou-se o “pai dos pobres”. De maneira que essas imagens, ao lado de outras negativas, têm sido projetadas sobre estes agentes, com forte tendência ao predomínio das imagens positivas. Essa concepção elogiosa é reforçada pelas formas de representação do passado predominantes no 120 CD Memória do carnaval de rua de Penalva lançado em 2013 por Raimundo Balby. 132 imaginário da cidade. Vimos no terceiro capítulo como vêm se dando as representações do passado no imaginário político da cidade. O “tempo de antes” era o “tempo de glórias” em que “tudo era bom”, “tudo era festim”, em oposição ao presente, visto como um momento de decadência provocado pela má gestão da cidade, tempo que deveria ser superado com a emergência de um salvador. Essa visão pode ser percebida até em pequenos recortes temporais, como na mudança de um prefeito para outro, pois foi assim que o Jornal Pena Alva, que execrava a administração José Gonçalves descrevia a situação do município três anos depois: “o povo sente saudade do governo José Gonçalves, que mesmo sem ser brilhante, conseguiu em muito superar Derze, que nada fez” (Jornal Pena Alva, ano VI, n. XIII, agosto de 1991). É claro que essas representações atendem às flutuações dos interesses políticos imediatos, mas também apontam para uma noção importante sobre a forma de se pensar a memória e o passado que podem ser inventados e reinventados a partir de anseios do presente. Diante do exposto, ainda que por vezes lacunar, entendemos que os jingles constituíam um importante dispositivo eleitoral. Seus gêneros (em geral sambas e marchinhas) fortemente influenciados pelo samba carioca, mas não somente, visto que os duelos entre grupos de bumba-meu-boi apresentavam também um cenário de disputas, correspondiam à experiência musical da cidade. Como dispositivo eleitoral, lugar de debates ou dispositivo de tomada de posição política, inventados numa rede de boataria que ia dos “cantos das tesouras”, comércios e camboas, aos comícios e passeatas, os usos dos jingles eram atravessados por múltiplas recepções/apropriações podendo provocar tanto sentimento de satisfação, quanto de reprovação, dependendo do lugar que cada ator ocupava no jogo, se do Sebo ou da Embroma, ou, levando-se em consideração outra variável, a recepção dependia do lugar que cada ator ocupava naquilo que entendemos como cultura política do favor. 133 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo do texto, procuramos analisar as características das culturas políticas e imaginários sociais dos atores envolvidos no cenário político do município de Penalva, entre 1969 e 1992, tendo como eixo a análise dos jingles eleitorais. Conforme se pode notar, estruturamos o texto em três partes em que demonstramos alguns pontos dessa cultura: primeiro identificamos o cenário político marcado pela bipolarização entre as facções Sebo e Embroma, destacando alguns personagens que as compunham, as migrações entre elas, assim como a rede de favores acionada pelos atores, fundamentais para o ingresso e permanência no cenário político. Entendemos que a concepção de política, compreendida como eleição, se confundia com a própria prática do favor que se desdobrava na construção de vínculos de amizade num ambiente em que candidatos e eleitores se tratavam como um ente familiar, às vezes através de relações de compadrio. No capítulo seguinte, procuramos demonstrar a recorrência da utilização das músicas nos embates políticos observando a presença tanto das que enalteciam seus candidatos quanto das que depreciavam (estas mais recorrentes). Isto aponta não só para uma ampliação do conceito de jingle eleitoral defendida pelos autores citados, como para a inserção da cidade numa tradição satírica que acompanhou grande parte da nossa história republicana. Os jingles constituíam o repertório de práticas acionadas pelos atores e ajudam a compreender, do ponto de vista das representações, a visão que estes tinham da sua prática que incluía: rede de favor, o bom político era o que fazia favores; a visão de que só se devia votar no candidato vitorioso, porque o contrário seria “botar o voto fora”; a política como lugar de “macho” com a “censura” de candidaturas de homossexuais; a prática da zombaria, em que se desdenhava dos adversários levando-os ao ridículo; uma visão maniqueísta que revela a percepção do jogo político visto como luta entre o bem e o mal em que o mal aparece conspirando contra o bem; uma concepção de tempo que descreve o passado como um tempo de glória em oposição ao presente, visto como decadente, que deveria ser superado com a emergência do salvador associada à crítica do outsider. O cruzamento das músicas com outras fontes tais como jornais, entrevistas e fontes bibliográficas, nos revela uma luta em torno de quem reunia os atributos de salvador, luta que acabou por cristalizar uma ideia de que só os “frutos da terra”, conhecedores da história e das potencialidades do município, teriam legitimidade para governá-lo, cabendo aos outros o título de forasteiros que por terra, mar ou céu chegariam para usurpar a cidade. 134 Concomitantemente às disputas eleitorais, havia uma competição no campo musical em torno de quem compunha mais músicas ou, de outro modo, quem “cantava por último”. Através destas, apelidos pejorativos e acusações eram difundidos, bem como suas ressignificações, num jogo de acusação e defesa. Nessa guerra, os jingles cumpriam tanto a função de desqualificar quanto de construir ou “vender” imagens positivas pela negação do outro. No capítulo que se segue, procuramos mostrar a partir da experiência musical da cidade, que as músicas constituíam um dispositivo de enfrentamento, identificando os gêneros que nela circulavam através de inúmeras agências, tais como rádio, sistemas de alto-falantes, orquestras de músicas, turmas de bumba-boi e escolas de samba. A partir dessa experiência musical que teve influências tanto externa (Samba carioca) quanto interna (turmas de bumbaboi), procuramos identificar essa característica do gosto musical da cidade assimilada pelos jingles que, em geral, nasciam nos canais de boataria. São múltiplos os sentidos para onde apontam os usos dessas músicas. O ato de cantar pode ser interpretado como “piscadelas” que comportam sentido para além de um tique nervoso. Vista de um ponto, as sátiras tinham a intenção de destratar o adversário, fazer não acreditar, não levar a sério. Por outro, significava uma tomada de posição, uma declaração pública do voto, uma vez que não declará-lo era ficar em cima do muro e correr o risco de creditá-lo no “diabo”. Essa prática também tinha uma dimensão lúdica, que via o tempo da política como tempo de diversão num ambiente que não oferecia muitas alternativas de lazer fora das tradicionais temporadas de festividades (carnaval, festejo junino, etc.). Como discurso coletivamente acionado nas disputas, tem-se a música como arma nas lutas de representação em que cada facção buscava impor seu modo de pensar o jogo político, elaborando seu repertório de adjetivos pejorativos. Estratégia que ganhava eficácia porque inscrita nos sistemas de crenças, crenças na política como luta entre o bem e o mal, visão antitética supostamente superada, a posteriori, com a emergência do salvador. Com relação às reações diante das músicas, poderia se dar mediante o lugar que cada eleitor ocupava no jogo, se do Sebo ou da Embroma. Contudo, sua análise aponta para outra variável não menos importante. Do ponto de vista das apropriações individuais, as reações diante de uma música ofensiva não atendiam, necessariamente, essa classificação (Sebo ou Embroma). As reações de um eleitor da Embroma diante de uma música que ofendia seu adversário poderia ser de reprovação, isso porque havia uma relação de dependência que ligava os habitantes do município identificada aqui como cultura política do favor, que 135 condicionava a própria recepção das músicas. Isso fica claro diante do desgosto da eleitora ao ouvir as ofensas dirigidas a Zé Marques, tido como o médico da cidade. Dispositivo da luta de representação, lugar de enfrentamento, o uso de músicas constituiu uma prática política acionada nas disputas, assim como revelava a concepção do jogo político constituindo os imaginários sociais e culturas políticas das facções que disputavam o cenário político do município de Penalva, entre 1969 e 1992. 136 ANEXOS Lista dos jingles eleitorais citados 01- Oziel, compra sebo de carneiro pra passar na tua careca pra nascer cabelo. / compra bastante que pouquinho não dá / ainda tem Adelman que falta passar.121 02- Vocês estão vendo quem acaba de chegar / é Wilson Marques para prefeito do lugar / Não é mole não, é uma coisa louca / Wilson Marques deixou Oziel com água na boca.122 03- Vocês estão vendo quem acaba de chegar / é Zé Gonçalves vereador do lugar / Zé Gonçalves e Bolinha / vão acabar com a sebaria / e nós vamos sorrir.123 04- Botaram... Botaram uma coruja na casa de João Faveira para amedrontar // João Faveira, tenha fé em Deus / pode vim mil corujas que essa não valeu / a sebaria vai cansar de botar / pois com coruja ou sem coruja a Embroma vai ganhar.124 05- A história do deputado Ivar Saldanha / é uma mentira que o Sebo inventou. / a Embroma não quer que ele morra / pra ele ver o que vai acontecer. / João Faveira vai ganhar a eleição / e ele vem no mesmo avião / pra ver Faveira na prefeitura / com a sua boa administração / gasolina é a mentira / que o Sebo inventou / um deputado desse que o povo nem ligou.125 06- Cabelo duro não nega / ô não nega / quem pisa no Sebo escorrega, escorrega, escorrega / não vai escorregar eleitor / na hora da votação / vote em Zé Gonçalves ele é o líder, é a solução.126 07- Faveira homem valente e querido / candidato jamais esquecido em sua terra natal / ai!!! João Faveira, deixa o Sebo falar / com ele eu não voto / não votarei jamais, nunca mais / Lozinho está querendo ganhar / mas Faveira o mais preferido / vai tirar em primeiro lugar.127 08- Embarca Faveira embarca / molha o pé, mas não molha a meia / Zé Gonçalves veio de longe, fazer benefício na terra alheia.128 09- Não é mole / não é duro e não é mole / coitado do Dico Pé Mole / jogou o seu voto fora / votou nos cabeças de sola / Wilson por ser o maior / botou os carecas pra fora.129 121 Música de campanha de 1969 (Entrevista com Maria Silva). Ibid. 123 Ibid 124 Música de 1976 (Entrevista com Maria Silva). 125 Ibid.. 126 Música de 1972 (Entrevista com Maria Silva). 127 Música de 1976 (Entrevista com Maria Silva). 128 Ibid. Esta era cantada em duas versões substituindo-se a palavra benefício por bagunça. 129 Música de 1969 (Entrevista com Maria da Conceição N. Moreira). 122 137 10- Cavour já se empossou / sua cara de perua / agora eu quero ver tu andar nua na rua / mulher convencida / a inveja é que te mata / o nosso Cavoursinho não é sapo de grava.130 11- Zé Marques vai ganhar / uma passagem pra sair deste lugar / não é de carro, nem de trem, nem de avião / é num jumento sem direção / deixa o diabo levar.131 12- Se cachaça fosse voto / e diamba eleitor / José Marques tinha voto / até pra ser governador / mas como cachaça não é voto / nem diamba eleitor / José Marques não tem voto / nem pra ser vereador.132 13- Em 66 Penalva já vai melhorar / Zé Marques ganhou a política / Aquino é quem vai entregar / eu quero ver, quero ver, quero ver... / o que é que Zé Marques vai fazer.133 14- Lozinho tu abre o olho – o olho / Wilson quer te enrolar – enrolar / ele é muito esperto – esperto / quer comer sem trabalhar / deixou a embromaria sem motivo e sem razão / traindo Zé Gonçalves que lhe deu a mão (...)134 15- Nunca vi rastro de cobra nem coro de lobisomem te prepara João Faveira que Lozinho é que te come, / Lozinho é que te come, / Lozinho é que te come, / Lozinho é que te come, / como come...135 16- Mamãe eu quero / mamãe eu quero / mamãe eu quero votar / em Derze Barros / em Derze Barros / em Derze Barros pra Penalva melhorar.136 17- Ele solta o aís de copa / ele solta o aís de copa / Zé de Lourêncio entre as pernas tem uma loca.137 18- Eu vou contar uma história engraçada / uma história que se deu aqui em Penalva / Quando o deputado Ivar Saldanha / veio pelo Sebo convidado / os embromeiros tiraram a gasolina / do avião para que ele morresse / Deus é pai de nossa gente / Não deixou que isso acontecesse / eta embromeiro! Tu estás em desespero / pega Zé Toalha e joga no lameiro138 19- A lua lá no céu é cor de prata Joaquina é candidata com a sua cor também / é uma coroa igual aquela tua que anda pela rua não fala mal de ninguém / com Joaquina não há quem possa vota eu vota você que a vitória é toda nossa.139 130 Não temos uma fonte especifica desta, tivemos acesso através de conversas informais. Música de 1972 (Entrevista com Maria da Conceição N. Moreira). 132 Não se tem certeza se esta é da campanha de 1972 ou de 1974 quando foi realizada eleições estaduais (Entrevista com Maria da Conceição N. Moreira). 133 Música de 1965 (Entrevista com Maria da Conceição N. Moreira. 134 Música de 1976 (Entrevista com Maria da Conceição N. Moreira). 135 Música de 1976 (Entrevista com Sonia Barros). 136 Música de 1988 (Entrevista com Sonia Barros). 137 Não identificamos a data desta (Entrevista com Maria Carvalho). 138 Música de 1976 (Entrevista com Maria Carvalho). 139 Música de 1988 (Entrevista com Maria Carvalho). 131 138 20- Dessa vez eu voto, voto em Zé Gonçalves todo mundo vê / ele é do povo, candidato forte, vamos eleger / a pobreza pede e Jesus concede nesta eleição / com José Gonçalves, com José Gonçalves Penalva vai crescer / e dessa vez vamos botar pra valer / pois o seu Zé Marques vai ter que perder / largue o Sebo vote na embromaria quem votar na sebaria vai se arrepender.140 21- Quem pisa no Sebo escorrega, escorrega, escorrega / não vai escorregar eleitor / na hora da votação / vote em José Marques ele é o líder, é a solução.141 22- Vou votar no dia 15 / para prefeito, no amigo Lozinho / a turma do Sebo é aquela união! / com José Marques na ponta / vamos ganhar de montão eu já falei que vou votar no dia 15 / para prefeito, no amigo Lozinho / a turma do Sebo é aquela união! / com José Marques na ponta / vamos ganhar de montão / eu já falei...142 23- Derze / tu toma jeito / tu fica doida mas tu não vai ser prefeita / nós estamos trabalhando nesse pleito / com o povo Zé Gonçalves está eleito.143 24- Nós não queremos nada de conflito / porque o bebê chora e eu grito / eu quero mesmo é votar / pra uma nova estrutura e Marival na prefeitura pra Penalva melhorar / escute caro eleitor que isto é mais legal / dia 15 de outubro vote certo em Marival / escute caro eleitor que isto é bem legal / dia 15 de outubro vote certo em Marival.144 25- Eu já olhei na minha bola de cristal / Para prefeito só deu Marival / Joaquina está com ele / Pra Penalva melhorar / É Marival, é Marival, é Marival / O nosso candidato ideal.145 26- Só pretendo morrer / depois que o Sebo acabar / e se Deus do céu quiser / isso não vai demorar / a Sebaria que trate de dar um fora / pois eu sou da embromaria / é quem está com a vitória.146 27- Com Lozinho, com Zé Marques / o Sebo bota pra quebrar / a Embroma vai se acabar / Zé Toalha vai embora / que teu orgulho se excedeu / tu pensas que Penalva é tua / procura o lugar que é teu.147 140 Música de 1972 (Entrevista com Lucia Pinheiro). Música de 1972 (Entrevista com Lucia Pinheiro). 142 Música de 1976 (Entrevista com Lucia Pinheiro). 143 Música de 1982 (Entrevista com João Carlos Martins). 144 Música de 1988 (Entrevista com João Carlos Martins). 145 Música de 1992 (Entrevista com Antonio Carlos Martins). Conforme este, o jingle foi composto por Raimundo Balby. 146 Música de 1976 (Entrevista com Maria Lúcia Figueiredo). 147 Música de 1976 (Entrevista com Luzia do Socorro Azevedo de Barros). 141 139 Relação dos estabelecimentos apontados no mapa (Fig. 15, pág. 117). 1- Maria Viúva (varejo). 2- Florita (varejo). 3- Vadico (varejo). 4- (não identificado). 5- Cantídio Gama (varejo). 6- Casa Paris. 7- Gonçalo Diniz (varejo e atacado). 8- Eusébio Soeiro (varejo e atacado). 9- Nascimento (varejo). 10- Lola Mendes (loja de tecido). 11- Casa Onça de Bento Mendes (varejo e atacado). 12-João Bolinha (varejo). 13- João Mendes /Abimael (com o primeiro, varejo; com o segundo, sapataria). 14- Sebastião Gama (varejo e atacado). 15- Chibico (panificadora). 16- João Francisco Mendes (bar). 17- Mercado Público. 18- Macaco (panificadora). 19- Relojoaria Fonseca. 20- Candido Bahia (loja de tecido e hotel). Este local foi apelidado de “O Canto da Tesoura”. 21- Grêmio Cultural. 22- Quadra de Esporte. 23- Maria Calanga (bordel). 24- Igreja Assembleia de Deus. 25- Matias Soares (varejo). 26- Luiz Carlos Trindade (varejo). 27- Manoel Pinheiro (loja de tecido). 28- Nestor Balby (varejo). 29- Prisco (varejo). 30- João Moreira (varejo e atacado). 31- Zezico Leite (varejo). 140 32- Terror (bordel). 33- (não identificado). 34- Dedico Mendes (varejo). 35- Firmino Feitosa (farmácia). 36- Antônio Gomes, posteriormente residência de José Gonçalves (loja de tecido). 37- Victorino Campos (varejo). 38- Correios e Telégrafos. 39- Agência da Oleaginosas Maranhense S/A- OLEAMA. 40- José Ribamar Martins (varejo). 41- Zé Marques (farmácia e consultório). 42- Josué (varejo). 43- Prefeitura Municipal. 44- Valter Sá (varejo). 45- Colônia de pescadores Z-23. 46- Antonio Gentil Silva Neto (varejo e atacado). 47- Zé Brusa (bordel). 48- Marival Sá (varejo e atacado). 49- Agência da empresa Chagas e Penha. 50- Agência da empresa Francisco Aguiar. 51- Agência da empresa Bento Mendes. 52- Tomás de Aquino Mendes (agência de compra de babaçu). 53- Gregório Campos (varejo). 54- Victurino Barros (varejo). 55- Manoel Sousa (sapateiro). 56- Zé de Fele (varejo). 57- Almeida (varejo). 58- Leonel Mendes (varejo). 59- Joaquim Martins (varejo). 60- Leovergílio Martins (varejo e atacado). 61- Zé Leite (loja de tecido). 62- Abelinho Leite (varejo e atacado). 141 Mapa de localização geográfica do município de Penalva (MENDES NETO, 2009, p. 66). 142 Imagem de capa do Jornal dos Municípios. 143 Texto publicado no Jornal dos Municípios na edição de 15 a 31 de agosto de 1979. 144 REFERÊNCIAS Entrevistas. Alberto Lopes (pescador). Realizada em 20/03/2013. Astrogildo Nabate (lavrador). Realizada em 17/01/2013. Derze Rodrigues Barros Ribeiro (ex-prefeita de Penalva). Realizada em 16/03/2012 Florêncio Privado (vereador nas legislaturas 1988-1992 e 1993-1996; vice-prefeito em 1997-2000). Realizada em 17/03/2012. Joana Barros (professora aposentada). Realizada em 23/06/2008.* João Carlos Martins (comerciante). Realizada em 18/03/2012. João Francisco Mendes (ex-prefeito de Penalva). Realizada em 28/06/2008. João José (músico, vereador em 1982-1988, 1989-1992, 1993-1996). Realizada em 27/05/2008.* José Carlos (lavrador). Realizada em 13/03/2012. José Reis (funcionário público aposentado - FUNASA). Realizada em 21/05/2008.* Lúcia Pinheiro. Realizada em 28/02/2008.* Lucília Martins (professora). Realizada em 18/03/2012. Maria Carvalho (funcionária pública). Realizada em 28/02/2008.* Maria da Conceição Nunes Moreira (professora). Realizada em 16/01/2013. Maria da Glória Mendes (primeira dama entre 1976 e 1982). Realizada em 26/06/2008. Maria Joaquina Gonçalves (tabeliã do cartório 1º ofício). Realizada em 07/06/2008. Maria José (professora aposentada). Realizada em 28/05/2008.* Maria Silva (professora aposentada). Realizada em 20/05/2008.* Mariano Mendes (lavrador, ex-presidente do Sindicato dos trabalhadores Rurais). Realizada em 04/06/2008. Raimundo Balby (ondontólogo e historiador). Realizada em 18/01/2013. Raimundo Nonato Trindade. (funileiro). Realizada em 16/02/2012. Sidney Barros Mendes (pescador, ex-presidente da Colônia de Pescadores Z-23). Realizada em 07/06/2008. Sonia Barros (professora e filha de Derze Barros) ). Realizada em 15/03/2012. *(Afim de preservar a identidade destes, optamos pelo uso de pseudônimos). 145 Periódicos. Jornal dos Municípios, 1979 a 1980. Jornal Penalva, 1988, 1991 e 1997. Jornal Fruto da Terra, 1992. Bibliografia ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras artes. 5 ed. 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